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36º Encontro Anual da ANPOCS GT 16 Grupos dirigentes e estruturas de poder Bancos e banqueiros; empresas e famílias no Brasil. Michele Andrea Markowitz

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36º Encontro Anual da ANPOCS

GT 16 – Grupos dirigentes e estruturas de poder

Bancos e banqueiros; empresas e famílias no Brasil.

Michele Andrea Markowitz

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Segundo as teorias econômicas dominantes, o mundo da boa economia é aquele

que reúne agentes anônimos orientados por critérios de eficácia e racionalidade, unidos

por relações abstratas e anônimas, em tudo diferentes daqueles que organizam as

relações de proximidade no âmbito da família. Olhando para o universo das grandes

empresas (não só no Brasil) verifica-se que, ao contrário, estas se confundem com o

universo das famílias proprietárias. Os nomes das empresas e dos muitos dos membros

do diretório, a lógica de organização das empresas e a sua história são incompreensíveis

sem atender também a lógica de reprodução dessas unidades alargadas de aliança e de

consanguinidade que são as grandes famílias. Tomando como ponto de partida a vasta

literatura antropológica sobre parentesco e família, e colocando esta num diálogo com a

literatura que trata da história e da sociologia das elites brasileiras e latino-americanas,

esta dissertação se propõe a uma indagação voltada para esses microuniversos das

grandes famílias e das grandes empresas que sintetizam expressões como “famílias de

banqueiros” ou “bancos de família”. Desse modo, nossa investigação trata não só de

instituições chaves na organização da vida econômica (os grandes bancos e os

conglomerados de empresas que eles reúnem), mas também de um conjunto de homens

e mulheres que ocupam posições centrais não apenas na vida econômica, mas

igualmente no campo da produção cultura (através das fundações associadas aos bancos,

por exemplo).

Almejamos vislumbrar as relações entre grandes famílias e grandes

conglomerados financeiros no Brasil. Vimos que hoje todos os bancos privados líderes

do país são de origem familiar e que pelo menos uma família (quando não redes de

famílias e seus aliados) mantém controle sobre boa parte das empresas. Especialmente a

partir da segunda geração (os primeiros herdeiros do fundador), a família, sobretudo no

que diz respeito à educação dos filhos, sofre a influência da empresa controlada pelo pai

e, em contrapartida, a estrutura da empresa se distingue pela estrutura da família

controladora1. Entretanto, o caso dos três bancos privados líderes do Brasil, Bradesco,

Itaú e Unibanco, demonstra bastante dinamismo em relação ao que seria “a família” e “a

empresa”. Não parece existir um modelo único de origem familiar, ou estrutura

1 Utilizamos o termo controlador em vez de dono, ou proprietário, pois esse é o mais usual em literatura

da área. Controlador dá a ideia do que a família tem envolvimento nas decisões e estratégias do banco,

enquanto dono e proprietário meramente designam a posse financeira da empresa.

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organizacional. Tanto o Itaú, quanto o Bradesco e o Unibanco fizeram sucesso baseados

na exploração de capitais (sociais, econômicos e familiares) prévios dos seus donos

além de fatores conjunturais (momento político, etc.). Todos eles também souberam se

reproduzir graças à construção do sucessor: As famílias controladoras de Itaú e

Unibanco foram capazes de preparar um filho desde sua infância para dirigir a empresa,

além de muni-lo com o melhor treinamento possível (tanto na escola quanto na própria

empresa) para que ele tivesse competência para atingir este objetivo. No caso do

Bradesco, não sendo uma empresa familiar nos moldes dos outros dois, o processo de

sucessão foi mais complicado.

Nossa pesquisa foi realizada através de consultas a revistas semanais e

bimensais, especialmente a revista de economia e negócios Exame, mas também

(eventualmente) as revistas semanais Veja, Isto É , Época e Forbes Brasil, e os jornais

A Folha de São Paulo e o Jornal de Comércio. Durante um período de mais ou menos

seis meses, levantamos informações sobre bancos, banqueiros, famílias e histórias desde

1967 até 1997, época das últimas reformas em que a conjuntura atual se estabiliza.

Complementamos essas informações com teses de escolas de Economia e estatísticas do

Banco Central. Consultamos finalmente as páginas on-line dos próprios bancos, o que

se provou uma fonte insubstituível da representação que a instituição procura fazer de si

mesma.

Para pensar família e banco no Brasil, tiramos proveito de uma série de trabalhos

que nos ajudaram a entender as especificidades dos bancos brasileiros, bem como a

conjuntura nacional e internacional que levou à sua formação. Há pouco trabalho sobre

a história dos bancos comerciais do país, ou seja, os bancos de depósitos. Porém, o que

achamos (por exemplo, LEVY, 1972) foi valioso para entender a situação sui generis do

Brasil, especialmente no que diz respeito à organização tardia do sistema financeira do

país. Até os anos 20 do século passado, não havia uma moeda unifica da, pois os bancos

regionais emitiam notas próprias. Depois disso, os grandes bancos apenas tiveram

condições de desenvolvimento quando do surgimento de instituições estatais, tais como

o novo Banco do Brasil em 1921 e a Superintendência da moeda e crédito (SUMOC,

embrião do Banco Central) no pós Segunda Guerra. Alguns estudos trabalham a

transformação dos novos bancos (que surgem nos anos 40 e 50) em grandes

conglomerados financeiros nos anos 70. Estudos de base econômica exploram o

fenômeno de conglomeração, ou a aglomeração de empresas de gêneros diferentes, mas

