38 - tecnologia organizacao e produtividade na construcao - tese uff-leusin

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TECNOLOGIA, ORGANIZAÇÃO E PRODUTIVIDADE NA CONSTRUÇÃO Sérgio Roberto Leusin de Amorim TESE SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DA COORDENAÇÃO DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOS REQUISITOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE DOUTOR EM CIÊNCIAS EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO. Aprovado por: Paulo Rodrigues Lima, D.Sc. (Presidente) Mário César Rodriguez Vidal, Dr.Ing. José Manoel Carvalho, Ph.D. Luís Fernando M. Heineck, Ph.D. Carlos Torres Formoso, Ph.D. RIO DE JANEIRO, RJ, BRASIL, MAIO DE 1995

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Page 1: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

TECNOLOGIA, ORGANIZAÇÃO E PRODUTIVIDADE NACONSTRUÇÃO

Sérgio Roberto Leusin de Amorim

TESE SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DA COORDENAÇÃO DOSPROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO DE ENGENHARIA DAUNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOSREQUISITOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE DOUTOR EM CIÊNCIASEM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO.

Aprovado por:

Paulo Rodrigues Lima, D.Sc.(Presidente)

Mário César Rodriguez Vidal, Dr.Ing.

José Manoel Carvalho, Ph.D.

Luís Fernando M. Heineck, Ph.D.

Carlos Torres Formoso, Ph.D.

RIO DE JANEIRO, RJ, BRASIL,MAIO DE 1995

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Ficha catalográfica:

AMORIM, Sérgio R. Leusin de

Tecnologia, Organização e Produtividade naConstrução. (Rio de Janeiro), 1995.X . 201p. 29,7 cm (COPPE/UFRJ, D.Sc. Engenhariade Produção, 1995)Tese - Universidade Federal do Rio de Janeiro -COPPE

1. Engenharia do Produto 2. Tecnologia 3.ConstruçãoI. COPPE UFRJ II. Título (série)

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Resumo da tese apresentada à COPPE/UFRJ como parte dos requisitosnecessários para a obtenção do grau de Doutor (D.Sc.) em Ciências emEngenharia de Produção.

TECNOLOGIA, ORGANIZAÇÃO E PRODUTIVIDADE NACONSTRUÇÃO.

Sérgio Roberto Leusin de AmorimMaio de 1995

Orientador: Paulo Rodrigues LimaCo-orientador: Mário César VidalPrograma: Engenharia de Produção

Este trabalho analisa as relações entre a tecnologia, as formas

organizacionais e a produtividade na Construção Civil, subsetor das

edificações. Enfocamos a empresa como o palco dos processos de

renovação e o mercado como o seu ambiente. Nossa hipótese central é

que, neste subsetor, as inovações tecnológicas se dão, preferencialmente,

na forma de mudanças organizacionais ou de utilização de novos insumos.

Neste último caso, se consubstancia um processo de transferência de

trabalho e valor para os fornecedores das construtoras, condicionado pela

política tecnológica do Estado e pela extrema variabilidade da produção,

tanto quantitativa, como tipológica e geográfica.

Essas alterações nas estruturas das empresas indicam um progressivo

abandono das formas organizacionais derivadas dos padrões fordistas e do

paradigma da indústria mecânica, em troca de um novo modelo de

organização que privilegia a integração técnica e a comunicação. Neste

processo, a progênie da produtividade desloca-se da operação de trabalho

para a eficiência da organização. Identificamos, em decorrência, um reforço

do processo de transformação das estruturas produtivas e a necessidade de

uma abordagem mais integrada de toda a cadeia produtiva das edificações.

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Abstract of Thesis presented to COPPE/UFRJ as partial fulfillment of therequirements for the degree of Doctor of Sciences (D.Sc.)

TECHNOLOGY, ORGANIZATION AND PRODUCTIVITY INCONSTRUCTION

Sérgio Roberto Leusin de AmorimMay, 1995

Thesis supervisor: Paulo Rodrigues LimaCo- supervisor: Mário César Rodriguez VidalDepartment: Engineering of Production

This study deals with the relationships between technology, organization

models and productivity in the building sector. We focus the firm, since it is

the main site of the renovation process, and consider the market as its

environment. Our hypothesis is that, in this segment , the technological

innovations happens mainly through organizational changes or by the

introduction new components, rather than manufacturing process changes.

The renovation of the materials and supplies feature a work and value

transfer from the contractors to their suppliers, which, by its turn, is modeled

by the government intervention and by the extreme variability of the building

production, either in the quantity, in the typology or the geographic

distribution.

These modifications in the organizational structure reveals a progressive

disregard of the standards based in Ford’s concepts and the mechanical

industry paradigm, in exchange of a new organization model committed with

the technical integration and much intense communication. In this process

the productivity potential source shifts from the work operations to the global

organization efficiency. As a result , we identify an increased changing

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movement in the production structures, with an integrated approach

throughout the chain production.

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Sumário

Introdução................................................................. 01

Cap. I: As edificações na ConstruçãoA importância das edificações..................................... 5Segmentação do mercado ........................................... 7Predominância de uma estratégia imobiliárianas empresas............................................................. 14Quadro atual: a reorganização domercado e das empresas.......................................... 18

Cap. II: Tecnologia & ConstruçãoA tecnologia da Construção ...................................... 24O desenvolvimento técnico da construção................. 26O Estado e a tecnologia da construção ..................... 30Meios e instrumentos da política tecnológica............. 42A gestão urbana e o desenvolvimento da indústriada construção............................................................ 47.A ruptura econômica do modelo ................................ 68

Cap. III: Inovação tecnológica nas edificaçõesIdentificação e caracterização da inovação ............... 72Inovação tecnológica e organização industrial........... 76A inovação das edificações face aos modelosteóricos ...................................................................... 82

Cap. IV: Produtividade nas edificaçõesProdutividade e variabilidade de produtos ................. 92Produtividade da construção e produtividadeda obra ..................................................................... 102Perdas e desperdícios na construção ...................... 108Controle e gerenciamento da produção nasedificações .............................................................. 115

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Cap. V: Organização na ConstruçãoModelos de organização: do “Taylorismo”aos “níveis decisórios”. ............................................ 125A cadeia de produção na construção .......................136 Organização e segmentação do mercado ...............143Uma releitura da flexibilidade paraa construção .............................................................149

Cap. VI: Comunicação e integração técnicaA questão da comunicação.......................................153O projeto da obra e o projeto do edifício...................158Dispersão e convergência.........................................163Gestão da informação nas edificações .....................168Engenharia simultânea e integração técnica naConstrução................................................................174

Cap. VII:Conclusões e perspectivasNovas estratégias para o setor: a predominância daprodução e a importância da integração técnica ......182Formas organizacionais adequadas à integraçãotécnica.......................................................................185O conceito de “concepção partilhada” ......................190

Bibliografia ..............................................................196

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Índices de Figuras

FIGURA I-1 UNIDADES FINANCIADAS PELO FGTS E SBPE 21FIGURA I-2 FINANCIAMENTOS PARA EDIFICAÇÕES (SBPE E SFH) 22FIGURA I-3 PRODUÇÃO DE IMÓVEIS NO MUNICÍPIODO RIO DE JANEIRO 23FIGURA I-4 PRODUÇÃO NO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO E FINANCIAMENTOS TOTAIS.24FIGURA I-5 PARTICIPAÇÃO DAS EMPRESAS NO MERCADO POR FAIXA DE CAPITAL 31FIGURA I-6 PARTICIPAÇÃO NO MERCADO SEGUNDO O PORTE DO QUADRO TÉCNICO. 32FIGURA I-7 PARTICIPAÇÃO NO MERCADO, POR QUADRO TÉCNICO, EXCLUSIVE OS

PROFISSIONAIS AUTÔNOMOS. 33FIGURA III-1 HEGEMONIAS NAS INOVAÇÕES 101FIGURA V-1 MODELO DE ORGANOGRAMA TÍPICO DA ESTRUTURA HIERÁRQUICA 141FIGURA V-2 ORGANIZAÇÃO MATRICIAL TÍPICA 144FIGURA V-3 RELAÇÃO PROJETOS/EMPRESA -TIPO A 145FIGURA V-4 RELAÇÃO PROJETOS/EMPRESA -TIPO B 146FIGURA V-5 RELAÇÃO PROJETOS/ EMPRESA -TIPO C 146FIGURA V-6 A RELAÇÃO PROJETO - EMPRESA HÍBRIDA 148FIGURA V-7 :ORGANIZAÇÃO POR NÍVEIS DECISÓRIOS SUPERPOSTOS 149FIGURA V-8 UMA ORGANIZAÇÃO HÍBRIDA PROJETO - NÍVEIS HIERÁRQUICOS 151FIGURA V-9 MATRIZ DE RELAÇÕES INTERSETORIAIS DA CONSTRUÇÃO, 153FIGURA V-10 FLUXOGRAMA TÍPICO NA ÁREA DAS EDIFICAÇÕES, MERCADO DE

INCORPORAÇÃO. 156FIGURA V-11 CRONOGRAMA TÍPICO DE EMPREENDIMENTO NO MERCADO DE

INCORPORAÇÃO. 157FIGURA VI-1: ORIGEM DOS PROJETOS NAS CONSTRUTORAS. 177

Índice de tabelas

TABELA I-1 A) PARTICIPAÇÃO DAS EDIFICAÇÕES NA CONSTRUÇÃO. XV16TABELA I-2 SEGMENTOS DE ATUAÇÃO DAS EMPRESAS 20TABELA I-3 PRODUÇÃO DE IMÓVEIS NO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO 24TABELA III-1 NÍVEIS E OBJETIVOS DA INOVAÇÃO 95TABELA IV-1 TAXONOMIA DAS PERDAS NA CONSTRUÇÃO. 127TABELA V-1 INTERFACES NO MERCADO DE EMPREITADA PÚBLICA 160TABELA V-2 INTERFACES NO MERCADO DE EMPREITADA PRIVADA 161TABELA -V-3 INTERFACES NO MERCADO DE INCORPORAÇÃO 162TABELA V-4 INTERFACES NUMA ORGANIZAÇÃO “POR PROJETO” 163TABELA VI-1 FORMAS GENÉRICAS DE COMUNICAÇÃO. 186TABELA VI-2 COMUNICAÇÕES DOCUMENTADAS. 187TABELA VI-3 : INFORMATIZAÇÃO NAS COMUNICAÇÕES 189

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ix

Agradecimentos

Indicar todos que colaboraram para esse trabalho é quase

impossível. Ao longo dos anos, muitos cederam-me

documentos ou dados, leram e comentaram textos,

expressaram opiniões ou, simplesmente, conversamos, às

vezes sem nos darmos conta que ali nascia uma idéia, ou

estava o complemento que faltava à uma parte dos meus

estudos. Outros deram um apoio menos explícito mas, nem

por isso, menos importante: familiares e amigos que

suportaram humores descabidos e períodos de ausência,

colegas que tiveram uma maior carga de trabalho por conta

de meu afastamento e que me viabilizaram um maior

dedicação a essa tarefa. Equivaleria a quase toda minha

lista telefônica !

Mas alguns, pelo valor da contribuição, são muito

importantes. Mesmo correndo o inevitável risco da injustiça,

cito Mário Vidal e Paulo Rodrigues Lima, que me acolheram

fraternalmente em meu retorno à COPPE e orientaram esse

trabalho; Jacotte Bobroff , que não só abriu-me as portas

para um estágio no LATTS-ENPC, na França, como

contribuiu decisivamente para a formulação do trabalho;

Phillipe Zarifian, cujas opiniões deram um novo rumo às

conclusões; Baroni, técnico do CREA que gentilmente

tabulou dados de outro modo inacessíveis; Hélio Contreras,

que teve a paciência de revisar um texto tão pouco poético.

E muitos de meus colegas da Associação Nacional de

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x

Tecnologia do Ambiente Construído, com quem venho

discutindo esse tema desde da fundação da ANTAC.

De todos, destaco aqueles que sofreram a pior carga: a

convivência de alguém pouco disponível, sempre enfurnado

em computadores e montes de papéis. À eles dedico

qualquer valor desse trabalho. À minha esposa e meus

filhos, Márcia , Felipe e Maria.

Introdução

Na construção civil, à semelhança dos outros setores industriais, existe um

contínuo processo de inovação tecnológica. Mesmo que sua velocidade seja

diferenciada e seus impactos menos evidentes, a reformulação dos

processos produtivos e das condições de concorrência repercutem na forma

de organização do setor, nas estratégias empresariais decorrentes e no

conteúdo do trabalho das diversas categorias profissionais que dele

participam.

O objetivo desse trabalho foi estudar as relações entre a tecnologia, as

formas organizacionais e a produtividade na Construção, mais

particularmente no subsetor das edificações, responsável por uma parcela

significativa do produto total e ainda mais importante quanto à absorção de

mão de obra. A importância do subsetor e o processo de reorganização por

que ele passa no momento é descrita no Capítulo I.

Centramos nossas análises na empresa, pois ela é o ponto de passagem

obrigatório para a análise das transformações dos processos de produção e

suas relações de trabalho. Ainda que fortemente sujeita às influências de

aspectos políticos e econômicos mais amplos, a empresa é o palco dessas

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mudanças e o mercado é o seu ambiente de sobrevivência, norteando suas

decisões mas, também, espelhando suas estratégias.

Nossa hipótese central é que no subsetor de edificações da construção civil,

as inovações tecnológicas ocorrem, preferencialmente, através de

mudanças organizacionais e novos insumos, num processo de transferência

de trabalho e valor para seus setores fornecedores, sendo afetadas pela

política tecnológica do Estado e pela extrema variabilidade da produção,

tanto tipológica, como geográfica e volumétrica. Os meios e s instrumentos

para a intervenção estatal nem sempre são evidentes, frequentemente

funcionando por vias indiretas, como descrevemos no Capítulo II.

Recentemente vem diminuindo o papel do Estado e sua influência já não é

mais preponderante, caraterizando-se a força dos instrumentos clássicos de

mercado, o que vem aproximando as estratégias das empresas de

construção daquelas utilizadas em outros setores. Nesse quadro, mais

competitivo, a inovação tecnológica define os contornos de um dos campos

de concorrência, refletindo-se em formas organizacionais mais adequadas

às suas exigências, como abordaremos no Capítulo III.

Essas mudanças organizacionais significam o progressivo abandono de

formas derivadas dos padrões fordistas e do paradigma da indústria

mecânica, inclusive de seus métodos de controle e mensuração da

produção, em troca de um novo modelo de organização que privilegia a

integração técnica e a comunicação. Neste processo, descrito no Capítulo

IV, a progênie da produtividade desloca-se da operação de trabalho para a

eficiência da organização, reforçando o processo de transformação das

estruturas produtivas e enfatizando a necessidade de uma abordagem

integrada de toda a cadeia produtiva das edificações.

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Na sua forma tradicional, a produção dos edifícios passa por uma seqüência

de etapas, cada uma sob responsabilidade e comando diferentes, cabendo

unicamente ao projeto a função de dar um sentido a todos esses esforços.

No quadro que surge, as alterações organizacionais buscam reordenar toda

a cadeia de produção para obter uma melhor produtividade, redistribuindo

as tarefas entre os diversos participantes do processo de produção e

reforçando a importância da etapa de concepção do produto, como

descrevemos no Capítulo V.

Porém a nova organização depende de uma circulação de informações

entre os participantes do processo muito maior que nos sistemas

tradicionais, de modo a viabilizar a implantação de um objetivo comum a

todo o sistema. A questão da comunicação ao longo da cadeia e a busca de

uma integração técnica compõem um elemento central dessa estrutura,

abordado no Capítulo VI.

Finalmente, nas conclusões, procuramos caracterizar as linhas estratégicas

das empresas face ao quadro atual, apresentando algumas alternativas e

analisando seus possíveis desdobramentos, bem como os fatores que

podem vir a alterar a sua dinâmica.

A transformação que descrevemos não é um processo radical, brusco, mas

uma “revolução mansa” que chega devagar e, por isso, não deixa sinais

muito claros do que está por vir. A dificuldade em delinear este movimento

é agravada pela fraqueza dos dados relativos à Construção Civil brasileira.

As classificações usuais do IBGE não permitem realizar um bom

acompanhamento do desempenho do setor, estando muito desatualizadas,

pois seu último trabalho de peso, o Censo da Construção, embora só tenha

sido publicado em 1990, está baseado em levantamentos de 1985. Além

disso, os setores que fornecem insumos e equipamentos para a Construção

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também não dispõem de estatísticas diferenciadas que permitam

estabelecer a qualidade e a quantidade desse intercâmbio.

Finalmente, as estatísticas municipais quanto à licenciamentos e “habite-se”

de obras também são incompletas, não permitindo por exemplo, verificar a

correta distribuição do mercado entre as empresas.

Essas dificuldades nos levaram a procurar bases de dados pouco usuais,

tais como os dados fornecidos pelo CREAA, Conselho Regional de

Engenharia Arquitetura e Agronomia e pelo SINDUSCON RJ, Sindicato da

Indústria da Construção (patronal), enfrentando as diferenças de

metodologia desses levantamentos. Infelizmente a precisão dessas

comparações fica prejudicada e não permite quantificar as relações que

desejávamos, embora possibilitem, a nosso ver, identificar as suas principais

tendências. Para isso frequentemente tomamos o Município do Rio de

Janeiro como exemplo, nos aproveitando do fato que os dados cariocas

estão relativamente mais detalhados e acessíveis que os dados nacionais.

Além destas fontes de informação, incorporamos os resultados de algumas

pesquisas que realizamos anteriormente e observações pessoais ao longo

de um exercício profissional que nos colocou em permanente contato com a

realidade dos canteiros e suas atividades preparatórias, inclusive o projeto,

destacando-se no passado recente, a participação em atividades

patrocinadas por alguns órgãos de classe que nos permitiram ampliar o

contexto das observações.

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: As edificações na Construção

A construção civil articula um grande conjunto industrial, caracterizado por

PROCHNIK 1 como um macrocomplexo econômico, composto pelo setor de

construção propriamente dito e seus fornecedores de materiais e serviços.

Como vimos, incluem-se nele a construção pesada, as edificações, os

fornecedores exclusivos e outros vinculados, também, a setores diversos,

tais como indústrias químicas e metalúrgicas. Entre as áreas que compõem

este macrocomplexo a principal é a construção civil, responsável por 70%

do valor do produto e 80% do emprego.

Há varias maneiras de diferenciar os setores finais da construção:

PROCHNIK, por exemplo, os subdivide em "construção de edificações,

construção pesada, montagem industrial e serviços de construção",

enquanto o IBGE 2 separa ainda a construção pesada em "obras viárias" e

"grandes estruturas" ( basicamente barragens ), além de incluir um setor de

"Serviços para a Construção", constituído por subempreiteiros.

Para nossas análises preferimos agregar estas duas subdivisões da

construção pesada, pois este modo não só reflete melhor a distribuição

efetiva das empresas nos mercados, onde as grandes empreiteiras

dedicam-se indiferentemente a estes tipos de obra, como respeita a

diferenciação apresentada acima. Assim sendo, adotamos apenas dois

grandes sub-setores: edificações e construção pesada, considerando ainda

que os “Serviços da Construção” devem ser enquadrados em cada um

deles, respeitando a sua afinidade de mercado.

1 PROCHNIK, Victor, O macrocomplexo da construção civil, (Texto para discussão no107),

Rio de Janeiro, UFRJ - Instituto de Economia Industrial, 1987,143 p.2 Ver o Censo da Construção, IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, "Censo

da Construção - 1985", Rio de Janeiro, IBGE, 1990

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Entre estes setores finais do macrocomplexo uma grande parcela da mão

de obra absorvida e da produção realizada corresponde ao segmento das

edificações, como vemos nos quadros comparativos (Tabela I-1

Participação das edificações na construção ), elaborados a partir do Censo

da Construção:

Ano Pessoal ocupado Receitas Valor adicionado1980 48% 42% 41%1985 30% 22% 20%

Tabela 0-A a) Participação das edificações na construção.

Ano Pessoal ocupado Receitas Valor adicionado1980 59% 50% 49%1985 38% 27% 24%

Tabela I.1.b) Participação das edificações no setor de obras (exclusive serviços)Fonte: Censo da Construção, IBGE, 1990

A nosso ver a subdivisão "Serviços da Construção" indicado pelo Censo da

Construção reduz indevidamente a importância das Edificações, já que

estes serviços, por incluírem as subempreitadas, atendem, também, as

próprias Edificações, ou seja, eles são parte integrante da produção do

setor. Por isto a avaliação da importância das edificações, respeitando-se a

classificação do IBGE, será mais adequada se compararmos o “Setor de

Obras” com o de “Edificações” e não com a “Construção” em geral.

Neste caso, as edificações correspondem a cerca da metade do setor de

obras em termos de receita e a quase 2/3 quanto a de absorção de

pessoal. A desproporção entre pessoal e receita revela sua menor

produtividade, no sentido econômico do termo, face à Construção Pesada.

Nesta tabela também podemos observar que no período analisado as

perdas dos valores adicionados (-25%) foram relativamente maiores que a

diminuição de pessoal (-21%), ou seja, a produtividade nas edificações

distanciou-se ainda mais dos índices da construção pesada. Isso é um

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indicativo de que o seu progresso técnico foi mais lento que no outro sub-

setor.

A segmentação do mercado

Embora a tecnologia básica em todo o sub-setor das edificações seja

bastante semelhante, inclusive quanto aos seus processos de trabalho, o

mesmo não acontece com as formas de organização e as estratégias

empresariais: verifica-se uma diferenciação que corresponde à

segmentação do mercado. Podemos distinguir que em alguns destes

segmentos estes aspectos estão mais vinculados à questão fundiária,

enquanto em outros as formas de contratação são mais importantes

Desde o final da década de 70 diversos autores3 apresentaram a divisão do

mercado da Construção em “formal” e “informal”, sendo este último

constituído pelas construções realizadas sem os trâmites oficiais, ou seja,

basicamente, em favelas e loteamentos irregulares, fosse por

autoconstrução ou não.

Pela sua própria característica marginal a produção deste segmento nunca

pode ser mensurada de modo preciso mas todos estes autores destacam

sua importância não só por ser a forma majoritária de atendimento da

demanda de baixa renda como por atingir um volume total em área e

3 A lista é extensa mas destacamos: LIMA, Maria Helena Beozzo, “Em busca da casa

própria: autoconstrução na periferia do Rio de Janeiro”, in. VALADARES, Licia, Habitaçãoem Questão, Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1980; MASCARÓ, Juan Luis e Lucia R. deMASCARÓ, A construção na economia Nacional, Ed. PINI, SP, 1980; JACOBI, Pedro,“Autoconstrução: mitos e contradições”, Espaços e Debates, ano 1 No: 3, set. 1981, CortezEditora; VALADARES, Licia, Repensando a Habitação no Brasil, Zahar Editores, Rio deJaneiro, 1982; AZEVEDO, Sérgio, Habitação e poder, Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1982; TREIGER, Bertha e BINS, Patrícia Grillo, “Dos conjuntos Habitacionais à rua”, in Morarna Metrópole, Iplan Rio, Rio de Janeiro, 1988. Além destes trabalhos lembramos tambémdos autores Carlos Nelson Ferreira dos Santos, Raquel Rolnik, Nabil Bonduki que emdiversas ocasiões manifestaram-se a respeito.

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número de unidades significativo: há um certo consenso que este mercado

seria responsável por cerca da metade dos domicílios urbanos, atingindo até

80% nas faixas de baixa renda, embora em valor global da produção sua

parcela seja seguramente muito inferior.

Mesmo que desde então continue à margem das estatísticas nada nos leva

a crer na redução de sua importância relativa, ao contrário, visivelmente há

um crescimento das ocupações informais, apesar de alguns esforços das

municipalidades em regularizar esta produção. Aparentemente os custos

decorrentes da legalização mantém a população pouco interessada e

quando ela ocorre costuma ser posterior à obra, atingindo apenas o imóvel e

não a fase de execução.

Além da ausência de dados estatísticos a dispersão, a variabilidade e a

multiplicidade dos agentes produtores também dificultam a análise do setor

informal. Com efeito ele engloba um universo que vai desde o

autoconstrutor até verdadeiras “empresas” totalmente à margem da lei,

atuando inclusive no parcelamento da terra.

Já a parcela “formal” das edificações se organiza em torno de mercados

bem definidos:

• A incorporação privada de edifícios, onde podemos identificar dois

segmentos distintos, um voltado para a habitação de classe média

e alta, outro para os imóveis comerciais;

• A construção de imóveis para terceiros, em geral de uso

administrativo, comercial ou industrial, um mercado caracterizado

como “empreitada para cliente privado”;

• As edificação de uso público, sejam de habitação ou para outros

usos.

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Existe uma certa especialização das empresas em um ou dois segmentos

do mercados. Por exemplo, a partir da observação de suas obras usuais

podemos afirmar que existe uma forte especialização das empresas que

operam no mercado privado de incorporação, com algumas poucas

operando também no mercado privado de empreitada e, muito mais

raramente, no mercado público, nesse caso em disputa com as grandes

empreiteiras.

Entretanto as estatísticas disponíveis 4 não permitem diferenciar esta

segmentação, de modo que não podemos realizar uma quantificação que

reflita a importância relativa de cada parcela ou relacionar suas

caracterísitcas por segmento, tal como porte ou capital. A Tabela I-2

Segmentos de atuação das empresas”, resume a divisão usual das

empresas por tipo de mercado.

Tipo de empresa Segmento mercadoObraspesadas

Edifíciospúblicos

Empreit.edif. priv.

Incorpor.de edif

Grandes empreiteirosConstrut. especializadosConstrut. incorporadores

Presença esporádica

Presença freqüente

Tabela 0-B Segmentos de atuação das empresas 4 Além do IBGE as outras fontes usuais são o SINDUSCON RJ- Sindicato da Indústria da

Construção Civil no Estado do Rio de Janeiro (patronal), a ADEMI - Associação deDirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário, as prefeituras, através de seusdepartamentos de edificações e , finalmente, o CREAA, Conselho Regional de EngenhariaArquitetura e Agrtonomia. Cada um destes sistemas levanta dados sobre seu campo deatuação, nem sempre comparáveis.

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No segmento do mercado de empreitadas privadas as formas de

contratação são bastante semelhantes, baseadas em preços por

“empreitada” de preço global ou custos unitários, há empresas que operam

em ambos.

Encontramos também algumas grandes empreiteiras atuando no mercado

de edifícios públicos mas é significativo que quando elas decidem investir

no mercado de incorporação privada o fazem através de subsidiárias

totalmente independentes, organizadas de modo diverso da empresa

principal.

Esta constatação reforça a hipótese de dependência entre a forma

organizacional da empresa ( e, consequentemente, seus modos de

operação) e os seus resultados em cada segmento do mercado. Evidencia

também uma certa rigidez destas organizações, incapazes de se adaptarem

às exigências diferentes destes mercados, tema que desenvolveremos ao

analisarmos a questão da flexibilidade da produção na Construção.

Além da forma organizacional também a estratégia da empresa depende do

segmento de mercado, correspondendo a cada conjugação uma

formulação ideal para sua estrutura e suas práticas. No caso do mercado de

incorporação e construção ela estaria profundamente vinculada à questão

fundiária, como o demonstraram os estudos de VARGAS5 , enquanto nos

outros as etapas de captação de serviços e da execução propriamente dita

são primordiais.

Neste caso a dinâmica do setor como um todo estaria vinculada ao peso

relativo que cada segmento tem sobre a demanda. Embora, de novo, a falta

5 VARGAS, Nilton, “Organização de trabalho e capital - um estudo da construção

habitacional”, Tese de mestrado em Engenharia de Produção, COPPE UFRJ, Rio deJaneiro, 1979, 142p.

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xx

de estatísticas impeça uma quantificação precisa deste, podemos

acompanhá-lo de modo indireto através das disponibilidades de

financiamento e investimento e compará-las à produção de imóveis.

-50.000

100.000150.000200.000250.000300.000350.000

1980

1981

1982

1983

1984

1985

1986

1987

1988

1989

1990

FGTSSBPE

Unidades:

Figura 0-A Unidades financiadas pelo FGTS e SBPEFonte: BNH (até 1984); ABECIP (1985 para FGTS e 1985 a 1990 para SBPE); CEF (1986 a1990 para FGTS)

A partir de meados dos anos 80 ocorreu uma virtual falência dos

investimentos na área da habitação popular, como indica a Figura I-1, que

representa a produção financiada pelo FGTS e SBPE (Sistema Brasileiro de

Poupança e Empréstimo, que administra os recursos das cadernetas de

poupança). Já o gráfico da Figura I-2 indica que a disponibilidade de

financiamentos aumentou até 1988 e a aprtir daí decresceu violentamente,

apesar de um pico em 1991. Esse investimento pontual seria ocasionado

por uma série de obras inicadas no governo Collor mas que, segundo fontes

internas da CEF, nunca teriam sido terminadas.

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xxi

F in a n c ia m e n to s (U S $ m i lh a re s)

5 9 .6 5 71 0 2 .6 6 2

2 3 1 .2 3 22 8 1 .0 8 3

9 9 .7 0 6

2 3 7 .6 1 0

4 0 0 .7 6 9

1 0 8 .6 6 05 7 .9 6 4

2 2 .80

5 0 .0 0 01 0 0 .0 0 01 5 0 .0 0 02 0 0 .0 0 02 5 0 .0 0 03 0 0 .0 0 03 5 0 .0 0 04 0 0 .0 0 04 5 0 .0 0 0

1 9 8 5 1 9 8 7 1 9 8 9 1 9 9 1 1 9 9 3

Figura 0-B Financiamentos para edificações (SBPE e SFH)Fonte: ABECIP, ADEMI, BNH, in O GLOBO, 23 de março de 1994

Podemos observar que não há uma relação direta entre o nível de

financiamento federal e a produção efetiva, o que significa que a origem dos

recursos tem variado, bem como a importância do da participação do Estado

também. Após um longo período de ajuste, a relação entre recursos

próprios das construtoras e financiamento oficial, que segundo fontes do

mercado anteriormente seria em torno de 30% e 70%, respectivamente,

inverte-se, passando os primeiros a serem largamente majoritários.

Este movimento corresponde a uma retomada do crescimento da produção

sinalizada a partir de 1992 e que, desde então, tem se mantido constante. A

Figura I-3 Produção de imóveis no Municípiodo Rio de Janeiro”, embora

restrito a este Município, indica a produção total em m2 , espelha esta

tendência. Note-se que se o pico de investimentos de 1991 fosse

concretizado o aumento da produção nos anos seguintes deveria ser

proporcionalmente maior, dada a decalagem entre o início das obras e a sua

entrega. A esse respeito devemos considerar também que a produção

levantada pelo SINDUSCON e pela ADEMI baseia-se nos “habite-se”

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xxii

concedidos, mas as obras oficiais de habitação popular, por serem

frequentemente realizadas em terrenos sem regularização fundiária,

raramente recebem esse documento.

Produção de imóveis no Rio de Janeiro

0500.000

1.000.0001.500.0002.000.0002.500.0003.000.0003.500.000

1980

1981

1982

1983

1984

1985

1986

1987

1988

1989

1990

1991

1992

1993

m2

Figura 0-C Produção de imóveis no Municípiodo Rio de JaneiroFontes: ADEMI, IDEG e SINDUSCON RJ.

Na Tabela I-3, Produção de Imóveis no Município do Rio de Janeiro, essa

produção é detalhada, separando-se as áreas licenciadas por obra . Na

verdade, elas representam apenas uma intenção de construir e estão

sujeitas a movimentos especulativos e de defesa do incorporador, como os

decorrentes de possíveis alterações na legislação que possam vir a diminuir

o potencial de aproveitamento do terreno. A produção efetiva é

representada pelos “habite-se”, total de imóveis que recebem a licença para

ocupação. Destaca-se a importância das edificações residenciais, que

respondem por cerca de 73% do total, percebendo-se um leve tendência de

crescimento nesta proporção nos últimos anos.

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xxiii

Área licenciada (m2) Área de "habite-se" (m2)

AnoImóveis residenciais

Total de imóveis

Imóveis residenciais

Total de imóveis

Resid/ total (%)

1980 4.414.173 5.941.037 2.103.634 2.997.670 70,181981 4.527.454 5.783.460 1.902.553 2.661.806 71,481982 4.913.640 6.175.101 2.302.141 3.432.998 67,061983 4.482.507 5.709.347 2.361.123 3.071.137 76,881984 2.021.092 2.488.915 2.494.954 3.027.108 82,421985 1.775.112 2.478.858 1.718.785 2.498.826 68,781986 2.450.201 2.953.508 1.063.779 1.571.313 67,701987 2.280.065 2.936.124 936.312 1.241.484 75,421988 1.788.646 2.264.942 1.108.043 1.433.937 77,271989 2.440.531 3.172.079 1.258.454 1.624.224 77,481990 2.351.007 3.330.237 993.891 1.319.986 75,301991 2.035.849 2.693.878 727.898 891.675 81,631992 2.185.005 3.043.533 780.465 1.067.206 73,131993 1.731.568 2.627.034 1.164.687 1.493.828 77,97

Tabela 0-C Produção de Imóveis no Município do Rio de JaneiroFonte: ADEMI ,IDEG, SINDUSCON RJ

A comparação entre as disponibilidades de financiamento e a produção

efetiva no Rio de Janeiro na Figura corrobara a hipótese de que a

participação relativa do capital sob controle do Estado diminui, pelos menos

quanto às obras realizadas neste município, pois, apesar da oferta

substancialmente maior em 1991 o volume de obras nos anos seguintes não

cresceu na mesma proporção. Ou seja, não há uma ligação direta entre uma

maior disponibilidade financeira em nível nacional e a produção local, ainda

que algum efeito positivo lhe possa ser atribuído.

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xxiv

247.886

295.351 293.612

226.494

317.208333.024

269.388

304.353

262.703

0

50.000

100.000

150.000

200.000

250.000

300.000

350.000

400.000

450.000

1985

1986

1987

1988

1989

1990

1991

1992

1993

Financ. em US$milharesV ol. Prod. emdezenas de m2

Figura 0-D Produção No Município do Rio de Janeiro e financiamentostotais.Obs.: A produção foi baseada no total de “habite-se” e está representada em dezenas de m2

para facilitar a visualização.Fontes: ver Figura I.3 e Tabela I-3 Produção de Imóveis no Município do Rio de Janeiro

A predominância de um “estratégia imobiliária” nas empresas.

A grande participação das edificações residenciais neste total (ver Tabela I-

3) realça ainda mais a importância da valorização daqueles atributos dos

produtos vinculados ao lote na formulação da estratégia das empresas. Com

efeito é enorme o impacto na valoração dos produtos dos fatores

localização, orientação, acessibilidade a serviços e outros atrativos

“geográficos” que podemos designar de “atributos fundiários” do produto.

