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152 4 Uma análise das Campanhas da Fraternidade realizadas no terceiro milênio a partir dos modelos de Igreja Neste capítulo, vamos mostrar e analisar os diferentes modelos de Igreja que se fizeram presentes na Campanha da Fraternidade durante este novo milênio. Apenas não será apresentada a Campanha da Fraternidade de 2005 porque ela não foi elaborada pela CNBB, mas sim pelo CONIC, por ser uma campanha ecumênica. 4.1. Introdução Antes da apresentação das Campanhas que aconteceram no início do novo milênio, é importante apresentar alguns elementos conjunturais que trouxeram grande influência na preparação e na realização das mesmas. Um primeiro elemento foi a realização do “Projeto Rumo ao Novo Milênio. Em 1995, as Diretrizes Gerais da Igreja no Brasil ganham nova perspectiva e passam a se chamar Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil. Isso aconteceu por causa da necessidade de fazer com que a Igreja se torne mais “agressiva” nos seus métodos evangelizadores. Acostumada a trabalhar com pequenos grupos, a Igreja se via retraída no contato com a massa. Da ação pastoral para a ação evangelizadora essa passagem sinaliza o anseio por mudança no método pastoral e por maior abertura às massas católicas afastadas 437 . No mesmo ano em que as Diretrizes da Evangelização ganhavam novas perspectivas, o episcopado brasileiro voltava a realizar um projeto único pastoral, fato que não acontecia desde que o Plano de Pastoral de Conjunto foi substituído pelas Diretrizes Gerais da ação Pastoral da Igreja no Brasil. O Projeto Rumo ao Novo Milênio PRNM, surgiu em resposta à Tertio Millennio Adveniente, que pedia a preparação para o jubileu do ano 2000, e tinha o seguinte esquema: 437 Cf. Godoy, M. J. “A CNBB e o processo de evangelização do Brasil” in INP, op. cit., p. 394.

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Page 1: 4 Uma análise das Campanhas da Fraternidade realizadas no ... · Jesus Cristo Evangelho de Marcos Sacramento do Batismo Virtude da Fé 1998 Ano C Espírito Santo Evangelho de Lucas

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4 Uma análise das Campanhas da Fraternidade realizadas no terceiro milênio a partir dos modelos de Igreja

Neste capítulo, vamos mostrar e analisar os diferentes modelos de Igreja que

se fizeram presentes na Campanha da Fraternidade durante este novo milênio.

Apenas não será apresentada a Campanha da Fraternidade de 2005 porque ela não

foi elaborada pela CNBB, mas sim pelo CONIC, por ser uma campanha

ecumênica.

4.1. Introdução

Antes da apresentação das Campanhas que aconteceram no início do novo

milênio, é importante apresentar alguns elementos conjunturais que trouxeram

grande influência na preparação e na realização das mesmas. Um primeiro

elemento foi a realização do “Projeto Rumo ao Novo Milênio.

Em 1995, as Diretrizes Gerais da Igreja no Brasil ganham nova perspectiva

e passam a se chamar Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no

Brasil. Isso aconteceu por causa da necessidade de fazer com que a Igreja se torne

mais “agressiva” nos seus métodos evangelizadores. Acostumada a trabalhar com

pequenos grupos, a Igreja se via retraída no contato com a massa. Da ação

pastoral para a ação evangelizadora – essa passagem sinaliza o anseio por

mudança no método pastoral e por maior abertura às massas católicas afastadas437

.

No mesmo ano em que as Diretrizes da Evangelização ganhavam novas

perspectivas, o episcopado brasileiro voltava a realizar um projeto único pastoral,

fato que não acontecia desde que o Plano de Pastoral de Conjunto foi substituído

pelas Diretrizes Gerais da ação Pastoral da Igreja no Brasil. O Projeto Rumo ao

Novo Milênio – PRNM, surgiu em resposta à Tertio Millennio Adveniente, que

pedia a preparação para o jubileu do ano 2000, e tinha o seguinte esquema:

437

Cf. Godoy, M. J. “A CNBB e o processo de evangelização do Brasil” in INP, op. cit., p. 394.

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1997

Ano B

Jesus Cristo Evangelho de

Marcos

Sacramento

do Batismo

Virtude da

1998

Ano C

Espírito

Santo

Evangelho de

Lucas

Sacramento

do Crisma

Virtude da

Esperança

1999

Ano A

Deus Pai Evangelho de

Mateus

Sacramento

da

Penitência

Virtude da

Caridade

2000 Santíssima

Trindade

Evangelho de

João

Sacramento

da Eucaristia

O ano de 1996 foi um ano preparatório e os esquemas de trabalho foram

desenvolvidos seguindo as quatro exigências da evangelização inculturada438

.

Este Projeto condicionou as Campanhas da Fraternidade que aconteceram

entre os anos de 1997 e 2000. A Campanha da Fraternidade estava ligada à

exigência da evangelização inculturada do Serviço e seguiu as suas propostas para

cada ano. Assim, o Projeto Rumo ao Novo Milênio propôs como objetivo para a

exigência inculturada do Serviço no ano de 1997, o resgate dos direitos sociais e a

Campanha da Fraternidade vai contribuir com a consecução deste objetivo através

do tema: “Fraternidade e os encarcerados”, e do lema: “Cristo liberta de todas as

prisões”.

O mesmo acontece em 1998, quando o objetivo para a exigência inculturada

do Serviço proposto foi o resgate dos direitos políticos e a Campanha da

Fraternidade trabalhou o tema: “Fraternidade e Educação”, e o lema: “A serviço

da vida e da esperança”.

Em 1999, o objetivo para a exigência inculturada do Serviço proposto foi o

resgate dos direitos econômicos e a Campanha da Fraternidade trabalhou o tema:

“A fraternidade e os desempregados”, e o lema: “Sem trabalho... Por quê?”.

O ano 2000 foi o de uma grande novidade na Campanha da Fraternidade: a

Campanha da Fraternidade Ecumênica, que surgiu da necessidade da participação

da Campanha da Fraternidade na exigência da evangelização inculturada do

438

Cf. Ibidem, p. 395.

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diálogo. Esta Campanha teve como tema: “Dignidade humana e paz”, e como

lema: “Novo milênio sem exclusões”.

A concretização do Projeto Rumo ao Novo Milênio levou as comunidades

a crescerem e se amadurecerem no campo da pastoral e da evangelização. Por

isso, na Assembléia de Porto Seguro, que aconteceu no ano 2000, os bispos

aprovaram, em linhas gerais, o novo projeto de Evangelização: o Projeto Ser

Igreja no Novo Milênio (SINM). Este projeto foi mais simples que o Projeto

Rumo ao Novo Milênio e tinha como objetivo renovar a identidade e a missão da

Igreja. O texto bíblico adotado no Projeto SINM foi o livro dos Atos dos

Apóstolos. A sua implantação foi ajudada pela carta apostólica Novo Millennio

Ineunte, do papa João Paulo II439

.

A Carta Apostólica Novo Millenio Ineunte não apresentou nenhuma

contribuição expressiva para a reflexão eclesiológica e só influenciou de forma

mais direta a Campanha da Fraternidade de 2009, sobre segurança pública, na

qual as reflexões contidas no Julgar encontram o seu ponto de partida na

centralidade de Cristo.

A 41ª Assembléia Geral da CNBB, realizada em Itaici de 30 de abril a 09

de maio de 2003 aprovou as Diretrizes gerais da ação evangelizadora da Igreja no

Brasil 2003 – 2006440

. A partir das novas Diretrizes, foi desenvolvido o Projeto

Nacional de Evangelização “Queremos Ver Jesus, Caminho, Verdade e Vida, que

se propôs a ser para a Igreja um verdadeiro mergulho na fé e no amor.441

Seus

objetivos são:

Objetivo Geral: "Evangelizar proclamando a Boa Nova de Jesus Cristo,

caminho para a santidade, por meio do serviço, diálogo, anúncio e testemunho de

comunhão, à luz da evangélica opção pelos pobres, promovendo a dignidade da

pessoa, renovando a comunidade, formando o povo de Deus e participando da

construção de uma sociedade justa e solidária a caminho do REINO definitivo"

Objetivo Específico: "Anunciar o Evangelho de Jesus Cristo, sua pessoa,

vida, morte e ressurreição para proporcionar o ENCONTRO PESSOAL com

439

Cf. Ibidem, p. 396 440

Cf. CNBB, Diretrizes gerais da ação evangelizadora da Igreja no Brasil, 2003-2006, p. 7. 441

Cf. CNBB, Queremos Ver Jesus: Caminho Verdade e Vida n.o 5.1

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Cristo, e ajudá-la na adesão a Ele e no compromisso de segui-lo na tarefa

missionária por Ele confiada" (EA 8-12; DGAE 69.93)442

.

No que diz respeito à CNBB, houve ainda um evento de grande importância

que foi a alteração do Estatuto Canônico da Instituição. Esta alteração, entre

outras coisas, extinguiu a antiga CEP (Comissão Episcopal de Pastoral), que era

constituída por bispos representantes das seis dimensões da ação evangelizadora e

pastoral, e criou as Comissões Episcopais Pastorais responsáveis pelas diferentes

áreas de atuação da Igreja no Brasil. Criou também o CONSEP (Conselho

Episcopal de Pastoral), constituído pelos presidentes das Comissões Episcopais

Pastorais. Foram criadas 10 Comissões Episcopais Pastorais, sendo que a

dimensão sócio-transformadora foi desdobrada em três Comissões Episcopais

Pastorais: a Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, da Justiça e

da Paz, a Comissão Episcopal para a Cultura, Educação e Comunicação Social e a

Comissão Episcopal para a Vida e a Família. Este desdobramento fez com que o

discurso voltado para a ação sócio-transformadora perdesse força e, com ele, o

modelo de Igreja libertadora, que cede espaço para o modelo serva.

Outro evento de grande importância foi a Va Conferência Geral do

Episcopado da América Latina e do Caribe, que aconteceu em Aparecida. Esta

Conferência, de cunho evangelizador e pastoral, não discutiu a eclesiologia em si,

mas a ação da Igreja no continente, e propôs o início de uma grande missão

continental e a conversão pastoral. A CNBB adotou a Missão Continental como

Projeto Nacional de Evangelização.

