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DIAMANTINA DIÁLOGOS OCEÂNICOS REVISTA BRAGA 3º FESTIVAL DE HISTÓRIA BRASIL PORTUGAL

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Page 1: 3º FESTIVAL DE HISTÓRIA BRAGA Diálogos oceânicos · Belo Horizonte - Minas Gerais - CEP 30.130-530 Telefone: 55 31 2526-1160 Email: strategia@terrazul.org.br Parcerias Ministério

D I A M A N T I N A

Diálogos oceânicos

REVISTA

B R A G A

3º FESTIVAL DE HISTÓRIA

BRASILPoRTuGAL

Page 2: 3º FESTIVAL DE HISTÓRIA BRAGA Diálogos oceânicos · Belo Horizonte - Minas Gerais - CEP 30.130-530 Telefone: 55 31 2526-1160 Email: strategia@terrazul.org.br Parcerias Ministério

REVISTA FHIST REVISTA FHIST2

Brasil / Portugal

Conselho Científico: António Zamith (PT) - Américo Antunes (BR) - Emília Araújo (PT) - Helena Sousa (PT) - Heloísa Starling (BR) - José Meireles (PT) - Júnia Furtado (BR) - Lídia Dias (PT) - Luiz Philippe Torelly (BR) - Manuela Martins (PT) - Maria do Pilar Lacerda (BR) - Miguel Sopas de Melo Bandeira (PT) - Otto Sarkis (BR) - Teresa Ruão (PT) - Curadoria: Maria do Pilar Lacerda / Fundação SM - Heloísa Starling / Projeto República da UFMG. Coordenação-geral: Américo Antunes / Stratégia Cultura e Comunicação - Coordenação Artística: Marcela Bertelli / Lira Cultura - Apoio logístico em Portugal: Henrique Dias / RDMC - Produção-executiva: Maira Fonseca / Dupla Promoções - Gestão-financeira: Laís Vitral

Revista fHist Nº 2

Coordenação-editorial: Américo Antunes - Redação: Adélia Soares / Cândida Canêdo / Denise Menezes / Felipe Canêdo / Último Valadares - Designer: Pedro Miranda

Rua Francisco Deslandes, 971/1105 - Bairro Anchieta Belo Horizonte - Minas Gerais - CEP 30.130-530 Telefone: 55 31 2526-1160Email: [email protected]

Parcerias

Ministério daEducação

Patrocínio

realização

Ministério daCultura

Apoio4 História para todos6 Música e Política dão samba8 Travessias barrocas10 Quebrando mitos11 Genocídio documentado12 Linguagens do racismo14 Pacto de silêncio15 Memórias da guerrilha16 História x jornalismo17 Tempos digitais18 Da criptografia aos sentidos19 Maria Bethânia - Pura emoção20 Arnaldo Antunes - A palavra21 Mamour Ba - Show eletrizante22 Um dia no 3º fHist

3º FesTiVAl De HisTÓRiA

Parcerias pela HistóriaA realização da terceira edição do Festival de História nos dois lados do Atlântico

em 2015 é resultado de uma boa dose de ousadia e determinação. No entanto, a inédita iniciativa não teria tido sucesso sem a construção de sólidas parcerias no Brasil e em Portugal. Assim, aos parceiros de primeira hora do fHist no Brasil, entre os quais os Ministérios da Cultura e da Educação, a Universidade Federal de Minas Gerais, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e a Prefeitura de Diamantina, logo se somariam, em Portugal, a Universidade do Minho e a Câmara Municipal de Braga, todos unidos pelo desafio de confrontar reflexões e alinhar ideias sobre a história e a cultura dos povos de língua portuguesa.

Como revela esta edição da Revista fHist, a qualidade temática e a profundidade dos debates, a intensa participação dos historiadores, jornalistas, artistas e convidados e do público e a repercussão do 3º fHist tanto em Portugal, em maio, quanto no Brasil, em outubro, comprovam que o esforço valeu a pena.

A todos e a todas, o nosso muito obrigado. Boa leitura!

PEDR

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Page 3: 3º FESTIVAL DE HISTÓRIA BRAGA Diálogos oceânicos · Belo Horizonte - Minas Gerais - CEP 30.130-530 Telefone: 55 31 2526-1160 Email: strategia@terrazul.org.br Parcerias Ministério

REVISTA FHIST REVISTA FHIST4 5

A terceira edição do Festival de História no Brasil e em Portugal em 2015 atesta que o interesse pela literatura de temas históricos é crescente e ultrapassa fronteiras. Em Braga, em maio, e em Diamantina, em outubro, nada menos do que 830 inscritos participaram dos eventos que contaram, ao todo, com duas con-ferências, 20 mesas de debates e sete oficinas. As duas etapas do festival reuniram exposi-ções de 67 historiadores, jornalistas e especia-listas convidados dos dois países. Estrelados pelos músicos e artistas Maria Bethânia e Ivan Vilela, em Braga, e por Arnaldo Antunes e Ma-mour Ba, em Diamantina, os espetáculos en-cantaram também o seleto público do 3º fHist,

envolvendo em pura poesia, emoção e energia mais de dois mil portugueses e brasileiros.

Sob o eixo temático “Diálogos Oceânicos”, as conferências e mesas revelaram novos olhares sobre temas como escravidão e racis-mo, singularidades das transições democráti-cas no Brasil e em Portugal, matrizes barrocas do patrimônio cultural, música e política, his-tória e moda, memórias guerrilheiras e os im-pactos das novas tecnologias de comunicação nas narrativas históricas. Frente a frente com o público, nos palcos do auditório GNRation, em Braga, e da Tenda da História, em Diamantina, revezariam então os historiadores brasileiros José Murilo de Carvalho, Lília Schwarcz, João

José Reis, Boris Fausto, Heloísa Starling, Mar-cello Basile, Júnia Furtado e Marcos Lobato. Entre os jornalistas e especialistas, o Festival contaria ainda com as presenças de Franklin Martins, Macaé Evaristo, Gringo Cardia, Jure-ma Machado, Fernando Moraes, Lucas Figuei-redo, Glória Kalil e Daniela Arbex, entre outros.

Por sua vez, Antônio Costa Pinto, Diogo Ramada Curto, Miguel Bandeira, Maria Augusta Lima Cruz, Nelson Troca Zagalo, Jorge Alves, José Abílio Coelho, Nuno Gonçalo Monteiro, Anabela Becho, José Carlos Venâncio e José Meireles, entre outros, trariam os olhares da academia e da historiografia portuguesa sobre os temas propostos pelo 3º Festival de História.

PioneirismoRealizado pela primeira vez em Diamantina em outubro de 2011, o Festival de História nasceu sob o desafio de contribuir para de-mocratizar o conhecimento de temas históri-cos e inovou, ao proporcionar aos participan-tes o contato direto com os autores em uma inédita programação de debates, oficinas, mostra de cinema, espetáculos, exposições e lançamentos de livros, sempre sob o fio condutor da História. Na primeira edição, inti-tulada “Festa do ofício e das artes de contar a História”, 50 historiadores e jornalistas con-vidados prestigiaram o Festival, que contou com a participação de 668 inscritos nas me-sas realizadas na Tenda da História.Em setembro de 2013, sob a batuta das “Histórias não contadas”, a segunda edição do fHist levaria a Diamantina 41 escritores e pesquisadores, reunindo na Tenda da História 800 participantes inscritos. Com uma criativa programação por toda a cidade, a segunda edição consolidaria então o fHist como uma das mais importantes festas da Literatura e da História de Minas Gerais e do Brasil.

Na milenar cidade portuguesa de Braga, fundada em 16 a.C. entre os rios Minho e Dou-ro como Bracara Augusta, a programação do Festival, entre os dias 20 e 23 de maio, contou com uma conferência magna no Theatro Circo, 12 mesas de debates e três oficinas de Histó-ria no complexo cultural GNRation, registrando a participação de 306 inscritos. Além disso, o Festival promoveu sessões de cinema, dois es-petáculos musicais e se integrou à festa Braga Romana, quando a cidade celebra e rememora as suas origens latinas.

No antigo Arraial do Tijuco, fundado pelos portugueses no início do século XVIII, a segunda etapa do 3º fHist contou com uma conferência e oito mesas de debates na Tenda da História e quatro oficinas no Teatro Santa Izabel e na Casa de Chica da Silva que envolveram 517 par-ticipantes inscritos. O Festival em Diamantina, entre os dias 8 e 11 de outubro, contaria ainda com uma concorrida Feira de Livros de História e nove lançamentos como prosa no charmoso Mercado Velho, sessão de cinema no teatro, ex-posições e espetáculos musicais que se incor-

poraram à belíssima programação cultural e re-ligiosa da Festa do Rosário dos Homens Pretos.

“Com os Diálogos Oceânicos, nosso ob-jetivo era trazer à tona a reflexão e o debate sobre identidades históricas e diversidades culturais dos povos de língua portuguesa”, diz o jornalista Américo Antunes, coordenador do Festival de História. Além disso, ele recorda que 3º fHist em Braga e Diamantina preten-deu “conectar vivências e realidades distintas, unindo-as pelas palavras. Creio que a missão foi cumprida”.