Embora ele também esteja presente nos imóveis comerciais e industriais

nestes ela não chega a extremos tais como refletir no preço de venda

pequenas diferenças de posição das unidades em um mesmo imóvel,

comuns no caso de prédios multifamiliares, onde algumas características

do apartamento, tais como ser ou não voltado para o mar, ter vista, estar em

andar alto ou não, provocam uma forte diferenciação de produto refletida em

diferenças de preço às vezes muito elevadas, mesmo se a planta baixa, ou

seja o “desenho do produto” seja exatamente o mesmo.

Page 25: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

xxv

A extrema individualidade do produto decorre dessa dependência em

relação à localização e repercute sobre as estratégias de conformação do

produto das empresas, que passam a ser modeladas não apenas por

condicionantes mercadológicas e exigências de desempenho mas, também,

por uma “estratégia imobiliária”, que venha a possibilitar rendas

monopolísticas vinculadas a estes “atributos fundiários”.

Nos setores industriais mais modernos, essa possibilidade de exploração

monopolística, ainda que transitória, vincula-se à capacidade de apresentar

produtos inovadores que atendam a demandas até então inexistentes ou

inatendidas e, às vezes, isso chega a ser uma vantagem decisiva para o

sucesso da empresa. Mas, nas edificações, os ganhos de “ser o primeiro no

mercado” raramente são totalmente absorvidos pelo empreendedor direto,

pois, ao mesmo tempo, há um movimento inverso de dispersão de

benefícios. Na verdade, os maiores dividendos derivados da abertura de um

“novo mercado” são decorrencia da sobrevalorização dos terrenos vizinhos,

pouco importando se pertencem ou não ao mesmo proprietário.

Mesmo no caso de inovações de produto, como um novo tipo de

apartamento, com novos equipamentos agregados, tais como, por exemplo,

os chamados “edifícios inteligentes”, eles estarão sempre associados à uma

localização e, a médio e longo prazo, uma parte importante dos possíveis

ganhos diferenciais da inovação vai se transferir para o entorno imediato, ao

invés de serem integralmente absorvidos pela empresa responsável pelo

investimento inicial.

Essa peculiaridade tem origem nas sistemáticas de avaliação dos imóveis

que, refletindo uma lógica dos consumidores, considera os valores médios

dos imóveis de uma região como um dos fatores para estabelecer o seu

preço. Desse modo, ao estabelecer um patamar de preço médio por m2

Page 26: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

xxvi

mais elevado para a sua vizinhança o novo produto termina por beneficiar

essas áreas contíguas.

Somente se for possível a repetição destes produtos na mesma vizinhança

a empresa pioneira poderá ter um retorno “mais exclusivo” da inovação

proposta. Mas, como para isto é necessário a compra de grandes extensões

de terreno, essa estratégia é limitada, seja pelos seus custos, seja pela

disponibilidade de lotes. Apesar dessas dificuldades, podemos identificar

este comportamento no proprietário que estoca uma parcela do terreno

para aguardar os resultados da comercialização da primeira parte das

unidades, situação comum em alguns lançamentos na Zona Sul do Rio de

Janeiro.

Como resultado desta extrema individualidade dos produtos, a Construção

já foi chamada de “indústria de protótipos” 6 e o contexto da concorrência

entre empresas desenvolve-se de modo diferente dos setores de “produção

em massa”, tais como eletroeletrônicos ou automóveis. Nestes,

caracterizados como “setores de produção modernos”, ao menos nos países

mais desenvolvidos, segundo VELTZ e ZARIFIAN7, a competição atual

ocorre em três dimensões: na variedade (dos produtos) , nos prazos (para

entrega ou de pedidos ou lançamentos de novos produtos) e na inovação (

como um processo contínuo de domínio de mercados emergentes e na

renovação de antigos).

Esses três aspectos se interligam na exigência de uma maior flexibilidade da

estrutura produtiva para que ela seja capaz de fornecer os produtos em

6 GALLON, Elie,” Du “juste temps “au “juste a temps” “, in Travail et productivité dans le

Bâtiment, Rapport du Seminaire, Plan Construction, Paris, s.d.7 VELTZ, Pierre; ZARIFIAN, Philipe, “Modèle systemique et flexibilité”, texto interno LATTS

ENPC, Paris, 1993. Ver também “Vers une sociologie de l’organisation industrielle: unitinnéraire de recherche” Rapport pour l’habilitation à diriger des rechcerches, UniversitéParis X, Nanterre, 1992

Page 27: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

xxvii

conformidade com os desejos dos consumidores, o mais rápido possível,

para usufruir as vantagens de um período hegemônico neste mercado.

Porém, na Construção, a variedade é imbricada à localização e a

flexibilidade da estrutura produtiva vai depender de sua capacidade de atuar

em diversas localidades e, como veremos adiante, em mercados diversos.

Também os processos de inovação, que detalharemos mais tarde, tomam

características próprias, deslocando-se dos produtos para os processos, não

só pela vinculação dos primeiros à questão da localização, como pelo

pequeno controle da gerência sobre a habilidade dos operários.

Já no que diz respeito à concorrência na dimensão dos prazos, enquanto na

indústria de produção em massa eles se traduzem pela busca de redução

do período de desenvolvimento de produtos, incluindo-se as etapas de

produção e oferta inicial, nas edificações ela se limita à redução da etapa de

projeto até a comercialização, minimizando o risco comercial.

Neste aspecto interfere uma caraterística brasileira peculiar, ainda que

conjuntural, que são os custos absurdamente altos dos empréstimos para

produção e que levam as empresas a preferirem executar as obras na

medida das suas disponibilidades financeiras, sejam próprias ou dos

clientes, evitando o endividamento. Resultam prazos de execução que nem

sempre correspondem aos ideais de eficiência técnica na aplicação dos

recursos.

Com efeito, na situação atual do mercado, sem fontes importantes de

financiamento, a questão dos prazos apresenta-se de modo invertido em

relação à indústria em geral: quanto maiores, melhor, pois será mais fácil

adequar os desembolsos à capacidade financeira do cliente. Um exemplo

são os “Planos 100”, onde a construção chega a se prolongar por 36

meses, com financiamentos estendendo-se até 100 meses. Outra tática

Page 28: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

xxviii

comercial é vender o produto “na planta”, só iniciando a execução após um

período de “capitalização” em torno de 6 meses, durante o qual os clientes

completam um valor pré-definido.

Somente nos mercados de empreitadas privadas e de prédios comerciais é

que a lógica da busca de redução de prazos de execução assemelha-se ao

quadro geral da indústria, ainda que com restrições localizadas. Neles o

produto não é um bem de consumo durável mas sim um investimento de

capital fixo, com retornos potenciais às vezes elevados que justificam uma

inversão rápida.

Quadro atual: a reorganização das empresas

Já em 1987 PROCHNIK8 previra que a Construção Civil deveria passar por

uma reorganização, segundo ele, buscando uma maior mecanização ,

apontando como motivos para esse movimento a escassez relativa de

alguns produtos, maiores exigências dos consumidores e a competição

entre empresas. Embora nem todos esses prognósticos tenham se

realizado, as mudanças que apontamos levaram efetivamente a um

reordenamento das estruturas do setor.

Entretanto, a caracterização precisa dos movimentos de reorganização das

empresas é bastante difícil, devido a ausência de estatísticas que reflitam

suas mudanças. Uma das poucas séries de dados confiáveis é fornecida

pelo CREAA - Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia,

através de seu cadastro geral, atualizado anualmente e de seus registros de

ART - Anotação de Responsabilidade Técnica.

Apesar de suas limitações que não permitem, por exemplo, comparar

diretamente os dados dessa fonte com outras bases de dados, pois são

Page 29: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

xxix

elaborados a partir de critérios diferentes, desde 1986 este sistema tem

seguido uma metodologia bastante homogênea, entre outros motivos devido

a uma série de convênios com os municípios que obrigaram a apresentação

da ART para a obtenção das licenças de obra. Ainda que este universo não

corresponda a todas as obras de edificações, pelo menos no caso do

Município do Rio de Janeiro, ele reflete uma parcela majoritária da produção

legalizada e, dentro de seus limites, deve indicar as tendências dentro da

amostra.

Como através das informações da ART é possível selecionar os registros

por tipo de obra e por endereço, cruzando-os com os dados do cadastro da

mesma empresa, chegamos a ter um quadro da movimentação das

empresas no período 86 a 93.

A primeira tentativa de caraterizar a distribuição das empresas é relacionar o

capital registrado e a sua participação no mercado, considerando-se o

volume de produção, expresso em m2 de obra, e não o valor. Desse modo

evitaríamos os desvios causados pela valorização desigual da terra e da

sofisticação relativa dos imóveis de luxo. É uma metodologia comum na

indústria automobilística, onde a participação de cada uma no mercado é

definida pelo número de unidades e não pelo valor de vendas. Para manter

a homogeneidade, cruzamos os dados unicamente da ART, ou seja, não

consideramos os dados de produção da ADEMI apresentados na Tabela I-3

Produção de Imóveis no Município do Rio de Janeiro. Embora a ART tenha

uma relação direta com os pedidos de licenciamento, na verdade ela reflete

um universo de projeto mais amplo, pois nem todos os serviços chegam a

ser licenciados.

8 PROCHNIK, opus cit., pág 114

Page 30: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

xxx

O resultado está expresso na Figura I-5 Participação das empresas no

mercado por faixa de capital, onde verificamos uma variação aparentemente

contrária a qualquer lógica que vincule mercado ao porte da empresa.

Ocorre que na Construção, em particular nas edificações, o conceito de

porte da empresa não se liga forçosamente à faixa de capital, pois há casos

em que ele é relativamente baixo, mas a empresa tem muitos empregados.

P a rt ic ip a ç ã o n o m e rc a d o

0 ,0 0 %

1 0 ,0 0 %

2 0 ,0 0 %

3 0 ,0 0 %

4 0 ,0 0 %

5 0 ,0 0 %

6 0 ,0 0 %

7 0 ,0 0 %

8 0 ,0 0 %

9 0 ,0 0 %

1 9 8 6 1 9 8 7 1 9 8 8 1 9 8 9 1 9 9 0 1 9 9 1 1 9 9 2 1 9 9 3

3 0 .0 0 0

1 3 0 .0 0 0

2 7 0 .0 0 0

1 .3 0 0 .0 0 0

2 .7 0 0 .0 0 0

5 .3 0 0 .0 0 0

> 5 3 0 0 0 0 0

F a ix a d e c a p it a l:

Figura 0-E Participação das empresas no mercado por faixa de capitalFonte: CREAAObs.: Capital indicado em UFIR. Uma UFIR equivalia, em nov. de 1994, a US$0,76.

Para conceituar o melhor indicador do “porte”, devemos considerar dois

aspectos do setor. Em primeiro, que há construtoras que operam

majoritariamente com capital de terceiros, sejam investidores, consumidores

ou uma instituição de financiamento. Além disso, é grande a participação de

subempreiteiros e pessoal contratado informalmente (sem carteira) ou de

outros modos indiretos, o que distorce a classificação por número de

empregados. Desse modo, julgamos mais representativo do porte das

estruturas das empresas o número de profissionais (engenheiros e

arquitetos) no quadro técnico. Com efeito, ao cruzarmos o tamanho do

quadro técnico com o volume registrado de obras ele resulta em padrões de

Page 31: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

xxxi

comportamento mais racional, como mostra a Figura I-6 Participação no

mercado segundo o porte do quadro técnico.

%Mercado por quadro técnico, inclusive autônomos

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993

<5

<15

<50

>50

Autonom.

Numero de prof. técnicos:

Figura 0-F Participação no mercado segundo o porte do quadrotécnico.Fonte: CREAA

Verifica-se neste gráfico que as empresas de mais de 50 profissionais

técnicos (engenheiros ou arquitetos) , após um pico em 1988, apresentaram

uma constante tendência de queda, até virtualmente desaparecer em 1993.

Já as empresas de até 5 técnicos crescem entre 1987 e 1990, começando a

perder mercado quando os autônomos aumentam sua fatia., provavelmente

indicando uma tendência a uma certa “informalização” . Já o

comportamento das empresas dos segmentos de até 15 e de até 50

profissionais é mais estável, com variações pequenas que não podemos

caraterizar de modo mais preciso.

Esse gráfico considera o mercado total, inclusive a parcela executada por

profissionais autônomos. Se excluirmos essa parte, a divisão altera-se um

pouco, como demonstra a figura 0-g, mas torna ainda mais nítidos alguns

dos aspectos indicados.

Page 32: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

xxxii

Mercado de empresas - divisão por quadro técnico

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993

<5<15<50>50

Figura 0-G Participação no mercado, por quadro técnico, exclusive osprofissionais autônomos.

Fonte: CREAA

A queda da participação das “grandes empresas” coincide com a queda na

disponibilidade de financiamentos (ver gráfico I.1) e o seu pico relativo em

1991 e 1992 pode ser vinculado exatamente à disponibilidade momentânea

de financiamentos em 1991, uma vez que os seus efeitos em geral

prolongam-se no ano seguinte. Aparentemente, ao término das obras

contratadas por estas grandes empresas, a sua penetração no mercado

teria se reduzido drasticamente.

Já a parcela das empresas de até 5 profissionais técnicos cresce, ou seja,

além de ter havido uma certa informalização do mercado as empresas

restantes também diminuíram, ocorrendo um maior número de empresas

com menor quadro técnico, responsáveis por uma parcela crescente do

mercado “formal”. Finalmente, as empresas dos segmentos “até 15” e “até

50” parecem ser mais estáveis, o que pode significar uma menor

dependência de fatores externos.

Page 33: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

xxxiii

O conjunto dessas informações permite assegurar que passamos por

mudanças importantes no período de 1987 a 1990, consolidando-se a partir

daí uma nova situação de mercado, quando diminuem as alterações

relativas, provavelmente em conseqüência da menor intervenção do Estado,

sempre sujeita a variações súbitas, por exigências políticas e que

detalheremos no capítulo seguinte.

O esgotamento do modelo de financiamento largamente baseado em fundos

públicos foi, a nosso ver, o principal fator para um movimento de

reorganização de suas relações internas e externas, nas empresas mais

dinâmicas do mercado, visando a maximizar seus ganhos através de um

controle mais eficaz de todo o processo de produção, anteriormente muito

segmentado. Outros aspectos, que abordaremos adiante, também

contribuem para consolidar essa tendência.

Esta estratégia é comparável em suas grandes linhas à de construtoras

européias, em passado recente, mas fica condicionada pelas

particularidades do mercado e condições de tecnologia e de mercado de

trabalho no Brasil, que desenvolveremos a seguir.

O sucesso dessas empresas pioneiras pode ser expresso pelo crescimento

de sua presença no mercado e pelos seguidos prêmios empresariais, tais

como “Melhor empresa do Ano”, concedido a algumas delas pela crítica

especializada.

Cap.II: Tecnologia e Construção

“Tecnologia da construção é algo tão

comum que se colocarmos uma placa no

meio da selva amazônica oferecendo

Page 34: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

xxxiv

emprego de pedreiro sempre vai aparecer

algum.”

(Engenheiro de obra, anônimo)

A tecnologia da Construção

“Saber construir” é um conceito tão difuso quanto a própria Construção.

Talvez por isso a afirmativa de um engenheiro de obra, travestido de “peão”

pela lida diária em um contexto embrutecido, não cause estranheza a

ninguém: ao expressá-la, em uma reunião sindical, não houve contestação.

Mas se à amplitude geográfica da dispersão desta tecnologia correspondem

conceitos elásticos do termo, a prática termina por restringi-los a visões

localizadas, ora no campo dos materiais, ora no dos procedimentos para a

execução, mais raramente na administração e organização do trabalho.

Talvez a associação mais freqüente seja de Tecnologia da Construção a

materiais e estruturas: concreto, impermeabilizantes, coberturas e

revestimentos são os temas usuais dos textos nela indexados. Autores

clássicos neste domínio, como Gérard BLACHÈRE9, incorrem nesta

limitação em vários textos, resumindo essa área à questão dos materiais de

construção e dos processos de execução, deixando de lado o que Ruy

GAMA10 chamou, apropriadamente, de “tecnologia do trabalho”. Junto com

as tecnologias do objeto do trabalho, dos meios do trabalho e a tecnologia

básica, elas comporiam a “ciência do trabalho produtivo”.

Este conceito, mais amplo que as traduções correntes do termo inglês

technology cujos significados variam segundo o contexto em que ele é

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xxxv

aplicado, adequa-se muito bem à Construção, mais particularmente às

edificações, onde o trabalho humano ainda é preponderante e pouco

decodificado em normas e procedimentos de serviço, com uma grande parte

do conhecimento necessário à execução das tarefas ainda sob domínio

exclusivo dos operários. Mesmo que esta predominância tenda a ser

ultrapassada, o fato de até agora não existir um controle estrito da técnica

de execução, largamente dependente da habilidade dos trabalhadores, tem

limitado as formas de organização do trabalho nos canteiros, tecendo uma

imbricação profunda entre elas e as alternativas de meios de trabalho.

Esta dependência de um “saber operário”, ainda que ele se apresente como

uma habilidade ou destreza, é um dos fatores que caracteriza os dois sub-

setores em que a Construção costuma ser dividida: as edificações e as

obras pesadas, tais como estradas, barragens, pontes etc. . Nestas a

mecanização já se impôs e através dela se configura um controle do

trabalho mais eficaz, tanto assim que o planejamento nas obras pesadas

utiliza mais freqüentemente a unidade de hora-máquina que o homem-hora,

essa ainda a medida básica nos canteiros de edifícios.

A diferenciação nas estratégias empresariais e formas de organização

nestes sub-setores respeita esta característica, resultando lógicas

específicas para cada um deles, apesar da tecnologia dos materiais e dos

meios de trabalho pouco diferirem. Deste modo, no sub-setor de “obras

pesadas” podemos identificar sistemas “mais industrializados”,

correspondendo à maior mecanização, enquanto nas edificações a maior

dependência do trabalho humano enfatiza a questão organizacional.

9 Entre outros textos deste autor ver Savoir Bâtir ... ; e Tecnologías de la Construction

Industrializada, Col.” Tecnología e Arquitetura”, Ed. Gustavo Gili, Barcelona, 197710 GAMA, Ruy, “A Tecnologia em Questão”, Revista USP, vol. 7, set./out./nov. 1990, pag. 43

a 48

Page 36: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

xxxvi

A segunda grande diferença entre estes sub-setores é a importância de

seu “insumo básico”, o local da obra. Enquanto nas obras pesadas ele é

sobretudo uma situação geográfica, não implicando em rendas agregadas

potenciais, nas edificações o lote, com suas características e benefícios

intrínsecos, joga um papel fundamental na valorização e diferenciação do

produto, que se reflete nas estratégias e na organização das empresas.

Conjugados, a dependência do saber operário e a importância da “lógica

fundiária” na estratégia das empresas vão compor a especificidade das

edificações face a outros setores industriais, que faz com que técnicas

intensificadoras da qualidade e produtividade neles desenvolvidas não

possam ser facilmente transpostas.

O desenvolvimento técnico da construção

Apesar de sua importância na economia o sub-setor de edificações

freqüentemente é apresentado como uma área tecnologicamente "atrasada"

. É uma assertiva tão comum que há freqüentes reportagens fora dos meios

acadêmicos que ressaltam os seus desperdícios crônicos de materiais e

mão de obra, onde a imagem de que “a cada três andares joga-se fora um”

tem sido explorada à exaustão nos jornais e televisões. Aparentemente esta

proporção é uma abordagem simplista e redutora dos estudos de Tarcísio

de Paula PINTO11 , onde ele demonstra que em determinadas fases da obra

o volume de entulho gerado corresponde a cerca de 1/3 do volume do

material empregado.

Uma má compreensão dos processos produtivos levou a uma generalização

dessa abordagem pelos meios de comunicação, passando uma imagem

11 PINTO, Tarcísio de Paula “Utilização de resíduos de construção -Estudo em

argamassas”. Dissertação de mestrado EESC/USP

Page 37: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

xxxvii

negativa para a Construção. Como veremos, ainda que ela não seja

desprovida de fundamento, a competição entre os diferentes setores da

economia não permite que um deles distancie-se demasiado dos demais.

Tampouco as discrepâncias entre este setor e os demais segmentos

industriais são uma exclusividade brasileira.

Uma das formas de aferir o grau de desenvolvimento de um setor tem sido a

comparação de seus índices de produtividade, em termos estritamente

econômicos 12 representado pela relação do valor adicionado e número de

empregados, com a média geral. PROCHNIK13 observa que esta não é

uma característica única do Brasil, citando estudos que demonstram que

também nos Estados Unidos há uma sensível diferença na produtividade

deste setor comparativamente aos demais. Do mesmo modo MARGIRIER14

constata que em quatro países europeus a Construção apresenta um

desempenho de 8% (no Reino Unido) a 19% (na Itália) abaixo da média

geral da indústria.

Estas comparações devem se tomadas com o devido cuidado, evitando-se

comparações cruzadas entre países, pois as metodologias de mensuração e

as realidades das condições de trabalho diferem bastantes e podem induzir

a comparações incorretas: por exemplo, uma carga horária de trabalho

desigual leva a índices gerais de produtividade muito discrepantes. De

qualquer forma os diferentes estudos apontam para uma mesma direção:

12 Nos referimos aqui à medida geral de produtividade, expressa pela relação do valor

adicionado a produção e quantidade de trabalhadores, Ver BACHA, Edmar L. , "Empregoe salários na indústria de transformação", 1949/1969, in 25 anos de PesquisaEconômica, IPEA, Rio de Janeiro, 1988, e SABÓIA, João, "Salário e produtividade naindústria brasileira, os efeitos da política salarial no longo prazo", Pesquisa ePlanejamento Econômica, vol. 20, no3 , IPEA, Rio de Janeiro, dezembro de 1990.

13 PROCHINIK, opus cit , pag. 98 a 10114 MARGIRIER, Gilles, “Le Secteur du Bâtiment et des travaux publics dans la crise:

comparaison entre France, RFA, Italie, Royaume-Uni”, pág 82 in Europe et Chantiers,Actes du Colloque, Plan Construction, Paris, 1988, pág 57 a 137.

Page 38: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

xxxviii

que a Construção, efetivamente, teria uma menor eficiência no

aproveitamento do trabalho que a média das demais indústrias.

MARGIRIER levanta a hipótese que esta desvantagem tem sido

compensada por uma elevação de preços no setor mais rápida que na

indústria, de maneira a garantir uma rentabilidade competitiva, explicando

assim a sobrevivência do setor em um quadro de competição, apesar da

manutenção deste diferencial. A nosso ver, esta elevação seria viabilizada

pelos aspectos monopolísticos derivados da exploração da terra urbana, ou

seja uma vantagem derivada do lote e de seu componente geográfico que

permite o repasse dos custos crescentes, por sua vez derivados deste

menor aproveitamento relativo do trabalho.

Outra forma de comparar o grau de desenvolvimento entre setores,

apresentada por PROCHNIK no mesmo trabalho, é o peso das etapas finais

de uma cadeia produtiva no valor adicionado total e na absorção da mão-de-

obra. Uma participação menor do segmento final no valor adicionado total

da cadeia corresponde a uma maior sofisticação técnica de seus

fornecedores, ou seja, estes indicadores podem ser considerados

parâmetros inversamente proporcionais ao grau de desenvolvimento

tecnológico. Na Construção, essas etapas têm uma participação bem

superior à média de outras áreas industriais no Brasil, atingindo 70% do

valor do produto e 80% do emprego.

Os motivos que levam a essa constante defasagem entre a Construção e

outros segmentos da economia ainda não foram claramente enunciados,

embora dois aspectos sejam constantemente indicados: a grande dispersão

geográfica da produção e a sua imensa variação nos produtos, decorrente

da necessidade de adaptá-la aos diferentes locais de implantação e

programas de necessidades. Com efeito, o cotidiano das edificações é

Page 39: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

xxxix

radicalmente diferente de uma indústria típica, onde existem grandes séries

de produtos idênticos. Mesmo a comparação com um estaleiro, bastante

freqüente, apesar de apresentar alguns pontos similares, também é

incompleta, pois, nestes a repetição das tarefas é maior, o valor do produto

é muito superior e a produção se dá em uma unidade fabril bem definida,

com grandes recursos investidos em um parque fixo, a ser amortizado a

longo prazo.

Essas peculiaridades das edificações certamente repercutem de modo

negativo na sua produtividade, se comparada com outros setores

supostamente "mais modernos". Entretanto, a competição entre os diversos

segmentos da economia impede que um deles tenha uma performance

muito inferior aos demais, a não ser em situações específicas, tais como

uma oferta excessiva de mão de obra, uma grande vantagem comparativa

de localização ou outras condições que limitem a concorrência. Em geral

são restrições geográficas de mercado ou derivadas da ausência de

alternativas de trabalho ou de insumos.

Como este não é o caso das edificações que na sua maioria ocorrem nos

centros urbanos e estão sujeitas, portanto, a competir com outros setores

econômicos, tanto nas opções de investimento como nas ofertas de

emprego, suas condições de rentabilidade e de condições de trabalho não

podem ser muito diferentes da média geral.

Deste modo, mesmo que um pouco defasado, também nas edificações

ocorre uma busca pelo progresso técnico, visando a acompanhar os

movimentos gerais da economia e manter a sua atratividade de capitais e

mão-de-obra. Ao analisarmos mais detidamente as características deste

movimento, verificamos que, embora lento, o processo de inovação

Page 40: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

xl

tecnológica está presente e corresponde a formalizações teóricas próprias já

consolidadas.

No caso brasileiro, porém, a intervenção do Estado limitou as condições de

concorrência, evitando que a competição através do mercado exercesse

toda a sua influência. A interferência estatal na Construção, direta ou

indireta, é comum em diversos países e corresponde à sua importância

como setor econômico de resposta rápida aos investimentos, com grande

potencial gerador de empregos a curto prazo. O que diferencia o caso

brasileiro foi uma política tecnológica "atrasada" para a construção, mais

particularmente para as edificações, privilegiando a todo custo técnicas

intensivas em mão de obra e implementada através de diversos artifícios e

instrumentos legais e administrativos nos variados níveis governamentais,

sob a justificativa de que ela propiciaria mais empregos. Já nas intervenções

européias o objetivo primordial era atender à demanda de habitação social,

“pois essa era uma das condições sine qua non para que a venda em massa

de bens duráveis pudesse se realizar”15.

O Estado e a tecnologia da construção

As intervenções do Estado Brasileiro tiveram um papel preponderante para

a conformação do desempenho e da estrutura atual da construção civil

brasileira, particularmente nas edificações. Suas repercussões foram

imensas e bastante estudadas quanto aos seus resultados quantitativos e

na qualidade de vida 16. mas, no Brasil, como no exterior, raramente é

explicitada uma associação entre política tecnológica e o setor de

construção civil . Os trabalhos sobre a atuação governamental no

15TERTRE,Christian du; Technologie, Flexibilité, Emploi; Éditions L’Harmattan, Paris, 1989,

315 p.;pág. 14016 Entre outros pesquisadores que discutiram esta intervenção destacamos: Gabriel Bolaffi,

Sérgio Azevedo, Carlos Nelson dos Santos e Lícia Valadares. Oportunamente citaremosalguns de seus trabalhos.

Page 41: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

xli

desenvolvimento tecnológico em geral restringem-se aos setores de ponta,

ou "alta tecnologia": informática, biotecnologia, mecânica fina etc. Quando

se discute construção, a abordagem mais freqüente é ressaltar o seu papel

como absorvedora de mão de obra, como se a qualidade da força de

trabalho deste setor e da produção resultante fossem desvinculadas da

competição com o restante da economia.

Entretanto, também quanto às definições relativas à tecnologia da

construção podemos distinguir claramente a intervenção do Estado. Seja de

modo explícito, em discursos ou planos oficiais, seja de modo implícito, nas

normas administrativas pertinentes, essa intervenção tem se mostrado

surpreendentemente homogênea desde a criação do BNH, Banco Nacional

de Habitação.

Considerando-se a importância do setor na economia de qualquer país, é

natural que o Estado procure direcionar seu desenvolvimento, como o

mostram os diversos estudos17 a respeito nos países europeus e no Japão,

onde é clara a existência de uma política oficial para o desenvolvimento

técnico do setor, com modelos diferenciados. Em oposição ao caso

brasileiro, até recentemente centralizador e autoritário, França, Alemanha e

Itália têm reforçado sua indústria da construção através de instrumentos

largamente difundidos de apoio ao desenvolvimento de novas técnicas, a

qualificação e retreinamento de pessoal, afora outros incentivos indiretos.

Como afirma CAMPINOS DUBERNET: “a construção habitacional é

provavelmente ( o setor) onde a intervenção do Estado se deu com maior

ruptura com as práticas anteriores”. 18

17 Destacamos “Europe et Chantiers”, Actes du colloque, opus cit, div aut e o livro de

HASEGAWA, Fumio, Built by Japan, John Wiley & Sons, New York, 1988.18CAMPINOS DUBERNET, Myriam; Emploi et Gestion da la Main d’oeuvre dans le BTP,

CEREQ, Paris, 1985, pág. 48 (trad. do autor)

Page 42: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

xlii

O Japão, baseado em um quadro industrial fortemente oligopolizado seguiu

um caminho híbrido, com uma grande centralização empresarial,

decorrência de uma estrutura industrial muito verticalizada e concentrada,

mas com as atividades de pesquisa e desenvolvimento disseminadas por

empresas e instituições de pesquisa aplicada com caráter regional ou até

mesmo municipal.

No caso brasileiro o marco inicial desta fase de forte intervenção do Estado

foi a criação do BNH, em 21 de agosto de 1964, através da Lei no 4.380,

que o estabelecia claramente como um instrumento para a implementação

de uma política de construção e popularização da propriedade:

"O Governo Federal, através do Ministro do Planejamento, formulará a

política nacional de habitação e de planejamento territorial,

coordenando a ação dos órgãos públicos e orientando a iniciativa

privada no sentido de estimular a construção de habitações de

interesse social e o financiamento de aquisição da casa própria,

especialmente pelas classes de baixa renda."19

Era o coroamento de uma série de esforços governamentais e de outras

entidades da sociedade civil, tais como IAB, Clube de Engenharia e outros,

no sentido de centralizar as ações do Estado no campo habitacional e

urbano. Outras intenções, entretanto, foram acrescentadas, destacando-se

a busca pelo aumento da oferta de empregos, tal como expressa o

encaminhamento do Plano Nacional de Habitação ao Presidente Castelo

Branco, que afirma: "poderá atuar brilhantemente na abertura de frentes de

trabalho;"20

19 In GAP Habitação Popular: Inventário da ação governamental , Ed. FINEP/Projeto, São

Paulo, 1985.20 In AZEVEDO, Sergio, Habitação e Poder, pag. 60, Zahar Editores, Rio de janeiro, 1982.

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xliii

Para atingir este segundo objetivo, foram adotados uma série de

mecanismos de modo garantir o uso de tecnologias "tradicionais", baseada

na premissa de que deste modo ocorreria uma "geração de grande

quantidade de empregos formais para mão de obra não qualificada..."21 .

Page 44: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

xliv

Nunca ficou claro a partir de que estudos ou indicativos esta decisão foi

tomada. Apesar disto, ela "tornou-se tão arraigada que nem mesmo nos

anos de 1971/73 - quando em São Paulo houve uma crise de mão-de-obra

para a construção provocada pelo "boom" de obras públicas - mudou-se de

orientação"22. Decorrente, a nosso ver, de uma análise simplista da relação

homem hora/ m2 no sistema convencional face a sistemas pré-fabricados,

esta decisão manteve-se inalterada até 1978 e apesar de não ser

claramente enunciada ela ainda permeia diversos instrumentos das políticas

públicas para o setor.

Somente bem mais tarde, em meados da década de 80, MASCARÓ 23

desenvolveu uma análise mais aprofundada da relação entre tecnologia e

nível de emprego, ao comparar a solução tradicional com a pré-fabricação

pesada, concluindo que ambas eram inadequadas ao Brasil , pois se a

primeira não conseguiria os níveis de produção necessários, a segunda

dependeria de uma grande disponibilidade de capital, inexistente para nós.

Na época uma terceira opção, baseada em uma industrialização “aberta”

ainda não estava completamente delineada e, talvez por isso, não foi

analisada de modo mais aprofundado.

Entretanto essas comparações entre as diversas alternativas tecnológicas

consideram apenas as condições internas ao setor , excluindo assim os

seus verdadeiros fatores de sucesso: seus usuários, a sociedade ou, mais

exatamente, as condições de mercado e a competição geral da economia.

Como afirma CARVALHO :

“A opção por não automatizar pode se revelar ainda mais custosa

socialmente, à medida que venha a redundar em perda de

competitividade da indústria, com a conseqüente redução de

mercados, produção e emprego”.24

Page 45: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

xlv

É interessante notar que a intervenção do Estado já era em si uma mudança

de seu papel 25. Até então o governo federal nunca definira regras rígidas

sobre qual tecnologia deveria ser adotada e a produção habitacional era o

resultado da ação de vários órgãos que nela atuavam de forma

descentralizada, tais como os Institutos de Aposentadoria e a Fundação da

Casa Popular. Ao adotar a construção habitacional como meta de governo

ela passa a fazer parte de uma estratégia mais ampla, centralizadora e mais

autoritária.

Este modelo choca-se com a principal característica tecnológica da

construção civil. Tanto há vinte anos, como agora, ela é um setor de

tecnologia difusa, sem grandes dificuldades de acesso às técnicas mais

recentes. A sua estrutura de produção também é dispersa, dificultando,

muitas vezes, a sua caracterização. Paradoxalmente, o Estado brasileiro

adotou um sistema rígido, impondo um único padrão tecnológico, a partir de

critérios pouco claros e menos estudados, quando este tipo de política tem

sido associado justamente às áreas de alta tecnologia, com caráter

estratégico ou de segurança nacional 26, centralizada em um número

relativamente pequeno de empresas ou instituições de pesquisa.

Neste aspecto, a política adotada assemelha-se ao conceito de "mission

oriented project" (projeto voltado a uma meta) apresentado por ERGAS 27,

onde um objetivo estratégico nacional sobrepõe-se aos objetivos imediatos

do programa. Do mesmo modo que ao lançar um programa espacial não

interessa tanto ao governo americano o seu resultado em si, mas sim a

supremacia tecnológica que dele deriva, no programa habitacional brasileiro

a meta real não seria a construção de residências mas a criação de

empregos e outros aspectos de caráter ideológicos.28

Page 46: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

xlvi

Porém, num exemplo talvez único no mundo, foi adotada uma política

tecnológica "às avessas" pois seu objetivo foi, declaradamente, evitar a

inovação, quando em outros países a busca pelo progresso técnico tem sido

primordial nas políticas tecnológicas de qualquer setor. Baseado na

premissa de que através de processos inovadores é possível atingir "uma

sociedade que responda às mudanças e aos desafios"29, políticas

inovadoras têm sido encorajadas como um meio para melhorar a

competitividade internacional e, também, a qualidade de vida dos

trabalhadores, inclusive na construção.