4.2. A Campanha da Fraternidade de 2001

4.2.1. O que foi a Campanha

Esta campanha, cujo tema foi “Campanha da Fraternidade” e o lema foi

“Vida Sim, Drogas Não”, foi fruto de um grande trabalho de coleta de assinaturas

e formação de opinião nos Regionais da CNBB desenvolvido principalmente pela

Pastoral da Sobriedade e pela Pastoral da Juventude. Teve por objetivos

sensibilizar a comunidade eclesial e social em relação ao problema das drogas,

442

Ibidem n.os

8.1 e 8.2

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mobilizar a Igreja para uma ação profética em favor da vida e contra a exclusão

conseqüente do modelo econômico, despertar para a solidariedade para com as

vítimas das drogas e denunciar o hedonismo e o materialismo que induzem ao

consumo de entorpecentes443

. O Texto-base foi elaborado principalmente com

contribuições da Pastoral da Sobriedade e pelo Secretário Executivo da Campanha

da Fraternidade, Pe. Antonio Donizetti Sgarbi. O Pe. Sgarbi deixou o cargo e a

CNBB antes da realização da Campanha, e esta ficou a cargo no novo Secretário

Executivo, Pe. José Adalberto Vanzella, que assumiu os trabalhos da Campanha

Fraternidade em novembro de 2000.

4.2.2. O conteúdo da Campanha

Na primeira parte do Texto-base, o Ver, são feitos alguns esclarecimentos

prévios sobre elementos conceituais e o sistema das drogas para, em seguida,

entrar em questões como dependência química, suas explicações e suas

conseqüências, tanto para o usuário como para a sua família e para a sociedade em

geral. Também são analisadas as relações existentes entre o mundo das drogas, a

crise social e o modelo econômico vigente. Por fim, são apresentadas iniciativas,

seja da parte da Igreja, das diferentes organizações da sociedade civil e de

políticas públicas para o controle e a superação do problema.

Na segunda parte do Texto, o Julgar, é feita uma análise sobre a vida e a

morte a partir do texto de Dt 30, 19: “Escolhe, pois, a vida”, na qual são

analisadas questões como o valor da pessoa humana no seu contexto pessoal e

social, a busca pela felicidade, a questão da liberdade, dos limites e dos hábitos. A

Igreja deve se colocar a serviço da vida a partir da sua valorização, dos princípios

da fé e da prática do amor, para mostrar o amor que liberta, transforma e faz

crescer.

Por fim, na terceira parte, o Agir, o texto apresenta propostas de atuação no

que diz respeito a políticas públicas, prevenção ao uso de drogas, intervenção,

tratamento e reinserção social diante dos casos de dependência. O texto também

mostra as responsabilidades da família, da escola e da Igreja.

443

Cf. CNBB. Texto Base CF 2001. São Paulo: Salesiana, n.o 11.

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4.2.3. Os modelos de Igreja presentes na Campanha

Um primeiro modelo que encontramos nesta Campanha é a Igreja

libertadora, que deve se mobilizar e também envolver outras Igrejas e a

sociedade em favor de uma vida digna para todos, justiça social, fraternidade e

paz, sendo que este trabalho pode constituir-se num verdadeiro e próprio empenho

de evangelização444

. O contexto social, econômico, político e cultural gera

esvaziamento do sentido da vida, desespero e busca ilusória do prazer, que

contribuem para o agravamento do problema das drogas445

. A Igreja deve engajar-

se na luta por um mundo livre do flagelo das drogas, sendo que este engajamento

deve ser situado num universo mais amplo do que o simples comércio e consumo

de drogas, que gera e alimenta todo o universo das drogas446

.

Outro modelo que aparece é a Igreja como Instituição. As paróquias têm o

objetivo de evangelizar, oferecer os meios de salvação aos fiéis e a cura do

coração para a edificação da Igreja e construção de uma sociedade justa e

solidária447

. Também vemos a Igreja como Arauto, anunciadora do Reino, que é a

sua própria razão de ser448

.

Mas o modelo mais presente na Campanha é a de Igreja Serva. A

Campanha fala do apelo à conversão a partir de um tema relevante para a

convivência humana que exige respostas concretas449

, para agir em favor dos

pobres e excluídos450

. Pois a fé deve ser revitalizada para mover os cristãos ao

enfrentamento dos desafios que lhes são impostos diante do sofrimento das

pessoas451

, e interpelar a todos os que são capazes de um olhar amoroso para

reconhecer no outro a imagem e a semelhança de Deus452

. A Igreja deve

sensibilizar todas as pessoas para a questão453

levando todos a compreenderem

que a Igreja está a serviço da vida. A vida deve ser desenvolvida com dignidade,

alegria e paz e, por isso, tocados pelo sofrimento dos nossos irmãos e irmãs,

444

Cf. Ibid., Introdução. 445

Cf. Ibid., n.o 74.

446 Cf. Ibid., n.

o 118.

447 Cf. Ibid., n.

o 196.

448 Cf. Ibid., n.

o 123.

449 Cf. Ibid., n.

o 2.

450 Cf. Ibid., n.

o 11.

451 Cf. Ibid., n.

o 70.

452 Cf. Ibid., n.

o 14.

453 Cf. Ibid., n.

o 4.

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devemos superar contrastes e ambigüidades dos que carregam consigo as

conseqüências do mercado da droga454

.

4.3. A Campanha da Fraternidade de 2002

4.3.1. O que foi a Campanha

A Campanha da Fraternidade 2002 teve como tema: “a fraternidade e os

povos indígenas” e como lema: “Por uma terra sem males”. Este tema foi

escolhido devido aos fatos acontecidos em Porto Seguro, por ocasião da

celebração dos 500 anos da primeira missa no Brasil455

. A elaboração do Texto-

base ficou a cargo do Conselho Indigenista Missionário – CIMI, mas a sua

redação, principalmente o Julgar, elaborado pelo Pe. Paulo Suess, assessor

teológico do CIMI, sofreu muitas alterações nas revisões realizadas pelo

Secretário-Geral da CNBB.

Os principais motivos para a realização dessa campanha foram o processo

de evangelização do Brasil, que já dura mais de quinhentos anos, mas, no entanto,

persistem em nosso País muitos pecados, principalmente em relação aos povos

indígenas. Estes nos mostram a necessidade da conversão, pois os clamores de

justiça que são feitos pelos povos indígenas são uma pública denúncia dos nossos

pecados. Estes clamores mostram também a necessidade de que a Igreja como a

sociedade resgatem as dívidas sociais que têm em relação aos primeiros

moradores da nossa terra. Esta Campanha da Fraternidade representa também a

possibilidade de aprendermos com as culturas indígenas.

4.3.2. O conteúdo da Campanha

O objetivo geral da CF 2002 foi “motivar a conversão das pessoas, da

sociedade brasileira e da própria Igreja para a solidariedade, a justiça, o

respeito e o amor, dando especial destaque, desta vez, aos povos indígenas. Ser

solidários, justos e amorosos para com nossos irmãos índios!”456

.

454

Cf. Ibid., n.o 117.

455 Cf. Capítulo 1, item 1.4.1 desta tese.

456 CNBB. Texto-base CF 2002. São Paulo: Salesiana, n.

o 1

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A primeira parte do Texto-base é o ver que, inicialmente, faz uma

abordagem da história do Brasil a partir da ótica da opressão aos povos indígenas

e suas ações de resistência. Em seguida, o texto mostra a atuação da Igreja nesse

processo abordando as principais questões relacionadas aos povos indígenas na

atualidade como violência, terra, meio ambiente, educação, saúde e ressurgimento

dos povos. O texto também mostra os problemas atuais em relação aos povos

indígenas e as suas raízes, principalmente problemas relacionados com o neo-

liberalismo, o pluralismo, os mecanismos de dominação cultural e a folclorização

da cultura.

No julgar, a partir da pergunta de Deus a Caim: “Onde está teu irmão?” (Gn

4, 9), o texto nos convida a uma reflexão sobre nossas responsabilidades que deve

despertar em nós a questão do profetismo, tanto no que diz respeito à nossa ação

profética em relação aos povos indígenas como a denúncia das raízes de toda

injustiça que sofrem como sermos capazes de ver os povos indígenas como

profetas que denunciam o futuro ao qual está destinado os povos excluídos. O

texto também é um convite para que todos venham a analisar a questão das

minorias encontrando nelas suas razões de esperança que geraram na história e

continuam gerando hoje protagonismo e solidariedade. A partir disso, o texto

procura iluminar essas razões de esperança das minorias com o Evangelho da paz

a fim de que esta iluminação lance todos ao protagonismo que leva a globalização

econômica a dar lugar aos valores do Evangelho. Assim, somos convidados a,

juntos, olhar o futuro para caminhar em comunidade, na gratuidade e na partilha

num mútuo aprendizado em vista do desenvolvimento de um projeto comum que

possibilite a felicidade de todos.

O agir apresenta iniciativas nas áreas de parceria e solidariedade em vista da

satisfação das necessidades dos povos indígenas. Também nos convida a repensar

concepções e a superar condicionamentos que geram uma mentalidade de

desigualdade, fundamentada no preconceito e na discriminação de povos e de

culturas. A partir da proposta evangélica, podemos construir uma nova visão da

história, rompendo com a ideologia econômica e abrir caminho para discussões

sobre questões concretas como o problema da terra, as políticas públicas, o

Estatuto do Índio, etc., em vista da superação dos conflitos e da construção de

uma nova sociedade, que tenha novos fundamentos para sua existência e

legitimação. Estes fundamentos devem se fazer valer em vista da importância da

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pessoa humana e da sua supremacia diante de todos os demais valores que

norteiam a convivência entre as pessoas, ou seja, uma sociedade que seja fraterna

e solidária em relação a todos os seus membros, independentemente das condições

que caracterizam a sua existência.

