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4 maduras profundas. Naquele mesmo dia, à tarde, Miriam morreu no ambulatório de um hospital. Embora os nomes e alguns detalhes da história acima sejam fictícios, ela é verdadeira. Aconteceu em alguma cidade do Brasil. Pior, ela se repete, claro que sem os mesmos extremos, quase todos os dias em alguma família evangélica brasileira. Retrata exatamente a severidade com que algumas denominações brasileiras encaram o problema dos usos e costumes. Sei de muitas jovens que hoje vivem longe de suas igrejas e totalmente indiferentes à mensagem do evangelho porque sofreram exclusões e disciplinas públicas quando foram vistas usando calças compridas, um colar ou até mesmo brincos. Muitas vezes um jogo de futebol entre crianças ou soltar pipas ocasionam 45 minutos de repreensão do pastor. Em determinadas igrejas, raramente o sermão expõe a Bíblia, pois quase sempre começa com um versículo e acaba tratando do que pode e do que não pode. Alguns ficariam estarrecidos com o número de pessoas que sai pela porta dos fundos de suas igrejas, rejeitando e odiando o cristianismo, devido a esse rigor legalista sobre usos e costumes. Nossa igreja realiza, pelas ruas de São Paulo, um trabalho de assistência a mendigos, prostitutas e viciados. Chocam-nos encontrar inúmeros desviados que cresceram nas igrejas, mas, por não suportarem o fardo do legalismo, acabaram nas sarjetas das grandes cidades. Filhos e filhas de pastores estão entre alguns dos que perambulam pelas ruas do Brasil. Vítimas do legalismo religioso, cometem uma espécie de suicídio gradativo. Envolvidos em drogas, crime e prostituição, estão em pleno processo autodestrutivo. Esse jugo pesado, quando não aliena, gera também uma outra excrescência: a hipocrisia. Existem muitos que se acomodam ao sistema religioso e mostram-se coerentes com as exigências do pastor somente quando estão na igreja. Longe da fiscalização religiosa, porém, vivem noutra realidade. Esse largo contingente de evangélicos conseguiu desenvolver uma duplicidade comportamental. Na esfera privada agem e convivem com mais liberdade, brincam e riem, vestem-se de acordo com as últimas novidades da moda. Mas, quando vão à igreja, passam por uma metamorfose impressionante. Assumem um ar mais grave. Agem dentro do ambiente religioso de acordo com os códigos impostos pela liderança, mas com revolta. A cada palavra dita no púlpito, haverá sempre um árduo exercício de decodificação. Como defesa, desprezam os sermões legalistas que ouvem. O jugo apregoado não lhes diz respeito. Vivem uma espécie de hipocrisia involuntária, que os agride. Quase que invariavelmente a conversa durante qualquer refeição entre amigos pertencentes a essas igrejas gira ao redor de usos e costumes. As críticas ao sermão

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maduras profundas. Naquele mesmo dia, à tarde, Miriam morreu no ambulatório de

um hospital.

Embora os nomes e alguns detalhes da história acima sejam fictícios, ela é

verdadeira. Aconteceu em alguma cidade do Brasil. Pior, ela se repete, claro que sem

os mesmos extremos, quase todos os dias em alguma família evangélica brasileira.

Retrata exatamente a severidade com que algumas denominações brasileiras

encaram o problema dos usos e costumes.

Sei de muitas jovens que hoje vivem longe de suas igrejas e totalmente

indiferentes à mensagem do evangelho porque sofreram exclusões e disciplinas

públicas quando foram vistas usando calças compridas, um colar ou até mesmo

brincos. Muitas vezes um jogo de futebol entre crianças ou soltar pipas ocasionam 45

minutos de repreensão do pastor. Em determinadas igrejas, raramente o sermão

expõe a Bíblia, pois quase sempre começa com um versículo e acaba tratando do que

pode e do que não pode. Alguns ficariam estarrecidos com o número de pessoas que

sai pela porta dos fundos de suas igrejas, rejeitando e odiando o cristianismo, devido a

esse rigor legalista sobre usos e costumes.

Nossa igreja realiza, pelas ruas de São Paulo, um trabalho de assistência a

mendigos, prostitutas e viciados. Chocam-nos encontrar inúmeros desviados que

cresceram nas igrejas, mas, por não suportarem o fardo do legalismo, acabaram nas

sarjetas das grandes cidades. Filhos e filhas de pastores estão entre alguns dos que

perambulam pelas ruas do Brasil. Vítimas do legalismo religioso, cometem uma

espécie de suicídio gradativo. Envolvidos em drogas, crime e prostituição, estão em

pleno processo autodestrutivo.

Esse jugo pesado, quando não aliena, gera também uma outra excrescência: a

hipocrisia. Existem muitos que se acomodam ao sistema religioso e mostram-se

coerentes com as exigências do pastor somente quando estão na igreja. Longe da

fiscalização religiosa, porém, vivem noutra realidade. Esse largo contingente de

evangélicos conseguiu desenvolver uma duplicidade comportamental. Na esfera

privada agem e convivem com mais liberdade, brincam e riem, vestem-se de acordo

com as últimas novidades da moda. Mas, quando vão à igreja, passam por uma

metamorfose impressionante. Assumem um ar mais grave. Agem dentro do ambiente

religioso de acordo com os códigos impostos pela liderança, mas com revolta. A cada

palavra dita no púlpito, haverá sempre um árduo exercício de decodificação. Como

defesa, desprezam os sermões legalistas que ouvem. O jugo apregoado não lhes diz

respeito. Vivem uma espécie de hipocrisia involuntária, que os agride.

Quase que invariavelmente a conversa durante qualquer refeição entre amigos

pertencentes a essas igrejas gira ao redor de usos e costumes. As críticas ao sermão