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XI SEMINÁRIO MODERNIZAÇÃO TECNOLÓGIA PERIFÉRICA RECIFE, 4 a 6 de NOVEMBRO de 2009 Fundação Joaquim Nabuco, Apipucos, Sala Gilberto Osório, Rua Dois Irmãos, 92 Discutindo a “inclusão digital”: acertos, equívocos e desafios Renan Cabral da Silva [email protected] 1 Marcos Costa Lima [email protected] 2 Resumo A intensificação da revolução tecnológica associada à economia da informação trouxe consigo, um hiato entre os “incluídos digitalmente” - que têm acesso e capacidade de apropriação às Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) – e aqueles que não têm. Partindo do pressuposto de que o acesso e domínio das TIC podem ser uma forma de expansão das liberdades das pessoas, atenuando obstáculos tradicionais como tempo e distância, também é possível pensar no apoio ao processo de desenvolvimento humano - através da redução das desigualdades de uma economia de mercado, de um maior diálogo entre redes de conhecimento, do aumento da transparência para a democracia, etc. Este trabalho pretende refletir sobre as conseqüências da revolução tecnológica para o desenvolvimento de países emergentes, investigando comparativamente algumas políticas de “inclusão digital” da Índia, do Uruguai e do Brasil, salientando as diferenças que explicam seu desempenho e alguns dos desafios para os países citados. Palavras-chave: Inclusão digital, desenvolvimento, política comparada. Abstract The intensification of the third technological revolution associated with the knowledge economy also brings with it the digital divide - the gap between people with effective access to digital and information technology and those with very limited or no access at all. Considering that the access and competence to use Information technologies can be a way to expand substantive human freedoms and to mitigate old obstacles such as distances and time, is also possible to think about the support to the human development process – for instance, through the reduction of the inequalities of a market economy, a greater dialogue between knowledge networks, the increasing of transparency in a democracy, etc. This article aims to reflect on the consequences of the last technological revolution of development in emerging countries, investigating in a comparative way some policies that aim to reduce or to bridge the digital divide based on the experiences of the following countries: India Uruguay and Brazil, showing differences that explain their performances and some challenges to the countries reported. Key words: Digital divide, development, comparative politics. 1 Graduando em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Pernambuco, bolsista PIBIC PROPESQ/CNPq e membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas Regionais e do Desenvolvimento (D&R-UFPE). 2 Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFPE. Doutor pela Unicamp e Pós Doutor pela Université Paris XIII (Villetaneuse). O pesquisador agradece ao CNPq pelo apoio, que o permitiu visitar o estado indiano de Kerala em agosto de 2008, sem a qual parte desse artigo não poderia ter sido feita. SILVA, RC; LIMA, MC. Discutindo a “inclusão digital”: acertos, equívocos e desafios 247

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XI SEMINÁRIO MODERNIZAÇÃO TECNOLÓGIA PERIFÉRICARECIFE, 4 a 6 de NOVEMBRO de 2009

Fundação Joaquim Nabuco, Apipucos, Sala Gilberto Osório, Rua Dois Irmãos, 92

Discutindo a “inclusão digital”: acertos, equívocos e desafios

Renan Cabral da Silva [email protected]

Marcos Costa Lima

[email protected]

ResumoA intensificação da revolução tecnológica associada à economia da informação trouxe consigo, um hiato entre os “incluídos digitalmente” - que têm acesso e capacidade de apropriação às Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) – e aqueles que não têm. Partindo do pressuposto de que o acesso e domínio das TIC podem ser uma forma de expansão das liberdades das pessoas, atenuando obstáculos tradicionais como tempo e distância, também é possível pensar no apoio ao processo de desenvolvimento humano - através da redução das desigualdades de uma economia de mercado, de um maior diálogo entre redes de conhecimento, do aumento da transparência para a democracia, etc. Este trabalho pretende refletir sobre as conseqüências da revolução tecnológica para o desenvolvimento de países emergentes, investigando comparativamente algumas políticas de “inclusão digital” da Índia, do Uruguai e do Brasil, salientando as diferenças que explicam seu desempenho e alguns dos desafios para os países citados.

Palavras-chave: Inclusão digital, desenvolvimento, política comparada.

AbstractThe intensification of the third technological revolution associated with the knowledge economy also brings with it the digital divide - the gap between people with effective access to digital and information technology and those with very limited or no access at all. Considering that the access and competence to use Information technologies can be a way to expand substantive human freedoms and to mitigate old obstacles such as distances and time, is also possible to think about the support to the human development process – for instance, through the reduction of the inequalities of a market economy, a greater dialogue between knowledge networks, the increasing of transparency in a democracy, etc. This article aims to reflect on the consequences of the last technological revolution of development in emerging countries, investigating in a comparative way some policies that aim to reduce or to bridge the digital divide based on the experiences of the following countries: India Uruguay and Brazil, showing differences that explain their performances and some challenges to the countries reported.

Key words: Digital divide, development, comparative politics.

1 Graduando em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Pernambuco, bolsista PIBIC PROPESQ/CNPq e membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas Regionais e do Desenvolvimento (D&R-UFPE).2 Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFPE. Doutor pela Unicamp e Pós Doutor pela Université Paris XIII (Villetaneuse). O pesquisador agradece ao CNPq pelo apoio, que o permitiu visitar o estado indiano de Kerala em agosto de 2008, sem a qual parte desse artigo não poderia ter sido feita.

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1. Introdução

O fim da Guerra Fria e a globalização econômica coincidiram com a terceira Revolução tecnológica. Esta revolução, associada à economia da informação e depois ao computador e à internet, provocou uma série de mudanças econômicas, políticas e sociais. A intensificação desses processos levou a um extraordinário avanço da tecnologia digital trazendo consigo uma série de possibilidades que se tornaram comuns a uma parcela do globo. Cada vez mais, as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) tornam-se cruciais para o processo de desenvolvimento dos países conformadores da “economia baseada no conhecimento” e governos de todo o mundo tem se empenhado em investir em políticas condizentes com esta “nova economia”.

Nesse contexto, as desigualdades de uso efetivo, ou mesmo do acesso a essas tecnologias e às oportunidades para sua apropriação, conferem à evolução tecnológica um caráter perverso: o de excluir milhares de pessoas de desfrutarem das vantagens oferecidas pelo progresso técnico ou; para adequar-se àquilo que se convencionou chamar de “era do conhecimento”, “sociedade da informação (Castells, 1996)”, “Economia do aprendizado”3. Sobre isso, é necessário que consideremos a transferência cada vez mais freqüente de serviços – governamentais, ou não - para internet. Do caso brasileiro podemos citar como exemplo: boletins de ocorrência, votação para decidir sobre políticas publicas (caso do “Orçamento Participativo”), banco por internet etc, havendo inclusive casos em que estes serviços estão disponíveis exclusivamente em meio digital, como por exemplo, as declarações de Imposto de Renda no Brasil.

Esse artigo tem como objetivo aprofundar as questões teóricas relativas às TICs, buscando articular inclusão digital e desenvolvimento, além de tentar identificar quais as condições essenciais para o sucesso das chamadas políticas de inclusão digital, a partir da discussão das experiências de Índia, Uruguai e Brasil, sobre seus limites e possibilidades.

