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A Presença do Romanceiro Ibérico na Encantaria Brasileira Regina Célia de Lima e Silva

Carlos Magno e o Papa Adriano1 Introdução

Este artigo faz parte de um estudo que está sendo desenvolvido como proposta

para o doutorado. Sabendo-se que se trata apenas de um trecho dessa pesquisa vários itens

não são abordados aqui e isto significa que o leitor provavelmente sentirá falta de questões

que poderiam aprofundar um pouco mais o assunto que é, certamente, muito mais amplo do

que se apresenta nestas páginas. É preciso deixar bem claro, portanto, que o que não é

observado nas linhas que se seguem estará incluído em investigação ampliada.

O estudo das marcas culturais de outros povos na cultura brasileira não se

esgota. Infinita ainda é a busca da presença do romanceiro ibérico na vida cotidiana do

nosso povo, que é muito mais profunda do que se imagina. O encontramos nos folguedos,

nas festas populares, na religião, no cordel, na boca dos repentistas e declamadores, enfim,

no espaço da rua, que é o espaço da voz e onde todos somos iguais.

A literatura, seja erudita ou popular, começou a chegar ao continente sul-

americano nos navios dos colonizadores e o Comércio das Índias foi o órgão que mais

enviou-nos documentos, como livros, pliegos de cordel, cartilhas para o uso dos

catequizadores, etc. A partir daquela época o imaginário do nosso povo foi-se conformando

e adquirindo novos elementos que só enriqueceram e acrescentaram mais dados aos que já

possuíamos.

Do encontro entre índios, brancos e negros recebemos costumes, mitos e a

religião, além de outras coisas. Na religião o Candomblé, ainda que tenha sido visto por

muito tempo com olhar preconceituoso, foi a religião africana que mais se destacou. No

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Maranhão o Tambor-de-Mina, também de origem africana, mas que mistura elementos do

branco e do índio, é representante importante da região Norte do Brasil. Exterioriza alguns

aspectos do inconsciente coletivo popular e desse inconsciente saem: orixás originários da

África, índios e caboclos do Brasil e encantados, representados em sua maioria por

fidalgos europeus. Todos eles se misturam e interagem sem estranhar-se, numa

convivência natural que só o fantástico pode explicar.

Ao encontrar uma relação entre a Encantaria brasileira e a literatura, mais

exatamente com os romances de cavalaria, que contam estórias de reis, rainhas, príncipes e

princesas, pensei em aprofundar-me na procura de elementos que comprovem essa ligação.

Este trabalho representa um pequeno esforço na busca desses dados, ainda que seja bastante

difícil, na medida que registros escritos sejam raros onde a oralidade seja o meio principal

para a manutenção do imaginário popular.

Encantaria. Explicações Preliminares.

O Brasil é conhecido por ser um verdadeiro caldeirão de culturas que se

misturam e convivem em profunda harmonia. A Ibéria e a África são as que mais deixaram

suas marcas, já que a colonização e o escravismo não podem ser esquecidos por seu caráter

de exploração e violência. Ao lado do que se denominaria de saldo negativo de nossa

história existe o registro indiscutível da influência desses mesmos povos em nossos hábitos,

nossas festas, na culinária diversificada, na língua e na literatura, não apenas na erudita,

mas principalmente na popular. Além disso, junto com as caravelas, os mitos, as lendas e o

imaginário daquela gente vieram para o nosso continente para misturar-se à cultura dos

índios que aqui habitavam.

Se pensarmos no caso específico das festas populares encontraremos espalhadas

pelo território nacional algumas como as de São Gonçalo, do Divino, as cheganças, os

fandangos e as marujadas, que são representações de cunho religioso e de origem ibérica.

Pode-se destacar, entre elas, a Cavalhada, que se realiza principalmente no interior de Goiás

e que hoje em dia é reconhecidamente uma das festas mais grandiosas do Brasil, atraindo

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visitantes de todo o país. Nela encena-se a luta entre mouros (vestidos de vermelho) e

cristãos (vestidos de azul), sendo que os últimos sempre saem vencedores.

Outro ponto de convergência entre brancos, negros e índios encontra-se nos ritos

religiosos. As chamadas religiões afro-brasileiras são ricas de lendas de seres ligados à

natureza, personagens relacionados à África, aos índios brasileiros e aos santos católicos.

