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1 Apostila do curso UMA INTRODUÇÃO À MUSEOLOGIA SOCIAL ministrado por Mario Chagas Data: 23/05/2015 a 27/06/2015 Dias e Horários: Sábados, 10h às 17h. (Dia 6/6 não haverá aula) Realização: Centro de Pesquisa e Formação/ Sesc SP Endereço: Rua Dr. Plínio Barreto, 285 - 4º andar, Bela Vista - São Paulo SP. CEP 01313-020 Site: http://centrodepesquisaeformacao.sescsp.org.br/ E-mail: [email protected] Facebook: https://www.facebook.com/CentrodePesquisaeFormacao Telefone: 11.3254-5600. Horário de Funcionamento: segunda a sexta, 10h às 22h/ sábados e feriados, 9h30 às 18h30

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    Apostila do curso

    UMA INTRODUO

    MUSEOLOGIA SOCIAL ministrado por Mario Chagas

    Data: 23/05/2015 a 27/06/2015 Dias e Horrios: Sbados, 10h s 17h. (Dia 6/6 no haver aula)

    Realizao:

    Centro de Pesquisa e Formao/ Sesc SP Endereo: Rua Dr. Plnio Barreto, 285 - 4 andar, Bela Vista - So Paulo SP. CEP 01313-020 Site: http://centrodepesquisaeformacao.sescsp.org.br/ E-mail: [email protected] Facebook: https://www.facebook.com/CentrodePesquisaeFormacao Telefone: 11.3254-5600. Horrio de Funcionamento: segunda a sexta, 10h s 22h/ sbados e feriados, 9h30 s 18h30

  • 2

    UMA INTRODUO MUSEOLOGIA SOCIAL

    A coletnea de textos aqui apresentada faz parte do Curso Uma

    Introduo Museologia Social ministrado por Mario Chagas e realizado

    pelo Centro de Pesquisa e Formao do SESC So Paulo.

    Trata-se de um conjunto de documentos que resultaram de trabalho

    coletivo e de textos de autores que se dedicaram e se dedicam s reflexes e

    prticas da Museologia Social e do Patrimnio Cultural.

    O objetivo da coletnea contribuir para a formao cultural, cientfica e

    cidad de indivduos que estejam abertos aos afetos, que no tenham medo de

    afetar e ser afetados pelos processos museais e patrimoniais de origem

    popular e comunitria.

    Oxal! Esse material produza benefcios sem conta.

    Mario Chagas

    Maio de 2015

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    SUMRIO

    1. Ementa e Programa 4

    2. Mesa Redonda de Santiago do Chile 6

    3. Declarao de Quebec 15

    4. Definio Evolutiva de Ecomuseu 18

    5. Definio Evolutiva da Sociomuseologia 20

    6. Declarao do Rio MINOM 2013 27

    7. Reflexo Sobre A Nova Museologia 29

    8. Museus, Memria e Movimentos Sociais 59

    9. Museus, Educao e Patrimnio: Tenso, Devorao e Adjetivao 70

    10. Museus e Sociedades 78

    11. Mensagem do Colegiado de Diretores do Museu de Favela para o livro

    Circuito Casas -Tela Caminhos de Vida no Museu de Favela 106

    12. Apresentao do livro Circuito Casas-Tela Caminhos de Vida no Museu

    de Favela 108

    13. Patrimnio o caminho das formigas 111

    14. Museu, patrimnio e cidade: camadas de sentido em Paraty 130

    15. PATRIMNIO 145

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    Ementa e Programa

    O curso objetiva contribuir para a reflexo, o desenvolvimento e a apropriao de contedos, informaes e experincias de Museologia Social ou Sociomuseologia, estimulando o desenvolvimento de prticas e reflexes em dilogo. Haver visita Casa da Pedra, em Paraispolis. Durante longo tempo os museus serviram apenas para preservar os registros de memria e a viso de mundo das classes mais abastadas; de igual modo funcionaram como dispositivos ideolgicos do estado e tambm para disciplinar e controlar o passado, o presente e o futuro das sociedades em movimento. Na atualidade, ao lado dessas prticas clssicas um fenmeno novo j pode ser observado. O museu est passando por um processo de democratizao, de ressignificao e de apropriao cultural. J no se trata apenas de democratizar o acesso aos museus institudos, mas sim de democratizar o prprio museu compreendido como tecnologia, como ferramenta de trabalho, como dispositivo estratgico para uma relao nova, criativa e participativa com o passado, o presente e o futuro. Vale ainda considerar que ele ferramenta e artefato, podendo servir tambm para tiranizar a vida, a histria, a cultura; para aprisionar o passado e aprisionar os seres e as coisas no passado e na morte. Deste modo para entrar no reino narrativo dos museus preciso confiar desconfiando, necessria uma perspectiva crtica: os museus so lugares de memria e de esquecimento, assim como so lugares de poder, de combate, de conflito, de litgio, de silncio e de resistncia; em certos casos, podem at mesmo ser no-lugares. Toda a tentativa de reduzir os museus a um nico aspecto corre o risco de no dar conta da complexidade do panorama museal no mundo contemporneo. O curso voltado a profissionais do campo da cultura, da memria, do patrimnio e dos museus, estudantes de cincias humanas e sociais, educadores, artistas, poetas, militantes sociais e demais interessados no tema. Sero aulas expositivas, debates, leituras coletivas e individuais. Oficinas envolvendo pesquisa de campo, observao, realizao de fotografias e vdeos. Apresentao de vdeos. Estudos, pesquisas e orientaes virtuais. Avaliao coletiva e participativa.

    I. Museu, museologia e patrimnio: conceitos bsicos. Museu, museologia e patrimnio como campos de disputa e de ocupao do passado, do presente e do futuro. Museu, museologia e patrimnio em perspectiva diacrnica e sincrnica. Classificao tipolgica de museus: classificar e desclassificar. Museu, museologia e patrimnio do final do sculo XVIII Segunda Guerra Mundial. Museu, museologia e patrimnio aps a Segunda Guerra Mundial.

  • 5

    II. Memria e Museologia Social: antecedentes e descendentes. Memria em debate. Antecedentes - reflexes e experincias que inspiram e amparam a Museologia Social: Museu do ndio (RJ), Museu de Imagens do Inconsciente (RJ), Museu de Arte Negra (RJ), Museu Nacional da Nigria, Museu de Anacstia, Ecomuseu da Comunidade de Cresout Montceau, Ecomuseu do Seixal, Museu Etnolgico de Monte Redondo, museus comunitrios do Mxico e outros. Descendentes Experincias contemporneas como o Museu do Patrimnio Vivo da Grande Paraba e os museus indgenas do Cear. Dobraduras e desdobramentos da Museologia Social ou Sociomuseologia. III. Museologia Social: prticas e experincias diretas Do Museu da Mar, passando pelo Museu Vivo de So Bento, passando pelo Museu de Favela, chegando aos 12 Pontos de Memria e indo alm. A crise contempornea dos museus sociais e as questes de propriedade do territrio. A Museologia Social e os movimentos sociais: LGBT, MST, Comunidades Indgenas e Quilombolas. IV. A Museologia Social e seus documentos fundadores. Da Mesa Redonda de Santiago do Chile (1972) Declarao do Rio XV Conferncia Internacional do MINOM (2013), passando pela Declarao de Quebec (1984) e pelo Encontro Internacional de Museus no Rio de Janeiro (1992). V. Viagem de estudo: mergulho radical na Museologia Social Haver uma visita tcnica Casa da Pedra, em Paraispolis.

  • 6

    MESA-REDONDA DE SANTIAGO DO CHILE ICOM, 1972

    I. Princpios de Base do Museu Integral

    Os membros da Mesa-Redonda sobre o papel dos museus na Amrica

    Latina de hoje, analisando as apresentaes dos animadores sobre os

    problemas do meio rural, do meio urbano, do desenvolvimento tcnico-

    cientfico, e da educao permanente, tomaram conscincia da importncia

    desses problemas para o futuro da sociedade na Amrica Latina.

    Pareceu-lhes necessrio, para a soluo destes problemas, que a

    comunidade entenda seus aspectos tcnicos, sociais, econmicos e polticos.

    Eles consideraram que a tomada de conscincia pelos museus, da situao

    atual, e das diferentes solues que se podem vislumbrar para melhor-la,

    uma condio essencial para sua integrao vida da sociedade. Desta

    maneira, consideraram que os museus podem e devem desempenhar um

    papel decisivo na educao da comunidade.

    Santiago, 30 de Maio de 1972.

    II. Resolues adotadas pela Mesa-Redonda de Santiago do Chile

    1. Por uma mutao do museu da Amrica Latina,

    Considerando:

    Que as transformaes sociais, econmicas e culturais que se

    produzem no mundo, e, sobretudo em um grande nmero de regies em

    via de desenvolvimento, so um desafio para a Museologia;

    Que a humanidade vive atualmente em um perodo de crise profunda;

    que a tcnica permitiu civilizao material realizar gigantescos

    progressos que no tiveram equivalncia no campo cultural; que esta

    situao criou um desequilbrio entre os pases que atingiram um alto

    nvel de desenvolvimento material e aqueles que permaneceram

    margem desta expanso e que foram mesmo abandonados ao longo de

    sua histria; que os problemas da sociedade contempornea so

    devidos a injustias, e que no possvel pensar em solues para

    estes problemas enquanto estas injustias no forem corrigidas;

  • 7

    Que os problemas colocados pelo progresso das sociedades no mundo

    contemporneo devem ser pensados globalmente e resolvidos em seus

    mltiplos aspectos; que eles no podem ser resolvidos por uma nica

    cincia ou por uma nica disciplina; que a escolha das melhores

    solues a serem adotadas, e sua aplicao, no devem ser apangio

    de um grupo social, mas exigem ampla e consciente participao e

    pleno engajamento de todos os setores da sociedade;

    Que o museu uma instituio a servio da sociedade, da qual parte

    integrante e que possui nele mesmo os elementos que lhe permitem

    participar na formao da conscincia das comunidades que ele serve;

    que ele pode contribuir para o engajamento destas comunidades na

    ao, situando suas atividades em um quadro histrico que permita

    esclarecer os problemas atuais, isto , ligando o passado ao presente,

    engajando-se nas mudanas de estrutura em curso e provocando outras

    mudanas no interior de suas respectivas realidades nacionais;

    Que esta nova concepo no implica na supresso dos museus atuais,

    nem na renncia aos museus especializados, mas que se considera que

    ela permitir aos museus se desenvolverem e evolurem da maneira

    mais racional e mais lgica, a fim de melhor servir sociedade; que, em

    certos casos, a transformao prevista ocorrer lenta e mesmo

    experimentalmente, mas que, em outros, ela poder ser o princpio

    diretor essencial;

    Que a transformao das atividades dos museus exige a mudana

    progressiva da mentalidade dos conservadores e dos responsveis

    pelos museus assim como das estruturas das quais eles dependem;

    que, de outro lado, o museu integral necessitar, a ttulo permanente ou

    provisrio, da ajuda de especialistas de diferentes disciplinas e de

    especialistas de cincias sociais.

