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XXXVI Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil – Londrina-PR 14 a 18 de setembro de 2009 ISSN 1677-437X INSTITUTO DE REGISTRO IMOBILIÁRIO DO BRASIL 337 PR LON DRINA

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XXXVI Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil – Londrina-PR14 a 18 de setembro de 2009

ISSN 1677-437X

INSTITUTO DE REGISTRO IMOBILIÁRIO DO BRASIL

• 337

• 33

7 PRLONDRINA•

O Lago Igapó, que em tupi significa transvazamento de rios, foi criado em 1959 e hoje é um dos cartões postais de Londrina, no Paraná. Foi urbanizado e revitalizado na década de 1970. Em 1996 foi novamente revitalizado e passou a contar com a área de lazer Luigi Borguesi (Zerão), que inclui

centro social urbano, pistas de aeromodelismo, ciclovia, o Teatro do Lago, jardins e chafariz.

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ISSN 1677-437XBoletim do IRIB em revista

edição 337

Presidente:Helvécio Duia Castello

Editora e Jornalista Responsável:Fátima RodrigoMTB 12.576

Edição de Arte:

Jorge Zaiba

Impressão e Acabamento:

JS GRÁFICA

Capa: Sérgio Ranalli/SambaPhoto

Lago Igapó em Londrina, Paraná

2 O Registro de Imóveis na era do documento eletrônicoPatrícia Paiva

7 Registro de Imóveis - uma visão econômicaGustavo Jorge Laboissiére Loyola

12 Averbação premonitóriaKioitsi Chicuta

18 Terras devolutasFrancisco José Rezende dos Santos

25 Regularização fundiária – Lei 11.977/2009João Pedro Lamana Paiva

35 Registro eletrônico obrigatório – Lei 11.977/2009 Helvécio Duia Castello

39 Incentivos fiscais – Lei 12.024/2009Antonio Herance Filho

42 Abertura de matrícula em incorporação

e loteamento – artigo 237-A da Lei 11.977/2009Luiz Gustavo Leão Ribeiro

48 Os 30 anos da Lei de Parcelamento do Solo UrbanoJoão Baptista Galhardo

56 A propriedade imobiliária na pós-modernidade

e o registro imobiliário Frederico Henrique Viegas de Lima

61 Sucessão trabalhista nos cartóriosJoana Lúcia Silva Mascarenhas

66 Usucapião administrativa e alienação fiduciária Melhim Namem Chalhub

73 Limitações administrativas no direito de propriedadeLuiz Egon Richter

79 Cédulas de Crédito ImobiliárioCarlos Eduardo Duarte Fleury

82 Loteamento FechadoMarcelo Terra

87 Regime de bens no casamento e na união estávelAdauto Tomaszewski

91 Contratos registráveis em RTD e notificaçãoJosé Maria Siviero

93 Retificação extrajudicial de registro e georreferenciamentoEduardo Agostinho Arruda Augusto

DIREtoRIA ExEcutIvA: Helvécio Duia Castello/ES – Presidente / João Pedro Lamana Paiva/RS – Vice-Presidente / Sérgio Busso/SP – 1º Secretário / Ari Álvares Pires Neto/MG – Tesoureiro Geral / Vanda Maria Penna Oliveira Antunes da Cruz/SP – 1ª Tesoureira / Ricardo Basto da Costa Coelho/PR – Diretor Social e de Eventos / Maria do Carmo de Rezende Campos Couto/SP – Diretora de Assuntos Legislativos / Jordan Fabrício Martins/SC – Diretor de Assistência aos Associados / Eduardo Agostinho Arruda Augusto/SP – Diretor de Assuntos Agrários / Carlos Eduardo Duarte Fleury/SP – Diretor Executivo / Francisco José Rezende dos Santos/MG – Coordenador Acadêmico da ENR

consElho DElIbERAtIvo: Sérgio Toledo de Albuquerque – AL / Stanley Queiroz Fortes – AM / Ana Tereza Araújo Mello Fiúza – CE / Luiz Gustavo Leão Ribeiro – DF / Etelvina Abreu do Valle Ribeiro – ES / Clenon de Barros Loyola Filho – GO / José Wilson Pires Sampaio – MA / Nizete Asvolinsque – MT / Miguel Seba Neto – MS / Francisco José Rezende dos Santos – MG / Cleomar Carneiro de Moura – PA / Fernando Meira Trigueiro – PB / José Augusto Alves Pinto – PR / Maria Elizabeth Paiva e Silva Muller – PI / Miriam de Holanda Vasconcellos – PE / Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza – RJ / Carlos Alberto da Silva Dantas – RN / João Pedro Lamana Paiva – RS / Gleci Palma Ribeiro Melo – SC / George Takeda – SP

MEMbRos nAtos: Jether Sottano – SP / Italo Conti Jr – PR / Dimas Souto Pedrosa – PE / Lincoln Bueno Alves – SP e Sérgio Jacomino – SP

consElho FIscAl: Alex Canziani Silveira – PR / Inah Álvares da Silva Campos – MG / Pedro Jorge Guimarães Almeida – AL / Rosa Maria Veloso de Castro – MG / Rubens Pimentel Filho – ES

consElho DE ÉtIcA: Ademar Fioranelli – SP / Ercília Maria Moraes Soares – TO / Paulo de Siqueira Campos – PE

cooRDEnADoRIA EDItoRIAl: Ulysses da Silva – SP, Luiz Egon Richter – RS e Frederico Henrique Viegas de Lima, DF.

consElho EDItoRIAl: Alvaro Melo Filho, Diego Selhane Perez, Elvino Silva Filho, Francisco José Rezende dos Santos, Frederico Henrique Viegas de Lima, George Takeda, João Baptista Galhardo, João Baptista Mello e Souza Neto, João Pedro Lamana Paiva, Marcelo Salaroli de Oliveira, Alexandre Laizo Clápis e Ricardo Henry Marques Dip

consElho cIEntÍFIco: Alexandre Assolini Mota, Alexandre de Moraes, André Lima, Andréa Flávia Tenório Carneiro, Armando Castelar Pinheiro, Betânia de Moraes Alfonsin, Bruno Mattos e Silva, Carlos Ari Sundfeld, Carlos Eduardo Duarte Fleury, Celso Fernandes Campilongo, Daniel Roberto Fink, Élcio Trujillo, Evangelina de Almeida Pinho, Hélio Borgh, J. Nascimento Franco, José Carlos de Freitas, José Guilherme Braga Teixeira, Jürgen Philips, Kioitsi Chicuta, Luiz Manoel Gomes Junior, Luiz Mario Galbetti, Marcelo Terra, Melhim Namem Chalhub, Nélson Nery Jr., Pedro Antonio Dourado de Rezende e Walter Ceneviva.

consElho JuRÍDIco: Gilberto Valente da Silva (in memoriam), Hélio Lobo Jr., Des. José de Mello Junqueira, Des. Narciso Orlandi Neto, Ademar Fioranelli e Ulysses da Silva.

consElho IntERnAcIonAl: Elias Mohor Albornoz (Chile), Fernando Pedro Méndez Gonzáles (Espanha), Helmut Rüssmann (Alemanha), Maximilian Herberger (Alemanha), Paulo Ferreira da Cunha (Portugal), Rafael Arnaiz Eguren (Espanha), Raimondo Zagami (Italia), Alvaro Delgado Scheelje (Peru), e Raúl Castellano Martinez-Baez (México).

cooRDEnAÇÃo DE JuRIsPRuDÊncIA: Ademar Fioranelli e Ulysses da Silva.

sede: Av. Paulista, 1439 – 9º andar – Cj/94 – CEP 01311-200 – São Paulo – SPTelefones/Fax: (0xx11) 3289 3340 / 3289 3599 / 3289 3321secretaria do IRIb: [email protected] homepage: www.irib.org.br

Direitos de reprodução: As matérias aqui veiculadas podem ser reproduzidas mediante expressa autorização dos editores, com a indicação da fonte.

