37626356 arquitetura e criminalidade puttini

Upload: waldemar-felipe

Post on 11-Jul-2015

72 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

ARQUITETURA E CRIMINALIDADE uma anlise sobre o padro de crime no bairro de boa viagem. Tema 5 Preveno social do crime e das violncias e construo da cultura de paz. Ana Carolina Puttini Iannicelli.

Resumo A criminalidade vem crescendo ao longo dos anos de forma assustadora. Recife se apresenta como uma das cidades mais violentas do pas. Para combater tal ndice o Governo do Estado de Pernambuco tem elaborado programas de melhorias sociais, como o Programa Estadual de Segurana Pblica (PESP-2007). Este busca solues em reas multidisciplinares, desde a preveno comunitria preveno situacional, onde busca reduzir a criminalidade atravs de condies ambientais. Estudos iniciados na dcada de 60, com Jane Jacobs, relacionam urbanismo e criminalidade, demonstrando que em reas onde h o uso diversificado de comrcio, servios, lazer e moradia, a taxa de criminalidade tende a ser menor pelo fato de sempre existir uma vigilncia. Entretanto, o fato da diversidade estar presente numa rea no significa que esta seja segura. Itens importantes como iluminao, manuteno e vigilncia natural so questes de fundamental importncia para a segurana local. Elizabeth Wood, tambm na dcada de 60, desenvolveu orientaes para abordar as questes de segurana, dando nfase aos aspectos fsicos do desenho urbano que iria dar um suporte natural vigilncia do lugar. Suas diretrizes nunca foram executadas, mas estimularam algumas das idias originais que levaram ao CPTED (Crime Prevention Through Environmental Design), uma cartilha com propostas de um desenho urbano e seu efetivo uso na construo de espaos pblicos que possam reduzir a incidncia do crime, objetivando fundamentalmente uma melhor qualidade de vida. O processo de desenho atravs do CPTED depende da combinao de

1

esforos ambientais, governamentais, de lideranas comunitrias e dos profissionais operadores do direito. Estudos demonstram que criminosos no podem ser literalmente impedidos de cometer crimes devido ao CPTED, mas essas alteraes no ambiente fsico podero causar diferenas em certas decises comportamentais. Em estudo recente no bairro de Boa Viagem foi possvel relacionar a criminalidade existente na rea, atravs do mapeamento do crime especificamente roubo e furto, com caractersticas espaciais existentes. possvel perceber que em ruas onde as edificaes possuem grandes muralhas e fachadas sem abertura para as vias, alm de outros fatores, o ndice de crime maior do que em reas onde existem grades, portas e janelas. A partir do momento em que o cidado se fecha para a rua, alm de torn-la mais deserta e perigosa, ele faz com que o pedestre se transforme em alvo fcil da ao de criminosos. Infelizmente, a Lei de uso do solo de nossa cidade permite esse tipo de atitude. As Leis devem ser mudadas para que a cidade seja mais transparente e permita a vigilncia natural do lugar. A participao da sociedade no deve ser somente do ponto de vista do provimento material-financeiro. O primordial buscarmos que ela seja co-promotora da associao entre as autoridades policiais, judicirias, polticas e representantes do Ministrio Pblico, para discusso de assuntos relevantes ao tema abordado, assim como medidas para aumentar a segurana urbana. necessrio mostrar que o Estado pode contar com vrios tipos de suporte, inclusive na rea de arquitetura e urbanismo, para criar espaos mais seguros e medidas de conteno dos crimes urbanos.

Palavra-chave Arquitetura e urbanismo, segurana, sintaxe espacial, mapeamento.

2

Introduo Este trabalho foi motivado pela crescente insegurana urbana experimentada pelos habitantes das cidades, e a necessidade de encontrar solues para contrapor tal situao. A segurana pblica nas cidades brasileiras encontra-se abalada com a crescente ocorrncia de crimes situacionais ocorrendo em espaos pblicos e que colocam qualquer pessoa como potencial vitima de agressores. Na grande maioria das vezes, estas vtimas inocentes, so vtimas de violncia desnecessria que acaba por criar um clima de medo generalizado. A sociedade pede cada dia por mais segurana, a um Estado que tem tido dificuldades para desenvolver medidas de preveno eficazes capazes de conter a escalada deste fenmeno. Falta populao a percepo de que a criminalidade uma expresso de uma situao estrutural, que reflete o desequilbrio social e econmico da sociedade, a falta de acesso das camadas menos privilegiadas a educao, emprego, lazer e a falta de polticas de insero de jovens no mercado de trabalho. O cidado acuado demanda que o Estado e seus agentes especficos cumpram seu papel coercitivo a contento, agindo de um s modo para contrapor a violncia. As pessoas tendem a confundir segurana pblica com policiamento, restringindo assim a possibilidade de outros setores da sociedade de construir e tomar deciso no tocante a este assunto. O presente artigo reflete sobre novos enfoques que consideram a sociedade como um todo capaz de implantar propostas para a melhoria da segurana urbana. A cidade do Recife tem assistido nos ltimos anos um crescimento no nmero de ocorrncias criminais, desde um aumento dos crimes contra o patrimnio at crimes altamente violentos contra a vida. Decorre disso uma necessidade de se estudar o assunto, para tentar compreender e contribuir com aes planejadas para garantir um aumento de segurana urbana. Precisa-se ainda estudar formas dinmicas de visualizao dos crimes atravs dos dados j existentes, para pode compreender padres e especificidades dos crimes locais de modo a planejar intervenes de segurana. Uma vez conhecido o fenmeno, os resultados podem indicar medidas e ferramentas para o poder pblico e habitantes de modo a orientarem melhor a segurana pblica da cidade. Faz-se necessrio assim um estudo cientfico do assunto, a fim de gerar subsdios para estabelecer um3

padro de atuao de criminosos no espao urbano de Recife, assim como dos demais municpios localizados nas reas de abrangncia metropolitana. Este trabalho estabelece como objetivo geral o estudo da ocorrncia de crimes no Bairro de Boa Viagem. Parte do mapeamento visa compreenso da distribuio espacial das ocorrncias dos crimes de furto e roubo ocorridos no ano de 2006, explorando o fenmeno e correlacionando-o com diversas condies morfolgicas, tipolgicas e de uso de espaos no bairro. A natureza exploradora do trabalho leva a um processo de aproximao sucessiva de resultados que so apresentados em diversos captulos. O primeiro captulo se dedica ao embasamento terico e apresenta estudos clssicos sobre o tema arquitetura e criminalidade. No segundo captulo, caracteriza-se o Bairro de Boa Viagem, descrevendo suas caractersticas morfolgicas, tipolgicas e possveis condies propcias criminalidade. Aps esta

caracterizao, apresentamos o plano de Governo do Estado para combater a violncia, buscando identificar aes com repercusses na estrutura espacial e urbana. Na parte da metodologia apresentam-se consideraes sobre crime e procedimentos com o processamento de dados. Parte-se de trs abordagens ou linhas de investigaes, onde a primeira relaciona a criminalidade com acessibilidade e movimento dos espaos baseada na teoria da Lgica Social do Espao de Bill Hillier. Na segunda parte explora-se a relao entre a presena de bolses de pobreza da rea (favelas) na presena de crimes locais e por fim, o papel de equipamentos geradores de trfego na atrao de crimes.

Relevncia e contribuio do trabalho para a ampliao e disseminao dos temas relativos ao Prmio Atravs do uso de um Sistema de Informaes Geogrficas para trabalhos com dados de criminalidade, o presente trabalho tenta mostrar sociedade que medidas corretas em reas interdisciplinares de estudo podem ajudar no combate violncia e produzir uma sociedade mais segura, revelando padres que se forem analisados em um universo maior de dados, podem levar tambm a um melhor planejamento do trabalho dos agentes de segurana, no mbito municipal, estadual e federal.

4

Arquitetura, Espao e Criminalidade A relao entre arquitetura, espao e criminalidade vem sendo objeto de estudo desde a dcada de 60 com Jane Jacobs, passando pela dcada de 70, com Oscar Newman, e dcada de 90 com Bill Hillier. As estratgias propostas por estes estudiosos partem do princpio que o ambiente urbano pode influenciar atividades transgressivas de dois modos: fisicamente, proporcionando as condies espaciais onde os indivduos atuam e socialmente promovendo as relaes sociais a que os indivduos respondem de modo a promover no delinqente a percepo do risco. Jane Jacobs afirma que para entendermos a cidade, precisamos admitir de imediato as combinaes ou misturas de usos e no os usos separados. Segundo ela, a cidade tem que se manter atravs do uso e da vivacidade da populao nas reas urbanas. Um dos principais questionamentos que ela faz como as cidades podem gerar uma mistura suficiente de usos, por uma extenso suficiente de reas urbanas para preservar a prpria civilizao. Ela exemplifica a situao de pessoas que moram em lugares agradveis, do ponto de vista esttico, mas ao mesmo tempo desagradveis do ponto de vista social com falta de vida e comodidade coletivas na rua. Locais que em certos horrios do dia, devido a no variedade de uso, a rua torna-se deserta e montona ao ponto de os habitantes terem medo de freqentar a rea, por falta de segurana. Como soluo, ela sugere que se diversifique o uso, criando comrcio, servio, lazer e outros elementos capazes de atrair pessoas para o local. Seja de que espcie for, a diversidade gerada pelas cidades repousa no fato de que nelas muitas pessoas esto bastante prximas e elas manifestam os mais diferentes gostos, habilidades, necessidades, carncias e obsesses (JACOBS, ano2003, 161). Segundo Jacobs, o distrito ou bairro e, sem dvida, o maior nmero possvel de segmentos que o compem, deve atender a mais de uma funo principal, de preferncia, a mais de duas. Estas devem garantir a presena de pessoas que saiam de casa em horrios diferentes e estejam nos lugares por motivos diferentes, mas sejam capazes de utilizar boa parte da infraestrutura. A temporalidade de uso dos espaos configura a histria social e cultural vivenciada na cidade, e ainda parte de sua dinmica, aparece, dessa forma, com o intuito de criar a identidade do homem do presente e sua construo no tempo e no lugar. O uso ativo do lugar, independente de hora ou dia da semana, faz com que este torne-se mais seguro pela presena de pessoas em variados horrios e situaes.5