2. A inclusão digital e a controversa abordagem da Digital Divide

A abordagem mais disseminada sobre “inclusão digital” surgiu nos Estados Unidos, que é o “país berço da internet” e que conta com o maior número de usuários em todo o mundo. Os americanos utilizaram uma imagem, bem didática, mas também bastante controversa e limitada, a de que há uma digital divide. Esse conceito auto-explicativo foi utilizado pela National Telecommunications na Information Administration, durante o governo Clinton (NT), para descrever a distância de oportunidades entre “incluídos” e “excluídos digitalmente”. A bibliografia sobre digital divide nos fornece uma série de estudos, predominantemente empíricos, que nos permite elencar algumas condições técnicas indispensáveis a uma política de “inclusão digital”. Segundo Kenneth Keniston (2002), devem preceder às políticas de “inclusão digital” três requisitos indispensáveis: 1. Conectividade; 2. Computadores ou dispositivos similares e; 3. software.

Em 2001 a Onu reconheceu que as TIC são poderosas no sentido de alcançarem metas de desenvolvimento. Elas facilitam uma comunicação mais fácil, provêem melhor acesso à informação e geram tanto ganhos na produção como de utilização do conhecimento. Em 2003, na reunião de Cúpula realizada pelas Nações Unidas em Genebra, e, posteriormente em Tunis,

3 Sobre as distinções entre os conceitos “sociedade da informação” e do “conhecimento”, ver nota emitida pela UNESCO: http://portal.unesco.org/ci/en/ev.php-URL_ID=20493&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=201.html

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em 2005, ficou estabelecido o compromisso de buscar maneiras de difundir o imenso potencial de TIC para o desenvolvimento econômico e social, através da superação da digital divide.Embora hegemônica, a abordagem da digital divide é bastante criticada, sobretudo, pelas suas implicações. Para diversos autores, como por exemplo, Warschauer (2006), essa abordagem tem o problema freqüente de considerar a falta de acesso às TIC per se, concebendo o problema da “exclusão digital” como um simples problema de acesso tecnológico, de pobreza de telecomunicações, de infra-estrutura e de baixa conectividade da internet. Ou,

como um percurso que os atores precisam fazer de um lugar vazio, de uma tabula rasa, para outro de prosperidade, numa clara reatualização da visão dos atores em posição subalterna como seres faltantes (Ferreira e Rocha, 2009. P.p.1).

Reconhecendo que nenhuma inovação tecnológica se produz num vazio histórico, social e cultural, Mark Warschauer (2006) se propõe a reorientar o debate, pensando inclusão digital como inclusão social. Assim, para proporcionar acesso significativo a novas tecnologias, o conteúdo, a língua, o letramento, a educação e as estruturas comunitárias e institucionais devem todos ser levados em consideração.

Saskia Sassen (2007) tem um conceito interessante. O de “formações digitais”, que no nosso entendimento também pode ser utilizado para tentar captar, além das propriedades técnicas, a lógica social “externa”, que envolve as dimensões econômicas, políticas e culturais em vez da restrição ao determinismo tecnológico convencional. As “formações digitais” podem assumir uma variedade de formas, as “redes”, os mercados, as comunidades, os governos etc.Pois bem, para nós a “exclusão digital” não é meramente um problema de acesso às TIC, mas antes, um amplo problema de desenvolvimento no qual uma vasta parcela da população mundial está desprovida do uso do potencial dessas tecnologias. O acesso e domínio das TIC podem ser uma forma de expansão das liberdades das pessoas, diminuindo obstáculos tradicionais como tempo e distância. Também é possível pensar no apoio ao processo de desenvolvimento humano - através da redução das desigualdades de uma economia de mercado, de um maior diálogo entre redes de conhecimento, do aumento da transparência para a democracia, etc.

3. Amartya Sen, algumas idéias sobre desenvolvimento e como elas podem nos ajudar a pensar a inclusão digital

Na história recente, desde o fim da 2ª Guerra Mundial, desenvolvimento quase sempre foi considerado sinônimo de crescimento econômico. Todavia, após a onda de desenvolvimento econômico de 1950 que afetou de forma intensa também os países semi-industrializados - inclusive o Brasil - esse desenvolvimento não se traduziu nestes últimos, necessariamente, em maior acesso de populações pobres a bens materiais e culturais, como ocorrera nos países considerados desenvolvidos. Essa maneira de entender desenvolvimento também limitava a forma de medi-lo - feita, sobretudo, a partir do PNB - e levou um tempo razoável até que uma forma alternativa de entender e medir desenvolvimento ganhasse maior visibilidade.

Em 1990, houve uma mudança radical na forma de medir desenvolvimento, fruto, é claro, de uma mudança no seu próprio entendimento. Com o lançamento do IDH (Índice e Desenvolvimento Humano), pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, houve um grande abalo esclarecedor, mas que aumentou ainda mais a controvérsia até hoje sem fim. O IDH, que teve sua formulação bastante influenciada pelo economista indiano Amartya Sen, parte do pressuposto de que só há desenvolvimento quando os benefícios do crescimento servem à ampliação das capacidades humanas, entendidas como o conjunto das coisas que as pessoas podem ser ou fazer na vida. O índice (IDH) procura aferir variáveis como: se as pessoas são capazes de participar da vida da comunidade, se têm uma vida longa e saudável, se são instruídos, se têm acesso aos recursos necessários e a um nível de vida digno.

É então que - grosso modo - passa a ser possível observar duas “correntes” que pensam o

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desenvolvimento: 1. De um lado, temos aqueles que pensam crescimento econômico e desenvolvimento como sinônimos, e; 2. Do outro, aqueles como Amartya Sen, que tal como Celso Furtado - que foi um dos primeiros a divulgar a obra deste economista indiano no Brasil - pensam o conceito de forma mais ampla, sem amesquinhar seu entendimento apenas como crescimento econômico.

Segundo as formulações do indiano Amartya Sen, a expansão das liberdades individuais é o fim e principal meio do desenvolvimento. Ou seja, desenvolvimento, para Sen, consiste na eliminação de tudo o que limita as oportunidades e as escolhas das pessoas. O desenvolvimento, então, requer que se removam as principais fontes de privação de liberdade: pobreza, tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços púbicos e intolerância ou interferência de Estados repressivos.

A partir dessa perspectiva, números como nível de produção e rendimento são insuficientes para mensurar o complexo entendimento do desenvolvimento. Para o autor indiano, a natureza do desenvolvimento, é a relação entre recursos e realizações, entre bens e potencialidades, entre riqueza econômica e a capacidade para vivermos como gostaríamos. Esse autor retoma aquela que ele considera a concepção original de desenvolvimento, encontrada em “Ética a Nicómaco”, do filósofo grego Aristóteles, citando um trecho desta obra que diz: “a riqueza não é manifestadamente o bem que buscamos; pois ela é meramente utilitária, em vista de outra coisa”.

Sen faz uma divisão do papel da liberdade no desenvolvimento. Há o papel constitutivo, que se refere às liberdades substantivas que abrange certas capacidades como ter condições de evitar privações, ter participação política e liberdade de expressão e o papel instrumental, que se refere à liberdade global, onde os indivíduos possam viver da forma como desejam.