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especialmente de serviços financeiros (tais como seguros) sobre a chefia de um banco

comercial. Além desse ponto de visto mais estritamente econômico (ADEODATO,

1989), outros trabalhos exploram a conglomeração como o deslocamento de muito

poder econômico nas mãos de poucas pessoas, unidos por laços familiares (ARRUDA,

1987). Esse processo de acumulação de funções diferentes é também o que explica

porque certos bancos privados nacionais se fixaram como os maiores e mais estáveis

(NOGUEIRA DA COSTA, 2002). De uma perspectiva mais política, tivemos em mãos

um estudo que explorou a organização de banqueiros como classe e como esse grupo

(relativamente recente na história do país) conseguiu, através de funcionários e aliados

politicamente atuantes nessas classes (além de aliados no próprio congresso), pressionar

e fazer valer suas vontades através do poder político (MINELLA, 1988). Em todos esses

trabalhos, se estabelece a ideia de um poder excessivo concentrado nas mãos do setor

financeiro a partir dos anos 60. Além disso, esses autores destacam a aliança com

grupos estrangeiros nos anos 70. Os bancos estrangeiros eram mais experientes com

serviços recentes no país (seguros e previdência privada entre outros, que se tornaram

mais comuns no país a partir dos anos 70).

Um trabalho pioneiro sobre o novo papel dos economistas brasileiros

(LOUREIRO, 1997) foi valioso para compreender justamente o processo de

internacionalização econômica do país. A integração do Brasil às finanças mundiais

criou novas necessidades e paradigmas. Os bancos que souberam adaptar-se a elas

sobreviveram. Além disso, com a financeirização da economia, ou a predominância das

finanças no campo econômico nacional, o economista ganha novo destaque. A partir

dos anos 90, os bancos comerciais se veem obrigados a contratar esses profissionais,

com escolaridade e experiência internacional, a fim de se adaptarem à nova conjuntura.

Finalmente, ainda que sejam poucas as autobiografias, a de uma herdeira de uma grande

empresa nacional (FONTANA, 1996) nos ajudou a compreender a visão que prevalece

no mundo de negócios com respeito ao papel da mulher.

Para melhor explorar sua ligação com o banco, tivemos que nos perguntar o que

significa família e especificamente qual é sua relação com a empresa, para chegar

finalmente a um conceito do que significa a empresa familiar. Concordamos com

Malinowski, para quem a família é a representação de uma ideia, e o parentesco não é

algo fixo estável, ou natural (MALINOWSKI, 1930). Assim, como família e parentesco

não são dados, eles devem ser construídos para representar aquilo que aufere mais

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prestígio ao grupo, o que varia no tempo e no espaço. Os principais estudos qu e nos

serviam aqui para exemplificar esse assinalamento são aqueles que tratam sobre

famílias da elite. Para Lomnitz e Perez-Lizaur (LOMNITZ; PEREZ-LIZAUR, 1987),

por exemplo, a família é uma rede de indivíduos em construção. A família dos Gomez,

estudada por essas autoras, uma família da elite mexicana, foi cristalizada numa

“genealogia ideológica” que cortava da árvore genealógica aqueles familiares e ramos

da família que não obedeceram aos preceitos culturais, sociais, políticos e econômicos

dos ramos dominantes que controlavam grandes empresas. Esses preceitos eram

basicamente a filiação à Igreja Católica, descendência luso-ibérica, filiação política

conservadora e aderência aos modos de vida que caracterizam uma família da elite, o

que inclui a submissão das mulheres.

No caso sul-americano, o texto organizado por Diana Balmori, Stuart Voss e

Miles Wortmann (BALMORI; VOSS; WORTMAN, 1984) verifica a necessidade

dessas redes de indivíduos se aliarem em grupos (redes de famílias ou famílias em rede)

para proteger os interesses mútuos de prestígio e poder e segurar a permanência dessas

famílias como elites. Num estudo que cobre o período que vai da independência até

1930, mostra-se como nenhuma família sozinha podia garantir sua posição sem a ajuda

de outras. Quanto mais complexa a sociedade, maior o número de espaços – político,

infra-estrutura (especialmente a construção de ferrovias), terras, funções liberais – que

devem ser ocupados pela rede extensa, através de alianças matrimoniais que criam o

maior número de cunhados (leia-se, homens produtivos) possível. Esse modelo de

família, para os autores, entra em declínio com a modernização política; o sufrágio

universal e a extensão de direitos e oportunidades abriu mais espaço para indivíduos que

não integraram as elites. Entretanto, em pelo menos um caso estudado por nós, o do

Banco Itaú, esse modelo se mantém. Numa junção de três famílias tradicionais (cujas

genealogias brasileiras datam do império), o conglomerado dirigido pelo Banco Itaú se

construiu graças aos recursos e talentos acumulados pela rede. Outras ramificações do

tronco principal da família (que mantêm suas próprias empresas, tais como os Monteiro

de Carvalho) ainda sã o representados no conselho do banco.