No Candomblé baiano as deusas, como Iemanjá, ocupam lugar especial no panteão africano

e misturam-se às imagens femininas das Iaras e das Mães D’água indígenas. Na Umbanda

o sincretismo é levado muito mais a sério, pois os seus orixás podem ser relacionados aos

santos católicos. Bons exemplos são Oxalá, que é representado por Jesus, Nossa Senhora da

Conceição, que toma a forma do orixá Oxum e Ogum, que é ligado a São Jorge. A lista é

extensa, mas apenas tomemos estes como amostras para entendermos um pouco melhor o

resultado do encontro de culturas.

Seguindo em nossa observação em relação às religiões afro-brasileiras note-se

que dentro delas há uma infinidade de rituais de dedicação às divindades, rituais que podem

ser feitos com a utilização das oferendas, das danças e dos cânticos nos trabalhos rotineiros

onde se abrem os terreiros para o grande público leigo. De dentro desses terreiros sai “para

o lado de cá”, o que nos é permitido conhecer. As comidas dor orixás, como o acarajé, o

caruru e a canjica que nos foram presenteados pelos africanos para o deleite de sabores

exóticos. Os chamados pontos cantados chegam às rádios em pequenos trechos incluídos

nas letras dos sambas interpretados por conhecidos cantores. Ritmos, como o afoxé, que

divulga os assuntos relacionados ao Candomblé da Bahia, o maracatu do baque virado,

vindo dos terreiros de Xangô de Pernambuco e o tambor de crioula, saído do Tambor-de-

Mina maranhense, tomam as ruas na época do carnaval e empolgam a todos que os

presenciam. Dessa maneira esses grupos religiosos ampliam seus espaços e são mais bem

aceitos socialmente, rompendo resistências seculares.

Nossa atenção se voltará em especial ao mundo mágico da Encantaria que faz

parte do Tambor-de-Mina do Maranhão. É nela que se misturam espíritos de caboclos, de

índios e dos encantados. Através do transe de seus participantes apresentam-se para dar

conselhos aos que os procuram, vêm apenas para fumar e beber, ou para simplesmente ter

uma oportunidade de “baixar” na terra e perpetuar o que existe no inconsciente coletivo

popular e que se repete há gerações.

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O tambor-de-mina, religião afro-brasileira que se formou no Maranhão no século passado, é

uma religião de voduns, orixás e encantados. Dois dos antigos terreiros de São Luis, fundados

por africanos em meados do século passado, sobreviveram até os dias de hoje e constituem a

matriz cultural do tambor-de-mina, a Casa das Minas e a Casa de Nagô. (PRANDI, R. e

SOUZA, P. R. 2004, p.216)

Os encantados, que além dos caboclos têm lugar de destaque naquela religião,

são seres que habitaram a terra algum dia e não morreram, mas se encantaram. Atraíram-se

por outros encantados para o “encante”, local de morada dos encantados, que normalmente

se encontram em alguns lugares da natureza, como os rios, pedras, cidades subterrâneas

(MAUÉS, R. H. e VILLACORTA, G. M. 2004, p.20).

Dentro da Encantaria existe uma quantidade considerável de encantados não

africanos que se apresentam com nomes de fidalgos, reis, princesas e duques, além de

outros. Dom Sebastião, Dom Luis (rei de França), princesa Jarina, Dona Mariana, são

nomes recorrentes no meio dos encantados, sendo também personagens ligados em grande

parte às narrativas das Cruzadas e das guerras de Carlos Magno. Completando o amplo

quadro da Encantaria encontramos as famílias, que são agrupamentos de encantados, como

a do Rei Sebastião, a do Lençol e a Família da Turquia, que é a que nos interessa neste

estudo em especial.

De acordo com Mundicarmo Ferretti2 o Terreiro da Turquia foi fundado em

1889, por Anastácia Lúcia dos Santos, mas os turcos já eram conhecidos nos terreiros

maranhenses e em representações populares como as cheganças, outro tipo de

representação que repete as lutas entre mouros e cristãos.

Algumas lendas cercam o Rei da Turquia e uma delas é a de que veio parar em

águas maranhenses no navio de Dom João, seu primo, depois de uma batalha com os

cristãos. Quando o navio aportou em São Luis ele resolveu dar uma volta pelo lugar, mas

ao regressar ao porto viu que o navio já havia partido. Foi então se juntar aos caboclos da

aldeia de Caboclo Velho, ficando por lá para sempre. (FERRETTI, 1995).