Assim, para Sen uma política que promova o desenvolvimento deve remover as várias restrições que limitam as escolhas e oportunidades das pessoas. Segundo a perspectiva de desenvolvimento de Amartya Sen as realizações ao alcance de cada um dependem dos investimentos e estímulos às suas iniciativas. Dessa forma, o desenvolvimento como liberdade contrasta com outras perspectivas mais restritas, que o identificam com o crescimento da produção ou com aumento dos rendimentos, por exemplo.

“Entre as liberdades relevantes inclui-se a liberdade de agir como cidadão que tem sua importância reconhecida e cujas opiniões são levadas em conta, em vez de viver como vassalo bem alimentado, bem vestido e bem entretido (Sen, 2000, p. 326).”

Sen procura demonstrar que o desenvolvimento pode vir a ser um processo atrelado intimamente a expansão e garantia de liberdade para todos os indivíduos. Para ele, desenvolvimento só terá sentido se significar melhores condições para expansão das liberdades individuais.

Nesse contexto, a “exclusão digital”, assim como a exclusão social, deve ser pensada como um problema de privação de liberdades, um problema de desenvolvimento e não apenas como um problema de acesso às TIC. As políticas de “inclusão digital” devem, portanto ampliar as liberdades das pessoas, ou seja, ser desenvolvimento. Amartya Sen (1981) também tem outro conceito que parece ser muito útil a nossa reflexão, o de “entitlement” ou “intitulação” que define um conjunto de liberdades necessárias à inclusão plena na sociedade. Para nós, a falta de acesso e de habilitação às TIC faz parte de uma destas privações, tão mais relevante quanto às sociedades mundiais passam a transformá-las em instrumento fundamental de trabalho e de conhecimento, ajudando a driblar obstáculos tradicionais como espaço e tempo4. Dessa forma, esperamos ter feito uma reflexão adequada, que torne mais nítido nosso problema.

4 Sobre a modificação nas relações dos homens com tempo e o espaço, provocadas pelo progresso técnico tomaremos as reflexões de Harvey (1998).

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4. Os países em questão

Neste artigo, o primeiro referente ao Projeto Facepe intitulado “Inclusão Digital em Pernambuco: Políticas em perspectiva comparada”, procuramos checar o estado atual das pesquisas sobre inclusão digital, propondo a alternativa de pensar a exclusão digital como um problema de desenvolvimento, além de investigar algumas políticas de “inclusão digital” em três países periféricos, com ênfase nas condições necessárias para o seu sucesso. Estes países são: a Índia, o Uruguai e o Brasil. O primeiro e o ultimo – Índia (vale dizer: segundo maior exportador de software do mundo) e Brasil – compõe o acrônimo BRIC, grupo dos países que supostamente estariam entre os mais desenvolvidos do mundo em 2050. Já o terceiro, o Uruguai, é o país que primeiro adotou o Programa One Laptop Per Child (OLPC), como será visto adiante.

4.1. O caso indiano

A Índia é um país interessante para pesquisar sobre exclusão digital por vários motivos. Talvez o principal deles seja o fato de naquele país o rápido crescimento do setor de Tecnologia da Informação (TI) nos anos recentes coexiste com um crescimento muito mais lento dos setores agrícola e industrial bem como pelo alto nível de pobreza entre populações rurais numerosas. Uma pesquisa empírica que compara as áreas rurais de Malappuram, no estado de Kerala, e Kuppan, em Andra Pradesh (ver mapa abaixo), realizada nos meses de junho e agosto de 2004, retrata resultados diferentes, a partir de centros comunitários de informação que foram criados nas duas áreas citadas, provendo aos habitantes dos vilarejos acesso às tecnologias digitais, que passaram a operar nas duas localidades citadas (PARAYIL, 2005).

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Essa parte do trabalho está estruturada em duas: na primeira, introduz-se um quadro das disparidades regionais na Índia, na intenção de evidenciar para um público que pouco conhece o país, as suas enormes diferenças e diversidades. Na segunda, trata das políticas de “inclusão digital” que foram implementadas no mesmo período histórico em Kerala e Andrha Pradesh, que apresentaram resultados bastante diferenciados. Como poderemos observar a introdução, a absorção e o trato com as novas tecnologias não dependem apenas da existência dos equipamentos, mas de um conjunto complexo de variáveis sociais que interferem no resultado do aprendizado tecnológico.

A questão Regional na Índia

Amartya Sen (1996) observou que existe uma grande diversidade interna na Índia e, segundo ele, cada uma de suas regiões têm muitas lições a oferecer às demais. Um estudo de

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Bhattacharya e Sakthivel (2004)5 levou à conclusão de que grandes países e uma grande economia apresentam regiões com recursos naturais muito diferentes e ritmos históricos de crescimento variados. Por isso mesmo é que o planejamento centralizado advogou, desde muito cedo na Índia, políticas para restringir a ampliação das disparidades regionais. Em que pesem estas políticas, as disparidades regionais permaneceram um sério problema naquele país. Uma nova controvérsia diz respeito a se as taxas de crescimento e padrões de vida em diferentes regiões convergiriam, eventualmente, ou não.

Na Índia, a taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) acelerou-se desde a década de 1980. Enquanto a média anual de crescimento de 1950 a 1980 foi somente de 3.6%, a partir de 1980, esse número cresceu para 4,8% e logo em seguida às reformas econômicas – após 1991 – com a economia passando por mudanças estruturais como: desregulamentação dos investimentos (internos e externos), liberalização do comércio, taxa de cambio, taxa de lucro, fluxo de capital e preços, passou a 4,7%. O período pós-reforma também foi de aguda desaceleração nos investimentos públicos devido às restrições fiscais. Para se ter uma idéia, o nível agregado - a média da participação dos investimentos públicos no total dos investimentos - declinou de 45%, no início dos anos 1980, para um terço nos anos 2000. Muito embora sejam escassas as informações sobre investimentos regionais, os indicadores existentes revelam que, mais e mais, os investimentos estão hoje ocorrendo nos estados mais ricos. Os estados mais pobres, com precária infra-estrutura, não são capazes de atrair investimentos externos. O paper de Bhattacharya et al. evidencia que a desigualdade regional no período pós-reforma tem aumentado e, também, indica que houve uma relação inversa entre o crescimento da população e o crescimento da renda nos anos 1990, o que, segundo eles, “é uma séria implicação, não apenas para o crescimento, mas também para o emprego6”. As estatísticas estaduais de crescimento têm apresentado um alto grau de variação, pois, alguns estados têm vivenciado rápido e impressionante crescimento enquanto outros têm permanecido ou aprofundado suas posições. O artigo em questão apresenta os 17 maiores estados, excluindo Jammu & Kashmir, por conta dos distúrbios nos anos 1990. Foram ainda excluídos seis pequenos estados do Nordeste porque são muito pequenos para refletir o comportamento geral da economia indiana. Ainda três novos estados como Chattisgarh, Jharkhand e Uttaranchal foram excluídos porque não existem séries estatísticas sobre os mesmos.