    Que por suas caractersticas particulares, o novo tipo de museu parece

    ser o mais adequado para uma ao em nvel regional, em pequenas

    localidades, ou de mdio tamanho;

    Que, tendo em vista as consideraes expostas acima, e o fato do

    museu ser uma "instituio a servio da sociedade, que adquire,

    comunica, e notadamente expe, para fins de estudo, conservao,

  • 8

    educao e cultura, os testemunhos representativos da evoluo da

    natureza e do homem", a Mesa-Redonda sobre o papel do museu na

    Amrica Latina de hoje, convocada pela UNESCO em Santiago do

    Chile, de 20 a 31 de maio de 1972.

    Decide de uma maneira geral

    1. Que necessrio abrir o museu s disciplinas que no esto includas no

    seu mbito de competncia tradicional, a fim de conscientiz-lo do

    desenvolvimento antropolgico, scio-econmico e tecnolgico das naes

    da Amrica Latina, atravs da participao de consultores para a orientao

    geral dos museus;

    2. Que os museus devem intensificar seus esforos na recuperao do

    patrimnio cultural, para faz-lo desempenhar um papel social e evitar que

    ele seja dispersado fora dos pases latino-americanos;

    3. Que os museus devem tornar suas colees o mais acessvel possvel

    aos pesquisadores qualificados, e tambm, na medida do possvel, s

    instituies pblicas, religiosas e privadas;

    4. Que as tcnicas museogrficas tradicionais devem ser modernizadas

    para estabelecer uma melhor comunicao entre o objeto e o visitante; que

    o museu deve conservar seu carter de instituio permanente, sem que

    isto implique na utilizao de tcnicas e de materiais dispendiosos e

    complicados, que poderiam conduzir o museu a um desperdcio

    incompatvel com a situao dos pases latino-americanos;

    5. Que os museus devem criar sistemas de avaliao que lhes permitam

    determinar a eficcia de sua ao em relao comunidade;

    6. Que, levando em considerao os resultados da pesquisa sobre as

    necessidades atuais dos museus e sua carncia de pessoal, a ser realizada

    sob os auspcios da UNESCO, os centros de formao de pessoal

  • 9

    existentes na Amrica Latina devem ser aperfeioados e desenvolvidos

    pelos prprios pases; que esta rede de centros de formao deve ser

    completada e sua influncia se fazer sentir no plano regional; que a

    reciclagem de pessoal atual deve ser garantida em nvel nacional e

    regional; e que lhe seja dada a possibilidade de aperfeioamento no

    estrangeiro.

    Em relao ao meio rural

    Que os museus devam, acima de tudo, servir conscientizao dos

    problemas do meio rural, das seguintes maneiras:

    a) Exposio de tecnologias aplicveis ao aperfeioamento da vida da

    comunidade;

    b) Exposies culturais propondo solues diversas ao problema do meio

    social e tecnolgico, a fim de proporcionar ao pblico uma conscincia mais

    aguda sobre estes problemas, e reforar as relaes nacionais, a saber:

    i. Exposies relacionadas com o meio rural nos museus urbanos;

    ii. Exposies itinerantes;

    iii. Criao de museus de stios.

    Em relao ao meio urbano

    Que os museus devam servir conscientizao mais profunda dos

    problemas do meio urbano, das seguintes maneiras:

    a) Os "museus de cidade" devero insistir de modo particular no

    desenvolvimento urbano e nos problemas que ele coloca, tanto em suas

    exposies quanto em seus trabalhos de pesquisa;

    b) Os museus devero organizar exposies especiais ilustrando os

    problemas do desenvolvimento urbano contemporneo;

    c) Com a ajuda dos grandes museus, devero ser organizadas exposies,

    e criados museus em bairros e nas zonas rurais, para informar os

    habitantes das vantagens e inconvenientes da vida nas grandes cidades;

  • 10

    d) Dever ser aceita a oferta do Museu Nacional de Antropologia do

    Mxico, de experimentar, atravs de uma exposio temporria sobre a

    Amrica Latina, as tcnicas museolgicas do museu integral.

    Em relao ao desenvolvimento cientfico e tcnico

    Que os museus devem levar conscientizao da necessidade de um

    maior desenvolvimento cientfico e tcnico, das seguintes maneiras:

    a) Os museus estimularo o desenvolvimento tecnolgico, levando em

    considerao a situao atual da comunidade;

    b) Na ordem do dia das reunies dos ministros de educao e (ou) das

    organizaes especialmente encarregadas do desenvolvimento cientfico e

    tcnico, dever ser inscrita a utilizao dos museus como meio de difuso

    dos progressos realizados nestas reas;

    c) Os museus devero dar enfoque difuso dos conhecimentos cientficos

    e tcnicos, por meio de exposies itinerantes que devero contribuir para a

    descentralizao de sua ao.

    Em relao educao permanente

    Que o museu, agente incomparvel da educao permanente da

    comunidade, dever acima de tudo desempenhar o papel que lhe cabe, das

    seguintes maneiras:

    a) Um servio educativo dever ser organizado nos museus que ainda no

    o possuem, a fim de que eles possam cumprir sua funo de ensino; cada

    um desses servios ser dotado de instalaes adequadas e de meios que

    lhe permitam agir dentro e fora do museu;

    b) Devero ser integrados poltica nacional de ensino, os servios que os

    museus devero garantir regularmente;

    c) Devero ser difundidos nas escolas e no meio rural, atravs dos meios

    audiovisuais, os conhecimentos mais importantes;

  • 11

    d) Dever ser utilizado na educao, graas a um sistema de

    descentralizao, o material que o museu possuir em muitos exemplares;

    e) As escolas sero incentivadas a formar colees e a montar exposies

    com objetos do patrimnio cultural local;

    f) Devero ser estabelecidos programas de formao para professores dos

    diferentes nveis de ensino (primrio, secundrio, tcnico e universitrio).

    As presentes recomendaes confirmam aquelas que puderam ser

    formuladas ao longo dos diferentes seminrios e mesas-redondas sobre

    museus, organizadas pela UNESCO.

    Pela criao de uma Associao Latino Americana de Museologia

    Considerando

    Que os museus so instituies a servio da sociedade, que adquire,

    comunica e, notadamente, expe, para fins de estudo, educao e cultura, os

    testemunhos representativos da evoluo da natureza e do homem;

    Que, especialmente nos pases latino-americanos, eles devem responder

    s necessidades das grandes massas populares, ansiosas por atingir uma vida

    mais prspera e mais feliz, atravs do conhecimento de seu patrimnio natural

    e cultural, o que obriga frequentemente os museus a assumir funes que, em

    pases mais desenvolvidos, cabem a outros organismos;

    Que os museus e os muselogos latino-americanos, com raras excees,

    sofrem dificuldades de comunicao em razo das grandes distncias que os

    separam um do outro, e do resto do mundo;

    Que a importncia dos museus e as possibilidades que eles oferecem

    comunidade ainda no so plenamente reconhecidas por todas as autoridades,

    nem por todos os setores do pblico;

    Que durante a oitava e a nona conferncia geral do ICOM, que ocorreram,

    respectivamente, em Munique em 1968, e em Grenoble em 1971, os

  • 12

    muselogos latino americanos que estiveram presentes indicaram a

    necessidade de criao de um organismo regional;

    A Mesa-Redonda sobre o papel dos museus da Amrica Latina de hoje,

    convocada pela UNESCO em Santiago do Chile, de 20 a 31 de maio de 1972,

    decide:

    1. Criar a Associao Latino Americana de Museologia (ALAM), aberta a todos

    os museus, muselogos, musegrafos, pesquisadores e educadores

    empregados pelos museus com os objetivos e atravs das seguintes maneiras:

    Dotar a comunidade regional de melhores museus, concebidos luz da

    experincia adquirida nos pases latino americanos;

    Constituir um instrumento de comunicao entre os museus e os

    muselogos latino americanos;

    Desenvolver a cooperao entre os museus da regio graas ao

    intercmbio e emprstimo de colees e ao intercmbio de informaes

    e de pessoal especializado;

    Criar um organismo oficial que faa conhecer os desejos e a experincia

    dos museus e de seu pessoal aos membros da profisso, comunidade

    a qual eles pertencem, s autoridades e a outras instituies

    congneres;

    Afiliar a Associao Latino Americana de Museologia ao Conselho

    Internacional de Museus, adotando uma estrutura na qual seus

    membros sejam ao mesmo tempo membros do ICOM;

    Dividir, para fins operacionais, a Associao Latino Americana de

    Museologia em quatro sees correspondentes provisoriamente s

    regies e pases seguintes:

    - Amrica Central, Panam, Mxico, Cuba, So Domingos, Porto

    Rico, Haiti e Antilhas Francesas.

    - Colmbia, Venezuela, Peru, Equador e Bolvia.

    - Brasil.

    - Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai.

  • 13

    2. Que os abaixo-assinados, participantes da Mesa-Redonda de Santiago do

    Chile, se constituem em Comit de Organizao da Associao Latino

    Americana de Museologia, e notadamente em um Grupo de Trabalho composto

    de cinco pessoas, quatro dentre elas representando cada uma das zonas

    acima enumeradas, e a quinta desempenhando o papel de coordenador geral;

    que este Grupo de Trabalho ter como objetivo, no prazo mximo de seis

    meses, elaborar o Estatuto e os regulamentos da associao; definir com o

    ICOM as formas de ao conjunta; organizar eleies para a constituio dos

    diversos rgos da ALAM; estabelecer a sede desta associao,

    provisoriamente, no Museu Nacional de Antropologia do Mxico; compor este

    grupo de trabalho com as seguintes pessoas, representando suas zonas

    respectivas:

    - Zona 1: Luis Diego Pgnataro (Costa Rica),

    - Zona 2: Alicia Durand de Reichel (Colmbia),

    - Zona 3: Lygia Martins Costa (Brasil),

    - Zona 4: Grete Mostny Glaser (Chile); coordenador: Mario

    Vasquez (Mxico).

    Santiago, 31 de Maio de 1972.

    III. Recomendaes apresentadas UNESCO pela Mesa-Redonda de

    Santiago do Chile

    Mesa-Redonda sobre o papel do museu na Amrica Latina de hoje,

    convocada pela UNESCO em Santiago do Chile, de 20 e 21 de maio de 1972,

    apresenta UNESCO as seguintes recomendaes:

    1. Um dos resultados mais importantes a que chegou a mesa-redonda foi a

    definio e a proposio de um novo conceito de ao dos museus: o museu

    integral, destinado a proporcionar comunidade uma viso de conjunto de seu

    meio material e cultural. Ela sugere que a UNESCO utilize os meios de difuso

    que se encontram sua disposio para incentivar esta nova tendncia.