A maioria das quadras deve ser curta, ou seja, as ruas e as oportunidades de virar esquinas devem ser freqentes. A possibilidade da permeabilidade faz com que todos os espaos sejam utilizados de forma regular evitando assim, o cio e o desuso em determinados pontos especficos do lugar que possam ser geradores de transgresses. Na dcada de 70, Oscar Newman investiga a ocorrncia de atividades delituosas e/ou transgressivas em conjuntos residenciais, introduzindo o conceito de espao defensvel, que a aptido do espao para criar zonas de influncia territorial e, portanto, com capacidade para induzir a ao vigilante dos moradores. Todos os programas de espao defensvel tm uma proposta em comum: eles reestruturam o layout fsico (desenho urbano) com o objetivo de permitir que os moradores controlem as reas ao redor de suas casas, incluindo as reas externas, ruas e corredores do lugar. O autor encara a estrutura espacial como uma hierarquia de domnios territoriais estabelecidos entre o domnio pblico e o privado. Newman defende a necessidade de uma delimitao rgida entre estes territrios, alegando que sua ausncia torna o espao impessoal e annimo, tornando-o assim, vulnervel s aes delituosas. Mas, ao contrrio de Jacobs, considera fundamental estabelecer limites e barreiras, atravs do espao fsico e visual, a estranhos, pois tais barreiras reduzem os espaos e limitam os caminhos alternativos que possibilitem eventuais escapatrias. A inteno do mtodo criar um sentimento de territorialidade nos membros da comunidade que iria garantir um ambiente seguro. Segundo a teoria, o desenvolvimento das habitaes que evocam esse sentimento a mais forte dissuaso de atividades criminosas e vandalismo. Segundo Newman, "as habitaes devem ser agrupadas de tal forma que os membros sintam um benefcio mtuo. Para dissuadir crime, as reas devem ser definidas por funo, caminhos devem ser definidos por movimentos, reas ao ar livre devem ser justapostos com casas e espaos interiores devem prover aberturas visuais para as reas externas. A Teoria do Espao Defensvel aplicvel em qualquer tipo de espao planejado. Desde as reas de baixa densidade residencial at as mais altas, a chave o desenvolvimento de reas comuns onde os residentes possam prolongar a rea de domnio de suas casas e terem o sentimento de responsabilidade por esta. Na dcada de 60, Elizabeth Wood desenvolveu orientaes para abordar as questes de segurana, enquanto trabalhava com a Chicago Housing Authority, dando nfase aos aspectos

6

fsicos do desenho urbano que iria dar um suporte natural vigilncia do lugar. Suas diretrizes nunca foram executadas, mas estimulou algumas das idias originais que levaram ao CPTED (Crime Prevention through Environmental Design) Na dcada de 70, o criminalista da Florida State University, C. Ray Jeffery, usou pela primeira vez o termo CPTED. A expresso comeou a ganhar aceitao aps a publicao do seu livro de 1971 com o mesmo nome. Por razes que tm recebido pouca ateno, o trabalho de Jeffery foi ignorado durante toda a dcada de 70. Em 1977, a segunda edio do livro CPTED Crime Prevention Through Environmental Design, expandiu sua abordagem terica para abraar uma forma mais complexa de modelo de comportamento no qual as variveis ambientes fsicos e comportamento como indivduo tm influncias recprocas um sobre o outro. A noo de Newman sobre desenho urbano mais complexa do que simplesmente redesenhar espao. Inclui tambm redesenhar ambientes residenciais para que moradores das reas de uso tornam-se dispostos a defender o seu "territrio", no entanto, limitado s modificaes do ambiente fsico externo. J a noo de Jeffery evoluiu para uma perspectiva dos sistemas integrados, que incide tanto sobre ambientes externos e internos de cada um dos organismos, bem como as interaes entre os dois. Parte da razo pela qual o seu modelo CPTED foi ignorado simples e fcil de entender: as obras includas no do receitas para preveno da criminalidade, enquanto Newman as fez. As obras de Newman sobre espao defensvel foram apoiadas pelo governo, em parte porque envolveu a participao dos cidados, enquanto as obras de Jeffery criticaram o sistema penal e apelou a uma maior investigao acadmica sobre a relao entre o ambiente fsico interno e comportamento humano. A preveno do crime atravs do desenho urbano, ora denominado pela sigla original CPTED visa "identificar as condies do ambiente fsico e social, que proporcionam oportunidades para precipitar atos criminosos... E da alterao das condies para que no ocorram crimes..." (Brantingham and Faust, 1976: 289, 290, 292). O objetivo do programa Crime Prevention Through Environmental Design Principles CPTED propor um desenho e seu efetivo uso na construo de espaos pblicos que possam reduzir a incidncia e o medo ao crime, objetivando tambm a melhor qualidade de vida. O CPTED pode ser aplicado sem a interferncia do uso normal do espao. fcil e econmico de ser aplicado, ainda mais quando pensado na parte inicial do planejamento urbano.7

A investigao demonstra que criminosos no podem ser literalmente impedidos de cometer crimes devido ao CPTED, mas essas alteraes no ambiente fsico podero causar diferenas em certas decises comportamentais. Essas alteraes so elaboradas de forma a encorajar comportamentos, e, portanto, que, em vez de dissuadir ela pode "prevenir" o comportamento, alm da atrao do custo na reduo da incidncia da criminalidade, o CPTED tipicamente reduz os custos globais de preveno da criminalidade. Na dcada de 80 Hillier e Hanson, ao abordarem as implicaes sociais da forma urbana no mbito da teoria da Sintaxe Espacial recuperam o tema da vigilncia natural e do controle social. Adotam uma perspectiva prxima de Jane Jacobs e criticam as propostas de hierarquizao espao-funcional apresentadas por Newman e seguidas pelo CPTED (Hillier e Hanson, 1984; Hillier et alt 1987, Hillier, 1996). Alegam que o modelo de cidade baseado em zonas de residncias mono funcionais, destinadas a servir grupos especficos da populao nega partida a complexidade urbana. Hillier e Hanson defendem que a vigilncia natural desenvolvida por todos aqueles que esto presentes num dado momento no espao pblico. Consideram que o relacionamento entre diferentes grupos da populao fundamental para obter uma estrutura social coesa e integrada, por ele designada como comunidade virtual (Hillier e Hanson, 1984: 132). Para estes autores o sentimento de segurana em zonas residenciais est associado presena de uma comunidade virtual e que tal suportado por um conjunto de fatores de natureza morfolgica, designadamente, da capacidade do espao residencial ser acessvel, permevel, legvel e previsvel. Sabemos que existem duas correntes de pensamentos sobre essa questo da vigilncia natural. A primeira, defendida por Jane Jacobs, acredita que quanto mais aberto e permevel o espao, com a circulao de pessoas que no habitam o lugar, mas que est ali a passeio ou trabalho, maior a vigilncia, pois estas pessoas so parte do mecanismo de policiamento natural. A segunda, defendida por Oscar Newman, acredita que em espaos fechados e impermeveis onde os habitantes so o nico policiamento natural, o mecanismo fundamental que os habitantes reconhecem as pessoas que no so do lugar como intrusos e os desafiam. A diferena entre as duas teorias que na primeira o estranho a fonte da segurana, enquanto que no segundo considerado o fator perigo.

8

Para identificar a influncia efetiva do espao nos delitos de oportunidade e/ou nas atividades transgressoras em zonas residenciais, torna-se necessrio aplicar metodologias de anlise espacial capazes de lidar com preciso com as vrias dimenses fsicas do espao urbano. Desde a dcada de 80 que Hillier e Hanson (1984) avanaram com a proposta de um quadro terico-metodolgico, tambm designado por teoria social do espao ou sintaxe espacial com o objetivo de investigar as relaes entre espao e sociedade, ou seja, entre a forma de organizao do espao construdo, as regras sociais que o conformaram e os usos decorrentes. A Teoria da Sintaxe Espacial busca descrever a configurao do traado e as relaes entre espao pblico e privado atravs de medidas quantitativas, as quais permitem entender aspectos importantes do sistema urbano, tais como a acessibilidade e a distribuio de usos do solo. Ao permitir identificar a capacidade de uma configurao urbana gerar movimento, constitui um instrumento eficaz para compreender os efeitos da vigilncia natural e estudar padres de delinqncia urbana. Para, alm disso, permite quantificar as variveis espaciais, do mesmo modo que as variveis sociais e econmicas normalmente consideradas e investigar com igual preciso os padres de crime em reas distintas ou dentro da mesma rea usando a mesma metodologia de anlise. Neste sentido a metodologia da tem sido aplicada em estudos de padres espaciais de delinqncia urbana. Estes estudos mostram a existncia de fatores morfolgicos que colaboram na reduo do crime e que podem ser traduzidos princpios de desenho urbano e em orientaes de projeto adotando o conceito de comunidade virtual e considerando que a vulnerabilidade do espao residencial est associada a ausncia de controle social e de vigilncia natural, defende-se que a oportunidade de ocorrncia de atividades delituosas e/ou transgressivas est relacionada com as condies de acessibilidade e de visibilidade dos espaos de uso coletivo. Na ltima dcada, pesquisadores tm se dedicado a estudar os efeitos do espao construdo relacionado ao crime. Esses estudos encontraram correlaes entre as medidas de sintaxe espacial e a criminalidade em bairros residenciais (Shu, 2000; Shu e Hillier, 2000). Duas medidas de Sintaxe Espacial, conhecidas como Integrao e Conectividade, calculam o nvel de acessibilidade de um segmento de rua em relao a todos os outros segmentos de um sistema espacial.