5 Bhattacharya é Vice Chancellor da Jawaharlal Nehru University em Delhi.6 Bhattacharay et al. p.3.

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Tabela 1 Taxa de Crescimento os Estados a Preços Constantes (%por ano)

Estados 1980-90 1990=00 1980-00

Andhra Pradesh 4.81 5.12 5.05

Assam 3.91 2.47 3.49

Bihar 5.20 3.46 3.85

Goa 5.71 8.23 7.47

Gujarat 5.71 8.28 6.80

Haryana 6.68 6.71 7.80

Himachal Prd. 6.10 6.91 6.20

Karnataka 6.10 7.07 6.53

Kerala 4.50 6.0 5.97

Madhya Pradesh 5.18 5.45 5.89

Maharastra 5.98 6.80 6.30

Orissa 5.85 3.60 3.90

Punjab 5.14 4.63 4.70

Rajasthan 7.17 6.46 6.95

Tamil Nadu 6.35 6.65 5.05

Uttar Pradesh 5.88 4.43 3.49

West Bengal 5.20 7.24 3.85

All Índia 5.60 6.03 7.47

Coeficiente de Variação 0.14 0.29 0.22

In: Bhattacharya. Op.cit.p.6

Estados como Gujarat, Maharastra, Karnaaka e Tamil Nadu abocanharam, segundo os autores, a maior parte dos investimentos externos. Os estados pobres como Bihar, Orissa, Assam e Uttar Pradesh atraíram menos capital externo e doméstico e tiveram fracos desempenhos. Afora o baixo nível de investimentos nestes últimos estados, a pobreza da infra-estrutura combinada com o baixo nível de governo (e terrorismo no caso de Assam) acabaram por reduzir seus crescimentos.

Caso seja acrescentado ao crescimento do PIB estadual o crescimento do PIB per capita em nível dos estados, teremos uma compreensão um pouco mais abrangente:

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Tabela 2 Taxa de Crescimento per capita dos Estados (%por ano)

Estados 1980-90 1990=00 1980-00

Andhra Pradesh 2.56 3.62 3.09

Assam 1.74 0.65 1.38

Bihar 2.97 1.86 1.93

Goa 4.08 6.84 6.01

Gujarat 3.62 6.38 4.85

Haryana 4.12 4.42 5.32

Himachal Prd. 4.36 5.11 4.29

Karnataka 4.00 5.27 4.63

Kerala 3.04 4.78 4.64

Madhya Pradesh 2.74 3.22 3.08

Maharastra 3.60 5.04 4.83

Orissa 3.96 2.12 2.15

Punjab 3.19 2.71 2.73

Rajasthan 4.41 4.09 4.20

Tamil Nadu 4.79 5.40 5.10

Uttar Pradesh 3.46 1.98 2.92

West Bengal 2.93 5.41 3.99

All Índia 3.36 4.07 3.54

Coeficiente de Variação 0.22 0.43 0.34

In: Bhattacharya. Op.cit.p.6

Nesta tabela, os mesmos estados de Assam, Bihar, Orissa e Uttar Pradesh, incluindo agora o Punjab (estado mais rico da Índia nos anos 1980) foram aqueles com baixo desempenho quando em 1990 a maioria dos estados melhoraram seu padrão de vida, com destaque para Goa, Haryana e Tamil Nadu. A análise destes dados nos faz perceber que os estados do Sul tiveram resultados melhores do que aqueles do Leste e os Centrais (à exceção de West Bengal). O padrão de vida nos estados do Sul cresceu mais rápido nos anos 1990 devido à combinação de redução do crescimento populacional e a aceleração do produto interno destes estados. Nos estados do Oeste, o produto interno per capita acelerou basicamente por caso do aumento do crescimento do produto interno. Para concluirmos este panorama das disparidades regionais, é importante indicar alguns dados sobre a situação da educação básica nestes estados, o que fazemos a seguir.

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A Exclusão Social e Digital na Índia

O desenvolvimento contemporâneo da Índia apresenta um quando paradoxal. De um lado, o rápido crescimento das indústrias de alta tecnologia e o empreendedorismo em algumas cidades, enquanto do outro, a pobreza e a fome assolam em muitas de suas áreas rurais. O PIB da Índia cresceu a uma taxa anual acima de 6% desde os anos 2000 e acima de 8% a partir de 2004. O País está emergindo como um destino privilegiado das offshore e tem garantido emprego em muitos setores de serviços, mas também naqueles campos intensivos em conhecimento como engenharia de software, desenho de aeronaves, fármacos, pesquisa e manufatura automobilística. Os rendimentos gerados pela Inovação Tecnológica - incluindo produção e serviços de softwares - e Tecnologia de Serviços (ITES), indústrias (incluindo TI hardware) foram estimados em US$ 47.8 bilhões em 2006-2007, o equivalente a 5.4% do PIB nacional. Ao mesmo tempo, 70% da sua população rural de quase 1.150 bilhão de pessoas vivem em áreas rurais. A contagem da pobreza para o ano de 1999-2000 foi estimada em pelo menos 28.8% para as áreas rurais e 25,1% para as áreas urbanas. Segundo o censo da Índia de 2001, 34% dos indianos são analfabetos e, do total da força de trabalho do país, de mais de 400 milhões, apenas 3 milhões trabalham no setor de IT e 26.5 milhões estão o setor organizado, enquanto o reto da mão-de-obra está engajada em trabalhos de baixo valor agregado, entre os quais a agricultura e o setor informal.

D’Costa (2003; 2006) se refere à experiência indiana como um caso de “desenvolvimento desigual e com uma impressionante expansão da rede no país” pois existem variações substantivas na conectividade da Telecom entre os diferentes estados indianos e entre áreas urbanas e rurais. Há também diversos desafios para o crescimento das tecnologias de inovação e comunicação (TIC) na Índia, como: i) a indústria indiana de TI é extremamente dependente dos mercados de exportação, os quais desencorajam as articulações inter-firmas e o esforço futuro da inovação para o crescimento da indústria (D’Costa, 2006); ii) o limitado número de emprego para as futuras gerações; iii) o predomínio de poucas grandes firmas; iv) a dependência de segmentos menos qualificados para a composição do produto (Chandrasekar, 2005); v) A indústria indiana não desenvolveu ligações significativas com o mercado interno, portanto, os impactos sobre os avanços na produtividade em outros setores tal como o de manufaturas não é muito expressivo (Joseph, 2006).

Com respeito à difusão de TIC para áreas rurais, as maiores limitações são a deficiência infra-estrutura de telecomunicações, a baixa penetração dos computadores individuais e uma pobre conectividade da internet. Embora as reformas da Telecom tenham acontecido na Índia desde os anos 1990, resultando num aumento expressivo das redes no país, existem variações significativas entre as áreas urbanas e rurais. Em dezembro de 2005, havia apenas 18 linhas telefônicas por mil pessoas vivendo no meio rural (World Report IT, 2008). Para a efetiva difusão da internet em áreas rurais, uma ênfase mais forte deve ser dada ao desenvolvimento dos conteúdos da informação em línguas locais, pois o país tem 18 línguas oficiais (Thomas, 2006; Keniston, 2002).

O analfabetismo e várias formas de exclusão social baseadas no sistema de castas e gênero continuam existindo em diversas regiões e estados da Índia e não será surpresa se uma pessoa oriunda das castas menos privilegiadas seja barrada no uso de um quiosque em algumas destas regiões (Sreekumar, 2006). A Índia não atingiu o objetivo de prover educação gratuita e compulsória para todas suas crianças até a idade dos quatorze anos. O sucesso relativo conseguido através da implantação da reforma agrária ocorreu apenas em dois estados indianos que foram e são atualmente governados por partidos comunistas eleitos democraticamente em Kerala, no Sudoeste e West Bengal, no Nordeste da Índia. Como vemos o período das reformas econômicas na Índia, desde 1991 foi caracterizado por significativa queda no ritmo de crescimento na agricultura e na infra-estrutura rural.