História para todos

De Braga a Diamantina

SECTUR

iniciativa

realizaçãoapoio

www.festivaldehistoria.com.br

festa do ofícioe d as a rt e s decontar a históriaD I A M A N T I N A7 a 12 de outubro de 2011

Ministério da Cultura

apresenta

Festa única no Brasil do ofício e das artes de contar a História, o f Hist tem novo

encontro marcado com você entre os dias 19 e 22 de setembro. literatura, cinema,

arte e as mais diversas expressões culturais ganharão os palcos na bela paisagem

do Arraial do Tijuco na 2ª edição do Festival que traz o desafio de propiciar uma

intensa e emocionante jornada pelas Histórias não contadas. Viva a História!

inscrições abertas. Vagas limitadas.

www.festivaldehistoria.com.br

realização

parceiros

patrocínio

apoio

Parcerias

Ministério daEducação

Patrocínio

Realização

Ministério daCultura

Apoio

Diamantina, Brasil

8 a 11 de outubro

Inscrições abertas para a etapa de Diamantina em:

www.festivaldehistoria.com.br

DiálogosOceânicos

3º FESTIVAL DE HISTÓRIA

Ministério da Culturaapresenta

História, educação, artes, identidades e diversidades culturais dos povos de Língua Portuguesa regem os Diálogos Oceânicos do 3º fHist que apresentará uma programação imperdível nos belos palcos de Diamantina. Marque em sua agenda e faça parte desta História.

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REVISTA FHIST REVISTA FHIST6 7

Invenção do Brasil

A trilogia de Franklin Martins sobre músi-ca popular tem o seu título inspirado em uma antológica marchinha de Lamartine Babo, de 1934, com o verso “Quem foi que inventou o Brasil?” Lamartine responde : foi seu Cabral (os europeus), foram Peri e Ceci (os indígenas), fo-ram Ioiô e Iaiá (os africanos). A música intriga porque cita personagens hoje obscuros – na época, porém, badalados, o que reforça o sen-tido de crônica dos fatos da música – como a Severa e o cavalo Mossoró.

Intrigado, Martins descobriu que Seve-ra era uma fadista portuguesa, que morreu em 1840. E só foi parar na música de La-martine porque o primeiro filme sonoro pro-duzido em Portugal foi “A Severa”, de 1930, que fez muito sucesso em seguida no Rio de Janeiro. Também estava na moda o cavalo Mossoró, um tordilho pernambucano que fez bonito no primeiro Grande Prêmio Brasil no Hipódromo da Gávea, em 1933. Assim, em cada letra da música brasileira do pas-sado é possível descobrir tesouros.

Sobre as décadas mais recentes, o jor-nalista recorda a criatividade dos músicos para superar obstáculos como a censura na época da ditadura, a exemplo da músi-ca, com duplo sentido, “Apesar de Você”, de Chico Buarque, de 1978. E fala sobre a par-

ticipação de diversos outros artistas como Paulo Cesar Pinheiro, Juca Chaves (já com música sobre a Operação Lava Jato) e Ge-raldo Vandré, entre outros. Também recorda que no tempo da ditadura vigorava a MPB, que logo cedeu lugar para o rock nacional com a expectativa da abertura política. Ao longo do tempo, portanto, novas manifesta-ções musicais surgem para expressar o mo-mento vivido, como o reggae, o funk e rap.

História do Brasil(marcha/carnaval)Lamartine Babo - 1934 Quem foi que inventou o Brasil?Foi seu Cabral!Foi seu Cabral!

No dia vinte e um de abrilDois meses depois do carnaval

DepoisCeci amou PeriPeri beijou CeciAo som...Ao som do Guarani!

Do Guarani ao guaranáSurgiu a feijoadaE mais tarde o Paraty

DepoisCeci virou IaiáPeri virou Ioiô

De lá...Pra cá tudo mudou!Passou-se o tempo da vovóQuem manda é a SeveraE o cavalo Mossoró

Último Valadares

Nos tempos da colônia, a população brasileira, cada vez mais miscigenada, con-tava basicamente com a transmissão oral para expressar o seu modo de vida. Embora já houvesse poetas e escritores do calibre de Gregório de Matos e Tomás Antônio Gonzaga, que estudaram na Europa, ou do padre Antô-nio Vieira, apenas com a vinda da Corte Portu-guesa para o Brasil, em 1808, foi introduzida a primeira gráfica no Rio de Janeiro.

Esse longo isolamento da população em relação à palavra escrita e à cultura literária, que durou mais de três séculos, tornou o país decidi-damente ligado à oralidade e, mais ainda, à mú-sica, que assumiu o papel de crônica dos fatos e das transformações políticas. Essa constata-ção permeia a trilogia “Quem inventou o Brasil?”, do jornalista e ex-ministro Franklin Martins, que mostra a intensa relação entre música e política no Brasil, sobretudo entre 1902 e 2002.

Para elaborar a obra, ele investigou du-rante quase duas décadas o universo musical brasileiro e recolheu e analisou 1.113 músicas. O exaustivo trabalho de Martins abriu espaço não apenas para publicação do livro, como para palestras, entrevistas e mesmo laborató-

rios literários. Como convidado especial do 3º fHist, ele participou de mesa e conferências na cidade portuguesa de Braga e em Diamantina.

Crônica dos fatosDe acordo com o ex-ministro, uma mar-

ca registrada da música brasileira é a con-tinuidade da crônica política ao longo do tempo. “Não existe fato relevante na história do país que não tenha inspirado música”. Assim, desfilam musicalmente, na passarela da História, fatos e personagens desde a im-plantação da República até hoje, passando por episódios como República Velha, Colu-na Prestes, Revolução de 1930, Era Vargas, participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial, campanhas eleitorais das décadas de 1940 e 1950, JK, ditadura militar e rede-mocratização. Tudo é motivo para canções, cançonetas, marchas e sambas, entre ou-tros gêneros, que destilam ufanismo, humor, deboche, raiva e ironia. Há exceções, porém, reconhece Martins. Não há música inspirada na primeira greve geral de 1917 e nem inten-cionalidade política na produção musical do início da Bossa Nova.

Essa presença quase unânime do cará-ter político na dimensão musical diferencia o Brasil de outros países, mesmo aqueles com forte identidade entre música e política. “Nes-ses países, de maneira diferente do Brasil, as canções sobre política costumam concentrar--se em determinadas épocas, mais dramáticas – marcadas por guerras, revoluções e agudos conflitos sociais”, explica. É o caso, por exem-plo, do Hino Nacional da França, a Marselhesa, que adquiriu grande popularidade durante a Revolução Francesa. Acabado esses episódios agudos, as músicas perdem o fervor dos ve-lhos tempos e os temas se modificam.

No Brasil os processos foram diferentes não apenas pela tradição oral - presente mes-mo em grandes civilizações do passado – que explica o caráter permanente de crônica da mú-sica nacional. Também são relevantes os saltos tecnológicos que impactaram o país em curto espaço de tempo. Franklin Martins aponta um impacto tecnológico significativo, que foi a in-trodução da indústria fonográfica no Brasil, em 1902, menos de um século após a chegada da Corte Portuguesa. “Quando ainda não se tinha uma tradição literária já se começava a indústria cultural, uma indústria musical, que em outros países levou séculos para acontecer”, recorda.

Música e política dão samba

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Franklin Martins

Em Braga, mesa sobre a música contou com a participação de Ricardo Vilas Boas, Pedro Portela, Lucas Bachini e Bruno Viveiros

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REVISTA FHIST REVISTA FHIST8 9

Se o barroco está na raiz do patrimônio cul-tural e arquitetônico das cidades históricas brasi-leiras, a virada do Século XIX estabeleceria forte tensão entre tradição e modernidade. E este foi o tema da mesa “Diamantina, Século XIX”, rea-lizada no último dia do 3º fHist, que procurou trazer ao debate novos olhares sobre um período pouco difundido da nossa História. Pesquisando a imprensa de Diamantina e Juiz de Fora entre 1884 e 1909, o doutor em História Social pela USP, James William Goodwin, detectou um dis-curso comum da modernidade, alimentado pela chegada da iluminação elétrica e do trem de ferro, mas não sem uma pitada de saudosismo. Como revela um artigo publicado no jornal “A Idea Nova”, de Aldo Delfino, em agosto de 1909:

“Os próprios filhos da terra, ao voltarem à pátria, depois da entrada triunfal e ruidosa da locomotiva, custarão a reconhecê-la. [...] // O progresso tem isso. Pelo bem que nos traz nos

priva de muita coisa boa. [...] // A verdade, porém, é que a Diamantina atual será absorvida pela Dia-mantina futura. // Aí vai a nova cidade em trem de ferro! // Tu, porém, cidade antiga, tu viverás veneranda na memória dos moços e na sauda-

de dos velhos. [...] No dia em que a nova cidade chegar, tu podes desaparecer tranquila, porque morres com glória”.

Pesquisadora do acervo de 5.349 negativos em vidro de fotografias feitas em Diamantina por Francisco Augusto Alkimim, o Chichico Alkimim, clicadas entre 1900 e 1956, a professora de His-tória do Instituto Federal do Norte de Minas Ge-rais (IFNMG), Campus Diamantina, Daisy Lúcide Santos, detectou também a tensão entre o velho e o novo. Entretanto, os registros fotográficos de Chichico revelam “uma cidade que conserva e se moderniza ao mesmo tempo, em um processo de destradicionalização”.