    2. A UNESCO prosseguiria e intensificaria seus esforos para contribuir com

    formao de tcnicos de museus - tanto no nvel de ensino secundrio quanto

  • 14

    ao do universitrio, como ela tem feito, at agora, no Centro Regional "Paul

    Coreanas".

    3. A UNESCO incentivar a criao de um Centro Regional para a preparao

    e a conservao de espcimes naturais, do qual o atual Centro Nacional de

    Museologia de Santiago poder se constituir em ncleo original. Alm de sua

    funo de ensino (formao tcnica) e de sua funo profissional no campo da

    museologia (preparao de conservao de espcimes naturais), e de

    produo de material de ensino, este Centro Regional poder desempenhar um

    papel importante na proteo das riquezas naturais.

    4. A UNESCO dever conceder bolsas de estudo e de aperfeioamento para

    tcnicos de museus com instruo de nvel secundrio.

    5. A UNESCO dever recomendar aos ministrios de Educao e de Cultura e

    (ou) aos organismos encarregados de desenvolvimento cientfico, tcnico e

    cultural, que considerem os museus como um meio de difuso dos progressos

    realizados naquelas reas.

    6. Em razo da importncia do problema da urbanizao na Amrica Latina e

    da necessidade de esclarecer a sociedade a este respeito, em diferentes

    nveis, a UNESCO dever encorajar a redao de um livro sobre a histria, o

    desenvolvimento e os problemas das cidades na Amrica Latina, o qual seria

    publicado sob forma de obra cientfica e sob forma de obra de divulgao. Para

    atingir um pblico mais vasto, a UNESCO dever produzir um filme sobre esta

    questo, adequado a todos os tipos de pblico.

  • 15

    DECLARAO DE QUEBEC

    PRINCPIOS DE BASE DE UMA NOVA MUSEOLOGIA

    1984

    Introduo

    Um movimento de nova museologia tem a sua primeira expresso

    pblica e internacional em 1972 na Mesa-Redonda de Santiago do Chile

    organizada pelo ICOM. Este movimento afirma a funo social do museu e o

    carter global das suas intervenes.

    Proposta

    1. Considerao de ordem universal

    A museologia deve procurar, num mundo contemporneo que tenta

    integrar todos os meios de desenvolvimento, estender suas atribuies e

    funes tradicionais de identificao, de conservao e de educao, a prticas

    mais vastas que estes objetivos, para melhor inserir sua ao naquelas ligadas

    ao meio humano e fsico.

    Para atingir este objetivo e integrar as populaes na sua ao, a

    museologia utiliza-se cada vez mais da interdisciplinaridade, de mtodos

    contemporneos de comunicao comuns ao conjunto da ao cultural e

    igualmente dos meios de gesto moderna que integram os seus usurios.

    Ao mesmo tempo que preserva os frutos materiais das civilizaes passadas, e

    que protege aqueles que testemunham as aspiraes e a tecnologia atual, a

    nova museologia ecomuseologia, museologia comunitria e todas as outras

    formas de museologia ativa interessa-se em primeiro lugar pelo

    desenvolvimento das populaes, refletindo os princpios motores da sua

    evoluo ao mesmo tempo que as associa aos projetos de futuro.

    Este novo movimento pe-se decididamente ao servio da imaginao

    criativa, do realismo construtivo e dos princpios humanitrios definidos pela

    comunidade internacional. Torna-se, de certa forma, um dos meios possveis

    de aproximao entre os povos, do seu conhecimento prprio e mtuo, do seu

  • 16

    desenvolvimento cclico e do seu desejo de criao fraterna de um mundo

    respeitador da sua riqueza intrnseca.

    Neste sentido, este movimento, que deseja manifestar-se de uma forma

    global, tem preocupaes de ordem cientfica, cultural, social e econmica.

    Este movimento utiliza, entre outros, todos os recursos da museologia (coleta,

    conservao, investigao cientfica, restituio, difuso, criao), que

    transforma em instrumentos adaptados a cada meio e projetos especficos.

    2. Tomada de posio

    Verificando que mais de quinze anos de experincias de nova

    museologia ecomuseologia, museologia comunitria e todas as outras formas

    de museologia ativa pelo mundo foram um fator de desenvolvimento crtico

    das comunidades que adotaram este modo de gesto do seu futuro.

    Verificando a necessidade sentida unanimemente pelos participantes nas

    diferentes mesas de reflexo e pelos intervenientes consultados, de acentuar

    os meios de reconhecimento deste movimento; verificando a vontade de criar

    as bases organizativas de uma reflexo comum e das experincias vividas em

    vrios continentes; verificando o interesse em se dotar de um quadro de

    referncia destinado a favorecer o funcionamento destas novas museologias e

    de articular em consequncia os princpios e meios de ao; considerando que

    a teoria dos Ecomuseus e dos museus comunitrios (museus de vizinhana,

    museus locais...) nasceu das experincias desenvolvidas em diversos meios

    durante mais de 15 anos. adotado o que se segue:

    A - que a comunidade museal internacional seja convidada a reconhecer este

    movimento, a adotar e a aceitar todas as formas de museologia ativa na

    tipologia dos museus;

    B - que tudo seja feito para que os poderes pblicos reconheam e ajudem a

    desenvolver as iniciativas locais que colocam em aplicao estes princpios;

    C - que neste esprito, e no intuito de permitir o desenvolvimento e eficcia

    destas museologias, sejam criadas em estreita colaborao as seguintes

    estruturas permanentes:

    Um comit internacional Ecomuseus/ Museus comunitrios no quadro

    do ICOM (Conselho Internacional de Museus);

  • 17

    Uma federao internacional da nova museologia que poder ser

    associada ao ICOM e ao ICOMOS (Conselho Internacional dos

    Monumentos e Stios), cuja sede provisria ser no Canad;

    D - que seja formado um grupo de trabalho provisrio cujas primeiras aes

    seriam: a organizao das estruturas propostas, a formulao de objetivos, a

    aplicao de um plano trienal de encontros e de colaborao internacional.

    Quebec, 12 de Outubro de 1984.

  • 18

    DEFINIO EVOLUTIVA DE ECOMUSEU

    George-Henri Rivire

    Um ecomuseu um instrumento que um poder e uma populao

    fabricam e exploram juntos. Este poder, com os especialistas, as instalaes,

    os recursos que fornece. Esta populao, de acordo com suas aspiraes,

    seus saberes, suas competncias.

    Um espelho onde esta populao se olha, para se reconhecer, onde ela

    procura a explicao do territrio onde vive, onde viveram as populaes

    precedentes, na descontinuidade ou na continuidade das geraes. Um

    espelho que esta populao mostra aos visitantes, para ser melhor

    compreendida, no respeito do seu trabalho, dos seus comportamentos, da sua

    intimidade.

    Uma expresso do homem e da natureza. O homem interpretado no seu

    meio natural. A natureza interpretada no seu estado selvagem, mas tambm na

    medida em que a sociedade tradicional e a sociedade industrial adaptaram-na

    sua imagem.

    Uma expresso do tempo, quando a explicao remonta a tempos

    anteriores apario do homem, passando pelos tempos pr-histricos e

    histricos que ele viveu, chegando ao tempo em que ele vive hoje. Com uma

    abertura para o tempo de amanh, sem que, no entanto, o ecomuseu se

    coloque como quem decide, mas desempenhando um papel de informao e

    anlise crtica.

    Uma interpretao do espao. Espaos privilegiados, onde parar, onde

    caminhar. Um laboratrio, na medida em que contribui ao estudo histrico e

    contemporneo desta populao e do seu meio e favorece a formao de

    especialistas nestas reas, em cooperao com instituies de pesquisa de

    fora.

  • 19

    Um conservatrio, na medida em que ajuda na preservao e

    valorizao do patrimnio natural e cultural desta populao.

    Uma escola, na medida em que associa esta populao s suas aes

    de estudo e proteo, em que estimula uma melhor percepo dos problemas

    do seu prprio futuro.

    DEFINIO EVOLUTIVA DA SOCIOMUSEOLOGIA

    Proposta para reflexo

  • 20

    Mrio C. Moutinho

    A Sociomuseologia traduz uma parte considervel do esforo de

    adequao das estruturas museolgicas aos condicionalismos da sociedade

    contempornea.

    A abertura do museu ao meio e a sua relao orgnica com o contexto

    social que lhe d vida, tm provocado a necessidade de elaborar e esclarecer

    relaes, noes e conceitos que podem dar conta deste processo.

    A Sociomuseologia constitui-se assim como uma rea disciplinar de

    ensino, investigao e actuao que privilegia a articulao da museologia em

    particular com as reas do conhecimento das Cincias Humanas, dos Estudos

    do Desenvolvimento, da Cincia de Servios e do Planejamento do Territrio.

    A abordagem multidisciplinar da Sociomuseologia visa consolidar o

    reconhecimento da museologia como recurso para o desenvolvimento

    sustentvel da humanidade, assente na igualdade de oportunidades e na

    incluso social e econmica.

    A Sociomuseologia assenta a sua interveno social no patrimnio

    cultural e natural, tangvel e intangvel da humanidade.

    O que caracteriza a Sociomuseologia no propriamente a natureza dos

    seus pressupostos e dos seus objectivos, como acontece em outras reas do

    conhecimento, mas a interdisciplinaridade com que apela a reas do

    conhecimento perfeitamente consolidadas e as relaciona com a Museologia

    propriamente dita.

    As preocupaes fundamentais da Sociomuseologia h muito que se

    encontram descritas em numerosos documentos elaborados dentro e fora da

    Museologia.

    A titulo de exemplo pode-se referir a Declarao de Santiago do Chile de

    1972, a Declarao de Quebec (MINOM) 1984, a Conveno sobre a

    proteco e promoo da diversidade das expresses culturais (UNESCO),

    2005, a Conveno para a salvaguarda do patrimnio imaterial (UNESCO)

    2003, Conveno do Patrimnio Mundial, A Proteco do Patrimnio Mundial

    Cultural e Natural, UNESCO Paris, 1972, Em todos estes documentos

    aparece um trao de continuidade que indica claramente o alargamento das

    funes tradicionais da museologia e o papel que devero assumir na

    sociedade contempornea.

  • 21

    1- Entre essas preocupaes deve ser referido o carcter global (planetrio)

    dos problemas relacionados com a valorizao e proteco do Patrimnio

    Cultural e Natural no quadro de uma viso nacional e internacional no s pela

    natureza dos problemas mas tambm pela necessidade de assentar politicas

    que ultrapassam os limites nacionais e afectam regies ou em muitos casos

    dizem respeito ao prprio planeta no seu todo.