Esta opção pelo "atraso" contrariava também as políticas implementadas em

outros setores da economia nacional, "mais modernos” e mais abertos à

competição internacional, resultando progressivamente em uma enorme

diferença entre as suas condições de trabalho e remuneração e as

existentes na Construção ". Os impactos negativos desta diferença hoje são

claros, materializando-se numa paradoxal falta de mão-de-obra qualificada,

mesmo em período de forte queda na produção. Não se trata aqui de

exemplo isolado: por razões diversas este fenômeno tem sido identificado

na Europa30 e esforços de modernização técnica foram a resposta

encontrada para fazer face a este problema, pois são os ganhos de

produtividade decorrentes deste processo que geram os recursos para as

melhorias necessárias, sem necessariamente ocorrerem aumentos nos

custos dos produtos.

Também no Japão ocorre o mesmo problema e a mesma atitude, conforme

expressa HASEGAWA31:

"If these technologies ( de inovação e robotização) are applied

systematically, it will become possible to achieve on construction sites

the comfortable working conditions achieved in many manufacturing

Page 47: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

xlvii

plants, and thus to attract young talent workers from others industries

or straight from school" 32

Quanto a uma possível redução da oferta de empregos, ela seria

compensada pelo aumento da produção decorrente da maior demanda

resultante da queda de preços relativa, provocada pela maior produtividade

e aumento da massa salarial, componente obrigatório desta mesma

política33. A OCDE afirma que "o crescimento da produção pode ser

suficiente para anular os efeitos da redução de ocupação, derivados de

aumentos de produtividade."34

Porém, essa afirmativa é discutível se analisada à luz da evolução do nível

de emprego, comparado ao crescimento da produtividade na indústria

brasileira pois, como demonstram FEIJÓ e CARVALHO no estudo relativo

ao período de 1985 a 1991, em nosso caso “o crescimento de produtividade

deu-se às custas do emprego”35. Na verdade, os eventuais benefícios de

uma alternativa tecnológica não são automaticamente repassados à

sociedade: cabe ao Estado, como expressão do poder político, mediar este

processo, balanceando os ganhos setorizados. MUSCAT e FLEURY36

apresentam os casos da industrialização japonesa e coreana como

exemplos desta mediação estatal entre a indústria e sociedade. Entretanto,

outros estudos, abrangendo os países europeus e os USA, desvinculam o

crescimento da produtividade da queda de emprego e, ao contrário, chegam

a afirmar que “o crescimento da produtividade teve um efeito positivo sobre

o emprego, uma vez que preservou ou aumentou a competitividade dos

gêneros industriais” 37

No Japão a opção para sustentar o nível de emprego geral foi manter um

certo grau de ineficiência em setores terciários e da agricultura e

agroindústria e, ao mesmo tempo, protegê-los da concorrência externa. Já

Page 48: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

xlviii

na Coréia “em troca de subsídios o Estado impôs padrões de desempenho

sobre as empresas privadas”38, limitando a importação e obrigando a

investimentos em tecnologia nacional.

Em ambos os casos cabe destacar o vigoroso investimento educacional

para sustentação destas políticas e outras ações do Estado que evitaram

que os ganhos derivados dos aumentos de produtividade fossem desviados

ou apropriados de modo desigual. Inversamente, no período brasileiro

estudado por Carvalho, o Estado desempenhou o papel de bloquear as

ações dos trabalhadores e outros grupos sociais que justamente buscavam

redistribuir socialmente estes ganhos. É interessante notar que VILLELA39

aponta um forte aumento da produtividade brasileira (de 13,4%), em

particular dos setores mais expostos à concorrência externa, no período de

1990 a 1992, ou seja a partir de quando esta intervenção cessa, ou pelo

menos diminui fortemente, indicando a ineficácia desse gênero de

intervenção.

No Brasil, o Estado, na área das edificações, não exerceu este papel

mediador e, embora justificasse a opção tecnológica com o argumento,

nunca provado, da maior criação de empregos pelas técnicas tradicionais, a

política habitacional não expressava nenhuma preocupação com a eficiência

das construções e, por tabela, com a redução dos custos de produção. Ao

contrário, sempre que estes se elevavam, os limites de financiamento eram

aumentados de modo a não se configurarem como um limite de preço

efetivo e os benefícios para a sociedade deste esforço financeiro

terminaram por serem apropriados, majoritariamente, pelos proprietários dos

lotes ou incorporadores, em decorrência da lógica peculiar do mercado

imobiliário.

Page 49: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

xlix

Finalmente, uma maior eficiência do fator trabalho é fundamental para a

melhoria salarial efetiva, não inflacionária e somente a redução do custo

unitário do trabalho viabiliza salários brutos mais elevados. O estudo de

FEIJÓ e CARVALHO40 é significativo, pois demonstra que os setores que

tem a média salarial mais alta são os de maior produtividade, corroborando

a teoria do salário-eficiência, segundo a qual existiria uma vinculação entre o

desempenho do trabalhador e o padrão relativo de remuneração.

Em 1978 o BNH aparentemente muda seu discurso, talvez como

decorrência da pressão dos construtores que buscavam melhorar suas

margens de lucro, então principiando a diminuir, ou da redução na oferta de

mão-de-obra então ocorrida, à época encarada de modo conjuntural. O

Banco promove, então, algumas iniciativas no sentido de buscar alternativas

tecnológicas, destacando-se o "Simpósio sobre Barateamento da

Construção Habitacional", em Salvador, e o subsequente canteiro

experimental em Narandiba.41 É significativo, entretanto que, entre todos os

métodos e processos então apresentados, apenas um foi alvo de

investimento expressivo por parte do Banco: o solo-cimento.

Baseado em uso intensivo de mão-de-obra, esta técnica construtiva nunca

atingiu uma boa popularidade, apesar dos esforços do Banco que alardeava

seu baixo custo. Na verdade, essa vantagem era derivada da remuneração

aviltantedos trabalhadores, às vezes nem sequer considerada nas planilhas

demonstrativas, como no caso de obras em regime de mutirão.

A nosso ver, o solo-cimento nunca se afirmou como uma tecnologia passível

de substituir em larga escala o método convencional, porque não atendia

nem aos requisitos de produção das empresas nem, tampouco, dos

autoconstrutores, ávidos por construir um teto, rapidamente. Mas, como é

Page 50: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

l

um processo construtivo que absorve muita mão-de-obra, teve contínuos

investimentos de pesquisa até a extinção do BNH.

Já os outros processos não despertaram o mesmo interesse do BNH,

recebendo pouco apoio financeiro e, na prática, sofrendo sérias restrições

ao uso, salvo, talvez, quando um interesse espúrio obrigava a uma solução

técnica diferenciada, de modo a permitir o direcionamento de uma

concorrência.

O BNH, e posteriormente a CEF, nunca incentivaram verdadeiramente o uso

de nenhuma solução construtiva moderna, mesmo após os discursos de

1978. Não houve continuidade no apoio a nenhum projeto de novas

tecnologias, sendo a intervenção federal, neste aspecto, um bom exemplo

da ineficiência desse tipo de ação estatal, apontada por ERGAS42 e

ROTHWELL43. Elas foram sempre limitadas a "compra de protótipos",

modelos de construção que raramente chegavam a uma série de produção,

pois esta não era garantida e estava sujeita a todas as limitações

apresentadas. Nos raros casos em que houve compra ou financiamento de

produções expressivas44 não houve preocupação qualitativa, sendo provável

que a opção técnica tivesse mais a ver com uma "predefinição" do

construtor através do artifício da falta de similaridade, do que o desejo de

melhor desempenho, pois este nunca foi aferido. Foi o caso, por exemplo,

dos conjuntos construídos por processo a base de gesso e cimento, pela

COHAB SP, recentemente demolidos por serem inabitáveis e perigosos.

Para aferir o desempenho era necessário uma infra-estrutura técnica, com

investimentos em centros de pesquisa e universidades, mas este

instrumento de incentivo tecnológico também foi fortemente direcionado.

Como já dissemos, o maior investimento na área foi vinculado ao solo-

cimento, objeto de pesquisas sistemáticas pelo CEPED- Bahia, CETEC-MG

Page 51: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

li

e outros trabalhos mais limitados. Recebeu também financiamentos para

diversas séries de produção em todo o Brasil, inclusive pela distribuição de

cerca de 2000 máquinas às Prefeituras e associações de moradores, com

posterior assistência técnica e aferição de desempenho pelos órgãos de

pesquisa. Nenhuma outra tecnologia recebeu do Banco o mesmo

investimento, de modo constante, em que pesem algumas iniciativas junto

ao IPT de S. Paulo, tal como o PROCONTROL, programa de controle de

qualidade da construção.

Rotineiramente, as maiores dificuldades para o uso das novas tecnologias

eram resultado de práticas administrativas dos órgãos financeiro, incluindo-

se aí a sistemática de contratação e de planejamento por parte do BNH e

posteriormente, pela CEF, Caixa Econômica Federal, no momento atual

ainda a principal gerenciadora dos recursos estatais e daqueles captados

pelo Sistema Financeiro de Poupança e Empréstimo e pelo FGTS. Como

veremos, a maior parte das restrições delas derivadas continuam presentes.

Page 52: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

lii

Meios e instrumentos da política tecnológica

Práticas administrativas são um dos instrumentos ao alcance do Estado

para implementar uma política tecnológica. ROTHWELL45 a inclui nas

quatro principais maneiras de um governo influenciar as opções

tecnológicas:

• O poder de compra;

• O investimento direto, ou através de subsídios para as empresas

inovadoras;

• Através de legislação e outros regulamentos que regem a oferta de

serviços;

• Apoio a infra-estrutura tecnológica básica em universidades e

institutos de pesquisa

Delas destaca como a mais importante o poder de compra, associando

ineficiência aos investimentos diretos, no que é seguido por ERGAS46,

quando ele questiona os resultados dos "mission oriented project".

O BNH implantou, virtualmente, a centralização do poder de compra na área

habitacional nas mãos do governo federal. Ao extinguir os Institutos

isolados de previdência e criar o FGTS (Fundo de Garantia de Tempo de

Serviço) ele monopolizou os recursos disponíveis nas faixas de renda mais

baixa. Por outro lado, o SBPE, Sistema Brasileiro de Poupança e

Empréstimo, dependia de suas regulamentações e sujeitava-se ao seu

controle. Progressivamente ocorreu uma centralização dos recursos

destinados à faixa dos estratos médios na CEF, mas até a sua extinção, o

BNH, atuando então como banco de segunda linha47, ditava as regras e

disponibilidades oferecidas ao mercado privado.

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liii

Disto resultou um virtual monopólio do poder financeiro na área imobiliária,

pois não só as compras diretas eram realizadas pelo BNH, mesmo se

lastreadas em recursos do Tesouro, como todo o mercado privado e

grande parte dos Estados e Municípios dependiam do refinanciamento do

Banco, submetendo-se, por conseguinte, às suas normas.

Dentre elas, destacamos duas: as limitações do cronograma físico

financeiro e a forma de contratação individualizada, por projeto. Ao financiar

uma obra, o BNH exigia, tal como a CEF ainda hoje o faz, o cumprimento de

um cronograma físico-financeiro, onde a cada etapa de obra corresponde

um determinado percentual máximo do valor total contratado, calcado no

método convencional, poderia ser liberado.

Sob a justificativa de serem necessárias garantias reais, apesar do terreno

já estar obrigatoriamente hipotecado ao Banco, a liberação era limitada ao

que corresponderia, teoricamente, ao valor agregado ao lote por uma etapa

equivalente, considerando-se uma construção tradicional, através de um

orçamento de referência, independente do sistema construtivo empregado

e mesmo que o valor do lote excedesse as parcelas iniciais, situação

comum inclusive nas faixas de renda mais baixas.

É interessante notar que estas regras são pouco divulgadas e não estão

claramente expostas em nenhum documento da CEF para uso do público

externo. O único indicativo, para o possível pretendente a um financiamento

é, nos manuais de solicitação de financiamentos, um cronograma que deve

seguir o modelo padronizado da CEF, organizado a partir de um sistema

convencional e no qual não são admitidas inclusões de itens 48 (podem

apenas ser suprimidos). Já nos documentos internos , tais como Ordens de

Serviço e fichas de avaliação de projetos, elas surgem claramente. Por

exemplo, no modelo de parecer de análise e avaliação definitiva de

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liv

engenharia , "Plano Empresário Popular", no item 4.6 há um quadro relativo

a sistema construtivo, se convencional ou não e outro, item 8.2, onde deve

ser indicado "se os percentuais constantes do cronograma estão dentro dos

parâmetros usuais"49, subtendendo-se que estes são os da construção

tradicional.

Este procedimento, repetido em todas as linhas de financiamento desde o

BNH, engessa as alternativas tecnológicas em um fluxo de caixa que não

permite grandes desembolsos iniciais. Como qualquer processo não

intensivo de mão-de-obra depende de investimentos em máquinas e melhor

planejamento, o que significa maiores despesas já na implantação do

canteiro, a única alternativa é o construtor financiar esta diferença por outros

meios, sempre com um custo financeiro muito mais elevado, dificultando

demasiado e, às vezes, até mesmo inviabilizando as inovações.

Esta situação permanece até hoje, através das normas da CEF.

Além disso, a contratação individualizada por projeto, em geral com

produção única ou com uma série muito pequena, não permite ao construtor

elaborar um programa de trabalho de médio e longo prazo com um mínimo

de segurança, capaz de amortizar mais suavemente os custos de

investimentos de uma possível inovação técnica. Este aspecto foi resolvido,

ou pelo menos fortemente atenuado, em outros países, através de

programas plurianuais de financiamento, onde coexistem a contratação

individual com programas nos quais as empresas concorrem a lotes de

construção em determinada região, com dimensões e prazos relativamente

extensos.

Ao garantir volumes mais elevados com prazos mais longos, esse gênero de

contratação facilita o investimento tecnológico. Outras exigências e

vantagens foram também foram agregadas a este tipo de contrato,

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lv

incentivando a competição entre empresas e premiando as iniciativas

inovadoras, através de benefícios fiscais ou outros meios indiretos, levando

ao aumento da produtividade e a melhorias de desempenho, principalmente

quanto ao consumo de energia.

Com efeito, a legislação ambiental, energética e de segurança de trabalho,

bem como outros regulamentos governamentais são um importante

instrumento de incentivo à renovação técnica. Na Europa, como nos USA, a

questão energética tem alavancado a busca por soluções técnicas mais

eficazes, devido ao alto consumo dos sistemas de aquecimento necessários

para fazer face a um inverno rigoroso.

Implicando, na maior parte das vezes, no uso de materiais mais caros, as

exigências de um melhor desempenho térmico tem induzido a níveis de

economia e desperdício muito mais limitados e, consequentemente, a um

melhor planejamento e controle. Deste modo, seus efeitos não se limitam ao

índice de consumo energético da habitação, mas repercutem positivamente

na organização de todo o canteiro.

No Brasil, a legislação que regula o direito de construir ainda é bastante

confusa e incipiente a respeito do desempenho dos edifícios. Segundo a

Constituição Federal, deveria ser estruturada em dois níveis principais: o

federal e o municipal, cabendo ao estado funções auxiliares. Ao nível federal

estariam afetas as questões ligadas ao consumidor, ou sejam, a qualidade e

ao desempenho das edificações, enquanto ao nível municipal estão

vinculados a legislação urbanística, ou sejam, aspectos de densidade

urbana, tipologia de uso etc. Uma leitura atenta do artigo 30, inciso VII da

Constituição Federal, relativo às atribuições municipais na matéria, nos

esclarece que "o planejamento, controle do uso, do parcelamento e da

ocupação do solo urbano" são "competência própria, exclusiva, que não

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lvi

comporta interferência nem da União nem do Estado"50. Já a proteção do

consumidor está contida no Código de Defesa do Consumidor51, de âmbito

Federal.

Isto nos leva a crer que aos municípios não cabe, a princípio, legislar sobre

as condições internas das edificações, mas somente sobre aquelas que

dizem respeito ao uso do solo, tais como gabaritos máximos (e não

tipológicos), relação de unidades por área de terreno (densidade), taxa de

ocupação do lote e tipologia de uso. Estes parâmetros tem pouca influência

direta sobre a tecnologia da construção, sendo, em tese, bastante neutros

quanto a seus impactos sobre os processos construtivos e a qualidade dos

edifícios ainda que, às vezes, tenham alguma influência indireta, como

veremos adiante.

Entretanto, ao percorrermos a legislação municipal típica, seja do Rio de

Janeiro, seja de São Paulo ou de outra cidade qualquer, nos deparamos

com uma enorme preocupação quanto às condições das unidades.

Acreditamos que isto seja derivado de um período em que, não havendo

uma legislação adequada de proteção ao consumidor, as estruturas

municipais, mais próximas dos usuários comuns, foram em seu socorro.

Talvez por isso os Códigos de Obras costumam definir aspectos internos

das unidades que não são de modo algum ligados às atribuições

constitucionais dos municípios em relação ao uso do solo, tais como

condições de ventilação e iluminação, vãos de acesso e até mesmo

espessuras mínimas de parede.

Naturalmente, os Códigos são baseados em critérios extraídos das obras

tradicionais, resultando em empecilhos ao uso de novos materiais., No lugar

de especificarem o nível desejável ou mínimo de desempenho das

edificações em seus diferentes aspectos, estes Códigos estipulam uma

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lvii

tipologia ou uma morfologia de solução, como no caso das espessuras

mínimas de paredes e lajes, onde, ao invés de definirem níveis de absorção

sonora e de resistência ao fogo para as paredes divisórias e lajes nas

diferentes condições de uso, eles apenas definem uma dimensão mínima,

correspondente à que seria recomendável nas soluções clássicas, sendo

ainda freqüente a indicação do material, como no caso das escadas de

emergência.

Esse gênero de definições que não considera o resultado para o usuário

mas, simplesmente, repete a solução conservadora, limita as opções

construtivas. Já as exigências de desempenho induzem a um processo

técnico de seleção e regulam a concorrência com resultados positivos em

termos de qualidade e produtividade. Como vemos, mesmo no nível da

legislação municipal há um direcionamento para o uso de tecnologias

tradicionais.

A gestão urbana e o desenvolvimento da construção

Os exemplos apontados indicam parte dos fortes reflexos das políticas

públicas de desenvolvimento e ordenação do espaço urbano no setor da

construção civil. As condicionantes da legislação afetam direta ou

indiretamente os processos produtivos do setor, inclusive quanto à

concepção do produto, refletindo-se em níveis de preço, em valor e no

volume de produção. Entretanto, as ligações de causa e efeito destas

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lviii

condicionantes com o setor não estão bem delineadas e os instrumentos

tradicionais de gestão urbana não costumam considerá-los adequadamente.

Se analisarmos um Código de Obras Municipal típico52 veremos que, em

maior ou menor detalhe, eles definem um novo desenho urbano a ser

alcançado, descrevem os usos ali permitidos e fazem outras exigências

sobre o produto (o edifício e suas unidades) a ser oferecido ao mercado. Em

geral, porém, desconsideram os processos necessários para a sua

obtenção. Respeitadas as suas particularidades, a legislação urbana

compõe, à semelhança do que ocorre nos projetos arquitetônicos, um ”

projeto de produto” e não um “projeto de fabricação”. Este talvez esteja

parcialmente descrito em um texto justificativo esquecido nas gavetas da

Câmara Municipal.

Ainda à semelhança de outros projetos da área das edificações, nem

sempre as necessidades deste “processo de fabricação da cidade” são

adequadamente consideradas nessa etapa de concepção, perdendo-se

assim algumas oportunidades valiosas de dinamizar e enriquecer o seu

desenvolvimento, além dos eventuais prejuízos econômicos advindos da

restrição à atividade produtiva. Espelha-se ainda nos Códigos e na prática

do pessoal técnico encarregado de sua aplicação uma visão limitada às

práticas especulativas “selvagens”, como se todos os empreendedores

estivessem sistematicamente decididos a burlar as regras para maximizar

seus lucros na primeira oportunidade.

Ë claro que todos os investidores desejam ter o maior lucro possível, isto faz

parte da lógica do sistema em que vivemos, mas há uma simbiose entre a

lei “falha” e a prática predatória. Ao não estabelecer claramente um padrão

qualitativo para o ambiente urbano e suas unidades, preferindo definir

padrões de solução, expressos em características rígidas que o produto que

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lix

regulamenta deve atender, mesmo o legislador mais competente termina

por deixar aberta a possibilidade de ser encontrado “um jeitinho” para

ultrapassar os limites nela expressos. E todos farão isso, sem remorsos,

pois não há uma ligação clara, evidente a qualquer cidadão, entre o que

deva ser o “projeto da cidade” e as exigências comumente realizadas.

Embora a intenção de uma cidade melhor possa estar presente nas

proposições legais, ela fica camuflada por termos técnicos, índices

calculados não sabemos como e fórmulas de resultado duvidoso, criando

um descompromisso entre o seu resultado e as práticas do dia a dia.

Iguala, assim, todos os investidores no patamar da especulação e não no

do desenvolvimento urbano, dificultando a competição em bases mais

favoráveis ao consumidor, que forçosamente vai sofrer o resultado concreto

destas ações.

Variedade da produção e diversidade urbana

Ao estabelecer critérios estreitos para as soluções, ao invés de exigir

padrões mínimos de desempenho, seja em termos construtivos ou de uso e

ocupação do solo, a legislação diminui as opções possíveis de serem

oferecidas ao mercado. Em grande parte dos casos ela termina por induzir

a uma única alternativa, pois estabelece uma rentabilidade diferenciada e,

segundo a lógica de nosso sistema, a selecionada será sempre a de

retorno mais alto. Deste modo, contribui tanto para a redução da

diversidade urbana como para diminuir a competitividade interna na

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lx

indústria da construção, pois elimina uma das principais dimensões da

concorrência entre empresas: a variedade na oferta de produtos.

Diversos autores53destacam a capacidade de ofertar produtos diferenciados

e inovadores como uma das principais vias de competição e,

conseqüentemente, de inovação e progresso técnico nas indústrias. Ao

reduzir o universo de soluções possíveis a um número restrito até mesmo a

uma única, a legislação urbana bloqueia este processo que tem

apresentado fortes benefícios para os consumidores e, indiretamente, para

os trabalhadores na produção.

Não é nosso objetivo discutir se uma maior ou menor diversidade do espaço

urbano em termos de uso e ocupação é benéfica para a cidade e seus

moradores, até por que isso deveria ser uma decisão de um nível

representativo da sociedade e não uma “questão técnica”. Pretendemos

apenas indicar que os efeitos da legislação que reduz esta variedade vão

bem além dos seus objetivos explícitos.

Os dois níveis da diversidade e da flexibilidade

A divisão da atribuições da Constituição Federal, ainda que pouco

respeitada na prática, reflete-se em dois níveis da legislação urbana: o da

cidade propriamente, expressos nas leis de zoneamento e uso do solo, nos

projetos de alinhamento (P.A.), projetos de estruturação urbana e outros

instrumentos legais assemelhados. Neste conjunto de leis e decretos são

definidos os usos permitidos conforme o local, as taxas máximas de

ocupação e outros parâmetros que embora também repercutam

indiretamente sobre o edifício fundamentalmente pretendem disciplinar a

dimensão urbana.

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lxi

O segundo nível trata das unidades constitutivas do espaço urbano, ou

sejam os edifícios e as condições da edificação, através , por exemplo, do

Regulamento de Construção de Edificações Residenciais Multifamiliares 54

e outros editos que regulam as características desejáveis em termos de

unidades construídas, tais com condições de iluminação e ventilação etc.

Este dois níveis refletem-se na variabilidade do produto das edificações: o

primeiro leva a uma certa “padronização” das soluções arquitetônicas mais

gerais, tais como volumetria e tipologia predial. Um exemplo são as grandes

áreas da cidade onde todos os prédios tem aspecto semelhante, mesmo

que seus revestimentos e soluções de fachada tentem compor uma

diferenciação. Sublimando-se a monotonia decorrente, essa padronização

poderia até ser benéfica para a racionalização das obras, se ela pudesse

levar a uma real repetição dos processos construtivos, mas a variabilidade

dos lotes impede que isto ocorra em larga escala, mesmo que,

eventualmente, existam locais propícios a essa repetição.

Mas se a padronização não beneficia os processos construtivos, ela dá

uma certa estabilidade à tipologia de produtos pois, reduzindo o universo de

soluções de aproveitamento possível, ela leva a limites mais estreitos a

variação dos produtos e, consequentemente, a uma menor competição

neste nível.

Já os controles sobre as condições das edificações tem um impacto mais

importante sobre as escolhas técnicas no processo construtivo. Suas

restrições costumam ser mais fortes quanto ao dimensionamento dos

componentes arquitetônicos e materiais, afetando a conformação do

produto em questões tais como tamanho de janelas e varandas e atingindo

até mesmo a seleção de materiais possíveis.

Page 62: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

lxii

É claro que a escolha dos materiais e processos utilizados nas obras não

depende exclusivamente dos aspectos legais decorrentes destes Códigos

mas, eles dificultam uma escolha baseada unicamente no desempenho

qualitativo, pois uma alternativa não prevista dependerá de um “jeitinho” em

algum nível da fiscalização a ser compensado de algum modo . Configuram-

se assim como um dos empecilhos a uma melhora das condições do

produto-edifício e de suas condições de produção e trabalho , daí a

importância de nos determos na análise de alguns deles, como ilustração

deste impacto.

Impacto das diretrizes legais para as condições das edificações

Embora a lista de itens que se refletem sobre o desempenho da construção

e suas possibilidades de desenvolvimento seja extensa, vamos nos restringir

a considerar mais detidamente os efeitos de apenas alguns deles, extraídos

da legislação carioca, mas que ilustram bem seus efeitos indiretos.

O efeito principal das exigências legais parece ser a elevação dos custos

das obras, pois implicam em áreas de construção maiores e, às vezes,

dificultam o uso de soluções construtivas mais racionais. Ao elevar o

patamar de preços há uma diminuição das escalas de produção, ao mesmo

tempo que os limites do mercado não permitem agregar novos itens aos

produtos, salvo nos segmentos de luxo, restringindo indiretamente a

diversidade dos produtos e, por extensão, a competição.

Estacionamento:

É considerado um parâmetro polêmico, uma vez que a legislação carioca

exige um número de vagas considerado exagerado, o que é corroborado

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lxiii

pelo número de vagas ociosas nos edifícios novos. Estabelecida em época

de euforia econômica, ela está distante da realidade da classe

média atual e implica em custos adicionais elevados. Por exemplo um

apartamento pequeno na região da Tijuca de sala e dois quartos deve ter,

no mínimo, uma vaga. Considerando-se que esta unidade terá

aproximadamente 75 m2 de área e a garagem cerca de 30m2 (25 m2

vaga, acrescida de 20% relativos a circulações e paredes), verificamos que

as garagens chegam a atingir 40% da área líquida de venda ou 25% da área

total do imóvel.

A exigência parte do princípio que todos os novos moradores terão carro, o

que é estatisticamente incorreto. Os índices para a definição de garagens

dependeriam de estudos aprofundados sobre a distribuição da demanda por

faixa de renda e outras avaliações prospectivas, acerca das possibilidades

de progressão do consumo de automóveis, que nunca foram realizadas.

Mas o seu resultado seria extremamente aleatório, dada a quantidade de

variáveis tanto macroeconômicas como quanto a distribuição espacial desta

demanda e até mesmo da qualidade dos transportes públicos: se eles forem

melhores, a pressão pelo automóvel particular será menor. Além disto,

qualquer que fosse o índice, ele corresponderia a um engessamento de

soluções, reduzindo a diversidade e a concorrência.

Um critério interessante a ser considerado para a questão é o de que o

custo deste equipamento, a garagem, deve ser isolado do custo da unidade

residencial . Nada mais justo, pois nem todos possuem carros, assim

apenas os que o desejarem devem arcar com isto e melhor ainda, saberão

qual o seu custo real. A princípio, a quantidade de vagas a ser oferecida

deveria, então, ser objeto de pesquisa específica do incorporador, o maior

interessado em atender as demandas do mercado.

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lxiv

Ocorre que no passado recente, por força da omissão do poder público no

controle ao estacionamento irregular, optou-se pela solução mais fácil: impor

altos índices de vagas por unidades, provavelmente com o intuito de que

este excesso fosse deslocado para atender também a demanda

preexistente, resultado de construções mais antigas, quando não havia

ainda a relativa popularização atual do consumo de veículos.

É interessante notar que em outros países a atitude foi bastante diferente,

optando-se por reprimir o estacionamento irregular, deste modo criando

mercado para a construção de garagens, fossem elas nos próprios edifícios,

fossem em construções específicas, para atender à demanda histórica. Em

outros casos foram tomadas medidas de controle diretamente sobre a

demanda de veículos, como em Tóquio, onde só é permitido o

licenciamento de veículos que comprovem possuir vagas para o

estacionamento, sejam elas públicas ou privadas.

Uma vez que, no Brasil, hoje em dia, este controle do trânsito é uma

atribuição municipal, nada impediria uma adequada articulação neste

sentido. Ou seja, trata-se de custear as vagas por aqueles que as

efetivamente usam, seja pela venda direta, seja por meio de taxas que

remunerem o Município pelas áreas eventualmente oferecidas. Uma política

fiscal diferenciada, através do IPVA - Imposto sobre Veículos Automotivos e

IPTU - Imposto Predial eTerritorial Urbano, poderia ser implementada para

otimizar este processo.

Nesta ótica o que interessa é a oferta global de estacionamento numa

determinada área e não a sua vinculação com determinado apartamento ou

sala, Assim sendo também deveriam ser autorizadas formas diferenciadas

de operação da garagem, admitindo-se uso de sistemas mecânicos, tais

como “pallets” para otimizar seu aproveitamento, bem como, também,

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lxv

através de novas formas de vinculação entre o estacionamento e o imóvel,

tais como:

• as garagens serem um bem condominial, a ser explorado por

todos, ou seja as vagas serão alugadas aos moradores ou a

outros interessados, se aprouver aos condôminos, reduzindo

assim o custo mensal dos moradores sem veículos, ou;

• as garagens serem vendidas separadamente, com direito à quota

do terreno, reduzindo o custo inicial das unidades residenciais.

Elevadores

0s elevadores são um item significativo do orçamento de um edifício,

oscilando em torno de 6 a 8% do custo global em soluções típicas de dois

elevadores. Seu dimensionamento de elevadores segue as definições das

Normas Brasileiras. A legislação também segue estas Normas,

estabelecendo que prédios com mais de seis pavimentos tenham no mínimo

dois elevadores. A princípio, uma Norma deve representar um consenso

entre consumidores e fabricantes do produto e, por isso, estaria sujeita a

poucos questionamentos.

Infelizmente não é a prática corrente em nosso país, onde na maior parte

dos casos são os fabricantes de um produto que ditam as diretrizes para o

estabelecimento das normas, aproveitando-se da freqüente ausência de

outras instituições que representem os interesses dos consumidores nos

Comitês Técnicos, encarregados da elaboração das Normas. Mesmo as

Universidades pouco participam deste processo e o resultado são padrões

de fabricação, de qualidade e de segurança razoáveis, mas que nem

sempre representam rigorosamente os desejos dos usuários, até por serem,

em geral, baseadas em dados de outros países, com outras culturas.

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lxvi

O conceito de tempo de espera, por exemplo, tem um significado

radicalmente diferente para um americano e para um brasileiro e nem por

isto foram realizadas pesquisas para estabelecer quais os parâmetros

aceitáveis nas diversas situações de uso de elevadores. Se a espera em

um edifício comercial provavelmente deve ser semelhante no Brasil ou na

Europa, temos dúvidas se os mesmos critérios devem ser obedecidos numa

edificação residencial.

Outros pontos da definição deste equipamento também poderiam ser

reavaliados, porém seria necessário um trabalho que foge a este escopo. O

importante é que novos padrões de operação possam ser sugeridos e,

eventualmente, aceitos pelos órgãos municipais, desde que tecnicamente

justificados, visando a baratear seu custo.

Destaco entre estes padrões:

• Cálculo de dimensionamento diferenciado para edifícios de

pouca altura, até 5 pavimentos, tomando por base parte da

demanda ( por exemplo 80%);

• uso de apenas um elevador para edifícios de menor altura, por

exemplo até 8 pavtos, respeitados os cálculos de demanda;

• velocidades e tempos de escoamento (retirada de toda a

população) mais alongados para edifícios residenciais e para

edifícios baixos, até 5 pavimentos.

• dimensionamento interno adequado à ergonomia do brasileiro;

• padronização dos equipamentos;

• liberdade para definir as áreas destinadas às instalações

mecânicas, hoje rigidamente estipuladas.

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lxvii

Através dessas recomendações, estimamos que seja possível reduzir

significativamente o custo deste equipamento em uma obra residencial

típica.

Áreas comuns:

A legislação municipal carioca estabelece uma série de equipamentos

comuns que devem existir nos edifícios multifamiliares. São:

• áreas de recreação, com 3 m2 por unidade e 40 m2 no mínimo;

• sanitários para funcionários;

• vestiários e refeitórios ( com mínimo de 0,15 m2 por unidade ou

12 m2) para edifícios com mais de 50 unidades residenciais;

• área de administração para edifícios com mais de 800 m2 da

ATE - Área Total Edificada, com no mínimo 4 m2 ou 0,5 % do

ATE, até o limite de 50 m2 .

• portarias (para edifícios com mais de 21 unidades)

Estabelece ainda que, caso haja moradia para o zelador, ela deve atender

regras específicas que, na prática, podem levar a esta unidade a ser a maior

do prédio, ou seja seus padrões são superiores aos exigidos para os

consumidores comuns!

As áreas de recreação, tal como as garagens, também são o resultado da

má gerência urbana anterior, que permitiu loteamentos sem as devidas

áreas de lazer. Ao privatizarem estas áreas, estabeleceram um sistema de

guetos, um incentivo ao acirramento da individualização da sociedade de

consumo, eliminando espaços de convivência democrática.

Se, por um lado, podemos aceitar isto como uma solução emergencial, ela

não deve ser tomada como uma regra geral nem como um objetivo. As

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lxviii

administrações municipais mais recente tem se caracterizado, aliás, por um

esforço de recuperação destes espaços. Assim é incoerente a manutenção

desta exigência, para toda a cidade . É muito diferente a situação de

Copacabana e da Zona Oeste ou da maior parte da Zona Norte, onde ainda

há possibilidade de evitarmos este modelo elitista.

Quanto aos itens relativos à facilidades para os funcionários, eles estão

visivelmente superdimensionados. Um prédio pequeno, a partir de 801m2

certamente terá apenas um ou dois funcionários e no entanto seu sanitário

equivale ao de um edifício com 80 unidades e terá obrigatoriamente um

refeitório com a mesma relação.

A forma como estes parâmetros foram estabelecidos não considera um

devido escalonamento, impondo patamares mínimos muito elevados. Para

dois funcionários, banheiros com as mesmas dimensões mínimas definidas

para as unidades, são suficientes. Nesse caso, deveria ser exigida uma

concordância graduada entre porte do edifício, padrão de serviços e

dimensionamento destes itens. Vestiários de 12m2 podem atender ,

simultaneamente, a 5 pessoas com conforto e raros são os edifícios em que

haja troca de turnos com cinco funcionários. Quanto aos refeitórios, a área

mínima corresponde a um atendimento de 12 pessoas, também um

evidente exagero.