As empresas familiares, nesse sentido, fazem da família uma empresa. Por isso,

para Bourdieu (BOURDIEU, 1989), a família da elite, graças a numerosos filhos e

aliados, pode espalhar capitais diferentes em ramos diferentes, para proteger a família

contra eventuais contratempos (falência de empresa, distúrbio político) e necessidades

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(afinal, a rede atua em vários ramos empresariais, sociais e políticos). A família, como

rede de indivíduos, ou de grupos familiares aliados, também age como empresa no

sentido de colocar os interesses coletivos acima dos individuais. Para Pedroso de Lima

(PEDROSO DE LIMA, 2003), os afetos mútuos entre ramos da família nem sempre

estão presentes, mas os interesses sim2. Assim, a família da elite não é apenas uma

família grande, quando tem muitos filhos com funções diferentes. A quantidade dos

capitais (econômicos, sociais, culturais), o raio de atuação e de poder político e

econômico da família, bem como sua capacidade de se reproduzir como tal, faz da

família da elite uma grande família (BOURDIEU, 1997, p. 133).

O problema mais crítico para qualquer família de elite é como se perpetuar como

tal, ou seja, a questão da sucessão e da herança. Pedroso de Lima deu destaque especial

à questão. O processo sempre implica na capacidade da família de se adaptar a novas

circunstâncias num mundo em constante fluxo (em que muda o modo de produção, bem

como o regime político entre outras contingências). No caso português, analisado pela

autora, o fim do Salazarismo e a desorganização dos grupos familiares, em que não

havia um filho herdeiro, ou um filho herdeiro competente, para tomar o lugar do pai. No

Brasil, a financeirização do país no fim dos anos 60 levou à necessidade de rever o

treinamento escolar dos filhos e prepará-los para as novas funções do banco. Também

no caso brasileiro, a falta de um filho homem perturbava a sucessão e, como

comprovaremos na nossa pesquisa, grandes bancos nessa situação acabaram sendo

vendidos. Entretanto, em Portugal, é assim que os controladores de empresas familiares

criam meios para manter a empresa na família. A família Espírito Santo, por exemplo,

buscou outros parentes masculinos, com a condição de portar o nome Espírito Santo,

capazes de assumiram a empresa. Nos dois países, a ideologia da meritocracia se

mesclou com o tradicionalismo familiar e as famílias satisfazerem tanto a necessidade

de se mostrarem administradoras modernas e competentes, quanto o desejo de conservar

o controle exclusivo das suas empresas.

Pedroso de Lima levanta os problemas específicos causados pela doutrina de

meritocracia, um dos pilares de capitalismo contemporâneo, em que os únicos critérios

que devem ser usados para a escolha de sucessor são sua capacidade e preparo. As

2 A autora descreve as reuniões entre ramos da família banqueiro, Espírito Santo, que apenas se reunia

uma vez por ano no conselho de acionistas. Muitos nem sequer se conheciam pessoalmente, mas cada um

dos integrantes dessa família sabia o que os demais faziam na empresa.

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famílias da elite usaram seus recursos exclusivos (laços sociais e políticos, trânsito em

bons clubes e colégios) para dar aos seus filhos melhores condições de competir no

novo mercado ao criar um ambiente propício para a sucessão desde a infância. O jovem

filho é levado pelo pai à empresa para conhecê-la, mandado para os melhores colégios e

mandado para o exterior para fazer estágios em outras grandes empresas internacionais.

Assim, ele garante uma vantagem sobre concorrentes em potencial fora da s elites, pois

estes não teriam acesso à educação familiar, dentro de casa, e nem à convivência com

seus pares nas escolas e clubes da elite. O resultado é a continuidade da tradição dentro

das condições modernas, o que demonstra que a empresa familiar é eficaz e moderna ao

mesmo tempo em que preserva sua exclusividade.

No entanto, nossa abordagem foi diferente à de Pedroso de Lima, pois

trabalhamos numa escala menor, ao investigar apenas os três bancos comerciais

privados líderes no Brasil. Nosso objetivo, mais que estabelecer um padrão geral, foi

buscar as variações de modelos de relação entre família e empresas. Enfim, exploramos

a singularidade de cada um dos três casos. O caso Itaú, sendo um empreendimento de

famílias tradicionais, segue quase rigorosamente os parâmetros relatados por Pedroso de

Lima, mas entre os grandes bancos comerciais privados hoje no Brasil, é um caso único.

No caso dos Moreira Salles do Unibanco, a família é menor, mais recente e a estratégia

de ascensão do banco foi baseada na internacionalização. Metade dos quatro filhos do

fundador não tem nenhum envolvimento com o banco. O Banco Bradesco, por outro

lado, não é controlado por uma família e fez uma escolha clara de popularização de

serviços bancários e de não aderência (num primeiro momento) a valores da elite

estabelecida. Nesses casos, interessa a nós uma questão levantada por Marcus

(MARCUS, 1983); que segundo ele, seria próprio de um modelo norte-americano. A

empresa familiar estaria cedendo á empresa corporativa, ou seja, dominada por

acionistas anônimos. O patrimônio da família, então seria mantido por um fiduciário, ou

administrador particular, que serve de intermediário entre a família e a empresa. O papel

da família passaria ao campo das fundações filantrópicas, símbolo do seu status e lugar

onde poderiam movimentar patrimônio. No caso do Bradesco, a única sucessora

comercial de Amador Aguiar atua justamente numa fundação filantrópica educacional

(ele não deixou nenhum sucessor no banco). A família Moreira Salles parece

movimentar seus fundos através do Instituto Moreira Salles e nenhum filho (a não ser o

presidente do banco) é conselheiro do banco. Isso não tira o caráter familiar dessas

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empresas (dois netos de Aguiar são conselheiros e o terceiro filho Moreira Salles dirige

o banco), mas chama a atenção para a especificidade de cada caso e a diversidade desse

universo.