9

As condies de visibilidade do espao correspondem capacidade de alcance visual, ou seja, ao modo como os espaos se relacionam visualmente com os imediatamente adjacentes. A capacidade de vigilncia natural tem implicaes na escolha dos locais de convvio, na composio e comportamento dos grupos que os utilizam e nas atividades que praticam. Com efeito, as relaes de visibilidade entre espaos no tem necessariamente caractersticas simtricas, pois nem sempre se estabelece entre eles uma relao de reciprocidade: o alcance visual do espao A em relao ao espao B pode no ser idntico ao estabelecido de B para A. Isto significa que o fator de assimetria visual entre espaos pode traduzir-se numa situao de 'ver sem ser visto', contribuindo para aumentar significativamente o controlo visual de um dos espaos sobre o outro. Teorias que relacionam crime e desenho urbano foram apresentadas pelo prof. Bill Hillier no Home Office Conference on crime Prevention through Environmental Design onde ele explica que sintaxe espacial mede o nvel de integrao dos espaos. Ela pode prever a distribuio dos movimentos gerados pela configurao do espao em funo das relaes existente entre cada parte deste. Essa anlise realizada por meio de comparaes, anlises estatsticas e matemticas e levando-se em considerao conceitos como axialidade, simetria, permeabilidade, conectividade, integrao global e local, profundidade e inteligibilidade. A Deseconomia dos Movimentos um fenmeno largamente discutido e tem sua importncia comprovada nas cidades contemporneas, que apresenta muitas vias com ligaes insuficientes e/ou mal planejadas, que fazem com que os deslocamentos no sejam eficientes e que os usurios terminam por realizar percursos muito maiores que o necessrio. Todos estes conceitos precisam ser bem definidos e estudados para que o resultado do trabalho seja legvel e leve a concluses prticas para soluo dos problemas existentes e para o aproveitamento das potencialidades da rea.

Objeto de Estudo: Padro de crime no Bairro de Boa Viagem Boa Viagem o bairro mais populoso da cidade, com 100 mil habitantes (Censo) - so pouco mais de 45 mil homens e 55 mil mulheres. Devido presena de oito favelas existentes na localidade, com aproximadamente 30 mil habitantes carentes, a renda mdia do Bairro menor que outros, com rendimento per capita mdio de R$ 3.012,16, mas o seu valor de metro quadrado

10

tido como um dos mais valorizados da Regio Metropolitana, sendo assim visado pelo setor imobilirio, mdia, poder pblico e criminosos. O bairro caracterizado por ser uma rea bastante heterognea, no sentido de renda per capita, onde prdios de luxo e favelas praticamente pontuam todo o bairro, at mesmo nas reas mais comerciais e movimentadas, como o caso dos arredores do Shopping Center Recife. Essa miscigenao torna-se interessante a partir do ponto de vista social e da criminalidade, pois pessoas de vrios nveis de renda dividem reas em comum e convivem diariamente com os problemas e qualidades do lugar. Essa convivncia, mesmo que subconscientemente, gera vrios conflitos sociais a partir do momento em que a classe mdia se fortifica e se isola por trs dos altos muros e fachadas cegas, respaldados pela lei de uso do solo que permite interpretao dbia, alm do forte sistema de segurana com cmeras, cercas eltricas e portes cegos que beneficiam a ao do criminoso no momento em que o pedestre torna-se isolado nas caladas, na maioria pessoas sem poder aquisitivo, ou trabalhadores, que fazem suas tarefas do dia-a-dia caminhando pelas ruas do bairro. Outro fator precrio na regio a iluminao, muitas vezes precria ou at mesmo inexistente. Alm dos fatores tipolgicos e espaciais, a escolha pelo bairro de Boa Viagem se deu principalmente pelo fato deste ter a primeira delegacia totalmente informatizada, com ligao direta Secretaria de Defesa Social SDS, o que facilitou um pouco a coleta de dados relacionados ao ndice de criminalidade da rea. O bairro em estudo possui uma grande dinmica de empreendimentos, desde comrcio a servios, e estes esto, em grande maioria, nas reas de concentrao acima definidas a empreendimentos de lazer como bares, restaurantes e boates. No geral, observa-se um comrcio e prestao de servios bastante variados: vesturios, eletro-eletrnicos, veculos, alimentao, bancos, rede hoteleira, educao, sade, entre outros. Na rea de Setbal os quarteires compem-se de diversos lotes, de extenses variadas enquanto que em Boa Viagem os quarteires so formados por uma quantidade menor de lotes, o que obriga as imobilirias a agregar vrios lotes para construes de edifcios. Na faixa da orla e suas proximidades, em geral, encontra-se edifcios de um apartamento por andar abrigando moradores de alto e mdio poder aquisitivo. J a populao de baixa renda, encontra-se em diversas reas do bairro algumas classificadas como ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social), principalmente na faixa do canal de Setbal e do Jordo.11

As transformaes recentes do bairro esto gerando espaos nos quais os diferentes grupos sociais encontram-se muitas vezes prximos, mas esto separados pelo poder das posses. Os segregados do espao urbano deste bairro constituem os periferizados scio-espaciais e se tornam visveis sob forma de favelas e habitaes de baixo valor construtivo. Dessa forma, fica evidente na pesquisa, a partir de informaes, que esse bairro detm o metro quadrado mais caro da cidade e hoje auto-suficiente na prestao de servios aos habitantes nele residente, que ele exerce grande fora de atrao do capital e dos seus aparelhos de reproduo, destacando-se nesse cenrio os promotores imobilirios e o Estado. Estes agentes, atuantes no espao urbano, interferem significativamente nas formas e funes do espao, estabelecendo ou permitindo padres arquitetnicos e contribuindo com o aparecimento ou injetando equipamentos de comrcio e servios, necessrios reproduo das classes mais ricas da rea estudada, mas sem colaborar com as precises mais urgentes das populaes mais pobres ali tambm residentes. Diante destas questes, analisa-se que o bairro de Boa Viagem transgride seu status de bairro e passa a apontar como uma verdadeira cidade capitalista dentro de outra cidade, alocando todas as complexidades e contradies de uma regio urbanizada (ver figura 1).

Figura 1: mapa de zoneamento do bairro de Boa Viagem

12

Metodologia de pesquisa A primeira etapa foi delimitar o corte temporal das ocorrncias, onde se determinou trabalhar com o ano-base de 2006 pelo fato do trabalho ter sido iniciado no primeiro semestre de 2007. Ao mesmo tempo, foi necessrio delimitar o tipo de crime que seria focalizado. As opes iniciais eram roubo, furto, estupro e roubo de veculos. Aps analisar os dados inicias decidiu-se trabalhar somente com roubo e furto, pois estes so crimes urbanos praticados contra o passante, o que envolve a questo espacial do lugar em que foi cometido, fato de maior interesse para o trabalho, j que estupro envolve questes mais especficas como violncia contra a mulher e patologias sociais, e como roubo e furto de veculos tratado em delegacias especiais e de forma diferente, ficou descartado esse tipo de crime tambm. Ao delimitar o campo e o tipo de crime a ser trabalhado, foi necessrio pesquisar na Delegacia do Bairro de Boa Viagem as ocorrncias por logradouro, horrio, modo de abordagem, modo de fuga, etc. Foi nessa etapa que comearam a surgir os problemas que acabaram delimitando o estudo em questo. O Governo do Estado de Pernambuco utiliza um sistema de monitoramento e anlise criminal denominado INFOPOL , que uma ferramenta que cruza dados estatsticos de uma ficha pr-determinada no Microsoft Office Access, exportando para o Microsoft Office Excel e mapas cartogrficos no sistema. Alm da Polcia Civil, tambm utilizado pela Polcia Militar, Polcia Cientfica e Corpo de Bombeiros. O problema maior do INFOPOL est na entrada dos dados fornecidos pela vtima, s vezes por ignorncia sobre o lugar onde ocorreu o crime como tambm por ignorncia do agente receptor das informaes que no preenche corretamente o formulrio, j que h uma maleabilidade grande na manipulao desses dados uma vez que as clulas de preenchimento no so travadas para as opes pr-determinadas, aceitando dados escritos pelo prprio agente. Este problema reflete na estatstica futura quando, por exemplo, a mesma rua possui vrias denominaes diferentes, como a Avenida Engenheiro Domingos Ferreira que ora chamada corretamente, ora chamada de Avenida Domingos Ferreira ou Domingos Ferreira, o mesmo acontece com a Rua Padre Carapuceiro que tambm chamada de Rua do Shopping. Alm da denominao errada, h tambm problemas com a numerao do lote, pois quando a vtima no sabe o ponto exato onde foi ocorrido a abordagem ou o delito, sempre colocado os nmeros 1, 11 ou 111, por exemplo: Rua Padre Carapuceiro no 11.