4.3.3. Os modelos de Igreja presentes na Campanha

A Campanha da Fraternidade de 2002 apresenta os modelos de Igreja

Instituição, Arauto da Palavra e, principalmente, Libertação. O modelo

Instituição aparece na narrativa da celebração dos 500 anos da chegada do

Evangelho à Terra de Santa Cruz e da presença da Igreja nesse tempo, assim como

os papéis por ela desenvolvidos, os seus erros e pedidos de perdão457

. O modelo

Arauto da Palavra aparece principalmente quando existe a necessidade de

fundamentação do profetismo na Palavra e no seu anúncio, já que a Palavra revela

o que está oculto, denuncia o pecado e apresenta a proposta do Reino de Deus.

Assim, o anúncio da Palavra faz com que as pessoas tenham os seus segredos

desvendados e adorem a Deus458

.

Mas o modelo predominante é o Libertador, o que mostra que o CIMI

conseguiu manter uma grande influência na redação final do Texto-base. O texto

fala em conversão para a justiça459

, em luta pela terra460

, convida a ouvir os brados

de dor e de esperança dos povos indígenas461

e a romper o silêncio para recontar a

história, reparando e pedindo perdão pelos erros cometidos462

. À luz do Concílio,

a Campanha chama a Igreja a assumir o compromisso de defender e promover a

dignidade da pessoa humana e denunciar as injustiças sociais, reorientando a sua

ação junto aos povos indígenas num trabalho conjunto em defesa da vida463

. Esta

luta da Igreja já vem acontecendo na história do Brasil e tem sido um grande

esforço para evitar a extinção dos indígenas464

. Não se trata de um trabalho de

457

Cf. Ibid., n.o 138.

458 Cf. Ibid., n.

o 170.

459 Cf. Ibid., n.

o 2.

460 Cf. Ibid., n.

o 11 e 15.

461 Cf. Ibid., n.

o 45.

462 Cf. Ibid., n.

o 42-43.

463 Cf. Ibid., n.

o 37.

464 Cf. Ibid., n.

o 162.

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assistencialismo ou paternalismo, mas de um amplo projeto de descolonização465

no qual o índio é chamado a ser participante e protagonista466

e nós somos

chamados ao resgate da dívida social que temos com os primeiros habitantes do

nosso país467

.

4.4. A Campanha da Fraternidade de 2003

4.4.1. O que foi a Campanha

Esta Campanha teve como tema: “Fraternidade e Pessoas Idosas”, e como

lema: “Vida, dignidade e esperança”. Foi fruto de um lobby feito pela Pastoral da

Criança em todo o Brasil para difundir uma experiência que ela desenvolveu no

Estado do Paraná no sentido de criar uma Pastoral da Terceira Idade. Um dos

principais responsáveis pela organização e implantação deste trabalho foi o Dr.

João Batista Lima Filho, médico geriatra que reside na diocese de Cornélio

Procópio. O Dr. João Batista Lima Filho teve um papel de grande importância na

preparação e execução desta Campanha. Também teve papel de importância na

preparação desta Campanha o Pe. Dimas Lara Barbosa, Secretário-Executivo do

Instituto Nacional de Pastoral – INP, que foi o responsável pela elaboração da

primeira redação do Julgar.

4.4.2. O conteúdo da Campanha

O objetivo geral da CF 2003 foi “motivar todas as pessoas, para que,

iluminadas por valores evangélicos, sejam construtoras de novos

relacionamentos, novas estruturas, que assegurem valorização integral às

pessoas idosas e respeito aos seus direitos”468

. Os seus objetivos específicos

tratavam de conscientização sobre responsabilidades, superação de preconceitos,

busca de parcerias, elaboração de políticas públicas, lutas em favor dos direitos

das pessoas idosas e educação para o envelhecimento.

O Ver apresenta inicialmente a situação atual do Brasil em relação ao

envelhecimento e às pessoas idosas. Mostra o aumento da população idosa no

465

Cf. Ibid., n.o 180.

466 Cf. Ibid., n.

o 222.

467 Cf. Ibid., Introdução.

468 CNBB. Texto-base CF 2003. São Paulo: Salesiana, n.

o 3.

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país, o aumento da expectativa de vida dos brasileiros e a radical mudança nos

percentuais de presença da população idosa em relação às demais faixas etárias

ocorrida nas últimas décadas. O Ver apresenta também os mitos e preconceitos

que estão presentes na nossa sociedade e a influência dos meios de comunicação

social na formação e manutenção dos mesmos. Em seguida, passa a mostrar

elementos conceituais e existenciais de fundamental importância para a

compreensão da velhice. Num outro momento, o Ver mostra algumas questões

atuais que envolvem o problema do envelhecimento, dando destaque para as

políticas públicas inadequadas e omissas e para o problema da Previdência Social,

tanto no que diz respeito à parte da Instituição de Seguridade Social como também

os mais diferentes tipos de crimes cometidos contra aposentados e pensionistas,

principalmente por parte da própria família e dos comerciantes de pequenos

municípios, a questão da moradia e da cidade, os problemas em relação aos

portadores de necessidades especiais, principalmente as que geram perda de

autonomia. O texto aborda ainda outras questões como a do o envelhecimento dos

religiosos, religiosas e presidiários, a questão da morte e a educação para o

envelhecimento.

No Julgar, o texto apresenta inicialmente a questão da dignidade humana e

dos seus fundamentos para, em seguida, mostrar algumas perspectivas bíblicas

sobre a velhice. Depois, o texto analisa as ameaças causadas pelas mudanças

econômicas, sociais, culturais e éticas em relação à velhice. O julgar também

reflete sobre a terceira idade como uma etapa do desenvolvimento humano, que

deve ser compreendida e vivida como tal, e a velhice, que deve ser vista como

memória, numa visão de passagem da maturidade biológica para a maturidade

biográfica. Por fim, apresenta a espiritualidade na velhice.

O Agir apresenta propostas inicialmente nas áreas de políticas públicas.

Também apresenta a necessidade da atuação, tanto da parte do Estado como da

Igreja, na educação para o envelhecimento e a morte, assim como a necessidade

de utilização de recursos institucionais. Outra questão importante é a atenção aos

idosos com dependência, que engloba também o problema dos maus tratos, tanto

intencionais como decorrentes de descuido. Existe a necessidade de superação dos

mitos e preconceitos e o texto apresenta os caminhos para que isso aconteça,

dando especial destaque para os trabalhos necessários em relação aos meios de

comunicação social, já que se constituem num importante meio de formação da

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opinião pública e de formação de valores. O texto também trabalha a questão das

famílias das pessoas idosas, suas responsabilidades e suas dificuldades e, por fim,

o papel da Igreja, das pastorais, dos serviços e dos movimentos eclesiais em

relação à pessoa idosa.

4.4.3. Os modelos de Igreja presentes na Campanha

O primeiro modelo que encontramos nesta Campanha é o de Igreja como

Serva, com centralização agir das pessoas, principalmente dos leigos e leigas, de

acordo com o documento Christifideles Laici número 34 testemunhando de modo

especial o amor de Deus como forma de anúncio da Palavra469

. A Igreja vê a vida

como um grande dom de Deus e está a serviço dela470

e zela por ela em todas as

suas dimensões, tendo em vista o ser humano na sua totalidade471

.

Outro modelo presente nesta Campanha é o de Igreja como Comunhão. O

texto fala da unidade da Igreja não como uniformidade, mas como integração

orgânica das legítimas diversidades, o que é compreendido a partir do Corpo

Místico de Cristo472

no qual nos relacionamos com o Absoluto473

. A partir disso, o

texto mostra a necessidade do planejamento em vista de uma ação pastoral de

conjunto e orgânica que faça com que cada pastoral, ao seu modo, segundo a sua

competência, aborde a questão das pessoas idosas. Isso é importante para que não

se crie uma nova pastoral e seja evitado o risco de uma pastoral

departamentalizada e fragmentada474

. Ao mesmo tempo, a Campanha pretende

que sejam valorizadas as ações de todas as pastorais475

buscando a sua unidade e

articulação a partir de um objetivo comum, que o objetivo geral, proposto pela

Campanha da Fraternidade, em vista da superação de todos os problemas e

dificuldades relacionados com a pessoa idosa.

469

Cf. Ibid., n.o 191.

470 Cf. Ibid., n.

o 136.

471 Cf. Ibid., n.

o 158.

472 Cf. Ibid., n.

o 223.

473 Cf. Ibid., n.

o 153.

474 Cf. Ibid., n.

o 224.

475 Cf. Ibid., n.

o 231.

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4.5. A Campanha da Fraternidade de 2004

4.5.1. O que foi a Campanha

Esta Campanha teve como tema: “Fraternidade e água”, e como lema:

“Água, fonte de vida”. Foi resultado de uma mobilização nacional a partir da

Pastoral da Terra e de movimentos ecológicos. Esta mobilização conseguiu adesão

de todos os Regionais da CNBB e também de Organizações Não Governamentais,

entidades de classe e até mesmo de órgãos oficiais como a Câmara Legislativa da

Paraíba, a Agência Nacional da Água – ANA e dos Ministérios das Minas e

Energia e do Desenvolvimento, entre outros.

Teve um papel de relevância nos trabalhos desta Campanha o Sr. Roberto

Malvezzi, conhecido pela alcunha de Gogó, residente na Diocese de Juazeiro da

Bahia, membro da Comissão da Pastoral da Terra – CPT, e também cantor e

compositor.

Os trabalhos preparativos para a Campanha foram feitos pelo Secretário

Executivo Pe. José Adalberto Vanzella, mas a sua realização ficou a cargo do

novo Secretário Executivo, Côn. José Carlos Dias Toffoli, uma vez que, durante

os trabalhos preparatórios, cumpriu-se o tempo de mandato da Presidência da

CNBB, no qual era Presidente Dom Jayme Henrique Chemello, Vice-presidente,

Dom Marcelino Pinto Cavalheira e Secretario-Geral Dom Raymundo Damasceno.