    Este entendimento resulta em parte da necessidade de envolver

    recursos humanos, financeiros e legais cientficos e tcnicos que ultrapassam

    claramente a responsabilidade local ou nacional. (Conveno do Patrimnio

    Mundial, A Proteco do Patrimnio Mundial Cultural e Natural, UNESCO

    Paris, 1972)

    2- O reconhecimento que as questes do desenvolvimento tambm tm

    vindo a ser consideradas aos nveis local, nacional e internacional no s pela

    natureza das questes mas tambm pelo carcter alargado do princpio da

    sustentabilidade que obviamente no s ultrapassa as fronteiras como tambm

    exige solues globalmente sustentveis.

    Neste contexto as solues implicam abordagens multifacetadas e

    assentes no princpio da participao que no so especficas de um s grupo

    social mas que ao contrrio assentam na participao e no compromisso

    individual e colectivo. Cultura e desenvolvimento so cada vez mais elementos

    de uma responsabilidade Social onde assenta a interveno museal

    3- Tambm largamente reconhecido que todas as sociedades esto em

    permanente mudana pelo que a actuao dos museus dever assentar nessa

    prpria mudana sempre que procura deter um papel socialmente

    interveniente.

    Que o museu uma instituio a servio da sociedade, da qual

    parte integrante e que possui nele mesmo os elementos que lhe

    permitem participar na formao da conscincia das comunidades

    que ele serve; que ele pode contribuir para o engajamento destas

    comunidades na aco, situando suas actividades em um quadro

    histrico que permita esclarecer os problemas atuais, isto ,

    ligando o passado ao presente, engajando-se nas mudanas de

    estrutura em curso e provocando outras mudanas no interior de

    suas respectivas realidades nacionais; (Mesa-Redonda de

    Santiago do Chile, ICOM, 1972)

    4- Os museus so cada vez instituies entendidas como entidades

    prestadoras de servios, pelo que necessitam crescentemente de envolver os

  • 22

    conhecimentos das reas da gesto da inovao, do marketing, do design e

    das novas tecnologias da informao e da comunicao. Estas reas do

    conhecimento trazem para os museus factores de melhoramento da qualidade

    da relao dos Museus com os seus pblicos e/ou utilizadores para a qual se

    aplicam as ferramentas de avaliao da qualidade.

    Estas abordagens essenciais mas efectuadas parcelarmente encontram

    agora numa nova rea de conhecimento geralmente denominada por Cincia

    de Servios, Gesto e Engenharia. (SSME). Esta rea prope-se reunir e

    articular de forma consistente os trabalhos em curso no domnio da informtica,

    da engenharia industrial, da estratgia empresarial, das cincias de

    administrao, das cincias sociais e cognitivas e das cincias jurdicas de

    modo a desenvolver as competncias requeridas por uma economia orientada

    e assente cada vez mais na produo e uso de servios. Esta rea do

    conhecimento visa o entendimento transversal de outras reas que por si s

    atingiram um desenvolvimento considervel, mas que raramente so objecto

    de entendimento articulado e dialctico.

    Mais do que uma funo propriamente tcnica que resulta do

    entendimento do museu com uma instituio ao servio dos objectos

    museolgicos os Museus so cada vez mais entendidos como instituies

    prestadoras de servios e neste sentido devendo ser compreendidas como

    qualquer outra actividade de Servios. A museologia e os museus (no seio da

    economia dos servios culturais) ocupam cada vez mais um lugar de destaque

    na economia dos servios em geral, a qual representa actualmente 50 a 70%

    do PIB dos pases mais desenvolvidos e um lugar crescente na maioria dos

    outros pases.

    5- A actuao dos recursos humanos envolvidos nas diversas e ampliadas

    funes dos museus carecem cada vez mais de formao aprofundada que

    ultrapassa as tradicionais formaes tcnicas que esgotam a actuaes dos

    museus centrados exclusivamente sobre as suas coleces. As Curricula

    Guidelines for Professional Development actualmente em processo de reviso

    no seio do ICOM do claramente conta multiplicidade dos campos de formao

    de modo a cobrir todas as reas onde o Museu se afirma como reas de

    trabalho. De forma resumida a Declarao do ICTOP de Lisboa 1994 j

    anunciava este novo processo de reviso da formao dos trabalhadores dos

    museus.

    Os programas de formao museolgica devem oferecer

    oportunidades de formao que visem o preenchimento das

    necessidades imediatas e das expectativas da comunidade

    museolgica para a munir de uma programao pr-activa em

    vez de uma instruo reactiva; (),

  • 23

    Os programas de formao museolgica devem preparar

    formandos, a todos os nveis, para desempenharem mais

    elevados papis de liderana, estimulando a investigao

    intelectual, a interaco imaginativa, e solues corajosas para

    aplicar a prticas e actividades museolgicas, bem como

    transmitindo um senso de responsabilidade tica, profissional e

    social;

    (Declarao de Lisboa, Resolues da Comisso Internacional de

    Formao de Pessoal de Museus - ICTOP/Universidade

    Lusfona, 1994)

    Esta proposta de definio da Sociomuseologia mais do que um puro

    exerccio gramatical pretende na verdade chamar ateno para toda uma vasta

    rea de preocupaes, mtodos e objectivos que do cada vez mais sentido a

    uma museologia cujos limites no cessam de crescer. A viso restritiva da

    museologia como tcnica de trabalho orientada para as coleces, tem dado

    lugar a um novo entender e prticas museolgicas orientadas para o

    desenvolvimento da humanidade.

    E exactamente para esta realidade, fruto da articulao de reas do

    saber que cresceram por vezes fora da museologia mas que progressivamente

    se tornaram recursos incontornveis para o desenvolvimento da prpria

    Museologia, que a definio de Sociomuseologia se revela poder ser um

    contributo que ajuda a compreender processos e definir novos limites.

    Assim entendido a Sociomuseologia assume-se como uma nova rea

    disciplinar que resulta da articulao entre as demais reas do saber que

    contribuem para o processo museolgico contemporneo. Entre o paradigma

    do Museu ao servio das coleces e o paradigma do Museu ao servio da

    sociedade est o lugar da Sociomuseologia

    Lisboa, Setembro 2007

    XIII Atelier Internacional do MINOM, Lisboa Setbal

  • 24

    ANEXOS

    As consideraes de ordem universal onde assentam os princpios defendidos

    na Declarao do Quebec 1984 resumem de forma consistente a viso

    alargada da funo dos museus na sociedade contempornea.

    A museologia deve procurar, num mundo contemporneo que

    tenta integrar todos os meios de desenvolvimento, estender suas

    atribuies e funes tradicionais de identificao, de

    conservao e de educao, a prticas mais vastas que estes

    objectivos, para melhor inserir sua aco naquelas ligadas ao

    meio humano e fsico.

    Para atingir este objectivo e integrar as populaes na sua aco,

    a museologia utiliza-se cada vez mais da interdisciplinaridade, de

    mtodos contemporneos de comunicao comuns ao conjunto

    da aco cultural e igualmente dos meios de gesto moderna que

    integram os seus usurios.

    Ao mesmo tempo que preserva os frutos materiais das

    civilizaes passadas, e que protege aqueles que testemunham

    as aspiraes e a tecnologia actual, a nova museologia -

    ecomuseologia, museologia comunitria e todas as outras formas

    de museologia activa - interessa-se em primeiro lugar pelo

    desenvolvimento das populaes, reflectindo os princpios

    motores da sua evoluo ao mesmo tempo que as associa aos

    projectos de futuro.

    Este novo movimento pe-se decididamente ao servio da

    imaginao criativa, do realismo construtivo e dos princpios

    humanitrios defendidos pela comunidade internacional. Toma-se

    de certa forma um dos meios possveis de aproximao entre os

    povos, do seu conhecimento prprio e mtuo, do seu

    desenvolvimento cclico e do seu desejo de criao fraterna de

    um mundo respeitador da sua riqueza intrnseca.

    Neste sentido, este movimento, que deseja manifestar-se de uma

    forma global, tem preocupaes de ordem cientfica, cultural,

    social e econmica.

    Este movimento utiliza, entre outros, todos os recursos da

    museologia (colecta, conservao, investigao cientfica,

    restituio o difuso, criao), que transforma em instrumentos

    adaptados a cada meio e projectos especficos.

    A titulo de exemplo pelo seu carcter inovador enquanto que politica de

    desenvolvimentos museolgicos produzido por um governo de Estado

    apresentam-se alguns extractos da Poltica Nacional de Museus, Maio de 2003,

    Ministrio da Cultura do Brasil:

  • 25

    OBJETIVO GERAL

    Promover a valorizao, a preservao e a fruio do patrimnio cultural brasileiro, considerado como um dos dispositivos de incluso social e cidadania, por meio do desenvolvimento e da revitalizao das instituies museolgicas existentes e pelo fomento criao de novos processos de produo e institucionalizao de memrias constitutivas da diversidade scio, tnico e cultural do pas.

    A CONSTRUO DA REDE DE PARCEIRAS

    A elaborao e a implementao da Poltica Nacional de Museus, a ser coordenada pelo Ministrio da Cultura, dever contar com a participao de rgos dos governos federal, estadual, municipal e do setor privado, ligados cultura, pesquisa e ao fomento, bem como entidades da sociedade civil organizada. A meta a constituio de uma ampla e diversificada rede de parceiros que, somando esforos, contribuam para a valorizao, a preservao e o gerenciamento do nosso patrimnio cultural, de modo a torn-lo cada vez mais representativo da diversidade tnica e cultural do Brasil.

    A Poltica Nacional de Museus dever contar com os recursos previstos no Fundo Nacional da Cultura (FNC), com as leis de incentivo fiscal e com os oramentos prprios dos rgos e entidades envolvidos, alm de valorizar a integrao de instncias governamentais e entidades da sociedade civil voltadas para o campo museal, constituindo uma rede de responsabilidades no tocante preservao e ao gerenciamento de bens culturais. PRINCPIOS ORIENTADORES 1. Estabelecimento e consolidao de polticas pblicas no campo do patrimnio cultural, da institucionalizao da memria social e dos museus, visando democratizao das instituies e dos usos dos bens culturais nacionais, estaduais e municipais; 2. Valorizao do patrimnio cultural sob a guarda dos museus, compreendendo-os como unidades de valor estratgico nos diferentes processos identitrios, sejam eles de carter nacional, regional ou local; 3. Desenvolvimento de processos educacionais para o respeito diferena e diversidade cultural do povo brasileiro frente aos procedimentos polticos de homogeneizao decorrentes da globalizao; 4. Reconhecimento e garantia dos direitos das comunidades organizadas de participar, em conjunto com os profissionais, tcnicos e gestores do patrimnio cultural, dos processos de registro e proteo legal, e dos procedimentos tcnicos e polticos de definio do patrimnio a ser preservado;

  • 26

    5. Estmulo e apoio participao de museus comunitrios, ecomuseus, museus locais, museus escolares e outros na Poltica Nacional de Museus e nas aes de preservao e gerenciamento do patrimnio cultural; 6. Incentivo a programas e aes que viabilizem a conservao, preservao e sustentabilidade do patrimnio cultural submetido a processo de musealizao; 7. Respeito ao patrimnio cultural das comunidades indgenas e afro-descendentes, de acordo com as suas especificidades e diversidades.