Quanto à sala para administração, as relações também sofrem certa

incoerência. Embora 4 m2 correspondam a 0,5 % de 800 m2 , exigêwncia

atual do Cóidigo carioca, para que serve uma sala de dois por dois?

Acrescente-se que salas de reunião devem ter no mínimo largura de 2,5m,

pela mesma lei, e verificamos a incoerência desta prescrição. Por outro

lado, se for um prédio de mais de 10.000m2 , podemos encontrar cerca de

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lxix

cem proprietários e, neste caso, a sala mínima prescrita, com 50 m2 , será

insuficiente para alojá-los...

Finalmente, podemos questionar também a relação destas exigências com a

área edificada, já que o número de unidades tem um impacto maior sobre

as necessidades de serviço. Verifica-se que estes aspectos estão mal

estabelecidos, levando na maior parte dos casos, a áreas desperdiçadas

embora haja, em algumas situações extremas, subdimensionamentos.

Tomados isoladamente, estas exigências tem pouca importância no

conjunto de uma obra média. Porém o seu conjunto termina impondo a

construção de um pavimento de uso comum, acrescentando, numa obra

típica, cerca de 12% de área construída, com o correspondente aumento de

custo.

Escadas de emergência

As escadas prediais são reguladas em parte pelo Município e, na maioria

dos casos, pelo Código de Segurança Contra Incêndio e Pânico, de âmbito

estadual. Elas devem ser “enclausuradas”, ou seja completamente isoladas

dos outros compartimentos do edifício, com acesso através de uma

antecâmara ventilada, estando isentas desta exigências apenas as

edificações de qualquer tipo com menos de 3 pavimentos e menos de

900m2, ou as habitacionais de até 5 pavimentos.

Verifica-se que os dispositivos deste Código com respeito a escadas é

superior ao exigido pelos padrões europeus e americanos55 para prédios de

baixa altura . Por outro lado as exigências são semelhantes seja para o

edifício de 6 ou 30 pavimentos, o que, por si só, revela sua incoerência

técnica. Analisando-se a situação atual, verificamos que para os grandes

edifícios, onde justamente a atuação dos bombeiros é mais difícil, ele está

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lxx

subdimensionado, enquanto nas obras residenciais está

superdimensionado.

Mandam as regras da boa arquitetura e da segurança que as escadas

sejam dimensionadas de acordo com a população prevista, dentro de

tempos de escoamento ou fuga coerentes com o porte do prédio. O Código

adota padrões mínimos, muito elevados para construções pequenas e

deficiente para as grandes.

Se considerarmos a metodologia de cálculo de fluxos usual, verificamos que

em um edifício residencial ao alcance dos equipamentos comuns dos

bombeiros as exigências poderiam ser suavizadas, sem prejuízo da

segurança, dispensando-se a antecâmara para até 8 pavimentos e

permitindo escadas de 1m de largura para prédios com até 5 pavimentos,

resguardado um tempo de evacuação de 3 minutos. Entretanto, caso não

haja elevador, a largura mínima deve ser de 1,20m, o mínimo adequado

para um fluxo bidirecional, respeitando-se ainda o cálculo de escoamento.

Espessuras mínimas de paredes e lajes e entrepisos mínimos

O Código atual estabelece que as lajes devem ter um espessura mínima de

15 cm e as paredes de 13 cm, se internas à unidade, e de 18 cm se forem

externas. São medidas usuais para lajes de concreto moldadas in loco, ou

com lajotas pré-fabricadas, e nas paredes correspondem às medidas da

alvenaria de tijolos cerâmicos clássicos. Estas exigências restringem a

utilização de materiais alternativos, tais como as paredes de gesso

cartonado, solução mais comum nas divisórias internas nos USA, ou então

exigem que elas se adaptem a essas medidas, sem o correspondente

desempenho qualitativo.

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lxxi

Entretanto, é evidente que as dimensões das paredes devem a capacidade

do material que as compõe em atender a especificações de resistência,

atenuação acústica, resistência ao fogo etc. Nada nos garante que uma

espessura determinada, de qualquer material que seja, cumpra os requisitos

ideais.

Ao estabelecer como critério o dimensionamento geométrico do elemento, a

legislação atual permite que seja aprovada uma construção inadequada ao

usuário e ainda restringe a aplicação de materiais mais desenvolvidos, que

poderiam cumprir estes parâmetros de uso com economia e melhor

eficiência na obra.

Se considerarmos ainda que há limitações quanto ao pé-direito (altura livre

entre piso e lajes acabados) e em muitos caso quanto ao entrepiso

(distância entre dois pisos acabados de pavimentos contíguos), ou de

gabarito (limites máximos de altura do prédio em relação ao meio fio ou ao

nível do mar), as definições de lajes podem impedir o uso de soluções que

exijam maior altura final, embora com vantagens operacionais ou de custo.

Nada nos garante entretanto que os 15 cm mínimos atendam a um

conveniente isolamento acústico do vizinho superior, como quase todos os

usuários já tiveram a oportunidade de verificar. Na prática, o entrepiso de

2,75m virou um padrão e os gabaritos são calculados para que atendam a

esta dimensão: se o projetista adotar outra, dificilmente será atingido o limite

de área construída do terreno.

Aberturas e áreas de ventilação

As condições de ventilação das unidades são definidas através de

proporções entre área do cômodo, profundidade em relação à fachada e

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lxxii

altura da verga da abertura. Não há diferenças se é um edifício alto, sujeito

a maior pressão de vento, se a orientação solar é mais favorável ou não, se

a largura da rua permite melhor insolação e renovação do ar, enfim as reais

condições da unidade.

Do mesmo modo as áreas internas de ventilação também independem de

sua situação real e do desempenho efetivo. Como as seções mínimas das

janelas, elas são estipuladas a partir de uma “prática histórica média”

baseada porém em condições de uso, de materiais e de tecnologias

diferentes das possibilidades atuais e algumas vezes afastadas dos hábitos

culturais do usuário.

Essas “práticas históricas médias” atuam como limites conservadores, mas

não impedem situações inadequadas para os usuários. Na verdade são

limites “por baixo”, desobrigando os construtores de esforços de

desenvolvimento tecnológico que poderiam trazer vantagens se pudessem

ser adequadamente compensados.

O impacto das diretrizes urbanas

Também as diretrizes urbanas podem contribuir, ainda que indiretamente,

para a restrição das alternativas construtivas, constituindo-se em fator de

resistência a novas técnicas. Por exemplo, ao definir um padrão edificado

como o de melhor rendimento dentro das opções possíveis em um lote, ela

cria obstáculos à padronização de soluções construtivas, pois a cada lote

forçosamente ocorrerão outros padrões ideais, já que os lotes são por

natureza diferenciados.

Às vezes isto não é explícito, mas ao analisarmos as alternativas de taxa de

ocupação e áreas máximas de construção, em geral a segunda é o

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lxxiii

resultado da área passível de ocupação multiplicada pelo gabarito do lote,

ou seja, há apenas uma solução possível para atingirmos o limite: uma

lâmina seguindo os limites da taxa de ocupação. É o caso do Código de

Obras do Rio de Janeiro: o decreto 322 de 3 de março de 1976, definiu em

seu artigo 96 a fórmula para o cálculo da Área Total Edificável (ATE) através

da fórmula:

ATE= N x 0,7 x S

onde N é o coeficiente para a região da obra e S a área do lote. Ocorre que

a taxa de ocupação corresponde, nos casos de aplicação desta fórmula, a

70%, ou seja 0,7 da área do lote, logo a área máxima só será atingida se

tivermos uma construção que atinja esse limite de ocupação em todos os

pavimentos. A solução ótima quanto ao aproveitamento do terreno será

sempre a mesma: um prisma cuja projeção é 0,7 do lote. Mesmo em áreas

onde esta fórmula não é aplicada a sua sistemática se repete em outros

instrumentos com o mesmo efeito.

Qualquer solução que procure padronizar ou coordenar medidas significa

reduzir um pouco a taxa de ocupação, resultando em menor

aproveitamento, uma "sobra" do direito de construção que multiplicada pelo

número de pavimentos pode ser expressiva. Esta sobra implica em custo

adicional nas unidades, pois o valor do terreno será rateado entre elas e

sendo o custo do terreno um fator importante para a definição do valor de

venda, chegando a responder por 40%, soluções que não maximizem seu

aproveitamento estarão em desvantagem. Deste modo, a falta de

variedades possíveis para atingirmos o limite de densidade urbana desejável

leva a dificuldades adicionais para soluções técnicas mais competitivas e

diferenciadas, além de induzir a uma discutível padronização da volumetria

urbana.

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lxxiv

Caso a solução construtiva ideal não seja um múltiplo da dimensão do lote,

o que na prática raramente ocorre, haverá uma perda, seja de

aproveitamento do terreno, seja de produtividade na construção, em ambos

os casos sempre repassada aos usuários. A coordenação entre lote e

solução construtiva seria muito mais fácil caso o ATE fosse inferior à

multiplicação da área máxima de ocupação pelo número de pavimentos

admitido, o que eqüivaleria a aumentar a diversidade urbana resultante e,

por extensão, a flexibilidade de produtos e a competitividade na construção.

A questão da oferta de lotes

De todos os aspectos da legislação urbana certamente o de maior impacto

sobre a indústria da construção é o parcelamento do solo, pois trata-se do

insumo básico, sem o qual é impossível realizar qualquer edifício.

Aqui verificamos uma certa sobreposição de atribuições legais, pois a

Constituição em seu artigo 21, XX, declara que compete à União “instituir

diretrizes para o desenvolvimento urbano “, mas deixa a cargo do Município

“a política de desenvolvimento urbano”, e submetendo a propriedade urbana

(art. 182 δ1o ) ao processo urbanístico de planejamento. Em decorrência

dessa dualidade de poderes, existe uma legislação federal ( lei 6.766 e

complementares) de parcelamento do solo que traz diversas exigências

que, a princípio, poderiam ser vistas como atribuição dos Municípios.

O conjunto da legislação, federal e municipal, obriga, no caso do Rio de

Janeiro, a uma enorme lista de exigências qualquer parcelamento de solo,

vinculando-o a realização de obras em prazo não superior a dois anos.

Estas obrigações, embora a princípio sejam válidas, terminam por dificultar a

oferta de novos lotes, tornando este insumo básico da construção uma

“oferta escassa” em relação à demanda, situação agravada pelo custo

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lxxv

negativo do estoque, pois, até o momento, as possibilidades de taxação dos

lotes e áreas ociosas em poder privado criadas pela Constituição não foram

utilizadas.

Sendo um “insumo escasso” viabiliza-se uma prática especulatória a partir

dos detentores de seus direitos, resultando uma situação peculiar onde os

maiores rendimentos da construção não vem da obra em si mas, de certo

modo, da venda dos “direitos de construção” a ela vinculados: é na “quota

de terreno” que se realizam os maiores lucros do empreendedor.

As políticas públicas recentes de desenvolvimento urbano e da construção

tem se pautado por um distanciamento deste aspecto. Ao contrário, temos

assistido diversas tentativas e propostas de incentivo ao setor, quase

sempre baseadas na idéia de que falta financiamento para escoar a

produção, quando na realidade é o insumo básico, o lote, que está escasso,

encarecendo e, por conseguinte, tornando insuficiente, o nível de

financiamento existente.

Mesmo que este nível seja, de fato, abaixo do necessário para atender à

carência de habitações, na situação atual qualquer aumento de oferta

financeira na ponta de consumo será, na sua maior parte, absorvido pelos

detentores deste “insumo escasso”, não sendo repassado aos usuários,

nem produzindo o desejado aumento de produção. Ao contrário, um maior

nível de financiamento servirá principalmente para inflacionar o valor da

terra, terminando por ser necessário um novo teto de financiamentos, num

círculo vicioso que assistimos desde os tempos do BNH.

Para incrementar a construção civil será muito mais eficiente atuar sobre a

oferta de lotes, tanto através do incentivo da criação de novos lotes, como

através de mecanismos que elevem os custos do estoque da terra. O

barateamento relativo dessa maior oferta terá um impacto muito forte no

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lxxvi

preço de venda, tendo em vista seu peso na composição usual de preços

das unidades, resultando em um crescimento não inflacionário do mercado.

Além disto, ao deslocar o foco da realização de lucros da valorização da

terra para a produção, os impactos sobre a qualidade das obras e dos

serviços de construção será positivo, pois aumentará a concorrência nos

itens do edifício desvinculados da localização.

Hoje em dia, a manutenção destes estoques é altamente lucrativa, pois o

proprietário se beneficia dos investimentos, públicos ou privados, realizados

no entorno. Para dinamizar a construção e, por tabela, o desenvolvimento

urbano, torna-se necessário uma correta articulação entre o custo do

estoque e o custo da produção de lotes. No momento, este último sofre os

efeitos da imputação de valores derivados de um grande número de

investimentos previamente exigidos do empreendedor, da escassez da

oferta ou, ainda, da combinação de ambos fatores.

Neste quadro, o tratamento dispensado ao “produtor de lotes” é muito

diferente ao do “produtor de edifícios”, devendo aquele cumprir exigências

mais fortes. Um exemplo extremo permite compreender a extensão desta

desigualdade: é possível comercializar legalmente um prédio em projeto,

sem revestimentos, sem instalações, sem divisões internas (vide o caso dos

“shoppings”..) sem prazo definido de entrega, porém não é permitido a

realização de loteamentos “simplificados” na mesma medida.

Desenvolvimento da Construção e desenvolvimento urbano

Através dos exemplos apresentados fica clara a vinculação entre o

desenvolvimento da construção e desenvolvimento urbano, dependendo o

primeiro de diversos aspectos legais pertinentes, seja diretamente, seja

pelos efeitos secundários da legislação, destacando-se o impacto a respeito

Page 77: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

lxxvii

da produção de lotes, tais como exigências muito severas ou, ainda, pela

falta de regras que impeçam práticas especulativas predatórias, como no

caso do custo negativo para o estoque de lotes.

Uma maior oferta de financiamento na ponta de consumo das edificação

pode ser contraproducente e outras ações, mais simples, podem ter um

reflexo positivo mais forte. Entre estas destacamos o incentivo a oferta de

lotes e a correta interpretação das atribuições constitucionais, deixando o

nível qualitativo das unidades ser disciplinado apenas pelo sistema de

normatização, Código do Consumidor e legislação conexa.

A vinculação do desenvolvimento da construção ao desenvolvimento urbano

não é porém uma relação unívoca: a cidade certamente se beneficiará de

edificações melhores e mais baratas, permitindo padrões de moradia mais

dignos à maioria da população, ainda que menos elitizados. Deste modo, é

preciso inserir a preocupação com as necessidades e a dinâmica desta

indústria no corpo de leis que regem o crescimento das cidades. Não basta

desenhar a cidade, temos que dizer como realizá-la.

Neste aspecto, o governo federal tem aplicado muito pouco o seu poder

para normatizar o desempenho das construções. Até hoje não foi

implementada a coordenação modular dos componentes, projeto de 1978, e

inexistem normas de desempenho ambiental56, que poderiam reduzir muito

a demanda de energia para refrigeração nos grandes centros e estabelecer

novos padrões de eficiência para a obra, na medida que novos materiais

fossem incorporados , de modo semelhante ao que ocorreu no Hemisfério

Norte, com legislação similar.

Longe de caracterizar uma ausência de política, esta falta de ação é uma

política, pois reforça o conservadorismo, evitando as comparações de

desempenho que poderiam levar a uma opção construtiva mais eficiente.

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lxxviii

A ruptura econômica do modelo tecnológico:

Vimos que a política tecnológica do Estado brasileiro para a construção foi

resultante das ações de seus diferentes níveis de governo, com um

objetivo inicial explícito, mas posteriormente pouco enunciado claramente,

tendo se mantido refratária à mudanças, apesar das profundas alterações

em nosso quadro sócio-econômico e do fracasso no atendimento de seus

objetivos. Além de não atender a demanda habitacional, verifica-se que as

alternativas adotadas também não foram capazes de manter uma certa

estabilidade na absorção da mão-de-obra.

O conjunto de medidas adotadas, seguindo o modelo de "mission oriented

project ", correspondeu a uma postura autoritária e centralizadora. O choque

com um sistema produtivo difuso e muito dependente de recursos

financeiros externos levou a uma situação de estagnação técnica,

impedindo assim que ganhos de produtividade e progressos qualitativos

importantes ocorressem neste setor, obrigado a permanecer à margem do

processo de modernização que ocorreu na maior parte da economia

brasileira, ainda que com intensidades variadas.

Mas a queda brusca na disponibilidade de financiamento de origem ou

controle estatal, consolidada a partir de 1990, veio romper com o equilíbrio

do sistema, como caracterizamos no capítulo I, ao apresentar o quadro de

reorganização das empresas.

A construção passou a enfrentar custos crescentes, sem possibilidades de

repasses ao consumidor, devido à recessão generalizada e à supressão dos

financiamentos que permitiam os repasses de custos. A diminuição da

produção implicou em dificuldades adicionais para a reprodução da mão-de-

obra, uma vez que ela é tradicionalmente formada nos canteiros57. Deste

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lxxix

modo, se não há canteiros não há formação, ocorrendo envelhecimento da

força de trabalho e dificultando uma eventual retomada.

Por outro lado a política de super-exploração de mão-de-obra que vinha

sendo adotada58 pelas empresas também encontra-se visivelmente

esgotada, pois exauriu a sua própria força de trabalho. Perdeu também sua

competitividade face a outros setores, até mesmo para o mercado de

trabalho informal, não oferecendo maiores atrativos para aqueles que estão

ingressando na força de trabalho.

O modelo centralizador, orientado por objetivos políticos, esbarrou na

realidade de um mercado dinâmico e resistente a uma alteração de sua

lógica, mas ainda fraco para implementar uma sistemática de produção

independente do Estado. Quando o financiamento oficial perde muito de

sua importância, e em consequência diminui a força da intervenção do

Estado, o reordenamento do sistema pode se dar de acordo com os

interesses daqueles diretamente envolvidos, e os instrumentos clássicos de

mercado voltam a ter sua plena eficácia. Essa situação é semelhante ao que

ocorreu na França em meados da década de 1970,quando “o fim das

grandes demandas do Estado e a modificação dos processos de

urbanização obrigaram as empresas do setor a modificar radicalmente seu

comportamento” 59 (trad. do autor).

A ruptura deste sistema baseado em um financiamento ao consumo

crescente e subsidiado levou ao impasse o modelo tecnológico a ele

associado, até então imposto ao setor, tornando necessária uma nova

mudança na função do Estado, para a retomada de seu papel de mediador

entre os interesses imediatos das empresas e os da sociedade como um

todo, mas respeitando, ao mesmo tempo, as características peculiares do

setor: difusão técnica e flexibilidade de produção.

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lxxx

Neste quadro, o papel da inovação tecnológica será fundamental, como

afirma HASEGAWA 60, ao colocar o desenvolvimento técnico como parte

essencial da estratégia dos construtores japoneses. As justificativas que ele

apresenta são: o aumento da competição, devido aos custos crescentes; a

difusão técnica no tecido social; a defesa dos recursos naturais e a

crescente diversificação e especialização dos edifícios. Todas elas estão

presentes em maior ou menor grau no caso brasileiro, acrescidas das

nossas conhecidas deficiências da mão-de-obra.

A esse respeito é interessante lembrar que o tempo de formação de um

montador de pré-fabricados é de cerca de quinze dias, enquanto um

pedreiro clássico despende 4 anos para atingir um bom nível61. Um

montador é treinado a partir de informações escritas, largamente

codificadas, sendo uma exigência corriqueira que ele tenha um grau de

instrução acima do patamar da alfabetização. Já o pedreiro clássico tem

uma formação empírica e depende de um grande período para desenvolver

suas habilidades e absorver um conhecimento ainda não normatizado.

A indução de um processo de inovação tecnológico consistente e

largamente difundido entre as empresas, acompanhado da necessária

formação e requalificação da mão-de-obra, pode ser uma via para sair

deste impasse.

A inovação tecnológica nas edificações

“Na construção fazemos todo diauma coisa nova, mas fazemossempre a mesma coisa.”( Mestre de obra , anônimo)

Identificação e caracterização da inovação nas edificações.

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lxxxi

A primeira dificuldade para abordar as inovações, na Construção, é

caraterizar ou identificar o que é um "produto novo" e o que é uma inovação

de processo. Cada produto é formalmente diferenciado e poderia ser

chamado de "novo", porém ele é executado com os mesmos insumos e

materiais, através do mesmo processo, logo é "velho". Mesmo a introdução

de novos insumos, tais como novas esquadrias e revestimentos nem

sempre o caracterizam como "inovador" .Do mesmo modo, há muitas

inovações de processo que não exigem novos equipamentos, limitando-se à

substituição de insumos. Antes de nos estendermos na análise da inovação

nas edificações, é preciso estabelecer os limites de inovação e aí

encontramos pontos de vista diferenciados, conforme a visão do analista.

Para o mercado, "novo" é algo que incorpora de modo perceptível ao

usuário uma qualidade ou uso diferenciado dos modelos preexistentes. Na

área do edifício, particularmente no mercado de incorporação privado, com

frequência isto ocorre pela agregação de serviços ao produto, ainda que

com alguma adaptação espacial e formal dos produtos : é o caso dos

“residence-services”, “apart-hotéis” etc. O produto também pode ser

inovador como resultado da incorporação de novos equipamentos, tais

como controles ambientais e energéticos mais sofisticados nos "edifícios

inteligentes". É quando a inovação é mais evidente, pois incorpora novas

tecnologias ao produto, repercutindo no seu processo de produção,

inclusive pela inserção de novas categorias profissionais nas equipes de

projeto e de execução.

Já a introdução de novos produtos, na forma de insumos para a construção,

não altera o produto final de modo evidente para o usuário, embora possa

repercutir em suas características imbricadas, tais como a manutenção.

Entretanto, se vinculados à novas tecnologias, podem levar à novas formas

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lxxxii

de organização e vice-versa, o que seria uma inovação para o construtor e

seus fornecedores.

Conjugados com novas soluções em termos de projeto, os novos insumos,

podem, também, provocar uma alteração significativa nos patamares de

preço, levando a novos padrões de concorrência entre empresas e

resultando numa vantagem perceptível ao usuário. Neste caso, o que seria

apenas uma “inovação de processo” ganha contornos de "inovações de

produto", pois levou a um modelo mais barato, certamente diferenciado dos

anteriores em alguns aspectos.

Seguindo este raciocínio, as inovações de novos insumos podem ser

consideradas "inovações de processo" para a construção. São produtos

para a construção e não produtos da construção . Nos trabalhos de COSTA62 e de SLAUGHTER 63, todos os casos identificados foram classificados

deste modo. Já os “novos produtos “da construção, que sejam resultado

unicamente da agregação de serviços ou redesenho de produto, não

provocam por si só nenhuma alteração significativa nas estruturas de

produção, não se consubstanciando como uma inovação tecnológica”, nem

provocando, tampouco, inovações organizacionais, embora possam ser

importantes como um instrumento de alavancamento de vendas e, em

decorrência, da produção.

Já os produtos “da construção” tecnologicamente inovadores podem ter

para o leigo um aspecto tradicional, diferenciando-se por seu desempenho

apenas na produção, mesmo que em geral eles também diferenciem-se ao

longo do uso. A diferença de desempenho na produção e, por conseguinte,

no mercado, pode ser um fator de impulso para as mudanças no setor, daí

sua importância. Ao exigirem alterações na produção, eles terminam por

afetar toda a sua estrutura num processo de realimentação contínuo. Um

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lxxxiii

bom exemplo dessa situação é a utilização de materiais com maior custo

unitário, mas que levam a melhores desempenhos. Por serem mais caros,

eles devem ter um controle de desperdício mais estrito, obrigando a

procedimentos novos, com reflexo nas formas organizacionais da empresa.

Esta formulação corresponde aos casos indicados por COSTA e NAM em

seus estudos. No trabalho brasileiro, a totalidade dos casos foram de

inovações no processo, enquanto no americano, embora não estejam

diretamente classificadas deste modo, foi possível verificar apenas 2

inovações de produto, entre os 32 casos descritos. Em ambos estudos, a

maioria dos proponentes era vinculada à etapa de projeto, sendo

fundamental a participação dos fornecedores para o desenvolvimento dos

processos.

Estes estudos não se estenderam sobre os reflexos destas inovações na

organização da produção, ainda que COSTA tenha indicado a sua

existência e também a possibilidade de que ocorram casos limitados a este

nível, nos quais há uma reestruturação da produção sem incorporação de

novos insumos ou equipamentos ou, pelo menos, em que estes não eram o

objetivo central da mudança.

Podemos, então, distinguir três níveis de inovação na construção: as que

ocorrem no nível dos produtos da construção; as existentes no processo de

produção, sejam pela introdução de novos equipamentos mas, também,

como resultado de novos insumos ( produtos para a construção) e,

finalmente, as inovações ao nível da organização da estrutura de produção.

Embora, à primeira vista, este último nível possa ser considerado uma

variante do segundo, veremos que, apesar de interrelacionados, ele tem

características próprias que o diferenciam das inovações quanto aos meios

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lxxxiv

e insumos da produção e pode prescindir de que eles sejam alterados. O

quadro a seguir resume e exemplifica o exposto.

Níveis de inovação:

• Nos produtos da Construção, por exemplo, um novo tipode imóvel, tal como o prédio “inteligente”;

• Nos produtos para a Construção (insumos eequipamentos), como no caso de um novo tipo derevestimento ou um novo equipamento de transporte;

• Na organização da produção, por exemplo, um novomodelo de gerência do trabalho ou do projeto.

Inovação e organização industrial

As inovações tecnológicas ou de produto há muito tempo tem sido parte da

estatégia de expansão ou consolidação das empresas. À medida que essas

estratégias evoluiram, passando de um plano mais imediatista para níveis

de maior alcance social e mercadológico, seus objetivos e as necessidades

que as impulsionaram tem se modificado.

Nos estágios iniciais da produção industrial, onde o preço e a expansão dos

mercados eram a questão primordial da concorrência, os maiores esforços

de pesquisa e desenvolvimento se voltaram para a obtenção de processos

mais eficientes e de produtos “pioneiros”, capazes de abrir e expandir as

fronteiras de consumo. Ao longo do tempo, as formas de produção e de

competição assumiram uma crescente complexidade que repercutiu

claramentes na organizações deste sistema, numa relação simbiótica e, em

decorrência, as inovações tecnológicas passaram a ser a resposta a

objetivos mais amplos.

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lxxxv

DOSI64 define inovação como "a procura e a descoberta , experimentação,

desenvolvimento , imitação e adoção de novos produtos, novos processos

de produção e novas formas organizacionais". Esta busca seria pautada

pela incerteza de resultados, pela dependência da Ciência, por uma

crescente coletivização das atividades de pesquisa, por melhoramentos

incrementais e por desenvolver-se de modo cumulativo. Como veremos,

este modelo teórico também pode ser adaptado às inovações nas

edificações.

Nele estão claramente explicitado três níveis de desenvolvimento das

inovações: produtos, processos e organização. A cada um deles

corresponde um alcance ou um efeito diferenciado, mesmo que geralmente

um processo de inovação perpasse mais de um nível. Na verdade,

dificilmente haverá uma inovação importante em um destes níveis que não

seja associada a alterações nos outros, porém, as repercussões de cada um

deles se darão de maneira mais intensa sobre determinados aspectos do

sistema produtivo.

Neste quadro, as inovações no processo de produção visam sobretudo um

maior grau de controle e de intensidade do trabalho. Ainda que as

condições de trabalho e o desgaste físico resultantes sejam mais

adequados ou suportáveis, estas inovações se pautam por uma aceleração

dos ritmos diretos ou indiretos, aumentando o rendimento real dos

trabalhadores. Este aspecto foi apontado, entre outros, por CARVALHO, ao

analisar os resultado da implantação da automatização nas linhas de

montagem no Brasil :

“A adoção da nova tecnologia abriu a oportunidade - aproveitada

pelas empresas - de introduzir certos mecanismos na organização da

produção que aumentaram significativamente o controle técnico

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lxxxvi

sobre o conteúdo, o ritmo e a intensidade do trabalho, em detrimento

da capacidade dos trabalhadores de produção de influir sobre o que

acontece na fábrica.” 65 (grifos no original)

No caso, tratava-se de uma intensificação direta e, como de hábito,

viabilizada por melhores condições de trabalho, tanto pelo menor esforço

físico necessário ao desempenho das tarefas, como por melhores condições

ambientais em geral. Este exemplo insere-se perfeitamente na lógica do

modelo “taylorysta” de organização da produção, pois nele há uma “disputa

permanente pelo uso do tempo dos trabalhadores”66, e a inovação visa,

primordialmente, obter um ganho de produtividade direta do trabalho,

mediante uma maior absorção de sua disponibilidade efetiva, em termos de

tempo, nas tarefas.

Entretanto, nem sempre esta intensificação se dá diretamente sobre os

tempos de produção no seu sentido clássico, vinculados às tarefas de

operação propriamente ditas. Ela também pode ocorrer através de uma

diminuição dos “tempos conexos”, ou seja, na redução das paradas para

ajustes, para manutenção ou troca de equipamentos e pessoal ou, ainda, no

tempo de treinamento da mão-de-obra. Um exemplo é apresentado por

TERTRE, na França, ao estudar uma empresa de pré-fabricados de

concreto, onde em decorrência da introdução de processos automatizados

“a intensidade do trabalho se transfere das tarefas consideradas como

diretamente produtivas para as tarefas de regulagem.” 67 (tradução do autor)

Esse crescimento da importância das tarefas de regulagem ou troca de

equipamentos está diretamente vinculado às estratégias de competição

empresarial, através das inovações de produtos. Com efeito, a busca das

vantagens oriundas da introdução de novos produtos, que podemos chamar

de renda monopolística da inovação, tem levado a uma crescente variedade

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lxxxvii

na produção e, consequentemente, uma constante renovação de

procedimentos e equipamentos necessários.

As inovações de produto talvez sejam as mais evidentes para os

consumidores, mas até a década de 70 seu papel nas estratégias das

empresas era limitado à abertura de novos mercados, ou renovação de

áreas ameaçadas por um competidor emergente. Elas já se caracterizavam

como uma ação destinada a melhorar a competitividade da empresa:

produtos novos e melhores, passíveis de abrirem novos mercados, de

preferência criando novas demandas, a partir da identificação de

necessidades dos consumidores ainda não atendidas.

Entretanto, o ritmo das inovações de produto acelerou-se rapidamente a

partir de meados da década de 80. Buscando atender a demandas cada vez

mais sofisticadas, as indústrias se obrigaram a uma crescente variabilidade

de produto. A concorrência começa a se dar, então, em termos da

capacidade de gerar novos produtos mais rapidamente que os competidores

e de modo cada vez mais segmentado, conforme os “desejos” sempre

renovados da clientela.

Essa concorrência a nível dos produtos estabeleceu o que VELTZ et

ZARIFIAN68 chamaram de três modos de competição nas organização

industriail contemporânea: pela variedade; pelo tempo e pela inovação. Eles

vieram se juntar à competição de preços e desempenho de produtos que

eram dominantes na fase anterior e, segundo esses autores, atualmente

seriam os modos de competição fundamentais nos setores industriais mais

avançados.

A competição pela variedade, segundo estes autores, “não é característica

do contexto atual, sendo o seu símbolo o modelo de variedade introduzido

pela General Motors nos anos 20, rompendo com a estandardização da

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lxxxviii

Ford”. O que diferencia o período mais recente é a sua intensidade,

exigindo cada vez mais da capacidade da empresas de gerar novos

produtos a custos aceitáveis e a intervalos cada vez menores.

Estes períodos cada vez mais diminutos entre a identificação da demanda

do mercado, seja ela evidente ou potencial, e o seu atendimento,

caracterizam a “competição pelo tempo”. Nesse enfoque, todos os esforços

que reduzirem os prazos entre solicitação e atendimento viabilizam uma

maior flexibilidade, melhorando a competitividade.

Para possibilitar esse aprimoramento contínuo, é necessário uma

capacidade constante de inovar, daí o terceiro modo de competição, “pela

inovação”. Ela distingue-se do modo de competição “por variedade” porque,

em tese, é possível diferenciar os produtos sem inová-los tecnologicamente.

Diferencia-se também do modo de competição “pelo tempo” porque

depende, fundamentalmente, da capacidade da empresa para antecipar-se

ao mercado, de sua habilidade em identificar necessidades futuras e

preparar-se para preencher essas demandas, antes que a concorrência as

detecte.

Essa capacidade da empresa não é forçosamente vinculada à seus meios

de produção disponíveis. Ela depende, essencialmente, da maneira como

ela é organizada, de seu poder de mobilização e aplicação eficiente de seus

recursos humanos e técnicos, do bom uso de sua “memória técnica”. Ela

vincula-se, assim, à organização da sua estrutura de produção e

gerenciamento, muitas vezes extrapolando os limites da empresa para

atingir sua plena eficiência.

Juntos, esses dois níveis de competição, pelo tempo e pela inovação,

exigem uma organização flexível, capaz de adaptar-se à demandas de

produção e de produtos variáveis, em prazos sempre menores: é o terceiro

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lxxxix

nível da inovação, a organizacional, que vem criar uma nova ordem capaz

de atender a essas condicionantes. Corresponde a uma visão estruturalista ,

onde “a produção de uma inovação é um ato de criação de ordem”69 e,

assim, ela “depende da desordem da estrutura do sistema. Como corolário

dessa assertiva, podemos dizer que os sistemas inovadores são aqueles

que estão em perpétua desordem”70.

Essa “perpétua desordem” nada mais é que uma organização peculiar,

“mutante” ou “flexível”, como é comumente chamada, onde os seus valores

e procedimentos internos são continuamente reavaliados. Para atingi-la, é

preciso alterar a estrutura atual e para manter-se competitivo é preciso

continuar mudando de modo a sustentar uma elevada capacidade de

inovação, ou seja, uma alta competitividade. O modelo organizacional mais

adequado a estas novas formas de concorrência não deveria mais ser

rigidamente “ordenado”, mas guardar em si uma certa entropia, coexistindo

com objetivos comuns a toda estrutura.

Um aspecto interessante dessa abordagem dos níveis de inovação é

constatar que a cada um deles correspondem objetivos específicos, que, por

sua vez, irão modelar determinadas características das empresas

envolvidas, como resumimos na tabela 0-a. Essas associações permitem

que, a partir da identificação de um ponto fraco da empresa, seja possível

direcionar os esforços necessários a melhorar seu desempenho no aspecto

respectivo, evitando-se intervenções excessivamente amplas.

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xc

Nível da inovação Objetivos associados principaisProduto Competitividade: prazos e variedade dos

produtosProcesso Produtividade: controle e intensificação do

trabalhoOrganizacionais Flexibilidade: capacidade de adaptação a um

mercado “mutante”

Tabela 0-A Níveis e objetivos da inovação

A inovação nas edificações face aos modelos teóricos .