Já Marcos Lobato, doutor em História Eco-nômica pela USP e professor da UFVJM, apre-sentou estudos inovadores sobre a exploração de diamantes ao longo do Século XIX que ques-tionam o lugar-comum historiográfico da dimen-são conflituosa das zonas mineradoras.

O olhar de Lúcio CostaDo lado de cá do Atlântico, o arquiteto Lu-

cio Costa, vencedor do concurso do Plano Pilo-to de Brasília, passou grande parte de sua vida estudando a arquitetura brasileira. O arquiteto, professor da Universidade de Brasília (UNB), e diretor do Departamento do Patrimônio Material e Fiscalização do Instituto do Patrimônio Históri-co e Artístico Nacional (Iphan), Andrey Rosenthal Schlee, conta que na década de 1920 a arquite-tura neocolonial era a marca no Brasil. Lucio

Costa em 1924 já havia ganhado alguns con-cursos importantes e começava a se destacar no cenário nacional. Neste ano, em Diamantina, coleta informações sobre os imóves, registradas em anotações e desenhos de grande qualidade gráfica. A partir de então foram diversos estudos nos dois lados do oceano, tanto na Europa como em Minas Gerais. Esses estudos deram origem a um vasto material sobre a arquitetura genuína portuguesa e a arquitetura brasileira.

Em uma de suas viagens, em 1952, Lu-cio Costa percorreu Portugal de ponta a ponta

e produziu cinco cadernos com anotações e desenhos, incluído entre eles a Catedral de Braga, detalhada em suas portadas e púlpitos, e, também o Santuário de Bom Jesus, sobre o qual tinha especial interesse no Conjunto dos Passos, na comparção com o de Congonhas. Os cadernos de Lucio Costa ficaram “sumidos” por muitos anos e só foram encontrados após sua morte (1998), dentro de um armário. O material foi publicado pela Furnarte, em 2013, em uma edição de luxo.

Sobre Diamantina, Lucio Costa deixou um singelo comentário: “lá chegando, caí em cheio no passado no seu sentido mais despojado, mais puro; um passado de verdade, que eu ig-norava, um passado que era novo em folha para mim. Foi uma revelação: casas, igrejas, pousa-da dos tropeiros… E mal sabia que, 30 anos de-pois, iria projetar nossa capital para um rapaz, da minha idade, nascido ali”.

(COSTA, Lucio. Lucio Costa: registro de uma vivência. São Paulo: Empresa das Artes, 1995)

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O velho e o novo

Adélia Soares

O que é improvável aos olhos da maioria das pessoas torna-se real nos debates pro-movidos pelo 3º Festival de História em 2015. Prova disso são as mesas “Barrocas matri-zes: identidades urbanas, arquitetura, arte e legados”, ocorrida em Braga, Portugal, dia 23 de maio, e “Travessias barrocas: de Braga ao Arraial do Tijuco”, realizada em Diamantina, Minas Gerais, dia 10 de outubro. Os debates revelaram diversos pontos comuns entre as cidades dos dois lados do Atlântico, confir-mando os diálogos oceânicos em mais de 500 anos de História, e comprovaram que apesar de aparentemente improvável, são muitas as características comuns que aproximam a mi-lenar cidade portuguesa de Braga à histórica Diamantina e à moderna Brasília.

O investigador do Centro de Estudos de Geografia e Ordenamento do Território (CE-GOT), professor do Departamento de Geografia do Instituto de Ciências Sociais da Universida-de do Minho e vereador da Câmara Municipal de Braga, Miguel Sopas de Melo Bandeira, res-salta que Braga é uma cidade profundamente clerical, porque é herdeira do legado romano. Portanto, quando o Cristianismo passou a ser a religião oficial de Roma, naturalmente a Bra-ga romana passou a Braga cristã. E essa reali-dade lhe deu essa matriz particular de ser uma cidade governada por um arcebispo, com uma

evidência barroca voltada para um poder abso-luto, o que fez de Braga uma pequena corte.

Neste cenário fortemente religioso está incluído o Santuário de Bom Jesus do Monte que, segundo a historiadora e professora da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Guiomar de Grammont, foi, seguramente, o modelo para o Santuário de Bom Jesus do Matosinhos, em Congonhas, Minas Gerais. A professora destaca que é fundamental perce-ber essa relação artística entre Portugal e a o Brasil colonial, na comparação entre os dois conjuntos, porque ambos mostravam aos fiéis que deviam alcançar a fé através do sofrimen-to de Cristo. Isso era parte do movimento da Contra-Reforma, que buscava recolocar os princípios da fé católica a partir das medita-ções propostas pelo padre jesuíta Inácio de Loyola. A ideia era uma ascese espiritual da contemplação dos Passos da Paixão, tendo a arte como função religiosa.

A religiosidade e outros traços da arte e da arquitetura portuguesa podem ser vistos no trabalho de um português que, de acordo com a professora de História da Arte da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e do Mucuri (UFVJM), Cláudia Orlandi, é um dos mais discre-tos do século XVIII. Nascido em Braga, José So-ares de Araújo atravessou o Atlântico e trouxe para o Tijuco uma pintura ilusionista, própria do barroco europeu. Seu trabalho de falsa arquite-

tura, própria do barroco, pode ser observado na Igreja de Nossa Senhora do Carmo, em Diaman-tina, que tem o campanário ao fundo, algo bas-tante comum nos templos em Braga. Sua arte também está presente na Igreja de Nossa Se-nhora do Rosário e em distritos de Diamantina, como na Igreja de Sant’Ana de Inhaí, onde uma pintura trabalhada com um ponto de fuga cria a ilusão de uma gravura em três dimensões.

Travessias barrocas

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Andrey Rosenthal

Miguel Sopas de Melo Bandeira

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Em Braga, a inspiração para o santuário de Congonhas, em Minas Gerais

Mesa “Travessias barrocas: de Braga ao Arraial do Tijuco”

Mesa: “Diamantina, Século XIX”

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REVISTA FHIST REVISTA FHIST10 11

Felipe Canêdo

Um e-mail enviado por um índio Ma-rubo ao grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo, em 2012, perguntava: “Por que vocês só tratam de mortos e desaparecidos não índios?”. E a recém criada Comissão Nacio-nal da Verdade (CNV), de fato, não previa in-vestigações sobre violações de direitos dos povos nativos entre 1946 e 1988. Foi a partir desta correspondência que nasceu a arti-culação para que o tema fosse incluído na pauta da CNV e, no processo, Marcelo Zelic, vice-presidente da entidade paulista, se de-parou com o chamado Relatório Figueiredo, no Museu do Índio, no Rio de Janeiro.

Tomando como partida as mortes, tor-turas e esbulhos de terra relatadas neste do-cumento elaborado pelo Ministério do Interior em 1967, Zelic e o tarimbado jornalista da “Fo-lha de São Paulo”, Rubens Valente, conduziram os participantes do 3º fHist em Diamantina a uma inédita retrospectiva das bestialidades cometidas contra diversas tribos brasileiras no último século. Durante a mesa, intitulada “Genocídio Documentado: o Relatório Figuei-redo e a Questão Indígena” – mediada pelo jornalista e entusiasta do Festival, Otto Sarkis –, os debatedores citaram episódios pouco conhecidos, acontecidos da década de 1940 em diante, e chegando aos dias de hoje.

“Ao longo dos meus 26 anos de reporta-gem me deparei com muitas histórias, como as das milícias indígenas. No Mato Grosso do Sul era muito comum: índios foram treinados para oprimir o próprio índio. Esse processo é anterior à ditadura, mas nela ele se aprofunda. Em Mi-nas Gerais, inclusive, foi criada a Guarda Rural Indígena (GRIN), e o Reformatório Krenak, onde índios de várias etnias foram presos”, contou Valente. O jornalista, que se prepara para lançar pela Companhia das Letras no próximo ano um livro sobre os crimes cometidos pela ditadura contra os indígena, citou casos emblemáticos que pesquisou e cobriu, como o do assassinato do líder Guarani-Kaiowa, Marçal de Souza.

Marcelo Zelic, por sua vez, relatou os bas-tidores da descoberta do Relatório Figueiredo, que estava sem identificação entre os arquivos do Museu do Índio, e acrescentou outros episó-dios assombrosos da História brasileira recente, como o extermínio de uma tribo Pataxó inteira

no Sul da Bahia, feito através de inoculações pro-positais de varíola entre os anos 1950 e 1960.

“O alerta que o Relatório Figueiredo nos faz é que as violências contra os indígenas continuam se perpetuando até os dias de hoje. Não é por acaso que a situação seja tão crítica no Mato Grosso do Sul atualmente. Os escritos do procurador Jader de Figueiredo apontam inúmeros esbulhos de terra na região”, enfa-tizou. “O tronco, que era usado para torturar escravos, é descrito no relatório com detalhes. Os índios no Sul do país continuavam a ser se-viciados pelo tronco em 1960”, disse ainda.