No terreiro de Anastácia o rei turco apresentava-se como Ferrabrás de

Alexandria, mas em outros lugares ele é conhecido como Dom João de Barabaia, ou

Almirante Balão. Fala-se que tem três famílias: a de Ferrabrás, a de Borgonha e de Ramos,

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sendo primo de Dom Luis e Dom João (1992). Na realidade existe uma grande confusão

quanto à denominação do rei turco e podemos encontrá-lo até como Burlante, que era o

comandante do navio de Dom João (1992). Outra encantada é Floripes, irmã de Ferrabrás

no romance Carlos Magno e também presente na Mina.

Do Romance Ibérico a Encantaria, uma viagem pelo Atlântico.

Antes de seguirmos adiante precisamos esclarecer que o chamado romance

ibérico é a forma poética de caráter narrativo, originalmente oral, cantada ou recitada, que

surgiu na idade média (PUÉRTOLAS,1992, p.5). Nos estudos sobre a Encantaria brasileira

é costume fazer-se referência à forma prosificada desse romance, com datação do século

XVIII. Esta investigação procura voltar mais atrás no tempo e tentar demonstrar que na

realidade a poesia romance é que realmente influenciou aquela religião.

A Encantaria está profundamente relacionada à História de Carlos Magno e os

Doze Pares de França, pois muitos de seus encantados “ilustres” aparecem naquela obra

literária. Um exemplar dela foi encontrado no Terreiro da Turquia em 1969, com Dona

Zeca, filha da fundadora e que lhe foi presenteado por sua madrinha, em 1934. Na Mina a

história dos turcos contada no terreiro é uma versão atualizada daquela narrativa (1995). A

obra a que Ferretti provavelmente se refere é a tradução da publicação espanhola feita por

Jerônimo Moreira de Carvalho, impressa pela Livraria Império, no Rio de Janeiro, que

infelizmente não é datada. Câmara Cascudo (2000, p.365-366) diz que a primeira edição

castelhana, em Sevilha, é de 1525. Encontramos um exemplar lisbonense de 1864.

Sem desconsiderar a documentação impressa daquele livro, é certo que a leitura

não era o meio principal pelo qual as estórias de cavalaria foram divulgadas pelo Brasil,

principalmente nas regiões do Norte e Nordeste. A oralidade, num meio onde a pouca

alfabetização era marcante, foi o veículo preponderante para a difusão dos relatos vindos de

além-mar. Segundo Câmara Cascudo (2006, p.21-22) a literatura oral era passada através

das danças cantadas e de roda, dos jogos infantis, dos acalantos, das adivinhações, dos

desafios e da improvisação popular. Estórias como as da Princesa Magalona, da Imperatriz

Porcina e de Carlos Magno e os Doze Pares de França passaram por processos de

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versificação popularizada e que facilitaram à memorização daqueles que as divulgavam.

Tais estórias chegaram ao Brasil e ao resto da América em “livrinhos” enviados pela

Espanha e Portugal. O que ele chama de “livrinhos” são nada mais do que as estórias

resumidas de clássicos da literatura e pliegos de cordel, que deram origem ao nosso cordel

brasileiro e aos corridos latino-americanos.

Dom Francisco Rodríguez Marin, citado por Juan Alfonso Carrizo, procurou no Arquivo Geral

das Índias, em Espanha, os registros de despachos das naus que partiam para América,

pesquisando quais livros seriam enviados nos séculos XVI e XVII. A partir de 1580, ano da

posse de Felipe II, unificando administrativamente a península ibérica, Marin depara ‘veinte

resmas de Pierres y Magalona’ mandados para Nueva Espana e Puerto Belo. A frota de 1599

levou ‘siete caxas donde van quarenta resmas de menudencias, como son Calro Manos y

Oliueros de Castilla y otras muchas suertes de libros y coplas para niños. Echase de ver, pues,

que contra lo que hasta ahora se ha creído, con Carlomagno y Oliveros se dest taban en América

los muchachos, más que con catecismos y cantones’3. Em 1605 seguem ‘seys libros de Calro

Mano, doce Doncella Teodor’, etc. Esses livros viajavam do México para Argentina, via Peru.