13

Outro problema encontrado foi na localizao desses dados no mapa cartogrfico usado pela Polcia (ver figura 2). Nele, as ocorrncias so marcadas com figuras de estrelas que no refletem o ponto exato do incidente e s vezes a mesma estrela indica mais de um crime. Para se ter a informao exata de cada ocorrncia, necessrio selecionar a imagem e solicitar a informao, nesta tela aparecer o nmero do Boletim de Ocorrncia (BO) e com este nmero possvel achar no sistema todas as informaes do crime contidas no BO. Aps fazer um relatrio de todos os registros ocorridos no ano de 2006, foi necessrio abrirFigura 2: mapa da regio - INFOPOL

cada por BO, para conseguir a localizao exata de cada delito, j que o mapa fornecido

pela Secretaria de Defesa Social (SDS), no mostrava claramente esta informao. O resultado desse apanhado foi que de 6.647 ocorrncias entre roubo e furto, s foi possvel locar no mapa cartogrfico (UNIBASE), 737 ocorrncias, ou seja, 11,09% das ocorrncias totais, sendo estas 368 de roubo, equivalente a 5,5% do nmero total, e 369 de furto, tambm equivalente a 5,5% do total de casos. Essa defasagem nos dados gerou dificuldade para a interpretao dos mesmos, no podendo em nenhuma explorao ou anlise estatstica fazer

afirmaes, mas sim, suposies sobre o padro de crime no bairro. Para locar esses crimes no mapa, no foi utilizada nenhuma coordenada geogrfica, j que estas no esto descritas no BO, e sim o nome das ruas e nmeros de lotes. Para saber se o crime ocorreu na via pblica ou no prprio lote, foi analisado cada BO para averiguar no campo local principal da ocorrncia a exatido do lugar como estacionamento, via pblica, calada, residncia, estabelecimento comercial, etc. Alm de separar os crimes por roubo e furto, estes foram classificados tambm por perodo do dia, surgindo 05 subcategorias para cada tipo de delito: Manh: crimes ocorridos entre 06h00min e 12h00min. Tarde: crimes ocorridos entre 12h00min e 18h00min. Noite: crimes ocorridos entre 18h00min e 00h00min.14

Madrugada: crimes ocorridos entre 00h00min e 06h00min. NI (no identificado): crimes que no possuem o horrio exato no BO.

Mapeamento do Crime A Teoria da Sintaxe Espacial, formulada por Hillier e Hanson (1984), investiga a relao entre sociedade e espao e estabelece um mtodo de anlise de padres espaciais, estudando manifestaes morfolgicas globais do tecido urbano bem como as relaes internas das configuraes locais. Duas tcnicas so normalmente abordadas: a Tcnica de Convexidade e a Tcnica de Axialidade, sendo esta ltima estudada nesse trabalho. O mapa de axialidade (ver figura 3) consiste na insero, no sistema de espaos pblicos, do menor nmero dos maiores segmentos de reta possveis (linhas axiais), de maneira a que todas as ilhas espaciais (representadas pelas barreiras ao movimento de veculos nos espaos pblicos) fiquem completamente envolvidas pelas linhas axiais (HILLIER; HANSON, 1984). Esta tcnica decompe o espao pblico em unidades elementares de uma dimenso, que permitem captar atributos globais do sistema. Atravs do cruzamento das linhas axiais entre si, e da insero destes dados no software, podem ser avaliadas algumas variveis. A varivel mais importante a RAR (Relativa Assimetria Real) queFigura 3: : mapa axial bairro de boa viagem

indica os nveis de integrao do

sistema. Entende-se por integrao, na Teoria da Sintaxe Espacial, o nmero de mudanas de direo, ou seja, mudana de uma linha axial para outra subseqente do sistema, necessrias para se chegar de um lugar ao outro. O software Mindwalk processa o conjunto de variveis que formulam a Teoria, tendo como base de clculo uma srie que de funes calculadas

logartmicas,

manualmente, inviabilizaria a aplicao de estudos desta natureza.

Acessibilidade Linhas axiais so as maiores linhas retas capazes de cobrir todo o sistema de espaos abertos de um determinado recorte urbano (HILLIER; HANSON, 1984). Elas so a15

unidade bsica de anlise utilizada pela Sintaxe Espacial. O conjunto de linhas axiais determina uma estrutura de acessibilidade, indicando qualidades espaciais relacionais como o grau de integrao. Integrao A medida de integrao mede o quo profundo, ou distante, uma linha axial est de todas as outras linhas do sistema (HILLIER et al, 1993). Das medidas possveis de anlise sinttica, esta a principal. Ela til na previso de fluxos de pedestres e veculos e no entendimento da lgica de localizao de usos urbanos e dos encontros sociais. Integrao Global A integrao Global uma medida matemtica que expressa a relao de simetria de cada linha axial com as demais linhas do sistema. Ou seja, ela vai expressar uma hierarquia de ruas menos conectadas que vo se ligando a outras at atingir a rua mais integrada, que vem a ser aquela topologicamente mais prxima de todas as demais linhas do sistema. Integrao local A integrao local, ou de raio limitado, calculada da mesma maneira que a integrao global, com a diferena que a profundidade mdia obtida apenas para as linhas localizadas dentro de um determinado limite de passos topolgicos. O mais usual so 03 passos topolgicos. Conectividade Conectividade de uma linha axial a quantidade de linhas que a interceptam, ou seja, a quantidade de linhas que esto a uma profundidade igual a 1 a partir dessa linha. , portanto, uma medida local. Profundidade O conceito de profundo leva em considerao a distncia topolgica, e no a distncia mtrica. Sendo assim, todos os eixos diretamente conectados a uma determinada linha esto a um passo topolgico dela. As linhas diretamente conectadas a esses eixos esto a dois passos topolgicos da primeira, e assim por diante. A partir da profundidade mdia calculada a integrao de cada linha axial, De acordo com Hillier e Hanson (1984), linhas axiais com valores de integrao superior a 1,67 podem ser consideradas altamente integradas, enquanto que aquelas com valor inferior a 1 podem ser consideradas como segregadas.

16

Coleta de dados Aps pesquisas na GACE (Gerncia de Anlise Criminal e Estatstica), da Secretaria de Defesa Social do Estado de Pernambuco, foram obtidos os seguintes dados: furto dia da semana segunda tera quarta quinta sexta sbado domingo total madrugada 37 26 38 52 52 93 77 375 manh 127 124 97 102 137 108 108 803 tarde 134 139 119 141 172 188 157 1050 noite 82 105 121 79 128 121 104 740 soma 380 394 375 374 489 510 446 2968 Dia da semana x perodo do dia x furto

Analisando a tabela, percebemos que o maior ndice de furtos ocorre no perodo da tarde, seguido pela manh, noite e madrugada. Isso indica que os assaltantes agem no perodo de maior movimento das ruas. O sbado aparece com o maior nmero de furtos durante a semana, sendo maiores essas ocorrncias no perodo da tarde e na madrugada. O final de semana em geral mais violento, comeando pela sexta-feira noite, passando, como j foi dito, pela madrugada e tarde do sbado. No domingo h uma sensvel queda das ocorrncias, voltando estas em grande nmero pela segunda de manh. Essa crescente no final de semana se d por conta dos bares, restaurantes e casas noturnas do bairro, sendo mais agravado pela faixa de praia, muito freqentada nesses dias da semana, onde ocorre um alto ndice de delitos como veremos adiante. Dia da semana x perodo do dia x roubo

roubo dia da semana segunda tera madrugada 34 22 manh 106 88 tarde 166 156 noite 175 218 soma 481 48417

quarta quinta sexta sbado domingo total

31 55 54 121 77 394

93 89 94 84 97 651

129 169 184 161 161 1126

227 201 264 219 204 1508

480 514 596 585 539 3679

Ao analisar os nmeros de roubo, percebemos que o perodo noturno onde ocorre a maior incidncia desse tipo de delito, seguido pela tarde, manh e madrugada contradizendo tambm a teoria de Jane Jacobs no que diz respeito relao co-presena e criminalidade. O incio do final de semana tambm violento j que a tarde e a noite de sexta-feira se configuram como o perodo mais violento da semana, entrando pela madrugada de sbado, tendo uma significante queda no domingo pelo perodo da manh e tarde, crescendo noite e na segunda pela manh retornando ao patamar de perodo mais violento. Os seguintes mapas foram produzidos atravs das informaes obtidas na Secretaria de Defesa Social. Conforme foi dito anteriormente, a locao dos pontos foi feita de forma indicativa, sem coordenadas geogrficas, a partir de informaes extradas dos Boletins de Ocorrncias. Os mapas cartogrficos contm os pontos onde ocorreram a transgresso, locados em cima de uma carta grfica denominada UNIBASE.