Histórias que se repetemEntre os genocídios citados pelos debate-

dores estavam o chamado Massacre do Paralelo 11, no Mato Grosso, dos Cintas-Largas; e o dos Waimiri-Atroari, no Amazonas, com a construção da BR-174. Consta no relatório final da CNV que um censo da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) em 1972 apontava a presença de cerca de três

mil Waimiri-Atroaris na região da edificação da Hidroelétrica de Balbina e dessa rodovia. Onze anos depois restavam apenas 350 índios.

Já no caso dos Cintas-Largas, a comissão estimou que cerca de cinco mil índios morre-ram a partir de 1950 por “envenenamento de alimentos misturados com arsênico, aviões que atiravam brinquedos contaminados com vírus da gripe, sarampo e varíola, e assassina-tos em emboscadas, nas quais suas aldeias eram dinamitadas ou por pistoleiros”.

Valente e Zelic destacaram a necessidade de se aprofundar e difundir as pesquisas sobre as violações dos direitos dos povos indígenas. “O Serviço de Proteção ao Índio (SPI), que era vinculado ao Ministério do Interior, foi extinto devido a escândalos e atrocidades. Foi criada a FUNAI em 1967, ligada ao Ministério da Jus-tiça. Agora, a PEC 215, que tramita atualmen-te no Congresso – esse Congresso que tem a maior bancada ruralista da História – quer transferir a responsabilidade pela demarcação de terras para si mesmo”, alertou Zelic.

Paixão pelos livros Saber mais sobre História não tem idade. Quem prova

isso é o garoto diamantinense André Luís Lourenço, de 14 anos, da rede municipal de ensino. Ele participou da 3ª edi-ção do fHist em 2015, onde presenciou mesas de debates, frequentou uma das quatro Oficinas de História e curtiu os espetáculos musicais.

Filho de guarda municipal, que quer se tornar professor de Educação Física, e de dona de casa, André diz que sem-pre lê, sendo frequentador assíduo de uma livraria no centro da cidade. Também se diverte com a família em cachoeiras da região e em atrações que aparecem na cidade. Para ele, uma das mesas mais interessantes do 3º fHist foi sobre os índios brasileiros. E quando tiver 16 anos, em 2017, André já tem um compromisso marcado na agenda: o 4º fHist.

Último Valadares

Os historiadores José Murilo Carvalho, Lúcia Bastos e Marcello Basile esquadrinha-ram por quase duas décadas bibliotecas no Brasil, em Portugal e no Uruguai - a antiga Província Cisplatina. O objetivo era encontrar informações sobre um dos períodos mais conturbados da política brasileira, entre os anos de 1820 e 1840. O material encontrado foi mais caudaloso que o imaginado. E per-mitiu a seleção de 362 panfletos, 68 cartas, 60 análises e 107 sermões, diálogos e mani-festos e 127 poesias e relatos - para compor os quatro volumes do livro “Guerra literária – Panfletos da Independência (1820-1823)”, publicado pela Editora UFMG.

A pesquisa inédita, apresentada em me-sas de debates do 3º fHist tanto em Braga quanto em Diamantina, revelou um Brasil diferente do que geralmente conta a historio-grafia. Ao invés de uma população apática quanto aos acontecimentos políticos, que dá apenas à elite o poder de decisão, o es-tudo comprova a forte participação popular. “Havia povo no processo da Independência. Assim como havia povo na abdicação do imperador Pedro I, e na maioridade de Dom Pedro II”, resume José Murilo.

Para Marcello Basile, a quantidade de panfletos surpreendeu, assim como a am-plitude do debate, que redimensiona a visão elitista do processo de Independência. “O de-

bate foi muito mais amplo e diversificado do que se pensava e atingiu todas as categorias sociais”, afirma. Do material encontrado, os pesquisadores aproveitaram apenas os rela-tivos ao Brasil.

Os panfletos começaram a ser escritos em 1820, quando eclodiu a Revolução Libe-ral do Porto, em Portugal, exigindo o retorno de Dom João VI para a Europa. O episódio abriu “guerra literária” entre os portugueses e brasileiros, conforme o cônego Luís Gon-çalves dos Santos, o padre Perereca. Em

panfletos, o padre defendeu o Brasil contra desaforos de alguns lusos. Manuel Fernan-des Tomás, por exemplo, considerava o país “selvagem, inculto, e terra de macacos, dos pretos e das serpentes”.

Outros episódios atiçaram mais lenha à fogueira, como a mobilização para Dom Pedro I ficar no país, a Independência do Brasil, a Guerra da Cisplatina e entreveros como a Guerra dos Farrapos, a Sabinada, a Cabanagem, a Revolta dos Malês e a Balaiada. O ano de 1840 marca o declínio dessa maré, com o reconhecimento da maioridade de Dom Pedro II.

Os panfletos Divulgados geralmente à surdina, para

fugir da repressão das autoridades, os panfletos eram escritos por magistrados, padres, militares e profissionais liberais liga-dos à administração pública. Precisamente 95 dos autores foram identificados. Muitos panfletos políticos eram afixados em postes para a leitura dos passantes. Outros eram re-produzidos em gráficas, quando a imprensa praticamente ainda não existia.

Alguns se tornaram manifestos de sucesso. O texto que pedia a Dom Pedro I para ficar no Brasil, contrariando as ordens de Portugal, e que resultou no “Dia do Fico”, em nove de janeiro de 1822, foi assinado por oito mil pessoas. Algo que hoje equi-valeria a um manifesto subscrito por meio milhão de brasileiros, conforme atestam os pesquisadores. Outros manifestos indicam também a temperatura política da época. O padre Manoel Rodrigues da Costa, um dos participantes da Inconfidência Mineira, por exemplo, toma uma atitude favorável a Dom Pedro I, apostando em sua capacidade de unir o país no processo de Independência. Já o frei Caneca, um dos líderes da Revolu-ção Pernambucana de 1817, segue o cami-nho da radicalização política, que resultaria em seu fuzilamento alguns anos depois por ter liderado a Confederação do Equador, um movimento separatista de inspiração repu-blicana que pipocou no Nordeste.

Quase 80% dos panfletos - publicações que chegavam a ter até 50 páginas - foram obtidos na Biblioteca Nacional do Rio de Ja-neiro. A equipe consultou ainda as bibliotecas dos países envolvidos no tema e recolheu ma-terial significativo na Biblioteca do Itamaraty.

Quebrando mitos Genocídiodocumentado

Marcello Basile

Mesa “Genocídio Documentado: o Relatório Figueiredo e a Questão Indígena“

José Murilo Carvalho

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REVISTA FHIST12 13

Cândida Canêdo

A escravidão compôs uma “linguagem do racismo” que sobreviveu à abolição e per-siste até hoje no Brasil, afirmou a antropólo-ga Lília Schwarcz, professora da Universida-de de São Paulo (USP), ao abrir o tema “Da Escravidão ao Racismo” em Braga, uma das mais concorridas mesas da primeira etapa do 3º Festival de História realizada em solo português, em maio de 2015. Para mostrar a força performática do racismo, recorreu a uma série de imagens famosas e oficiais do século XVI ao século XIX que procuravam de-notar uma “escravidão benfazeja” e dotá-la de uma carga de afeto, naturalizando a violên-cia. “Linguagens visuais duradouras, trans-formadas em convenções”, argumentou.

Schwarcz destacou imagens de “mães negras”, com seus pequenos senhores bran-cos, eles com os nomes completos, elas cha-madas “amas” ou “babás”, quando muito o pri-meiro nome, como Mônica, o rosto crispado,

o sinhozinho Augusto Gomes Leal buscando aconchego, na fotografia de 1860. “O racismo é a transformação da diferença em desigualda-de”, definiu a antropóloga, mostrando o “ideário do branqueamento” após a abolição. Em 1911, o diretor do Museu Nacional do Rio de Janeiro, João Baptista Lacerda, representou o Brasil no

I Congresso Universal das Raças, em Londres, com a tese “Sur Lês Métis”, defendendo que o Brasil em três gerações seria uma sociedade branca. Ao voltar, ele trouxe na bagagem a tela “A Redenção de Cam”, do pintor espanhol Mo-desto Brocos, de 1895, mas seria duramente criticado: três gerações eram demais!

Diploma de brancuraNo Brasil de hoje, com a segunda maior

população afrodescendente do mundo, depois da Nigéria, o “branqueamento” carregado de simbolismos, permanece na linguagem do racismo, a despeito de mudanças significati-vas com as políticas afirmativas de igualdade racial. “O pardo é uma cor social”, afirmou a antropóloga, e está presente nas categorias do Censo para pedir a autodeclaração dos bra-sileiros. Ela relatou um jogo de futebol, promo-vido anualmente em Heliópolis, no Rio de Ja-neiro, entre dois times: brancos contra negros.

“Todos os anos os jogadores mudam de time e entre as razões está a ascensão so-cial”, contou. Era o caso de um jogador que foi lhe comunicar que mudaria de time, pois “se sentia mais branco”. Ela perguntou: mas não há um critério? “Há sim, professora, se o cabelo mexer, não pode jogar no time dos negros”, ele respondeu.