O quadro atual de reorganização no setor das edificações nos indica que os

processos de inovação na construção devem acelerar-se em decorrência de

uma menor intervenção do Estado e das novas condições de concorrência

que começam a se estabelecer. Embora no Brasil esse processo seja

recente ele não deve ser visto como um fenômeno isolado de uma

tendência mais ampla, como TATUM diagnosticou em 1987, ao afirmar que

“a tecnologia avançada e a habilidade para inovar podem ser a principal

área de competição na construção”71, Entretanto, para avaliarmos

corretamente seus impactos é conveniente adaptar a taxinomia das

inovações ao nosso campo de estudo específico, de modo a facilitar a

identificação e caracterização de seus fatores e sua dinâmica .

A construção civil caracteriza-se por realizar produtos únicos tendo

GALLON 72 a qualificado como uma "indústria de protótipos". O conceito de

protótipo traz em si a idéia de um processo aberto a inovações ou, pelo

menos, uma maior flexibilidade para introduzi-las. Paradoxalmente,

verificamos enorme semelhança entre os canteiros de obra no Brasil, quase

todos baseados na mesma organização de mão de obra e bastante

limitados quanto à variabilidade das soluções técnicas adotadas: é evidente,

por exemplo, a predominância do concreto moldado "in loco" e da alvenaria

de tijolos.

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xci

Esta limitação de soluções construtivas e de tipologia de produtos a

conjuntos limitados é substancialmente intensa no mercado de incorporação

privadas, onde é fácil de indentificar o que cada empresa define como seu

"padrão de obra" , refletido em um número limitado de opções de materiais

e mesmo de soluções arquitetônicas presentes em seus edifícios. Ele

corresponde a uma estratégia das construtoras para contrapor-se a grande

variação dos seus produtos: é mais fácil dominar um universo restrito de

soluções, incorporando-as então a seus acervos técnicos e procedimentos

administrativos. Daí a restrição a novos procedimentos ou processos, só os

acrescentando de modo paulatino, sempre baseados em uma experiência

anterior. Como veremos no capítulo IV isto é claramente refletido nos

procedimentos gerenciais e afeta, inclusive, as alternativas de projeto.

Encontramos nesta característica dois aspectos dos processos de inovação

apontados por DOSI 73: a prática de melhoramentos incrementais e o caráter

cumulativo na apreensão do conhecimento e formulação das inovações.

Aparentemente são caraterísticas universais da construção: ao analisar 10

casos de inovações na construção americana, NAM 74 conclui que elas

surgem, predominantemente, de tecnologias anteriormente utilizadas pelos

projetistas ou construtores. Do mesmo modo, em estudo desenvolvido no

Rio Grande do Norte, COSTA75 afirma que os novos materiais e

componentes "não apresentam inovações radicais e podem ser

classificados, em sua maioria, como inovações incrementais".

Numa argumentação interessante TERTRE 76 desenvolve a afirmativa de

GALLON e apresenta a construção como uma "indústria da forma", em

contraposição às "indústrias de série" . Ele afirma que nela, por depender de

uma produção variável na forma, os ganhos de produtividade são vinculados

à intensidade do trabalho, daí a ênfase das empresas na questão

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xcii

organizacional e não tanto nos processos e produtos, procedimento

caraterístico das indústrias “de serie”, com uma produção com maior escala.

Isto explica o pequeno interesse das construtoras no desenvolvimento de

produtos: os maiores investimentos realizados por estas empresas

costumam ser orientados para novas formas de gerência e controles,

inclusive de qualidade. Um exemplo são as duas empresas que receberam

os prêmios "Construtora do ano" em 1992 e 1993, ambas com uma

estratégia de marketing fortemente centrada na questão da qualidade.

Como resultado, a questão tecnológica, no sentido estrito de produtos e

processos, como apresentado por COSTA, fica subordinada aos

fornecedores de equipamentos e materiais, correspondendo assim ao

modelo de "setor dominado pelos fornecedores" , sugerido por PAVITT77.

Deles que surgem as inovações tecnológicas que serão noticiadas na

construção, hipótese para a qual já havíamos colhido indícios em 198178.

Naquela ocasião, verificamos que as indústrias ligadas aos materiais e

equipamentos para construção vinham sendo objeto de constantes

investimentos estrangeiros, um forte indicativo de sua lucratividade e

competitividade. Atualmente, apesar da falta de estatísticas específicas,

pois o setor não é agregado convenientemente nos sistemas do IBGE e

similares, podemos afirmar com segurança que grande parte dos

fornecedores para a construção é de origem multinacional, com fortes

oligopólios já identificados na área de tintas, gesso e cimento.

PROCHNIK , a partir de evidências qualitativas, também apontou um maior

progresso técnico na área dos materiais do que nos processos de

construção, provocando uma "diminuição do valor agregado nas obras, com

o concomitante aumento de peso dos setores que produzem materiais de

construção."79 O relativo desinteresse das construtoras pelos ganhos

Page 93: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

xciii

decorrentes destes aumentos de produtividade seriam explicados por

VARGAS80 e pelo próprio PROCHNIK, entre outros, que indicaram que os

maiores ganhos das construtoras não eram provenientes da construção em

si, mas decorrentes da sobrevalorização dos terrenos. Essa situação,

entretanto, já não corresponderia à tendência atual, como vimos no Capítulo

I.

PROCHNIK também aborda o aspecto de que a escala de produção

alcançada pelas empresas de materiais e produtos para a construção

tornou-se suficiente para que algumas delas sustentem esforços de

pesquisa e desenvolvimento de modo autônomo. Considera ainda que a

competição entre sub-setores concorrentes é tal que incentivou a criação de

associações de produtores para a divulgação de materiais que são poucos

diferenciados entre si. É o caso do cimento, da cal, da cerâmica e das

estruturas metálicas.

Alguns destes materiais e "famílias de produto" são pouco diferenciados,

não possibilitando muita concorrência entre eles, mas, sim, com produtos

alternativos, de outros sub-setores. Deste modo, mesmo que oligopolizados,

eles devem se organizar para enfrentar a concorrência com o produto

sucedâneo ou alternativo. É o caso, por exemplo, das estruturas de aço,

que podem substituir as similares de concreto ou vice e versa, bem como

dos blocos de concreto face à cerâmica, dos aglomerantes à base de cal e

seus sucedâneos à base de cimento etc. . Nessa situação é freqüente a

hegemonia regional de um fabricante mas, ainda assim, ele sofrerá a

competição de outros fabricante do ramo alternativo.

A "dominação" pelos fornecedores não é entretanto uma posição unívoca,

de força: estes fornecedores têm suas estratégias dependentes do setor-

cliente, no caso, as edificações. A hegemonia se expressa por um maior

Page 94: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

xciv

dinamismo nas inovações, sendo, também, o resultado da escala de

produção, como PROCHNIK aventou. Ao atender a diversas obras e

construtoras freqüentemente estas empresas atingem um volume que as

incluem no grupo de "indústria de escala" , existindo, porém, situações em

que elas se caraterizam como "fornecedores especializados", de acordo

com a conceituação expressa por PAVITT 81.

Nesta categoria encontramos os fabricantes de máquinas e equipamentos

pesados, de formas, de sistemas de transporte etc. Sua hegemonia deriva

de um conhecimento altamente especializado sobre determinados

processos, continuamente aperfeiçoados pelo atendimento a diferentes

situações, de diversos clientes. Atuam deste modo como irradiadores ou

difusores de tecnologia, dispersando entre sua clientela um conhecimento

oriundo das experiências de terceiros.

É interessante avaliar corretamente a importância do usuário - proprietário

neste processo de inovação. Há uma tendência natural para acreditarmos

que a adoção de uma novidade inicia-se pela aceitação do "proprietário",

aquele que deve efetivamente utilizar a obra. Em seu estudo, NAM 82

realça que "a noção de que a demanda do proprietário sempre precede no

processo de inovação da construção é em grande parte um mito". Embora

o exemplo seja americano, a transposição para o Brasil tem fortes

evidências de continuar válida.

Como vimos, no Brasil há uma forte segmentação da cadeia de produção e,

consequentemente, das obrigações dos fornecedores intermediários frente

ao consumidor final, ainda muito concentradas sobre a ponta de venda. É

recente, ainda, o impacto do Código do Consumidor, que estabelece

claramente a regressão de responsabilidades. Além disso, são poucas as

edificações produzidas "sob encomenda" do cliente, sendo a maior parte

Page 95: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

xcv

voltada para um mercado consumidor em geral. A "personalização" é mais

freqüente na área pública e nas grandes corporações, que, inclusive,

costumam encomendar os projetos a especialistas e somente depois licitar

a obra. Deste modo, o "proprietário" no momento da obra confunde-se com

o construtor e suas decisões estarão dependentes tanto da lógica comercial

como das necessidades da produção.

Por isso, fatores ligados aos fornecedores ou seja, "technology-push", em

conjunto com fatores de demanda, ou seja "market-pull", têm um papel

crítico neste processo." DOSI 83 ressalta que diversos estudos de MOWERY

e ROSENBERG, FREEMAN e outros já esclareceram que os fatores

vinculados ao ambiente de operação, tais como demanda e preços

relativos são instrumentos que modelam a velocidade do progresso técnico,

a sua trajetória e os critérios de seleção de tecnologia. Segundo este ponto

de vista, o conceito de demanda do mercado para a inovação só se aplicaria

em situações de progresso incremental.

Isto nos leva a crer que nos casos onde a tecnologia preexistente é capaz

de ser facilmente adaptada a uma nova situação os construtores podem

conduzir este processo mas, quando há introdução de uma nova tecnologia,

são os fornecedores que determinam as definições necessárias, como

resumido na figura 0-a.

Tecnologia preexistente > os construtores podem adaptada conduzir este processo

Introdução de uma > os fornecedores nova tecnologia determinam as definições

necessárias. .

Figura 0-A Hegemonias nas inovações

Page 96: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

xcvi

Nos dois casos desse gênero relatados por NAM, a iniciativa partiu dos

fornecedores e eles executaram as principais tarefas de desenvolvimento

necessárias. No Brasil temos diversos exemplos em que o fornecedor de um

novo material ou equipamento, ao iniciar sua distribuição, tem a

preocupação de uma extensa assistência técnica, orientando os novos

usuários nos procedimentos necessários ao sucesso de sua utilização. Esse

é um procedimento bastante comum na área de aditivos para concretos e

argamassas e na indústria cerâmica .

Já houve, também, casos em que os fornecedores incentivaram terceiros a

implantarem “empresas de aplicação especializadas”, estabelecendo uma

rede de parceiros que prestam os serviços que os consumidores necessitam

e divulgam a sua tecnologia, ainda que limitando-se à interface de seus

produtos com o restante da obra. O poder de sua estrutura de vendas em

geral é suficiente para sensibilizar esses pequenos investidores e dá

margem a que o fornecedor tenha um efetivo poder de controle sobre os

prestadores de serviços. Exemplos deste procedimento podem ser

apontados na área de forros, de coberturas metálicas, de esquadrias

metálicas e de revestimentos argamassados especiais.

O quadro descrito até aqui aplica-se apenas às inovações tecnológicas no

seu sentido estrito, de produtos ou equipamentos e processos de

fabricação, o que poderíamos chamar de "hardware" da construção.

Quando incluímos as inovações nas técnicas organizacionais, há uma

modificação sensível e são as construtoras que direcionam o processo.

Esta separação não é absoluta pois há uma relação de interdependência

entre a tecnologia e as formas organizacionais: tanto novas organizações

são propícias a novos equipamentos e processos, como para a adoção de

alguns destes é necessário alterar a organização. CALLON84 aprofundou a

Page 97: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

xcvii

análise dessa relação, levando-a até o nível dos “dispositivos técnicos”,

componentes constituídos pelos artefatos técnicos e seus programas, onde

identificou uma capacidade de distribuir os papéis dos outros integrantes da

organização. Exemplos dessa interação ocorreram na introdução de pré-

moldados em escala industrial e do CAD - Projeto Assistido por

Computador, onde, para atingir o sucesso, ambos impuseram a

necessidade de novas estruturas gerenciais, com toda uma série de novos

procedimentos.

Esta relação entre algumas tecnologias "centrais" para o tipo de negócio e

a predisposição para favorecer determinados tipos de organização já foi

apontada por WOODWARD 85. A descrição da implantação dos sistemas de

EDI - Troca de dados informatizados, na construção francesa por

MAYÈRE86, é um caso paradigmático desta interação, demonstrando como

essa nova tecnologia joga um papel essencial para modelar uma

organização adequada à objetivos de qualidade total e flexibilidade.

Também CAMPAGNAC associa a introdução do CAD - Projeto Assistido por

Computador “à desestabilização das formas de gestão baseadas na

normatização do tempo e na definição e rotinização de procedimentos” 87

(trad. do autor). Finalmente, o relato da experiência do Synchrotron, por

GUFFOND et LECONTE88, descreve uma situação de profunda interação

entre tecnologia e forma de organização e gerenciamento do projeto. Nos

dois próximos capítulos vamos analisar algumas situações brasileiras que

reforçam essa idéia de vinculação entre tecnologia e forma organizacional.

Produtividade nas edificações

A produtividade e variabilidade na Construção

Page 98: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

xcviii

Diversas vezes, ao do longo do Cap. II, tomamos os índices de

produtividade como um indicador do desenvolvimento técnico da

Construção, particularmente como um meio de comparar o desempenho

deste setor em relação a outros. Para isso nos utilizamos do conceito

clássico , adotado pelos sistemas de contas nacionais, onde este índice

refere-se à produtividade do trabalho, representada pelo valor

adicionado/pessoal ocupado89. Como vimos, o desempenho relativamente

inferior da Construção não é uma característica exclusivamente brasileira:

além dos estudos já citados, também CAMPINOS DUBERNET90 indica que

na Europa o setor da construção tem uma média inferior à da indústria,

sendo entre 7 a 8% abaixo, na Alemanha e na Inglaterra; de 15 a 19%

abaixo, na Itália e França.

Se para efeito de comparações intersetoriais esta abordagem genérica é

satisfatória, quando se trata de elaborar análises intrasetoriais há uma

grande dificuldade em adequar os conceitos de produtividade à construção.

Em que pese a enorme variedade de trabalhos sobre a questão da

produtividade (MEIRELLES 91 indicou 29.363 referências indexadas apenas

em um banco de dados internacional e mais 39.043 se a palavra chave

fosse "performance", freqüentemente um sinônimo), quando procuramos

mensurar esta variável na construção as dificuldades são enormes.

A conceituação genérica de produtividade seria, segundo a OECE92:

"quociente de uma produção por um dos fatores de produção". Esta

definição implica em:

a) mensurar a produção ;b) compara-la a um fator de produção predefinido.

Enquanto na Economia a medida de produção é usualmente transformada

em valor da produção, na Engenharia, modernamente, essa prática não tem

Page 99: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

xcix

sido aceita, sendo preferível que ela seja estabelecida em termos físicos,

pois no primeiro caso ela estaria sujeita a uma infinidade de variáveis,

particularmente no Brasil, onde a moeda não pode ser um valor de

referência seguro.

A predefinição dos fatores de produção pressupõe um perfeito

conhecimento do processo de produção e sua relativa estabilidade, ao

menos ao longo do período a ser analisado. Essas condições são comuns

nos processo industriais "de série ou de escala", de acordo com a definição

de PAVITT93, particularmente nos processos de produção "Tayloristas" .

GALLON conclui que nestes processos a produtividade "serve para medir a

eficácia da execução individualizada e submetida às especificações

técnicas. Mas a noção de produtividade, fora do processo “Taylorista”, não

leva em conta a organização do trabalho"94.

Se a produtividade é uma medida estabelecida em relação a um dos fatores

de produção, não obrigatoriamente o trabalho, ela está sujeita a variação

destes fatores e "a medida de sua evolução perde seu sentido se há

alterações importantes no processo de produção, tais como uma mudança

tecnológica ou de composição de mão-de-obra"95. Entre outros fatores

importantes a serem considerados deve-se incluir a "qualidade", termo de

significado às vezes bastante subjetivo : todos sabem o que é mas poucos

conseguem defini-la...

Finalmente, para ter um significado relevante, a medida da produção deve

ser relacionada com o tempo despendido, às condições de trabalho e à

qualificação dos trabalhadores. Com efeito, “um dos inconvenientes de

utilizar a produtividade da mão-de-obra, como se fosse praticamente a

expressão única da produtividade, é o fato de que esse indicador incorpora

Page 100: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

c

não apenas as melhorias de eficácia dos trabalhadores como, também,

efeitos de substituição de mão-de-obra por outros insumos”96.

Daí ter surgido o conceito de produtividade multifatorial , “que representa a

mudança no produto por unidade combinada de trabalho, capital e

insumos”97. Desse modo é possível avaliar os efeitos de todos os insumos,

evitando-se uma visão distorcida que apenas um deles poderia fornecer.

Quando adotamos um indicador parcial, por exemplo, do trabalho, é

possível “confundir crescimento da produtividade com substituição de um

fator de produção pelo outro” 98. Já no enfoque multifatorial clássico, o

problema é a tradução de todos os recursos em um medida monetária,

única referencia comum possível, a qual pode ser válida num período de

tempo restrito, mas em séries longas está sujeita a variações de preços que

as distorcem completamente.

Também devemos considerar que até séries históricas de um mesmo índice

podem mascarar condições de produção muito diferentes, pois os processos

executivos podem ter grandes variações. Deste modo, a demanda final de

homem-hora por produto, tão utilizada em comparações do tipo “nos

Estados Unidos são necessários 8 homens hora por m2 de construção e no

Brasil são precisos 48”, esquecem, neste exemplo, que o trabalho embutido

em componentes pré-processados é enorme.

MEIRELLES apresentou uma crítica contundente às abordagens comuns de

produtividade, demonstrando os limites dos modelos de aferição tipo "caixa

preta", onde não se questiona os antecedentes históricos da produção,

enfatizando a concepção marxista de produtividade como "uma relação

entre os valores de uso resultantes de um processo de produção e o

trabalho socialmente necessário à realização deste processo" 99. Na medida

que este trabalho é “social” ele extrapola os limites de um processo de

Page 101: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

ci

produção determinado, abrangendo todos os recursos indiretos do trabalho

humano que o possibilitam. Exemplificando, é preciso considerar o plantio

das árvores (e o seu tempo de crescimento) na análise da produtividade da

indústria madereira.

Trata-se porém de um conceito muito genérico, aplicável em visões

estratégicas, mas que repercute pouco no "chão da fábrica" ou nos

canteiros de obras, onde a gerência sempre está às voltas com o objetivo de

aumentar a produção com o menor acréscimo de recursos empregados. Ali

é necessário uma medida destas relações, ainda que limitada, pois para ter

um significado relevante, a medida da produção também deve ser

relacionada com o tempo despendido, às condições de trabalho e à

qualificação da mão-de-obra.

Ocorre que nas edificações a variabilidade destas condições é imensa, fato

agravado pelo domínio ainda restrito por parte da gerência do processo de

produção, onde uma parcela importante ainda está sob controle do

trabalhador. A "gerência científica" de Taylor, fundamento inicial dos

procedimentos administrativos industriais, é baseada na transferência do

conhecimento operário para a gerência, a qual passa a ter então condições

para definir rigidamente todos os procedimentos das tarefas. Esta

transferência só foi possível pela observação de situações repetitivas que

geraram estatísticas e outros dados que permitiram construir um acervo de

conhecimento que viabilizaram estas predefinições rígidas do processo de

trabalho. Entretanto, na construção isto não ocorreu.

Embora a evolução tecnológica da construção tenha sido muito grande

neste século, a apreensão do "saber operário" foi restrita, dificultada ao

extremo pela falta de repetividade de suas operações, característica do fato

de ser "indústria de protótipos". A engenharia da construção desenvolveu-

Page 102: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

cii

se, mas as técnicas de execução ainda tem uma grande parcela pendentes

da prática do operário, pois são derivadas de uma formação que é muito

mais uma "habilitação" do que uma "qualificação". O operário da construção

desenvolve "habilidades", tanto assim que freqüentemente são analfabetos

sem que isto os prejudique demasiado no exercício das funções tradicionais.

Esta situação reflete-se claramente na prática do canteiro, onde é comum o

engenheiro chamar o mestre e os encarregados, ou até mesmo os oficiais,

para definir prazos e consumos de materiais. Em geral ele tem mais

confiança neste tipo de conhecimento do que nas bases de dados

disponíveis , que refletem as médias históricas de desempenho e devem

ser adaptadas a cada nova situação, sendo usadas como uma referência,

mas a avaliação final do novo serviço é quase sempre feita com a

participação dos mestres e encarregados, ou seja seus operários mais

especializados.

As dificuldades de estabelecer previamente os tempos de trabalho e a

variabilidade das condições de contratação levaram as empresas a adaptar

sua gerência às diferentes solicitações. Deste modo "conforme o caso, para

realizar a mesma tarefa, é possível alocar uma grande carga horária a

trabalhadores de baixa qualificação, ou um volume de horas menor a um

pessoal mais qualificado. A combinação será definida em função da

rentabilidade que ela supostamente deve produzir e a disponibilidade de

determinadas qualificações." 100

A conjugação da grande variação dos fatores de produção com as

dificuldades de apropriação do saber operário pela gerência conduz a um

quadro onde "não é possível identificar as produções similares, nem fatores

Page 103: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

ciii

de produção comparáveis, nem tampouco isolar a contribuição específica de

cada aspecto nos ganhos de produtividade" 101.

Estas características da construção impediram de a ela serem adaptadas,

com sucesso, técnicas gerenciais e de produção oriundas de outras áreas,

particularmente no caso brasileiro, onde, como vimos anteriormente, a

atuação do Estado foi tecnologicamente retrógrada. O caminho da

industrialização pesada da construção, largamente baseada na pré-

fabricação em concreto, resultou em uma adaptação ruim de seus produtos

às exigências do mercado, devido em grande parte, à variabilidade que se

exige de seus produtos, tendo se restringido a alguns nichos do mercado,

mesmo no exterior.

TERTRE relaciona esse fracasso da pré-fabricação pesada na França a

uma demanda de capital excessiva para a grande maioria das pequenas e

médias construtoras, exatamente a parcela mais dinâmica do mercado, à

falta de redistribuição dos ganhos de produtividade decorrentes pelos

grandes grupos e a intervenção desastrada do Estado, que definiu

incentivos ao uso dessa tecnologia, mas não ofereceu os recursos

financeiros na medida que ela exigia102.

No Brasil, a opção pela pré-fabricação pesada, além de inadequado devido

à sua demanda excessiva por capital, como bem ressaltou MASCARÓ103, as

empresas que insistiram nesta via pagaram um preço alto, como no caso da

Engefusa, chegando às vezes a falência, como no caso da ESUSA, ambas

empresas pioneiras da industrialização da construção no Estado do Rio de

Janeiro.

Face a esta situação e considerando a lógica capitalista de nosso sistema,

como poderiam as empresas buscar maiores ganhos? VARGAS104 apontou

a adoção pelas empresas de uma política de "depredação da força de

Page 104: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

civ

trabalho", que se traduzia em salários insuficientes para a subsistência,

jornadas de trabalho excessivas e condições laborais precárias.

Na verdade, essa não foi uma política exclusiva deste setor: CARVALHO

ressalta que nos anos 70 se impôs, no Brasil, “um certo padrão de uso e

controle da força de trabalho”, viabilizado pelas condições econômicas e

políticas então existentes, cuja “característica mais importante consistiu na

exploração predatória da força de trabalho”105. O que diferencia a

Construção foi a intensidade deste processo que nela chegou ao extremo

de prejudicar a dinâmica de renovação da mão-de-obra, afugentando os

trabalhadores do setor e desqualificando o conjunto.

Este caminho porém esgotou-se, seja porque a depredação teria restringido

demasiado a mão-de-obra qualificada , seja porque ao estabelecer

patamares de remuneração e de condições de trabalho tão ruins, a

construção foi preterida pelos operários e pelos possíveis pretendentes a

uma vaga, em favor de outros setores, mesmo na economia informal: são

comuns as afirmativas do tipo "é melhor ser camelô que operário da

construção".

Embora por motivos um pouco diferentes, também na Europa a construção

tem perdido a competição com outros setores, seja na produtividade, seja

na atração dos que ingressam no mercado de trabalho 106, o que, segundo

BOBROFF107 tem levado as empresas a um "novo modelo de

organização", onde a racionalidade do sistema substitui a racionalização de

cada nível da cadeia de produção. Neste novo sistema, segundo DAHAN,

"não se fala mais de produtividade na empresa, mas de sua eficácia, da

performance da organização ao ajustar o trabalho disponível a instabilidade

da produção"108.

Page 105: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

cv

Deslocar a questão da eficiência do nível do trabalho do operário para o

nível da empresa como um todo não significa abandonar a busca por uma

maior produtividade. Na verdade, é uma troca da intensificação direta do

trabalho por novos modelos organizacionais que levam a este objetivo por

meios indiretos, talvez de modo menos agressivo, atingindo, em paralelo,

uma maior flexibilização da estrutura de produção.

Porém, em termos do significado da produtividade e das práticas gerenciais

essa alteração é fundamental: ao invés de enfocar o “posto de trabalho”, ou

a “operação” , a busca pelo melhor desempenho, inclusive do fator trabalho,

deve se pautar pela eficiência da organização, restringindo radicalmente os

conceitos clássicos “Tayloristas”, baseados nas operações concretas de

trabalho.

Num contexto largamente dependente do trabalho humano direto, é natural

que a medida de sua eficiência fosse baseada na sua economia, sendo que

este sistema pode ser rapidamente adaptado ao desenvolvimento da

mecanização intensiva., também baseada em operações simples.

Simplesmente a hora-máquina passou a ter preempção sobre o homem-

hora nos estudos de otimização. Em ambos os casos, a eficiência na

aplicação dos recursos é expressa pela “economia do tempo”.

ZARIFIAN destaca que no contexto taylorysta é a produtividade local das

operações que norteia as tarefas de produção, na medida em que as

operações mecânicas ainda dependem largamente da intervenção humana.

Porém, ele destaca que:

“Essa produtividade repousa claramente sobre uma economia do

tempo. Mas esta não se resume à cronometrarem pura: ela é uma

definição, às vezes complexa, de todos os parâmetros que intervêm

na execução do processo de trabalho e de sua combinação, sendo a

Page 106: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

cvi

sua forma ótima a combinação que define “como fazer o trabalho o

mais rápido possível”... “109

Em decorrência, a abordagem Taylorista está umbilicalmente ligada ao

conceito de posto de trabalho, a unidade organizacional básica. A

produtividade seria a resultante da soma de suas medidas individuais, em

cada posto de trabalho. Assim, ela não considera adequadamente os

tempos de coordenação, os ajustes e outras atividades indiretas, mas

fundamentais para a produção.

Na construção, particularmente, o tempo dedicado a essas tarefas é muito

elevado, em decorrência da variabilidade das condições de produção e dos

produtos. HEINECK110, ao consolidar da bibliografia a respeito, indica que a

classificação do tempo gasto nas obras em tempos produtivos, auxiliares e

improdutivos se dá na proporção de 33% para cada.

Essas distribuição segue o critério de que tempo produtivo é aquele

empregado em tarefa que incorpora valor à edificação, seja diretamente,

seja através de materiais ou componentes; tempos auxiliares “são os

necessários para que existam os primeiros” mas que não ficam incorporados

ao edifício, tais como preparação de canteiros, formas etc. Finalmente, os

tempos improdutivos nada acrescentam ao prédio, nem são rigorosamente

necessários para a produção, com exceção dos tempos de descanso

metabólico dos operários.

A elevada proporção dos tempos auxiliares liga-se diretamente às

condicionantes de produção muito variáveis, já os tempos improdutivos

indicam um grande potencial interno para obter ganhos de produtividade,

mas em contrapartida, são a expressão de que a sistemática de controle

atual é inadequada para atingir um grau de eficiência comparável a outros

setores industriais.

Page 107: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

cvii

Produtividade da construção e produtividade da obra

Outro fator a considerar é que a produtividade da construção não deve ser

confundida com a produtividade da obra. Com efeito, não existe obra sem

escritório, ordens de compras, contratações, enfim todo um conjunto de

atividades de cunho administrativo ou de planejamento que são essenciais e

que estão mais na esfera dos serviços que na produção industrial. Nos

orçamentos de obra esses custos indiretos são estimados a partir de médias

percentuais sobre o faturamento e chegam a atingir 30% do valor da

obra111, sendo usuais valores de 20%, ou seja, considerando-se que o

custo da mão-de-obra do canteiro é cerca de 1/3 do custo da obra estes

serviços podem ter um peso na formação do preço da obra próximo ao dos

“tempos produtivos” reais! LIMMER112 detalha um exemplo onde os “custos

indiretos empresariais”, correspondentes aos serviços da administração

central e que excluem o lucro, imposto de renda e contribuição social, é de

18,6%, incidindo sobre o custo total (custos diretos mais indiretos) do

empreendimento.

Desse modo uma parcela significativa da produtividade na construção está

mais próxima dos conceitos aplicados à área de serviços que dos usuais na

produção industrial. Neles, a medida física da produção não representa

integralmente a dimensão e natureza do trabalho: é difícil avaliar a produção

de um Departamento de Compras pelo número de licitações, ou mesmo

pelo peso dos materiais ou outra medida do gênero. Além disso, deve ser

considerado o resultado qualitativo destes serviços, que, no exemplo

apresentado, poderia ser avaliado pelo prazo decorrido entre a solicitação e

o atendimento de um pedido, ou se a média de preços pagos situa-se

abaixo ou acima da média real do mercado.

A eficiência geral da empresa de construção depende, assim, dessas

atividades acessórias, mas fundamentais, e talvez ali resida uma parcela

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cviii

significativa dos componentes de seu desempenho geral. Mas a lógica

destes “setores de serviço” distingue-se do restante da empresa, com

características próprias bem definidas.

Em primeiro lugar, seus produtos são intangíveis: ordens de compra,

atendimento ao público externo, administração e apoios diversos ao público

interno, largamente baseados no processamento de informações. Nessa

área não existem estoques físicos dos produtos, por isso a variável chave é

o tempo de resposta às solicitações. Há um forte contato com o público

externo, tais como fornecedores de materiais, compradores dos imóveis, e

“vendedores” de lotes ou projetos, investidores, com ênfase nos primeiros, e

a maior parte dos serviços que presta a estes “clientes” ocorre após o

atendimento, ou seja há um trabalho de retaguarda importante.

A importância desta área explicaria em parte o movimento de bipolarização

do mercado nos países mais desenvolvidos, onde cada vez mais ocorre

uma concentração de empresas nos extremos dos segmentos do setor: um

número diminuto de grandes empresas responsável por uma grande fatia do

mercado e um grande número de pequenas empresas, responsável por

outra grande fatia desse mercado, com poucas empresas nos estratos de

porte médio113.

Embora no Brasil este movimento não esteja ainda claramente definido, o

crescimento recente das pequenas empresas é notável, bem como a perda

de mercado das empresas médias, conforme vimos no Cap. I. Nele também

associamos ao crescimento das grandes empresas à disponibilidade de

financiamentos, pois elas teriam um melhor acesso a esses capitais. Se a

oferta financeira crescer, parecem fortes as possibilidades desse fenômeno

de bipolarização se reproduzir em nosso país.

Page 109: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

cix

Essa hipótese é reforçada com o estudo de ESPINAL114 quanto à

produtividade das empresas na indústria de transformação brasileira,

considerando-se os indicadores de produtividade multifatoriais, onde ela

afirma que “é no quartil superior (considerando-se o porte das empresas)

que aparece o maior número de setores com crescimento positivo da PTF”

(Produtividade Total de Fatores-Não-Capital).”

A hipótese de que haveria uma economia de escala vinculada ao porte da

empresa pode ser contestada a partir do fato que ela levaria, a longo prazo,

à existência de uma única empresa em qualquer mercado, Entretanto esses

processos de ganhos de escala tem limites, ainda que variáveis conforme

cada setor. TERTRE , a partir de um arrazoado teórico de Y.MORVAN,

afirma que existiria uma “dimensão mínima ótima”,115 onde as possibilidades

de redução de custos seriam as maiores mas que, a partir desse limite

crítico, seria possível admitir a existência de um patamar, onde a questão do

porte não implicaria em reduções de custo e que, em certos casos, além

deste patamar, poderiam ocorrer deseconomias de escala, ou seja, os

instrumentos de controle e coordenação seriam excessivamente caros,

eliminando os benefícios decorrentes do maior volume.

Porém a questão das economias de escala na Construção tem

particularidades e pertinência diferentes da indústria de série. Desde seu

enunciado por Adam Smith, a discussão sobre os custos médios tem se

pautado por vinculá-la claramente ao volume de produtos realizados, que

possibilitam maior especialização e levam a um efeito de aprendizado. Este

tipo clássico é a “economia de escala produto-específica”116 .

Embora tenha sido a inspiração para as tentativas de industrialização da

Construção no pós-guerra europeu, levando ao conceito de pré-fabricação

pesada, este caminho de ganhos de produtividade não teve sucesso neste

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setor e hoje em dia este tipo de economia de escala raramente ocorre na

Construção, onde os produtos são extremamente individualizados.

A exceção são os edifícios altos, onde a repetição de pavimentos-tipo

provoca um efeito aprendizado nas equipes, melhorando o desempenhos

das equipes à medida em que a obra “sobe”. Mas, neste caso, ela seria

mais próxima do conceito de “economia de escala dinâmica” 117 onde o

aprendizado e a evolução do conhecimento dos processos por parte dos

trabalhadores integra a curva da experiência, com melhor aproveitamento

dos tempos e outros recursos da empresa.

Do mesmo modo, as “economias de escala específicas à planta”118,

derivadas da otimização do uso dos equipamentos, não tem uma

significação importante nos canteiros, em parte devido à mecanização ainda

incipiente, mesmo dos transportes na construção, no caso brasileiro. Nos

países mais desenvolvidos este item já foi quase completamente

mecanizado e se encaminha para a automatização. Outro fator é a política

de minimização dos investimentos fixos, adotada pelas empresas, que

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preferem alugar os equipamentos, ao invés de comprá-los. Nesse caso, as

economias de escala resultantes são igualmente divididas entre todos os

locatários, eliminando os possíveis ganhos comparativos.

Outro gênero de economia é a “multiplanta”119, onde se busca otimizar a

distribuição geográfica das usinas , o que guarda alguma semelhança com a

multiplicação dos canteiros de obra. Mas, à semelhança da locação de

equipamentos na Construção, esse fator de possíveis ganhos diferenciais é

anulado pela sua universalidade no contexto competitivo.

Finalmente, podem ser identificadas as “economias de escopo”120 ou “ de

variedade”121, ligadas à produção de vários produtos em uma mesma planta

ou organização, resultando na otimização do uso dos recursos. Face à

ausência dos investimentos fixos, essa estratégia nas obras também é rara,

podendo ser identificada apenas em algumas empresas que começam a

utilizar uma central de insumos e componentes, atendendo a várias obras,

onde são produzidos conjuntos hidráulicos, partes de esquadrias e

coberturas e outros componentes cujo porte permita um transporte

razoavelmente fácil. Além disso, a economia de escopo tem um papel

importante nas atividades de apoio, nos escritórios e administração central.