    A Declarao da cidade de Salvador (Junho 2007) sintetiza de forma

    clara o lugar que para muitos sectores da sociedade a instituio Museu pode e

    deve assumir no mundo contemporneo

    Compreendendo os museus como instituies dinmicas,

    vivas e de encontro intercultural, como lugares que trabalham

    com o poder da memria, como instancias relevantes para o

    desenvolvimento das funes educativa e formativa, como

    ferramentas adequadas para estimular o respeito diversidade

    cultural e natural e valorizar os laos de coeso social das

    comunidades ibero-americanas e a sua relao com o meio

    ambiente. e indica como directrizes entre outras Compreender

    a cultura como bem de valor simblico, direito de todos e factor

    decisivo para o desenvolvimento integral e sustentvel, sabendo

    que o respeito e a valorizao da diversidade cultural so

    indispensveis para a dignidade social e o desenvolvimento

    integral humano; () Compreender os museus como ferramentas

    estratgicas para propor polticas de desenvolvimento sustentvel

    e equitativo entre pases e como representaes da diversidade e

    pluralidade em cada pas ibero-americano; () Assegurar que os

    museus sejam territrios de salvaguarda e difuso de valores

    democrticos e de cidadania, colocados a servio da sociedade,

    com o objectivo de propiciar o fortalecimento e o e a manifestao

    de identidades, a percepo critica e reflexiva da realidade, a

    produo de conhecimento, a promoo da dignidade e

    oportunidades de lazer; () Valorizar a vocao dos museus para

    a comunicao, investigao, documentao e preservao da

    herana cultural, bem como para o estmulo criao

    contempornea em condies de liberdade e igualdade; ()

    Reafirmar e amplificar a capacidade educacional dos museus e

    do patrimnio cultural como estratgias de transformao da

    realidade social; (Declarao da cidade de Salvador, Junho 2007)

  • 27

    DECLARAO MINOM RIO 2013 XV CONFERNCIA INTERNACIONAL DO MOVIMENTO INTERNACIONAL

    PARA UMA NOVA MUSEOLOGIA (MINOM), REALIZADA NO RIO DE JANEIRO NO MUSEU DA REPBLICA, MUSEU DA MAR E MUSEU DE

    FAVELA

    Em defesa de uma Museologia com inteno de mudana social, poltica

    e econmica, a partir da mobilizao social, por intermdio de um processo de

    conscientizao vinculado memria e que reconhece as tenses e os vrios

    tipos de violncias sofridas pelos seres e agentes portadores de memria,

    consideramos a importncia de:

    A) Reafirmar os princpios anunciados nas declaraes de Santiago do Chile,

    1972, e Quebec, 1984;

    B) Quebrar hierarquias de poder, a fim de que surjam novos protagonistas de

    suas prprias memrias.

    C) Compreender os museus comunitrios como processos polticos, poticos e

    pedaggicos em permanente construo e vinculados a vises de mundo

    bastante especficas;

    D) Dar relevo atuao dos museus sociais, dos museus comunitrios, dos

    ecomuseus, dos museus de favela, dos museus de territrio, dos museus de

    percurso e dos espaos museais. Todas essas organizaes tiram e pem,

    fazem e desfazem suas memrias, sentimentos, ideias, sonhos, ansiedades,

    tenses, medos e vivem sua prpria realidade, sem pedir permisso s

    autoridades estabelecidas;

    E) Reconhecer que todos esses museus e processos museais assumem seus

    prprios jeitos de musealizar e se apropriam e fazem uso dos conhecimentos

    do modo que lhes convm;

    F) Colocar em destaque a compreenso de que a museologia social consiste

    num exerccio poltico que pode ser assumido por qualquer museu,

    independente de sua tipologia.

    Por tudo isso, recomendamos que as consideraes anteriores passem

    a representar os princpios de uma museologia sensvel e compreensiva,

  • 28

    constituda de novas formas de afetividade, respeito mtuo e indignao;

    recomendamos que estes princpios constituam as bases de uma museologia

    que tenha capacidade de escuta e que reconhea:

    As diferenas de ritmos, atitudes, tempos, materialidades,

    territorialidades e linguagens que favoream os movimentos sociais;

    A criao de estratgias libertrias diante das diferentes formas de

    opresso;

    O carter dinmico da memria e a importncia de dialogar com seu

    tempo;

    A valorizao dos estudos das memrias numa perspectiva

    libertadora e do respeito pela dignidade humana;

    A urgncia de concepo, desenvolvimento e consolidao de

    polticas pblicas de apoio e fomento, adequadas aos novos

    processos museais;

    O estmulo pesquisa, produo e difuso desses novos processos

    museais, respeitando as peculiaridades de cada experincia museal;

    Os saberes e fazeres referenciados nas culturas locais e nos

    movimentos sociais;

    As instituies educativas e culturais que trabalham com os

    protagonismos museais e comunitrias;

    O carter democrtico do confronto de ideias, do processo de

    construo de memrias e do respeito pelos diferentes pontos de

    vista e modos de qualificar e narrar experincias.

    Rio de Janeiro, 10 de agosto de 2013.

  • 29

    REFLEXES SOBRE A NOVA MUSEOLOGIA

    Maria Clia Teixeira Moura Santos

    1 INTRODUO

    Foi com grande satisfao que aceitei o convite para integrar o corpo

    docente do Curso de Especializao do MAE/USP. Acompanhei, durante anos,

    o esforo dos profissionais dessa instituio no sentido de instalar um Curso de

    Museologia, dando continuidade s aes da Profa. Waldisa Rssia, que, como

    pioneira, no estado de So Paulo, iniciou as reflexes em torno da produo do

    conhecimento na rea da Museologia, no Curso instalado no Instituto de

    Sociologia e Poltica, capacitando vrios profissionais, que, hoje, com empenho

    e profissionalismo, vm contribuindo, de maneira significativa para o

    enriquecimento da Museologia em nosso Pas.

    Quero destacar, em especial, o esforo da Profa. Cristina Bruno,

    coordenadora do Curso de Especializao do MAE/USP, que, com entusiasmo

    e dedicao, tem trilhado caminhos, at certo ponto tortuosos, do mundo

    acadmico abrindo espao para uma relao necessria com outras reas do

    conhecimento e, ao mesmo tempo, produzindo e divulgando o conhecimento

    construdo em nosso campo de atuao. Tenho certeza que o Curso de

    Museologia recm-instalado na USP ser um espao de reflexo e ao, onde

    a criatividade, a iniciativa e o desempenho dos seus professores e alunos

    sero responsveis por projetos que, com certeza, contribuiro, em muito, para

    melhorar a atuao das instituies museolgicas e para incentivar o

    desenvolvimento de novos processos museais, tendo como referencial o

    patrimnio cultural.

    Entretanto, necessrio se faz registrar que a classificao Nova

    Museologia no pode ser evolucionista, pois a realidade social

    multidimensional. A prtica da Nova Museologia humana e,

    consequentemente, no pode ser dissociada de experincias passadas e

    embrionrias. Nesse sentido, tentarei, com base nas referncias analisadas, e

  • 30

    na experincia vivida, buscar uma aproximao com a nossa realidade e

    apontar algumas contribuies ao processo museolgico.

    2- CONTEXTUALIZAO E ANTECEDENTES

    Falar da Nova Museologia falar de conflitos, contradies, de pocas

    marcadas por represso e, ao mesmo tempo, por um acentuado processo

    criativo. Os anos 60 foram marcados pelo movimento artstico-cultural, que

    destaca o novo, com a participao da juventude, na recusa aos modelos

    estabelecidos, prepara o terreno, lana as sementes. O inconformismo com os

    esquemas comerciais e com as imposies dos meios de comunicao de

    massa, a crtica sociedade de consumo, a recusa a modelos anteriores e a

    busca de maior liberdade temtica ou de linguagem e, ainda, a inteno de

    provocar a desacomodao ou a desalienao, culminou com o maio francs,

    que, segundo (Paes,1993, p. 30) foi o momento maior de contestao do

    autoritarismo da sociedade, naquele momento. O Historiador Alain Tourrain

    (1983, p. 85) o considera como as ltimas jornadas revolucionrias da poca

    industrial e o prenncio dos movimentos sociais e das lutas polticas do futuro.

    Talvez possamos apontar O Maio Francs como um vetor no sentido de

    lanar as bases necessrias para se repensar o museu e a sua relao com a

    sociedade, de maneira mais efetiva, por meio de aes concretas.

    Comentando sobre o maio de 68, e sobre a reviso do conceito de

    patrimnio, Ren Rivard (1984, p.2) questiona: seria a primeira batalha

    organizada contra a instituio museal? Salienta o autor que na Frana e em

    outros pases houve uma contestao macia de todas as instituies,

    abalando valores, ameaando posies estabelecidas e, ao mesmo tempo,

    forando os responsveis dessas instituies a olhar com novos olhos suas

    aes e a repercusso sobre a sociedade. Nesse contexto, o conceito de

    patrimnio revisto e ampliado, considerando-se o meio ambiente, o saber e o

    artefato-o patrimnio integral. Vrios grupos contribuem para essa nova

    conceituao, como os ecologistas, os diferentes pases emergentes do

    colonialismo, que reivindicam o retorno dos bens pilhados ou expatriados pelas

    sociedades ocidentais, os grupos socialistas ou socializantes que reclamam,

  • 31

    em nome do patrimnio coletivo, uma acessibilidade aos monumentos, s

    colees dos museus, que antes eram patrimnio privado ou reservadas aos

    detentores do saber. Rivard (1984 p.3 ) destaca que essa ampliao da

    noo de patrimnio ter como conseqncia direta uma reviso dos poderes

    que assumem a gesto e a valorizao dos monumentos, stios, museus e de

    todo lugar considerado patrimnio pblico.

    Depois do vendaval que foram os anos 60, os anos 70 deram incio

    gide da fragmentao: desdobramentos da contracultura, movimento

    underground, punk, misticismo oriental, vida em comunidades religiosas ou

    naturalistas, valorizao do individualismo, expanso do uso das drogas

    (Habert, 1992, p.74). Percebe-se um painel de diferentes acontecimentos, de

    diversos cortes, marcados pelos golpes e pelas revolues, resultado dos

    investimentos dos pases imperialistas, que procuram reagir onda de

    contestao e s lutas revolucionrias da dcada de 60, cuja conseqncia a

    implantao das ditaduras militares na Amrica Latina, a ampliao da

    interveno na Indochina, o reforo aos governos colonialistas e de apartheid

    na frica e a sustentao da poltica israelense no Oriente Mdio.