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Andhra Pradesh e Kerala

Andhra Pradesh foi um estado pioneiro na Índia no desenvolvimento informacional especialmente com relação a estabelecer instituições regionais para inovação e pela introdução de programas de e-governace (governança eletrônica). Em especial a sua capital, Hyderabad, tem sido uma liderança em software e nas indústrias de ITES. Comparada a Andhra Pradesh, Kerala representa apenas 0,5% do total das exportações de software da Índia, de um total de 9,7% do primeiro estado. Embora, a renda familiar per capita em Kerala tenha sido a mais alta do país entre 1999-2000 e muito mais alta do que a de Andhra Pradesh. Em junho de 2005, havia 97.4 linhas telefônicas rurais em Kerala por mil pessoas, se comparados aos 23.7 na área rural de Andhra Pradesh. Em que pese notável avanço da indústria de IT, Andhra Pradesh sofreu várias crises no meio rural. Diversos casos de fome com causa mortis, migração de agricultores sem terra e suicídios entre fazendeiro e trabalhadores do setor têxtil.

Kerala tem sido citada por suas conquistas na esfera social, articularmente os setores educacionais e de saúde em 2001, o que é uma situação excepcional na maioria dos estados indianos. A alfabetização das mulheres atingiu neste estado 88% e em Andhra Pradesh não passou dos 51%. Estas conquistas de Kerala, na esfera social, são as resultadas de décadas de ação pública bem estabelecida. Kerala tem uma longa história de lutas agrárias que datam de 1830. Os partidos políticos de esquerda tem sido ativos desde os anos 1930 e foram bem sucedidos na mobilização popular, agrupando um forte e renovador movimento social que se tornou politicamente poderoso. A Reforma Agrária de Kerala é de 1967. Em meados de 1990, Kerala iniciou um ambicioso programa de descentralização política, dando força às administrações locais eleitas democraticamente, recuperando inclusive algum poder financeiro. Com o breve quadro comparativo aqui estabelecido, pode-se constatar uma grande diferença nas presentes condições sociais de Kerala e Andhra Pradesh, em favor do primeiro. Os autores Thomas e Parayil (2008) perguntam: como estas condições de padrões históricos e desenvolvimento afetariam as possibilidades das tecnologias de informação e de comunicação e as possibilidades de usar estas tecnologias para o desenvolvimento das áreas rurais? Na tabela que segue apresentaremos um conjunto de indicadores sociais e de acesso a infra-estrutura de informação entre os dois estados e a Índia.

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Tabela 3

Indicador Andhra Pradesh

Kerala Índia

População (milhões) 76 39 1.027

Expectativa de Vida ao nascer para homens (1998-2000)

62.0 70.8 61.6

Taxa de Alfabetização das Mulheres maiores que 7 anos (%)

51.2 87.9 54.3

Média dos Gastos do domicílio per capita (1999-2000) Rúpias;mês)

541 810 589

Telefone no meio rural (por mil pessoas) (junho 2005)

23.7 97.4 17.4

Participação no total das exportações de softwares da Índia 2003-2004 (%)

9.7 0.5 100.0

Fonte: para população e taxa de alfabetização: Censo da Índia, 2001. www.censusindia.gov.in

Para a participação no total das exportações de software: www.indiastat.org

Programas de Inclusão Digital7

O governo de Andhra Pradesh e a companhia Hewlett Packard (HP) conjuntamente lançaram o projeto “Comunidade Incluída” na região de Kuppan no distrito de Chittoor em abril de 2002. O governo de Kerala por sua vez, inaugurou o Akshaya Computer Literacy Training Programme8, no distrito de Malappuran, em novembro de 2002. Os dois projetos eram dirigidos por empreendedores locais e ambos estimulavam os habitantes dos dois vilarejos a usar computadores e internet em um conjunto de temas e assuntos que poderiam afetar suas vidas cotidianas, incluindo agricultura, saúde e educação. Enquanto alguns serviços eram providos por “quiosques digitais”, especialmente aqueles relacionados com a alfabetização computacional, ensinada gratuitamente, outros tinham uma pequena taxa para outros serviços. Os empresários que operavam estes quiosques (os Community Information Centres ou CIC) recebiam ajuda financeira das administrações locais (Panchayats) em Kerala, do estado e da Hewlett Packard em Kuppan.

A pesquisa realizada por Thomas e Parayil9 cobria um raio de quilômetros a partir do Centro Comunitário de Informação ou quiosque. Na área de Kuppan moravam 320 mil habitantes e a pesquisa foi realizada em 13 Centros Comunitários. Em Mallapuram viviam na época 3.6 milhões de pessoas e no programa Akshaya, existiam 582 Centros Comunitários. Para a pesquisa de campo foram selecionados 309 domicílios em Kuppan e 381 em Mallapuran. Dado comum aos dois vilarejos era que a principal fonte de sobrevivência é a agricultura. Os dados de alfabetização das mulheres em Mallapuram eram muito mais expressivos do que os encontrados em Kuppan. No primeiro, 96% das mulheres com mais de 7 anos eram

7 A maior parte dos indicadores de campo de Kuppan e Mallapuran foram extraídos do já citado artigo de Thomas e Parayil (2008), sendo que em Kerala eu tive a possibilidade de visitar e entrevistar alguns responsáveis pelo projeto Akshaya, na administração central em Trivandrium, no mês de agosto de 2008, a partir de projeto apoiado pelo CNPq.8 O site oficial do Akshaya é 210.212.236.212/akshaya/capacityprgms.html9 Op.cit

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alfabetizadas, ao passo que em Kuppan o mesmo indicador era de apenas 47%. O tamanho médio das terras em Mallapuram e Kuppan não ultrapassava os 7 acres, sendo um acre o equivalente a 4.000 metros quadrados.

O Uso dos Computadores nos Vilarejos

Nos questionários aplicados na pesquisa citada, perguntava-se sobre os computadores e se conheciam o Centro Comunitário de Informação (CCI) da vila, além de questões sobre o uso dos computadores, TVs, radio, telefone e jornais por cada um dos membros de família entrevistada. Os jovens demonstraram grande interesse pelos CCI. Quanto ao uso dos computadores, ele era mais extensivos entre os domicílios de Mallapuram, assim como a leitura de jornais, audição de rádio e telefone, estavam muito à frente dos números de Kuppan. Em Mallapuram 64.4% das famílias faziam uso do CIC, sendo que as mulheres tiveram aí parte ativa no programa de alfabetização digital (e-literacy programme). Em Kuppan, o interesse e utilização dos computadores comunitários foram muito menores, ficando claro pela leitura das estatísticas que acesso a computadores e mídias tecnológicas não se traduz automaticamente em capacitação para uso de computadores e mídia. Dentre as famílias a capacitação para uso dos computadores foi maior entre os homens que entre as mulheres e ainda maior entre os homens jovens do que entre os adultos e idosos.