A professora Macaé Evaristo, mestre em Educação, ativista de Movimentos Negros e secretária de Estado de Educação de Minas Gerais, destacou mecanismos utilizados na política de educação, após a abolição, para manter, e até aprofundar, a exclusão social dos negros e o “ideário do branqueamento” na cultura brasileira. Embora tenha havido expan-são das escolas públicas, isso não favoreceu os afrodescendentes, afirmou. Ela projetou fo-tos do livro “Diploma de Brancura: política so-cial e racial no Brasil”, de Jerry Dávila (2006), que investiga a política de educação entre 1910 e 1945, e dá o exemplo do “branquea-mento” do quadro de professores do Rio de Janeiro: em 1911, uma foto mostra cerca de 15% de alunas e professoras negras na escola vocacional Orsina da Fonseca. Já em 1946, havia apenas brancas na Escola Normal.

“Se não transformarmos as relações ra-ciais no país e no universo da educação bá-sica, provavelmente não teremos êxito nas ações afirmativas de acesso a educação”, condiciona a educadora. Segundo Macaé Evaristo, o desafio é fortalecer a identidade da população afrodescendente no ambiente escolar. “Não basta universalizar o acesso, a partir do momento em que a criança negra ingressa na escola, ela descobre que alguma coisa a coloca em um lugar desigual, começa a questionar o seu cabelo, a sua estética”, ex-plica. Citou o número elevado de jovens entre 15 e 17 anos fora da escola e o mundo exclu-dente desses jovens negros, chamados “ban-didos”, de quem é preciso esconder a bolsa quando se aproximam. Por outro lado, apon-

tou esperança com a Lei nº 11.645, que obriga o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena, levando as crianças às suas raízes.

“Quando avançamos nos marcos jurídi-cos, as forças conservadoras se rearticulam para revogar as conquistas do movimento negro”, lamentou. São exemplos a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, sem a apro-vação de seu financiamento, e a tentativa de redução da maioridade penal, citou.

Entre os portugueses, o investigador Dio-go Ramada Curto, da Universidade Nova de Lisboa, não hesitou em criticar a historiogra-fia portuguesa na abordagem da escravatura e de como ela produziu o racismo, dizendo que os portugueses têm a aprender com os brasileiros. Para Ramada Curto, a historiogra-fia portuguesa lança mão de diferentes “es-tratégias e desculpas” em relação à expres-são e organização do tráfico negreiro, com o objetivo de sugerir que o colonialismo portu-guês foi melhor do que de impérios europeus.

O professor português propõe pontos que devem ser mais investigados, entre eles, o nexo entre a história da escravatura e a continuação do trabalho escravo ao longo do século XX nas colônias africanas. “Reduzir a escravatura a algo que é contemporâneo da humanidade é naturalizá-la”, alertou Curto.

Memórias da resistência dos negros

Um dos maiores pesquisadores da História da África e da escravidão no Brasil, João José Reis, da Universidade Federal da Bahia, apresentou na segunda etapa do 3º fHist em Diamantina fatos cotidianos de resistência dos escravos. Pouco explorada pela historiografia, essa visão foge à repre-sentação de negros e libertos, sempre víti-mas ou heróis, destacou.

“O mais típico era a fuga, quando direi-tos costumeiros, conquistados por resistên-cias cotidianas, não eram respeitados pelo senhor”, explica. Parte de uma safra do café,

permissão para o uso da terra com lavoura própria e o sustento da família são exem-plos. Segundo o historiador, muitas dessas fugas eram individuais e temporárias, como forma de negociação com pequenos proprie-tários de escravos, que não tinham dinheiro para mandar recapturá-los.

O professor relata que em algumas re-voltas os escravos chegaram a escrever um “tratado de paz”, com reivindicações especí-ficas tal uma “greve” moderna. Havia, tam-bém, a manipulação psicológica, que fazia o senhor crer que sua vontade prevalecia, mas era, na verdade, sugerida pelos escravos. “A alforria entra nessa autonomia moral dos es-cravos de fazer com que o senhor atendesse suas demandas”, mencionou.

Segundo João Reis, alguns libertos fi-zeram fortunas, inclusive com o tráfico ne-greiro, comprando escravos quando havia o desembarque e os preços caiam. Entretanto, mesmo a acumulação de riquezas não lhes garantia reconhecimento social e o Brasil não chegou a ter uma elite negra.

Linguagens do racismoFO

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Macaé Evaristo

Mesa “Da escravidão ao racismo“

João José Reis

Diogo Ramada Curto

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REVISTA FHIST REVISTA FHIST14 15

Último Valadares

As ditaduras produziram cicatrizes pro-fundas nas histórias de Brasil e Portugal. Mas cada país vivenciou essa fase de forma diferente. Foi esse o entendimento, no 3º fHist em Braga e Diamantina, de reconhecidos estu-diosos sobre o assunto, como o pesquisador português Antônio Costa Pinto, o historiador brasileiro Boris Fausto e o jornalista e escritor Lucas Figueiredo, entre outros.

O período de ditadura militar no Brasil (1964-1985), para Figueiredo, ainda não foi de-vidamente esclarecido. Segundo ele, a elite mi-litar e os sucessivos governos democráticos no Brasil, de José Sarney a Dilma Rousseff, sone-garam informações sobre o assunto. E até hoje muitas famílias não receberam informações so-bre parentes mortos ou desaparecidos durante o regime militar. Também parece intransponível a punição contra os que, ao longo dos 21 anos de ditadura, cometeram crimes, como “seques-tro, cárcere ilegal, tortura, assassinato e oculta-ção de cadáver”, afirma o jornalista que asses-sorou a Comissão Nacional da Verdade (CNV).

Para conhecer o que se passou na épo-ca, ele recorda a importância dos registros dos centros de informação do Exercito (CIE), da Marinha (Cenimar) e da Aeronáutica (CISA), bem como os arquivos dos DOI-CODI. A versão das Forças Armadas é a de que os acervos da época foram descartados, diz Fi-gueiredo. Ele contesta. “Parte do material se perdeu e outra continua nas mãos de milita-res da reserva e em organizações militares que se recusam a cumprir determinações da Justiça Federal, da Corte Interamericana de Direitos Humanos e da CNV”.

As informações esclareceriam de vez epi-sódios como o da Guerrilha do Araguaia, no Sul do Pará, ocorrida no início dos anos de 1970. O grupo foi descoberto rapidamente e resultou na maior mobilização militar do Brasil após a Segunda Guerra Mundial, com o deslocamento de milhares de soldados para a região. O grupo foi dizimado, mas a captura de seus últimos re-manescentes durou quase quatro anos.

Paradoxalmente, a falta de informa-ções sobre o período militar brasileiro vem acompanhada pela crescente oferta de docu-

mentos irrelevantes como fontes de pesquisa. “Hoje temos acesso a mais de 11 milhões de páginas de documentos sigilosos produzidos durante a ditadura; eram 400 mil em 2009”, afir-ma Figueiredo. A documentação não diz nada. “São apenas fichas funcionais de burocratas”.

Transições acordadasPara Antônio Costa Pinto, a ditadura no Brasil

foi menos dolorosa que a portuguesa, já que essa perdurou por muito mais tempo (1926/1974) e só foi suplantada à força, após a exaustão do país com o processo de independência das antigas colônias portuguesas na África, como Angola e Moçambique. Para ele, o retorno à democracia no Brasil foi semelhante ao espanhol, onde as elites autoritárias se entenderam com as forças democráticas para uma transição pacífica.

O pesquisador lembra que, em 1970, 70% dos países do mundo eram governados por re-gimes ditatoriais, com o apoio quase unânime das elites sociais, políticas e econômicas. Já em 2010 quase 80% do mundo era dominado por regimes de orientação democrática, em boa parte após as elites autoritárias negocia-rem com as forças democráticas os respecti-vos períodos de transição. “O primeiro ponto desse pacto de silêncio é não haver punição em relação às ações passadas das elites au-toritárias, por meio das ditaduras”, observa o historiador português.

Já o historiador Boris Fausto, em sua ex-posição na mesa de debates “Tempos de dita-duras e de rupturas”, realizada em Braga, apro-fundou a análise das características do período autoritário brasileiro. Para ele, o impacto desse período não pode ser minimizado e esquecido, porque deixou sequelas na população, na polí-tica e nos rumos da História do país.

Histórias de movimentos e militantes que lutaram de armas em punho contra a ditadura militar ganharam vida em “Guerrilheiros: me-mórias de uma guerra suja”, mesa realizada no último dia do 3º fHist em Diamantina. En-tre elas, a história de Milton Soares da Costa, militante da Guerrilha do Caparaó capturado na serra que divide Minas e o Espírito Santo e encontrado morto em abril de 1967 em uma cela da temida Penitenciária de Linhares, em Juiz de Fora. Os militares alegaram suicídio e Milton fez parte da lista de desaparecidos políticos até 2002, quando a jornalista Daniela Arbex desvendou o mistério: o guerrilheiro fora assassinado sob tortura e os seus restos mor-tais jaziam na cova nº 312 de um cemitério em Juiz de Fora.