Assim, assumiram a nova presidência: Dom Geraldo Majella Agnelo como

Presidente, Dom Celso José de Queiróz como Vice-presidente e Dom Odilo Pedro

Scherer como Secretário-Geral. Devido à troca da Presidência, o Pe. José

Adalberto Vanzella renunciou ao cargo.

A nova presidência realizou uma nova revisão dos materiais e isso causou

um grande atraso na distribuição do Texto-base e dos demais subsídios,

prejudicando a preparação e realização da Campanha. Esta revisão mudou alguns

aspectos do Texto-base como, por exemplo, eliminou o modelo de Igreja

libertadora, presente nas versões anteriores.

4.5.2. O conteúdo da Campanha

O objetivo geral da Campanha foi “conscientizar a sociedade que a água é

fonte de toda a vida, uma necessidade de todos os seres vivos e um direito da

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pessoa humana, e mobilizá-la para que esse direito de água com qualidade seja

efetivado para as gerações presentes e futuras”476

. Os seus objetivos específicos

foram: conhecer a realidade hídrica do Brasil a partir da realidade local;

desenvolver uma mística ecológica que valorize a água nos seus significados mais

profundos; apoiar as iniciativas existentes para superar graves problemas;

desenvolver um espírito solidário em relação aos que sofrem por falta de água;

defender a participação popular na elaboração de políticas públicas e

administração dos recursos hídricos477

.

O Ver parte da importância da água na composição do corpo humano para

mostrar as relações entre água e saúde e a necessidade do acesso de todos à água

com qualidade. A partir daí, o texto apresenta uma visão prospectiva no que diz

respeito aos problemas que se fazem presentes no mundo, procurando mostrar a

responsabilidade de todos diante da questão da qualidade da água e as

conseqüências dos atuais problemas para a humanidade no futuro. Esta questão

relaciona o problema da água com o Mutirão para a Superação da Miséria e da

Fome, desenvolvido pela Igreja, pois ambos têm as mesmas exigências éticas e a

mesma mística.

A água é destinada a todos os seres vivos, e é usada para muitas finalidades

como consumo humano, irrigação, geração de energia, navegação, pesca,

indústria, lazer e medicina, entre outros. A água tem também muitas dimensões,

valores e significados como o biológico, o social, o simbólico, paisagem e

turismo, política e relações de poder, poesia e arte, saúde, etc.

O mundo enfrenta uma crise em relação à água, porém, se de um lado existe

muito de realidade, por outro lado há também muito de ideologia. Em muitos

lugares temos suficiência de água, mas em outros temos carência, tanto

quantitativa quanto qualitativa e, se existe a luta pela preservação, a água também

significa uma oportunidade para grandes negócios. Isso acontece devido ao

discurso que diz que se algo custa caro, o preço motiva o controle do uso, mas o

outro lado deste discurso é o fato de que as pessoas de pouco poder aquisitivo

ficarão privadas de tão importante bem. Esta questão se agrava por causa da

degradação e do desperdício. Também temos os problemas da legislação sobre a

476

Texto-base CF 2004, São Paulo: Salesiana, n.o 2.

477 Cf. Ibid., n.

o 3.

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água, antiga e inadequada, isso sem falar da questão das políticas públicas,

geralmente tendenciosas, e da questão da responsabilidade internacional diante

dos problemas em questão.

O Julgar mostra a água como fonte de vida, alimento e abundância e sua

presença em muitas tradições religiosas. Em seguida, o texto apresenta algumas

perspectivas bíblicas sobre a água e por fim, tira algumas decorrências éticas

como o direito à vida digna, a garantia do direito à água, a condenação do

mercantilismo, a necessidade de uma economia mais racional e solidária e a

importância da luta contra a poluição.

No agir, o texto propõe a participação de todos para a realização de um

mapeamento nacional da situação da água. Propõe também o desenvolvimento de

uma mística em torno da água com visitas, celebrações, romaria da terra e da água

e adesões para superação de problemas locais, maior valorização da água na

liturgia, realização de romaria das águas e outras atividades. Também é

importante o apoio a iniciativas já existentes como a convivência com o semi-

árido, captação de água de chuva, preservação dos lagos da Amazônia, apoio aos

pescadores e áreas de preservação, etc. Também é necessário o desenvolvimento

do espírito solidário em relação aos que sofrem por causa da falta de água e a luta

por políticas públicas verdadeiramente democráticas.

4.5.3. Os modelos de Igreja presentes na Campanha

Um primeiro modelo que encontramos no texto é a compreensão de Igreja

como Comunhão, que tem uma missão a executar, a missão evangelizadora que

recebeu de Jesus, que é formar novos irmãos. A Campanha da Fraternidade tem

como permanentes os mesmos objetivos da Igreja: despertar o espírito

comunitário e a solidariedade na busca do bem comum, educar para a vida

fraterna a partir do amor e da justiça, que são as exigências centrais do

Evangelho478

.

478

Cf. Ibid., Introdução.

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O modelo Sacramento também está presente. A água está ligada ao

sacramento do batismo, fonte de todas as vocações, que insere a pessoa humana

na vida da Igreja e os torna participantes da mesma missão479

.

Outro modelo que percebemos nesta Campanha é a Igreja como Serva. A

Campanha deve fazer com que todos compreendam que o futuro da humanidade

depende do futuro da água480

e, através do serviço e da fidelidade à mensagem

global da Sagrada Escritura e da Tradição da Igreja481

, todos devem assumir suas

responsabilidades. Assim, todos estarão abrindo fronteiras para irmanar toda a

humanidade482

e fazer com que a solidariedade transponha fronteiras483

. Este

serviço deve unir todos os setores da sociedade e todas as religiões484

. Como

exemplo, o texto cita o Nordeste, onde ONGs, dioceses, pastorais, movimentos

sindicais e movimentos sociais se uniram num conjunto de mais de 800 entidades

para formar a Associação do Semi-Árido – ASA, que desenvolve o projeto de

construção de um milhão de cisternas para abastecer um milhão de famílias com

água potável485

. Também existe, nesse sentido, a proposta da criação do

Parlamento Mundial da água que, embora controvertido, deve ser considerado486

.

O serviço deve estender-se também aos atingidos por barragens, que são

obrigados a saírem de suas terras. A construção de novas barragens com a

finalidade de geração de energia elétrica ameaça todos os ribeirinhos e também

exige o serviço e a solidariedade de todos487

.

4.6. A Campanha da Fraternidade de 2006

4.6.1. O que foi a Campanha

Esta Campanha teve como tema: “Fraternidade e pessoas com deficiência”,

e como lema: “Levanta-te, vem para o meio (Mc 3,3)”. Foi marcada por

dificuldades na sua elaboração, a começar pelo enunciado do tema. Depois de

479

Cf. Ibid., n.o 141.

480 Cf. Ibid., n.

o 180.

481 Cf. Ibid., n.

o 142.

482 Cf. Ibid., n.

o 155.

483 Cf. Ibid., n.

o 171.

484 Cf. Ibid., n.

o 154.

485 Cf. Ibid., n.

o 159.

486 Cf. Ibid., n.

o 174.

487 Cf. Ibid., n.

o 179.

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nove meses de coleta de dados e sem sucesso na elaboração de uma versão

satisfatória do texto, o Secretário-Geral da CNBB, Dom Odilo Pedro Scherer, e o

Secretário Executivo da Campanha da Fraternidade, Côn. José Carlos Dias

Toffoli, convocaram para uma reunião na sede da CNBB o Pe. José Adalberto

Vanzella e o Sr. Evaristo Eduardo Miranda, leigo da Arquidiocese de Campinas,

funcionário da Embrapa, que escreveu muitos livros e artigos sobre o assunto e

tornou-se um dos representantes do Brasil junto à Organização das Nações Unidas

para as discussões em torno de questões que envolvessem pessoas com

deficiência. O Sr. Evaristo Eduardo Miranda ficou encarregado de redigir o Ver e

o Agir e o Pe. José Adalberto Vanzella ficou encarregado de redigir o Julgar.

Assim, ficou pronta uma redação satisfatória do texto que, com algumas

modificações, foi aprovada.

4.6.2. O conteúdo da Campanha

O objetivo geral desta campanha foi “conhecer melhor a realidade das

pessoas com deficiência e refletir sobre a sua situação, à luz da Palavra de Deus

e da ética cristã, para suscitar maior fraternidade e solidariedade em relação às

pessoas com deficiência, promovendo sua dignidade e seus direitos”488

. Seus

objetivos específicos foram apresentar a realidade das pessoas com deficiência,

denunciar ideologias e contra-valores presentes na sociedade, mostrar valores

evangélicos que fundamentam as relações humanas, luta por defesa de direitos,

promoção da autonomia e da participação de pessoas com deficiência e

possibilitar a inclusão dessas pessoas na sociedade e na Igreja489

.

O Ver começa com uma discussão teórica sobre os conceitos ligados à

deficiência humana. Em seguida, apresenta uma visão histórica sobre a questão da

deficiência, inicialmente a história do Brasil, dando especial destaque às

conquistas acontecidas no século XX e, logo após, apresenta a história da Igreja

segundo o mesmo aspecto, para depois, concluir com a história do protagonismo

das pessoas com deficiência e suas conquistas sociais. O assunto seguinte é a

apresentação dos principais problemas e desafios ligados à deficiência que estão

presentes na nossa realidade atual.

488

Texto-base CF 2006, São Paulo: Salesiana, n.o 4.

489 Cf. Ibid., n.

o 5.

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O Julgar introduz a questão a partir da igualdade e da dignidade da pessoa

humana, mesmo em suas diferenças, tendo como modelo e paradigma a

Santíssima Trindade. Em seguida, o texto apresenta a pessoa de Jesus, seus

relacionamentos, suas atitudes, seus objetivos e suas propostas diante das

deficiências. Por fim, o texto denuncia as interpretações e as falsas soluções para a

questão e conclui o Julgar apresentando decorrências éticas a partir do Evangelho.