    A preocupao em aumentar os nveis de produo ou de como gerar

    inverso de capital desloca-se para a necessidade de confrontar as bases dos

    mecanismos de dominao, atravs do desenvolvimento de uma conscincia

    popular. Sendo assim, o desenvolvimento passa a ser compreendido como um

    processo global de organizao de setores populares que se tornaram capazes

    de enfrentar o Estado e as coalizes dominantes, implicando uma

    transformao radical da sociedade. Para tanto, era necessrio um movimento

    social organizado que fosse capaz de assumir o controle sobre os processos

    produtivos da sociedade, o que implicaria uma conscincia social crescente.

    Para alcanar um nvel desejvel de conscincia social, os autores apontam

    como ferramentas a educao popular, cujo suporte fundamental a proposta

    educativa de Paulo Freire, e a investigao participativa, como alternativa para

    oferecer uma nova explicao da realidade. Vrios autores vo se dedicar aos

    estudos da pesquisa participante e da pesquisa/ao, especialmente nos

    pases de Terceiro Mundo, assumindo o compromisso do cientista social com

  • 32

    os diversos grupos populares. (Borda, 1972, Brando,1982, Thiollent,1981,

    Silva, 1986, 1986, Schutter, 1980, etc.). Os trabalhos produzidos na Escola de

    Frankfurt (Horkheimer, Marcuse, Habermas), do ponto de vista filosfico, vo

    retomar o conceito de prxis permitindo acelerar os aspectos de vinculao

    entre teoria e prtica, o que representa uma crtica frontal ao positivismo e,

    consequentemente, abre perspectivas para a investigao-ao radical (Silva,

    1986, p. 31).

    Ainda nos anos 70, Paulo Freire era Consultor para Educao do

    Conselho Ecumnico das Igrejas, em Genebra, e Hugues de Varine estava

    organizando uma ONG internacional denominada Instituto Ecumnico para o

    Desenvolvimento dos Povos, que segundo declarao do prprio Varine (

    1995, p.17 ), Paulo Freire havia sido convidado para presid-la. Tambm feito

    a Paulo Freire convite para presidir a Mesa-redonda de Santiago do Chile.

    Nos ltimos vinte anos o mundo passou por transformaes radicais

    como a revoluo das comunicaes, os aumentos das produtividades

    industrial e agrcola, bem como da urbanizao, alm do surgimento de novos

    centros de poder econmico e poltico. Comentando sobre o desenvolvimento,

    no Mundo Contemporneo, Tenrio (1997, p. 11) registra que esse mesmo

    desenvolvimento produziu o aumento da pobreza, da violncia, de doenas e

    da poluio ambiental, alm de conflitos religiosos, tnicos, sociais e polticos e

    que em um espao de tempo muito curto o mundo se viu diante de problemas

    globais, cujas solues dependem da capacidade de articulao de um

    espectro mais amplo de agentes sociais. O autor destaca que a maior

    novidade na histria recente a crescente interveno da sociedade civil, que,

    de forma organizada, tenta ocupar espaos e propor que os aspectos sociais

    do desenvolvimento passem ao primeiro plano.

    Como registrei na introduo do presente trabalho, a prtica da Nova

    Museologia no pode ser dissociada das experincias passadas. Nesse

    sentido, considero que as reflexes em torno do papel social dos museus, e,

    mais especificamente, do seu papel pedaggico e da sua relao com o

    pblico, foram acontecendo, em um processo gradual, provocadas pelas

  • 33

    mudanas na sociedade como um todo, refletindo no interior das instituies,

    como a UNESCO, e o ICOM, como pode ser constatado nos documentos

    produzidos nos encontros de 1958, e 1971. O seminrio regional da UNESCO

    realizado no Rio de Janeiro, em 1958 parte de um projeto que tinha como

    objetivo discutir, em vrias regies do mundo, a funo que os museus

    deveriam cumprir como meio educativo.

    Em 1971, realizada a IX Conferncia Geral do ICOM, em Paris e

    Grenoble, com o propsito de discutir o tema: O Museu a Servio do Homem,

    Atualidade e Futuro-o Papel Educativo e Cultural. Analisando-se as

    concluses elaboradas a partir das reflexes ali realizadas, pode-se identificar

    vrios avanos em torno do papel que o museu deve desempenhar na

    sociedade, sobretudo se compararmos com a Conferncia de 1958, realizada

    no Rio de Janeiro. Em relao aos aspectos pedaggicos, tema principal da

    Conferncia do Rio de Janeiro, percebe-se, em Grenoble, uma preocupao

    em avaliar a qualidade dos servios oferecidos, destacando-se que a crescente

    demanda, havia levado um grande nmero de alunos e professores aos

    museus, sem os recursos necessrios ao bom atendimento, aumentado,

    consideravelmente o nmero de visitantes, o que tornava invivel a

    manuteno dos programas com a qualidade indispensvel ao processo

    educacional. Outro aspecto que merece ser mencionado, ainda em relao s

    questes pedaggicas, que h uma preocupao, j quela poca, em

    transformar a visita guiada em um momento de aprendizado, estimulando o

    aluno a comparar, estilos formas, a contextualizar, realizar conexes entre arte

    e cincia, velho e novo, entre uma civilizao e outra, chamando-se a ateno

    para a necessidade de realizao de exposies, com base na

    interdisciplinaridade.

    Conforme pode ser constatado, nas concluses da IX Conferncia do

    ICOM, os anseios por mudana na instituio museu vieram das mudanas

    ocorridas na sociedade. Great changes in socite must lead to great changes in

    museums structure, it was said. Era necessrio, pois redefinir a misso dos

    museus, seus mtodos de exibio das colees e, talvez, quem sabe, buscar

    um novo modelo para a instituio. Alis, naquele evento, reconhecido um

  • 34

    novo modelo de museu, denominado neighbourhood museum que tem como

    objetivo a construo e anlise da histria das comunidades, contribuindo para

    a identificao da sua identidade, colaborando para que os cidados se

    orgulhem da sua identidade cultural, utilizando as tcnicas museolgicas para

    solucionar problemas sociais e urbanos. O modelo proposto teve como

    referencial o trabalho desenvolvido pelo Museu de Anacostia, em Nova York,

    apresentado pelo seu diretor, Jonh Kinard.

    Nos trabalhos ali apresentados chamam-se a ateno para o fato de que

    os museus deveriam deixar de atuar como coletores passivos para se tornarem

    participantes ativos. Nesse sentido, sugerem a realizao de exposies que

    apresentem os problemas e as contradies da sociedade, destacando,

    tambm, as contribuies culturais das minorias. Enfatizam tambm a

    necessidade de interao do museu com o meio onde est inserido,

    destacando a realizao de programas que abordem os problemas da vida

    cotidiana, buscando a realizao de atividades conjuntas com sindicatos,

    cooperativas do meio rural, fbricas, etc. Merece destaque, nesse contexto de

    inquietaes e busca de avanos, a participao de George Henri Rivre, que,

    segundo Almeida (1996, p. 112), no Ps-guerra, revolucionou o mundo da

    museologia ao defender que a populao deveria se tornar parte integrante da

    instituio museu e da sua organizao os consumidores/visitantes sero os

    prprios atores das atividades museolgicas, sendo os grandes motores da

    mudana.

    Estavam, assim, lanados os alicerces para que, em Santiago, em 1972,

    pudessem ser traadas as diretrizes no sentido tornar os museus mais

    prximos dos novos anseios da sociedade, colocando em evidncia a

    prioridade da ao museal no campo da interveno social, abrindo, tambm,

    espao para se repensar a museologia, de forma global, situando-a entre as

    cincias sociais. No prximo item, retornaremos Mesa-redonda de Santiago

    do Chile, analisando o seu documento bsico, devido a sua importncia, no

    sentido de delinear as bases conceituais e filosficas do que se denominou,

    posteriormente, Moviemento da Nova Museologia.

  • 35

    Vale a pena registrar que tambm em 1972 realizada, em Estocolmo, a

    Conferncia da UNESCO sobre Meio Ambiente Humano. Em trabalho

    apresentado por Berrueta (1996, p. 3), no Ateli Internacional sobre a Nova

    Museologia, realizado no Mxico, o autor chama a ateno para o fato de que

    desde os anos 70 o conceito de ecodesenvolvimento trazia elementos

    importantes para o atual conceito de desenvolvimento sustentvel,

    apresentando-se, tambm, como uma alternativa para a ordem econmica

    internacional, priorizando modelos locais, baseados em tecnologias

    apropriadas, com destaque para as zonas rurais, procurando romper com as

    dependncias tcnica e cultural. Destaca ainda o referido autor que o tema da

    questo ambiental introduzido, com muita fora, desde o incio dos anos 70,

    por meio de uma reflexo crtica, que condena os esquemas tradicionais do

    desenvolvimento econmico latino-americamo, provocando a adoo de

    polticas ambientais nos planos de desenvolvimento de muitos paises da

    Amrica Latina. Considerei por bem registrar as preocupaes com o meio

    ambiente e com o desenvolvimento nesse perodo, pois, como ser analisado

    no item posterior, essas tambm sero questes de base da Mesa-Redonda de

    Santiago.

    Os anos 70 e 80 foram, ento, marcadas por trabalhos museolgicos

    inovadores, desenvolvidos em vrios pases, embora ainda no houvesse um

    intercmbio internacional entre os diversos projetos naquele perodo e o

    reconhecimento e o apoio necessrios. Destacaram-se as atividades de

    George Henri Rivire e de Hugues de Varine, presidentes do Conselho

    Internacional de Museus, que estabeleciam relaes entre agentes

    organizadores de diferentes projetos, em um mesmo pas ou entre pases

    diferentes.

    Nesse novo contexto, no pode deixar de ser destacado o surgimento

    dos ecomuseus, que foram o produto da insatisfao dos profissionais da rea

    de Museologia, em busca de transformaes, tentando afirm-lo, em realidades

    bastantes diversificadas, como instrumento necessrio sociedade: um

    patrimnio global. Bellaigue (s.1. 19...) destaca os aspectos abaixo

    relacionados como princpios bsicos para constituio de um ecomuseu:

  • 36

    Identificar um territrio e seus habitantes; inventariar as possveis

    necessidades e seus anseios;

    Atuar, como os membros da comunidade, considerando-os donos

    reais do seu passado e atores do presente;

    Aceitar que no necessria a existncia de uma coleo para que

    seja instalado o museu. Neste aspecto, a concepo da instituio

    ser no sentido comunidade-museu e no objeto-museu, como antes

    se concebia.

    A referida autora chama a ateno para o fato de que necessria a

    definio coerente do territrio de modo a permitir a comunicao entre a

    populao e o museu, para que o processo de inventrio seja realizado

    envolvendo todo o patrimnio cultural e natural, e que a gesto administrativa e

    as aes culturais e educativas sejam levadas a cabo atravs da participao

    dos tcnicos e dos diversos grupos comunitrios.