A idéia de economia de variedade vincula-se também ao conceito de

flexibilidade, pois ela representa a capacidade da empresa em manter um

leque de ofertas diferenciado, em diversos mercados. A sua teoria geral122,

foi baseada sobre empresas de serviços de “capital reversível”, onde é

possível passar de um produto ou de um mercado a outro sem custos

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irrecuperáveis, situação semelhante à encontrada na área das edificações,

onde o único custo fixo importante é o investimento no terreno. Mas, como

os lotes costumam ter uma valorização constante, este fator acaba tendo

“custo negativo”.

Essa descrição das possíveis economias de escala internas à firma mostra

que há poucas vantagens relativas das grandes empresas vinculadas ao

canteiro, à produção em si. Mas se existe uma tendência à bipolarização,

ela deve se relacionar a algum tipo de economia derivada do porte que, a

nosso ver, é decorrente, em grande parte, das “atividades de apoio”. Além

de propiciar um rendimento mais elevado do trabalho nestas atividades, a

concentração também amplia o potencial de captação de serviços pelas

grandes empresas, pois aumenta a sua “exposição” aos consumidores.

Este aspecto termina por aumentar ainda mais a eficiência desses setores.

Finalmente TERTRE inclui na sua taxonomia das economias de escala a

“economia de substituição” , derivada da troca de insumos e processos que

levem à melhor produtividade. Na verdade, ela representa a capacidade

das empresas de inovarem e se adaptarem a novas condições. Ao

tratarmos da questão das inovações, no capítulo anterior, vimos que essa

habilidade situa-se principalmente nos extremos dos estratos de porte das

empresas: de um lado, grandes conglomerados com capacidade financeira

para pesquisa e desenvolvimento; de outro, pequenas empresas atuando

em “nichos especializados”. Este quadro articula-se perfeitamente com a

hipótese de bipolarização exposta anteriormente.

Perdas, desperdícios e falhas na construção

A discussão da produtividade não pode deixar de abordar a questão das

perdas, desperdícios e falhas ao longo do processo produtivo. Estamos

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habituados a considerá-las vinculadas principalmente à materiais e

particularidades do processo produtivo, mas diversos trabalhos apresentam

a forte correlação dos sistemas organizacionais e de gerenciamento com os

níveis de perdas de trabalho e de materiais.

Se há trabalho mal aproveitado ou retrabalho, significa que a produtividade

poderia ser mais elevada e os indícios apontam que a construção brasileira

tem um enorme potencial de ganhos "no seu quintal" , resultado da

ineficiência destes sistemas. Como afirma JURAN: "o desperdício crônico é

uma oportunidade de melhoramento" 123.

A primeira demonstração desta ineficiência é o alto volume de entulho

gerado nas obras tradicionais, que, segundo PINTO124, atinge pouco mais

de 18% do peso total de material empregado e corresponde a 10% do custo

total da obra. Neste total estão incluídas as perdas diretas, ou seja o custo

dos materiais perdidos, e as perdas indiretas ou ocultas, relativas aos

custos dos materiais mal empregados, tal como em espessuras

exageradas. Também estão incluídas, sem distinção, as perdas de

processamento, aquelas já esperadas em decorrência da escolha de

determinado material ou procedimento e as perdas "inesperadas", resultado

de erros ao longo do processo, possivelmente evitáveis.

FRANCHI 125 e outros pesquisadores do NORIE -UFRGS desenvolveram

uma análise bastante detalhada desta questão, classificando as perdas

segundo sua origem nas diferentes atividades da construção e concluindo

que "a maior incidência de perdas é definida pelos procedimentos

específicos de administração do material ou das atividades que envolvem o

uso do mesmo"126. Neste trabalho os pesquisadores adotaram o conceito

de WYATT de perdas inevitáveis, cuja origem deve-se a fatores que fogem

ao controle do construtor ou onde o custo de correção é superior ao da

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perda, e as evitáveis, que corresponderiam efetivamente ao desperdício e

concluíram ainda que "uma elevada parcela das perdas existentes são

evitáveis" 127.

Nesses trabalhos não há uma clara distinção entre perdas e falhas, sendo

que nos levantamentos os resultados se confundem e, para o cálculo de

perdas totais, essa diferenciação é realmente sem pertinência. Entretanto, a

“falha” não faz parte do processo de produção, mesmo que nenhum

processo seja imune à sua ocorrência. Elas são eventos em que um produto

ou serviço não atendeu às solicitações e, mesmo que seja possível

estabelecer uma freqüência estatística, elas são de natureza imprevisível.

Porém, podemos constatar que toda “falha”, seja de serviço ou de produto,

implica em uma “perda” de trabalho e/ou material, embora nem toda perda

seja realmente uma falha.

Se considerarmos que a construção é uma obra intencional, planejada, as

perdas realmente inevitáveis serão necessariamente muito poucas, pois

mesmo a influência das intempéries podem ser, na sua maior parte,

controladas, o problema é o custo da proteção. Mesmo as deficiências de

projeto, em geral falhas no seu sentido exato, poderiam teoricamente

sempre serem corrigidas, através de um melhor planejamento ou controle.

Logo não se trata de uma "divisão natural", mas sim de uma classificação a

partir de uma relação custo - benefício, como WYATT128 ponderou, sujeita

também a regulamentos e diversos instrumentos legais que muitas vezes

se sobrepõe a uma análise financeira imediata. A análise custo-benefício

deve incorporar a avaliação ambiental e social, daí a freqüente necessidade

de intermediação do Estado.

Deste modo, julgamos mais conveniente seguir o conceito único de perda,

sempre vinculado à intencionalidade e racionalidade do sistema: se elas são

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elevadas no momento é por que os custos para sua eliminação eram

superiores aos custos financeiros e sociais indiretos da sua manutenção. É

a partir do momento em que estes custos, principalmente os sociais,

aumentam e atingem patamares incompatíveis com o mercado e com as

exigências da força de trabalho que as perdas tornam-se um problema:

antes elas eram uma solução, pois faziam parte intrínseca do processo de

produção que, bem ou mal, atendia à demanda...

Quanto à origem das perdas julgamos mais adequado caracterizar aquelas

passíveis de identificação e correção antes da execução e as que, por

serem estreitamente dependentes do processo de execução em si, só serão

verificadas durante a produção. As primeiras são "falhas de projeto", as

segundas "falhas de execução". Em um outro nível, podemos ainda

distinguir também falhas ocorridas no projeto ou na execução, mas que são

o resultado de uma erro de informação ou de decisão gerencial: na verdade

são "falhas de gerenciamento".

É importante notar que esta classificação não leva em conta o momento ou

a atividade onde ocorreu a falha, mas sua origem. Assim, falhas na

recepção de materiais, compras, ou na própria execução podem ser

consideradas como "falha de projeto", mesmo que tenham ocorrido durante

o período de execução, desde que tenham sido causadas por erros ou

omissões de projeto.

Apesar destas três categorias abrangerem todas as possibilidades de falhas

na construção, atribuir as responsabilidades dos problemas surgidos nas

obras não é, porém, uma tarefa fácil, pois supõe identificar e caracterizar a

origem real do problema, não se limitando aos sintomas. Se ele é evidente,

tal como uma conexão mal ajustada ou mesmo um cômodo mal

dimensionado para finalidade a que se destina, isto não é difícil. Mas como

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caracterizar um detalhe de execução complicada, que exige do operário um

esforço físico excessivo ou um número demasiado de horas para conseguir

realizá-lo? Cabe então distinguir as “perdas ou falhas evidentes” das “perdas

ou falhas ocultas”.

Em uma construtora tivemos a oportunidade de assistir a um exemplo

esclarecedor: operários que participavam de uma reunião com a gerência

para avaliar uma premiação de produtividade queixaram-se que

determinado detalhe de revestimento era de execução problemática,

obrigando-os a ficar em uma posição incômoda por muito tempo. Afora o

desgaste físico resultante, estavam insatisfeitos por que no sistema adotado

pela empresa isto os prejudicava financeiramente, por diminuir os índices de

produção e, consequentemente, a premiação. Era uma solução que

diminuía os resultados, provavelmente sem uma contrapartida proporcional,

mas que só foi identificada a partir do momento em que os operários

sentiram-se lesados.

Outro exemplo é a quebra de tijolos: este componente pode ser considerado

como o módulo básico da construção tradicional, pois é o seu menor

elemento. Adotar medidas sem preocupar-se com seu dimensionamento

implica forçosamente em quebras que poderiam ser evitadas, assim sendo,

até que ponto o desperdício de material decorrente dos cortes é uma

inevitabilidade do processo ou uma deficiência de projeto? Também os

atrasos no fornecimento de detalhes que implicam em perdas de horas de

trabalho, ou os erros que exigem retrabalho de serviços já terminados, são

deficiências de projeto, mas, dificilmente, são detectados pelos sistemas de

apropriação de custos em uso. No exemplo citado, uma das reivindicações

apresentadas pelos operários era que estes fatores fossem excluídos dos

cálculos da premiação, o que exigia toda uma sistemática diferente para a

contabilidade interna da obra...

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A importância das falhas ocultas é tamanha que levou a inclusão no Código

de Defesa do Consumidor129 do artigo 26, voltado à questão dos vícios

ocultos, cuja prazo decadencial ou de prescrição do direito a reclamações

inicia-se apenas a partir do momento em que ele se evidencia, ampliando

consideravelmente as obrigações de garantia dos construtores.

Finalmente, há os problemas na etapa de uso mas que são derivados do

projeto: especificações de serviços e de materiais deficientes ou

inadequados podem aumentar os custos de manutenção e o volume de

equipes de correção. Soluções arquitetônicas que não atendem às

necessidades dos usuários podem exigir reformas precoces ou

compensações dispendiosas. Em uma série de levantamentos que

realizamos,130 de 3 a 5% do custo das obras eram gastos no

acompanhamento pós-entrega da obra e obtivemos relatos de outras

construtoras onde este valor seria muito mais elevado.

HAMMARLUND131, em pesquisa realizada na Suécia, atribui ao projeto 51%

dos custos das "falhas externas de qualidade", em oposição às falhas

internas, aquelas que ocorrem antes da entrega. Nestas, o projeto teria uma

participação de 20%, enquanto o gerenciamento seria o maior responsável,

com 34%. Já CAVALERA132 aponta o projeto como responsável por 34 a

51% dos problemas da construção, variando conforme o país, todos eles

europeus.

A conjugação das diferentes classes de problemas de perdas permite

montar uma taxonomia das perdas na Construção, resumida na tabela 0-a .

Por ela podemos verificar que as únicas perdas realmente “inevitáveis” ou

justificáveis são as de execução, decorrentes de métodos e processos.

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Classe da perda Tipologia CaracterísticasGênero Evitáveis O custo de correção é inferior ao

custo da perdaInevitáveis Custo de correção superior às perdas,

Origem fora de controle.Origem Projeto Decorrente de erro de concepção ou

de formulação de condicionantesExecução Decorrentes de falha (de procedimento,

falha técnica de material ouequipamento) ou decorrentes demétodos e processos.

Gerenciamento Vinculada a processamento deficienteda informação e descoordenação.

Natureza Ocultas Detecção só é possível após umsinistro ou através de modificações decontrole

Evidentes Detecção fácil pelos sistemas decontrole existentes.

Condição Internas Ocorrem antes da entrega da obra aocliente.

Externas Ocorrem após a entrega da obra aocliente.

Tabela 0-A Taxonomia das perdas na construção.

Por outro lado, ao analisar os problemas encontrados na elaboração dos

projetos, no Brasil, FRUET concluiu que "o problema central reside na falta

de integração entre projetistas e processo construtivo" 133. Esta integração

pode ser caracterizada como uma "falha de gerenciamento", pois é a

gerência quem deve estabelecer os parâmetros e condicionantes desejáveis

para os projetistas e exercer uma adequada coordenação. Entretanto,

devido ao fracionamento da cadeia de produção, o gerenciamento também

ocorre de modo parcelado, com objetivos conflitantes.

No quadro atual, cada etapa não tem como contratante o seu usuário

verdadeiro, aquele que vai depender de sua qualidade para realizar sua

parte. O “cliente” da etapa é um participante com pouca influência na

formulação deste contrato. Deste modo, o arquiteto faz os primeiros estudos

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para o incorporador, que os repassa ao construtor, que contrata outros

projetistas que devem fornecer os projetos para os subempreiteiros.

Esta descontinuidade de objetivos ou descompromisso com a qualidade

permanece ao longo da obra, onde o carpinteiro deixa a forma torta e o

pedreiro tem que "descontar na massa", num círculo infindável de

irresponsabilidade. Para compreendermos esta aparente desordem é

conveniente traçar um quadro da situação atual do gerenciamento nas

edificações.

Controle e gerenciamento da produção nas edificações

O controle e gerenciamento da produção é o lado visível da questão da

produtividade nas edificações. Através do acompanhamento dos índices de

produção, da análise do quadro técnico disponível e dos métodos de

controle empregados, podemos avaliar o grau de desenvolvimento técnico

da gerência da produção e do projeto nas edificações.

Em nossa pesquisa sobre "Métodos de Controle de Produção nas

Edificações"134, verificamos que a construção dispõe de uma base técnica

diminuta, expressa pela pequena participação de pessoal de nível superior

e administrativo, em torno de 3% do contingente, em oposição a uma

grande quantidade de serventes ( pessoal não -qualificado), em torno de

45% do total de funcionários ou 52% dos operários.

Esta situação é agravada pela rotatividade da mão-de-obra (apenas 30%

dos funcionários têm mais de três anos de casa), o que dificulta a paulatina

transferência da habilidade operária, na forma de conhecimento, aos níveis

hierárquicos superiores. Esta rotatividade é inversamente proporcional à

qualificação, com as empresas resguardando os funcionários de nível mais

elevado.

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cxx

Há uma pronunciada concentração de tarefas sobre o engenheiro de obra,

talvez devido a esta restrição da base técnica. Verdadeiro super-homem, ele

deve planejar, distribuir tarefas, calcular insumos, conferir desenhos,

resolver problemas de mão-de-obra e outros serviços, freqüentemente com

pouco apoio administrativo. Os setores de planejamento que encontramos

pouco colaboravam com os engenheiros no planejamento real dos serviços,

dedicando-se, na verdade, ao controle de custos e a fiscalizar o serviço do

engenheiro.

A base do controle da produção nas empresas pesquisadas, seja nas

entrevistas, seja nos questionários é a apropriação de custos, em geral por

tipo de serviço. Sua fundamentação é a divisão ou parcelização do trabalho,

de acordo com os preceitos “taylorystas” e sua unidade de conta é uma

“operação”, por exemplo: revestir 1m2 de parede, montar uma aduela,

concretar 1m3 de pilar.

Este sistema pretende indicar valores de consumo de materiais e gasto de

mão-de-obra para a realização de determinado serviço, através de uma

média histórica. Ou seja, é apropriado o consumo de determinado item, tal

como execução de alvenaria de 1/2 vez, em diversas obras e depois,

através da divisão do consumido pelo produzido, obtêm-se uma

"composição de custo unitário" que indica, por exemplo, quantos homens-

hora de determinada qualificação, quantos tijolos, quantos kg. de cimento

etc. são necessários para construir uma unidade de medição de produto, por

exemplo, um m2 de parede.

Entretanto, se aparentemente é fácil mensurar a quantidade de materiais

consumidos, é difícil exercer um controle rígido sobre a mão-de-obra no

canteiro, seja em tempo, seja em ritmo e na qualidade de serviço, pois o

espaço de trabalho é disperso e não existem controles qualitativos

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regulares. Mesmo o controle dos materiais, segundo cada serviço, pode ser

difícil se há tarefas sendo executadas em diversos locais: como garantir que

a distribuição de argamassa se deu de forma homogênea, por exemplo?

Além disso, os índices de consumo de materiais embutem as perdas

naturais de processamento e os "desperdícios históricos". Como estas

composições são elaboradas a partir do consumo mensurado nas obras e

não em situações ideais, elas refletem a falta de controle existente e seus

elevados desperdícios, os quais tenderão a se repetir sem serem

detectados.

Na verdade, estas composições, de uso unânime entre as construtoras, não

refletem a variabilidade dos produtos e dos fatores de produção mas

"pasteurizam" as diferenças e indicam uma média que só se reproduz..."na

média"! Em nossa pesquisa encontramos variações de 300% num mesmo

item, na mesma construtora. Mesmo quando restringimos a aferição a uma

mesma equipe, na mesma obra, a simples mudança tipológica do serviço,

por exemplo uma parede com maior número de arestas, as diferenças

atingiram 75%. Do mesmo modo, PINTO135 verificou que as diferenças entre

os valores projetados e consumos realizados para alguns itens variavam de

-39% a mais 200% em exemplos de revestimentos.

Entre construtoras também há grandes diferenças, a começar pela maneira

de parcelar a obra: nos casos estudados, verificamos que duas

construtoras que se dedicam a obras semelhantes adotaram sistemas de

controle muito desiguais, no qual um dispunha de 88 itens e outro 215,

sendo que apenas 7 tinham correspondência na composição, porém com

variações de valores entre 33% a 84%.

Ou seja, o mesmo item, tal como "contrapiso", mesmo que executado com

os mesmos materiais, exigiria quantidades e volumes de trabalho muito

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cxxii

diferentes, o que, a primeira vista, é uma incoerência . Na verdade as

diferenças existem porque os métodos de organização do trabalho são

diferentes, resultando em indicadores de desempenhos e consumos

desiguais, tal como FRANCHI136 também apontou.

Finalmente, se compararmos os padrões de divisão da obra destas

composições, tal como chegam à obra e a maneira como o trabalho é

efetivamente realizado, vamos encontrar dois mundos totalmente diferentes:

o do planejamento do edifício e a realidade do canteiro. No primeiro, o

prédio é transformado, ou traduzido em medidas unitárias tais como m2 ou

m3 ou metros lineares de canalização etc. Na obra, ao definir o trabalho a

ser realizado no dia a dia, os engenheiros estabelecem “tarefas”, alocadas

por equipes e dimensionadas para preencherem um período de uma jornada

ou, no mínimo, meia jornada.

Essa parcelização do produto, segundo critérios que nada tem a ver com a

execução, evidencia uma ruptura entre o canteiro e os setores de projeto e

planejamento, entre produção e concepção, fator repetidamente apontado

por diversos pesquisadores como a maior fonte de problemas na

construção137. Se transposta para a indústria automobilística, esse

procedimento equivaleria a mensurar a produção de bancos dos

automóveis através dos “m2 de estofados”, ao invés de quantificar

unidades tipológicas...

Em algumas construtoras, o engenheiro, ao término da semana deve

preparar um relatório, onde, de novo, a realidade do canteiro vai ser

traduzida em unidades que pouco representam o trabalho efetivo realizado e

não transmitem o seu grau de dificuldade ou detalhe, ou seja, a intensidade

do trabalho.

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cxxiii

Esta sistemática, apesar de tudo, é eficiente se restringir-se a um mesmo

"padrão de obra", tal como nos referimos anteriormente. Ele é o universo

restrito, de soluções conhecidas e testadas, onde a empresa atua, daí a

especialização em certos tipos de produtos e soluções construtivas,

evidenciada na maior parte das empresas.

Mesmo que nos casos estudados estes métodos tenham atingido uma

razoável precisão, com margens de erro nos orçamentos prediais em torno

de 5%, este método ainda está muito distante de ser um auxiliar eficaz para

o projeto ou para a inovação.

Sendo uma sistemática conservadora por natureza, pois é baseada em

experiências anteriores, ela não é confiável para avaliar novas situações,

sejam de produtos ou de desenho, onde não existem parâmetros de

comparação com uma execução anterior. Mesmo a realização de protótipos

está sujeita a erros, pois dificilmente eles reproduzem as reais condições da

produção, onde a forma de organização tem um papel tão importante.

Estes sistemas também não se realimentam adequadamente com as

experiências passadas, pois falta uma documentação sistemática dos erros

e acertos, algo que reflita a intensidade do trabalho conforme cada solução.

Além disso, em geral, os setores de planejamento, nas suas análises

rotineiras, só se preocupam em indicar as discrepâncias que ultrapassam os

limites aceitáveis, sendo raras as ocasiões em que procuram identificar a

causa de um índice melhor que o usual, por exemplo, não ter sido

necessário todo o consumo de material ou trabalho anteriormente estimado.

Também em caso de insucesso ou de dificuldade para a execução, esta

informação não é repassada de modo sistemático para os participantes

anteriores da cadeia de produção, inclusive os responsáveis pelo projeto,

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cxxiv

especificação e de planejamento, os quais só recebem comentários

informais, "filtrados" pelos executores, ainda que de modo inconsciente.

O conjunto de instrumentos de controle e gerenciamento baseados nas

composições históricas não tem capacidade para representar todas as

nuances da realidade do canteiro. É uma forma de gestão tradicional, pouco

ligada à gestão concreta da produção, conduzindo, nos termos de

ZARIFIAN, a uma lógica “de direção pelo retrovisor138”:

“ao invés de considerar a evolução permanente da situação da

empresa e ter um sistema que “veja em avanço”, que faça hipóteses

regulares sobre o futuro, os sistemas tradicionais transportam o

presente ao passado, olhando para trás para ver se respeitamos o

que foi planejado na época dos orçamentos pré-estabelecidos.”139

A prática dos setores de planejamento e controle de somente destacar os

“excessos do consumo” explica em parte a pequena margem de erro dos

orçamentos: ela induz a um “gerenciamento por desvio”, pois, se um item

ultrapassou os limites de custo e a faixa de tolerância admitida, o valor

excedente deve ser descontado em algum outro. Como os componentes de

custo de materiais são mais rígidos, é comum que este desconto se faça

sobre a parcela de mão-de-obra, seja negociando preços menores com os

pequenos subempreiteiros, seja simplesmente pressionando os operários a

realizarem algumas tarefas em menos tempo.

Como, devido aos problemas de variabilidade que já descrevemos, não há

uma decodificação do trabalho na construção que permita estabelecer com

segurança o “tempo médio da tarefa”, nesse setor não chegou a ser

implantada plenamente a “gerência científica Taylorista” e boa parte dos

métodos de administração do pessoal é de cunho nitidamente repressivo,

fortalecidos por uma política de forte rotatividade de pessoal. CARVALHO

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apontou que uma situação semelhante também ocorreu na indústria

automobilística brasileira na década de 70:

“Nem sempre o aumento da produção por trabalhador tem de passar

por sistemas científicos que visam à eficiência da tarefa. A

eficiência da coerção pode se revelar mais lucrativa. ... O poder dos

mestres no “corpo a corpo” com os operários, especialmente numa

conjuntura repressiva pode revelar resultados tão produtivos que

torne desnecessária a utilização de métodos sofisticados e caros de

estruturação de cargos, sobretudo em empresas de menor porte.”

(Grifos no original)140

Porém, a viabilidade da manutenção destes métodos repressivos não

depende unicamente de sua eficiência nos limites da empresa: outras forças

sociais também interferem, restringindo a sua utilização, e a evolução dos

mercados também pode ter um efeito indireto positivo. É o caso da

competição em termos de qualidade, que levou a uma maior participação

dos operários no processo produtivo e a melhores condições de trabalho.

Em consequência de uma maior democratização das relações de trabalho e

de estruturas sindicais mais eficientes ela tem contribuído para políticas de

organização e recursos humanos menos autoritárias em diversos setores,

criando um novo patamar de competição entre estes segmentos industriais

e de serviços “mais modernos” e aqueles que, como a Construção, ainda

fazem largo uso da repressão como instrumento de organização do

trabalho.

Nestes outros setores a mudança de métodos e formas de organização

levaram a novas formas de conceber o controle e o gerenciamento da

produção, distanciando-se da visão unitária vinculada à operação de

trabalho. A partir dos anos 80, aparecem diversas tentativas de estabelecer

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cxxvi

uma metodologia de custo mais apropriada às novas estruturas que se

implantaram, destacando-se o sucesso dos sistemas de contabilidade à

base de atividades.

MEVELLEC apresenta a evolução dos sistemas de custo, desde seu modelo

inicial, onde a noção de custo substitui a de valor. No contexto dos

primórdios da industrialização, dada a preponderância do fator trabalho na

composição de custos de produção “o custo se afirmou como o substituto

natural do valor (na verdade representado pelo preço de mercado) e este

foi “esquecido” quando foram criadas as arquiteturas dos primeiros sistemas

de custo mais elaborados.” 141

Nestes sistemas, que este autor classificou de “modelos iniciais”, a única

unidade de trabalho considerada é a da mão-de-obra direta e todos eles se

utilizam do conceito de custo por homem-hora, perfeitamente de acordo com

as concepções Tayloristas.

Progressivamente, com a sofisticação dos processos industriais, surge o

que este autor chama de modelo “degradé” (gradual) onde “passamos da

noção de custo direto para a de custo da produção. Mas, como o trabalho

ainda é a única reserva de valor tentamos controlar o consumo dos outros

recursos, vinculando-os à mão-de-obra direta, o que se traduz pelas taxas

sobre o custo horário.Os conceitos de taxa de custo e de valor do trabalho

extrapolaram dos limites da contabilidade, estruturando todo o sistema de

controle e medida de desempenho da empresa.”142

Somente na década de 80 este modelo começa a ser questionado,

reavaliando-se os elementos que constituem o valor dos produtos, a partir

de uma situação de economia baseada numa oferta crescente de bens, que

levou à estratégias comerciais e industriais muito mais sofisticadas que as

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cxxvii

do período anterior, englobando noções de qualidade, atendimento ao

cliente , serviços pós vendas etc , padrões que os sistemas contábeis

“graduais” (degradées) já não tinham mais condições para avaliar

corretamente.

Numa situação de maior grau de competição, os sistemas de custeio

tradicional “falham por que afastam a atenção dos gerentes de fatores que

são críticos para a eficiência da produção. Faz-se um uso ineficiente dos

fatores básicos de produção, levando a gerência a adotar estratégias que

inibem o melhoramento da manufatura.”143

Neste contexto, os sistemas de custo à base de atividades “reintroduziram

explicitamente o conceito de valor”144, baseando-se no princípio que ”o valor

se materializa em certos atributos, materiais ou imateriais”, logo a estratégia

da empresa consiste em determinar que atributos agregam valor e como

desenvolver os meios necessários para atingi-los. Daí que os sistemas de

controle devem refletir essa nova abordagem a partir da constatação de

que:

“os produtos não consomem custos. Eles consomem atividades e são

as atividades que consomem os custos. Todo custo pode, então, ser

considerado diretamente ligado à atividade que o consome.”145

Essa metodologia ainda é bastante recente e não encontramos nenhum

exemplo concreto de sua aplicação na Construção, salvo para os estudos

de curvas ABC - Activity Based Costs, usualmente limitados à analise das

etapas que respondem pela maior parte dos custos do produto ou serviço.

Mas, mesmo neste caso, os exemplos encontrados146, embora sigam uma

metodologia inicial de divisão por atividades, numa segunda etapa retomam

Page 128: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

cxxviii

a idéia de unidade que vincula a operação de trabalho à mensuração por

unidade de serviço.

Pelas suas caraterísticas de abrangerem todas as etapas envolvidas no

ciclo de produção e permitirem variadas análises de alternativas de solução

de modo expedito, os sistemas de custo baseados em atividades parecem

ter amplas possibilidades de atender de maneira mais precisa e eficiente às

necessidades da Construção, carecendo, porém, de um esforço de

desenvolvimento para adaptar essa metodologia às condições do setor.

: Construção e Organização Industrial

Modelos de organização industrial.

Até um passado mais ou menos recente, as empresas industriais

costumavam apresentar uma organização de sua estrutura bastante

semelhante, de uma maneira, que, erroneamente, poderia ser chamada de

“natural”, tal sua popularidade. Na verdade, sua única “naturalidade”

consistia em refletir as condições sócio-técnicas existentes naquele

momento. Há trinta anos, se conhecêssemos uma empresa sem um “diretor”

e uma hierarquia piramidal bastante longa, certamente isto seria motivo de

estranheza, pois não corresponderia ao padrão dominante. Podemos dizer

que havia um “modelo de organização” hegemônico, ao qual todos estavam

tão habituados que poucas vezes essa idéia era questionada.

Ressaltamos que, neste caso, a idéia de “modelo” não é uma receita pronta

para ser seguida, ou uma formação rígida, mas uma tipologia da dinâmica

das relações socio-técnicas que delimitam as caraterísticas da organização,

como define VELTZ:

Page 129: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

cxxix

“... é uma articulação das dimensões técnicas sociais e econômicas

de um universo de produção,... reunindo as suas dimensões sociais e

cognitivas.”147

Estas estruturas sócio-cognitivas sofrem descontinuidades históricas,

decorrentes da evolução ou transformação mais ou menos súbita de seus

componentes.

Se é uma tipologia, um modelo não pode ser rebatido sobre um conjunto de

técnicas gerenciais, mas, ao contrário, trata-se de procurar qual modelo

representa ou sintetiza de modo mais exato a situação existente, ainda que

isso implique em algumas simplificações. Ele representa assim uma meta ou

“o ponto de equilíbrio de um jogo de forças que se passa no cerne da

organização produtiva e não apenas sobre as supraestruturas de gestão”148.

O interesse de buscarmos uma taxonomia da organização é a maior

facilidade de compreendermos as articulações socio-técnicas das diferentes

situações com que nos deparamos nas análises das estruturas

organizacionais das empresa. Nesse sentido, VELTZ e ZARIFIAN , em

seus diferentes textos, apresentaram quatro modelos que analisaremos

adiante, tecendo uma análise de sua adaptabilidade ao quadro brasileiro.

Mas se é possível uma tipologia das formas de articulação, deve haver uma

correlação entre a hegemonia de uma delas e estes componentes sócio-

técnicos do sistema produtivo, ou seja: o tipo dominante seria mais

adequado à determinada situação, representando um novo ponto de

equilíbrio destes componentes, mais eficiente que os outros.

Entretanto, a existência dos modelos não é necessariamente excludente.

Sendo formas dinâmicas, as organizações incorporam as caraterísticas de

suas transformações, por vezes coexistindo fatores de modelos diferentes.

Page 130: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

cxxx

Para descrever a organização industrial do princípio deste século há uma

unanimidade em torno do modelo “taylorista149”, ou “clássico”150 ou ainda

“vertical”151, variando as denominações conforme os autores, embora o

conteúdo da descrição seja o mesmo: baseado no conceito da operação

como unidade básica e na separação entre concepção e execução,

refletindo-se numa hierarquização rígida, com separação por setores ou

funções especializadas, tal como representado no organograma da figura 0-

a modelo de organograma típico da estrutura hierárquica.

Gerência

Assessorias

Chefia de Setor

Chefia de Setor

Chefia de Setor

Figura 0-A Modelo de organograma típico da estrutura hierárquica

Embora as bases deste modelo tenham surgido ainda no Séc. XVIII, é a

partir do final do Século XIX, quando os engenheiros mecânicos tomam a si

a racionalização econômica da produção, que ele se impõe. Talvez,

refletindo a origem destes especialistas neste modelo, a “busca pela

eficiência se calcou na produtividade do trabalho ou, de maneira mais

precisa, na produtividade das operações de trabalho.... O trabalho em si era

tratado como um objeto, passível de ser separado das pessoas que o

Page 131: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

cxxxi

realizavam, que eram apenas agentes a serem instruídos na realização

eficiente dessas operações ”152.

O foco na produtividade do trabalho não permite uma visão de outros fatores

importantes , como a qualidade, e o privilégio das operações de trabalho se

tornou ultrapassado pela crescente importância das máquinas. Neste novo

contexto, as paradas de ajustes e manutenção, bem como a coordenação

ao longo da linha de produção, passam a ter um peso maior que a

produtividade das operações isoladas: a eficiência global não é mais a soma

de resultados locais, mas depende, sobretudo, da capacidade de

coordenação entre operações: surge daí o segundo modelo, “de

cooperação” ou “horizontal”.

Esta nova abordagem permite incluir na discussão da eficiência outros

aspectos tais como prazos e qualidade de produto. A sua visão da

produtividade, mais globalizante, traz o foco para a organização como um

todo e “onde primava a eficiência da operação reina agora a eficiência inter-

operações. A eficiência se torna intersticial , ... diretamente ligada à

densidade das interrelações que o taylorismo buscava economizar ”153.

Largamente desenvolvido no Japão, esse modelo articula as diferentes

áreas de saber especializado, dependendo de formas de comunicação e

pretendendo atingir a “integração técnica”, para obter uma qualidade

sempre renovada. Ele questiona uma das bases do taylorismo, a divisão

entre concepção e execução do trabalho. A cooperação leva a um trabalho

coletivo, diferente da coletivização do trabalho do modelo anterior, porque “a

eficiência em si não é mais dissecável em unidades individuais” 154. Ela

privilegia também a capacidade de aprendizado como um instrumento para

melhoria da produção mas não como um treinamento na operação ,

Page 132: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

cxxxii

ampliando a visão para uma qualificação capaz de atender a solicitações

diversas, polivalentes.

A popularização desse modelo está intimamente ligada a um contexto de

competição de produtos, onde o preço frequentemente desempenha um

papel secundário ou acessório. Mas a concorrência intensa neste nível

levou a uma nova dimensão de competitividade, a inovação. Se

anteriormente, nos modelos tayloristas ela se dava por “patamares“, agora

ela surge como uma necessidade permanente, daí ser um objetivo da

empresa melhorar sua “capacidade” neste campo e diminuir o tempo de

desenvolvimento de novos produtos, responsável por uma parcela cada vez

maior da sua eficiência global.

A resposta a este novo desafio se dá em dois modelos de organização

emergentes: a organização “por projeto” e por “níveis decisórios

superpostos”155. Eles coexistem com o modelo cooperativo e não é possível,

no momento, antever a predominância de algum deles.

A noção de organização por projeto é antiga, tendo sido apropriada das

grandes obras de engenharia. O que diferencia a situação atual é a sua

implantação em áreas de indústrias “de série”, em resposta à minimização

do tempo de desenvolvimento e o fato de considerar o ciclo de concepção -

Page 133: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

cxxxiii

produção -distribuição como um problema organizacional único156. Nesta

nova situação, sua eficiência baseia-se fortemente na pertinência da

antecipação, ou seja, na capacidade de antever problemas e soluções,

resultado de uma integração técnica muito forte, a “engenharia simultânea”.

Porém, a organização por projeto é instável por natureza, pois vincula-se a

eventos e após seu término deve ser reorganizada. Por isso, nas empresas

convivem estruturas funcionais mais permanentes, “alimentadoras” das

equipes de projeto, surgindo aí situações de conflito. A conjugação destas

duas estruturas resulta na chamada estrutura matricial, representada na

figura V-2.

