4. famílias tradicionais do nordeste consolidaram poder com verba da sudam e sudene_texto

6
1 Brasil desigual Famílias tradicionais do Nordeste consolidaram poder com verba da Sudam e Sudene. Por Rodrigo Miotto, repórter iG em São Paulo, 31 de março, 2002. Disponível em: http://www.consciencia.net/2004/mes/12/sudam-sudene.html . Acesso em 20 fev 2015. O golpe nas pretensões presidenciais da governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PFL-MA), passou pela Sudam (Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia). Foi por conta das investigações no extinto órgão que o R$ 1,34 milhão apreendido na sede da Lunus acabou na tela das tevês e nas páginas dos jornais. O início das pretensões presidenciais do pai de Roseana, José Sarney, passou pela Sudene (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste), espécie de irmã mais velha da Sudam. Hoje, as duas extintas agências provocam dor de cabeça para políticos nordestinos, invariavelmente representantes de oligarquias. Mas foram as próprias superintendências que impulsionaram essas oligarquias. São contemporâneas. "Em certos Estados, as oligarquias transformaram-se em intermediários dos investimentos da União", diz Francisco de Oliveira, professor do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo. A Sudam e a Sudene não criaram o sistema oligárquico no Norte e no Nordeste. A existência desse tipo de dominação política e econômica já era quase secular. As superintendências deram margem a novas oligarquias, ou oligarquias com roupagens diferentes, dentro de uma política reforçada pelo período militar, acrescenta Oliveira. Bases cada vez mais sólidas O idealizador da Sudene foi o economista Celso Furtado, durante o governo de Juscelino Kubitscheck. Com pífios investimentos e péssimo quadro social, o Nordeste destoava de outras regiões do País. Em 1959, a agência saiu do papel e começou a destinar recursos para os Estados nordestinos. Os cofres da Sudene recebiam recursos de empresas que tinham desconto no Imposto de Renda para investir em projetos na região. Aquelas que se instalavam no local também pagavam menos impostos. Intermediários desses recursos, os políticos locais não demoraram a fixar bases cada vez mais sólidas no meio da população.

Upload: rss123456789

Post on 07-Nov-2015

4 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

ssssss

TRANSCRIPT

Brasil desigual

Famlias tradicionais do Nordeste consolidaram poder com verba da Sudam e Sudene.Por Rodrigo Miotto, reprter iG em So Paulo, 31 de maro, 2002.