Compreende-se que o mercado brasileiro fosse o mesmo. (2006, p.209)

Os exemplares mais baratos enviados para cá pela Companhia das Índias desde

o século XVI continuam a ser reeditados em verso e prosa, são decorados, declamados e

cantados, mantendo-se assim a tradição até hoje entre o povo mais simples e semi-letrado

(2006, p.210). Em um estudo de Antônio Lopes (1967, p.6) sobre o romanceiro

maranhense ele observou que as versões dos romances peninsulares colhidos em sua terra

eram recitadas ou cantadas por gente do povo, homens e mulheres que não sabiam ler ou

escrever. Neste sentido não podemos descartar que as conexões entre a Encantaria e os

personagens das estórias de Carlos Magno decorrem via memória coletiva, que vêm à tona

nas leituras em voz alta, nas declamações e representações populares.

Alguns estudiosos entendem que o texto que influenciou os primórdios da

Encantaria teria sido a tradução em prosa e impressa da História de Carlos Magno e os

Doze pares de França, feita por Jerônimo Moreira de Carvalho e não leva em consideração

a questão diacrônica, de que há um considerável espaço de tempo entre os primeiros livros

enviados ao Brasil e as edições do século XIX. Tal fato pode sugerir que essa afirmação

perde o sentido, já que sabemos da maior facilidade da memorização de textos em verso e

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não de textos escritos em prosa, que, neste último caso, não é o que se identifica com a

questão da oralidade.

Seguindo este raciocínio recorro a Câmara Cascudo (2000,p.123) que afirma

que os poetas sertanejos, em suas cantorias, passaram alguns episódios para sextilhas, como

a prisão de Oliveiras, a luta de Ferrabrás e fazem até um resumo da vida do Imperador.

Encontrei um exemplar em cordel de Leandro Gomes de Barros editado em

1909 no Recife. Seu título é Batalhas de Oliveiros e Ferrabraz. Vejamos um trecho dessa

obra.

[...] O almirante Balão

Tinha um filho – o Ferrabraz,

Que entre os turcos, era o mais

Que tinha disposição

Mesmo em nobreza de acção

Era o maior que havia

Então em toda Turquia

Onde se ouvia fallar,

Tudo tinha de respeitar

Ferrabraz de Alexandria [...]

Um fator a ser observado é a da grande confusão existente em relação ao rei

turco e as suas várias denominações na Encantaria. Este traço é bem característico da

transmissão oral dos romances, que, por não se registrarem por escrito vão suprimindo-se

trechos, no fenômeno chamado, por Menéndez Pidal, de fragmentarismo. Com o tempo

também sofrem alterações e perdem alguns dados considerados, talvez, irrelevantes para os

seus transmissores. Neste sentido é muito natural chamar-se o rei turco de Balão ou de

Ferrabrás, pensando-se que são a mesma pessoa, quando o primeiro seria, na verdade, o pai

do segundo. Vejamos o trecho da tradução do espanhol ao português da Historia de Carlos

Magno e os Doze Pares de França de Jerônimo. M. de Carvalho, de 1863, observando seus

personagens.

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NO SEGUNDO LIVRO

Trata-se dos doze Pares de França, e da batalha do Gigante

Ferabraz, Rei de Alexandria, com Oliveiros; e como este o venceo, e fez

baptizar; e cativeiro de Oliveiros com quatro companheiros, e da formosa

Floripes, filha do Almirante Balão, e da prizão de todos os doze Pares, e das

proezas, que estes fizerão contra o Almirante, e do socorro de Carlos

Magno, e da morte do dito Almirante; e dos Gigantes da ponte de Mantible,

e outros prodigiosos successos (1863).

A seguir vejamos o fragmento de Romances de Carlo-Magno y los Doce Pares

de Francia. Esta versão está incluída no livro Romancero General ó Colección de

Romances Castellanos Anteriores al Siglo XVIII e faz parte da coleção de Romances

Vulgares y Caballerescos. A coleção de romances foi recolhida e ordenada por Don

Agustín Duran. Esta edição é de 1861.

[…] Ya sabrán que hubo en Turquia,

En nuestros pasados tiempos,

El almirante Balan,

Señor de todos sus reinos.

Este tal tenía un hijo

Agigantado en su cuerpo,

Que con quince piés de largo

Era una torre de huesos,

Y por su grande valor

Este nombre le pusieron:

Fierabras de Alejandría,

El que á nadie tuvo miedo. [...]

Nos casos acima, incluindo-se o exemplar em folheto de cordel, Ferrabrás

aparece como filho do almirante Balão e se seguimos com a leitura encontraremos Floripes

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como sua irmã. O que se pode constatar é que não há divergências com relação aos

personagens, pelo menos nestes textos. As alterações ocorrem muito mais fora deles, no

convívio social e nos espaços dos cultos.