Emocionada, Arbex discorreu sobre a lon-ga investigação jornalística que empreendeu para desvendar as circunstâncias da morte do guerrilheiro que nasceu em Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Durante a pesquisa, ela resga-tou o período em que Milton ficou preso em Li-nhares, localizou amigos que partilharam com ele do suplício no cárcere, obteve documentos inéditos que colocaram em xeque a versão de suicídio, entre os quais guia de sepultamento e laudo de necropsia, e encontrou a cova em que foi enterrado. Além da série de matérias especiais publicada no jornal “Tribuna de Mi-nas”, a jornalista aprofundou a sua pesquisa para escrever o livro “Cova 312”, que conta a história de Milton e que em breve ganhará as telas em documentário produzido pelo canal de TV a Cabo HBO.

O golpe e as armas Histórias das primeiras ações de guerrilha

urbana no Brasil contra a ditadura, iniciadas em Belo Horizonte por militantes do Comando de Libertação Nacional (COLINA) entre 1968 e 1969, foram contadas pelo economista Antô-nio Nahas Júnior, autor do livro “A Queda, Rua Atacarambu, 120”, em que reporta a repressão aos guerrilheiros com o cerco do “aparelho” onde eles estavam escondidos no Bairro São Geraldo. Em sua exposição, Nahas propiciou uma instigante viagem pela história - e frag-mentação - das organizações de esquerda e de luta armada no Brasil entre 1960 e 1974, tendo como fio condutor o movimento estudantil e o ambiente político, social e cultural da capital mineira naqueles anos.

A guerrilha rural seria retomada pelo jornalista e professor da UNB, Hugo Studart, autor do livro “A lei da selva”, sobre a Guer-rilha do Araguaia. Apostando na sublevação do campo e da zona rural contra o regime de opressão, a exemplo das experiências vitoriosas da revolução chinesa e cubana, o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) co-meçara o deslocamento de militantes para o Araguaia, nas divisas entre os estados de To-cantins e Pará, em fins da década de 1960. Em 1972, quando a guerrilha foi descoberta pelos militares, o PCdoB contava com cer-ca de 80 guerrilheiros na região que seriam cassados em operações descomunais das Forças Armadas. A maioria dos militantes acabou morta nas selvas ou executada após a prisão, sendo o foco guerrilheiro aniquilado em outubro de 1974.

O jornalista brasiliense discorreu tam-bém sobre as diversas interpretações sobre o significado da tomada do poder pelos militares em 1964 e sobre a luta armada no Brasil. Para ele, essa diversidade de in-terpretações pode ser sintetizada em cin-co obras de referência: “1964: a conquista do Estado”, de René Dreifuss, que defende a tese da aliança civil-militar para o golpe militar; “Combate nas trevas”, de Jacob Go-render, que sustenta a tese da luta armada como reação ao golpe; “A revolução faltou ao encontro”, de Daniel Aarão Reis, em que o autor defende a tese de que a luta arma-da seria uma ação estratégica e não reativa

ao golpe; “A revolução impossível”, de Luíz Mir, que busca desconstruir a mística da esquerda da inevitabilidade da revolução, que era baseada na crença do papel inter-nacional do país; e “Vida e morte do partido fardado”, de Oliveira Ferreira, que analisa o golpe pela ótica da vitória de um projeto es-tatal desenvolvimentista capitaneado pela facção “nacionalista” do Exército, em con-luio com industriais paulistas.

Pacto de silêncio

Memórias da guerrilha

Mesa “Guerrilheiros: memórias de uma guerra suja”, em Diamantina

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REVISTA FHIST REVISTA FHIST16 17

Felipe Canêdo

“Estou pendurando minhas chuteiras. Quero voltar a fazer o que de alguma forma faço nos meus livros, que é voltar a fazer jor-nalismo. Vou parar de escrever livros. Ganho mal, sofro muito para escrever”, desabafou o renomado jornalista e escritor Fernando Mo-rais na mesa “Universos literários: a História pelas lentes dos historiadores e jornalistas”, no Festival de História, em Braga. Com livros traduzidos em mais de 40 países, entre eles biografias célebres como “O Mago”, sobre Paulo Coelho, e “Chatô”, sobre Assis Cha-teaubriand – que acaba de ser lançada em filme pelas lentes de Guilherme Fontes –, Morais defendeu que não há contradição en-tre o trabalho do jornalista e do historiador.

“Eu tenho uma relação conjugal com a historiografia, porque sou casado com uma historiadora. Faço essa discussão dentro de casa há 30 anos” -, brincou.

Para ilustrar a distância entre os dois campos, Morais contou um episódio curioso de quando estava escrevendo a biografia de Olga Benário. Em uma entrevista, o líder comu-nista Luís Carlos Prestes revelou, “com a mais completa naturalidade”, que nunca tinha esta-do com uma mulher até se casar com a mili-tante alemã. “Procurei colocar isso no livro sem tratar como uma bisbilhotice. Ainda assim, na hora que minha mulher, historiadora, leu o origi-nal, ela me disse: isso aqui é uma coisa vulgar. Você não pode colocar isso no livro. A virginda-de do Prestes não interferiu na história do Parti-do Comunista Brasileiro.” Ao que Fernando Mo-rais redarguiu: “Isso pode não ser interessante para a sua história, mas para a minha é. Porque eu acho que é uma informação relevante para se entender a personalidade do Prestes.”

Vira-lata e puro-sangueO jornalista Lucas Figueiredo sublinhou

que há grandes diferenças entre as duas formações, de jornalista e historiador, mas afirmou categoricamente que “não há mais campo sagrado”. “Nós somos os vira-latas, somos tarefeiros. Você joga o pauzinho e o vira-lata vai lá buscar. É simples. O historia-dor é o puro-sangue. E um não é melhor do que o outro.” Em defesa de seus pares, ele comentou também que jornalistas têm se destacado em reportagens inéditas sobre o

período da ditadura militar, agraciadas ano após ano com o Prêmio Esso de Jornalismo.

“Quando o jornalista Laurentino Gomes lança “1808” e estoura, ali existe um estra-nhamento. Mas ele fez o livro, foi um fenô-meno, teve gente que soube da existência de Dom João VI através dele. E quando o pro-fessor Kenneth Maxwell escreve uma crôni-ca à quente na “Folha de São Paulo” sobre a crise do PT, para mim é muito melhor do que muito jornalista que está fazendo isso todo dia”, ponderou Figueiredo.

Já o historiador Roberto Said, que tra-balha em uma reconstrução biográfica de Carlos Drummond de Andrade sobre o perío-

do em que o poeta viveu em Belo Horizonte, apontou a vida do itabirano como um caso exemplar de biografia para os estudos lite-rários. “A biografia sempre nos coloca uma série de problemas, por estar nessa fronteira entre real e ficção, a memória. E no caso do artista o problema dá um parafuso porque o poeta é um fingidor. O jovem Drummond colocou mais lenha na fogueira, porque a tentativa de entender que sujeito foi aquele revela uma multiplicidade de pseudônimos, uma coisa meio Fernando Pessoa.”

Já o jornalista Sinval do Itacarambi evo-cou Heródoto (490-80 a 430-20 a.C.) – tido como o “pai da história” – para mostrar como matérias de correspondentes estrangeiros no jornalismo moderno poderão ser as fontes científicas para os historiadores de amanhã. Sinval também citou Ryszard Kapuscinski, jornalista que trabalhou em diversos países, como Heródoto, e que acabou escrevendo so-bre o próprio historiador grego.

Durante os debates, a historiadora He-loísa Starling referendou as opiniões dos de-batedores, argumentando: “São dois ofícios com suas especificidades, mas quando eles se aliam na produção de conhecimento, o resultado é muito bom. O conhecimento não pode ficar fechado nas paredes dos que po-dem saber. E esse é o problema da historiogra-fia, embora não seja o problema dos grandes historiadores do Brasil. O jornalista consegue fazer isso com mais eficiência do que nós, exatamente porque os ofícios são diferentes.”

As tecnologias digitais, a multimídia e as mídias móveis estão abrindo novos caminhos para se contar a História, ao permitir a criação de teias interativas nas quais as pessoas po-dem escolher itinerários diferentes e navegar em eventos em sequência não linear, sem a necessidade de que os fatos sejam apresenta-dos cronologicamente. “No século XX, quando se percebe que o conhecimento é mutável e dinâmico, tem-se um grande desafio. E as fer-ramentas digitais nos ajudam a construir uma escrita da história que seja uma passagem para o conhecimento”, afirmou no 3º fHist, em Braga, a professora de História do Brasil da UFMG, Heloísa Starling. Ela assinalou que as linguagens estéticas da cultura e da multimídia são recursos essenciais para que o historiador faça uma visita à imaginação.

“Hannah Arendt dizia que pensar com uma mente aberta permite treinar a imaginação e o historiador tem exatamente esta tarefa”, de-fendeu Starling, ao participar da mesa “Sons e imagens: narrativas históricas em tempo de mídias móveis” realizada no auditório do com-plexo cultural GNRation. “Uma imaginação que examine os acontecimentos, explore posições desconhecidas, permita outros discursos e ali-mente novas perguntas”, argumentou.

Para a professora, as novas mídias e a combinação dos recursos de texto, áudio, vídeo e imagens oferecem ao historiador fer-ramentas de mediação interativa de aconteci-mentos, lugares e tempos que permitirão ao público acessar conhecimentos antes encar-cerados. “O historiador está sendo desafiado cada vez mais a sair de sua bolha e a interagir com o público”, sentenciou.