O Agir apresenta inicialmente a necessidade da sensibilização sobre a

realidade em vista do profetismo. Em seguida, apresenta valores evangélicos que

devem nortear a vida das famílias de pessoas com deficiência. O outro tema

abordado é a questão da prevenção das deficiências, principalmente das

decorrentes de problemas de saúde e de acidentes os mais diversos. Por fim,

conclui com uma exortação no sentido de envolvimento de todos na questão e

desenvolvimento de atitudes e gestos de solidariedade.

4.6.3. Os modelos de Igreja presentes na Campanha

Nesta Campanha, também estão presentes diferentes modelos de Igreja. Um

primeiro modelo é a compreensão de Igreja Libertadora que atua a partir do

conhecimento da realidade das pessoas com deficiência, vista à luz do Evangelho

e da ética cristã para superar o imobilismo e o fatalismo e para libertar e

transformar as famílias, a Igreja e a sociedade490

. A Igreja questiona a si mesma,

mas também a sociedade sobre as atitudes e os relacionamentos para com as

pessoas com deficiência491

.

A Igreja também é entendida como Instituição que deve assumir a sua

responsabilidade diante dos problemas das pessoas com deficiência,

principalmente as organizações religiosas que possuem o carisma da educação492

.

A Igreja também deve combater o dualismo que algumas vezes se faz presente no

seu meio e separa a fé da vida, a oração do compromisso social e diminui a força

da sua presença no mundo493

, pois através dos Concílios de Nicéia I e III,

490

Cf. Ibid., n.o 12.

491 Cf. Ibid., n.

o 3.

492 Cf. Ibid., n.

o 287.

493 Cf. Ibid., n.

o 198.

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Constantinopla II e III, Éfeso e Calcedônia, professa a fé no mistério da

Encarnação e na presença e atuação histórica de Jesus494

.

Também encontramos a Igreja compreendida como Comunhão, que deve

incluir as pessoas com deficiência nos seus organismos de participação, pois estas

estão no seu coração e, sem elas, a Igreja é mutilada. Não basta a assistência, é

necessário abrir a essas pessoas caminhos de participação495

.

Mas o modelo predominante de Igreja nesta Campanha da Fraternidade é a

compreensão de Igreja como Serva. A Igreja, desde os seus primórdios, sempre

prestou inestimáveis serviços às pessoas com deficiência496

, principalmente a

partir de suas instituições, assegurando direitos pessoais e sociais a essas

pessoas497

. Este trabalho tem grande continuidade nos nossos dias, principalmente

quando existem ameaças da parte da sociedade em relação àquelas pessoas que

deveria proteger498

, pois não deve haver deficiência na nossa capacidade de amar

e servir499

.

No que diz respeito ao serviço, tem especial destaque a luta para fazer valer

os direitos garantidos por Lei, exigindo o seu cumprimento, assim como é

necessária a luta para que outros direitos também sejam amparados pela Lei.

Assim, é importante o trabalho de instituições que trabalham em prol da justiça,

como a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, Comissão Brasileira de Justiça e

Paz – CBJP, entre outros500

.

4.7. A Campanha da Fraternidade de 2007

4.7.1. O que foi a Campanha

Esta Campanha teve como tema: “Fraternidade e Amazônia”, e como lema:

“Vida e Missão neste chão”.

Na 36ª Assembléia Geral da CNBB, que aconteceu em Itaici em 1998, o

bispo prelado do Xingu, Dom Erwin Kräutler, fez um pronunciamento sobre a

494

Cf. Ibid., n.o 161.

495 Cf. Ibid., n.

o 268.

496 Cf. Ibid., n.

o 40-61.

497 Cf. Ibid., n.

o 104.

498 Cf. Ibid., n.

o 78.

499 Cf. Ibid., n.

o 87.

500 Cf. Ibid., n.

o 248.

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Amazônia como terra de missão501

. No dia 21 de abril de 1999, durante a 37ª

Assembléia Geral da CNBB, ocorrida em Itaici, Dom Erwin Kräutler pediu em

espaço para uma comunicação sobre a Amazônia. O que deveria ser uma

comunicação de dez minutos ocupou mais de uma hora e resultou numa

mensagem ao povo de Deus por parte dos bispos da Amazônia denunciando a

gravidade dos problemas lá existentes502

. Um dos desdobramentos deste fato foi a

criação da Comissão Episcopal para a Amazônia, no dia 16 de abril de 2002,

durante a 41ª Assembléia Geral da CNBB503

. Esta Comissão Episcopal

desenvolveu um trabalho junto às dioceses e Regionais da CNBB e, entre outras

iniciativas, conseguiu que a Campanha da Fraternidade de 2007 tivesse como

tema a Amazônia.

4.7.2. O conteúdo da Campanha

O objetivo geral da Campanha foi “conhecer a realidade em que vivem os

povos da Amazônia, sua cultura, seus valores e as agressões que sofrem por

causa do atual modelo econômico e cultural, e lançar um chamado à conversão,

à solidariedade, a um novo estilo de vida e a um projeto de desenvolvimento à luz

dos valores humanos e evangélicos, seguindo a prática de Jesus no cuidado com

a vida humana, especialmente a dos mais pobres, e com toda a natureza”504

. Seus

objetivos específicos foram: promover um conhecimento atualizado da Amazônia;

denunciar situações de agressão à vida, aos povos e ao meio ambiente e denunciar

suas causas; promover a solidariedade de experiências, saberes, valores e bens, em

vista do fortalecimento da identidade, autonomia e soberania dos amazônidas;

estimular um estilo de vida respeitoso do ambiente e do próximo; fortalecer a

presença da Igreja na região; incentivar políticas públicas com gestão popular505

.

O Ver apresenta, inicialmente, dados estatísticos sobre a Amazônia para

mostrar, em seguida, os povos e as culturas presentes na região. Depois, apresenta

os problemas que estão presentes atualmente na Amazônia como ocupação,

disputa de território, modelo de desenvolvimento, internacionalização,

501

Cf. CNBB, Comunicado Mensal n.o 520, abril de 1998, p 576ss.

502 Cf. CNBB, Comunicado Mensal n.

o 530, abril de 1999, p 1.075.

503 Cf. CNBB, Comunicado Mensal n.

o 570, abril de 2003, p 715-717.

504 Texto-base CF 2007. São Paulo: Salesiana, n.

o 11.

505 Cf. Ibid., n.

o 12.

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militarização, narcotráfico e dificuldades de integração entre os países que

compõem a região. Também apresenta problemas sociais como a pobreza e sua

concentração nas periferias das capitais e das principais cidades. O texto também

apresenta as organizações sociais amazônicas e suas lutas pelo direito à terra, ao

uso sustentável da floresta e aos direitos sociais e políticos. Por fim, mostra a

presença da Igreja na Amazônia, sua atuação histórica e sua situação atual.

O Julgar inicia mostrando como o projeto de Deus para o mundo nos

questiona sobre a realidade atual da Amazônia, que é uma grande manifestação da

maravilhosa obra da criação. Em seguida, denuncia a violação do projeto de Deus

através de situações concretas como trabalho escravo, decorrente da idolatria do

dinheiro, e o desrespeito aos povos e suas culturas. Para superar essa situação, é

necessário o trabalho evangelizador com sua força sócio-transformadora que

determina um novo jeito de ser Igreja, conclamando a todos para a

responsabilidade neste trabalho tendo a cultura como caminho para a sua

realização, o que deve levar a Igreja a ver e a pensar a Amazônia a partir da

Amazônia.

O Agir enfoca a necessidade do conhecimento da realidade amazônica

através da formação, educação e divulgação dos seus elementos naturais e

culturais. Em seguida, afirma a necessidade da denúncia profética dos pecados

que lá se fazem presentes e da explicitação dos valores evangélicos que devem ser

força de transformação da morte em vida e gerar a promoção da solidariedade em

todos os sentidos, fruto de uma verdadeira conversão e de uma mudança de

mentalidade fundamentada em novos questionamentos. Enfim, o texto apresenta

sugestões concretas tanto para as ações no âmbito de políticas públicas como no

exercício da fraternidade missionária.

4.7.3. Os modelos de Igreja presentes na Campanha

A Campanha da Fraternidade de 2007 apresentou uma grande variedade de

modelos de Igreja, o que implica numa análise mais extensa do que as demais.

O texto apresenta a Igreja como Instituição quando mostra a presença da

Igreja na Amazônia a partir do século XVI, com a chegada dos europeus506

e quer,

506

Cf. Ibid., n.o 11.

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com esta Campanha, apoiar e fortalecer esta presença507

. A Igreja presente na

Amazônia está satisfazendo com vitalidade às necessidades dos povos508

através

de seus organismos como o CIMI e o desenvolvimento de atividades missionárias,

muitas vezes em parceria com diversos órgãos governamentais e com a sociedade

organizada509

.

A Igreja também criou muitas instituições para desenvolver e aprimorar seus

trabalhos na região amazônica. Entre elas, merecem destaque o Centro de Estudos

sobre o Comportamento Humano – CENESCH, em Manaus, e o Instituto de

Pastoral Regional – IPAR, em Belém para, como Igreja, responder aos novos

desafios510

, através do desenvolvendo de uma teologia, uma espiritualidade, uma

pastoral e uma missionariedade própria para a região. Este trabalho envolveu um

grande número de pessoas que contribuíram para que o povo pudesse manter viva

sua fé e sua vivência cristã511

. A Igreja também desenvolveu o Projeto Igrejas

Irmãs, que favoreceu a abertura de algumas prelazias e outras presenças

eclesiais512

, além do desenvolvimento de CEBs em toda a região, que deverão ser

fortalecidas com a realização do XII Intereclesial de CEBs que será em Porto

Velho, o primeiro a acontecer na região amazônica513

. O Projeto Igrejas Irmãs

também possibilitou a formação de agentes vindos de outras regiões para trabalhar

com a Igreja local, apesar de ainda não responder a todas as necessidades sociais e

eclesiais, o que mostra que a sua presença precisa ser ainda maior514

. Esta foi a

primeira vez que, entre os objetivos específicos da Campanha da Fraternidade,

apareceu um objetivo institucional515

.