Em todo caso, no Brasil, a história do capitalismo sempre foi relacionada a

famílias e torna-se difícil separar empresas e famílias, especialmente antes de 1930,

época em que a industrialização do país começa a deslanchar e em que o Estado

brasileiro se reconfigura sob as reformas de Getúlio Vargas. Mas mesmo depois desse

período, as famílias continuaram a ter um papel preeminente na fomentação de grandes

empresas. Se a relação específica com o Estado varia em épocas diferentes, o papel da

família não parece ser muito diferente em outros países latino- americanos (BALMORI;

VOSS; WORTMAN, 1984). O peso das redes familiares deve se remontar a

propriedades de terra e às atividades agrícolas. A maioria dos grandes bancos

comerciais3 (com operações de escala nacional) foi criada por famílias ligadas à

plantação e comercialização de café – isso era o caso dos fundadores dos paulistas Itaú e

Bradesco e do mineiro Unibanco. Todas essas famílias passaram por um processo de

reconversão4; com o declínio do café já no primeiro governo Vargas e a diversificação

de atividades econômicas posteriormente, especialmente produtos manufaturados,

manter um banco comercial (facilitada após as reformas financeiras nessa época)

tornou-se uma nova opção para reproduzir o patrimônio da família.

Sem dúvida, o desenvolvimento de instituições estatais e a burocracia estatal,

especialmente após a instituição de concursos públicos, diminuíram o papel das

famílias, que, entretanto, continuam dominando o setor privado. O banco comercial é

basicamente um banco de depósitos em que o indivíduo pode guardar e/ou investir seu

dinheiro e ainda receber empréstimos do banco. Até os anos 70, as funções de cada tipo

3 O banco comercial é basicamente um banco de depósitos em que o indivíduo pode guardar e/ou investir

seu dinheiro e ainda receber empréstimos do banco. Até os anos 70, as funções de cada tipo de banco

eram distintas. Posteriormente, o banco comercial podia também atuar como banco corporativo, que lida

com o grande cliente – a empresa – e cuida da sua folha de pagamento além de investir seus recursos e

um banco de investimentos, ou de grande cliente cuja função é de administrar uma carteira grande (que

não é aproveitado comercialmente como o de depósitos). Assim, a partir dos anos 80, os grandes bancos

comerciais são geralmente bancos múltiplos, ou que exercem múltiplas funções.

4 Reconversão é um termo desenvolvido por Bourdieu. Quando muda a conjuntura econômica, política,

social e cultural, o indivíduo (ou grupo) deve transformar seus capitais antigos para servir aos novos

tempos. Foi assim, como veremos na nossa análise, que muitas famílias ligadas à produção do café

passaram a fomentar indústrias e bancos. Essas famílias tiveram que adotar atitudes e posturas próprias da

atividade industrial e financeira (estudos, socialização).

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de banco eram distintas. Posteriormente, o banco comercial podia também atuar como

banco corporativo, que lida com o grande cliente – a empresa – e cuida da sua folha de

pagamento além de investir seus recursos e um banco de investimentos, ou de grande

cliente cuja função é de ad ministrar uma carteira grande (que não é aproveitado

comercialmente como o de depósitos). Assim, a partir dos anos 80, os grandes bancos

comerciais são geralmente bancos múltiplos, ou que exercem múltiplas funções5.

Com a financeirização da economia nacional durante os anos sessenta, a situação muda.

Os governos passam a depender de captações internacionais de recursos através de

especulação com câmbio, papéis da dívida pública e outras formas de especulação no

mercado financeiro. Apesar do Banco do Brasil também participar desse processo, os

bancos privados emprestam muito dinheiro para os governos, que, por sua vez, passam

a depender desses bancos. É daí que os donos de bancos bem-sucedidos começarem a

assumir posições de liderança econômica nacional, e mesmo não dominando todos os

recursos e nem todos os lucros do país, passaram a ser visto na mídia popular como “os

donos do país”.

É assim que hoje a configuração do sistema financeiro diferencia o Brasil dos

outros países do continente. Há grandes bancos nacionais privados no topo do ranking

das empresas do país, diferentemente de outros países latino-americanos. Nos outros

dois países do continente de grande porte, México e Argentina, os poucos bancos de

capital nacional são hoje regionais e não chegam perto da escala de operações dos seus

congêneres brasileiros, muitos dos quais possuem agências em países vizinhos e até

alhures. Apenas no Brasil, há ainda hoje grandes conglomerados de controle nacional

que (se não considerarmos as instituições estatais) são responsáveis para boa parte dos

depósitos nacionais.

Através das reformas financeiras, foram os governos que criaram as condições

jurídicas que determinaram a forma e escopo de atuação dos bancos. Os principais

suportes legais para uma rede bancária no país datam da era Vargas (LEVY, 1972). O

Banco do Brasil se estabelece como banco por excelência no país, ao qual se lastreiam

5 Isso não necessariamente significava que a família atuava como executivo no banco. Para controlar uma

empresa, basta controlar o conselho de administração, ou o conselho dos acionistas do banco. Como

controladores financeiros, esse conselho determina as decisões estratégicas que envolvem deslocamentos

de grandes quantias de fundos (compras, fusões, mudanças de estrutura interna). Já a diretoria do banco é

onde atuam os diretores executivos, desde o presidente diretor até os gerentes. Esses cuidam do dia a dia

do banco. É comum que um diretor presidente passa atuar no conselho após se aposentar como diretor.