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Helvécio Duia Castello*

Nos últimos três anos, o Irib empreendeu uma revolu-ção operacional.

Além de dar integral seguimento às políticas permanentes de atendimento técnico aos associados, de rigorosa atualização da doutrina jurisprudencial e da repre-sentação do setor junto aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, foi muito mais adiante.

Optou por uma reengenharia do setor voltada, em última análise, para seus associados. Começou por profissionalizar a gestão, contratou um diretor executivo altamente qualifica-do e adotou múltiplas iniciativas destinadas a inserir os servi-ços registrais no estado da arte da tecnologia. O Instituto dos Registradores tornou-se um instrumento de modernização e inserção no universo digital.

Decisões bastante nítidas foram adotadas, tais como a associação ao controle da BRy Tecnologia, a introdução do documento eletrônico, do registro eletrônico, do assinador eletrônico e do carimbo do tempo, bem como a trans-formação dos cartórios em instalações técnicas da AC BR, Autoridade Certificadora Brasileira de Registro, o que os torna aptos a fornecer o certificado digital, mediante o qual empre-sas e cidadãos têm acesso instantâneo à Receita Federal e à nota fiscal eletrônica, por exemplo.

Por intermédio do IRIB JUS, a jurisprudência e as decisões passaram a ser atualizadas pela internet em curtíssimo espa-ço de tempo.

Foram, portanto, construídos os alicerces para que os cartórios de Registro de Imóveis ampliem suas atividades, fortaleçam suas fontes de receita e conquistem posições

compatíveis com a relevância dos serviços que prestam às comunidades e ao país.

Esse processo, já irreversível, implica, no entanto, novos desafios.

Com o desenvolvimento do setor imobiliário, os Registros terão de lidar com dezenas de milhões de novos lança-mentos nas matrículas provenientes do desdobramento das propriedades. Para assegurar a propriedade aos donos legítimos, a regularização fundiária depende, em última ins-tância, do sistema registral. Mesmo nas cidades, há centenas de milhares de propriedades construídas ao desamparo das leis, que terão de ser regularizadas e inscritas nas matrículas. Ao Registro de Imóveis cabe não apenas propiciar segurança, mas conferir mais valor ao patrimônio imobiliário de milhões de brasileiros, como constatam os estudos do peruano Hernando de Soto.

Paralelamente, as dezenas de milhões que saíram ou estão saindo da pobreza incorporam-se ao mercado e depen-dem, progressivamente, dos serviços prestados pelo sistema registral. Graças à informatização da sociedade – computa-dores, internet, celulares –, muitos saem diretamente da era patriarcal para a era tecnológica.

A exemplo do que ocorre nas telecomunicações e na ele-tricidade, nossos serviços tendem à universalização, razão pela qual precisamos estar aptos para atender à demanda que virá de milhões de brasileiros em escala sem precedentes.

Helvécio Castello

Presidente do Irib e da AC BR

Os desafios do sistema registral

Editorial

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A ICP-Brasil, Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira, foi instituída pela Medida Provisória 2.200-2, de 24 de

agosto de 2001, que cria o Comitê Gestor da ICP-Brasil, a Autoridade Certificadora Raiz Brasileira, e define as demais entidades que compõem sua estrutura.

A ICP-Brasil é responsável pelo arcabouço jurídico que normatizou o uso do documento eletrônico em nosso país com todas as garantias de autenticidade, integridade e vali-dade jurídica.

Portanto, a MP 2.200 estabelece o regramento do traba-lhar com documentos sem suporte em papel, que são gera-dos diretamente no computador e permanecem no meio digital. A partir da MP 2.200 foram criados os marcos infra-constitucionais, a legislação, as portarias, os regulamentos, as circulares, tudo para normatizar o uso dos documentos eletrônicos em diferentes atividades, na economia, no Poder Judiciário, no poder público em geral.

A Lei 11.280, de 16 de fevereiro de 2006, alterou o artigo 154 do Código de Processo Civil e trouxe a certificação digital ICP-Brasil para a realidade dos processos.

Assim como ninguém quer abrir mão

da segurança jurídica oferecida pelos

cartórios, do mesmo modo quer ter acesso

a ela da maneira mais fácil, mais ágil e sem

burocracia. Isso pode ser proporcionado

pelo documento eletrônico.

O Registro de Imóveis na era do documento eletrônicoPatrícia Paiva*

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Londrina•PR

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Parágrafo único. Os tribunais, no âmbito da res-pectiva jurisdição, poderão disciplinar a prática e a comunicação oficial dos atos processuais por meios eletrônicos, atendidos os requisitos de autenticida-de, integridade, validade jurídica e interoperabilida-de da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil.

E a lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006, trata da infor-matização do Poder Judiciário, bem como do uso de meio eletrônico nos processos e atos judiciais mediante assinatura digital baseada em certificado digital emitido por autoridade certificadora credenciada na ICP-Brasil.

Desde então, os tribunais de justiça de todo o Brasil pas-saram a incluir em suas pautas a normatização, a disciplina de uso, o trâmite e o arquivamento de documentos eletrônicos por parte das serventias extrajudiciais e do próprio Judiciário.

No estado de São Paulo, a Corregedoria Geral da Justiça editou o Provimento 29, de outubro de 2007, que disciplina a tramitação, a recepção e o arquivamento de documentos eletrônicos pelas serventias extrajudiciais, mediante o uso do certificado digital emitido na égide da ICP-Brasil.

Art. 1º. São suscetíveis de recepção em tabelionatos e ofícios de registro, para os fins necessários, os docu-mentos eletrônicos oriundos do Poder Judiciário, com assinatura digital, vinculada a uma autoridade certificadora, no âmbito da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil).

Ainda em São Paulo, o Provimento 32, de dezembro de 2007, trata da emissão de certidão digital pelos cartórios de Registro de Imóveis e da recepção e arquivamento dessas certidões pelos tabelionatos de notas.

O Provimento Conjunto 01/2008 da 1ª e 2ª Varas de Registros Públicos de São Paulo dispõe:

Art. 1º. Ficam admitidos a recepção de pedidos, a emissão, a transmissão e o arquivamento em meio digital, de certidões imobiliárias em formato eletrô-nico, aqui chamadas de certidões digitais, no âmbito da Comarca Capital do Estado de São Paulo.Art. 2º. A certidão digital será gerada unicamente

no formato PDF/A, e assinada digitalmente pelo registrador, seu substituto ou preposto autorizado, no formato PKCS#7, mediante uso de certificado digital do tipo A-3, ou superior, incluindo-se em seu conteúdo a atribuição de “metadados” com base em estruturas terminológicas (taxonomias) que organi-zem e classifiquem as informações do arquivo digital com o uso do padrão Dublin Core (DC).