Concluindo

Não é difícil perceber que o imaginário popular é repleto de presenças saídas do

universo literário. Aqueles que seriam personagens das estórias lendárias que atravessam

séculos tomam forma corporificada através do povo, que os faz parecerem vivos, tendo eles

existido ou não.

A literatura oral serve de instrumento para que o passado não seja esquecido. É

pela boca e pelos gestos que os fatos são passados aos que queiram ouvir.

O romanceiro ibérico chegou até nós nas antigas naus dos navegadores e se

difundiu pelas ruas, praças, nas vozes dos cegos recitadores e nos cantos das mães que

embalavam seus filhos. Entranhou-se pelos sertões e pelas matas amazônicas misturando-se

às lendas já existentes naqueles cafundós.

É na farsa das cavalhadas e nas conversas entre humanos e encantados que os

personagens dos temas cavalheirescos da idade média se perpetuam. Os espaços sagrados

trazem o “respeito” aos seres reverenciados pelo homem comum. Encontrando-se envoltos

pela magia e pelos segredos dos terreiros fica difícil saber se eles estão ali de verdade ou se

não passam de simples exteriorização do inconsciente coletivo.

O que podemos pensar de tudo isso é que somos privilegiados. Ter a

oportunidade de entrar de maneira mais profunda nas estórias que nos vêm da herança

ibérica é algo que só pode ser sentido aqui, do outro lado do Atlântico e que certamente

não poderá ser compreendido facilmente por outras culturas.

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Bibliografia:

BARROS, Leandro Gomes de. Batalhas de Oliveiros e Ferrabraz. Recife, 1909, p.2.

Edição encontrada no arquivo eletrônico da Casa de Rui Barbosa.

http://www.casaruibarbosa.gov.br/subsitecordel/leandro_calecao_lista_ctd.html. Acesso em

05 de fevereiro de 2008.

CARVALHO, J.Moreira de. Historia do Imperador Carlos Magno, e dos Doze Pares de

França. Tradução do castelhano ao português. Lisboa: Tipographia Rollandiana, 1863. CASCUDO, Luis da Câmara. Vaqueiros e Cantadores. São Paulo: Ediouro, 2000. ______. Literatura Oral no Brasil. São Paulo: ABDR, 2006. DURAN, Don Augusto. Romancero General ó Colección de Romances Castellanos

anteriores al Siglo XVIII. Tomo II. Madrid: M. Rivadeneyra: 1861. FERRETTI, Mundicarmo M. R. A presença de entidades espirituais não africanas na

religião afro-brasileira: sincretismo afro-ameríndio? Comunicação apresentada no VII Encontro de Ciências do Norte-Nordeste, João Pessoa – PB, Brasil. 1995 ______. Repensando o Turco no Tambor- de - Mina. Afro-Asia, Salvador, v.15, p.56-70. http://www.afroasia.ufba.br/pdf/afroasia_n15_p56.pdf . Acesso em 04 de fevereiro de 2008. ______.Entidades caboclas na Religião afro-brasileira: a família do Rei da Turquia no

Tambor de Mina. Comunicação apresentada no PRIMER ENCUENTRO DE CULTURAS AFROAMERICANAS. Buenos Aires, 1991.

LOPES, Antônio. Presença do Romanceiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967.

MAUÉS, R.H. e VILLACORTA, G.M. “Pajelança e Encantaria Amazônica”. In: PRANDI, Reginaldo. Encantaria Brasileira. O livro dos Mestres, Caboclos e Encantados. Rio de Janeiro: Pallas, 2004.

PRANDI, R. e SOUZA, P.R.de. “Os encantados do tambor-de-mina”. In: PRANDI, Reginaldo. Encantaria Brasileira. O livro dos Mestres, Caboclos e Encantados. Rio de Janeiro: Pallas, 2004.

RODRÍGUEZ PUÉRTOLAS, Julio. Romancero. Madrid: Akal, 1992.

11 Figura retirada de: http://pt.wikipedia.org/wiki/Carlos_Magno. Acesso em 04 de fevereiro de 2008. 2 Em comunicação apresentada no VII Encontro de Ciências Sociais do Norte-Nordeste, João Pessoa-PB (Brasil) 05/1995. 3 Francisco Rodríguez Marin – “El Quijote y Don Quijote en América”. In: Cancionero Popular de Tucumán, de Juan Alfonso Carrizo, I, p.265-267, Buenos Aires.