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todas as outras instituições, a partir de 1921. A fiscalização federal da rede bancária se

organiza de forma sistemática em 1944 e o germe do futuro Banco Central

(Superintendência da Moeda e do Crédito, SUMOC) é de 1945. O BC é criado em

1965 e assume as funções que até então eram do Banco do Brasil. Nessa mesma época,

tanto os banqueiros quanto os bancários estabelecem suas associações de classe6.

Após o início do regime militar de 1964, são aprovadas reformas em que se

estimulam fusões e concentração de bancos, os quais ainda ganham o direito de

diversificar seus serviços (seguros, turismo e fundos cambiais). Passam a fazer parcerias

internacionais (novamente destacando a área de seguros e trocas cambiais no mercado

internacional) e, consequentemente, são obrigados a se atualizarem de acordo com as

novas tecnologias e mudanças vindas de fora. Criam-se assim grandes conglomerados

nacionais e, por sua vez, muitos bancos menores entram em falência até 1970,

especialmente aqueles que não dispõem de meios para seguir as novas tendências. É

também após o golpe militar que o jornalismo econômico se profissionaliza e são

lançadas revistas especializadas em assuntos empresariais e financeiras. Os grandes

líderes privados, Itaú, Bradesco e Unibanco, se estabelecem como tais por volta de

1980.

Na época do primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso (1994-1998),

realiza-se uma grande “limpeza” do sistema bancário – grandes conglomerados cujos

ativos não eram vistos como sólidos foram liquidados, ou vendidos e o país assina os

acordos de Basiléia (em 1996), sede do Banco Central Internacional7. Além de estreitar

a integração do sistema financeiro brasileiro ao internacional, pela primeira vez na

história do país, o depositante tem seu dinheiro protegido dos infortúnios das

instituições, que, por sua vez, sofrem uma fiscalização mais rígida. Ao mesmo tempo,

os bancos comerciais internacionais ganham o direito de competir em pé de igualdade

6 Principalmente a Federação brasileira dos bancos (Febraban) e a Federação nacional dos bancos

(Feneban).

7 O caso limite nos parece ter sido o Banco Econômico, liquidado em 1995. O governo federal teve que

evitar um potencial desastre ao cobrir milhares de depositantes daquele banco. Lembremos que medidas

parecidas já existiam nos Estados Unidos desde os anos 30, depois do crash de Wall Street.

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com os nacionais8. Apesar disso, os maiores bancos privados do país hoje (Itaú,

Bradesco e Unibanco) continuam sendo de capital nacional.

Enfim, podemos ver que o sistema financeiro nacional sofre grandes reformas,

em termos gerais, em três momentos: por volta de 1930, 1964 e 1994. Essas épocas

correspondem aproximadamente a uma geração nas famílias proprietárias, a um estilo

de gerenciar o banco e a família e, de modo mais geral, a um perfil de uma conjuntura

nacional e a uma determinada forma de articulação entre o campo econômico nacional e

o campo internacional. O perfil do proprietário das casas bancárias da primeira geração

(que vai até os anos 40) é o fazendeiro proprietário de terras, ou o pequeno comerciante.

A mercadoria chave é o café e as famílias empreendedoras estabeleceram casas

bancárias9 para financiar sua produção. Com as reformas do período Vargas, essas

instituições se tornaram bancos, i.e., agências financeiras dotadas de um capital

específico, lastreados ao Banco do Brasil e que podem realizar uma gama maior de

operações tais como receber depósitos e trocar papéis públicos. O café perde sua

importância no Brasil depois do crash de Wall Street em 1929. A legislação

subsequente eliminou parte da proteção estatal concedida anteriormente aos cafeeiros. A

industrialização planejada do país é a nova ordem do dia. Assim, a segunda geração de

banqueiros, que vai mais ou menos do fim da Segunda Guerra até 1964, envolve as

famílias que fundam os grandes bancos. Nessas famílias surgem empresários e

financistas, muitas vezes também homens públicos. O banco ganha importância para

financiar os novos empreendimentos. Com a mudança do perfil do país (tornando-se

mais urbano), esses novos bancos recebem também depósitos das novas camadas

médias. Outros tipos de serviços, como o talão de cheques, são criados por esses novos

bancos para essas novas camadas. O exemplo por excelência da entrada das massas no

sistema bancário é o Banco Bradesco (de 1947), primeiro grande banco comercial de

escala nacional cujos serviços foram primordialmente dirigidos ao pequeno depositante.

Entretanto, o banqueiro não é chamado ainda de banqueiro, mas de empresário, pois o

8 Os concorrentes internacionais, na verdade, aproveitaram instituições nacionais que foram vendidas,

como o banco Real e Bamerindus, e bancos estaduais leiloados, como o Banespa, de São Paulo,

comprado pelo espanhol Santander.

9 A casa bancária era um apêndice financeiro de um comércio qualquer que concedia crédito muitas vezes

“cara a cara” e não através de contrato. Essas casas geralmente não recebiam depósitos de longo prazo e

cuidavam das necessidades de fazendeiros, que o dono da casa geralmente conhecia pessoalmente.

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banco era na época apenas uma faceta da sua atividade empresarial e política. A grande

indústria continua sendo vista como a fonte maior de lucros, bem como do

desenvolvimento do país.

