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Patologia inflamatória e infecciosa do tubo digestivo e vias biliares Caso 1 Homem de 40 anos com história de dor abdominal recorrente. Foi submetido a uma endoscopia digestiva alta com colheita de biópsia gástrica. - A Fig. 1 ilustra o aspecto histológico do fragmento de mucosa gástrica recolhido durante a endoscopia. Descreva os aspectos que observa. Mucosa de tipo gástrico com epitélio foveolar típico observam-se células colunares, com muco no pólo apical, típicas da mucosa gástrica. Não se observa metaplasia intestinal (porque não se vêem células caliciformes). A mucosa apresenta, no entanto, a superfície mais irregular do que o normal, evidenciando alguma displasia (epitélio com alterações). Alterações: Inflamação (gastrite ) com infiltrado do córion constituído por linfócitos e plasmócitos (crónica ). Em algumas glândulas vêem- se ainda neutrófilos intra-epiteliais (sinais de actividade ). - Trata-se de uma lesão inflamatória, degenerativa ou neoplásica? Inflamatória.

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Patologia inflamatória e infecciosa do tubo

digestivo e vias biliares

Caso 1

Homem de 40 anos com história de dor abdominal recorrente. Foi

submetido a uma endoscopia digestiva alta com colheita de biópsia

gástrica.

- A Fig. 1 ilustra o aspecto histológico

do fragmento de mucosa gástrica

recolhido durante a endoscopia.

Descreva os aspectos que observa.

Mucosa de tipo gástrico com epitélio foveolar típico � observam-se células colunares, com muco no pólo apical, típicas da mucosa gástrica. Não se observa metaplasia intestinal (porque não se vêem células caliciformes). A mucosa apresenta, no entanto, a superfície mais irregular do que o normal, evidenciando alguma displasia (epitélio com alterações).

Alterações: • Inflamação (gastrite) com infiltrado do córion constituído por

linfócitos e plasmócitos (crónica). Em algumas glândulas vêem-se ainda neutrófilos intra-epiteliais (sinais de actividade).

- Trata-se de uma lesão inflamatória, degenerativa ou neoplásica?

Inflamatória.

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- Como classifica a lesão?

Gastrite Crónica com sinais de actividade (por presença de PMNs).

- Qual o agente etiológico que está na origem destas lesões e que pode ser

observado pelas colorações de Giemsa modificado (Fig. 2) e de impregnação

argêntica (Warthin-Starry, Fig. 3)?

Fig.2 Fig. 3

Helicobacter pylori

NOTA: Infecção por H. Pylori

- 50% da população mundial;

- 80 a 90% da população adulta portuguesa;

- 50% da população pediátrica portuguesa;

- A que outros métodos poderia recorrer para diagnosticar a infecção?

Métodos:

• Não-invasivos

• Invasivos

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Não-invasivos

o Serologia/ELISA

a presença de anticorpos apenas significa um contacto passado

ou presente do doente com o microorganismo, não sendo por

isso prova de infecção actual.

o Teste Respiratório

consiste na ingestão pelo paciente de uma refeição que

contenha carbono marcado. Se a H. Pylori estiver presente no

estômago, vai levar a que a urease da H. Pylori (enzima

presente no citoplasmada da H. Pylori que decompõe a ureia)

actue sobre a ureia e seja libertado CO2 com carbono marcado

na expiração. Os gases expirados são colectados para um tubo

associado a um aparelho que detecta o carbono marcado. Isto

tem algumas vantagens sobre testes imunológicos porque ao

sermos infectados por um microrganismo, vai haver produção

de anticorpos contra esse agente e alguns anticorpos

remanescem, suscitando uma resposta positiva mesmo que a

infecção já tenha sido debelada. O teste respiratório, se

positivo, acusa sempre uma infecção actual.

Invasivos (subentendem endoscopia e biópsia)

o cultura microbiológica;

o métodos moleculares / PCR (Gene 16S é comum a todas as estirpes de

Helicobacter pylori);

o Histologia;

- A caracterização molecular do agente infeccioso permite distinguir as

estirpes quanto à sua virulência. Quais são as estirpes consideradas mais

virulentas?

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• vacA (vacuolating cytotoxin gene)

Todas as estirpes de H. Pylori têm o gene vacA, mas apenas algumas

produzem uma citotoxina com capacidade vacuolizante. Esta capacidade

depende principalmente das diferentes variantes alélicas nas regiões s e m

do gene vacA.

• cagA (cytotoxin associated antigen)

O gene cagA só está presente em 60% das estirpes de H. Pylori e é

marcador da presença de um ilhéu de patogenicidade. As bactérias

positivas para o cagA têm a capacidade de injectar esta proteína no

citoplasma das células do hospedeiro e aí causar alterações no citoesqueleto

que afectam a adesão e a motilidade.

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Resumindo: nem todas as estirpes de H. Pylori são iguais. Há umas

mais virulentas e outras menos. Sabe-se hoje que os genes que conferem

virulência à bactéria são os genes vacA e cagA.