Ou seja, o certificado digital é ferramenta básica para assinar documentos eletrônicos como a caneta para assinar documentos com suporte em papel.

E o Provimento CGJSP nº 6, de 4 abril de 2009, instituiu e regulamentou a penhora on-line, para averbações de penhoras de bens imóveis no fólio real, tornando obrigatório o cadastramento e o acesso ao sistema mediante o uso do certificado digital, a partir de 1º de junho de 2009, pelos car-tórios de Registro de Imóveis do estado de São Paulo.

Outro marco para o uso do documento eletrônico na atividade registral e notarial é a Resolução 67 do Comitê Gestor da ICP-Brasil, de 9 de junho de 2009, que estabelece: “Os serviços notariais e de registro, nos termos do art. 236 da Constituição Federal, desde que formalmente vinculados a uma AR já credenciada, poderão ser autorizados a funcionar como instalação técnica, e seus delegados, prepostos e fun-cionários a atuar como agentes de registro”.

A Resolução 67 traz um elemento novo para o cartório. Além de usuário do certificado digital, o cartório também pode atuar como instalação técnica e fazer a distribuição desses certificados para o usuário final.

Registro eletrônico: agora é leiO documento eletrônico é uma realidade na atividade

registral. Usar ou não o meio eletrônico para registrar não é mais uma escolha, agora é lei.

A lei 11.977, de 7 de julho de 2009, institui o sistema de registro eletrônico pelo Registro de Imóveis e trata também de títulos, informações e certidões em formato eletrônico, bem como de escrituração de livro em formato eletrônico. Se todos os documentos forem validados, os livros conven-cionais serão substituídos por livros eletrônicos.

E ainda. Os atos praticados após a vigência da lei 6.015/73 deverão ser inseridos no sistema de registro eletrônico em

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XXXVI Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil

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prazo máximo de cinco anos a contar da publicação da Lei 11.977.

Por isso, a partir de agora é preciso adotar o formato eletrônico, ou o trabalho será muito maior para recuperar um imenso legado, ou para fazer tudo em duplicidade, o que não é o mais adequado.

Felizmente, a Lei 12.024, de 27 de agosto de 2009, permite que os investimentos com informática sejam deduzidos do IR:

Art. 3º. Até o exercício de 2014, ano-calendário de 2013, para fins de implementação dos serviços de registros públicos, previstos na Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, em meio eletrônico, os inves-timentos e demais gastos efetuados com informa-tização, que compreende a aquisição de hardware, aquisição e desenvolvimento de software e a insta-lação de redes pelos titulares dos referidos serviços, poderão ser deduzidos da base de cálculo mensal e da anual do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física.

Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-BrasilA ICB-Brasil trata do documento eletrônico: como arqui-

var, como usar etc. E a ferramenta para trabalhar com esse documento sem suporte em papel é o certificado digital, que confere autenticidade, integridade, o não repúdio e o sigilo das operações.

Hoje, o Brasil possui uma robusta legislação voltada para o documento eletrônico. Graças a ela, a validade jurídica é conferida a todos os documentos assinados com certificado digital emitido por autoridade certificadora credenciada na ICP-Brasil.

Como está organizada a ICP-Brasil?O modelo de infraestrutura adotado pela ICP-Brasil é

o de certificado com raiz única. O Instituto Nacional de Tecnologia da Informação, ITI, está na ponta desse processo como Autoridade Certificadora Raiz. Cabe a ele credenciar e supervisionar os demais participantes da cadeia e auditar os processos.

Em instância inferior ao ITI estão as Autoridades Certificadoras de primeiro nível. Duas das mais importantes são a Autoridade Certificadora da Receita Federal do Brasil e a Autoridade Certificadora do Judiciário, AC-JUS. Ambas são

autoridades certificadoras normativas, que não emitem o certificado digital para o usuário final, serviço esse prestado por uma autoridade certificadora emissora devidamente cre-denciada. Ao instituir a Autoridade Certificadora Brasileira de Registros, AC BR, foi exatamente isso que o IRIB fez mediante credenciamento junto à Receita e à AC-JUS.

Em instância inferior estão as Autoridades de Registro, AR, entidades operacionalmente vinculadas a determina-da AC. Cabe a uma AR identificar e cadastrar usuários de certificados digitais, bem como encaminhar solicitações de certificados às ACs.

Autoridades de Registro – ARMuitas entidades de registradores e notários já estão creden-

ciadas ou em processo de credenciamento, como as autoridades de registro vinculadas à AC BR, para atender os cartórios de suas regiões: Arpen-SP, Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo; CDT, Centro de Estudos e Distribuição de Títulos e Documentos; ARISP, Associação de Registro Imobiliário de São Paulo; IRIB, Instituto de Registro Imobiliário do Brasil; Colégio do Registro de Imóveis do Paraná; Sinoreg-SP, Sindicato dos Notários e Registradores do Estado de São Paulo; e Serjus-Anoreg/MG, Associação dos Notários e Registradores de Minas Gerais.

Além dessas entidades e desde que vinculados a uma AR, cartórios interessados em atender o usuário final também podem atuar como instalação técnica e distribuir certificados digitais.

Nós todos usamos documentos eletrônicos elaborados no computador. A novidade talvez seja como assinar esse docu-mento sem imprimi-lo em papel. Já estão à disposição dos registradores e notários as ferramentas necessárias que lhes permitem operar com documentos essencialmente eletrônicos em todo o seu ciclo de vida como requer a legislação vigente.

AC BR e AC NotarialNo Brasil existem apenas duas autoridades certificadoras

preparadas para fornecer ao usuário uma experiência com-pleta com documentos eletrônicos. Uma delas é a AC BR, Autoridade Certificadora Brasileira de Registros, a autoridade certificadora do IRIB; a outra é a AC Notarial.

Que elementos essenciais necessários são esses para lidar com o documento eletrônico? O certificado digital ICP-Brasil,

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Londrina•PR

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que confere autenticidade, integridade e validade jurídica aos documentos. Aos portadores de certificados digitais da AC BR, que dispõe da Autoridade de Carimbo do Tempo, está garantido, gratuitamente, o acesso a esse carimbo do tempo para datar os documentos de forma segura, de acordo com a legislação vigente.

Além do certificado digital e do carimbo do tempo, outro elemento essencial é o assinador e o visualizador de docu-mentos eletrônicos. Quem adquirir o certificado digital da AC BR vai poder usar o carimbo do tempo; vai ter o certificado digital para assinar e autenticar os documentos em sistemas, vai receber gratuitamente o assinador e o visualizador de documentos eletrônicos – geralmente vendidos em separa-do. O IRIB investiu nessas ferramentas adicionais para distri-buição gratuita a quem adquirir o certificado digital da AC BR.

A primeira iniciativa de fato foi dizer que o documento eletrônico sem suporte em papel com validade jurídica tem de ser assinado com certificado digital ICP-Brasil, razão pela qual vamos constituir uma autoridade certificadora própria do segmento, servindo-nos das autoridades espalhadas nos estados, como autoridades de registros, para nos aproximar de todos os cartórios do país. Por que isso? Porque a identifi-cação tem de ser presencial.

Para se obter o certificado digital é necessário ir pessoal-mente a uma autoridade de registro. Em razão disso, algu-mas entidades devem se credenciar como AR, autoridades de registros, mediante as quais o certificado digital possa estar disponível para os oficiais de registros e seus prepostos em todo o país.