F u n ç ã o F u n ç ã o F u n ç ã o F u n ç ã o

P r o je t o A

P r o je t o B

C o o r d . P r o j

G e r e n c ia

Figura 0-B Organização matricial típica

Outro aspecto importante da organização por projeto é a relação entre o

projeto e a empresa, aspecto estudado por MIDLER157. Sendo, a princípio,

uma estrutura que congrega vários participantes, é possível que o projeto

seja menor, maior ou inteiramente contido pela

empresa, como representamos nos esquemas a seguir.

Page 134: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

cxxxiv

Proj A

Proj. B

Proj CEmpresa

Figura 0-C Relação Projetos/empresa -Tipo A

No primeiro tipo, (figura 0-c) a empresa participa de vários projetos

relativamente pequenos, sendo que alguns deles podem até mesmo

estarem inteiramente contidos na sua estrutura, enquanto outro serão

divididos com terceiros, mas a liderança mantém-se dentro dos limites da

empresa. É o caso da indústria automobilística.

Já no segundo tipo, o projeto é dividido entre várias empresas e se

sobrepõe a elas, às vezes existindo uma figura jurídica responsável pela sua

coordenação, como no caso dos consórcios, invertendo a hierarquia do tipo

precedente. É o caso de algumas grandes obras de engenharia. (Ver figura

0-d)

Empresa D

Empresa B

Empresa A

Empresa B

Projeto

Figura 0-D Relação Projetos/empresa -Tipo B

Page 135: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

cxxxv

Finalmente, na terceira configuração (figura 0-e) a empresa é maior que os

vários projetos que realiza. É o caso típico das grandes construtoras-

incorporadoras, bem como da indústria farmacêutica, em que vários projetos

desenrolam-se em paralelo.

Empresa

Projeto A Projeto B

Projeto C

Projeto D

Figura 0-E Relação Projetos/ empresa -Tipo C

Cada configuração implica em estratégias e formas organizacionais

diferentes, com problemas específicos. Por exemplo, no Tipo C é

conveniente um planejamento dos prazos, de modo a que os recursos

humanos possam ser transferidos de um projeto que se encerra para outro

que se inicia, evitando-se os ônus de prazo e custo, resultantes da

rotatividade de pessoal caso, ocorra uma descontinuidade de serviços.

Já no tipo B essa ruptura é inerente à sua natureza e a estabilidade de

pessoal depende da capacidade da empresa atuar em diversos projetos.

Porém, isto pode levar à conflitos de pessoal, já que para ser relocado o

profissional precisa estar em ligação com sua estrutura de origem e manter

uma vinculação com sua “cultura”. Essa situação só consegue ser minorada

em projetos de longa duração.

EMPRESA

Proj. C

Proj. AProj. B

Proj. D

Proj. E

Page 136: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

cxxxvi

Finalmente, no Tipo A existe uma situação mista, onde a equipe da empresa

central tem uma certa estabilidade e as das empresas secundárias sofrem

as dificuldades associadas ao Tipo B, tais como a estabilização do pessoal.

De certo modo essa situação é encontrada nas empresas construtoras que

costumam subempreitar trechos de suas obras ou serviços técnicos.

Essa análise nos leva a sugerir um quarto tipo, híbrido, onde uma empresa

lidera diversos projetos, cada um em parceria com terceiros, como

representado na figura 0-f. PROENÇA158 apresenta uma situação parecida

na indústria informática italiana, caracterizando uma “empresa sol” em torno

da qual se articulam algumas secundárias, os “planetas”.

Projeto A

Projeto C

Projeto B

Fornec/subemp.

Empresa sol

Figura 0-F A Relação Projeto - empresa Híbrida

A tensão inerente às estruturas organizadas “por projeto” pode vir a

prejudicar a sua eficácia e a manutenção de uma equipe bem qualificada,

essencial para políticas baseadas na inovação permanente. Já o quarto

modelo de organização, chamado de “níveis decisórios superpostos”, tem

sua vantagem exatamente na estabilidade e na capacidade permanente de

inovação . Embora ainda inacabado e com uma caraterização ainda

Page 137: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

cxxxvii

deficiente, pois até o momento ainda é pouco aplicado, seu caráter

inovador indica um grande potencial de desenvolvimento.

Sua idéia central é uma organização em “camadas” onde cada um tem uma

atribuição de nível decisório , ou seja: determinados aspectos do

funcionamento da firma são integralmente atribuídos a um nível, conforme

esquematizado na figura 0-g. Por exemplo, ao nível inicial, o “chão de

fábrica” é atribuída a capacidade de decisão sobre o “como fazer”,

enquanto à alta gerência cabe o planejamento de metas.

B a s e d eD a d o s

O b je t iv o s

N iv e l e s t ra té g ic o

N iv e l g e r e n c ia l

N iv e l o p e ra c io n a l

Figura 0-G :Organização por níveis decisórios superpostos

Essa proposta vem sendo posta em prática em algumas empresas

européias,159 mas já se constatou que sua viabilidade liga-se à existência

de um sistema de informações capaz de alimentar todo o conjunto acessível

a todos os participantes , de modo que os objetivos não sejam conflitantes e

as decisões sejam coordenadas. Não basta um sistema capaz de transmitir

as comunicações, é preciso uma sistemática que busque o “acordo comum”

e coordene todos as metas, suprimindo objetivos parcelizados.

Page 138: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

cxxxviii

Este sistema deve tornar possível uma base comum de dados e um

conjunto de objetivos homogêneo. A informática joga aqui um papel

fundamental e esse modelo não seria operacional sem uma sofisticada

estrutura para o tratamento da informação.

Suas principais vantagens160 são uma enorme flexibilidade e coerência nas

ações da empresa, pois coexistem várias “temporalidades paralelas” ,

dedicadas a diversas abordagens de um mesmo problema, conforme cada

nível decisório. Todas porém, seguindo as orientações do mercado e

aproveitando ao máximo as suas potencialidades em relação às

oportunidades que surgem. Dessa coerência resulta uma maior eficiência

no aproveitamento dos recursos. Nesse modelo a produtividade se

estabelece não sobre a operação ou sobre a comunicação, no eventos

intersticiais, mas é uma qualidade global da organização.

Sua adaptação para a Construção ainda está pendente e apresenta

algumas dificuldades específicas. Sendo uma produção individualizada,

certamente que uma organização desse gênero na construção teria que

guardar alguma relação com a tipologia “por projeto”. O cruzamento destas

duas tipologias organizacionais talvez seja uma estrutura seguindo o

desenho dos níveis superpostos, mas com equipes “inter-camadas”

organizadas por projeto nos níveis de gerência e operação, articuladas com

o ambiente maior da empresa através de um sistema unificado de

comunicação de objetivos e bases de dados, de modo a garantir a

coerência ao todo(ver figura 0-h).

Page 139: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

cxxxix

Proj A Proj B Proj C

Nível estratégico

Nível gerencial

Nível operacioncial

Sistemas decomunicação ebases de dados

Figura 0-H Uma organização híbrida projeto - níveis hierárquicos

A cadeia de produção na construção

Antes de analisarmos a situação atual da organização na Construção,

convém examinarmos a inserção das edificações no quadro mais amplo de

sua cadeia de produção, estudando os limites do que ZARIFIAN definiu

como o “espaço global de produção” deste subsetor161e suas imbricações

com outros setores.

Segundo o conceito apresentado por esse autor, o espaço global da

produção é integrado pelas atividades de concepção e renovação dos

sistemas de produção, as atividades de colocá-lo em operação e as de

gerenciamento e controle. Ainda acrescentaremos a essas três atividades a

concepção de produto e o acompanhamento de seu ciclo de vida, a nosso

ver partes fundamentais do processo de produção.

Os limites deste espaço ampliado da produção não são claramente

demarcados, tampouco essas atividades tem uma linearidade temporal. Se

Page 140: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

cxl

perguntarmos a diversos engenheiros ou arquitetos o que é o projeto do

edifício, provavelmente quase todos o definiriam como uma das fases da

construção, representado por um conjunto de desenhos, definição que não

é desvinculada da realidade, pois esta é a sua forma clássica.

Como a produção das edificações é parte de um grande complexo, esta

fase "clássica" sofre as múltiplas condicionantes decorrentes das interações

entre todo o conjunto: ao idealizar o projeto, o arquiteto, muitas vezes sem

se dar conta disto, procura atender a estes requisitos. Por exemplo, está

limitado às soluções de materiais existentes, à disponibilidade de

equipamentos etc. .

É evidente que o projeto não é uma atividade desvinculada deste todo, ao

contrário ele, de certa modo, está disperso por toda a cadeia de produção

do complexo, seja quando o projetista da olaria define um novo desenho de

um bloco de concreto, seja quando o fornecedor de um pré-moldado prevê

as condições de transporte da peça, enfim, sempre que alguém concebe

algo relativo à edificação estará contribuindo para o projeto do edifício, como

parte de uma cadeia que se inicia na produção de matérias-primas.

Nas edificações, a temporalidade da concepção se dá ao longo de toda a

cadeia, com responsabilidades diferentes e de modo muito mais disperso

que, por exemplo, na indústria automobilística, onde os fornecedores de

componentes tem uma vinculação muito mais forte com os novos produtos,

frequentemente detendo ou desenvolvendo tecnologia específicas e

colaborando ativamente na sua concepção.

Page 141: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

cxli

Extração Mineral

0,1 1,8

Químicos diversos

5,9

Cimento

0,5 5,7

Brita, Pedra, Benef. N/ferr.0,4 3,4

Fiação 7,8

O larias

0,7 6,4

Outros Prod. Min.N/Metal..0,5 1,4

Artefatos de cimento

1,6 6,2

Laminados de aço

19,9

Estrut. metál.

Elementos Químicos

Automobil.

Vidro

0,2 1,1

Serrarias3,4 9,5

Artef. de madeira

1,9 3,3

Construção64,0 0

0,2

0,2

0,2

0,040,2

0,3

0,2

0,1

6,2

6,2

4,8

0,2

1,5

6,0

7,2

0,1

0,5

0,2

5,7

2,4

1,4

0,5

0,92,0

Figura 0-I Matriz de relações intersetoriais da construção,extraído de PROCHNIK, opus cit pag: 6, que esclarece: “Dentro de cadaretângulo, o número à esquerda representa o total das compras do setor e o àdireita o total das vendas, sempre em bilhões de cruzeiros de 1975. Osnúmeros sobre as linhas que ligam os retângulos representam o total dascompras do setor para onde aponta a seta, feitas no outro setor. As linhastracejadas indicam transações entre setores que não pertencem ao mesmomacrocomplexo, ao contrário das linhas cheias.”

Page 142: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

cxlii

Gerenciar o projeto do edifício não se limita, assim, ao "desenho do prédio"

mas inclui procurar melhores desempenhos ao longo desta cadeia, de modo

a permitir uma interferência maior nos resultados da etapa final, onde de

certo modo diversos de seus componentes já estarão preestabelecidos,

embutidos nos seus insumos. Os limites desta intervenção dependem,

fundamentalmente, do grau de integração ao longo desta cadeia.

Ela não é, porém, um esquema linear simples, com cada atividade

ocorrendo após a outra: PROCHNIK destaca que no macrocomplexo da

Construção existem diversas cadeias de produção, cada uma associada à

seu processo produtivo mais importante. No caso da Construção, elas se

estruturam a partir das matérias primas: cimento, cerâmica e cal, insumos

químicos, extração mineral, insumos metálicos e madeira.

Todas elas convergem para a Construção e interrelacionam-se pouco e o

esquema representativo destas cadeia é semelhante a uma árvore invertida,

com poucas ligações entre os diversos ramos, cada um deles constituindo-

se de modo bastante linear. (Ver figura 0-i)

As ligações entre estes "ramos", expressas pelos volumes de vendas, são

relativamente pequenas, se comparadas com os volumes globais,

representados pelos números internos dos retângulos. Deste modo, a

articulação é quase inteiramente baseada no mercado da Construção,

onde, frequentemente, os ramos são concorrentes, já que existe a

possibilidade de um produto de uma cadeia ser substituído por outro de

outra cadeia, como o concreto pelo aço162. Esta pequena "ramificação" da

cadeia de produção da Construção continua presente na etapa final das

edificações.

Também na França, BOBROFF163 ressalta a existência da linearidade na

cadeia de edificações, onde cada etapa de produção e de projeto

Page 143: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

cxliii

pressupõe o final da anterior, com raros momentos de interação e

contemporaneidade de execução, ocorrendo, assim, pouca integração entre

os participantes do processo. A observação encaixa-se perfeitamente no

caso brasileiro.

Em pesquisa que realizamos164 em 27 empresas, aprofundada através de

três estudos de caso em construtoras no Estado do Rio de Janeiro,

verificamos que esta linearidade continua ao longo de todo o processo de

produção do edifício. Um dos aspectos que a representa melhor são as

matrizes de comunicação entre os participantes da obra, que detalharemos

adiante. Outro aspecto é a linearidade da execução da obra em si: todos os

engenheiros de obra entrevistados demonstraram que organizam um serviço

após o outro, evitando que coexistam no mesmo espaço dois serviços

diferentes. Um terceiro aspecto é a seqüência usual de realização do

projeto.

Na figura figura 0-j apresentamos um exemplo típico de Fluxograma de

desenvolvimento de obras, extraído dos estudos de caso acima referido.

Neles podemos constatar a linearidade dos serviços e a ausência de um

sistema significativo de realimentação de informações. Na maior parte dos

casos, o retorno de informações acontece em decorrência da recusa de

soluções por um nível decisório mais alto, devendo a etapa ser reiniciada.

Page 144: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

cxliv

In íc io

V iab ilidade A rqu itetôn ic a

V iab ilidade ec onôm ica

A prov. D iretor.

A n tep rojeto A rqu itetôn ic o

O rç am ento in ic ial

N egativa

A prov. d iretor .

N egativa

P roj. form as P rojeto de ins talações

P rojetos c om p lem .

Ins talaç ão do c anteiroP roj. exec .

arqu itetôn ic oP rojeto de arm ação

P lanejam ento O B R A

P os itiva

C om pras

C ontrole

C on trole

Figura 0-J Fluxograma típico na área das edificações, mercado de incorporação.

Page 145: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

cxlv

Esta linearidade é evidenciada também nos cronogramas de barra (gráficos

de Gantt), muito utilizados para o planejamento das obras 165: há poucos

itens simultâneos, em geral restritos àqueles que não dividem o mesmo

espaço do canteiro de obras, por exemplo, a fabricação das esquadrias

metálicas, realizada em outro estabelecimento. Mesmo as etapas de projeto

não costumam ter simultaneidade, como mostra o exemplo do cronograma

da figura 0-k.

Meses 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 15 18 21 24EtapasViabilidadeEst. PreliminarAnteprojetos

ArquiteturaInstalaçãoEstrutura

Proj. ExecutivoArquiteturaInstalaçãoEstrutura

Planej. obraObra

Figura 0-K Cronograma típico de empreendimento no mercado de incorporação.

Nas normas brasileiras relativas aos serviços técnicos de construção

também são poucas as recomendações relativas à coordenação dos

trabalhos, elemento fundamental para a existência de uma simultaneidade

de serviços, limitando-se a NB144 a estabelecer que, "no caso em que o

projeto arquitetônico for o determinante da construção ", o seu autor deve

coordenar os demais projetos. A redação sugere, por exclusão, que nos

demais casos esta coordenação não é necessária, o que significaria que

nem sempre cabe ao projeto arquitetônico definir a construção!

Page 146: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

cxlvi

Organização e segmentação do mercado

Embora a linearidade da cadeia seja uma constante nos diversos

segmentos do mercado, existem variações significativas na seqüência e no

conteúdo das atividades. Talvez em decorrência de uma certa

especialização das empresas, podemos identificar semelhanças de

comportamento, segundo cada área de atuação e sua a forma de

contratação predominante.

No capítulo I já apresentamos os três principais segmentos do mercado de

edificações: as incorporações privadas, as empreitadas para terceiros e as

construções para órgãos públicos. Basicamente, o que os diferencia é a

forma de contratação e as relações conseqüentes com o contratante e com

o público usuário, ou consumidor.

Na incorporação privada, o construtor oferece um produto acabado ou ainda

em produção a um mercado. Este é o segmento que mais se aproxima do

conceito de indústria de consumo. Já nas empreitadas privadas, em geral, é

o cliente quem contrata e financia a obra, sendo ele mesmo o usuário final,

pelo menos na forma de pessoa jurídica. Nas obras públicas, a contratação

costuma ser por meio de concorrências e nem sempre o órgão contratante é

o usuário final. Neste segmento, com frequência os usuários são terceiros,

como é o caso das obras habitacionais de baixa renda, este aliás um caso

peculiar onde a extrema carência dos consumidores finais impedem que as

regras usuais de mercado tenham qualquer validade nessa relação produtor

- consumidor.

Além das atividades serem realizadas de modo seqüencial, os “atores“ deste

processo também mudam, pois cada tarefa é atribuída a um participante

diferente deste processo, através de um lógica baseada principalmente no

critério de “ofício”, ou área de conhecimento. Assim, sucedem-se ao longo

Page 147: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

cxlvii

da cadeia, o arquiteto, o engenheiro calculista, o orçamentista, enfim, todos

os especialistas que participam desta “corrida de revezamento”, repleta de

pontos de ruptura, sempre que uma tarefa tem que ser adaptada a um novo

contrato, com um novo participante.

O grau de interação varia conforme o segmento de mercado em questão,

sendo maior no dedicado às incorporações privadas, porque nele há uma

distância menor entre o cliente (proprietário incorporador) e o sistema de

produção, que, atualmente, na maioria dos casos, é parte do mesmo

conglomerado ou da mesma empresa.

A diferença desses processos fica clara ao analisarmos o quadro de

“interfaces” que relaciona atividades onde participam mais de um destes

atores. Nas Tabelas V.1 a 3 , a seguir, mostramos exemplos de cada

situação, extraídos dos levantamentos para os estudos de caso,

anteriormente indicados166.

Nestas tabelas podemos notar que no mercado de empreitada pública (

tabela 0-a) há uma ruptura completa no momento da concorrência ou

tomada de preço, ocorrendo realmente uma “troca de equipe” , com

pequena participação dos projetistas na fase subsequente. No segmento

Page 148: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

cxlviii

dedicado às empreitadas privadas (tabela 0-b) , embora possa existir uma

tomada de preço, ela tem mais um caráter de estudos de preço e há uma

certa interação entre o promotor, o candidato a construtor e os projetistas.

Finalmente, no mercado incorporador (tabela -0-c) essa interação é mais

forte e a transição concepção-obra é mais suave , apesar de uma

participação ainda restrita das equipes de projeto na obra e vice versa.

Concepção Execução

Prog

ram

a

Est.

de v

iabi

,

Est.

Prel

im.

ante

proj

eto

Con

corr

ênci

a

Estu

dos

de c

usto

Proj

eto

exec

utiv

o

Plan

ej. c

ante

iro

Plan

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a ob

ra

Dire

ção

da o

bra

Acom

panh

amen

to

Exec

ução

Entr

ega

Cliente e agentesIncorporadorGerenciador

ArquitetoOrçamentistaeng.estrutural

Eng. instalaçõesConstrutora

Direção comercialArquitetura

Direção técnicaPlanejamentoEng. de obra

Pessoal de obraSubcontratados

Tabela 0-A Interfaces no mercado de empreitada pública

Page 149: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

cxlix

Concep. Execução

Est.

de v

iabi

,

Est.

Prel

im.

ante

proj

eto

Estu

dos

de c

usto

Tom

ada

de P

reço

Proj

eto

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utiv

o

Plan

ej. c

ante

iro

Plan

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a ob

ra

Dire

ção

da o

bra

Acom

panh

amen

to

Exec

ução

Entr

ega

Promotor/clienteCoord ou gerenc.

ArquitetoOrçamentistaeng.estrutural

Eng. instalaçõesConstrutora

Direção comercialArquitetura

Direção técnicaPlanejamentoEng. de obra

Pessoal de obraSubcontratados

Tabela 0-B Interfaces no mercado de empreitada privada

No mercado de empreitada privada podemos identificar uma fase de

transição entre concepção e execução, no momento dos estudos de preço e

contratação do construtor. Nessa ocasião é comum que este último sugira

pequenas alterações do projeto, que lhe permitam oferecer preços ou

prazos menores. Ao longo da obra, esse comportamento também pode

ocorrer, dependendo do grau de detalhamento e qualidade do projeto inicial.

Finalmente, essa interação cliente-construtor é forte na entrega da obra, não

só pela verificação final mas, também por que o cliente deve inteirar-se de

detalhes da operação e manutenção do edifício.

Page 150: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

cl

Concepção Execução

Prog

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Dir. Com./PromotorArquitetura

Eng.estruturalEng. instalaçõesDireção técnica

PlanejamentoEng. de obra

Pessoal de obraSubcontratados

Tabela -0-C Interfaces no mercado de incorporação

Comparando-se esses quadros com outros de mesmo gênero,

apresentados por BOBROFF167, vemos que a situação francesa é bastante

semelhante nas obras “tradicionais”, mas que em outras empresas, mais

inovadoras, há uma integração mais forte, buscando antecipar a entrada no

projeto do pessoal especializado, de modo bem próximo aos conceitos de

“engenharia simultânea”168, resultado de uma organização do tipo “por

projeto”, caraterizada, segundo essa autora, pela existência de uma

diagonal larga nestes quadros, como sintetizado na tabela 0-d.

Page 151: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

cli

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IncorporadorArquitetoEng. de InstalaçõesEng. EstruturalDeparto de PlanejamentoEng. de ObraLegenda:

Participacão integralAcompanhamento

Tabela 0-D Interfaces numa organização “por projeto”

Releitura da Flexibilidade na Construção

Quando a competição entre empresas dedicadas à produção em larga

escala deslocou o seu eixo principal da questão do custo para o das

qualidades do produto, a questão da flexibilidade dos equipamentos

começou a ganhar importância nas estratégias empresariais. De um quadro

de produção amplamente massificada e padronizada, folclorizada na frase

atribuída a Ford “faremos carros de todas as cores, desde que sejam

pretos”, a competição passou a exigir uma crescente diferenciação de

produtos que, num primeiro momento, repercutiu em exigências de

maquinário capaz de passar de um modelo a outro, com um mínimo de

adaptações.

Page 152: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

clii

Essa capacidade de produção variada constitui o primeiro tipo de

flexibilidade, a flexibilidade técnica, apoiada principalmente nos

equipamentos. Mas, como vimos no Capítulo III, a competição passou a

incluir outros campos e a se dar através de outros modos, como VELTZ e

ZARIFIAN169 apresentaram: à competição pela variedade se somaram a

disputa pelos prazos e pela inovação. Cada um desses campos passa a

exigir uma capacitação específica e por isso a flexibilidade vai assumir

novos contornos, não se limitando à questão dos equipamentos, ao seu

lado “técnico”.

Além disso, devemos considerar as especificidades da Construção que

modelam cada um destes modos. Já demonstramos que a variedade de

produtos vincula-se primordialmente à questão da localização. Esta seria

talvez o principal diferenciador entre produtos similares em outros quesitos,

ou pelo menos aquele que tem maior impacto sobre o preço de venda ,ou

valor de mercado. Como resultado, a obtenção de variedade de produtos na

Construção passa a se traduzir não apenas pela oferta de produtos

diferenciados, mas, fundamentalmente, pela presença da empresa em

diversas áreas da cidade.

Essa característica repercute no sistema de produção, não tanto em

equipamentos flexíveis mas em equipamentos móveis, para atender uma

demanda que também se desloca. Dessa forma, as exigências de

flexibilidade em termos do maquinário não devem ser atendida apenas por

equipamentos capazes de produzir diversas alternativas de produtos, mas,

também, que sejam capazes de se deslocarem rapidamente de uma obra

para outra. O tempo de deslocamento e de colocação em serviço são as

características da máquina que viabilizam, ou não, uma redução dos tempos

intersticiais, foco maior da produtividade.

Page 153: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

cliii

É claro que isso não elimina a busca por maquinário capaz de atender a

solicitações diversas. Mas a mecanização da construção ainda é incipiente e

a principal estratégia de intensificar o trabalho na obra tem sido externalizá-

lo, através da substituição de um produto que precise de processamento no

canteiro por outro que possa ser aplicado diretamente. É o caso das

argamassas prontas, dos pré-moldados, dos revestimentos já agrupados e

com adesivos pré-aplicados, das esquadrias pré-montadas, enfim, de uma

infinidade de exemplos que surgem em volume crescente170 e que levaram

FARAH a identificar uma “tendência (que) consiste na transferência de uma

fração do processo construtivo do canteiro de obras para o setor produtor de

materiais de construção ou para centrais de produção organizadas pelas

próprias construtoras.” 171

Face a esse processo de deslocamento de trabalho no plano dos

componentes, a principal atividade a ser mecanizada na obra é o transporte

de todo os tipos de materiais, inclusive concreto e argamassas pré-

misturadas, e equipamentos, tais como formas e andaimes.

Outro aspecto a ser afetado pela busca de flexibilidade é a necessidade de

uma polivalência dos operários, evitando-se os tempos de adaptação dos

novos trabalhadores a seus novos postos e conseqüentes perdas. Este

aspecto leva à exigência de uma maior qualificação e possibilita também

mais motivação, dentro de uma ótica de enriquecimento de cargos, trazendo

em si outro benefício, que é o aumento da produtividade localizada, ainda

que não seja este sua meta precípua.

Já a competição pelo “tempo”, ou seja nos prazos de entrega, também

toma características peculiares na Construção, onde ela não se traduz pela

busca da diminuição do tempo entre a emissão do pedido, a fabricação e a

entrega, o “ciclo curto industrial”, como colocam VELTZ e ZARIFIAN172.

Page 154: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

cliv

Este ciclo é fortemente ligado ao “tempo de reconversão” , período

necessário para se proceder às alterações do maquinário para atender às

novas exigências.

Mas nas edificações esse “tempo de reconversão” assume outra natureza,

pois não há muitos equipamentos e quase nenhum depende de um ajuste

fino, são mais próximos do conceito de ferramentas, algo a ser operado

diuturnamente. Essa adaptação do sistema produtivo se dá no projeto, ao

serem definidos parâmetros, na concepção, adequados aos sistemas

disponíveis.

Como em todos os ciclos da edificação existe a “concepção”, pois são

produtos únicos e, na maior parte dos casos, as obras só começam a ser

executadas após sua venda ou concorrência (no mercado de empreitadas) a

velocidade do “ciclo curto” é vinculada aos critérios e necessidades do

cliente, em especial sua capacidade financeira.

Deste modo, a competição pelo tempo deve se dar primordialmente na fase

de concepção do produto, incluindo-se aí não só o projeto arquitetônico

como todas as etapas de definição de características do produto e

posteriormente, de avaliação de custos e definição dos sistemas de

planejamento e de produção. Em suma, dos “serviços de apoio”, onde se

localiza uma parcela crucial da produtividade da organização.

Assim sendo, resta a inovação como um modo preferencial de competição

na Construção. Através dela seria possível obter ganhos diferenciados em

relação à concorrência, intensificando o aproveitamento do trabalho e

estabelecendo novos patamares de custos e preços ou ainda propondo

produtos capazes de criar e atender novas demandas.

Page 155: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

clv

Neste modo de competição é importante diferenciar a inovação nos

produtos destinada à sua diferenciação no mercado e os produtos

inovadores, que visam estabelecer novos parâmetros para o mercado.

Nessa dimensão que analisamos, o que importa são esses produtos e

equipamentos capazes de levar a novos patamares de eficiência ou, até

mesmo, possibilitar mercados com caráter monopolístico, ainda que

temporário, decorrentes de sua exclusividade inicial.

Mas verificamos que a inovação, em termos de produtos para a construção,

é dependente dos fornecedores, os quais detêm a tecnologia e a escala de

produção mais adequadas. E que no plano interno do setor ela vem se

desenvolvendo sobretudo através de mudanças organizacionais, visando

não só obter uma intensificação do trabalho, através da redução dos tempos

e atividades intersticiais, como para melhorar a eficiência das tarefas de

apoio em geral.

VELTZ e ZARIFIAN definiram a flexibilidade como “a aptidão da

organização em construir e desenvolver, em tempo real, uma capacidade

coletiva de adaptação e antecipação”173 . Face ao quadro exposto, podemos

afirmar que na Construção ela está diretamente ligada à capacidade de

colocar em operação o mais rápido possível a estrutura produtiva mais

conveniente a cada projeto. Uma qualidade da organização que depende

profundamente de seu potencial para se colocar internamente de acordo em

torno de seus objetivos, ou seja: de sua capacidade de comunicação,

aprendizado e memória.

: Comunicação e integração técnica

A questão da Comunicação

Page 156: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

clvi

Os pontos levantados até agora realçam, de modo particularmente intenso,

o papel das estruturas de comunicação e de tratamento da informação na

busca pela eficiência nas edificações, como em outros setores industriais.

Mas os novos modelos organizacionais, tipo “por projeto” ou “por níveis

decisórios”, dependem de uma forte convergência de objetivos e linguagem

entre os participantes de todo o processo e só se viabilizam a partir da

existência de um sistema de comunicação que vá além da simples

armazengem de dados, sujeitos ao acesso discricionário de um operador,

como nos sistemas clássicos.

Neste novo quadro, a comunicação é um evento que não mais se limita a

transmitir a informação, mas compõe “um processo pelo qual uma idéia é

transferida de uma fonte a um receptor com a intenção de alterar seu

comportamento” 174. VELTZ e ZARIFIAN ainda ampliam essa conceito ao

incluir um objetivo qualitativo para o processo, estipulando que “essa

comunicação não se reduz à transmissão de mensagens mas,

fundamentalmente, consiste em atingir o acordo sobre os objetivos comuns

e sobre as interações entre as atividades necessárias à realização deste

objetivos”175.

Se o objetivo é o “acordo” ou melhor, a convergência de objetivos e

linguagens, é claro que se trata de um processo interativo, não apenas uma

emissão da fonte para o receptor, caracterizando-se como uma série de

“transações” entre os diferentes atores. E para que seja atingido um estado

de concordância será necessário aperfeiçoar o tratamento das informações

e homogeneizar suas terminologias e os objetivos de cada participante para

que todos "falem a mesma língua" ao longo da cadeia de produção,

evitando-se as rupturas a cada “passagem de bastão”, a cada vez que um

ator transfere tarefas para o seguinte.

Page 157: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

clvii

O conjunto de transações que carateriza o processo de comunicação pode

ser delimitado, constituindo um sistema composto por dispositivos técnicos

e seus atores. AKRICH , CALLON e LATOUR atribuíram a esse conjunto o

nome de “dispositivo de interessamento”176 e observaram que eles não são

“neutros” , interagindo com os seus operadores, daí serem caracterizados

por estes autores como “dispositivos sócio-técnicos”. Na acepção de

CALLON ,“o dispositivo é comparável a um programa de ação coordenando

um conjunto de papéis complementares, atribuídos a atores não humanos (

que constituem o dispositivo) e pelos humanos (difusores, uitilisadores, ... )

ou outros não humanos (acessórios, sistemas integrados) que compõe os

periféricos ou suas extensões”177.

Se estes sistemas (ou conforme os autores, dispositivos) não são neutros

em relação aos objetivos, é importante definir os limites e a influência de

cada conjunto para tornar possível o planejamento e aumentar a

capacidade de antecipação. GUFFOND e LECONTE afirmam que:

“mais importante que se prender à intensidade, ao ritmo ou à

profundidade da transformação importa sobretudo conhecer e

experimentar os modos de ação, os processos de aprendizado e os

sistemas (“dispositifs”, no original) de gerenciamento afim de criar as

condições de sucesso e de generalização”178 (da inovação).

Entretanto a compreensão destes sistemas deve se dar a partir da visão que

cada ator tem dos seus componentes ou “objetos” pois eles, “à parte de sua

materialidade, existem pela representação que os atores lhes atribuem.

Assim cada categoria de ator vai elaborar sua representação do mesmo

objeto. E é a unidade física do objeto, a sua materialidade, que vai contribuir

fortemente à convergência das representações.”, conforme JEANTET179.

Page 158: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

clviii

Aos componentes técnicos do sistema de informação cabe então parcela

substancial da convergência de objetivos da organização e de toda a rede

socio-técnica da qual ela faz parte. Mas é preciso ter em conta não só sua

definição física, como a percepção que os usuários constroem sobre eles, a

partir da sua interação com as necessidades de seus operadores ou

consumidores. Um bom exemplo são os controles de produção existentes

na obra: como os seus operadores, os engenheiros e encarregados, não os

utilizam nas suas tarefas do dia a dia é comum não os executarem de modo

adequado, pois lhes atribuem um grau de inutilidade que os leva a resistir a

empregar seu tempo nessa tarefa.

Mas, à cada “transação” correponde, em geral, uma “tradução”180 entre os

universos dos atores envolvidos, pois os significados dos objetos variam

conforme a percepção dos usuários. Isso é evidente ao compararmos os

diferentes projetos e respectivas maneiras de segmentar o edifício, ao

longo do processo de concepção e execução: na arquitetura ele é dividido

em blocos e pavimentos para se obter uma representação mais fácil. Na

ocasião do planejamento e orçamentação, é transformado em unidades de

medida , tais como m2 , m3 , associadas à materiais e serviços. Já na obra,

o engenheiro o fraciona em tarefas, adequadas à jornada de trabalho dos

operários, mas ainda terá que efetuar sua tradução para os documentos de

controle que seguem o padrão ou a “linguagem” do planejamento.

Essa variabilidade pode levar a disfunções, quando o significado original

perde consistência, sendo preciso criar instâncias que diminuam essa

possibilidade e reduzam os “ruídos” na transmissão de informações. Em

outras palavras, é preciso que os atores tenham um código comum, uma

linguagem de representação das situações abordadas que seja a mais

uniforme possivel, para garantir a uniformidade dos objetivos da cadeia de

produção, ou seja sua convergência .

Page 159: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

clix

Mas, em consequência da especialização do trabalho, inclusive intelectual,

ao longo da cadeia das edificações vamos encontrar diversas linguagens

especializadas, cada uma correspondendo a uma área de domínio

específica. Elas estão presentes na série de jargões profissionais

encontrados em cada categoria e se refletem nas normas gráficas de

representação, onde cada categoria técnica tem um conjunto separado, de

compreensão difícil até para outros técnicos que não atuem na área.

Ao longo do processo de produção, o edifício é representado de modo

diferenciado, conforme cada especialidade técnica e será traduzido para

cada uma das suas respectivas linguagens, acrescido das suas respectivas

competências. No capítulo IV já nos referimos à divisão entre o mundo do

planejamento do produto e a realidade do canteiro, mas essa separação se

inicia bem antes e se diversifica ao longo de todo o processo de produção

do edifício.

O arquiteto divide e representa o seu objeto de trabalho através uma lógica

“mongeana” onde o fundamental é a facilidade de desenho e articulação das

informações no âmbito imediato da apresentação da concepação do

produto. Posteriormente, no planejamento, o edifício será particionado em

m2 , m3 , e outras medidas que facilitam a sua mensuração e correlação

com homens-hora e máquina-hora. Já no canteiro o engenheiro fará uma

nova partição baseada em jornadas de trabalho ou tarefas, adequadas ao

planejamento do trabalho naquele contexto, sendo necessário traduzi-las de

volta nos relatórios de controle de produção.