18

Figura 4: mapa de integrao global x roubo

Figura 5: mapa de integrao local x furto

Anlises Estatsticas

Tabela Base Tabela utilizada para gerar os grficos de regresso simples, que uma extenso do conceito correlao/covarincia. Ela tenta explicar uma varivel, a qual chamada varivel19

dependente, usando a outra varivel, chamada varivel independente. Neste caso, a varivel independente o valor de Integrao, seja ele global ou local, e as variveis dependentes so os valores totais de roubos e furtos ocorridos no ano de 2006. Em um grfico de regresso simples podemos determinar quais variveis dependentes (y) tm relao direta ou inversa com a varivel independente (x) proposta, neste caso, iremos observas como os crimes de roubo e furto (y) tm ligao, direta ou no, com a integrao global e local (x) das vias de maior incidncia de criminalidade (ver figura 18). Integrao Global x RouboRsum rgression ROUBO vs INT. GLOBAL Nombre 48 Manquants |R| R carr R carr ajust Ec. type rsiduel 0 .517 .267 .251 83.698 300 Graphe de rgression 500

A400

ROUBO

B

C

200 100 0 -100 1.2 2 2.2 2.4 2.6 INT. GLOBAL Y = -243.299 + 144.519 * X; R^2 = .267 1.4 1.6 1.8 2.8 3 3.2

D

E

O grfico apresenta uma correlao positiva, onde se verifica que quanto mais integrada as vias, mais aumentam a ocorrncia de crimes . Essas ruas representam 26,7% do nmero total de vias analisadas. Destacam-se algumas vias no sistema que possuem varincia no explicada. Sendo elas: A Eng. Domingos Ferreira, com 487 casos de roubo e valor de integrao de 2,4197. B Av. Conselheiro Aguiar, com 331 casos de roubo e com valor de integrao de 2,4984. C Av. Boa Viagem, com 373 casos de roubo e com valor de integrao de 3,0295. Com varincia explicada, aparecem destacadas no sistema as seguintes vias: D R. Ernesto de Paula Santos, com 87 casos de roubo e com valor de integrao de 2,6660. E R. Ribeiro de Brito, com 67 casos de roubo e com valor de integrao de 2,9681.

20

O que podemos perceber neste caso que quanto maior o valor de Integrao Global, maior a incidncia de criminalidade. Este fato contradiz a teoria de Bill Hillier, no estudo em conjuntos habitacionais em Londres, onde os resultados mostram a criminalidade maior nas ruas mais segregadas do sistema. Essa oposio entre os dois casos se deve ao fato de Hillier ter analisado a ocorrncia de arrombamentos em residncias e h uma caracterstica local de crimes de oportunidade que se beneficia dessas ruas mais integradas por atrarem um maior trfego de pessoas, conseqentemente gerando a maior rotatividade no comrcio e no volume de riqueza do lugar. No Bairro de Boa Viagem, o que se pode perceber que o ladro visa a ocasio, independente da hora do dia ou daqueles que o observam. Essa falta de precauo e de medo do agressor pode ser conseqncia da impunidade por parte dos rgos competentes ou at mesmo pelo uso de entorpecentes que bloqueiam a percepo do errado.

Integrao Local x FurtoRsum rgression FURTO vs INT. LOCAL Nombre 48 Manquants R R carr R carr ajust Ec. type rsiduel 0 .454 .206 .189 96.403 Graphe de rgression 600 500 400

A BeC D E

FURTO

300 200

GRUPOS100 0 -100 1 2.5 3 INT. LOCAL Y = -236.02 + 87 * X; R^2 = .206 1.5 2 3.5

4

4.5

Quando analisamos a relao furto e integrao local, percebemos 03 grupos distintos: os que apresentam baixo nmero de ocorrncias e valor de integrao, baixo nmero de ocorrncias e valor mdio de integrao e por ltimo, os que apresentam baixo nmero de ocorrncias e alto valor de integrao. Isso demonstra certo equilbrio no sistema, apesar deste apresentar tambm linhas que se destacam com varincia no explicada (A, B, C e D) e explicada (E), sendo elas: A Av. Boa Viagem, 495 furtos e integrao de 4,3555.21

B Rua Padre Carapuceiro, 383 furtos e integrao de 3,8454. C Av. Eng. Domingos Ferreira, 372 furtos e integrao de 3,8485. D Av. Conselheiro Aguiar, 310 furtos e integrao de 4,0084. E Rua Ernesto de Paula Santos, 39 furtos e integrao de 4,0682; Rua Ribeiro de Brito, 23 furtos e integrao de 4,3796; Rua Baro de Souza Leo, 68 furtos e integrao de 4,3245.

Mais uma vez o grfico demonstra que no existe uma lgica entre os valores de integrao e furto, j que somente 20,6% das vias apresentam essa correlao. O que podemos perceber que o ladro busca a ocasio, e para isso ele busca as vias que possuem o maior fluxo de pessoas e comrcio, onde h mais oportunidade. Integrao Global x Roubo e FurtoGraphe de rgression Rsum rgression TOTAL vs INT. GLOBAL Nombre 48 Manquants |R| R carr R carr ajust Ec. type rsiduel 0 .509 .243 172.842 900 800 700 600

C B

D

TOTAL

.259

500 400 300 200 100 0 -100 1.2

A

E

2 2.2 2.4 2.6 INT. GLOBAL Y = -504.392 + 292.013 * X; R^2 = .259

1.4

1.6

1.8

2.8

3

3.2

No caso da integrao Global com o total de crimes ocorridos no ano de 2006, praticamente 1/4 das vias tem relao com o valor de integrao, chegando a um montante de 25,9%. O que chama ateno so as vias que se destacam no grfico, mas que no tem sua varincia explicada, pelo fato de se repetirem nos outros grficos j apresentados. So elas: A Rua Padre Carapuceiro, 547 ocorrncias e integrao Global de 2,3092. B Av. Conselheiro Aguiar, 641 ocorrncias e integrao Global de 2,4948. C Av. Eng. Domingos Ferreira, 859 ocorrncias e integrao Global de 2,4197.22

D Av. Boa Viagem, 868 ocorrncias e integrao Global de 3,0295.

Podemos perceber em todos os casos que habitualmente as vias de maior integrao, possuem os maiores ndices de criminalidade, possuem tambm como pano de fundo as questes econmicas e de uso do solo do lugar. As vias que se destacam na regio de varincia explicada so as seguintes: E Rua Antnio Falco, 129 ocorrncias e integrao Global de 2,3433. Rua Ribeiro de Brito, 90 ocorrncias e integrao Global de 2,9681. Av. Baro de Souza Leo, 202 ocorrncias e integrao Global de 2,5482.

Essas vias, se comparadas s de varincia no explicada, possuem um nmero bem menor de delitos, mas os valores de Integrao Global praticamente se equivalem. Mas ao serem comparadas com as outras vias do sistema, pertencentes ao grupo dos 25%, essas vias apresentam alto ndice de criminalidade e alto valor de Integrao. Justificando assim, o isolamento dessas duas ruas no grfico.

Integrao Local x Roubo e Furto

23

Rsum rgression TOTAL vs INT. LOCAL Nombre Manquants |R| R carr R carr ajust Ec. type rsiduel

Graphe de rgression 900 48 0 .485 .218 .235 800 700 600

A B C GRUPOS E D

TOTAL

500 400 300 200 100 0 -100 1 2.5 3 INT. LOCAL Y = -455.029 + 172.33 * X; R^2 = .235 1.5 2

175.572

3.5

4

4.5

Ao analisarmos o grfico que correlaciona o nmero total de ocorrncias (roubo e furto) no ano de 2006, com o valor de Integrao Local, percebemos que essa relao representada em 23% dos casos, um nmero baixo que representa quase 1/4 das ruas do sistema. Estas ruas se apresentam em 03 grupos distintos, como vemos sinalizado no grfico. O primeiro apresenta baixo nmero de ocorrncias e baixo valor de integrao local, o segundo apresenta baixo nmero de ocorrncias e valor mdio de integrao local e por ltimo, o terceiro grupo que apresenta baixo valor de ocorrncias e valor de integrao mdio-alto. Alm destes grupos se apresentam no sistema vias que no possuem varincia explicada. So elas: A Av. Eng. Domingos Ferreira, 859 ocorrncias e integrao de 3,8485. B Av. Boa Viagem, 868 ocorrncias e integrao de 4,3555. C R. Padre Carapuceiro, 547 ocorrncias e integrao de 3,8454. D Av. Conselheiro Aguiar, 641 ocorrncias e integrao de 4,0084.

As vias de varincia explicada so as seguintes: E Rua Baro de Souza Leo, 202 ocorrncias e integrao de 4,3245; Rua Ernesto de Paula Santos, 126 ocorrncias e integrao de 4,0620; Rua Ribeiro de Brito, 90 ocorrncias e integrao de 4,3796.