Em Kuppan, as disparidades de gênero, entre jovem e adulto, e entre mais e menos alfabetizado foram muito acentuadas. Tais disparidades, também foram identificadas em Mallapuram, só que num grau consideravelmente menor. É necessário dizer que existiam fatores sociais favoráveis que estimulavam a capacitação para o uso das TIC em Mallapuram, a começar por um ambiente mais encorajador para a participação e à educação das mulheres e seu envolvimento ativo nos “panchayats” trabalhados pelo Akshaya Programme. A associação entre falta de terra e baixo nível educacional também foi considerada como um fator desvantajoso em termos de acesso ao uso da tecnologia de informação em Kuppan. A pesquisa evidenciou que todas as pessoas que usavam computadores em Kuppan pertenciam aos domicílios que tinham propriedade da terra e eram educados com mais de 10 anos de estudo. Em Mallapuram, as conquistas educacionais superavam as divisões de gênero10 e de propriedade da terra. Como resultado, a habilidade para se beneficiar das TIC e das informações que as TIC proviam eram muito mais distribuídas do que em Kuppan. O sucesso do Projeto Akshaya fez com que fosse disseminado por todo o estado de Kerala e as últimas informações assinalam que no estado há pelo menos uma pessoa em cada família que sabe fazer uso da ferramenta11.

4.2. A experiência uruguaia: O Ceibal

Há uma certa especificidade do Uruguai neste trabalho. É o menor país, tanto em extensão territorial (176.215 Km2)12 quanto em população ( pouco mais de 3.241.003)13, considerado neste trabalho e tem nesses números certa vantagem que tornou possível àquele país ser o primeiro a utilizar, em uma política de abrangência nacional, os laptops da ONG One Laptop Per Child (OLPC)14, os famosos “laptops de cem dólares15. Politicamente, convém lembrar que o Uruguai é um Estado unitário organizado em governos departamentais. No total são 19 10 Evidencia dos melhore indicadores em Mallapuram está em que das 381 famílias pesquisadas, 47 pessoas do total eram educadas por mais de 0 ano de estudo e 29 dentre alas eram mulheres (62%), a maioria das quais pertencendo a famílias pobres (0,3 acres de terra) in: Thomas and Parayil.op.cit p.430.11 Os estados do Sul da Índia mais avançados nas indústrias intensivas em softwares são: Tamil Nadu, Karnataka e Andhra Pradesh .12 Dado retirado de Uruguay em Cifras 2008,

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departamentos, incluindo sua Capital Montevidéu. Os outros governos são os de: Artigas, Canelones, Cerro Largo, Colonia, Durazno, Flores, Florida, Lavalleja, Maldonado, Paysandú, Rio Negro, Rivera, Rocha, Salto, San José, Soriano, Tacuarembó, e Treinta e Tres.

Em 18 de abril de 2007, a partir do decreto presidencial 144/007, o Uruguai tornou-se o primeiro país da América Latina a ter uma política de distribuição de laptops para todos os alunos e professores do ensino primário. Os “XO”, desenvolvidos pela ONG OLPC, através de um programa de alcance nacional. Como meta, o projeto CEIBAL “Conectividad Educativa de Informática Básica para el Aprendizaje en Línea” um projeto sócio-educativo, iniciativa conjunta entre o Ministerio de Educación y Cultura (MEC), o Laboratorio Tecnológico del Uruguay (LATU), a Administración Nacional de Telecomunicaciones (ANTEL) e a Administración Nacional de Educación Pública (ANEP) além de contar com o apoio da UNESCO e, claro, da OLPC tem como meta levar laptops de baixo custo (os XO) a cada uma das crianças da 1º a 6ª série e a todos os professores da rede pública até o fim de 2009. A intenção assumida pelo presidente Tabaréz Vasquez é de “converter a brecha digital em oportunidade para todos”. Para isso, além da distribuição dos laptops para professores e alunos - que podem ser utilizados não somente nas escolas mas também em casa, podendo ser um ponto de acesso compartilhado pelos familiares - junto às capacitações para os docentes sobre como usar os computadores para a promoção de propostas educativas que façam uso deles, fazendo o Ceibal uma grande aposta do Uruguai em igualdade, na democratização da informação e na melhora educacional.

As fases de implantação do projeto

Conforme o calendário acima, disponível em UNESCO (2008), o Ceibal foi estruturado para ter a distribuição dos laptops em quatro fazes, sendo: 1. Começou no primeiro semestre de 2007, com a distribuição de 200 laptops doados pela One Laptop Per Child na Escola de Villa Cardal (Florida), depois; 2. no segundo semestre do mesmo ano se estendeu a todo o departamento de Florida, em seguida; 3. os laptops começaram a ser distribuídos aos demais Departamentos do país, com exceção de Montevidéu e sua região metropolitana para finalmente; 4. chegarem

13 Dados do Instituto Nacional Estadístico – INE (Revisados em 25/4/05)

14 O projeto global OLPC nasceu por iniciativa do fundador do Laboratório de Meios do MIT, Nicholas Negroponte, em janeiro de 2005, quando durante o Fórum Econômico Mundial de Davos, anunciou a intenção de produzir computadores portáteis de baixo custo, como parte de um projeto educativo mundial. Negroponte recebeu o apoio econômico de vários gigantes da indústria como Google, AMD, Red Hat, News Corp e Brightstar, com o qual criou a ONG.15 Só como curiosidade, esses laptop hoje custam hoje $199 mais taxa de entrega, segundo o site da Ong.

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à Capital e sua região metropolitana.

Alguns objetivos

O Projeto Ceibal tem como objetivos principais: 1. Doação de laptops a todos os alunos e docentes das escolas públicas primárias uruguaias; 2. promover justiça social ao levar a essas pessoas as condições para que esses tenham acesso às tecnologias da informação e comunicação; 3. favorecer a construção de novos entornos de aprendizagem e geração de um contexto propício para que os alunos uruguaios sejam capazes de responder às exigências da sociedade baseada no conhecimento e na informação e; 4. estimular a participação ativa ao colocar a disposição de professores e alunos novas ferramentas com o intuito de estimular a procura e ampliação do aprendizado, aumentando seu conhecimento e desenvolvendo uma consciência a respeito da importância de uma educação permanente.”

Os Laptops do Ceibal

O Projeto Ceibal usa daquelas que talvez sejam as principais vantagens das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC): sua capacidade de reduzir obstáculos tradicionais como tempo e distância, para ajudar na formação educacional infantil, promovendo habilidades essenciais para a sociedade do século XXI. Na lógica do CEIBAL, o laptop é um equipamento que auxilia no desenvolvimento cognitivo das crianças, uma ferramenta de expressão da imaginação e da criatividade do aluno. Dessa forma, o projeto tem como princípios “a promoção da igualdade de oportunidades de acesso à tecnologia, a democratização do conhecimento e a potencialização da aprendizagem em âmbito escolar e “social’ dos alunos”.

Os laptops utilizados, “XO”, são diferentes daqueles dos escritórios. É um computador feito para o aprendizado, desenvolvido para projetos de educação em países subdesenvolvidos: são leves, fáceis de transportar, resistentes e têm baixo consumo de energia. Além disso, os XO possuem um sistema operacional de código aberto, design e interface gráfica (Sugar) convidativos, softwares voltados para o aprendizado, webcam e conexão a internet sem fio. Levando assim, novas possibilidades de comunicação entre alunos, professores e pais de alunos, além novas estratégias de ensino.