BOULIER181 destaca que ao engenheiro cabe gerir três categorias de tempo

diferentes na contabilidade do trabalho: o “tempo material” ou contábil, que é

constituído pelas horas gastas, de maneira geral; o “tempo trabalhado”,

onde devem ser diferenciadas as qualificações e o “tempo físico”182 ou

Page 160: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

clx

tempo que se escoa, que corresponde ao planejamento, mas não pode ser

objeto de nenhuma contabilidade, pois um dia perdido nem sempre pode ser

recuperado. Ele se relaciona com o objeto de trabalho e provoca situações

tais como, estar adiantado no cronograma apesar de ter dispendido horas

demais, ou estar atrasado, mas ter saldo de horas contabilizadas.

O projeto da obra e o projeto do edifício

Como vemos, na situação atual ao longo do processo de produção do

edifício, há uma verdadeira babel de linguagens especializadas desde sua

etapa inicial, a concepção ou projeto até a entrega da obra aos usuários. O "

Roteiro para normalização de projeto arquitetônico" 183 do IAB - Instituto dos

Arquitetos do Brasil define projeto como intenção, desígnio, sendo o projeto

arquitetônico "..o conjunto de documentos que define previamente esta

intenção e,... virtualmente reproduz toda a sua configuração futura". Embora

esta definição seja referente à arquitetura ,ela pode ser estendida a todos os

projetos complementares na área de edificações.

Trata-se assim de um "projeto do produto", ou seja, uma descrição

promenorizada da conformação final do bem desejado, com pouca ou

nenhuma informação sobre "como realizá-lo". A edificação distingue-se,

assim, de outras áreas onde o projeto completo engloba tanto a idealização

do produto como a definição do processo de produção. A tendência

industrial mais recente184 é de uma integração cada vez maior entre estes

dois momentos do projeto, havendo casos em que o projeto do produto é

dependente do processo: é a partir dos limites dos equipamentos

disponíveis que surge o desenho do produto.

As Normas Brasileiras de projeto do edifício também dão pouco destaque à

etapa de realização: definem apenas que "no grau que lhe for adequado

(grifo nosso) deverá conter todos os elementos para a realização da

Page 161: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

clxi

obra"185, listando então 30 projetos "de produto" necessários e 1 (um) item

acerca de "processos de construção e montagem". Também nas Práticas

DASP186, norma legal para a contratação de projetos pelo serviço público

federal, encontramos uma definição correspondente, acrescida de que

"quando for solicitado pelo contratante, o projeto executivo será integrado

por um cronograma onde estejam demonstradas as etapas lógicas de

execução", ou seja, a preocupação com o processo é uma excepcionalidade

a ser solicitada especialmente.

As normas refletem uma situação que é evidente para qualquer um que

frequente de modo regular os canteiros de obra: raras são as vezes que ali

encontramos um projetista, seja arquiteto, calculista ou engenheiro de

instalações e com menor frequência ainda vemos um documento que deva

ser remetido de volta aos idealizadores do edifício.

Entretanto, a dissociação entre concepção e a execução na construção é

relativamente recente, sendo, em geral, vinculada aos surgimento das

indústrias de escala e da massificação da produção na década de trinta,

ainda neste século, embora MITCHELL187 sugira que este processo tenha

se iniciado na Inglaterra, ainda no final do século XVII. As afirmativas não

chegam a ser conflitantes, pois ambos os casos ocorreram em momentos

de forte aumento na produção de habitações, no século XVII causada pelo

incêndio de Londres, no nosso século pelos programas de saneamento e

habitação da social democracia europeia, sendo que em ambos as

estruturas de produção tiveram que adaptar-se rapidamente à demanda.

MITCHELL ressalta o aprofundamento desta separação, na Inglaterra, no

princípio do século, quando há novo impulso nas edificações em Londres.

CASTRO consolida a análise desta dissociação que se refletiu na atribuição

de diferentes responsabilidades das categorias dos arquitetos e dos

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clxii

engenheiros, sintetizada no Congresso do CIAM em 1933, ressaltando os

"novos papéis assumidos na produção, o comando da concepção e o

comando da execução"188, então respectivamente atribuídos aos arquitetos

e engenheiros. Hoje verifica-se na prática que esta separação não mais

segue a divisão por categorias, mas colocando de um lado os arquitetos ou

engenheiros "de projeto", onde se incluem os calculistas e outros

especialistas responsáveis pelos projetos complementares, e de outro, os

engenheiros "de obra", que muitas vezes são arquitetos que se dedicaram a

“tocar obra”189.

Fragmentar a concepção e a execução inseria-se na lógica da indústria

manufatureira que ainda se desenvolvia e se ofisticava no princípio deste

século. Quando TAYLOR apresentou sua proposta de gerência científica,

esta parcelização do trabalho passou a ter um corpo teórico e uma

justificativa econômica, atendendo ao paradigma mecânico. BRAVERMAN190 ressaltou o caráter de apropriação do conhecimento operário pela

gerência e a consequente estratégia de uma progressiva divisão do

trabalho, em parcelas cada vez menores e com controle decrescente do

operário sobre o processo.

A separação das funções reflete-se perfeitamente nas formas de

contratação dos arquitetos e, em 1984 , conforme pesquisa realizada pelo

DIEESE191, verificamos que a maioria estava atuando na área de "serviços

técnicos para a construção" e não "construção", sejam vinculados à

empresas de serviços técnicos (43%), ou exercendo a prestação de

serviços como autônomos (30%) , embora dedicados à área de edificações.

Ela também nos indica que, na ocasião, 53% dos arquitetos ocupados

estavam empregados na área de projetos de edificações e apenas outros

20% em execução de obras. Como vemos, a área de edificações absorvia

73% dos arquitetos ativos.

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clxiii

Aparentemente o quadro não teve muitas alterações: nos levantamentos 192

que realizamos, quase todos os projetos são subcontratados a terceiros,

sendo a arquitetura o único que atingiu uma participação importante como

serviço próprio. Longe de ser uma contradição, isto se explica porque é

através dela que se estabelece o "padrão construtivo" da empresa.

Contratá-lo fora significa correr maiores riscos de introdução de novas

soluções, ou pelo menos, exigirá adaptações. Outras construtoras

costumam contratar seus projetos sempre com os mesmos projetistas,

numa tentativa de estabelecer este vínculo entre êles e o seu próprio

"padrão". Entretanto, como a forma de contratação e as atribuições

permanecem as mesmas, isto colabora muito pouco para a redução dos

problemas.

0102030405060708090

Propria

Fornecedor

Externo

Figura 0-A: Origem dos projetos nas construtoras.Fonte: Métodos de controle de produção e de produtividade nas edificações, do autor

NAVEIRO identifica no estabelecimento destes "Departamentos de

Arquitetura" próprios algo semelhante ao que ocorreu na indústria da

manufatura, onde a "questão de adequar a fabricação ao processo foi

resolvida através de uma decisão organizacional: estendeu-se a fase de

Page 164: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

clxiv

concepção até o planejamento do processo," cabendo a estes

departamentos de arquitetura "traduzir os projetos e adequa-los aos meios e

processos disponíveis pela empresa" 193.

Entretanto, a forma convencional de desenvolvimento de projeto ainda está

longe de uma verdadeira coordenação de objetivos e metas: CASTELLS

ressalta que "o que se denomina projeto executivo não passa de uma

superposição de projetos, não nascidos em conjunto e sem garantia de

compatibilidade" 194.

Mas também há uma atividade de projeto vinculada ao canteiro, em geral

sob responsabilidade do engenheiro de obra, mais raramente com

participação dos setores de planejamento. Menos visível, pois ela não é

considerada uma etapa em si, ela inicia-se com o projeto do canteiro

propriamente dito e continua ao longo da obra em todas os momentos de

planejamento dos serviços, ainda que na maior parte das vezes ela resuma-

se a uma conversa entre mestre e engenheiro e alguns cálculos de

consumo. Espalhada ao longo da execução, sem caracterizar-se como uma

etapa autônoma na forma tradicional de projeto, ainda assim ela

corresponde ao "projeto do processo" existente em outras indústrias mais

sofisticadas tecnologicamente.

Podemos também chamá-la de "projeto da obra", diferenciando-o assim do

"projeto do edifício". A dissociação entre concepção e execução atinge aqui

o seu limite: são dois momentos separados da produção, com atores

distintos e pouca comunicação entre eles, como veremos adiante.

Dispersão e convergência

A matriz intersetorial apresentada na Fig. V-9 apresenta as relações dentro

do macrocomplexo da construção como um sistema interligado, ou seja, um

tipo de rede, onde as setas representam as vinculações entre os

Page 165: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

clxv

subsetores. Mas elas são, na maioria, simples transações comerciais

com poucas trocas de informação e tecnologia. Isto a diferencia do

conceito geral de rede tecno-econômica, apresentado por CALLON 195.

Porém, apesar da fraqueza de suas interações técnicas, muitos dos

conceitos secundários destas redes, tal como o grau de convergência ou

divergência, podem ser adaptados ao nosso objeto de estudo de modo a

facilitar a compreensão de sua dinâmica.

CALLON estruturou seu conceito de rede a partir de três pólos: o científico,

responsável pelo conhecimento básico; o técnico, ao qual cabe a concepção

e a execução de produtos e o pólo do mercado. Do mesmo modo, para

abrangermos todas as interações técnicas e comerciais da construção

devemos incluir setores que não estão representados na Fig. V-9, tais como

órgãos de pesquisa e outros que, de certo modo, configuram um pólo

científico ou que, embora pertençam ao pólo técnico, realizam atividades

técnicas acessórias, tais como normatização ou certificação.

As relações entre os participantes destes três pólos, seja internamente com

um deles, seja entre oriundos de pólos diferentes, ocorrem através de

transações comerciais, financeiras, de pessoal ocupado ou de informações,

sendo que em geral elas são mistas, envolvendo dois ou três aspectos em

proporções diferenciadas. Mesmo a venda de um produto, operação

tipicamente comercial, sempre embute um componente técnico nas

qualidades e exigências operacionais do bem comercializado, pois qualquer

que seja o produto é necessário um determinado conhecimento para

operacionalizá-lo.

Deste modo, é possível avaliar o grau de integração da rede através do

acompanhamento destas transações de todos os gêneros. É claro que as

comerciais , as financeiras e boa parte dos deslocamentos de pessoal são

Page 166: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

clxvi

identificadas de modo mais fácil, pois já estão caracterizadas nas

estatísticas econômicas, mas também as trocas de informações são

passíveis de avaliação, ainda que por meios indiretos, tais como referências

técnicas, convênios, publicações etc.

Isto, porém, traça uma imagem quantitativa e ainda reflete pouco a

qualidade da transação, sendo necessário um tipo de classificação que

reflita a sua eficiência. CALLON associou a convergência ou divergência da

rede a este aspecto, sendo a rede tanto mais eficiente quanto maior a

primeira. Esta qualidade seria, no seu entender, o resultado direto de um

sistema de circulação de informações eficiente e homogêneo, onde todos

"falem a mesma língua" e tenham objetivos alinhados, não conflitantes.

Não é o caso da construção brasileira, onde a circulação de informações

por meio de publicações ou de centros de disseminação técnica é ainda

restrita, sendo mais comum que ela ocorra através do deslocamento de

pessoal empregado. Talvez devido ao excessivo fracionamento da cadeia

de produção os objetivos dos diversos participantes são em grande parte

conflituosos e as interações entre os diferentes "ramos" da rede, além de

serem relativamente pequenas, ocorrem quase que exclusivamente através

de transações comerciais (venda de produtos), fato agravado pelo pequeno

conteúdo técnico destes produtos, que na sua maioria são pouco

processados.

Desta fraca interligação, tanto técnica e comercial, resulta o distanciamento

dos objetivos das empresas e dificuldades de comunicação. Ao longo de

cada "ramo" há um linguajar técnico específico relativo a seus materiais e

processos e pouco conhecimento acerca do que se desenvolve em outro

"ramo”, onde pode existir um material ou produto sucedâneo. As empresas

estão organizadas em torno de tecnologias de processo, e não voltadas ao

Page 167: 38 - Tecnologia Organizacao e Produtividade Na Construcao - Tese UFF-Leusin

clxvii

atendimento de necessidades das construtoras ou do consumidor final, com

metas limitadas às transações mais imediatas. A proliferação de produtos de

má qualidade e desconformes com as normas é uma das facetas desta falta

de uma meta comum: de certa forma êles atendem ao objetivo de lucro

imediato do fabricante, o qual pouco se importa com os resultados adiante.

Outra característica da construção é a sua dispersão do seu conhecimento

especializado, com uma mão-de-obra qualificada bem distribuída e grande

liberdade de circulação do conhecimento, resultado da mobilidade da mão-

de-obra, tanto operários como técnicos, e da pequena incidência de

sistemas de produto patenteáveis no setor final de edificações. A ênfase das

construtoras na questão organizacional e o fato de ser um "setor dominado

pelos fornecedores", como vimos anteriormente, deixa espaço para que

estes últimos atuem na disseminação técnica, através da assistência ao

uso de seus produtos.

É frequente que os fornecedores de materiais e equipamentos sejam

responsáveis pelos projetos complementares específicos, tal como no caso

dos elevadores 196. Além disso também é comum que fabricantes de um

material que dependa de processamento no canteiro ou por terceiros

organizem subempreiteiros especializados, aos quais repassam as técnicas

de execução e exercem certo contrôle qualitativo. Por exemplo, os grandes

fornecedores de alumínio para esquadrias assessoram serralharias de

pequeno e médio porte e direcionam para êles contratos captados por sua

rede de assistência técnica ao projeto.

Desse modo estes fornecedores tem uma atuação considerável na

disseminação de conhecimentos especializados, inclusive repassando a

novos clientes soluções desenvolvidas para outros usuários, às vezes com a

sua participação. Apesar da importância desta via de comunicação, ela

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clxviii

esbarra nas limitações da organização por "ramos" vinculados à tecnologia

dos processos. Não existem fornecedores, por exemplo, de esquadrias, mas

sim de esquadrias de alumínio, ou de ferro ou de madeira, cada um

vinculado a um dos "ramos". Cabe ao projetista, na situação atual,

diferenciar as qualidades de cada uma para especificar a mais conveniente

a cada caso. Como o seu conhecimento é limitado, esta escolha nem

sempre será a melhor. Ao invés de especificar um determinado

desempenho e buscar o produto que atenda seus limites, ele compara as

possibilidades de solução de modo subjetivo, priorizando determinados

aspectos e custos baseado principalmente em experiências anteriores, suas

ou de terceiros, apresentadas pelos fornecedores.

Vemos, assim, dois movimentos contrários: um divergente, resultado do

fracionamento do macro complexo em ramos isolados e algumas vezes

competitivos; outro, de dispersão de conhecimento, ou seja convergente,

resultado da mobilidade do pessoal ocupado e da atuação dos

fornecedores. O segundo, entretanto é, no momento, muito mais fraco que o

primeiro, não sendo capaz de suprimir os aspectos negativos do primeiro.

Acrescente-se a isto que os órgãos técnicos e científicos que deveriam

colaborar para convergência do sistema através de uma circulação de

informações mais intensa e normatização dos processos e produtos ainda

são incipientes e tendem a refletir a especialização dos ramos, com algumas

raras exceções, tais como o IPT, Instituto de Pesquisas Tecnológicas de

São Paulo e o COBRACON, Comitê Brasileiro de Normatização da

Construção, vinculado à ABNT, Associação Brasileira de Normas Técnicas.

Gestão da informação nas edificações

Na situação atual das edificações no Brasil, na fase da execução da

construção as formas de transmissão da informação ainda são,

primordialmente, verbais e, mesmo nos degraus acima da cadeia de

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clxix

produção, ela ainda é pouco documentada. As informações refletem deste

modo a qualidade do gerenciamento do projeto: a transmissão de uma

ordem ou informação é uma transação entre os seus participantes, como tal

sujeita a distorções ou "ruídos", cada vez que ocorre uma troca, cada vez

que alguém a recebe e, forçosamente, a interpreta.

Sendo a construção uma atividade desenvolvida por um grande número de

participantes, o processamento da informação assume uma grande

importância. A sua disseminação e qualidade podem indicar a

confiabilidade do sistema que transmite as ordens de serviço, a sua

convergência de metas, bem como eventuais concentrações ou "gargalos" .

Um dos meios de avaliarmos a qualidade da comunicação é através da

análise do processamento da informação ao longo da cadeia de produção.

DEFORGE 197 já afirmou que "o desenho completo é uma ordem" , ou seja,

o projeto é em essência uma ordem de serviço e, como tal, uma

informação a ser transmitida. FERRO198 também ressalta esta papel do

projeto ao dizer que "no canteiro ... a razão prioritária é a comunicação" .

Mas na mão de cada ator por onde transita essa ordem de serviço é

acrescida pelas suas competências localizadas, resultando numa crescente

complexidade. Além disso, se a cadeia de transmissão for longa ela é

sujeita a falhas tanto na ida (ordem) quanto no retorno (controle), estando

também mais exposta aos “ruídos” que surgem a cada interface ou

“tradução”, alterando o conteúdo da comunicação. Da mesma maneira, se

essa cadeia for “rígida”, ou seja, muito burocratizada e hierarquizada, os

ruídos deturpam o conteúdo e atrasam a sua transmissão, enquanto numa

cadeia mais “flexível”, com várias possibilidades de encaminhamento da

ordem, alguns ruídos podem ser criativos, pois vão criar novas

possibilidades de solução.

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clxx

Podemos identificar nestas constatações duas caraterísticas desejáveis

para a cadeia de produção: uma menor extensão, levando a menores níveis

hierárquicos; e uma maior flexibilidade, o que significa uma organização

mais participativa, com amplo acesso à informação por parte de todos os

seus integrantes.

Para isso, é importante que as “filtragens” individuais sejam eliminadas e o

acesso e valoração das informações sejam coletivizados. A cada vez que

uma informação depende da avaliação discricionária de um integrante da

cadeia, ela está sujeita a uma avaliação individual e, possivelmente, pode

ser contrária aos objetivos gerais do projeto. Um exemplo é quando o

engenheiro resolve um problema na obra, mas não comunica aos projetistas

que a solução proposta originalmente não era satisfatória, situação bastante

comum nos canteiros. Como ele resolveu o problema, julga que seus efeitos

negativos cessaram, mas os projetistas continuarão, eventualmente, a julgar

aceitável a primeira solução.

Em 1992, na pesquisa sobre métodos de contrôle, elaboramos uma matriz

para estabelecer um quadro das ligações entre os diferentes participantes

do processo de produção. Nessa tabela as empresas informaram se

usualmente não existe comunicação, ou se ela existe e é apenas verbal, ou

se é documentada, seja escrita ou desenhada (gráfica), ou ainda se ela é

informatizada.

A tabela 0-a formas genéricas de comunicação., representa a matriz completa,

ou seja, quais os percentuais encontrados nas respostas que indicam

comunicação de qualquer tipo entre os setores em questão. Na tabela 0-b

comunicações documentadas., temos a matriz das situações em que a

comunicação é documentada, seja escrita, desenhada ou informatizada e,

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clxxi

finalmente, a tabela 0-c : informatização nas comunicações, mostra os casos

em que ela se dá por meio informatizado.

Comunic

ProjetoPlanejam. 84Eng. obra 89 95

Mestre 47 47 100Encarr. 37 26 100 89Oficiais 11 11 79 95 95

Auxiliares 5,3 5,3 63 89 89 84Dept. Pess. 5,3 32 84 63 47 42 37Subemprei. 21 26 95 100 79 26 21 26

Depto.Comp. 37 63 89 37 21 5,3 5,3 21 37Tabela 0-A Formas genéricas de comunicação.

Embora esta relação não seja unívoca, podendo se dar de um modo em um

sentido e, de outro, no sentido oposto , nossos levantamentos não foram

elaborados considerando esta hipótese, identificando apenas qual o tipo que

ocorre, sem determinar o sentido. Os resultados nos levam a crer, que

embora pudesse acrescentar algumas informações, a falta de identificação

do sentido não foi uma perda significativa.

O quadro geral confirma a concentração de tarefas sobre o engenheiro da

obra: êle participa de 80% dos casos, excluídos os auxiliares (serventes). A

penetração do projeto, como uma ordem de serviço, é inversamente

proporcional à qualificação do destinatário: apenas 37% recebem instruções

através deste documento, o qual também atinge menos da metade dos

mestres. Estes, pela natureza de sua atividade, deveriam ter um sólido

conhecimento do produto a ser executado.

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clxxii

As ligações do planejamento com o pessoal de produção seguem este

mesmo padrão, sendo enfatizadas pela função de controle de custo

exercido por este setor: Das informações que circulam entre o planejamento

e os mestres e encarregados, muitas se referem apenas a alocação de

pessoal, para efeito de apropriação de custo.

Quando analisamos o quadro de informações documentadas, sejam

gráficas ou informatizadas, a disseminação é muito menor, como demonstra

a tabela 0-b. O pessoal de produção praticamente só recebe instruções

documentadas do Departamento de Pessoal. É interessante que mesmo os

empreiteiros tem uma fraca documentação de seus contatos com seus

contratantes, evidenciando uma organização ainda menor. Também é

significativo que nem todos os engenheiros se comuniquem adequadamente

com o setor de projeto: aparentemente 30% deste fluxo se dão de modo

bastante informal...

Graf/info

ProjetoPlanejam. 58Eng. obra 68 74

Mestre 26 21 21Encarr. 21 11 16 0Oficiais 0 0 5,3 0 0

Auxiliares 0 0 0 0 0 0Depto. Pess. 5,3 32 63 26 26 21 16Subemprei. 21 26 63 5,3 0 0 0 11

Depto.Comp. 21 58 68 0 0 0 0 5,3 26

Tabela 0-B Comunicações documentadas.

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clxxiii

De modo geral, a informatização também é pouco presente (ver tabela 0-c) .

É importante ressaltar que a forma como foi aplicado o questionário induziu

a excluir os caso de utilização do computador limitada a um só setor.

Empresas que não se comunicam por meios informatizados podem estar

utilizando-os para processamentos parciais, limitados à determinadas

seções. Nosso interesse entretanto neste levantamento eram os meios de

tratamento da informação, daí a penetração aparentemente pequena da

informática.

Mesmo nas atividades propícias à utilização da informática como meio para

comunicação e tratamento da informação, tais como os contrôles de

pessoal e de custos, ainda é incipiente a plena disseminação desta

ferramenta pelo conjunto de tarefas e setores das empresas. Embora as

construtoras entrevistadas nos estudos de caso utilizem computadores para

as tarefas de controle, a informatização, aparentemente, está restrita ao

processamento de dados e as bases de dados costumam ser de acesso

restrito aos setores de planejamento, não se estendendo como um meio de

comunicação e disseminação da informação. Na ocasião deste

levantamento, não nos deparamos com o uso do Projeto Assistido por

Computador (CAD), nem com ligações em rede das diversas unidades, o

que revela uma utilização do potencial destes equipamentos ainda restrita.

Posteriormente, ao longo de 1994, foi possível perceber um grande

crescimento do CAD, com várias construtoras implantando ou ampliando

seus sistemas e impondo a seus fornecedores de serviços a utilização de

determinados programas, tais como o AUTOCAD. Porém, a extensão dessa

prática ainda depende de uma avaliação mais precisa.

É significativo que o percentual de empresas que utilizam o computador no

setor de compras seja o dobro do uso nos setores de pessoal, o que

significa que o uso do equipamento no controle de custos dos materiais

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clxxiv

está mais difundido e mais desenvolvido que sua presença no controle

técnico e no planejamento da obra.

Proj. Planj. Eng.obra

Mest. Enc.. Ofic. Auxil. Depto

PessSub-emp.

Deto

compProjeto 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0Planejam. 5.3 0 0 0 0 0 0 0 0 0Eng. obra 0 11 0 0 0 0 0 0 0 0Mestre 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0Encarr. 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0Oficiais 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0Auxiliares 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0Dept. Pess. 0 5.3 5.3 0 0 0 0 0 0 0Subemprei. 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0Deto.Comp. 0 11 5.3 0 0 0 0 0 0 0

Tabela 0-C : Informatização nas comunicações

Engenharia simultânea e integração técnica

Como vimos, o quadro de variabilidade nas edificações prolonga-se dos

produtos às suas formas organizacionais. Sendo uma "indústria de

protótipos", já que seus produtos são quase sempre únicos ou com séries

de produção diminutas, a variabilidade de seu objeto de trabalho torna de

pouco valor qualquer esforço de aferição de tempos de produção pois o

objeto não se repetirá199. Em decorrência, novas formas de gerenciamento

do projeto são necessárias, de modo a permitir uma progressiva integração

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clxxv

das funções de produção e concepção, com o objetivo centralizado em uma

maior produtividade em termos de empresa, e não em termos de

trabalhador, de acordo com a premissa de que estes ganhos se dão nas

atividades “intersticiais”.

Uma maior integração do processo de produção significa, em primeiro

lugar, fazer o projeto do produto em conjunto com o projeto do processo, o

que, nas indústrias de manufatura, é chamado de "engenharia

simultânea"200. Um de seus aspectos é a verticalização das empresas, fato

claramente identificado nos países onde o setor é mais desenvolvido, como

HASEGAWA201 indica, ao destacar a grande concentração da construção

japonesa. Do mesmo modo ao analisar as transformações recentes na

indústria da construção européia, D'IRIBARNE afirma: "a pressão

generalizada sobre os preços levou as empresas que tiveram a

possibilidade estratégica a alargar suas bases constitutivas dos valores

agregados, se possível apoiando-se sobre todo o ciclo produtivo. Deste

modo elas tenderam a integrar em suas atividades a concepção e a

comercialização, ou seja, o financiamento da produção." 202

Esta estratégia pode ser facilmente identificada no comportamento das

grandes empresas de construção no Brasil que recentemente passaram a

exercer um gerenciamento de projeto mais efetivo e a financiar com

recursos próprios a comercialização de seus produtos. Uma de suas

premissas básicas é que "na fase de desenvolvimento do conceito de um

produto ( o equivalente aos estudos de viabilidade e preliminar para as

edificações) despende-se somente 1% do custo total do projeto, mas

determinam-se 70% do custo do ciclo de vida do produto. Quando a fase de

desenvolvimento é completada (ou seja, quando é finalizado o projeto

executivo) 7% do custo do desenvolvimento foram gastos, mas 85% do

custo do ciclo de vida do produto já estão determinados"203. É nas etapas

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preliminares que reside o maior potencial de reduções de custo, através da

análise de alternativas de solução mais adequadas e maior construtibilidade.

Quase como uma decorrência deste conceito, verifica-se que "quanto mais

tarde são realizadas mudanças nos projetos, mais onerosas elas se

tornarão"204, sendo, a princípio, mais econômico um projeto mais

detalhado, que inclua toda as atividades a serem realizadas durante a

execução do produto.

Em conseqüência os departamentos técnicos das construtoras, através das

funções de projeto e de planejamento agora integradas, passam a

defrontar-se com questões de planejamento de produção que anteriormente

eram restritas ao canteiro, a serem resolvidas entre o engenheiro da obra , o

mestre e operários. O "como executar" precede a ordem de serviço e o

projeto do produto deve contemplar a sua "construtibilidade"205, a sua

facilidade de execução. Em outros termos: o processo de trabalho,

entendido como um conhecimento técnico, deve ser incorporado ao projeto.

Entretanto, se esse movimento não for acompanhado de uma restruturação

de todo o sistema, corre-se o risco de que os investimentos necessários

para um projeto tão elaborado não sejam possíveis de amortização em um

único empreendimento e ocorra uma situação onde “os ganhos de

produtividade são consumidos pela matéria cinza” 206 . BOBROFF percebe

aí um limite para as novas organizações “por projeto”, questionando se as

mudanças que ela implica nos diferentes ofícios da construção não

terminam por consumir os investimentos nas etapas preparatórias e

sugerindo que um novo modelo organizacional começa a se estabelecer na

construção francesa. Isto significa alterar profundamente as atribuições dos

diversos segmentos profissionais e seu modo de inserção na cadeia

produtiva.

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clxxvii

Resulta que, na Construção como em outros setores industriais, a questão

da integração tem seus limites ampliados além do campo estrito da

produção. Ao analisar esse ponto ZARIFIAN207 , partindo das duas formas

“canônicas” da integração, a integração técnica e a integração pela

organização da produção, apresentou quatro manifestações diferentes

desse fenômeno na organização.

A primeira delas é a integração técnica propriamente dita, “a conjugação de

elementos técnicos antes separados em um mesmo conjunto apto a realizar

uma pluralidade de operações”. Ela pode ser direta, quando há uma ligação

desses diferentes elementos em um mesmo dispositivo ou indireta, quando

ela decorre de uma circulação interativa do objeto de trabalho entre os

sucessivos dispositivos. Em ambos os casos ela pode ocasionar problemas

ou impor limites ao potencial de flexibilidade do sistema.

A segunda forma é a integração pela organização da produção, onde a

prioridade é dada à questão dos objetivos comuns ao conjunto de funções.

É uma abordagem dos fluxos internos da organização de modo inverso aos

modelos clássicos, indo no sentido da comercialização para as atividades

produtivas e de concepção.

A terceira forma é a integração relacional, entendida como a criação de

uma rede complexa onde a unidade de trabalho (“atelier”, no original) é o

elemento de atração e estimulação, centro de vários “nós” da estrutura

relacional da rede: por ali passa não só a execução como a concepção e a

relação cliente-fornecedor. Configura uma dupla rede de relações, uma

interna, vinculada ao gerenciamento da empresa e outra externa, ligada aos

fornecedores e clientes, resultando em uma “capacidade de integrar a partir

de problemas a resolver e não a partir de objetos”. São as questões postas

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clxxviii

pela competitividade do ambiente externo que norteiam essa integração ,

resultando em uma grande flexibilidade do sistema.

Finalmente, temos a integração informacional, compreendida no processo

de integração dos sistemas de informação e comunicação, profundamente

vinculada à informática e constituindo o suporte necessário à integração

relacional. ZARIFIAN atenta ainda que a flexibilidade dos sistemas de

produção depende prioritariamente da qualidade da relação entre integração

relacional e informacional, muito mais do que dos sistemas de produção tipo

“just in time”.

Essas quatro formas de integração não são excludentes, articulando-se de

modo diferenciado de acordo com as necessidades de cada sistema

produtivo e suas características gerenciais. Delas surgem duas estratégias

de integração: a via da fusão ou absorção, caminho da integração

tradicional ou engenharia simultânea, onde duas ou mais etapas são

absorvidas em uma só, e uma segunda alternativa, da integração pela

comunicação, onde supõe-se uma repartição das informações e tarefas de

modo que sejam assegurados a coordenação de objetivos comuns e os

recursos necessários a cada centro ou unidade de serviço.

Nesse caso, não há uma absorção de uma etapa por outra, mas a

conjugação dos esforços comuns de diversos atores em torno de um

problema, viabilizada por uma estrutura comunicacional sofisticada e

articulada em um modelo organizacional com maior grau de autonomia para

seus integrantes.

A informática desempenha um papel fundamental nesses novos modelos.

Ela viabilizou os meios para atingir a capacidade de comunicação e

armazenamento de informações necessários às novas propostas

organizacionais, surgindo como um “fator favorável não somente a uma

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clxxix

gestão mais integrada do processo como, também, da reconfiguração do

espaço organizacional da produção”.208

RICHTER acrescenta que “a utilização de técnicas de informação e de

comunicação aumenta as chances de atingir uma organização e uma

coordenação mais exatas das diferentes tarefas a executar e a uma

cooperação mais individualizada no quadro de uma melhor divisão social do

trabalho”209.

Essa utilização da informática nas edificações vai bem além de seu lado de

maior impacto para o leigo, o Projeto Assistido por Computador (CAD). Na

verdade, após um primeiro instante na década de 70, em que tudo indicava

uma rápida substituição da representação gráfica pela informatizada, a

realidade mostrou-se diferente, talvez pelas dificuldades da interface

homem-máquina com a tecnologia então disponível. Mas já em 1987,

CAMPAGNAC, PICON e VELTZ210 indicavam os horizontes que essa nova

tecnologia abria em termos de reorganização da concepção e da produção

do edifício. Posteriormente, em 1990, CAMPAGNAC, BOBROFF e CARO211,

ao analisarem as transformações estruturais de duas grandes construtoras

francesas, também as vincularam ao processo de informatização que elas

levavam a cabo.

Apesar das dificuldades iniciais de utilização, é importante destacar que o

CAD foi um dos fatores que levaram a essa reorganização, numa relação

inseparável entre causa e efeito. Estabeleceram-se possibilidades de uma

integração pela precisão, mas o CAD também criou maiores demandas de

coordenação, para maximizar sua produtividade interna. Sendo uma

resposta à crescente demanda de produtividade e exatidão na concepção,

ele trouxe consigo grandes exigências de coordenação, que para serem

ultrapassadas exigem novas formas organizacionais.

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clxxx

Na sua forma mais desenvolvida, no momento, o CAD é um arquivo

eletrônico de desenhos cujas funções extrapolam a concepção e incluiu a

dualidade de ser “ um espaço de estocagem de dados intangível, protegido

e protetor e um espaço de comunicação aberto, efêmero e constante.” 212O

“arquivo eletrônico” nada mais é que uma base de dados acessível por

todos os participantes, ainda que de modo controlado e que estipula níveis

de acesso a cada grupo de intervenientes ou áreas de domínio. Surgiu

como uma resposta às dificuldades de coordenar as diferentes linguagens

das diversas áreas especializadas da construção, de modo a melhorar o

rendimento de uma ferramenta, a princípio cara, mas extrapolou de sua

funções, pois permite atingir níveis muito mais altos de confiabilidade no

projeto e no planejamento.

Ao mesmo tempo, para que funcione realmente, ele depende de uma

padronização dos seus protocolos, criando-se uma linguagem comum. Nos

USA surgiu em dezembro de 1991 uma associação encarregada deste

desenvolvimento, o CABDS213, que, desde então, vem coordenando o

estabelecimento de um padrão de comunicação a respeito. Na Europa,

como nos USA, também se encontram diversos sistemas proprietários, mas

a maior parte deles limita-se a transmissão e gerenciamento de dados, a

chamada EDI - Eletronic Data Interchange214, inexistindo, ainda, uma

padronização efetiva.

Verifica-se que a questão da informatização da construção evoluiu do

projeto assistido por computador para um sistema que integrasse todos os

participantes, baseado na EDI. Embora recente, tendo sido delineado em

torno de 1992, suas potencialidades parecem ser muito altas, exatamente

por que busca responder a demanda de um novo padrão organizacional,

mais integrado. Como afirma MIDLER 215:

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clxxxi

Vemos que o estágio ( do desenvolvimento das formas de

organização) seguinte nos leva não ao robustecimento do projeto

mas a uma recomposição interna dos ofícios: uma nova divisão de

tarefas, evolução das relações hierárquicas, novos objetivos e

métodos, ... Um estágio que chamaremos de “concepção integrada”

(grifo no original).