O que é o certificado digital?Trata-se de um documento eletrônico que identifica

pessoas físicas e jurídicas, ou mesmo equipamentos, cuja validade e autenticidade são garantidas por uma terceira parte de confiança. Quem é essa terceira parte de confiança? A autoridade Certificadora que emitiu o certificado, a AC BR. O certificado digital serve para assinar digitalmente os docu-mentos eletrônicos sem suporte em papel.

O certificado digital mais conhecido hoje é do tipo A3. O mais popular é o e-CPF emitido pela AC BR, que pode ser arquivado num smart card cujo acesso ao conteúdo requer uma leitora conectada à porta USB do computador. O cer-tificado digital é gravado no chip do cartão, que passa a ser

usado para assinatura de documentos ou autenticação em sistema. O certificado digital também pode ser armazenado em token criptográfico. Tanto o smart card quanto o token estão disponíveis nas ARs do IRIB e no Colégio do Registro de Imóveis do Paraná.

Vantagens do certificado digital para o cartórioGraças a ele, o cartório vai se adequar ao que está posto, à

legislação vigente; validar juridicamente suas transações vir-tuais; obter mais segurança em suas operações eletrônicas, bem como reduzir o trâmite de papéis e documentos.

Hoje os documentos são produzidos em formato eletrô-nico para, em seguida ser impressos, o que demanda gastos com papel, tinta, envelopes, etiquetas, postagem, monito-ramento da entrega, armazenamento, pessoal etc. Além de prescindir desses gastos, o documento eletrônico assegura se o destinatário recebeu e leu o documento. E tudo com validade jurídica.

A economia e agilidade de tempo no atendimento ao cliente é outra vantagem, uma vez que se pode receber pedidos de certidões pelo site do cartório. Mais usuários são atendidos em menos tempo.

Outra vantagem ainda é a satisfação do cliente, uma vez que o formato eletrônico é mais ágil. Não há notícias de que alguém, depois de usar o internet banking, tenha preferido voltar a enfrentar filas em bancos.

Assim como ninguém quer abrir mão da segurança jurídica oferecida pelos cartórios, do mesmo modo quer ter acesso a ela da maneira mais fácil, mais ágil e sem burocracia. Isso pode ser proporcionado pelo documento eletrônico.

Espalhado no mundo inteiro e presente na lei, o docu-mento eletrônico já não tem mais volta. O IRIB está inves-tindo na infraestrutura necessária para que os cartórios de Registro de Imóveis possam ter acesso a ele.

Adeus à burocracia, às filas, às senhas, às entregas. Os usuários agradecem por mais segurança, mais comodidade, menos tempo e pelo atendimento de 24 horas por dia, nos sete dias por semana, todos os dias do ano.

O certificado digital da AC BR emitido sob a égide da ICP-Brasil é de uso universal e interoperável, isto é, ele per-mite acesso ao sistema da Receita ou do banco, assina os documentos necessários, autentica seu autor em sistemas.

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Enfim, ele é o RG, o CPF, do universo eletrônico. Ele é extre-mamente prático. Com um único clique é possível assinar vários documentos, como fazem os juízes ao usar o recurso de assinaturas em lote.

A portabilidade do certificado digital permite acesso a todos os sistemas, no Japão, na Argentina ou em Manaus.

No cartório, o que vai mudar é a forma, não a natureza do ato jurídico praticado. Do suporte em papel, o documento passa a ser eletrônico. Da assinatura de punho, a certificação passa a ser digital.

Como adquirir e usar um certificado digital da AC BRNo portal www.acbr.org.br, basta escolher o certificado

digital e dirigir-se a uma AR, munido de documentos ori-ginais (RG, CPF) para fazer pessoalmente a validação e a emissão do certificado digital.

E quando usá-lo? Nos casos previstos pela Lei 11.977ou por provimentos, bem como em várias outras operações, uma vez que seu uso é universal e interoperável. Já existem operações disponíveis no Judiciário e na Receita Federal – solicitação de segunda via de documentos, reprogramação de dívidas, entrega da declaração de imposto de renda pessoa física – que, se assinadas com certificado digital, autorizam, por exemplo, a restituição do IR no primeiro lote. Em contratos de câmbio e aplicações no setor de saúde,

como prontuário eletrônico do paciente, também existem operações acessíveis mediante o certificado digital.

Há bancos que dispõem de autenticação segura com certificado digital para aplicações de internet banking, bem como seguradoras que trabalham com documento ele-trônico e certificado digital. Uma excelente aplicação é a assinatura de e-mailsmediante certificado digital, para que o documento possa valer como prova. O comércio eletrônico já começou a usar o certificado digital para autenticação segura de seus clientes.

Do mesmo modo, os cartórios podem usar o certificado digital para autenticação segura na área restrita. É possível substituir o login e a senha ou solicitar o dual login. O login e a senha ficam para quem ainda não tem o certificado.

Todas as aplicações de algumas entidades representati-vas de notários e registradores vão ser adaptadas para reco-nhecer e recepcionar o certificado digital de seus associados. O login e a senha tendem a desaparecer em breve.

Além de permitir o intercâmbio de documentos entre cartórios, Judiciário e usuários, o certificado digital permite rastrear todos e conferir muito mais segurança aos processos internos do cartório, identificar quem acessou o sistema e quem praticou o ato, em que dia e horário. Sem dúvida é muito mais seguro do que o login e a senha.

*Patrícia Paiva é consultora do IRIB e gestora da AC BR.

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Tenho o prazer de apresentar o trabalho elaborado, a pedido do IRIB, por Tendências Consultoria Integrada, um

estudo econômico sobre o sistema de registro do Brasil com específica ênfase no Registro de Imóveis.

Há uma ignorância generalizada da sociedade brasileira sobre o papel, a função econômica e a importância do siste-ma registral para a economia.

Minha visão de economista privilegia o ponto de vista das experiências comparadas. Hoje se estudam muito os direitos de propriedade e a necessidade de eles serem bem

uma visão econômicaRegistro de Imóveis

Gustavo Jorge Laboissiére Loyola*

O IRIB encomendou estudo com o

objetivo de desmitificar informações

equivocadas acerca da função notarial e

de registro; analisar o marco regulatório

da atividade no Brasil sob a ótica

econômica; e discutir as principais

características estruturais do sistema.

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XXXVI Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil

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delineados, bem estruturados, transparentes. Muitos desses trabalhos são patrocinados pelo próprio Banco Mundial, pela ONU e pelos organismos internacionais de forma geral. Muitos economistas fora do Brasil já se dedicam a estudos de aspectos que estão na fronteira entre o direito e a economia. No Brasil, infelizmente, essa área ainda engatinha.

Objetivos do estudo encomendado pelo IRIBAs atividades dos cartórios são pouco compreendidas no

Brasil; poucas são as análises e informações sobre elas. O que se vê é uma divisão de ideias não raro preconceituosas, asso-ciadas ao termo cartório, cuja conotação soa pejorativa para o leigo, como sinônimo de ineficiência, de coisa antiquada ou mesmo de privilégio.

Na verdade, essas atividades notariais e de registro são os pilares institucionais da economia. Sem a estrutura institu-cional delas, uma economia contemporânea seria anárquica. Basta dizer que não existiria uma boa definição de direito de propriedade, sem o qual não existiria transação econômica. Não se pode comprar e vender algo cuja propriedade não está bem definida, bem registrada.