O grande desafio

A implantação do Ceibal leva o sistema educativo uruguaio a reciclar seus recursos humanos, ao final de 2009 todos os docentes da educação primária deverão ter passado por capacitação em uso educativo de informática e internet. Assim, o projeto tenta promover o desenvolvimento de novas práticas de ensino e aprendizagem e uma reconfiguração dos atores envolvidos com a educação e com o saber de modo geral. Ainda que a inserção das TICs no currículo uruguaio promova acesso a pessoas que nunca poderiam comprar um computador e ter acesso a internet, o documento da UNESCO (2008) coloca como grande desafio “equilibrar tecnologia e educação”. Discordando dessa “ordem das coisas”, nós acreditamos que, apesar de toda a euforia sobre as possibilidades de uso das TIC na educação, esta deve vir antes da tecnologia. Nosso temor aqui, é de que ocorra um problema comum nesse tipo de política, ou , conforme Martha Stone, Professora da Universidade de Harvard resumiu sobre a situação dos projetos “inclusão digital” nos Estados Unidos: “uma das dificuldades mais duradouras em torno da questão de tecnologia e educação é que muitas pessoas pensam em tecnologia em primeiro

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lugar e depois em educação” (apud Schacter, 1999, p. 10).

Algumas dificuldades na pesquisa

O fato de não termos tido acesso a relatórios avaliativos do Ceibal nos incomoda. Para se ter um exemplo, essa parte do artigo foi feita, em boa medida, graças ao Livro Ceibal en La sociedad del siglo XXI (UNESCO, 2008). Conhecer com mais profundidade o Ceibal é fundamental se considerarmos que o Governo do Brasil começa a desenvolver um programa semelhante, o Um Computador por Criança (UCA), sobre o qual fazemos algumas considerações na próxima sessão.

4.3. O caso brasileiro

No Brasil, segundo a Pesquisa TIC Domicílios 2008, somente 28% dos domicílios brasileiros têm computador, mas, dos que têm computador, somente 18% têm internet disponível. Os números da exclusão digital repetem as desigualdades regionais que marcam o pais, contando o Nordeste com os piores índices, seja em relação à residências com computador, somente 11% dos domicílios com computador, seja em acesso a internet, em que aparece empatada com a região Norte com cerca de 7% das casas com acesso a internet. Também existe uma importante diferença entre o acesso a computadores e internet entre os meios urbano e rural, com boa vantagem para o primeiro. Com esses números, 48% do acesso à internet acaba sendo feito em lan houses e 4% dos internautas acessam a rede em locais públicos de acesso gratuito.

Com relação aos telecentros, uma das principais formas de democratização das TIC no Brasil, dados disponibilizados pelo Onid em 2008 - que também englobam outras parcerias, como por exemplo, com as Ongs - apresentam uma dura realidade para as pessoas que vivem nas regiões Norte e Centro-oeste. Nestas regiões estão situados apenas 13,9% dos telecentros do país.

:

Responsabilidade

Na teoria, todas as ações de inclusão digital deveriam ser supervisionadas pelo Ministério das

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Comunicações. Segundo Lopes (2007) tal atribuição éi dada pelo Decreto 5.581, de 10 de novembro de 2005, que acrescenta a seguinte previsão ao Decreto 4.733, de 10 de junho de 2003: “o Ministério das Comunicações fica incumbido de formular e propor políticas, diretrizes, objetivos e metas, bem como exercer a coordenação da implementação dos projetos e ações respectivos, no âmbito do programa de inclusão digital” (Art. 4º, parágrafo único, inciso I).

As ações

Com o intuito de enfrentar esses números promovendo um acesso mais igualitário das TIC, o Governo Federal tem alguns programas em funcionamento. Um deles é o Observatório Nacional de Inclusão Digital (Onid), que tem o objetivo de “aglutinar informações sobre todos os programas de inclusão digital do Governo”, onde existem algumas informações sobre os programas de “inclusão digital” do Governo. Além de várias iniciativas importantes que ajudam na implantação de telecentros, há também os programas pensados para as escolas públicas – aos quais temos dedicado mais atenção em virtude da pesquisa “Inclusão digital em Pernambuco: Políticas em perspectiva comparada”, que conta com o apoio da FACEPE. Para atuação nas escolas destacam-se as seguintes iniciativas:

1. O ProInfo, que funciona de forma descentralizada, havendo em cada Unidade da Federação uma Coordenação Estadual do ProInfo, cuja atribuição principal é a de introduzir o uso das tecnologias de informação e comunicação nas escolas da rede pública, além de articular as atividades desenvolvidas sob sua jurisdição, em especial as ações dos Núcleos de Tecnologia Educacional (NTEs);

2. O Programa Computador Portátil para Professores, que visa criar condições para facilitar a aquisição de computadores portáteis para professores da rede pública e privada da educação básica, profissional e superior, credenciadas junto ao MEC, a baixo custo e condições diferenciadas de empréstimo, com vistas a contribuir com o aperfeiçoamento da capacidade de produção e formação pedagógica dos mesmos.

3. O Programa UCA (Um Computador Por Aluno), similar brasileiro do Ceibal, tem a finalidade de promover a inclusão digital, por meio da distribuição de 1 computador portátil (laptop) para cada estudante e professor de educação básica em escolas públicas que está sendo ampliado mas ainda se encontra em fase experimental.

E aqueles mais restritos ao apoio, ou de infra-estrutura em TI (que visam levar infra-estrutura para acesso a internet nas escolas), como o Programa Banda Larga nas Escolas e o Gesac (Governo Eletrônico Serviço de Atendimento ao Cidadão), que também objetiva garantir conexão à internet - sendo que via satélite – atendendo também a telecentros, ONGs, comunidades distantes e bases militares fronteiriças, além de oferecer serviços como conta de e-mail, hospedagem de páginas e capacitação de agentes multiplicadores locais.

Dentre essas iniciativas pensadas para atuar na escola há um objetivo comum difícil de ser avaliado: o de objetivar incluir computadores e internet nas escolas com o objetivo de melhorar a educação. Como por exemplo, no caso do Programa Nacional de Informática na Educação (PROINFO), que existe desde o primeiro mandato do governo Fernando Henrique Cardoso, cujo objetivo principal é a “a introdução das novas tecnologias de informação e comunicação (TIC) na escola pública, como ferramenta de apoio ao processo de ensino-aprendizagem”. Revisões bibliográficas como as feitas por Dwyer e equipe (2007a) sobre o impacto das tecnologias na educação chegam a resultados inconclusivos.

Noutro artigo, do mesmo autor (2007b), Dwyer vale-se das teorias sobre o paradoxo da produtividade para tentar explicar a não melhoria do ensino nos dados que apresenta. O problema, neste último artigo, é que a correlação a qual esse a autor chega - de que os alunos que mais utilizam computadores têm piores notas - é admitidamente frágil e ele acaba aplicando mais a crítica do paradoxo da produtividade que as suas tentativas de explicação. Em todo caso, para nós, essa crítica deve ser tomada no intuito de pensarmos que a promoção

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do acesso a computadores e internet é apenas o primeiro passo para a inclusão digital.