    Os contextos, dos anos de 60 e 70 propiciaram, portanto, uma avaliao

    das instituies, provocada pelo movimento social, atingindo organismos como

    a UNESCO e o ICOM, conforme pudemos registrar, anteriormente. Entretanto,

    nem sempre as diretrizes e metas registradas nos documentos oficiais se

    transformam em aes concretas. O que se observa que, no incio dos anos

    80, apesar da existncia de um bom nmero de ecomuseus, museus

    comunitrios, museus locais e museus ao ar livre, os profissionais que

    desenvolviam aes museolgicas comprometidas com o desenvolvimento

    social e com a participao encontram resistncias no sentido de que seus

    projetos fossem reconhecidos no universo museolgico. A fala do Prof. Mrio

    Moutinho (1995, p. 26) demonstra as dificuldades sentidas nesse sentido, bem

    como o descompasso entre o discurso e a prtica, dos organismos oficiais:

    Desiludidos com a atitude segregadora do ICOM e em particular do

    ICOFOM, claramente manifestada na reunio de Londres, de 1983,

    rejeitando liminarmente a prpria existncia de prticas

    museolgicas no conformes ao quadro estrito da museologia

    instituda, um grupo de muselogos props-se a reunir, de forma

  • 37

    autnoma, representantes de prticas museolgicas ento em curso,

    para avaliar, conscientizar e dar forma a uma organizao alternativa

    para uma museologia que se apresentava igualmente como uma

    museologia alternativa.

    As aes concretas j realizadas, em diferentes pases, motivaram os

    profissionais envolvidos para a busca de intercmbio, com o objetivo de discutir

    as experincias de Ecomuseologia, da Nova Museologia, buscando as suas

    relaes com a Museologia instituda. Por iniciativa de Pierre Maryand e Ren

    Rivard, ambos participantes do grupo de ecomuseus de Quebec, em 1984, foi

    ali realizado o primeiro seminrio internacional, destinado a discutir ecomuseus

    e Nova Museologia. O referido seminrio tinha como objetivo:

    Criar condies de intercmbio para discutir assuntos relacionados

    Nova Museologia e Ecomuseologia, em geral;

    Definir as suas relaes com a Museologia, em geral;

    Aprofundar os conceitos e encorajar as prticas relacionadas com a

    Ecomuseologia e com a Nova Museologia.

    Moutinho (1995, p. 28), comentando sobre o importante a realar na

    declarao de Quebec, registra que:

    no de certa forma qualquer novidade conceitual no texto em si,

    pois desse ponto de vista retoma, com as devidas atualizaes o

    essencial de Santiago, mas sim o fato de ter confrontado a

    comunidade museal com uma realidade museolgica profundamente

    alterada desde 1972, por prticas que revelam uma museologia

    ativa, aberta ao dilogo e dotada agora de uma forte estrutura

    internacional. (Os grifos so meus).

    Em Quebec, foi criado um grupo de trabalho provisrio com o objetivo de

    discutir a organizao das estruturas propostas no ateli, como a criao de

    um Comit Internacional/ Ecomuseus/ Museus Comunitrios, e uma Federao

    Internacional da Nova Museologia, que poderia ser filiada ao ICOM. Vrias

    reunies foram realizadas em Lisboa e Paris, onde, gradualmente, foram sendo

  • 38

    estruturadas as organizaes propostas. O Comit Internacional Ecomuseus/

    Museus/Comunitrios, que deveria ter sido criado no quadro do ICOM, nunca o

    chegou a ser, mas a Federao Internacional de Nova Museologia foi

    efetivamente instituda, com o nome de Movimento Internacional para a Nova

    Museologia/MINOM, o qual foi, posteriormente, reconhecido pelo ICOM como

    uma organizao afiliada.

    3 - APROXIMAO COM A REALIDADE BRASILEIRA

    A Amrica Latina vive, nos anos 70, uma histria de exlios e exilados.

    Os Estados Unidos, principal potncia imperialista mundial, protagonizam a

    instalao de ditaduras militares em vrios pases do continente, como Chile,

    Argentina, Uruguai, Peru e Bolvia. O golpe de Pinochet, um ano aps a

    realizao da Mesa-redonda de Santiago, talvez tenha sido um dos exemplos

    mais duros. No Brasil, convivemos com contestao, represso, tortura,

    censura e terrorismo oficial. Sob o regime da ditadura militar, acelerou-se o

    desenvolvimento capitalista e consolidou-se a integrao do Brasil ao sistema

    capitalista monopolista internacional, como pas associado perifrico.

    A populao de 99.901.037 habitantes comea a

    ser predominantemente urbana 52 milhes na

    cidade e quarenta milhes no campo. Metade da

    populao ativa ganha menos que um salrio

    mnimo e 17,9 milhes so analfabetos maiores de

    dez anos. Em 1960, os 5% de brasileiros mais ricos

    absorviam 27,3% da renda nacional. Em 1970,

    passam a absorver 36,3%. Os mais pobres vem

    reduzida sua participao na renda de 27,8% para

    13,1%.. o milagre. (Ribeiro, 1985).

    Precisamente em 1972, ano da Mesa-redonda de Santiago, a despeito

    dos dados apresentados acima, comemorvamos o sesquicentenrio da

    Independncia, entronizando os ossos de Pedro I no Monumento do Ipiranga,

    depois de terem sido conduzidos pelas principais capitais do Pas,

  • 39

    comemorvamos a vitria de Fittipaldi como campeo de Frmula I e

    assistamos TV colorida, ingressa no Pas naquele ano.

    No contexto de expanso do parque industrial da cultura, em que o

    rendimento de uma poltica cultural se mede pelo aumento do ndice de

    consumo e no pelo volume de iniciativas, era necessrio reestruturar os

    museus para atender aos novos objetivos, dotando-os das condies

    necessrias para que viessem a ser visitados pelo maior nmero possvel de

    pessoas, retirando-os do ostracismo. Os museus esto presentes no processo

    de controle por meio de comisses, conselhos, etc. Uma poltica museolgica

    para o Pas tentada, a partir de 1975, com a reunio dos dirigentes de

    museus, realizada em Recife, e nas reunies de secretrios de Educao e

    Cultura dos estados e dos Conselhos Federal e Estadual de Cultura, realizados

    em Braslia e em Salvador, em 1976. Os anos de 64 a 80 foram prdigos em

    instalao de museus no Brasil. Foi a grande fase dos memoriais, do culto ao

    heri. Busca-se, atravs das atividades de preservao, autenticar a nao,

    enquanto uma realidade nacional. As instituies so cristalizadas, percebidas

    como independentes dos indivduos que as concebem.

    Nesse contexto, era natural que o documento de Santiago e as

    iniciativas do Movimento da Nova Museologia permanecessem desconhecidos

    ou nas gavetas dos gabinetes. Mais uma vez, por iniciativa individual, os

    tcnicos, talvez movidos pelas mesmas razes de tantos colegas na Frana, no

    Canad, em Lisboa, no Mxico, etc, comeam a trilhar novos caminhos,

    quebrando barreiras institucionais e filosficas, na busca desse processo

    museolgico transformador, delineado em Santiago, e do qual sequer tnhamos

    conhecimento. No Curso de Museologia da UFBA, somente dez anos depois,

    ou seja, nos anos 80, que tivemos acesso ao documento da mesa-redonda

    do Chile. O encontro com o documento de Santiago , de certa forma,

    sobretudo nos meios acadmicos, a legitimao da nossa ao. A

    concretizao dessa aes o atestado de que, na rea da poltica oficial de

    cultura, h espaos para produo e reproduo. Compreende-se, entretanto,

    que as dificuldades geradas pelos sistemas autoritrios e paternalistas,

    implantados na Amrica Latina, dificultam e podam a iniciativa comunitria.

  • 40

    Na atualidade, acho que, mesmo nos museus ditos oficiais, as

    discusses comeam a ser embasadas pelos princpios da participao, da

    relao passado-presente, e pelo engajamento nos problemas da sociedade,

    no por iniciativa da poltica oficial, mas pela atuao de tcnicos que procuram

    estar atualizados com a evoluo do processo museolgico e que, mesmo

    modestamente, tm provocado estas reflexes no interior desses museus, que

    no so, em sua concepo, o museu gestado em Santiago, e nem poderiam

    ser, mas que hoje esto sendo influenciados pelas diretrizes ali delineadas, o

    que, talvez, nos leve a inferir que a questo da insero dos museus na

    sociedade no de categoria ou tipo de coleo, mas de concepo e dos

    objetivos que so estabelecidos para esses rgos. A aplicao destes

    objetivos nas instituies museolgicas, na verdade, deixa transparecer o

    conceito que os responsveis tcnico-administrativos tm de museologia e de

    museu. Embora reconheamos tambm que, para muitos de ns, os caminhos

    apontados pelo Movimento da Nova Museologia sequer comearam a ser

    trilhados; s vezes, por absoluta falta de conhecimento das ricas experincias

    construdas nesse processo.

    Particularmente, estive envolvida, nos ltimos anos, em um projeto de

    construo conjunta de um museu didtico-comunitrio, situado no Colgio

    Estadual Governador Lomanto Jnior, envolvendo professores, alunos,

    funcionrios e membros da comunidade do Bairro de Itapu, em Salvador-BA,

    que tem sido um processo de participao, ou seja, de conquista dos diversos

    segmentos envolvidos, buscando construir, com qualidade formal e qualidade

    poltica, uma ao museolgica comprometida com o exerccio da cidadania e

    com o desenvolvimento social. Temos conscincia que alguns princpios ali

    adotados foram embasados no conhecimento historicamente construdo, no

    campo da museologia, e, portanto, considerando as prticas da Nova

    Museologia. O constante processo de ao e reflexo realizado, ao longo do

    caminhar, tem nos permitido avanar bastante em relao organizao e

    gesto de museus, e em relao construo do conhecimento, nas reas da

    museologia e da educao.

  • 41

    4- PRINCPIOS BSICOS E CARACTERIZAO

    Neste item, pontuarei os princpios bsicos norteadores das aes do

    Movimento denominado de Nova Museologia, com destaque para a Mesa-

    Redonda de Santigo, por ser considerada, pelos prprios participantes do

    movimento, como o referencial bsico, analisando, tambm, os registros de

    alguns profissionais que tiveram uma participao ativa, em diferentes

    contextos. A partir da anlise efetuada, buscarei, tambm, identificar algumas

    expresses-chave, buscando uma melhor compreenso do processo-Nova

    Museologia.