O gene vacA produz uma citotoxina que provoca erosão e destruição

da camada de muco, e uma vez no interior das células do epitélio, induz a

formação de vacúolos (vac de vacuolizante). E, como podemos prever, a

vacuolização das células, em grandes proporções, provoca destruição das

células e cria condições para ulceração. Também o gene cagA tem aqui um

papel importante, nomeadamente através da sua capacidade de induzir a

produção de citocinas e de desorganizar o citoesqueleto.

A bactéria desloca-se deste modo até ao polo apical da célula, adere a

este polo, desorganiza o citoesqueleto; de seguida injecta no citoplasma o

gene cagA, que vai induzir a expressão de uma citocina pró-inflamatória,

neste caso a IL-8.

Estirpes mais e menos virulentas

Genótipos Virulência

vacA s1m1, cagA + Acentuada

vacA s2m2, cagA - Ligeira/Ausente

Relação entre os genótipos de H. Pylori e o risco de carcinoma gástrico

Genótipo

Helicobacter

pylori

Gastrite crónica Carcinoma

gástrico

OR (95%)

vacAs1 39% 92% 17 (7,8-38%)

cagA+ 40% 91% 15 (7,4-29%)

J. Natl Cancer Inst 94: 1688-2002

- A que doenças se pode associar o referido agente etiológico?

Gastrite crónica, doença ulcerativa péptica, carcinoma gástrico e

linfoma MALT gástrico.

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A patologia infecciosa do intestino delgado e do cólon manifesta-se

geralmente por um quadro clínico que inclui diarreia e pode ser causada

por vírus, bactérias, fungos e parasitas.

- Diga o nome de duas das bactérias que mais frequentemente originam

enterocolites.

- Quais são os dois principais mecanismos através dos quais as infecções

bacterianas condicionam um quadro de diarreia?

1 - ingestão de toxina pré-formada (presente em alimentos);

2 – infecção por organismos toxinogénicos (que proliferam no lúmen

intestinal e produzem enterotoxinas);

Durante a apresentação do seminário será discutido o exemplo do efeito de

Listeria em enterócitos, utilizando um modelo in vitro.

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Caso 2

Homem de 45 anos, emagrecido, com episódios intermitentes de

diarreia, febre, dor abdominal e poliartrite migratória. Nos exames

analíticos detectou-se anemia e presença de sangue oculto nas fezes.

- A Fig. 4 ilustra o aspecto macroscópico

do tubo digestivo de um indivíduo com

o mesmo quadro clínico. Descreva a

lesão (nota: a área com lesão encontra-se

entre as setas).

- espessamento e rigidez da parede intestinal;

- estreitamento do lúmen intestinal;

- limite nítido entre os segmentos afectados e os segmentos não

afectados (envolvimento segmentar);

- Na Fig. 5 documenta-se um aspecto

particular da mucosa. Descreva o

que observa. Como se designa este aspecto?

- Ulcerações aftosas profundas (focais);

- Edema, congestão, perda da textura normal da mucosa;

- Aspecto de “pedras de calçada” (“cobblestones”) – quando as

úlceras coalescem e se tornam lineares, longas e tortuosas;

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- A Fig. 6 ilustra o aspecto histológico da lesão. Identifique as camadas

referenciadas com as letras A, B e C. Quais as camadas atingidas pelo

processo inflamatório? Descreva a área apontada pela seta. Quais são as

estruturas apontadas pelas pontas de seta?

A – mucosa e submucosa;

B – muscular;

C – serosa;

Todas as camadas (transmural);

Seta - Úlcera;

Ponta de seta – granulomas não

caseosos;

- Na Fig. 7 pode observar em maior

ampliação as estruturas apontadas

pelas pontas de seta na Fig. 6. Como

se designam as células apontadas pelas

setas? Que células estão assinaladas

pela estrela?

Setas – células gigantes multinucleadas (a da direita é de tipo Langhans);

Estrela – Linfócitos.

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- Em área restrita identificou-se a

lesão da Fig. 8. Como se designa?

Que consequências podem resultar

dessa lesão?

- Fissura – “solução de continuidade na parede, que não a atravessa

na totalidade”.

- As fissuras podem evoluir para fístulas (para outras ansas intestinais,

bexiga urinária, vagina, pele peri-anal ou abcessos peritoneais). Podem

originar ainda adesões de ansas intestinais e serosite.

- Qual o diagnóstico mais provável?

Doença de Crohn.

NOTA: Marcador imunológico da Doença de Crohn – ASCAs (anti

sacaromyces cerevisiae antibodies).

- Que região (regiões) do tubo digestivo pode(m) ser atingida(s)?

Todas (mas principalmente jejuno, íleo e cólon).

- Que manifestações extra-intestinais, para além da poliartrite migratória,

podem apresentar os doentes com esta doença?

Sacroilíte, espondilíte anquilosante, eritema nodoso, dedos em

baqueta de tambor, colangite esclerosante primária.