Em face desse quadro, o IRIB solicitou à nossa empresa um estudo a respeito dos serviços notariais e de registro no

Brasil com os seguintes objetivos: desmitificar as informações equivocadas acerca da função notarial e de registro; analisar o marco regulatório da atividade no Brasil sob a ótica econô-mica; e discutir as principais características estruturais, dentre elas a identificação dos pontos de aprimoramento.

Conceitos econômicos: assimetria da informação e custo de transaçãoUm conceito econômico muito importante para entender

nossa abordagem é o de assimetria de informação, isto é, em que situações as partes detêm diferentes níveis de informa-ção sobre um bem ou serviço transacionado? Em princípio, o comprador não consegue apurar adequadamente a qualida-de do bem ou do serviço que está adquirindo, assimetria de informação essa que traz incerteza. Sem conhecer a natureza do que está sendo adquirido, não é possível estabelecer um valor para ele, seja um bem ou um serviço.

Um mercado de determinado bem ou serviço, cuja infor-mação é assimétrica, tende a ser subdesenvolvido. Os preços não são bem formados, por isso são deprimidos. Ao se com-prar um bem no escuro, por exemplo, um fusca 1968, sem ver o carro antes de comprar, paga-se menos do que quando se pode olhar o carro, levá-lo ao mecânico de confiança etc.

Carlos Eduardo Duarte Fleury, Gustavo Loyola e Helvécio Duia Castello.

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Portanto, se existir assimetria de informação há depressão nos preços e muitas vezes não se consuma a transação.

Classicamente, essa ideia de assimetria de informação da economia foi desenvolvida por economistas à luz do estudo do mercado de carros usados nos Estados Unidos. Lá, carro usado de má qualidade é chamado de lemon (limão) e Marketing for lemon é um famoso artigo cuja constatação é exatamente essa, existe assimetria de informação no mercado de carros usados. O vendedor conhece muito mais o carro do que o comprador, por isso se estabelece uma assimetria de informação. E como ela é resolvida no mercado do dia a dia? Geralmente por intermédio de um mecânico de confiança.

Para eliminar a assimetria de informação é preciso obter informação, mas a aquisição de informação tem preço. Não existe almoço grátis, como disse o economista americano Milton Friedman, vencedor do Prêmio Nobel de Economia em 1976.

Sob o ponto de vista da economia como um todo, a questão da assimetria de informação é assunto sério. No mercado imobiliário, por exemplo, ela pode dizer respeito à existência do imóvel ou à legitimidade da propriedade do imóvel. Quem está vendendo possui de fato a propriedade ou tem o direito de vendê-la? Afinal de contas, no Brasil, a grilagem de terras é bastante comum principalmente nas fronteiras agrícolas. Assimetria de informação existe, portan-to, no mercado imobiliário, de automóveis e da feira. Há mer-cados em que ela é mais séria cuja resolução é mais custosa; exigem-se mais esforço e dinheiro para reduzi-la. Esse é um conceito importante.

Custo de transação é outro conceito, desenvolvido pelo advogado e economista britânico Ronald Coase. Custos de transação são todos os pecuniários e não pecuniários decor-rentes da realização de transações, muitos deles devidos a assimetrias de informação, como já vimos.

Dentre os vários custos de transação, os mais típicos são o de transporte e o de crédito.

Nas vendas a prazo, a consulta aos serviços de proteção ao crédito na tentativa de diminuir a assimetria informacional a respeito do comprador tem um custo. Imaginem, no entanto, o custo que o lojista teria se ele mesmo tivesse de pesquisar seus clientes! Evidentemente, esse serviço centralizado numa empre-sa ou numa entidade pública reduz em muito esse custo. Esse é um caso típico de custo de transação.

Uma das discussões em voga para reduzir o custo do cré-

dito do Brasil é a do chamado cadastro positivo: permissão para se constituir um bom cadastro de potenciais financia-dores nos mercados financeiros. A existência desse cadastro deve reduzir o spread bancário, o custo do dinheiro, que diz respeito às chances de um banco perder seu dinheiro por inadimplência dos mutuários.

Ora, desde que ele tenha boas informações a respeito do comprador, não há necessidade de incluir esse risco no preço. Caso contrário, esse banco vai incluir no custo do seu dinheiro uma alta margem de segurança, o que vai aumentar e muito o custo do seu crédito, que, por sua vez, encarece os custos da economia. A rigor, os custos de transação não têm função nem valor social, é um desperdício de energia da sociedade.

Uma propriedade bem formalizada funciona como alavanca para a inclusão socioeconômica De maneira geral e particular, qual a função dos registros

confiáveis do Registro de Imóveis? Sem eles, a compra de um imóvel ou de uma área de terras em Goiás, por exemplo, seria bastante dificultada. Seria necessário pesquisar o vendedor até a quinta geração para certificar-se de que a terra foi mesmo dele, sob o risco de pagar pelo imóvel para depois descobrir que alguém fizera o mesmo. O papel econômico fundamental dos registros, bem como do sistema notarial e de registro, é a redu-ção das assimetrias de informação, das incertezas e dos custos de transação. Numa expressão bem simples, o papel deles é a segurança jurídica sem assimetrias nem incertezas.

Em economia há uma distinção clássica entre incerteza e risco. O risco é inerente à atividade econômica; a incerteza, não, uma vez que ela perturba a atividade econômica. Que diferença há entre risco e incerteza? Basicamente a mensu-ração. O risco é mensurável e pode ser apreçado. A incerteza, não. Portanto, a eliminação da incerteza é fundamental para as economias funcionarem bem ao passo que o risco faz parte da atividade empresarial. Aliás, pode-se dizer que o lucro é a remuneração do capital de risco. Remunerar quem assumiu algum risco é a justificativa social do lucro.

Quais são os benefícios diretos que se tem do sistema notarial e de registro? Mais segurança jurídica, redução dos riscos de apropriação da propriedade, redução do custo e criação de condições que justifiquem a existência de crédito. Imaginem o crédito imobiliário sem o sistema de registro!

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O Registro de Imóveis tem um papel importante para assegurar a cidadania e a inclusão econômica da população. Uma propriedade bem formalizada funciona como uma alavanca para a aquisição de bens e serviços e, portanto, para a inclusão econômica numa sociedade. Sem título, a propriedade não pode ser usada como meio de aquisição de outros bens e serviços.

A atividade registral imobiliária traz outras vantagens igualmente importantes, como a prevenção da lavagem de dinheiro e benefícios econômicos indiretos, como a fiscaliza-ção do recolhimento de tributos.

O registro também tem efeitos positivos sobre o planeja-mento urbano, o meio ambiente, os direitos do consumidor, enfim, existe uma imensa teia de vantagens advindas do sistema registral.

Banco Mundial reconhece modelo brasileiro de registro como o mais eficienteComparemos dois modelos típicos de registro, o de

documentos e o de direitos, que é o modelo brasileiro.Avaliado como o mais eficiente, o registro de direitos é

fundado no direito real, razão pela qual oferece mais segu-rança. O imóvel é algo perene, alvo, portanto, de controle mais cuidadoso sobre toda a cadeia de transmissão da pro-priedade.

O modelo de registro de documentos é baseado nos contratos, nas escrituras de compra e venda, deixando para o registro propriamente dito um papel secundário ou auxiliar nos atos jurídicos.