Outro modelo presente é o de Igreja Libertadora. A Igreja deve colaborar

na organização do povo e na sua resistência diante das agressões do modelo

econômico516

, assumindo a orientação libertadora de Medellín517

. Um exemplo

desta prática foi a Assembléia Conjunta de Santarém, da qual saiu o documento:

507

Cf. Ibid., n.o 12.

508 Cf. Ibid., n.

o 249.

509 Cf. Ibid., n.

o 251.

510 Cf. Ibid., n.

o 252.

511 Cf. Ibid., n.

o 263.

512 Cf. Ibid., n.

o 253.

513 Cf. Ibid., n.

o 256 a.

514 Cf. Ibid., n.

o 256 b.

515 Cf. Ibid., n.

o 12.

516 Cf. Ibid., n.

o 1.

517 Cf. Ibid., n.

o 250.

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Linhas prioritárias da Pastoral da Amazônia, que orientou a caminhada da Igreja

amazônica de 1972 a 1997 buscando a encarnação na realidade e a evangelização

libertadora518

. Foram assumidas as Semanas Sociais, o Grito dos Excluídos,

desenvolveram-se as pastorais sociais, as Comissões de Justiça e Paz e a Caritas,

com o objetivo de responder aos fenômeno da urbanização e às situações de

miséria, violência e conflitos519

. Em 1990 foram incluídas na pauta de discussões

as questões ligadas ao meio ambiente520

.

As comunidades religiosas se tornaram cada vez mais inseridas em situações

de exclusão, principalmente nos interiores e nas periferias das grandes cidades,

assumindo a causa da justiça e da vida, sendo que muitos derramaram o seu

sangue, oferecendo suas vidas pelo projeto do Reino521

. Isso aconteceu

principalmente por causa da sua reação diante do aumento da opressão, por parte

daqueles que exploram e escravizam o próximo522

.

Assim, a Igreja participa do processo de libertação do viés colonial do ponto

de vista humano e cultural que prevaleceu na implantação e no desenvolvimento

da população amazônica. A Igreja atua principalmente através de uma pastoral e

de uma teologia em sintonia com as culturas locais e com os anseios e

necessidades do povo523

, numa permanente presença criadora e libertadora como

instrumento concreto de resistência contra todas as formas de morte, reafirmando

sempre o valor da vida524

.

Outro modelo presente no texto é a compreensão da Igreja como Arauto da

Palavra. As CEBs procuram, na convivência eclesial e comunitária, unir as

“sementes do Verbo” presentes na cultura e na religiosidade dos povos com o

anúncio da Palavra vivenciado e transformador525

. Isto porque anuncia a presença

do Reino como fermento misturado à nossa realidade, anuncia a boa notícia que

deve chegar a todas as nações abrindo caminho para que Cristo seja tudo em todos

518

Cf. Ibid., n.o 252.

519 Cf. Ibid., n.

o 256.

520 Cf. Ibid., n.

o 258.

521 Cf. Ibid., n.

o 257.

522 Cf. Ibid., n.

o 291.

523 Cf. Ibid., n.

o 265 a.

524 Cf. Ibid., n.

o 296.

525 Cf. Ibid., n.

o 264.

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e as pessoas possam tornar-se membros vivos do único Corpo do Senhor que é a

Igreja526

.

Também encontramos no texto a Igreja como Comunhão. Inicialmente ela

cria comunhão com os povos da Amazônia527

, principalmente através do Projeto

Igrejas Irmãs, alimentado pelas dioceses do Sul do país que procuram viver uma

maior comunhão com as dioceses e prelazias do Norte e Nordeste528

.

Por fim, temos a compreensão da Igreja como Serva, que não fica

simplesmente discutindo no plano teórico o que seja fraternidade e presença do

Reino, mas realiza gestos de solidariedade como sinais concretos do Reino529

que

respondem aos desafios impostos pela realidade amazônica530

. A história da

presença da Igreja na Amazônia é a história do serviço da Igreja aos povos da

Amazônia. Este serviço vai desde o anúncio da Palavra até a ajuda na formação e

organização dos centros urbanos, os serviços prestados pelas pastorais sociais, o

trabalho nas escolas, hospitais, creches, asilos e outras instituições afins por parte

das Congregações Religiosas e Missionárias, a assistência aos indígenas,

ribeirinhos e quilombolas, etc.531

, como também a criação do CIMI e os seus

serviços prestados532

.

4.8. A Campanha da Fraternidade de 2008

4.8.1. O que foi a Campanha

Esta Campanha teve como tema: “Fraternidade e defesa da vida”, e como

lema: “Escolhe, pois, a vida (Dt 30,19)”. O tema da Campanha foi escolhido na

reunião da avaliação da CF 2006, em junho daquele ano, porém os trabalhos não

andaram.

Por ocasião da Assembléia Geral de 2007, foi eleita a nova Presidência da

CNBB. Dom Geraldo Lyrio Rocha foi eleito Presidente, Dom Luiz Soares Vieira,

Vice-Presidente e Dom Dimas Lara Barbosa, Secretário-Geral. O Secretário

526

Cf. Ibid., n.o 301.

527 Cf. Ibid., n.

o 249.

528 Cf. Ibid., n.

o 253.

529 Cf. Ibid., n.

o 272.

530 Cf. Ibid., n.

o 34.

531 Cf. Ibid., n.

o 232-248.

532 Cf. Ibid., n.

o 251.

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176

Executivo da Campanha da Fraternidade, Côn. José Carlos Dias Toffoli

apresentou, na ocasião, seu pedido de renúncia do cargo, que foi aceito pela nova

Presidência.

O Pe. José Adalberto Vanzella, então responsável pela Campanha da

Fraternidade no Regional Sul 1, participou da reunião de Avaliação da CF 2007,

ocorrida no dia 18 de junho e, na ocasião, foi nomeado como o novo Secretário

Executivo da Campanha da Fraternidade. O Texto-base da CF 2008 não tinha

ainda a sua primeira versão e nenhum subsídio tinha sido preparado, sendo que

todo material deveria ser entregue na Editora Salesiana até o final de Agosto.

Então o Pe. Vanzella escreveu a primeira versão, com finalidade provocativa, que

foi distribuída para todos os assessores para estudo, discussão, aprimoramento e

propostas para uma segunda versão, além de possibilitar a elaboração dos

subsídios pelas assessorias. As contribuições foram entregues no final do mês de

julho e, no dia 10 de agosto, publicou a segunda versão do texto.

Uma equipe formada pela Dra. Elizabeth Kipmann Cerqueira e alguns

membros da Comunidade de Vida do Hospital São Francisco, de Jacareí – SP,

juntamente com o Prof. Francisco Borba Ribeiro Neto, do Centro de Fé e Cultura

da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, redigiu a terceira

versão, que ficou pronta no dia 24 de agosto e passou por uma revisão final,

realizada por Dom Dimas e Pe. Vanzella, sendo o texto entregue, juntamente com

os demais subsídios, para a Editora Salesiana, no prazo previsto. Isto foi

necessário por causa do problema da distribuição do material para todo o Brasil.

Outro agravante no que diz respeito ao cumprimento de prazos para a preparação

da Campanha foi o início da quaresma de 2008 ter acontecido no dia 06 de

fevereiro, o que criou sérias dificuldades para que as comunidades, principalmente

da Região Norte, recebessem o material a tempo de capacitar seus agentes de

pastoral e realizar o planejamento das atividades da Campanha.

Com isso, o texto ficou muito acadêmico e pouco pastoral, trazendo maiores

dificuldades para a sua compreensão e aplicação. O texto não apresentou a riqueza

do processo participativo na sua elaboração, como os textos anteriores. Também é

importante colocar que, embora o texto colocasse a necessidade da defesa da vida

no seu início, no seu decurso e no seu término, o posicionamento dos bispos e das

comissões de defesa da vida acabou por centralizar o foco das discussões na

questão do aborto, o que empobreceu, e em muito, a realização da Campanha e o

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seu alcance. O texto teve forte influência do Documento Conclusivo da V

Conferência do Episcopado Latino Americano e do Caribe, acontecido em

Aparecida-SP, entre os dias 13 e 31 de maio de 2007, principalmente no que diz

respeito à sua antropologia, ao encontro pessoal com Jesus Cristo e ao conceito de

cultura da vida. Também exerceu grande influência no texto a publicação do

Léxicon, pelo Pontifício Conselho para a Família.

4.8.2. O conteúdo da Campanha

O objetivo geral da Campanha foi “levar a Igreja e a sociedade a defender e

a promover a vida humana, desde a sua concepção até a sua morte natural,

compreendida como dom de Deus e co-responsabilidade de todos, na busca de

sua plenificação, a partir da beleza e do sentido da vida em todas as

circunstâncias, e do compromisso ético do amor fraterno”533

. Os objetivos

específicos foram: desenvolver uma antropologia que possibilite a defesa integral

da vida, fortalecimento da família, fomentar a cultura da vida, aprofundamento do

diálogo ecumênico, inter-religioso e intercultural no sentido da defesa da vida,

desenvolvimento da consciência crítica nas pessoas, propor e apoiar políticas

públicas que garantam a promoção e defesa da vida e o crescimento da fé que

fundamente o reconhecimento da sacralidade de cada pessoa534

.

O Ver começa com uma visão a respeito da pessoa humana e a relação desta

visão com a cultura da morte. Em seguida, analisa a vida, a afetividade e a

sexualidade mostrando a relação entre essas questões e a geração da vida. A partir

daí, analisa a vida não nascida, trabalhando questões sobre a origem da vida e o

aborto, que é desenvolvido longamente abordando aspectos como a sua definição,

abordagem legal, casos em que o aborto não é punido no Brasil, os argumentos

favoráveis à legalização do aborto e os contra-argumentos e o financiamento

externo para sua legalização. Ainda sobre a origem da vida, o texto fala de

células-tronco e eugenia.

Depois o texto aborda a questão do sofrimento e da morte, colocando

questões como sofrimento e dignidade humana, morte e dignidade da pessoa,

levando em conta problemas como eutanásia, distanásia, mistanásia e suicídio.

533

CNBB. Texto-base CF 2008. São Paulo: Salesiana, n.o 13.

534 Cf. Ibid., n.

o 14.