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A Fig. 9 documenta outra expressão

de doença inflamatória intestinal.

Descreva os aspectos que observa.

- Observa-se o apêndice (ajuda a localizarmos a peça);

- Superfície da mucosa com hemorragia e congestão muito acentuada

(ulceração com pseudopolipos nodosos);

- Achatamento e apagamento das pregas da superfície da mucosa;

- Existe um envolvimento contínuo.

- Como se designam e o que são as estruturas apontadas pelas setas na Fig.

10?

Pseudopólipos.

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- A Fig. 11 documenta o aspecto histológico

de lesões observadas nas Fig. 9 e Fig. 10.

Quais são as lesões apontadas pelas setas?

Em que difere o processo inflamatório neste

caso, quando comparado com o da Fig. 6?

1 – epitélio do pseudopólipo;

2 – úlcera;

3 – Infiltrado inflamatório de neutrófilos / agregado linfóide;

Neste caso:

o a inflamação estende-se proximalmente a partir do recto, de

forma uniforme;

o a inflamação envolve só a mucosa e submucosa (normalmente);

o ausência de granulomas;

o a fibrose é pouco evidente.

- Na Fig. 12 documenta-se um aspecto

particular de algumas glândulas.

Descreva o que observa. Quais são

as células acumuladas no lúmen da

glândula? Como se designa esta lesão?

- Observa-se um infiltrado inflamatório (PMNs) na camada epitelial

que pode agrupar-se no lúmen das crptas intestinais;

- Polimorfonucleares Neutrófilos;

- Abcesso críptico;

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- Qual o diagnóstico mais provável?

Colite Ulcerosa.

NOTA: Marcador imunológico da Colite Ulcerosa – p-ANCAs (anti neutrophil

cytoplasmic antibodies).

Caso 3

Mulher de 45 anos com dor abdominal, cólicas, vómitos e febre. Nos

últimos seis meses sentiu dor epigástrica em cinco ocasiões, tendo o

último episódio persistido mais de um dia. Foi realizada uma

colecistectomia de urgência (remoção da vesícula).

- Descreva o aspecto da vesícula biliar desta doente (Fig. 13).

- mucosa hiperemiada;

- com úlceras (leito dos cálculos);

- parede espessada.

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- Na Fig. 14 documenta-se o aspecto histológico da parede da vesícula biliar.

Descreva o que observa.

- Fibrose de toda a parede ;

- Congestão, focos de hemorragia (indícios de inflamação).

Poderiam ainda observar-se

“Seios de Rokitansky-Aschoff” - prolongamentos do epitélio de revestimento que penetram entre os feixes de fibras musculares lisas – são um marcador morfológico de colecistite crónica.

- Qual o diagnóstico mais provável?

- Colecistite crónica com agudização.

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- Como se designam as estruturas apontadas nas Fig. 15 a), b) e c)?

a) cálculo de colesterol b) cálculo misto c) cálculo de pigmento

A. Colesterol (doente possivelmente com Anemia Hemolítica), Mucosa

com aspecto granular; cálculos ovóides, por vezes facetados, e de

coloração amarelada; são constituídos por cristais de colesterol e podem

não ser detectados no exame imagiológico de rotina, a não ser que

possuam fosfatos e carbonatos de cálcio associados.

B. Cálculos Mistos causas: alterações metabólicas, mulher com diabetes,

obesidade, emagrecimento súbito;

C. Cálculos de pigmento; (doente com hemólise disseminada); Infecção

mais frequente – por E. Coli (acumulação de macrófagos no citoplasma);

cálculos negros e mais arredondados que os colesterínicos; são

constituídos por pigmento biliar que se condensa à volta de uma matriz

de natureza proteica, para além de ácidos e sais.

Seminário desgravado por: o Ricardo Santos Pereira o Tiago Pinheiro Torres

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NOTA: nesta lista não estão TODOS os termos do glossário que se relacionam com este seminário, apenas os que achamos mais importantes.

MICROORGANISMOS/OUTROS AGENTES AGRESSORES

• Helicobacter pylori

• Escherichia coli • Shigella

• Yersinia enterocolitica

• Vibrio cholerae

• Clostridium difficile

• Clostridium perfringens

• Mycobacterium tuberculosis

MECANISMOS/LESÕES/MEDIADORES DOS PROCESSOS DEGENERATIVOS, INFLAMATÓRIOS E NEOPLÁSICOS

• Auto-anticorpos anti-neutrofílicos (ANCAs) • Granuloma

• Ulceração

GENES/PRODUTOS DE GENES/BLOQUEADORES DE GENES/MARCADORES CELULARES E EXTRACELULARES

• CagA (Cytotoxin associated gene) • VacA (Vacuolating cytotoxin)

DOENÇAS/SINDROMES

• Gastrite crónica

• Doença de Crohn

• Colite ulcerosa

• Colecistite crónica

• Úlcera duodenal • Úlcera gástrica

• Colangite esclerosante