O modelo brasileiro é reconhecido como o mais eficiente e como o mais recomendável pelo Banco Mundial e outras organizações internacionais que o aconselham para países mais novos como os da África.

O sistema no Brasil: compartilhamento de receitas para outras finalidades e alta carga tributária No Brasil os serviços notariais e de registro são prestados

em caráter privado por delegação do poder público. Trata-se de uma atividade privada, mas bastante regulamentada e fiscalizada, razão pela qual não é uma atividade empresarial qualquer.

O ingresso na atividade se dá por concurso público de

provas e títulos aberto aos bacharéis em direito. Sem dei-xar de ser empresarial, a atividade tem um caráter muito peculiar sob o ponto de vista econômico. Os cartórios têm autonomia financeira e administrativa de pessoal; o titular da serventia é um empresário que administra todas essas funções. As despesas são de responsabilidade do titular, e as receitas, advindas dos emolumentos, fonte exclusiva de recursos do sistema, têm de custear as despesas correntes e de investimento, dentre elas a depreciação – caso específico da informática que exige recomposição ano a ano. Também remunerado deve ser o risco da atividade, o trabalho do pes-soal e do titular da serventia.

Há um crescente compartilhamento dessas receitas – emolumentos – para outras finalidades, como o repasse para outras instituições, os chamados subsídios cruzados. Considerando que determinados serviços não são cobrados de acordo com o seu verdadeiro custo, é necessário que eles sejam remunerados de outra maneira. O emolumento de determinado serviço serve para cobrir despesas de outro. O que sobra depois de pagos os custos e esses repasses é a remuneração bruta dos cartórios. Existem também os fundos ligados aos judiciários estaduais e a outras instituições.

Sob o ponto de vista econômico, esse modelo aumenta os custos dos serviços notariais e de registro. A nosso ver, é incorreto o procedimento de se extrair parte da receita dos registros para que seja repassada ao Judiciário ou destinada a outras finalidades.

A tributação, outro aspecto importante da atividade, tem no imposto de renda de pessoa física sua mais alta carga, apesar de o cartório ser uma unidade econômica que funciona como empresa. A nosso ver, o ISS é incabível, uma vez que já existe a tributação sobre o imposto de renda de pessoa física. Há uma mistura entre a ideia de pessoa física e pessoa jurídica.

Talvez o ponto mais complicado desse sistema tributário seja a falta de previsão para investimentos. Tratar toda a despesa do cartório como se fosse uma pessoa física é um desestímulo, principalmente para quem busca a melhoria tecnológica, que é cara e tem depreciação muito rápida, o que demanda a manutenção do fluxo de investimentos ao longo dos anos.

Subtraídos todos esses impostos, todos esses repasses, o pagamento de despesas – folha de pagamento, aluguel,

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material de escritório etc. –, o que sobra é o valor líquido transformado em renda do titular do cartório. Portanto, não se confunda despesa do usuário do registro com remunera-ção ou lucro da serventia.

Com base em dados do Conselho Nacional de Justiça, CNJ, de 2008, existem 12.659 cartórios em 4.795 dos 5.572 municípios brasileiros. Trata-se de uma abrangência bastan-te significativa. Dificilmente, no Brasil, algum tipo de serviço público é tão bem representado nos municípios, e municí-pios desiguais. Há os que a economia é maior à de muitos países e outros que não conseguem se sustentar.

Os cartórios empregam cerca de 56 mil pessoas, o que corresponde a 0,062% das pessoas ocupadas no Brasil, dentre as mais escolarizadas. Certamente os cartórios devem ocupar posição superior à do ranking de muitas indústrias, que, graças ao argumento da geração e manutenção de empregos, conseguem redução de IPI, crédito facilitado etc.

O cartório típico brasileiro é pequeno como uma peque-na empresa. Em média, emprega 4,4 empregados e tem uma arrecadação bruta anual média de 321 mil reais.

Ineficiências do sistema: sem isenção de investimentos e sem depreciação, o sistema fica fora dos mecanismos de fomento ao investimentoDo ponto de vista da legislação tributária o cartório se

confunde com uma pessoa física, o que é tipicamente uma ficção jurídica, uma vez que o recolhimento do imposto de renda acaba incidindo mais sobre o faturamento do que sobre o lucro, o que é meio esdrúxulo.

O cartório funciona como se distribuísse todo o resultado como lucro. Sem a isenção de investimentos como em outros setores de atividade, sem depreciação, o sistema fica fora dos mecanismos de fomento ao investimento. Os repasses a várias entidades e ao Judiciário funcionam como se fossem impostos.

Certos recolhimentos feitos pelos cartórios passam a ideia de que se trata de receita deles como é o caso do famigerado ITBI, que é uma distorção. Ele funciona como um CPMF sobre transação imobiliária. Não há razão econômica que o justifique ou explique.

Outra questão importante: a responsabilidade pessoal do titular do cartório implica um risco financeiro significativo

para ele. A nosso ver, seria interessante se houvesse um seguro de responsabilidade civil específico para essa ativi-dade, seguro esse que poderia até melhorar as condições do exercício da atividade.

É de se observar a falta de informações estatísticas regu-lares. Apenas recentemente o CNJ passou a produzir algumas informações estatísticas regulares sobre esses serviços. As entidades de classe podem ajudar muito na produção desses dados.

A modernização tecnológica do sistema notarial e de registro é um ponto importante, principalmente para resol-ver a dificuldade de padronização e integração das tecnolo-gias. Com elas, a atividade de registro se beneficiaria muito. Quanto mais informação compartilhada mais ganhos. Em razão da assimetria de informações entre os cartórios do Brasil, essas redes tecnológicas viabilizariam os serviços de registro e notariais em mais regiões e com menos custo.

Conclusões1. Sob o ponto de vista econômico, há estudos no mundo

inteiro que comprovam a necessidade do sistema de regis-tro, especificamente do Registro de Imóveis.

2. A sociedade pouco ou nada conhece sobre o funcio-namento desse sistema, notadamente sobre a importância de um sistema de registros eficiente, confiável e apropriada-mente remunerado.

4. Há questões econômicas nesse sistema que exigem soluções, como a necessidade de assegurar a ele atualização tecnológica de modo que resista à mudança dos tempos. Considerando a evidente diferença da economia de cin-quenta ou cem anos atrás, é certa sua peculiaridade daqui a cinquenta anos. O conceito de registro, no entanto, sempre vai existir, seja em papel, em computador, em nuvem de computador, seja lá como for. Há que se preservar seu con-ceito, razão pela qual o sistema tem que ter a capacidade de reagir, de adotar tecnologias contemporâneas a ele, para que mantenha sua função básica que é proporcionar segurança jurídica, fundamental e indispensável à atividade econômica.

*Gustavo Jorge Laboissiére Loyola é doutor em economia pela EPGE-FGV,

sócio e um dos fundadores da empresa Tendências Consultoria Integrada,

referência em assuntos econômicos e financeiros. Foi presidente do

Banco Central em duas ocasiões: 1992–1993 e 1995–1997.

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Ao falar de averbação premonitória lembramos grandes debates travados logo após a edição da lei principal-

mente a respeito da averbação do ajuizamento da ação de execução: haveria aplicação do princípio da concentração de forma absoluta? É necessária a certidão dos distribuidores? Para que o adquirente lavrasse o instrumento adequado para aquisição do imóvel, bastaria apenas o ato averbatório?