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178

O Ver mostra ainda as ameaças à vida no seu decurso, como a pobreza, a

violência, a saúde pública, as questões ligadas ao meio ambiente e o discurso

sobre o crescimento populacional.

O Julgar inicia mostrando a vida como um dom do amor de Deus, que é

sempre um bem e deve conduzir a pessoa humana até ele. Este dom é

compreendido a partir da leitura da narrativa da criação presente nos dois

primeiros capítulos do livro do Gênesis. A vida como dom também deve ser

caminho para a felicidade, sendo que este caminho é proposto pelos valores do

Reino de Deus presentes no Evangelho.

O encontro com Jesus Cristo deve levar todas as pessoas a uma opção pela

vida, que deve ser um dos traços fundamentais da Igreja e de sua atuação. Este

encontro tem como decorrência uma série de discernimentos, com implicações

morais, diante das mais diversas questões como o valor da pessoa humana e da

sua dignidade, o avanço das ciências e as responsabilidades decorrentes desse

avanço. Também há decorrências éticas no que diz respeito às questões ligadas à

reprodução humana, como a esterilidade conjugal e o desejo de procriação, a

gestação indesejada e suas implicações, a manipulação do embrião, a vida afetiva

e sexual e seus condicionamentos. O texto também fala de decorrências na vida

social, como é o caso da pobreza e suas conseqüências, a violência nas mais

diferentes esferas de convivência, o sofrimento e suas causas. Por fim, o texto fala

de decorrências éticas diante das diferentes situações de morte, nos seus mais

diferentes significados.

O Agir mostra inicialmente as exigências da caridade em relação à vida

como a defesa da vida, acolhida e discernimento diante das ameaças à vida, o

desenvolvimento de uma espiritualidade da vida. Em seguida, aborda a questão da

formação da consciência para agir em função do desenvolvimento da vida,

mostrando a necessidade de renovar a consciência na cultura da vida. Esta

formação deve abordar questões como o desenvolvimento de uma educação

afetivo-sexual integral, explicitação do valor da família, incentivo à reflexão nos

ambientes acadêmicos e científicos, atuação junto aos meios de comunicação

social, acolhida de gestantes e menores em situação de risco, aprofundamento e

desenvolvimento da ação pastoral. O texto aborda, em seguida, a necessidade da

ação sócio-transformadora em vista da defesa e promoção da vida, através da

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179

solidariedade manifesta em obras de caridade, participação em políticas públicas e

a salvaguarda da paz.

4.8.3. Os modelos de Igreja presentes na Campanha

Um primeiro modelo que encontramos nesta Campanha é a apresentação da

Igreja como Arauto da Palavra. Ela é a porta-voz da Palavra de Deus535

, é o

templo do Espírito Santo que revela e confirma a verdade e na verdade dá acesso à

realidade em sua revelação original536

, sendo que esta verdade é expressa de

forma admirável na liturgia537

. A Igreja expressa através da sua doutrina os

critérios do Evangelho para a defesa da vida de acordo com o plano de Deus, sem

cair no superficialismo, mas esclarecendo no Verbo encarnado o mistério do ser

humano538

.

O texto também vê a Igreja como Instituição, que publica documentos com

a finalidade de que todos compreendam, a partir do seu ensinamento, os avanços

da ciência. Esses documentos são trabalhos que nos mostram a Igreja viva e

dinâmica que interage com a realidade que a circunda539

. A sua disciplina é

rica540

, pois ela tem consciência da necessidade de uma preparação sólida e

constante para subsidiar, animar e exortar as pastorais e os mais diferentes setores

da sociedade no trabalho de promoção da dignidade humana541

.

O modelo de Igreja como Comunhão também se faz presente neste texto.

Ela exige ações a partir do compromisso ético do amor fraterno542

, na unidade

entre todos os batizados que tem como decorrência, tendo como critério as

exigências da caridade, o cuidado com os pobres e desamparados e o

reconhecimento da dignidade de todos543

, fazendo com que todos, pessoas e

instituições, se tornem protagonistas na superação de todas as dificuldades do

nosso tempo544

.

535

Cf. Ibid., n.o 189.

536 Cf. Ibid., n.

o 190.

537 Cf. Ibid., n.

o 240.

538 Cf. Ibid., n.

o 248.

539 Cf. Ibid., n.

o 195.

540 Cf. Ibid., n.

o 220.

541 Cf. Ibid., n.

o 279.

542 Cf. Ibid., n.

o 13.

543 Cf. Ibid., n.

o 193.

544 Cf. Ibid., n.

o 286.

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Por fim, temos o modelo de Igreja como Serva, na qual todos são

convidados a viver a caridade numa postura de serviço e de transformação da

sociedade545

. Este serviço deve promover a pessoa humana integralmente, unindo

o serviço da caridade com o anúncio da Palavra e a celebração dos sacramentos546

.

Para isso, deve acolher a todos como Igreja samaritana547

e fazer com que todas as

nossas ações concorram para a construção de uma sociedade mais justa para todas

as pessoas548

.

4.9. A Campanha da Fraternidade de 2009

4.9.1. O que foi a Campanha

Esta Campanha teve como tema: “Fraternidade e segurança pública”, e

como lema: “A paz é fruto da justiça (Is 32, 17)”. A escolha do tema foi resultado

de um intenso trabalho de propaganda desenvolvido pela Pastoral Carcerária e

pela Pastoral da Criança, e contou, no seu processo de elaboração, principalmente

com a colaboração do Sr. Jorge da Silva e do Sr. Paulo Bahia, ambos leigos com

grande atuação na Arquidiocese do Rio de Janeiro.

O Texto-base começou a ser trabalhado em setembro de 2007, e foi

concluído em junho de 2008, assim como os demais subsídios da Campanha. Ele

pode ser muito discutido e teve nove versões, sendo que em cada uma havia a

participação de mais organismos e pastorais possibilitando, assim, que este texto

fosse muito rico, abrangente e com uma excelente visão pastoral. Esta Campanha

foi uma das que teve maior adesão na sua realização, tanto da sociedade civil

como da sociedade política.

Outro elemento que contribuiu para que esta Campanha crescesse foi a

mudança de editora. O material da Campanha deixou de ter o seu processo

editorial feito pela Editora Salesiana e passou a ser feito pelas Edições CNBB. Os

resultados logo apareceram. Os subsídios ficaram prontos e foram distribuídos

com antecedência, facilitando o treinamento nos Regionais e as capacitações nas

dioceses, paróquias e comunidades. O preço dos subsídios também caiu muito, de

545

Cf. Ibid., n.o 250.

546 Cf. Ibid., n.

o 251.

547 Cf. Ibid., n.

o 252.

548 Cf. Ibid., n.

o 281.

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181

modo que facilitou a sua compra por parte das pessoas de menor poder aquisitivo

e o volume comercializado foi muito maior, conforme mostra o Anexo 4.

Houve também o lançamento do material da Campanha da Fraternidade na

Expocatólica, que aconteceu entre os dias 08 e 11 de agosto de 2008, em São

Paulo, com a presença do Secretário-Geral da CNBB, muitos bispos e presbíteros

além de autoridades como o Ministro de Estado da Justiça, o Secretário de

Segurança Pública do Estado de São Paulo, entre outros. Este evento contribuiu

muito para a divulgação da Campanha da Fraternidade.

4.9.2. O conteúdo da Campanha

Esta Campanha teve como objetivo geral: “suscitar o debate sobre a

segurança pública e contribuir para a promoção da cultura da paz nas pessoas,

na família, na comunidade e na sociedade, a fim de que todos se empenhem

efetivamente na construção da justiça social que seja garantia de segurança para

todos”549

e como objetivos específicos desenvolver nas pessoas a capacidade de

reconhecer a violência na sua realidade pessoal e social, denunciar os crimes

contra a ética, a economia e as gestões públicas, a injustiça presente na prisão

especial, foro privilegiado e imunidade parlamentar para crimes comuns,

fortalecer a ação educativa e evangelizadora, denunciar a predominância do

modelo punitivo presente no sistema penal brasileiro, favorecer a criação e a

articulação de redes sociais populares e de políticas públicas, desenvolver ações

que visem à superação das causas e dos fatores da insegurança, despertar o agir

solidário para com as vítimas da violência e apoiar as políticas governamentais

valorizadoras dos direitos humanos550

.

O Ver apresentou inicialmente uma abordagem sobre as relações humanas e

as relações sociais, mostrando a dimensão social da existência humana e as razões

da sociabilidade. Em seguida, analisou a questão do conflito, procurando uma

definição para ele, estudar tanto seus desdobramentos como também os caminhos

para a sua superação. O assunto seguinte foi a questão do medo, suas origens, o

seu uso no controle da violência, a sua força como geradora de violência e o uso

do medo para enriquecimento, através da indústria do medo.

549

CNBB. Texto-base CF 2009. Brasília: Edições CNBB, n.o 4.

550 Cf. Ibid., n.

o 5.

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O Ver também trabalhou a questão da violência, o que ela é, suas origens, o

discurso sobre a violência, suas relações com a pirâmide social, as diferentes

manifestações da violência como violência familiar, violência no campo, violência

no trânsito, a violência do racismo, a violência policial e a violência contra os

policiais, a violência das drogas, a violência do tráfico humano, a violência da

exploração sexual, a violência no mundo do trabalho, etc. Também analisou os

vínculos existentes entre violência, corrupção e injustiça social.

O Ver apresentou ainda a questão das políticas públicas de segurança

pública e o sistema de garantia de direitos. Por fim, apresentou algumas iniciativas

de grande importância para a conquista de uma sociedade segura, mostrando tanto

ações solidárias e de proteção social como ações sócio-transformadoras e as

iniciativas da Igreja que contribuem nessa área.