A terceira geração é a geração propriamente dos banqueiros. O Brasil segue a

crise desenvolvimentista do fim da década de 60 e é financeirizada com a ajuda do

regime militar de 1964 que favorece também a ascensão dos economistas. Ao banco foi

permitido captar recursos do exterior e emprestar esses recursos ao governo. Assim, o

banco começa a se tornar a empresa mais lucrativa e mais promissora do império da

grande família, que organiza todas suas empresas em um conglomerado liderado por

ele. Simbolicamente, a figura social do banqueiro é apresentada publicam ente em 1973

quando Amador Aguiar, fundador do Bradesco, aparece na capa da mais proeminente

revista de negócios como “O Banqueiro”. A revista parece entender banqueiro como

sendo um empresário que se dedica ou se especializa em finanças (Aguiar

provavelmente era o primeiro a não ter outro tipo de atividade)10

. Seguindo essa

tendência, o filho do pai empresário começa a especializar seus estudos na área de

economia e finanças, o que muitas vezes inclui uma pós-graduação em uma conceituada

universidade nos Estados Unidos.

Devemos enfatizar que os casos estudados aqui são os casos de grandes

sucessos. Certamente há muitas outras instituições que nesse processo faliram, foram

vendidas, ou sumiram de outra forma. Por exemplo, das mais de 60 casas bancárias que

existiam em Minas Gerais em 1930, apenas três delas se tornaram grandes

conglomerados nacionais (AL-BUQUERQUE, 1997). Esse funil privilegiou

essencialmente São Paulo, capital econômica e financeira do país, onde todos os

grandes conglomerados têm hoje sua matriz. Em 1995, dos 10 maiores conglomerados

financeiros do país, três originaram-se em Minas Gerais, um na Bahia e outro no

Paraná. Hoje, sobraram dois paulistas (Itaú e Bradesco) e um mineiro (Unibanco).

Outros fatores também influenciaram as trajetórias de famílias e empresas, muitas vezes

fortuitas. Um exemplo típico é a falta de um herdeiro. A falta de filhos homens parece

ter contribuído para a venda do banco ou a entrega da direção a um profissional11

. Há

10 Não havia uma seção específica para assuntos financeiros nessa revista antes dessa data. Revista

Exame, abr. 1973.

11 Para a Revista Exame, esse assunto passa com naturalidade, apesar de celebrar o novo papel da mulher

no mercado de trabalho em outros artigos. Por exemplo, em 22/2/89, Sebastião Camargo (de empresa

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ainda casos de conflitos entre pai e filho, morte em família e, aparentemente, a falta de

vontade de se dedicar a uma operação de grande escala. Vender um banco, sair do ramo,

ou optar por uma instituição financeira de escala menor (especialmente um banco de

investimento) não são fatores negativos para a família e nem necessariamente

significam o seu declínio, pois a família pode continuar sendo controladora de uma

instituição maior.

Aloísio Faria Andrade, ex dono do Banco Real que hoje pertence a uma

instituição holandesa (ABN-AMRO), é o segundo homem mais rico do Brasil hoje,

enquanto os Setúbal, família que dirige o banco líder Itaú, estão em sétimo lugar. Faria

Andrade não teve herdeiros homens (que pode não ser o fator decisivo para venda do

banco), mas controla uma grande rede de hotéis e mantém um banco de investimento, o

banco Alfa, bem colocado no ranking dos bancos desse tipo. Para quem é bem dotado

em riquezas econômicas, sociais e políticas, e que tem experiência em finanças, abrir

um banco de investimentos é uma opção lucrativa e Faria não foi o único banqueiro a

vender um banco comercial para se fincar no mundo de investimentos.

Os atuais líderes comerciais privados são Itaú, Bradesco e Unibanco. O banco

Itaú foi fundado em São Paulo em 1943 por Alfredo Egídio Souza Aranha, grande

proprietário de terras e importante político do estado. O Itaú é o “mais aristocrata” do s

grandes bancos hoje, pois continua em mãos de grandes famílias antigas, os Villela e os

Setúbal. É também o banco “mais familiar”, já que hoje cinco dos sete filhos do Olavo

Setúbal mantêm cargos importantes no banco (ou outra empresa do conglomerado). O

conglomerado das famílias Setúbal e Villela não é apenas conhecido pelo banco, mas

também na área tecnológica. A Itautec foi pioneira na área de informática nacional e

fornece computadores para várias empresas no país. A Duratex, trazida ao país da

Europa por Eudoro Villela, foi pioneira em chapas de compensado.

As famílias controladoras ainda fundaram a fabricante de louças e metais Decca,

um dos líderes nacionais na sua área até hoje. O caso do Bradesco, fundado em 1947 em

Marília, São Paulo, não poderia ser mais distante do Itaú. O primeiro grande banco

popular do país foi fundado por uma família. Os filhos e cunhados que sucederem ao

Camargo Correia) investe no holding Itaúsa porque, diz a Revista Exame , têm apenas três filhas e está

preocupado com o futuro da sua empresa.

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pai mantinham a pequena casa bancária que, posteriormente como banco, chegou a ter

seis agências. Um dos sócios resolveu contratar um gerente de outro banco do interior, o

filho de humilde lavrador Amador Aguiar, para dar uma “guinada popular” no banco. O

Bradesco então começa sua grande ascensão ao concentrar seus esforços em atrair o

pequeno poupador. A estratégia dá certa e Bradesco torna-se o maior banco do país.

Nos anos setenta, quando a direção passa definitivamente para Aguiar, o banco tem

mais agências, depositantes e funcionários que qualquer concorrente fora o Banco do

Brasil. Além disso, o banco cria a primeira grande fundação social mantida por um

banco, a Fundação Bradesco, em 1967. O Bradesco mantém ainda hoje seu perfil

popular e é o único grande conglomerado do país que não é controlado por uma família

(embora a família de Aguiar possua uma porcentagem significativa de ações).