    Compreender Santiago, olhar, tambm, para os seus bastidores, ou

    seja, para a sua preparao. Nesse sentido, me foram de extrema utilidade os

    depoimentos do Prof. Hugues de Varine, quando da sua participao no

    Encontro sobre a Museologia Brasileira e o ICOM: convergncias e

    desencontros?, realizado em So Paulo, em 1995, quando se discutiram os

    documentos bsicos da Museologia Contempornea, permitindo fazer mais

    uma leitura, no sentido de melhor compreender os objetivos daquele evento:

    As lies dos bastidores

    A escolha dos expositores, todos latino-americanos, cada um

    comprometido com a sua realidade, demonstra, por parte dos organizadores,

    uma abertura, no sentido de ouvir, de deixar aflorar as necessidades concretas

    daqueles que deveriam tomar para si a responsabilidade de atuar, refletir e

    transformar as suas mltiplas realidades.

    A escolha dos temas, abordando questes-chave do desenvolvimento:

    educao, meio ambiente e urbanismo. No nosso entender, uma das maiores

    lies de Santiago. Enfim, conseguamos enxergar alm dos museus, para

    compreender, modificar as aes no seu interior e definir um novo conceito de

    museu, levando em considerao a totalidade dos problemas da sociedade.

    O convite ao Prof. Paulo Freire, um dos maiores pedagogos dos nossos

    tempos, expulso do nosso pas naquela poca, demonstra a coragem dos

  • 42

    organizadores do evento, como tambm, em propor um encontro daquele teor

    em um pas da Amrica Latina, quando os pases imperialistas procuravam

    reagir onda de contestao e lutas revolucionrias dos anos 60, investindo na

    implantao de ditaduras militares em nosso continente. Com a ausncia do

    prof. Paulo Freire perderam os participantes, perdeu a museologia, que, com

    certeza, seria enriquecida com as suas reflexes. Entretanto, ressalto que,

    apesar da sua ausncia, os temas mais marcantes da sua obra, ou seja: a

    conscientizao e a mudana, que levam o educador e todo profissional a se

    engajar social e politicamente, comprometido com um projeto de sociedade

    diferente, estiveram e ainda esto presentes, ou melhor, so o cerne das

    proposies de Santiago.

    Em Santiago, dado o pontap inicial para uma ao museolgica que

    considera o sistema lingstico empregado pelas comunidades, reconhece que

    o ser humano move-se em um mundo essencialmente simblico e

    compreende, tambm, que o cotidiano no apenas um resduo. A vida

    cotidiana passa a ser considerada entre as mltiplas realidades, como a

    realidade por excelncia, que no se esgota na presena imediata, mas

    abarca fenmenos que no esto presentes aqui e agora, o que significa que

    a experimentamos em diferentes graus de aproximao e distncia, espacial e

    temporal. A cultura e a identidade sero consideradas, pois, fenmenos

    construdos e reconstrudos em processos de interao, em um jogo

    diferenciador, constrativo, dinmico, concretizado na dinmica do dia-a-dia. O

    conhecimento da nossa cultura passa, portanto, inevitavelmente, pelo

    conhecimento de outras; a nossa cultura ser uma cultura possvel, dentre

    tantas outras.

    Na noo de museu integral, inicialmente delineada em Santiago, alm

    da concepo de museu, que leva em considerao a totalidade dos problemas

    da sociedade, acreditamos, tambm, que ali dado um outro enfoque aos

    problemas da relao do homem com a natureza, abrindo espao para uma

    sociologia da natureza e para uma biologia que no concebe mais a vida como

    uma qualidade restrita aos organismos e no se encerra mais nos processos

    fsico-qumicos, mas abre-se aos fenmenos sociais. O organismo ento

  • 43

    contextualizado em seu meio, sendo que a prpria idia de meio tambm se

    transformou: um sistema global de interferncias biopsicossociais.

    ecolgico e etnolgico.

    Nos anos 70, como j foi registrado anteriormente, comeamos a

    conceder uma importncia concreta ao fato de o homem ser, ao mesmo

    tempo, o produto e o criador de sua sociedade e de sua cultura (Bordenave,

    1988,p.7). Portanto, comea-se a delinear, em Santiago, talvez de forma no

    intencional, o que, no nosso entender, o marco mais significativo da evoluo

    do processo museolgico na contemporaneidade: a passagem do sujeito

    passivo e contemplativo para o sujeito que age e transforma a realidade. Nessa

    perspectiva, o preservar substitudo pelo apropriar-se e reapropriar-se do

    patrimnio cultural, buscando a construo de uma nova prtica social.

    Comentando sobre o essencial, o mais inovador, de Santiago, Hugues de

    Varine, (1995, p. 18) destaca duas noes bsicas:

    A de museu integral, que leva em considerao a totalidade dos

    problemas da sociedade;

    A de museu, enquanto ao, enquanto instrumento dinmico de

    mudana social.

    Alm disso, chama a ateno para o fato de que esquecia-se assim,

    aquilo que havia se constitudo, durante mais de dois sculos, na mais clara

    vocao do museu: a misso de coleta e conservao. Chegou-se, em

    oposio, a um conceito de patrimnio global a ser gerenciado no interesse do

    homem e de todos os homens. Ao analisarmos o papel ativo do sujeito na

    construo do processo museolgico, no poderamos deixar de ressaltar,

    como afirma Kosik (1976, p.22), que:

    ... a dialtica da atividade e da passividade do

    conhecimento humano manifesta-se sobretudo no fato

    de que o homem, para conhecer as coisas em si,

    deve primeiro transform-las em coisas para si; para

    conhecer as coisas como so independentemente de

    si, tem primeiro de submet-las prpria prxis; para

  • 44

    poder constatar como so elas quando no esto em

    contato consigo, tem primeiro de entrar em contato

    com elas. O conhecimento no contemplao. A

    contemplao do mundo se baseia nos resultados da

    prxis humana. O homem s conhece a realidade na

    medida em que ele cria a realidade humana e se

    comporta antes de tudo como ser prtico.

    A atuao do sujeito, submetido aos diversos condicionamentos,

    sobretudo s determinaes sociais, introduzindo no conhecimento uma viso

    da realidade socialmente transmitida, tem sido, portanto, um dado marcante no

    processo de construo do conhecimento museolgico, no mundo

    contemporneo, principalmente a partir de 1972, aps a realizao da Mesa-

    Redonda de Santiago do Chile e do I Seminrio Internacional, para discutir o

    Ecomuseu e a Nova Museologia.

    As propostas do seminrio de Quebec tiveram como base o extrato da

    declarao de Santiago, a seguir:

    Que o Museu uma instituio a servio da sociedade na qual

    parte integrante e que possui em si prprio os elementos que lhe

    permitem participar na formao das conscincias das comunidades

    a que serve. (UNESCO, 1992)

    Como resultado do Seminrio de Quebec, os participantes firmaram os

    seguintes pontos:

    Museologia atua com vistas a uma evoluo democrtica das

    sociedades;

    A interveno dos museus no quadro dessa evoluo passa: por um

    reconhecimento e uma valorizao das identidades e das culturas de

    todos os grupos humanos inseridos no seu meio ambiente, no quadro da

    realidade global do mundo; por uma participao ativa desses grupos

    no trabalho museolgico; (o grifo meu)

  • 45

    Existe um movimento, caracterizado por prticas comuns, que pode

    assumir formas diversas, em funo dos pases e dos contextos, que

    devero conduzir surgimento de um novo tipo de museu correspondente

    a estas novas perspectivas;

    Nestas condies, a interdisciplinaridade e a funo social conduzem a

    uma mudana do papel e da funo do muselogo, o que implica uma

    formao nesse sentido.

    Comentando sobre os princpios bsicos da Nova Museologia,

    Moutinho (1989, p.31) recomenda que ela deve ser considerada, pelas pessoas

    integradas nesse processo, como meio (agente, instrumento), a par de outros,

    de desenvolvimento integral das populaes e com as populaes. Considera

    que o que h de novo nas prticas da Nova Museologia a demonstrao da

    capacidade (e a prtica disso) das populaes se auto-organizarem para gerir

    o seu tempo e o seu futuro. Destaca o referido autor que:

    A concepo, o desenrolar e a avaliao dos projetos da Nova

    Museologia dependem sempre de uma percepo correta das

    condies histricas e ambientais locais, em que a interveno se

    realiza.

    Considerando os aspectos acima mencionados, a Museologia,

    concebida nessa nova perspectiva, tem um papel fundamental no resgate do

    mundo vivido, descrito por Habermas (citado por Freitag, 1990, p.2) e

    caracterizado como:

    ... a maneira como os atores percebem e vivenciam sua realidade

    social. Compe-se da experincia comum a todos os atores, da

    lngua, das tradies e da cultura partilhada por eles. Ela representa

    aquela vida social, cotidiana, na qual se reflete o bvio, aquilo que

    sempre foi, o inquestionado.

    A proposta bsica da Nova Museologia est pautada no dilogo, no

    argumento em contextos interativos, sendo, portanto, o mundo vivido o

  • 46

    espao social onde ser realizada a razo comunicativa. De certa forma, a

    proposta da Nova Museologia sugere uma libertao da razo instrumental

    a que os museus estavam e, ainda, continuam submetidos, atrelados ao

    Estado racional legal, calcado em um sistema jurdico e em uma burocracia

    efetiva, etc., o que pode ser evidenciado, atravs da poltica de preservao

    paternalista, imposta pelos governos, onde a deciso do que deve ser

    preservado, a coleta e a guarda das colees esto sempre nas mos dos

    mais poderosos.

    Os princpios bsicos que norteiam as aes da Nova Museologia

    podem, ento, ser resumidos nos seguintes pontos:

    reconhecimento das identidades e das culturas de todos os grupos

    humanos;

    utilizao da memria coletiva como um referencial bsico para o

    entendimento e a transformao da realidade;

    incentivo apropriao e reapropriao do patrimnio, para que a

    identidade seja vivida, na pluralidade e na ruptura;

    desenvolvimento de aes museolgicas, considerando como ponto de

    partida a prtica social e no as colees;

    socializao da funo de preservao;

    Interpretao da relao entre o homem e o seu meio ambiente e da

    influncia da herana cultural e natural na identidade dos indivduos e dos

    grupos sociais;

    ao comunicativa dos tcnicos e dos grupos comunitrios, objetivando o

    entendimento, a transformao e o desenvolvimento social.

    Pode-se, ento, identificar, a partir das reflexes acima realizadas, algumas

    expresses-chave :

    Patrimnio Global o homem - o meio ambiente - o saber e o artefato.

    Ou seja, o real, na sua totalidade: cultural, natural, material e imaterial, em suas

    dimenses de tempo e espao. Um patrimnio criado, importado ou

    transmitido. O patrimnio integral.

  • 47

    Museu Integral o museu que tem a nfase no homem - sujeito do ato

    de conhecer e de transformar o conhecimento e o mundo - na sua relao com

    o meio, que aborda a totalidade dos problemas da sociedade, tendo como

    elementos bsicos:

    Um territrio - limites geogrfcos e afinidades culturais, u