LimitesEmbora entusiasta das possibilidades que

as novas tecnologias oferecem para as narrati-vas históricas, Starling alertou que o excesso de recursos traz o risco de banalização dos co-nhecimentos e pode, ao final, mais atrapalhar do que ajudar. Além disso, o designer e artista gráfico Gringo Cardia, do alto da sua experiên-cia de mais de dez anos no desenvolvimento de projetos de reformulação e de implantação de museus, lembrou que uma visita virtual em computadores, smartphones ou tablets não substitui a experiência de se visitar um museu.

“No museu, a iluminação muda, o som é diferente, há imagens tridimensionais. São

sensações que atraem o público”, destacou Cardia que, entre outros projetos, atuou na im-plantação do Memorial Minas Gerais, em Belo Horizonte, da casa do escritor Jorge Amado, em Salvador, e do caminhão-museu Sentimen-tos da Terra, do Projeto República da UFMG. “Em cada ambiente, a teatralidade e o lúdico provocam a imersão na história para encami-nhar ao conhecimento”, observou, destacando, por exemplo, documentos antigos que ganham movimento com simulações em 3 Dimensões.

“Somos uma narrativa”, completou, por sua vez, o professor Nelson Troca Zagalo, investiga-dor do Departamento de Ciências de Comuni-cação da Universidade do Minho, ao salientar a narrativa como essencial às interações de uns aos outros. “Onde não há relação de causalida-des e narrativa, a memória se perde”, ensinou.

Entretanto, Troca Zagalo advertiu que o uso de sons e imagens funciona apenas em um primeiro nível - que classificou como de impac- to e deslumbramento - e cujo objetivo é atrair o

interesse para que a pessoa prossiga depois em torno do assunto. “Se ficar apenas nas imagens, vídeos, sons e textos curtos da linguagem em digital, a atenção não fica por mais do que dois minutos e o interesse pelo assunto vai ser muito reduzido ou desaparecer”, ponderou.

Para ele, o aprofundamento desse interes-se ocorrerá ou pelo texto ou pela experimenta-ção concreta. Mas como, na História, que trata do passado, “eu não posso experimentar voltar a 1830”, o texto é o caminho mais eficaz para dar continuidade à História que se pretende narrar e aprofundar, defendeu.

História x jornalismo: sem campo sagrado Tempos digitais

Fernando Morais Mesa “Sons e imagens: narrativas históricas em tempo de mídias móveis”, em Braga

Heloisa StarlingRoberto Said

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Em Braga e Diamantina, o 3º fHist ofe-receu uma programação diversificada de oficinas de História, voltada para o apro-fundamentos de temas e a capacitação dos estudantes e interessados. E a exemplo das edições anteriores, as oficinas em Braga foram gratuitas e também tiveram lotação esgotada. “Criptografia histórica em Portu-gal” foi o tema da primeira oficina realizada no complexo do GNRation, sob a batuta do professor Antônio Manoel Lázaro, investiga-dor do Laboratório de Paisagens, Patrimônio e Território do Departamento de História da Universidade do Minho. A essa seguiram mais duas oficinas em solo português: “Artes visuais e design de museus”, ministrada pelo renomado designer brasileiro Gringo Cardia, e “De olho na história: fotografia, jornalismo e história”, a cargo do jornalista, pesquisador e produtor cultural Vladimir Sachetta.

Em Diamantina, o fascínio da imagem e da fotografia voltaria à tona em uma das três oficinas realizadas na Casa de Chica da Silva sob a coordenação da equipe do Programa Sentidos Urbanos, do IPHAN de Ouro Preto. Ministrada pelos oficineiros Reginaldo Lopes e Joyce Fonseca, a oficina “Fotografia e His-tória” procurou costurar o passado e o pre-sente da cidade por meio de uma verdadeira viagem em imagens históricas e atuais. Já as oficinas “Que lugar é esse? Memória, pa-trimônio e sentidos”, a cargo dos oficineiros Emerson Fernandes Pereira e Yara de Olivei-ra Diniz, e “A memória que o olho guarda: ter-ritórios e paisagens desenhadas na cidade, no papel e no corpo”, sob responsabilidade da psicanalista Cláudia Itaborahy Ferraz e da historiadora Simone Monteiro Silvestre Fernandes, procuraram despertar o reconhe-cimento da relação entre as pessoas e os es-paços que ocupam nas cidades, bem como criar convergências, encontros e vivências criativas e artísticas.

Pela primeira vez, o 3º fHist ofereceria uma oficina voltada para o público infanto-ju-venil. Sob o mote “Cartas de Brasília”, a quarta oficina do Festival em Diamantina trabalhou o conceito de que a História se faz com histó-rias contadas; histórias podem ser contadas por escrito; histórias de Brasília contadas em cartas; e cartas de pessoas comuns para o Presidente JK, o fundador da capital federal, que nasceu em Diamantina; e buscou estimu-lar as crianças a redigir cartas com suas im-pressões sobre como é viver na cidade.

Para a escritora e pesquisadora da Uni-versidade Nacional de Brasília (UNB), Ivany Câmara Neiva, que ministrou a oficina junta-mente com o artista Rômulo Andrade, a ex-periência foi bem-sucedida. “Foram diversas formas de comunicação, desde os painéis voadores de Rômulo Andrade, até aviõezinhos de papel voando pela sala, imagens da janela para a Serra dos Cristais, livros sorteados, con-versas sobre Diamantina, desenhos, música e ideias para cartas”, comemorou.

Se a apresentação das “Leituras Poéti-cas” já havia sido pura emoção na Tenda da História em Diamantina, no 2º fHist em 2013, Maria Bethânia emocionaria ainda mais o pú-blico que lotou os 800 lugares do centenário Theatro Circo, em Braga, na primeira etapa da terceira edição do Festival, realizada em maio de 2015 na cidade portuguesa. Toda vestida de branco, a intérprete abriu o espetáculo no dia 21 de maio cantando, exuberante, “As Aya-bás com os ventos de Iansã”, e iniciou a leitu-ra de poemas e textos, sempre mesclados a trechos de canções, em um belo e coerente conjunto.

Aos portugueses, relatou que “Leituras Poéticas” nasceu em 2009, quando ela parti-cipou do ciclo de conferências “Sentimentos do Mundo” na Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte e, entusiasmada, repetiu o projeto em diversas casas de en-sino e pesquisa. “Ler, ouvir e dizer poesia na correria que as pessoas vivem hoje é como provocar o mundo”, disse a cantora, que enaltece a idéia de incentivar a leitura dos poetas e expressões artísticas nas salas de aula. Disse ainda de seu prazer em levar as “Leituras Poéticas” a Braga e do orgulho de já tê-las apresentado na Casa de Fernando Pessoa, seu “poeta e inspiração maior”.

Foi a leitura de Pessoa, na delicadeza de Al-berto Caieiro, um dos emocionantes momentos do espetáculo no Theatro Circo em Braga. Maria Bethânia declamou, ainda, Carlos Drummond de Andrade, Castro Alves, Manoel Bandeira, Fausto Fawcett: “... a lua é uma lantejoula da NASA que brilha leitosa no meu vestido estrelado”, e Cra-

veirinha, com o “Quero ser Tambor”. Leu textos preciosos de Guimarães Rosa, em “Grandes Sertões”, e revisitou músicas de seu repertório, como “Romaria”, “Cálix Bento”, “Cirandeiro” e ou-tras de Dorival Caymmi, Caetano Veloso e tan-tos outros. Sempre acompanhada dos músicos Carlos César, na percussão, e Paulo Dafilin, na guitarra, aos aplausos finais, ela concedeu um “Bis”, a conhecida e animada canção “Convexo”.

Aula show de violaA música também encantou o encerra-

mento da primeira etapa do 3º fHist em Braga, no dia 23 de maio. Ivan Vilela - doutor em Psi-cologia Social, mestre em Composição Musi-cal pela Universidade Estadual de Campinas, professor de História da Música Popular Bra-sileira na Universidade de São Paulo e um dos maiores violeiros do Brasil - encerrou o Festival no auditório do complexo cultural GNRation. O instrumentista, arranjador e compositor brasi-leiro ministrou uma belíssima Aula Show de Viola, de 12 cordas, que une Portugal e o Brasil, e encantou com os seus acordes o público do 3º fHist. Hoje, a viola renasce junto a milhares de jovens músicos que se formam, como Ivan, no resgate histórico deste instrumento.

Da criptografia aos sentidos

Ivan Vilela encerrou a etapa portuguesa do fHist

Maria Bethânia encantou o público que lotou o Theatro Circo de Braga

A oficina “Cartas de Brasília” aconteceu no Teatro Santa Izabel, em Diamantina

Pura emoção

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Oficina “Criptografia histórica em Portugal”, no GNRation, em Braga

Oficina “Fotografia e História”

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Denise Menezes

Nem a música, nem o artista. A linguagem poética foi a estrela da noite na apresentação de Arnaldo Antunes, durante o 3º Festival de História. No show “Performance Poética”, Antunes mos-trou ser mestre na arquitetura e na expressão das palavras, num espetáculo ousado e desafiador.