O Unibanco foi fundado em Poços de Caldas em 1942 por João Moreira Salles,

um comerciante bem-sucedido do Sul de Minas. O banco cresceu graças aos esforços do

seu filho Walther, que, além de empresário é lembrado hoje como o grande diplomata

que negociou a dívida brasileira logo antes do golpe militar em 1964. Walther Moreira

Salles era também conhecido como homem de cultura; conhecia várias figuras

importantes da mídia nacional e estrangeira e dava festas suntuosas em que apareciam

políticos e artistas. Graças a sua rede internacional de contatos, Moreira Salles cria

novas tendências financeiras, baseadas em relações financeiras, e assim, forma o

primeiro grande conglomerado do país (Itaú atinge esse status no fim dos anos 70). Seu

filho, Pedro, dirige o banco hoje e outros dois filhos, Walther Jr. e João, são cineastas de

renome. O banco hoje mantém uma imagem pública de banco de classe média alta.

Nesses três casos, as histórias das famílias se misturam com as histórias de suas

empresas; bem como as identidades privada e pública das empresas se confundem. O

que diferencia cada banco e cada família é a relação constitutiva com respeito a capitais

específicos. Por exemplo, as famílias que dispõem de mais capital inicial (tanto social,

político e cultural como econômico), como os Vilella e Setúbal, que hoje controlam o

banco Itaú, tomaram decisões e cresceram de acordo com esses capitais ao fundar

numerosas empresas, controladas por famílias aliadas e cuja estrutura acionária se

divide entre elas. Já no caso do Bradesco, havia menos capitais, de qualquer espécie.

Talvez por isso, Amador Aguiar era o mais banque iro dos banqueiros, já que não

cuidava de outras empresas e nem se envolvia em política, mas mantinha uma aguda

preocupação paternalista em focar a administração do corpo dos funcionários do seu

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banco e criar uma instituição que propiciasse educação popular (inclusive para futuros

funcionários do banco). No caso do Unibanco, Walther Moreira Salles não dispunha dos

capitais familiares dos Setúbal, mas, por outro lado, herdou do pai capital social e

econômico e, assim, pôde criar uma grande rede social, tanto nacional quanto

internacionalmente e, para criar seu império. A imagem do diplomata, de homem social

marca a trajetória dos More ira Salles e seu banco, com ênfase no lado cultural,

continuada graças à carreira dos dois filhos cineastas.

Entretanto, as diferentes trajetórias do Unibanco, do Itaú e do Bradesco

resultaram da maneira em que cada família (ou grupo de famílias) controladora da

empresa se constituiu como tal; vimos como cada constituição familiar teve influência

sobre a empresa e, finalmente, num movimento recíproco, como a dinâmica da empresa

teve o poder de também influenciar a família. Essas trajetórias e influências

determinaram a estratégia de reprodução de cada família e de cada banco.

A família Moreira Salles, controladora do Unibanco, se estabeleceu como uma

família em que um único núcleo domina o banco e o poder passou (durante duas

gerações) diretamente de pai para filho. João Moreira Salles se casou dentro de uma

família tradicional (os Vilhena de Alcântara), entrou para a sociedade aliada com a

família mais importante de Poços de Caldas, os Junqueira, e estabeleceu boas relações,

inclusive, com Getúlio Vargas. Todavia, essas famílias não participam no banco hoje e

o relacionamento entre elas e os Moreira Salles (João pai e Walther) teve ma is

importância na época em que era útil a cada parte envolvida. A estratégia de ascensão

de João e Walther foi fazer alianças de negócios e alianças políticas e, também,

principalmente alianças com empreendedores internacionais, cujas técnicas Walther

Moreira Salles aprenderam e adaptou para garantir o crescimento de seu banco. O

resultado disso foi a precoce internacionalização do Unibanco. Consequentemente, a

família Moreira Salles ficou publicamente conhecida como uma família cosmopolita e

mundializada. Tanto é que as estratégias publicitárias recentes do banco visam atrair (na

sua propaganda) justamente artista s, jornalistas e pessoas de alto nível cultural que se

identificam com o banco. O outro resultado da estratégia adotada pelos fundadores do

Unibanco, precursor da internacionalização que efetivam ente ocorreu em todo sistema

financeiro do Brasil, fez com que os quadros do banco, e principalmente os próprios

filhos do Walther Moreira Salles, não tivesse m nenhuma dificuldade para se adaptarem

às reformas financeiras ocorridas entre 1964 e 1995: o Unibanco foi o primeiro

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conglomerado financeiro do país e também o pioneiro em segmentação de serviços (tais

como investimento e gestão de recursos). Pedro Moreira Salles, presidente executivo do

banco até recentemente12

, e seus irmãos, foram os únicos da terceira geração dos casos

estudados aqui que se formaram em Economia, na PUC-RJ e também fizeram pós-

graduações nos Estados Unidos.

As famílias Villela e Setúbal, principais controladoras do Itaú, se constituíram

em uma rede familiar. O controle do banco é dividido entre núcleos que são

ramificações de um tronco comum, no caso, o tronco Egydio. Trata-se de famílias

tradicionais no país. Todos tiveram propriedades e comércios que podiam ser

reconvertidos na nascente indústria e, posteriormente, em finanças. Todas também

tiveram papéis públicos tanto na política, quanto na ciência e nas artes, os quais podiam

ser reconvertidos em alianças de negócios com famílias de empresários e industriais.