Disponvel em: http://www.consciencia.net/2004/mes/12/sudam-sudene.html. Acesso em 20 fev 2015.O golpe nas pretenses presidenciais da governadora do Maranho, Roseana Sarney (PFL-MA), passou pela Sudam (Superintendncia de Desenvolvimento da Amaznia). Foi por conta das investigaes no extinto rgo que o R$ 1,34 milho apreendido na sede da Lunus acabou na tela das tevs e nas pginas dos jornais.O incio das pretenses presidenciais do pai de Roseana, Jos Sarney, passou pela Sudene (Superintendncia de Desenvolvimento do Nordeste), espcie de irm mais velha da Sudam. Hoje, as duas extintas agncias provocam dor de cabea para polticos nordestinos, invariavelmente representantes de oligarquias. Mas foram as prprias superintendncias que impulsionaram essas oligarquias. So contemporneas. "Em certos Estados, as oligarquias transformaram-se em intermedirios dos investimentos da Unio", diz Francisco de Oliveira, professor do Departamento de Sociologia da Universidade de So Paulo.A Sudam e a Sudene no criaram o sistema oligrquico no Norte e no Nordeste. A existncia desse tipo de dominao poltica e econmica j era quase secular. As superintendncias deram margem a novas oligarquias, ou oligarquias com roupagens diferentes, dentro de uma poltica reforada pelo perodo militar, acrescenta Oliveira.Bases cada vez mais slidasO idealizador da Sudene foi o economista Celso Furtado, durante o governo de Juscelino Kubitscheck. Com pfios investimentos e pssimo quadro social, o Nordeste destoava de outras regies do Pas. Em 1959, a agncia saiu do papel e comeou a destinar recursos para os Estados nordestinos.Os cofres da Sudene recebiam recursos de empresas que tinham desconto no Imposto de Renda para investir em projetos na regio. Aquelas que se instalavam no local tambm pagavam menos impostos. Intermedirios desses recursos, os polticos locais no demoraram a fixar bases cada vez mais slidas no meio da populao. Respaldados pelas finanas e, logo mais, pelo regime ditatorial, alternavam amigos e familiares no poder.Alm do impacto eleitoral dos investimentos, j de incio havia as fraudes. Logo nos primeiros anos da dcada de 60, os incentivos fiscais geravam denncias de corrupo na Sudene. A idia de Furtado tambm foi desviada. As verbas, no incio, no atingiam a prioridade pensada pelo economista, que inclua o combate seca e o impulso industrializao. A pavimentao e a abertura de estradas tiveram, entretanto, lugar privilegiado. "O dinheiro repassado para obras pblicas muitas vezes servia para encher o ba da oligarquia", diz o cientista poltico Clvis Brigago, diretor do Centro de Estudos das Amricas da Universidade Cndido Mendes.Glauber Rocha e SarneyPouco mais de seis anos passados da criao da Sudene, Jos Sarney derrotava a famosa e violenta oligarquia comandada pelo ento senador Vitorino Freire. Em 31 de janeiro de 1966, Sarney ocupou a cadeira do governo do Maranho. Com dez anos de vida poltica, Sarney se elegeu com um discurso moralista e de ruptura. Seria uma nova maneira de fazer poltica, sem misria e truculncia. Rendeu um documentrio do diretor Glauber Rocha. Sarney saiu da cadeira cinco anos depois, mas deixou gravada a influncia, que permanece at hoje. Menos de uma dcada e meia depois, foi parar na Presidncia da Repblica.No mesmo ano da posse de Sarney, o regime militar criou a Sudam, nos moldes da Sudene. Desta vez, a idia era povoar a Amaznia. No fugiu regra da irm mais velha e logo foi alvo de denncias de desvios e fraudes. Ainda em 1966, Jader Barbalho elege-se vereador em Belm do Par. Sem grande prestgio na poltica, vai galgando postos e no incio da dcada de 80 j espalha seu domnio pelo Estado. " um caso clssico o da Sudam; muito dinheiro transforma-se num meio de consolidao", diz o socilogo da USP, lembrando que Jader " poltico novo, dos anos 70", com razes no MDB e sem ligaes com a velha oligarquia da regio.Collor e ACMPolticos novos, entretanto, no so a famlia Arnon de Mello em Alagoas. Arnon Affonso de Farias Mello chegou ao governo do Estado em 1951, derrotando a famlia Ges Monteiro, que, mais adiante, recuperou o poder. As famlias foram alternando-se. No final da dcada de 70, Fernando Collor de Mello comea a substituir a influncia do pai Arnon no Estado. Acabou na Presidncia da Repblica cerca de uma dcada depois. Alagoas tambm est dentro da rea de atuao da Sudene.Na Bahia, Antonio Carlos Magalhes estria na vida poltica na dcada de 50 e comea a construir a mtica imagem de homem poderoso a partir dos anos 60. Dali em diante, s perdeu a hegemonia sobre o controle do Estado em uma nica gesto. A Bahia, vale lembrar, tambm rea de atuao da Sudene.AA: Cidado Kane tropicalNos anos 40, comeou a carreira poltica de Aluizio Alves, talvez o maior fenmeno populista da regio Nordeste. Aps uma participao no Congresso Constituinte de 1945, iniciou uma caminhada vitoriosa pelo Rio Grande do Norte, colocando-se como a esperana do povo diante das velhas estruturas coronelistas.Chegou ao governo do seu estado em 1960 e, da em diante, o poder no saiu mais do seu controle, com os Alves ocupando dezenas de cargos pblicos e madantos eleitorais: seu filho Henrique Eduardo Alves deputado federal desde 1970 e, agora, candidato ao governo para suceder o primo Garibaldi Alves Filho, que j foi deputado e senador; uma irm gmea de Henrique, Ana Catarina, deputada