24

Analisando todos os casos que correlacionam crimes, sejam estes roubo ou furto, com o valor de integrao das vias, global ou local, apresentam baixa ligao, j que estas no ultrapassam 27% dos casos, tendo uma mdia de 25%. Isso demonstra que os criminosos no se utilizam da facilidade de conexo entre as vias como meio de fuga, ou do fato da via ser menos utilizada, ser mais deserta, uma vez que as ruas que se apresentam no sistema com o maior valor de integrao demonstram maior nmero de ocorrncias. Este fato contradiz a teoria de Jane Jacobs, onde ela fala que a diversidade e o uso do lugar tendem a diminuir a criminalidade. No caso do bairro de boa Viagem, essa diversidade aumenta o ndice de crimes. Podemos perceber este fato ao ver que as ruas que possuem uma maior intensidade comercial se apresentam com o maior ndice de roubos e furtos, destacando-se no sistema com varincia no explicada, sendo elas as Avenidas Domingos Ferreira, Conselheiro Aguiar e Boa viagem, esta ltima, apesar de ser em sua maioria residencial, destaca-se pela grande rea de lazer natural, a faixa de praia, e o calado. As ruas Padre Carapuceiro, Antnio Falco, Ribeiro de Brito e Baro de Souza Leo, so ruas de uso misto, mas que fazem a ligao do bairro com outras reas da cidade, facilitando a rota de fuga, demonstrada pelo alto valor de integrao com o sistema. Note-se que existe uma distribuio irregular da oportunidade de ocorrncia das atividades delituosas e/ou transgressivas nas reas estudadas porque estas tm distribuies irregulares de pessoas e atividades. Isto significa que existem vrios tipos de delitos de oportunidade e de atividades transgressivas com lgicas espaciais prprias. Por exemplo, no roubo de via pblica, os ladres tendem a atuar em zonas movimentadas ou em lugares sobrelotados enquanto os assaltantes de carros, de pessoas e residncias procuram lugares pouco movimentados. De acordo com a teoria das estruturas de oportunidades, tais delitos ocorrem na presena de trs variveis: Agressor/delinqente Alvo/vitima Situao. Trata-se de um complexo daquilo que se deseja em que a oportunidade ocorre do confronto entre o (potencial) transgressor/delinqente e o (potencial) alvo/vtima quando este ltimo se encontra numa situao vulnervel, em regra associada a ausncia de vigilncia.25

Quando o alvo/vtima est exposto a estas condies, o risco de ser vitimizado torna-se elevado. Idntico processo se aplica s atividades transgressivas. Neste processo o (potencial) transgressor/delinqente tende a atuar de forma racional, e de acordo com normas prestabelecidas (Brantingham e Brantingham, 1975, 1980, 1981). O seu comportamento-tipo envolve uma fase inicial de avaliao dos custos e dos benefcios resultantes do ato que pretende cometer. A dimenso dos (potenciais) ganhos, a facilidade e a oportunidade de cometer o ato e a oportunidade de fuga, os riscos de ser reconhecido e/ou detido e as (potenciais) perdas a que est sujeito, (ex. o tipo e a durao da pena que lhe poder ser aplicada) assumem-se como preocupaes bsicas. Salvo situaes excepcionais, o (potencial) transgressor/delinqente tende a no atuar em situaes que envolvam demasiados riscos, que facilitem detectar ou o impeam de agir com sucesso. Segundo Bill Hillier, para se detectar a real influncia do espao sobre os crimes ocorridos neste, so necessrios: Preciso; Dados locacionais especficos; Utilizao de uma metodologia de anlise espacial.

No caso do Bairro de boa Viagem, fica difcil detectar esta relao crime-espao, uma vez que os dados, como foi dito anteriormente, no tm preciso. O que se fez foi uma anlise da amostragem de informaes obtidas na poca do levantamento.

Crime e Proximidade com reas Pobres A presente anlise enfoca um chamado mito urbano, o seja a idia de que lugares perto de favelas ou outras reas pobres so mais inseguros e perigosos. Quase todas as pessoas afirmam ter medo de passar perto de reas pobres por temer ser assaltadas, mas qual o fundamento deste temor? Um segundo mito subjacente a esta idia de que os habitantes destas reas seriam criminosos ou propensos a praticar crimes. Na realidade, os dados nos mostram que os moradores de favelas so em sua grande maioria, pessoas honestas com ocupaes definidas e que na maioria das vezes habitam estas reas h longo tempo. A expresso da pobreza e da misria na precariedade habitacional, no se esgota em um dficit habitacional, mas se estende a falta de acesso s condies urbanas e seus servios. As26

favelas so expresso de uma sociedade desigual que apresentam tal configurao com nico meio de moradia urbana da parcela mais pobre da populao. O crescimento da populao favelada alvo dos enunciados jornalsticos, onde se reproduz estigmas criminais mais contundentes, construindo o que podemos chamar de nova verso das classes perigosas, como afirma Bauman (1998:26): A busca da pureza moderna expressou-se diariamente com a ao punitiva contra as classes perigosas; a busca da pureza ps-moderna expressa-se diariamente com a ao punitiva contra os moradores das ruas pobres e das reas urbanas proibidas, os vagabundos e indolentes. A expresso da pobreza urbana nas cidades Em 2003 estimava-se que 31,6% da populao urbana mundial j era favelada e que, em 30 anos poderia chegar a 02 bilhes de pessoas. Na ltima dcada, segundo dados censitrios do IBGE, a populao brasileira favelada aumentou num ritmo quase trs vezes superior mdia geral de crescimento populacional. Enquanto a populao em geral cresceu a uma taxa de 0,74% ao ano, o nmero de habitantes de favelas aumentou a um ritmo de 2,4%. Ao mesmo tempo podemos constatar que o espao ocupado pelas favelas no aumentou, devido a seu confinamento em reas urbanas. Isto indica que esta havendo um aumento da densidade residencial nestas reas, ou mesmo em um crescimento das favelas em reas mais perifricas. No Bairro de Boa Viagem, do total de 100.388 habitantes residentes, 14.006 moram em Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) e reas pobres, um percentual de 13,95% habitantes da regio, distribudos em 19 comunidades ao todo, sendo 14 no bairro de Boa Viagem (ver figura 06).

27

Figura 6: mapa - reas de ZEIS

A figura 06 mapeia a localizao destas reas, onde se pode perceber que o bairro de Boa Viagem cercado por favelas e ZEIS. Atribui-se s estas reas a criminalidade ocasional que acontece nos sinais de trnsito, ruas e o calado de lazer do bairro. Esta uma lgica perigosa, que criminaliza pessoas por seu local de moradia (favelas) e que em sua maioria, so trabalhadores assalariados, e cidados de bem. Ao perceber este estigma de que em favelas s existem delinqentes e que prximo a elas ocorrem a maioria dos crimes, resolve-se desenvolver um estudo baseado na proximidade relativa destes espaos frente aos locais de ocorrncia de crimes. A distncia da favela para o local onde ocorrem os crimes definida por uma medida de profundidade. A profundidade pode ser entendida pelo nmero de passos a partir de cada via para ser chegar a uma outra via. Assim, neste estudo a profundidade da favela representa a quantos passos da favela ou ZEIS ocorrem os crimes. Foram escolhidas 04 reas a serem analisadas que so mostradas nos mapas seguintes: O complexo Beira Rio, Laje, Curral e Rio Azul: situado entre as Ruas Baro de Souza Leo e Ernesto de Paula Santos, devido sua proximidade com essas vias que lideram o nmero de ocorrncias. Favela do Veloso: pela proximidade com reas residenciais, bares e restaurantes. Entra Apulso: por ser uma das reas mais conhecidas e sua proximidade com o Shopping Center Recife. O complexo Xuxa, Deus Nos Acuda, Ilha do Destino, Cigano: por estar prximo regio dos colgios Atual, Contato, Santa Maria e Boa Viagem.

28

1. FAVELA 1 Complexo Beira Rio500 450 400

2. FAVELA 2 Rio Azul450 400 350No. DE CRIMES

No. DE CRIMES

350 300 250 200 150 100 50 0 0 1 2 3 PROFUNDIDADE (PASSOS) 4

300 250 200 150 100 50 0 0 1 2 3 PROFUNDIDADE (PASSOS) 4

3. FAVELA 3 -VELOSO300 250

No. DE CRIMES

200 150 100 50 0 -50 0 1 2 3 PROFUNDIDADE (PASSOS) 4 AV. FERNANDO SIMOS BARBOSA AV. VISCONDE DE JEQUITINHONHA

4. FAVELA 4 - ENTRA APULSO300 280 260

5. FAVELA 5 - XUXA260 240 220

No. DE CRIMES

240 220 200 180 160 140 120 100 0 1 2 3 PROFUNDIDADE (PASSOS) 4

No. DE CRIMES

200 180 160 140 120 100 80 60 0 1 2 3 PROFUNDIDADE (PASSOS) 4

6. FAVELAS 6 - COMPLEXO ILHA DO DESTINO

29

260 240

No. DE CRIMES

220 200 180 160 140 120 100 0 1 2 3 4

PROFUNDIDADE (PASSOS)

O complexo Beira Rio, Pocot, Laje e Curral, localiza-se s margens do Canal do Rio Jordo, que uma das vias de acesso entre Boa Viagem e Piedade. Por estar numa via de fluxo rpido, sem obstculos de parada como semforos ou cruzamentos, podemos perceber que a criminalidade ao longo da via (que representa a de profundidade 01) baixa, enquanto que na via de profundidade 02, onde se localizam casas residenciais, alguns bares, escritrios, o Colgio Santos Dumont, postos de gasolina, supermercado e um clube de tnis, o nmero de crimes atinge o pice, com a ocorrncia de 457 crimes, decaindo ao longo dos trechos de profundidades 03 e 04. A favela do Rio Azul localiza-se tambm s margens do Rio Jordo, na poro mais sul do bairro. O nmero de crimes prximo a ela menor aumentando ao longo da profundidade, atingindo o pice, com a ocorrncia de 394 crimes, a 03 passos da mesma, devido tambm ao fato desta vias conterem escolas, Igrejas, Academias, Flat e edifcios residenciais o que significa tambm maior fluxo de pessoas. A Favela do Veloso encontra-se mais centralizada no bairro de Boa Viagem do que as outras e prxima a reas residenciais e de equipamentos de lazer como o Restaurante Laador, Lanchonete Laa Burguer e o Bar Entre Amigos, estabelecimentos estes que atraem um grande nmero de pessoas nos mais diversos horrios. O Laador normalmente recebe grupos de turistas para almoo, o Bar Entre Amigos recebe um grande fluxo de pessoas no horrio de almoo, happy hour e final de semana e o Laa Burguer atrai jovens na madrugada dos finais de semana. Por estar to prxima a estas localidades, em mdia a 01 ou 02 passos de profundidade, em relao Avenida Fernando Simes Barbosa, a incidncia de criminalidade maior nessa regio tendo, respectivamente, 232 e 273 ocorrncias em 2006. O menor nmero de criminalidade acontece a 04 nveis de profundidade, com 83 casos.