Belém do Pará - Programa Navega Pará

Evidentemente, há estados mais dedicados com relação à inclusão digital. Um deles é o Pará, que conforme apresentamos, está situado na região mais carente de políticas de democratização das TIC. No Pará a iniciativa se dá através do Navega Pará que tem como objetivo interligar por internet de alta velocidade, a partir de cinco ações básicas, os principais órgãos administrativos do Estado, viabilizando ações como tele-educação, tele-negócios e inclusão digital. Esta primeira fase do projeto foi viabilizada por dois convênios. Serão construídos infocentros públicos que além de permitir o acesso de dois milhões de pessoas à internet, beneficiará, sobretudo, o setor produtivo, que poderá usar os telecentros para mostrar produtos e fazer negócios com o mundo inteiro.

A meta do Governo, é levar pelo menos dois infocentros públicos, com vinte computadores cada um, para ações de inclusão digital gratuita e terá todos os órgãos públicos (municipais, estaduais e federais) interligados; um telecentro de negócios, pelo qual pequenos produtores poderão comprar e vender pela internet, além de participar e promover cursos variados, como de qualificação e de exportação; dois telecentros públicos específicos para ações de medicina e educação à distância, beneficiando tanto instituições públicas como organizações não-governamentais e iniciativas de pequenas comunidades; e também internet sem fio em locais públicos como praças. Todos estes serviços e ações compõem o que o governo do Estado chama de Cidades Digitais16.

O orçamento em nível federal e o caso do FUST

Embora se fale de problemas orçamentários com relação a esses programas, é importante lembrar que esse não parece ser o maior dos nossos problemas. Lembramos aqui, quem em 2000, foi criado o Fundo de Universalização das Telecomunicações (FUST)17, um mecanismo de autofinanciamento cuja fonte de recursos é, primordialmente, uma taxa de 1% cobrada sobre o resultado bruto das concessionárias de telecomunicações, descontados os impostos. Em 2006, segundo o relatório TIC Domicílios e Empresas (CGI, 2006) o Fundo tinha acumulado mais de R$ 3 bilhões e segundo Lopes (2007). A previsão em 2008, era de que o fundo terminasse o ano com R$ 7,2 bilhões arrecadados. Pelo menos até abril do ano passado, nenhum centavo do fundo havia sido gasto. Para Lopes, ainda no mesmo artigo, a explicação é de que o Governo prefere utilizar o Fundo para fazer um “truque orçamentário”, transformando o fundo num trunfo para atingir superávit fiscal, ajudando assim a alcançar suas rígidas metas fiscais. O autor deixa ainda o protesto de que “verbas desse tipo de fundo devem ser utilizadas única e exclusivamente para o fim a que se propõem, barrando-se truques que as transformem em superávit fiscal”.

16 Os municípios beneficiados pelo Navega Pará até final de 2008 são: Abaetuba, Altamira, Ananindeua, Barcarena,Belém, Bonito, Bragança, Bujaru, Capanema, Capitão Poço, Castanhal, Colares, Curuçá, Garrafão do Norte, Igarapé Açu, Inhangapi, Intuía, Itatuba, Jacundá, Magalhães Barata, Marabé, Maracanã, Manapanim, Manituba, Nova Timboteua,, Ourám, Pacajá, Peixe-Boi, Primavera, Quatipuru, Rurópolis, Salinópolis, Santa Bárbara, Santa Isabel do Pará, Santa Luzia, Santa Maria do Pará, Santarém, Santo Antonio do Tauá, São Caetano,de Odivelas, São Domingos do Capim, São Francisco do Pará, São João da Ponta, São João de Pirabas, São Miguel do Guamá, Tailândia , Terra Alta, Tracueteua, Tucurí, Uruará e Vigia.17 Instituído pela Lei nº 9.998, de 17 de agosto de 2000.

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5. Conclusões

Os exemplos da Índia evidenciam que não basta pensar em prover acesso à tecnologia, mas sim em um conjunto de ações que se torna indispensável para a obtenção de bons resultados. Uma cultura mais democrática, mais dialógica e criativa amplia esses resultados, bem como avanços educacionais e de saúde, ou ainda a maior integração das mulheres à vida social plena. Todos esses, são requisitos importantes. Outra constatação que fazemos, é que não bastam computadores de última geração (Rubem et al., 2003), se não vêm associados a práticas educacionais de trabalho e aprendizado coletivo, com a elaboração de programas específicos adequados às diversas faixas etárias.

A questão regional aparece também na discussão sobre a exclusão digital e deve ser considerada ao serem pensados programas de inclusão digital e os números apresentados sobre a Índia e o Brasil nos dão uma boa noção sobre isso. Embora os programas de “inclusão digital” necessitem de infra-estrutura de Tecnologia da Informação, a garantia dessa estrutura não leva sozinha a um bom aproveitamento da política, ou seja, a afirmação – muito influenciada pela abordagem da digital divide – de que “inclusão digital” se faz com simples acesso é equivocada.

Também é preciso entender que embora bastante importantes os investimentos na democratização das tecnologias não devem ser tomados como uma panacéia. Ou que, a “inclusão digital”, apesar de apoiar processos de desenvolvimento humano, não resolve, por conseqüência, todas as outras exclusões existentes, como aquelas relativas às dimensões econômica e social. Talvez por isso, existam muitos programas que abordam a exclusão digital priorizando os aspectos da ferramenta, da tecnologia, e se utilizam de uma retórica que omite o fato de que as habilidades de uso das TIC estão na capacidade de transformar as informações que as TIC possibilitam em conhecimento útil. A conversão da informação da internet em um funcionamento desejado e que leva a uma capacitação, dependerá tanto da habilidade individual quanto do ambiente social no qual o indivíduo opera.

É importante, também, que as políticas de “inclusão digital” sejam utilizadas para reforçar redes sociais existentes, como no caso do Ceibal que tenta reforçar as redes entre professores, alunos e pais. Além disso, é segundo autores como Sorj (2005), o lugar ideal para implantação de políticas de “inclusão digital”, ou, o lugar onde seria possível ao Estado alcançar um bom número de cidadãos.

A escola é um lugar onde a prática cotidiana e orientada de uso das TIC pode ajudar na difusão da tecnologia entre as famílias, como diria Jean Jaques Rousseau: “A criança é o pai do homem”. As estruturas sociais que toleram o analfabetismo e outras desigualdades sociais entre amplos setores da população, retira do indivíduo a capacidade de uso das TIC e dos benefícios que estas ferramentas podem trazer para suas vidas. Para superar a exclusão digital são necessárias intervenções sociais e políticas públicas que promovam maior equidade e assegure o acesso à educação primária, à saúde pública, à água potável, eletricidade, vias e estrada em bom estado de conservação oportunidades de emprego. Tais intervenções são cruciais em países onde as divisões sociais são profundamente enraizadas na história.

Uma política pública determinista para prover o acesso às tecnologias de Informação e Comunicação para áreas rurais em quiosques ou Centros Comunitários de informação, por si só, não serão capazes de possibilitar o desenvolvimento e a mudança. É importante também que sejam elaborados indicadores e metodologias de avaliação desse tipo de política, capazes de medir os resultados na educação e no desenvolvimento.

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