Foi assim, graças ao amplo investimento em tecnologia e indústria própria dos

controladores, que o Banco Itaú ficou publicamente conhecido como um banco de

tecnologia e desenvolvimento como também um banco que atrai a classe média de

profissionais liberais e funcionários. Tal como uma grande família, o holding Itaúsa

reúne basicamente empresas das famílias controladoras. Muitos dos conselheiros do

holding (e seus maiores acionistas) são membros das famílias controladoras e até de

outros troncos surgidos dos Egydio, como os Monteiro de Carvalho. Por ser uma rede

familiar, o que envolve muitos indivíduos e muitos interesses, a questão de sucessão foi

também uma questão de redivisão de tarefas e na terceira geração cada ramo familiar

obteve vantagens específicas. Como criador da Duratex, o primeiro presidente

comercial do Banco Federal de Crédito (posteriormente conhecido como Itaú); genro e

homem de confiança do fundador Alfredo Egydio, Eudoro Villela conseguiu que sua

família detivesse mais ações do holding. A porta-voz desse ramo familiar hoje, sua filha

Milú, é reconhecida como uma herdeira, assumindo o papel feminino no ramo cultural

nas atividades da família. Tendo operado um novo processo de reconversão do lugar da

mulher, transformando a tradicional caridade em engajamento cultural-empresarial,

Milú foi eficaz ao garantir que o nome de sua família fosse lembrado como integrante

do império do Itaú. Olavo Setúbal, por outro lado, conseguiu estabelecer o nome de sua

família efetivamente hoje como os diretores do holding. Abençoado com seis filhos

12

Pedro Moreira Salles teve que sair da presidência e da vida pública, pois sofre de esclerose múltipla e

chegou o momento em que não tinha mais condições de dirigir o banco, que foi vendido p Itaú.

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homens (e mais uma filha), cinco deles trabalham para o holding: o primogênito

controla a Duratex, a empresa não financeira mais lucrativa do holding; e o quarto filho,

Roberto, é presidente do Banco Itaú. Em uma rede familiar acostumada a reconverter

saberes e recursos, Robert o Setúbal soube também se preparar para a nova conjuntura,

em vigor na época em que assumiu comando do banco. Ele fez uma pós-graduação nos

Estados Unidos e um estágio de dois anos com John Reed do Citibank. O Banco Itaú

contratou os especialistas necessários e, especialmente com a compra do BBA e sua

equipe de sócios, garantiu solidez na área de investimentos e, em consequência, a

liderança nas finanças privadas no país.

No caso do Bradesco, o principal nome do banco, Amador Aguiar, construiu

sua “família” dentro do próprio banco, como um grande pai, uma figura paternalista

responsável pelo corpo imenso de funcionários. Sem recursos próprios, alianças e nem

mesmo uma família estável fora do banco, Aguiar construiu um banco para o “povo”,

ou seja, para pequenos comerciantes, agricultores e funcionários que não tinham sido

previamente absorvidos pelo sistema bancário. Para acomodá-los, o Banco Bradesco

popularizou uma série de serviços convenientes para trabalhadores como o cheque e o

cartão de crédito. Assim, o Bradesco massificou o banco e seus serviços: nasceu o

pequeno poupador e correntista. Em troca, Aguiar ganhou o título de “banqueiro”, como

exemplo mor do financista moderno. Como banco de massa, convinha a Aguiar

enfatizar sua própria origem humilde para agregar mais valor aos seus feitos. A mídia

especializada em negócios e economia se alegrava ao encontrar o verdadeiro “self-made

man”, alguém capaz de seguir todos os preceitos que regiam as ideologias empresariais:

sucesso por esforço próprio, perseverança, dedicação extrema ao trabalho, e tudo isso

sem privilégio prévio. Crente nessa doutrina, Aguiar nunca quis que Bradesco fosse

familiar e proibiu a sucessão de pai para filho; ele mesmo nunca teve filho herdeiro. Por

outro lado, o próprio Aguiar era o pai supremo dentro do seu império onde tudo levava

sua marca pessoal e cujo complexo administrativo, a Cidade de Deus, parecia com uma

vila operária na qual os funcionários moravam e estudavam. Suceder a um líder

carismático e personalista não podia ser fácil e houve conflitos dentro do banco para ver

quem seria escolhido para dirigi-lo. Além disso, o sistema administrativo que Aguiar

criou foi mais difícil de adaptar à nova conjuntura econômica nos anos 90 em que

segmentação e escolaridade específica se colocaram na ordem do dia. Essas mudanças

apenas foram possíveis após a morte do Aguiar quando os serviços da Cidade de Deus

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foram terceirizados, os rituais de celebração do carisma do patrão foram deixados de

lado e profissionais de fora foram contratados. Entretanto, o terceiro e atual presidente

do banco, o primeiro com estudos superiores, ainda chegou ao se u posto ao seguir o

caminho do sistema verticalizado do banco.

Enfim, no desenvolvimento de bancos comerciais privados no Brasil analisados

neste trabalho, as relações familiares não foram um impedimento à modernização

econômica, mas um estímulo. Para poder ascender socialmente ou manter seu status, as

famílias Moreira Salles, os Setúbal e os Villela tiveram que lançar mão de todos seus

recursos para poder seguir os novos tempos e mesmo para lançar novas tendências que

outros teriam que seguir posteriormente. No caso do Bradesco do Amador Aguiar, a

família teve que ser criada dentro do próprio banco para moldar uma unidade e

integração de interesses que não vinha previamente de fora. Em todo caso, a grande

família constituiu a grande empresa.

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