30

Em relao Rua Visconde de Jequitinhonha, o pice da criminalidade ocorre a 03 nveis de profundidade da via, chegando a ter 291 ocorrncias no ano de 2006. Esse fato reafirma a condio da via 01 (av. Fernando Simes Barbosa), j que entre uma e outra existe 01 nvel de profundidade, e podemos tambm supor que os crimes ocorrem mais na poro leste do bairro, onde se encontram bancos, comrcio, mercados e hotis. Em ambos os casos se repete o padro de maior incidncia de crimes no nos espaos prximos a favela, mas em espaos intermedirios a meia distancia destas reas. Localizada ao lado de um dos maiores centros de compra da Amrica Latina, o Shopping Center Recife, a Favela Entra Apulso um caso singular no Bairro de Boa Viagem. Sua populao, atualmente em torno de 3.500 pessoas, ocupa o lugar h dcadas. Uma ao de mbito mais coletivo iniciou-se no ano de 1985, no final da gesto Joaquim Francisco, quando a associao de moradores tomou conhecimento de um projeto da URB (Empresa de Urbanizao da cidade do Recife), apoiado pelo shopping, que abrangia a construo de um pontilho sobre o canal do Setbal e de uma via de ligao ao bairro da Imbiribeira, na altura do Viaduto Tancredo Neves. Essa via seria um prolongamento da Rua Bruno Veloso, ou seja, a rua principal da favela, que a corta longitudinalmente e onde residiam 40% de sua populao. A luta para impedir a continuidade daquele projeto, adquiriu uma expressiva visibilidade, tendo a Associao de Moradores realizado reunies em cada rua da favela. A intensa mobilizao da comunidade impediu sua remoo. Ao redor da favela encontram-se, alm do shopping, edifcios comerciais, edifcios residenciais, escolas, igrejas e o comrcio localizado nas ruas que do acesso ao shopping. As vias de profundidade 01, 03 e 04 possuem um nmero equilibrado de ocorrncias variando entre 117 e 175 casos, o auge est na profundidade 02, com 290 casos o que no muito distante da mdia das outras vias, mostrando acompanhar o mesmo padro apresentado nas outras favelas. A Favela Xuxa encontra- se prxima Rua Antnio Falco, que d acesso a outros bairros como a Imbiribeira, por exemplo, e prxima a escolas, bancos, edifcios residenciais e avenidas de grande fluxo de veculos com alto de valor de Integrao Global e Local. Talvez por este motivo, os nveis de profundidade 01 e 02 so os que apresentam maior ndice de criminalidade, sendo este ltimo o pice do grfico, contendo 254 ocorrncias, um nmero prximo ao de profundidade 01 que contm 248 crimes. As outras vias de profundidade menor

31

representam 33,68% do nmero total de crimes ocorridos no ano de 2006, o que demonstra o desequilbrio do sistema. Este resultado indica que qualidades morfolgicas das vias locais (seus valores de integrao) passam a desempenhar papel mais importante da determinao de uma padro de incidncia de crimes. Este motivo vem fortalecer outros resultados apresentados neste trabalho sobre a correlao positiva entre acessibilidade e movimento com a ocorrncia de crimes em Boa Viagem. O complexo de favelas Ilha do Destino, Deus nos Acuda, Pantanal e Cigano encontra-se muito prximo aos colgios Boa Viagem e Santa Maria, alm de academias de ginstica, escolas de dana, concessionria de veculos e edifcio comerciais e residenciais, justificando assim o maior nmero de crimes a 01 nvel de profundidade da favela, exatamente onde est localizado o Colgio Boa Viagem, seguido pelo nvel de profundidade 03, com 181 crimes, onde est localizado o colgio Santa Maria, e tendo um equilbrio nos nveis 02 e 04 de profundidade. Este equilbrio no sistema pode ser pelo fato das escolas terem seus acessos atravs de duas vias cada, no concentrando a entrada e sada dos alunos em um nico porto. Vrias abordagens apresentam os bairros pobres, chamados favelas, como espaos de segregao onde os moradores excludos passam a ser encarados como perigosos. O processo de vitimizao destes moradores est presente nos discursos sobre pobreza e excluso, onde como guetos, so vistos como locais a serem evitados. Outras vises, por exemplo, do antroplogo Michel Agier discute esta questo da cultura e da pobreza e sugere, estudando alguns casos brasileiros, levar em considerao os diferentes nveis das relaes e das interpretaes onde se cria o sentido das situaes de pobreza; para isto ele se dedica particularmente aos espaos medianos dos grupos, s instituies do meio, intermedirias (associaes, igrejas, sindicatos, grupos culturais), que desenvolvem os ritos e os valores e, ao mesmo tempo, os laos sociais (1996, p.227). importante contrastar a realidade dos moradores da favela e desmistificar o perigo da pobreza urbana. Segundo a antroploga Janice Perlman (1977), a favela deve ser vista como uma inveno urbanstica solidria de comunidades e no como um gueto de marginais. Analisando os dados de todas as favelas estudadas, podemos perceber que a questo quanto mais prximo favela, mais perigoso o lugar um mito, representa mais um

32

preconceito com os que vivem ali. O grande preconceito de que em favelas s moram bandidos, pode estar associado ao fato de a morfologia desses espaos, segregada com baixa inteligibilidade, efetivamente pode ser utilizada por elementos fora da lei como escudo ou proteo contra a polcia. O que torna o lugar perigoso so fatores externos advindos de um conjunto de fatores como a proximidade da rea pobre com equipamentos que atraem um grande volume de pblico em horrios especficos e as questes ambientais como iluminao. Um dos principais problemas das favelas sua morfologia irregular determinada por becos e vielas a partir dos acessos principais. Sabemos que para o criminoso a favelas uma rota de fuga, uma vez que estes so lugares de difcil acesso, onde s quem mora ali conhece a lgica espacial. A morfologia do lugar acaba sendo um facilitador de abrigo a estes marginais. Melhorar estes acessos ou a interface pblica da favela fundamental para eliminar esta condio de proporcionar esconderijo a traficantes. Gestes governamentais passadas sugeriam a retirada das reas pobres e a transferncia de seus moradores para zonas perifricas da cidade. Paviani (2005) e outros autores (Valadares) criticam a prtica de se remover comunidades de certos locais para segreg-las na periferia da cidade. A experincia mostra que nestes locais as novas dificuldades surgem, agravam os problemas econmicos e as dificuldades de insero econmica gerando conflitos sociais mais difceis de resolver do que na situao original. Devemos lembrar que nestas comunidades existem pessoas que trabalham, estudam e contribuem para o progresso da cidade como todos os cidados de bem. A segurana um bem desejado pelos moradores do bairro tanto como pelos moradores da favela, sendo necessrios os estudos de solues urbanas que melhor se adqem s condies de proximidade dos mundos.

Concluso Ao desenvolver o presente trabalho, visando compreender como o padro de criminalidade no Bairro de Boa Viagem, se esbarrou, com a questo da falta de confiabilidade dos dados disponveis, assim como no pequeno nmero de casos trabalhados devido a ausncia de localizao das ocorrncias no mapa-base.

33

A anlise da distribuio espacial de um determinado fenmeno se faz importante porque ela um ponto de partida para a elaborao de planos e estratgias necessrias para a resoluo de um problema srio vivenciado em nossas cidades assim como a otimizao de recursos de qualquer natureza. Este trabalho mostrou algumas possibilidades no uso de um Sistema de Informaes Geogrficas para trabalhos com dados de criminalidade, revelando padres que se forem analisados em um universo maior de dados, podem levar tambm a um melhor planejamento do trabalho dos agentes de segurana, no mbito municipal. O Sistema de Informaes Geogrficas e o geoprocessamento criminal so meios para auxiliar no planejamento, pois eles nos permitem analisar os dados existentes, dispondo-os em uma base cartogrfica, representando uma dada regio, e facilitando a visualizao dos diversos fenmenos (ocorrncias), bem como o padro quantitativo que eles expressam. essencial tambm que haja integrao e participao das polcias na construo, alimentao e processamento dos dados, pois so produzidos por elas e seu resultado ser utilizado por elas, principalmente. Faz-se necessrio tambm a integrao dos dados dos dois rgos (Polcia Civil Polcia Militar), pois existem dados necessrios anlise que se encontra em um ou em outro banco de dados distinto. Deve haver o favorecer, e cada vez mais, incentivar a participao da sociedade civil nas discusses sobre segurana pblica uma vez que o bom funcionamento do sistema necessita da sociedade como um todo. A participao da sociedade no deve ser somente do ponto de vista do provimento material-financeiro. Lgico que essa forma bem vinda, mas o primordial buscarmos que a sociedade seja co-promotora da associao entre as autoridades policiais, judicirias, polticas e representantes do Ministrio Pblico, para discusso de assuntos relevantes ao tema abordado, assim como medidas para aumentar a segurana urbana. Recomendamos que a sociedade no medisse esforos no sentido de pressionar para: Favorecer estudos que trabalhem com indicadores sociais e criminais regionais e microrregionais, para fazer um estudo comparativo entre as diversas cidades da regio.