O Julgar apresenta inicialmente uma iluminação bíblica que mostra o

projeto de Deus, o pecado como causa da violência, o profetismo diante da

violência, a novidade do Evangelho, o protagonismo das primeiras comunidades e

o exemplo de Paulo. Em seguida, apresenta alguns fundamentos cristológicos para

a conquista de uma sociedade segura, sendo que Cristo é o Príncipe da Paz, pois

nos reconcilia com Deus através do Mistério Pascal, celebrado no mistério

eucarístico. Deus é nosso parceiro para a construção de uma vida segura e pacífica

através do protagonismo histórico, de modo que Cristo é a nossa paz.

A partir daí, o Julgar nos apresenta a missão da Igreja na reconstrução da

paz como caminho para uma sociedade segura a partir da contextualização da

atuação em favor da paz, entendida de forma positiva, conforme mostra o

Documento de Medellín e o exercício do poder como serviço, tudo isso para

construir a cultura da paz.

O Agir mostra que a conquista de uma sociedade segura é de

responsabilidade de todos em geral e de cada pessoa em particular, e começa com

o reconhecimento e a superação da violência na realidade mais próxima da pessoa.

Também é necessário o desenvolvimento de ações educativas em favor da cultura

da paz, que mostre que violência não se vence com violência.

No âmbito da sociedade, algumas iniciativas devem ser tomadas na busca de

um novo modelo penal e na criação de redes sociais populares que organizem a

sociedade para o desenvolvimento de projetos e iniciativas em favor da paz.

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183

Também é importante a denúncia dos crimes contra a ética, a economia e a gestão

pública.

Também é necessária a solidariedade para com as vítimas da violência,

principalmente da violência familiar e da violência urbana e o desenvolvimento de

ações, tanto educativas como sócio transformadoras.

4.9.3. Os modelos de Igreja presentes na Campanha

Vários modelos de Igreja estão presentes neste Texto-base. Um primeiro e o

modelo Instituição, que deve iluminar a realidade e mostrar os caminhos para que

o Reino de Deus aconteça na história da humanidade551

. Todos os seus membros

devem enfrentar os desafios do seu tempo, tendo como critério a pessoa e a

mensagem de Jesus552

de modo que cada cristão e a Igreja como um todo possa

ser fiel ao seu Fundador e Mestre553

.

A ação evangelizadora da Igreja é um trabalho constante de construção de

solidariedade e de paz, pois ela cria os fundamentos para a construção da

consciência das pessoas em vista da vivência de relacionamentos que superem a

violência554

. A partir da setorização das paróquias, das CEBs, das Pastorais

Sociais e demais forças vivas, a Igreja colabora ativamente na criação,

organização e articulação de grupos de reflexão e atuação diante dos problemas da

violência em vista da vida segura555

. A própria realização da Campanha da

Fraternidade durante todos esses anos é uma contribuição da Igreja para a

conquista da segurança pública556

.

Outro modelo presente é o que compreende a Igreja como Sacramento. Na

celebração da Eucaristia e da comunhão sacramental com Jesus, a Igreja, animada

pelo Espírito Santo, é enviada em missão557

, pois não é possível comunhão sem

missão nem missão sem comunhão558

, pois a comunhão faz com que a Igreja seja

551

Cf. Ibid., n.o 190.

552 Cf. Ibid., n.

o 191.

553 Cf. Ibid., n.

o 230.

554 Cf. Ibid., n.

o 263.

555 Cf. Ibid., n.

o 281.

556 Cf. Ibid., n.

o 181-188.

557 Cf. Ibid., n.

o 222.

558 Cf. Ibid., n.

o 223.

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no mundo expressão do seu significado mais profundo559

. A Eucaristia também

abre o coração dos fiéis e da Igreja para as realidades futuras e às promessas de

participação definitiva no reino da justiça, da caridade e da paz560

.

O modelo de Igreja como Arauto da Palavra também está presente no

texto, pois ela é continuadora da missão de Jesus pelos caminhos da história e,

conduzida pelo Espírito Santo, é enviada a evangelizar, tornando-se pregadora e

construtora da paz561

.

Por fim, temos o modelo de Igreja Serva, que cria condições para que o

Evangelho seja mais bem vivido na sociedade562

, pois mostra o valor e a

importância do serviço enquanto se faz Igreja samaritana, que em cada momento

volta o seu olhar para o sofrimento e as necessidades das pessoas, tornando-se

solidária com todos e lutando para promover o bem comum563

. Um exemplo claro

deste serviço é o trabalho desenvolvido pela Pastoral Carcerária564

.

Assim, cada membro da Igreja é uma demonstração viva da mão amorosa de

Deus para com seus filhos e filhas que sofrem, desenvolvendo iniciativas também

em prol de todos os que sofrem porque são vítimas da violência que é a marca de

uma sociedade insegura565

.

4.10. Análise conclusiva

A Campanha da Fraternidade é uma atividade quaresmal, voltada para a

conversão e a solidariedade, de modo que é perfeitamente compreensível a

presença dos modelos de Igreja como Instituição, Arauto da Palavra, Serva e

Sacramento. Instituição porque é a Instituição quem determina o tempo

quaresmal, seus objetivos e as normas que regem este tempo litúrgico. Arauto da

Palavra porque as Sagradas Escrituras apresentam as exigências da conversão e os

caminhos para a sua realização. Serva porque a solidariedade exige o serviço às

pessoas em vista da satisfação de necessidades e superação de problemas.

Sacramento porque desde os tempos antigos, a quaresma é o tempo litúrgico que

559

Cf. Ibid., n.o 225.

560 Cf. Ibid., n.

o 228.

561 Cf. Ibid., n.

o 233.

562 Cf. Ibid., n.

o 3.

563 Cf. Ibid., n.

o 240.

564 Cf. Ibid., n.

o 274.

565 Cf. Ibid., n.

o 293-294.

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privilegia os sacramentos da iniciação cristã, de modo especial o batismo,

possibilitando a emergência deste modelo de Igreja.

No entanto, outros modelos se fazem presentes nas Campanhas

apresentadas. O modelo de Igreja Libertadora está presente nas Campanhas de

2001, 2002, 2006 e 2007. Na Campanha de 2001, a presença deste modelo se

justifica a partir da atuação do Secretário Executivo, Pe. Antonio Donizetti Sgarbi.

Presbítero da diocese de Taubaté, mestre (e depois que deixou as funções na

CNBB, doutor) em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

– PUC-SP, exerceu as funções de Pároco, Vigário Paroquial, Reitor do Seminário

e, por duas vezes, Coordenador Diocesano de Pastoral. Desde os tempos de

seminarista destacou-se por uma linha libertadora. O seu trabalho conclusivo dos

estudos teológicos, realizados no Instituto Teológico Sagrado Coração de Jesus,

em Taubaté, analisou a prática de São Paulo a partir do método Ver-Julgar-Agir.

A sua atividade ministerial sempre teve forte influência do modelo libertador, o

que leva à compreensão da presença deste modelo no Texto-base da Campanha de

2001.

Nas Campanhas de 2002 e de 2007, houve forte influência do CIMI e, geral,

e do Pe. Paulo Suess em especial. O CIMI, devido aos problemas e conflitos que

envolvem a Pastoral Indigenista, sempre atuou numa linha libertadora.

Este modelo também está presente na Campanha da Fraternidade de 2006.

Como vimos acima566

, a redação do Texto-base ficou foi definida pelo Sr.

Evaristo Eduardo de Miranda e pelo Pe. José Adalberto Vanzella. O Sr. Evaristo

Miranda sempre teve uma atuação libertadora nas questões relacionadas às

pessoas com deficiência. O Pe. José Adalberto Vanzella, como o Pe. Antonio

Donizetti Sgarbi, é presbítero da diocese de Taubaté, foi Coordenador Diocesano

de Pastoral e colaborador do Pe. Sgarbi no seu ministério e o sucedeu na

Secretaria Executiva da Campanha da Fraternidade na CNBB. Como o Pe. Sgarbi,

tem uma visão libertadora da Igreja e da sua atuação evangelizadora e pastoral.

Por fim, encontramos o modelo de Igreja Comunhão. Inicialmente percebe-

se a presença deste modelo na Campanha de 2003. O grande problema que esteve

presente na elaboração desta Campanha foi a pressão da Pastoral da Criança em

vista da criação, a partir da realização da Campanha, de uma Pastoral da Terceira

566

Item 3.5.1.

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Idade em âmbito nacional, o que facilitaria a departamentalização da pastoral e a

sua fragmentação. Por isso, o Pe. Vanzella trabalhou nos preparativos o conceito

de pastoral de conjunto a partir de objetivos comuns e diferentes formas de

abordagens, fundamentando o seu discurso na eclesiologia de comunhão e suas

decorrências pastorais. O mesmo problema aconteceu na Campanha de 2006,

quando houve uma pressão no sentido de criação de uma Pastoral das Pessoas

com Deficiência e o Pe. Vanzella, no trabalho de redação do Julgar, influenciou o

texto da mesma forma que em 2003.

Os modelos de Igreja Carismática e Esposa não são encontrados nos Textos-

base da Campanha da Fraternidade no período citado. Este fato pode ser explicado

pelo fato de que o enfoque dado na Campanha da Fraternidade, tanto em termos

de conversão como em termos de solidariedade, é a pessoa do irmão e da irmã, daí

o nome Campanha da Fraternidade, e este enfoque é facilitado pelos modelos

eclesiais que estão presentes nas Campanhas.

Também é importante apontar a influência dos Projetos Nacionais de

Evangelização nos modelos de Igreja presentes na Campanha da Fraternidade.

Deu um modo especial, o Projeto Rumo ao Novo Milênio, quando associou a

Campanha da Fraternidade à exigência da evangelização inculturada do Serviço,

determinou a presença desse modelo de Igreja a todas as Campanhas. Como os

Projetos posteriores continuaram mantendo a estrutura das quatro exigências da

evangelização inculturada, a Campanha da Fraternidade continuou atrelada a este

modelo de Igreja.

Também foi determinante para o predomínio do modelo de Igreja Serva a

mudança do Estatuto Canônico da CNBB e a divisão da dimensão sócio-

transformadora em três Comissões Episcopais Pastorais, que passaram a

evidenciar mais o modelo de Igreja Serva do que o modelo de Igreja Libertadora,

evidenciado pela dimensão sócio-transformadora.

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