federal, candidata reeleio e j disputou a prefeitura da capital, Natal, contra o prprio irmo.Na Assemblia Legislativa do RN, os Alves mantm sempre dois ou trs deputados; um irmo de Aluizio, Agnelo Alves, que j foi prefeito de Natal, agora prefeito de Parnamirim, a terceira cidade do estado, depois de ter sido senador na suplncia do ex-ministro Fernando Bezerra, hoje adversrio da famlia.Conseqncias materiais da trajetria de Aluzio Alves: a afiliada da TV Globo, o maior jornal do estado, quase uma dezena de rdios, agncia de propaganda, produtora de vdeo, postos de gasolina, lojas, instituto de pesquisa, provedor e portal de internet, revista e outros negcios espalhados entre filhos e sobrinhos do patriarca.Com a influncia de Aluzio Alves, os investimentos pblicos no estado j foram fceis via Sudene, Banco do Nordeste e muitos outros rgos de financiamento.Agncias das OligarquiasPensadas para desenvolver o Norte e o Nordeste, as estatais "acabaram se convertendo em mquinas polticas, em agncias a servio das oligarquias locais", afirma a cientista poltica Maria Celina D'Arajo, professora da Universidade Federal Fluminense e da Fundao Getlio Vargas.Fortes em suas regies, as oligarquias tambm tinham canais influentes no primeiro escalo do governo. A posse de ministrios e rgos importantes sinnimo de mais dinheiro no caixa local.Recursos e fortunasOs recursos e incentivos s duas regies por meio das superintendncias e de parte do Oramento da Unio alavancaram a economia da regio, sem, necessariamente, ter reduzido as disparidades sociais e at mesmo a misria.Na dcada de 60, o PIB (Produto Interno Bruto) do Nordeste cresceu 3,5%, contra 6,1% do Brasil. J com a Sudene em pleno funcionamento, a regio teve um incremento de 8,7% na dcada seguinte, perodo do "milagre econmico", contra 8% do Pas.De 1980 a 1990, a "dcada perdida" rendeu crescimento de 3,3% para o Nordeste e de 1,6% para o Pas. De 1991 a 2000, foram 3,3,% contra 3,1%. No Norte, a participao no PIB nacional subiu de 2,16% no incio da dcada de 70 para 4,34% em 2000.Parte significativa do capital do Nordeste se baseou em incentivos fiscais. Nos ltimos cinco anos, projetos da Sudam e da Sudene consumiram cerca de R$ 10 bilhes com esses incentivos. Entre subsdios e renncias, o Nordeste, em 2000, somou R$ 5,9 bilhes em investimentos. A Amaznia, R$ 7,8 bilhes. No Pas todo, foram R$ 42,5 bilhes.Rombos de bilhesSignificativas tambm so as fraudes. De acordo com dados da CPI do Finor (Fundo de Investimentos do Nordeste), cerca de 10% de todos os recursos do rgo, subordinado Sudene, foram desviados desde sua fundao, em 1974. O rombo na Sudam estimado em R$ 1,8 bilho. O da Sudene, em R$ 2,2 bilhes. A conta modesta. Dados do prprio governo, trabalhados pela CPI, estima que US$ 110 bilhes de todos os investimentos pblicos feitos na Amaznia teriam sido desviados."No houve nenhuma fiscalizao externa. Eram investimentos caros e acabaram destinando as verbas para empresas dos aliados. Era cabra no jardim", diz Maria Celina. "Sem fiscalizao, a Sudene foi apropriada pelas oligarquias locais; e a Sudam, pelo coronelismo", concorda a cientista poltica Lcia Hippolito. Junto ao incremento da economia dessas regies, cresceu tambm o patrimnio dos polticos dominantes locais.Sarney"H 40 anos, o Sarney no tinha nada; hoje ele o todo poderoso da mdia e tem uma fortuna incalculvel; com o Jader Barbalho a mesma coisa", afirma Francisco de Oliveira. O patrimnio da famlia Sarney inclui quatro emissoras de TV, o maior jornal impresso do Estado, 14 emissoras de rdio, uma ilha e diversas propriedades. Um levantamento da revista "Veja" estima em R$ 125 milhes a fortuna da famlia.JaderJader, de origem bastante modesta, possui fazendas, emissoras de TV, de rdio, jornal e diversas propriedades. Ainda segundo a "Veja", o patrimnio do ex-senador seria de, no mnimo, R$ 30 milhes.ACM e Arnon de MelloA famlia de ACM tambm tem jornal, emissoras de TV, rdio e diversas empresas. A famlia Arnon de Mello igualmente. Alm da fortuna, outra caracterstica comum entre os polticos dominantes do Nordeste a posse dos meios de comunicao.PrivatizaesPara alguns, fatos como a queda de ACM e de Jader no Senado e o caso Roseana so sinal de decadncia da oligarquia do Norte e do Nordeste. O presidente do Instituto Brasileiro de Estudos Polticos (Ibep), Walder de Ges, diz que o processo de privatizao pelo qual passou o Brasil na dcada de 90 "ajudou a reduzir as aes de corrupo".Pelo raciocnio, a venda de estatais deslocou parte dos investimentos da esfera pblica para a esfera privada, inibindo as fraudes. No entanto, de acordo com Ges, "a reduo do poder pelo lado da privatizao precisa ser complementada por mudana na cultura poltica". Para ele, existe uma "cultura leniente com a corrupo" nessas regies. "As oligarquias ainda mantm forte influncia sobre a populao. Veja o caso de ACM na Bahia e o da famlia Sarney no Maranho. Apesar de tudo, ainda continuam com eleitores fiis", diz o presidente do Ibep.Para Francisco de Oliveira, a queda das oligarquias passa pela disputa do poder por novos grupos. "O controle oligrquico tende a diminuir, o que no quer dizer que ser muito democrtico. s vezes, as formas perversas de utilizao do dinheiro continuam sem ser necessariamente uma oligarquia."Fonte: http://www.ig.com.br com Jornal de Hoje (Natal/RN)