Sozinho no palco, o artista falou, cantou, en-toou, declamou, sussurrou e berrou poemas (ou apenas trechos de alguns deles), acompanhado apenas por um equipamento eletrônico, por onde disparava e interrompia sons incidentais, sample-ava a própria voz ao vivo ou introduzia bases de vozes pré-gravadas, que se misturam à sua. A in-

teração resultou em ambientes sonoros variados, em que a palavra foi protagonista.

Alguns dos textos são de seu livro recente, “Agora Aqui Ninguém Precisa de Si”. Os outros foram extraídos de trabalhos de várias fases da carreira do artista, como a letra de “Se não se”, canção do álbum “Nome”, de 1993, relançado em 2006. Imagens projetadas no fundo do palco, gra-vadas em vídeo ou captadas e alteradas no mo-mento, dialogavam com voz e sons, compondo o ambiente cênico idealizado pela artista plástica Márcia Xavier, mineira radicada em São Paulo.

O artista ainda põe em cena objetos, como um globo e páginas de jornal. Essas últi-mas, ao final do espetáculo, “preencheram” to-

dos os bolsos e brechas da roupa que ele ves-tia. As palavras engolem e são engolidas. Em puro movimento, com a performance poética, Antunes mostra mais uma vez a variedade de caminhos existentes na arte de usar a palavra.

“Este instrumento conta a história da África.” O balafon, uma espécie de antepas-sado da marimba – que possui uma nota ligeiramente fora da escala da música oci-dental – foi o instrumento escolhido pelo multi-instrumentista senegalês Mamour Ba para evocar a sabedoria milenar das tribos de seu continente na Tenda da História, no último dia do 3º fHist em Diamantina. Acom-panhado de sua filha Deyna Ba nos teclados, ele cativou a plateia com melodias vocais vi-brantes e incontornáveis, logo entoadas em coro, numa breve apresentação em que res-saltou a biografia de seu povo e de sua terra.

De lá, um cortejo de maracatu guiou o público até o Mercado Velho, onde Ba esta-va novamente a postos, acompanhado pelo grupo Conexão African Beat. Daí em diante, foi impossível ficar parado. O por do sol de véspera de feriado foi brindado então com uma percussão de um infindável set de ata-baques, djambê, surdo treme-terra, choca-lhos e variados apetrechos, assentados na precisão da bateria de Cheikh Ba, também filho do senegalês, mestre na técnica de se-gurar duas baquetas na mesma mão.

O Mercado Velho desta vez balançou em uma enorme celebração da cultura afri-cana. “A música é o alimento do espírito” e

o inegável carisma de Mamour, expresso no sorriso constante, marcou o último dia do Festival de História, que seguiu noite

adentro com apresentações impecáveis de Gabriela Pepino, Happy Feet Jazz Band, Ro-berta Brasileiro e Márcio Mello.

Quem visita Diamantina tem sempre uma história para contar do Mercado Velho. Sua espe-tacular arquitetura de arcadas curvas em madei-ra, em estilo mouro, atrai e enche os olhos de to-dos que descem os becos e travessas do centro histórico rumo à Praça Barão de Guaicuí ou, sim-plesmente, Praça do Mercado. Todos os fins de semana, as feiras de produtos hortifrutigranjeiros e artesanato, em meio às tendas de quitandas, doces e salgados, e às de cachaça da boa e de cerveja gelada são um convite às inconfidências e ao bate-papo descontraído, sem hora para aca-bar. Como antigamente, quando os tropeiros ar-ranchavam sobre o centenário piso de pedra para comerciar tudo o que se colhia e processava nas terras diamantinas, do feijão à farinha, da linguiça à carne seca, do ouro até o diamante.

A força da palavra Um showeletrizante

do Festival, a começar pela concorrida Feira de Livros de História e pelos lançamentos com prosa com os autores, shows, perfor-mances musicais e exposições. E tudo isso harmonicamente integrado às atividades

Mercado de históriascotidianas e tradicionais do Mercado Velho, sempre embaladas por muita alegria, boe-mia e descontração.

Em 2015, a novidade ficou por conta da intensa programação de shows do Festival no Mercado Velho, estrelada por nada menos do que nove grupos musicais, dentre os quais, Fred Boni, Dom Pepo e Serginho Oly. E isso em meio à Feira de Livros de História, que mais uma vez atraiu centenas de visitantes, e aos nove lançamentos de livros com bate-papo com os autores. Também em cartaz na pro-gramação do Mercado brilhariam o projeto “Li-vro pra que te quero” e a exposição fotográfica “Diamantina em detalhes”, de Raquel Galiciolli, bem como o espetáculo teatral infantil “Carro-ça de mamulengos”.

Como todos que vivem e conhecem Diamantina, o fHist também tem histórias intimamente ligadas ao Mercado Velho. Des-de a primeira edição, em 2011, ele tem sido espaço privilegiado das atividades culturais

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Performance de Arnaldo Antunes surpreendeu o público na Tenda da História, em Diamantina

Simpatia contagiante do multi-instrumentista Mamour Ba agitou o Mercado Velho

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Denise Menezes

Em menos de 14 horas é possível tran-sitar por vários períodos da nossa história no fHist, passar por estilos artísticos que vão do barroco ao pós-moderno, sempre no melhor cenário e na companhia de grandes artistas, escritores e pesquisadores que, no evento, es-tão ali ao seu lado, abertos para uma bate-pa-po descontraído, permeado por gargalhadas. A programação do segundo dia do 3º Festival de História em Diamantina, no dia nove de ou-tubro de 2015, é um bom exemplo.

O dia começou, às 10 horas, na Tenda da História da Praça Doutor Prado, quando fomos transportados, pelos historiadores José Murilo de Carvalho e Marcello Basile,

para o início do século XIX, às vésperas da Independência do Brasil. A cada passo dado por Dom Pedro rumo à ruptura com Portugal, e em meses que se seguiram após o sete de setembro, o povo se manifestava, pró e con-tra, em panfletos apócrifos que, na lingua-gem, variavam do texto de fino humor à bai-xaria mais avassaladora. É... As redes sociais não são mesmo precursoras ou culpadas.

No início da tarde, o “racismo nosso de cada dia” e a resistência negra cotidiana, desde a escravidão até os dias atuais, foram abordados pelos historiadores João José Reis e Rafael da Cruz Alves e pela educadora e secretária de Educação de Minas Gerais, Ma-caé Evaristo. Impossível não se envergonhar diante da constatação de que, neste aspecto, pouco evoluímos, em mais de três séculos.

Para quem precisava arejar, o melhor foi deixar a tenda e visitar a exposição de cerâmica “Terra Queimada”, que estava ins-talada bem pertinho, ali mesmo na Praça Doutor Prado. De um grupo de artistas lo-cais, a mostra brindou com belas peças os visitantes, que ainda podiam aproveitar a visita para experimentar o bolo de arroz, re-ceita típica diamantinense, servido num café improvisado no local, para arrecadar fundos destinados a um projeto social da cidade.

Já no início da noite, ao entrar na Igreja do Rosário, erguida por escravos entre 1771 e 1772, vem aquele sentimento de ser barro-camente mineira, com o início da Missa dos Quilombos. Celebrada anualmente, durante a Festa do Rosário dos Homens Pretos, a missa - criada por Dom Pedro Casaldáglia em 1981 - substitui os cantos religiosos por músicas de Milton Nascimento que, em Diamantina, foram cantadas pelo coral da Comunidade Ar-raial dos Forros, acompanhado por instrumen-tistas do Conservatório Lobo de Mesquita.

Instantaneamente, volto do barroco co-lonial à contemporaneidade urbana, visceral, de Arnaldo Antunes, com a sua desafiadora “Performance Poética”. Mestre na arquitetu-ra das palavras, Antunes conseguiu o que para muitos cantores é impossível. Ninguém pediu ao artista “aquela música”. Ninguém pediu música alguma.

De perder o fôlego...

Um dia no 3º fHist

De Itapipoca a DiamantinaPela primeira vez em Minas Gerais, o cearense Marcos Braga viajou mais de dois mil quilômetros

para participar do 3º fHist, em Diamantina. Em Itapipoca, cidade a 136 Km de Fortaleza, ele coordena para a Prefeitura um acervo histórico relacionado ao ciclo do algodão. Nas primeiras décadas do século XIX, o algodão impulsionava a economia regional, com a alcunha de ouro branco. As cargas eram desti-nadas à Inglaterra, então grande produtora de tecidos.

Com o apoio da população, o projeto de Itapipoca, iniciado no ano 2000, já resgatou mais de 800 registros do ciclo do algodão no município, como documentos, fotos e equipamentos. Foram treinados 20 jovens da rede pública para lidar com o acervo. Enquanto a Prefeitura não inaugura um museu, o material é apresentado de forma itinerante à comunidade, contou Marcos Braga.

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desenvolvimentoO BNDES investe no que

desenvolve o Brasil.

Quando o BNDES apoia a expansãode livrarias e bibliotecas, financia a produção

de livros e conteúdos digitais e patrocinafestivais literários, não está investindo apenas

em entretenimento. Está incentivando a criaçãode empregos e oportunidades. É por isso

que o BNDES investe na indústria criativa brasileira.Porque cultura também é desenvolvimento.

BNDES. Patrocinador do Festival de História.

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