Decorridos dois anos, precisamos fazer uma reflexão não pontual, mas sistemática. Qual o objetivo que se perseguiu? E quais as consequências práticas disso?

Há duas vertentes no sistema jurídico brasileiro: o perío-do anterior à Constituição de 1988 e o período posterior a ela. Primeiro precisamos fixar a seguinte premissa: houve uma mudança fundamental no pensamento jurídico que vigora-va. O mais importante trazido pela Constituição de 1988 é o que chamamos de revitalização do conceito de cidadania, o homem passou a ser considerado centro de todo o sistema jurídico. De nada adiantam as riquezas, o progresso e o pla-nejamento se não for outorgada dignidade ao ser humano. Esse o eixo central da Carta de 1988.

A necessidade de o Judiciário garantir a

segurança jurídica do negócio imobiliário,

notadamente, diz respeito não apenas

à garantia do direito adquirido, do ato

jurídico perfeito e da coisa julgada, mas à

garantia da estabilidade, da certeza e da

previsibilidade das normas reguladoras de

relações sociais de qualquer ordem.

Kioitsi Chicuta

Averbação premonitória

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Uma vez que o homem vive em sociedade, foi preciso inserir normas na Constituição federal. É o fenômeno chama-do de constitucionalização do direito civil. Algumas normas do Código Civil passaram a ter status de norma constitu-cional de forma que todas pudessem auferir as vantagens objetivadas. A título de exemplo, num sistema capitalista, a propriedade privada sempre foi considerada essencial para o ser humano; desta vez, no entanto, estabeleceu-se uma característica fundamental: a função social da propriedade. Não mais se permite a propriedade em termos absolutos. Se sou proprietário de um imóvel ocioso, o que estabelece o sistema jurídico? Que essa propriedade cumpra sua função social, que a cidade, a comunidade seja beneficiada pela propriedade e que ela seja utilizada de forma conveniente. O Estatuto da Cidade, por sua vez, obriga cada proprietário a dar uma destinação adequada à sua propriedade.

Outro aspecto estabelecido pela Constituição Federal é a proteção a um instrumento que vingou, o Código de Defesa do Consumidor. Esse parâmetro vem sendo estudado, deba-tido, mas a cada momento se reafirma o respeito ao cidadão que se enquadra como consumidor nas relações jurídicas. Esses pontos são fundamentais para a existência de uma sociedade digna e progressista.

A Constituição também alterou a concepção de Estado liberal. Se voltarmos à história, o Estado dos imperadores, reis e ditadores era absolutista: o governante era a própria lei. A Revolução Francesa introduziu o Estado liberal. No Brasil, o liberalismo prosseguiu até o final do século passado, quando voltamos ao chamado Estado social, onde o indivíduo sozi-nho não é absoluto.

Na concepção de Estado social, o mais importante é que os princípios do Estado liberal, principalmente no aspecto contra-tual – autonomia da vontade, obrigatoriedade das convenções, efeitos apenas entre os contratantes – foram alterados por algumas normas bastante explícitas, principalmente no Código de Defesa do Consumidor e no Código Civil.

As premissas de agora são básicas, considerando que o contrato deve cumprir a função social, atender os objetivos esperados pela sociedade, atuar com transparência e estar envolvido de boa-fé aferida por aspectos objetivos, consta-táveis de plano.

Paralelamente é fundamental a equivalência contratual. Examinada a equivalência material, se ficar comprovado que

uma parte se aproveitou da fraqueza da outra – cujos bens em situação de pré-insolvência foram vendidos pela metade do preço, por exemplo –, o Judiciário pode rever esse contrato de forma que haja uma recomposição justa entre os bens adquiri-dos. Isso era impensável antes do Código Civil de 2002.

Oportuno lembrar que o artigo 170 da Constituição Federal estabelece algumas premissas básicas. A ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa tem por finalidade assegurar a todos a existência digna de acordo com os ditames da dignidade social, observados os seguintes princípios: propriedade pri-vada, função social da propriedade, defesa do consumidor e redução das desigualdades regionais.

Outro aspecto fundamental ao tema que nos interessa é a coexistência do direito em razão da cultura de um povo. O que é mais palpável no sentimento de um povo? Que soluções atendam seus objetivos precípuos? Não há como afastar o sentimento que leva um povo a adotar uma postura rígida ou flexível. O fundamental é chegar sempre a uma conclusão – somos seres pensantes e cada um é juiz dos fatos que ocorrem à sua volta. É preciso que esses julgamen-tos individuais sejam levados ao mundo externo de forma a refletir o sentimento geral da maioria. Se as normas jurídicas se afastam desse sentimento, a ruptura é inevitável, e surge a necessidade de alteração do sistema.

Reforma do CPC: por uma justiça mais rápida e eficienteEm nosso sistema processual, verificamos principalmen-

te a necessidade de assegurar uma solução justa, rápida e eficiente. As reformas do Código de Processo Civil visaram atender esse anseio da população brasileira.

Não queremos mais um formalismo excessivo que asse-gure o direito das partes, mas não atenda os melhores objeti-vos da população. Que sentimento terá o credor impedido de receber seu crédito porque a máquina judiciária é ineficiente, desaparelhada para responder seus anseios? Razões como essa obrigam a necessidade de mudança de paradigmas e de rumo processual como encontramos nesta década. É necessário optar por um método teleológico cujos resultados valham mais do que os conceitos e estruturas internas do sistema; optar pelo rompimento dos ritos programados e inflexíveis para alcançar nossos objetivos.

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Com a edição, por exemplo, da recente lei que ins-titui a migração do registro imobiliário para o sistema eletrônico no prazo de cinco anos, o que será do registro? Indiscutivelmente, a forma terá de ser alterada para se ade-quar à finalidade que o sistema objetiva.

Ainda sob o aspecto processual, oferecer justiça efetiva a um número maior de pessoas é a essência do bom processo. Não basta que o processo seja assessorado por um advogado de extrema competência. Quem tem direito deve recebê-lo efetivamente, não importa se o profissional é mais inteligen-te ou mais capaz que o adversário. A busca da entrega do direito a quem de fato faz jus a ele é primordial sobre quem está ou não bem assessorado. Essa mudança de comporta-mento é que faz com que algumas regras sejam alteradas de forma profunda.

O marco divisor dessa alteração processual está na Emenda Constitucional 45/2004 que alterou o inciso 78 do artigo 5º da Constituição Federal ao dispor sobre os direitos e garantias individuais, estabelecendo que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Essa premissa básica da Constituição vem sendo perse-guida e, hoje, o próprio Conselho Nacional de Justiça, CNJ, empenha-se em eliminar os processos distribuídos até 2005. Sob o aspecto processual, o princípio da duração razoável do processo vem atuando de forma pontual nessas reformas.

Um dos gargalos do Poder Judiciário é justamente o setor dos processos de execução. O tormento do credor para obter seu crédito depois de um processo longo, cheio de percalços, tem levado muitas pessoas à falência e à ruína. O mais importante é que a reforma modernize principalmente o processo de execução.