34

Possibilitar pesquisas que adotem o estabelecimento de nveis de detalhamento para o mapeamento criminal. Neste caso sugerimos trs: o que seria utilizado para a apresentao de dados mapeados por setores-bairros (nvel 1), tais como o utilizado no mapeamento geral feito neste trabalho. O que seria usado para o mapeamento por setores-ruas (nvel 2). E o que seria um mapeamento mais elaborado onde se faria a marcao de pontos especficos coletados por meio de aparelho de GPS (Sistema de Posicionamento Global) in loco, sendo estes locados no mapa (nvel 3). O detalhamento deste nvel exigiria um trabalho mais apurado, pois seria necessrio observar boletim por boletim o endereo exato da ocorrncia assim como monitorar transformaes na ida da localidade.

Depois de estabelecidas as reas crticas de criminalidade, necessrio desenvolver um trabalho maior preventivo/estratgico, no intuito de diminuir os ndices.

Incentivar programas de policiamento comunitrio, para que as comunidades passem a enxergar a polcia e os policiais como seus amigos. Utilizar-se do Geoprocessamento Criminal Detalhado para identificar as reas de origem dos autores das ocorrncias, no s objetivando reprimir cidados, mas buscando trabalhar com as bases concretas e amplas no equacionamento do problema.

necessrio mostrar que o Estado pode contar com vrios tipos de suporte, inclusive da populao, para criar espaos mais seguros e medidas de conteno dos crimes urbanos. Buscamos ainda em uma tentativa experimental identificar variveis espaciais de alguns fenmenos. Reconhecemos, contudo, que uma pesquisa deste porte no poderia ser desenvolvida no contexto de um trabalho de graduao. Lembramos tambm que o crime resultante de um fenmeno social necessitando de medidas de longo prazo pra conter seu crescimento. Para entender este problema, teremos que observar muitos outros fatores de ordem social, econmica, psicolgica, ambiental (espao fsico), regional, inclusive questes de gnero entre outras. Apesar dos resultados e explicaes preliminares que fornecemos, aps analisar fatores espaciais urbanos determinantes dos vrios tipos de criminalidade, acreditamos que um aprofundamento deva ser feito para melhor compreender os fatos com segurana das causalidades, simulando relaes entre os crimes e dinmica da populao, verificar o papel da35

economia local, alem de outras anlises. Finalizamos aqui esta contribuio acreditando que pudemos contribuir para entender essa problemtica que cada vez mais incomoda a sociedade e os poderes locais.

Bibliografia AGIER M. Pauvret, culture et exclusion. 1996. AMARO, Marcos Antonio. Arquitetura Contra o Crime: PCAAA preveno do crime atravs da arquitetura ambiental. Rio de Janeiro, 2005. AUTOR DESCONHECIDO. Criminologia: Entendendo como pensa o agressor. Disponvel em: . Acesso em 09 de Julho de 2005. BARTHEL, Stela Glucia Alves. Sociedade de Classes, Espao Urbano Diversificado. A faixa de praia do Recife. Dissertao de Mestrado em Economia/UFPE, p. 36-55, 1988. BAUMAN, Z.O mal-estar da ps modernidade, Zahar, RJ, 1998 CANTER, David. A Partial Order Scalogram Analysis of Criminal Network Structures. Behaviormetrika, Vol. 31, No02, 2004, 131-152. CARAM, Dalto. Violncia na sociedade contempornea. Petrpolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1978. (Pesquisas cientficas. Posies crists por uma viso integral). CARVALHO, Themis M. P. A Ocasio Faz o Ladro, So Luis, MA, 2005. CAVALCANTI, Carlos Bezerra. O Recife e seus bairros. Recife: Cmara Municipal do Recife, p. 111-113, 1998. CERQUEIRA, Daniel. Lobo, Waldir. Carvalho, Alexandre. O Jogo dos Sete Mitos e a Misria da Segurana Pblica no Brasil. Rio de Janeiro, 2005. COELHO, Antnio Baptista. http://www.blogger.com/profile/16556578091973372542. COSTA, Ktia Cristina Ribeiro. Shopping Center Recife: conflitos e valorizao do espao. Dissertao de Mestrado em Geografia/UFPE, p. 76-86/ 89-154, 1995.36

COZENS, Paul. Designing Out Crime from evidence to action, Sydney, 2005. DANTAS, G. F. de Lima. Os Sistemas de Informao Geogrfica e sua Aplicao na segurana Pblica http://blogandoseguranca.blogspot.com/2007/11/os-sistemas-de-informao-geogrfica-e-sua.html, 2007. DANTAS, G.F.L.,Persijn,A., Silva Junior, A.P. O Medo do Crime.2006. FRUM ESTADUAL DE SEGURANA PBLICA. Plano Estadual de Segurana Pblica. Recife, Pernambuco. 151p. Maio de 2007. GALVO, Thyana Farias.Entre a gaiola e armadilha: reflexes acerca da relao configurao espacial x criminalidade no Conjunto Residencial Ignz Andreazza, em Recife/PE Recife : O Autor, 2004. GREENE, MArgarita. Urban Safety in Residential Areas.2003. HALFPAP. Dulce Maria. Alguns Fatores de Deteriorao Social no Processo Produtivo num Ambiente de Violncia Urbana. Florianpolis, 1999. 328p. Dissertao (Mestrado Em Engenharia de Produo). Curso de Ps-Graduao em Engenharia de Produo. Universidade Federal de Santa Catarina. HILLIER, B. and SHU, S., 1999, Do Burglars Understand Defensible Space?: New Evidence on the Relation Between Crime and Space, http://www.spacesyntax.org HILLIER, W. R. G. and Hanson, J. (1984) The Social Logic of Space, Cambridge: Cambridge University Press. HILLIER, B. Can Streets be Made Safe? London, UK. HUGHES, Derek T. Partial Order Scalogram Analysis: Investigating The Underlying Structure Of The Aggressive And Intimate Behaviour Of The Rapist. Liverpool, 1996. JACOBS, J., 1961, The Death and Life of Great American Cities, New York, Random House. JESUS, Damsio de. Cdigo penal anotado. 10ed. So Paulo: Saraiva, 2000. JESUS, Damsio de. Aumento da Violncia e Impunidade. So Paulo: Complexo Jurdico Damsio de Jesus, fev.2002.

37

LEITE, Gisele. A criminologia contempornea ou a esperana do controle da criminalidade. Disponvel em: . Acesso em 10 de Julho de 2005. NATIONAL CRIME PREVENTION COUNCIL. Crime Prevention Through Environmental Design Guidebook, 2003. NETTO, Vinicius. O efeito da arquitetura: impactos sociais, econmicos e ambientais de diferentes configuraes de quarteiro. Arquitextos 079, Texto Especial 397. 2006. NEWMAN, O., 1972, Defensible Space - Crime Prevention Through Urban Design, New York, The Macmillan Company. NUBANI, Linda e Jean Wineman. The Role of Space Syntax in Identifying the Relationship Between Space and Crime. USA, 2004. PAVIANI, Aldo et al.Dimenses da Violncia. Braslia: UnB, 2005. PERLMAN J. O mito da marginalidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. PICCININI, Lvia Salomo. A teoria da Teia Urbana. 2000. POYNER, B., 1983, Design Against Crime: Beyond Defensible Space, Cambridge, University Press Reis, A. and Lay, M. C., 1996, Security in Private and Semi-private Housing Spaces in Brazil PREFEITURA DA CIDADE DO RECIFE. Aspectos Econmicos, Sociais e de Meio Ambiente dos Bairros do Recife. 1994. RIQUE, Clia... [et al.] III. Souza Neto, Antnio T. de...[et al.]. A criminalidade no Recife: um problema de amplitude nacional, Recife: Gajop; Bagao, 2005. ROSA, Felippe Augusto de miranda. Criminalidade e Violncia Global, Rio de Janeiro: Lmen Jris, 2003. SENASP. Guia Para a Preveno do Crime e da Violncia. 2005. SHECAIRA, Srgio Salomo. Criminologia, So Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. SHU, S., 1999, Housing Layout and Crime Vulnerability, Proceedings of the Second International Space Syntax Symposium, Volume I, Brasilia, pp. 25.1/25.12 SOARES, Orlando. Curso de Criminologia. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

38

THE THEORY OF CPTED. Paper presented to the annual meeting of the American Society of Criminology, Chicago. 1996. UNIVERSITY OF CAMBRIDGE, Design Against Crime, 2000. WAISELFISZ , Julio Jacobo. Mapa da Violncia dos Municpios Brasileiros 2008. Ideal Grfica e Editora, Braslia, 2008.

39