Garantia de estabilidade, certeza e previsibilidade das normasNo âmbito do processo civil, a evolução foi considerá-

vel. Antes, uma vez proferida a sentença, havia recurso ao Tribunal de Justiça e aos Tribunais Superiores para se obter a coisa julgada, o título judicial. Quem ganhava o processo não levava, uma vez que era necessário outro processo, o de execução forçada do título judicial hoje chamado de cumpri-mento de sentença. Obtida a sentença definitiva, o processo

caminha sem necessidade de nova citação do devedor. Há mais dinamismo.

O que ocorria no processo de execução tradicional? Citado e se não quisesse pagar, o próprio devedor indicava o bem à penhora. Agora, o legislador inverteu o jogo, é o credor que escolhe o bem sobre o qual deve recair a penho-ra, antecipando-se, portanto, à garantia de seu crédito. No entanto, haverá problemas se o devedor alienar o bem a ter-ceiro mesmo sob execução, citação e penhora. A discussão da fraude de execução transformou-se no gargalo responsá-vel pela demora da prestação jurisdicional.

A necessidade de o Judiciário garantir a segurança jurídica do negócio imobiliário, notadamente, diz respeito não apenas à garantia do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada, mas à garantia da estabilidade, da certeza e da previsibilidade das normas reguladoras de relações sociais de qualquer ordem. Há alguns anos dizia--se que, apesar das certidões e da diligência do credor e do adquirente na aquisição do bem imóvel, ninguém poderia garantir que esse imóvel não fosse questionado judicialmen-te em razão de fraude de execução.

Essas alterações buscam a segurança jurídica cujo grau, infelizmente, ainda é reduzido no país. Cabe-nos incremen-tar a segurança jurídica cujos instrumentos adequados para isso estão em nossas mãos.

Averbação no RI torna mais eficaz a publicidade de situações imobiliáriasO princípio básico de qualquer processo de execução é: o

devedor sempre responde com seus bens presentes – quan-do da execução – e futuros – recebidos durante o processo.

Em tempos remotos, os devedores respondiam com a própria vida por suas obrigações; em seguida veio a fase de obrigação patrimonial; hoje, a responsabilidade é exclusiva-mente de quem contrai a obrigação, salvo as restrições legais como bens impenhoráveis, bens de família etc.

Os fundamentos são conhecidos, não é o caso de apro-fundá-los: necessidade de processo para satisfação de direito credor e técnica de sub-rogação e coerção. Agora não é mais o credor que se dirige diretamente ao devedor para exigir o cumprimento da obrigação resistida, mas o Estado é acionado para fazer uso do seu aparelho e da técnica de sub--rogação. Ou seja, ele substitui o credor para exercer esses

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atos no processo, mesmo a colocação dos bens à venda, se for o caso.

No entanto, é preciso desdobrar a responsabilidade patri-monial do devedor. Primeiro, todo o patrimônio do devedor responde por suas obrigações e somente ele. Não cabe obrigar o pai dele a pagar, salvo se o responsável. A exceção à regra geral incide sobre a fraude de execução e a fraude contra credores. Esses dois institutos permitem responsabilizar quem não se obri-gou contratualmente a responder pelas obrigações mediante o reconhecimento dessas fraudes pelo Judiciário.

Esse ponto nevrálgico do processo – a disposição do bem pelo devedor – tem gerado algumas atitudes de mudança de rumo. Uma regra geral do artigo 620 do Código de Processo Civil dispõe que, “quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor”.

Esse princípio igualitário deve ter conotação igualitária – igualdade de direitos e obrigações por parte do credor e do devedor. Portanto, a execução deve ser sempre a menos onerosa sem deixar de atender o direito do credor de obter o ressarcimento de sua obrigação.

O ingrediente novo dessa reforma são os interesses legí-timos do credor e do adquirente, partes essas geralmente imbuídas de boa-fé – o credor, que persegue a satisfação de seu crédito, e o adquirente, que depois de comprar o bem do devedor é surpreendido numa rede de processos para se defender da fraude de execução.

São necessárias alternativas que satisfaçam o destinatário das normas de forma que seja possível adotar providên-cias num ou noutro sentido. O que sempre se discutiu é a chamada razoabilidade da conduta do terceiro. Seu direito não é reconhecido se ele tem ciência do processo contra o devedor.

É importante que o ato tenha publicidade eficiente, como o antigo registro de penhora previsto na Lei 6.015/73. O Código de Processo Civil foi reformado com o objetivo de incentivar o registro de penhora, mas as medidas não surtiram efeito. O próprio Superior Tribunal de Justiça tentou editar uma súmula para pôr fim a essa discussão: “o reco-nhecimento da fraude de execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova da má-fé do terceiro adquirente”.

Mesmo com decisões jurisprudenciais insistindo na

necessidade do registro de penhora para evitar a discussão de ocorrência ou não de fraude de execução, os resulta-dos obtidos não têm sido satisfatórios. O próprio sistema registrário não se mostrou receptivo a algumas introduções de facilitação do acesso desses instrumentos para fins de publicidade. O registro de penhora foi interpretado como um título constitutivo ou modificativo de direitos reais, o que exige rigores formais.

A solução foi estabelecer uma regra que pudesse superar os entraves burocráticos do Poder Judiciário. Hoje, no estado de São Paulo, da distribuição à expedição do mandado cita-ção são 60 ou 90 dias! Uma solução bastante simples, uma vez que o exequente poderá, no ato da distribuição, obter certidão comprobatória do encerramento da execução com identificação das partes, valor da causa para fins de averba-ção no Registro de Imóveis, registro de veículos, registro de outros bens sujeitos a penhora ou a arresto. Essa foi a solução adotada pelo legislador para nos socorrer de instrumentos que independem de impulso oficial do Estado, por meio do juiz, para um resultado satisfatório.

O credor não precisa mais da autorização do juiz, ele tem direito à certidão a qualquer momento; depende apenas dele mesmo tomar a frente e usar o Registro de Imóveis, que é o mais eficaz órgão de publicidade das situações imobiliárias do país. O ovo de Colombo foi evitar todas as discussões a respeito de boa-fé, de má-fé, de cautelas tomadas etc.

A propósito, debate-se muito a respeito da mitigação das exigências dos princípios registrários. No entanto, se o imó-vel não estiver no nome do devedor, o registrador não pode-rá averbar a penhora. Na área trabalhista principalmente, há casos em que a penhora recai sobre direitos decorrentes de compromisso de compra e venda cujo registro não existe. Muitas vezes, no entanto, o juiz quer obrigar o registrador ao cumprimento sob pena de prisão.

Averbação de mera publicidade e caráter acautelatórioQual seria a natureza desse ato de averbação?

Simplesmente a de mera publicidade com caráter acautela-tório sem a finalidade de constituir ou alterar direito real, mas apenas a de alertar o adquirente de que aquele imóvel pode eventualmente responder pela execução. De caráter tempo-rário, não tem duração indefinida. A averbação não impede

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a alienação da mesma forma que a penhora não constitui obstáculo à venda.

Interessado na compra e sabedor de que o devedor mora em determinado imóvel considerado bem de família, o adquirente pode decidir comprá-lo independentemente da averbação, da ação de execução. É o que Afrânio de Carvalho chama de “premonição de riscos à propriedade”. Trata-se de um alerta aos adquirentes a respeito dos riscos à propriedade com eventual reconhecimento de fraude.

Com a averbação, antecipam-se os efeitos de poste-rior reconhecimento de fraude de execução. Portanto, no momento em que o juiz reconhece a fraude de execução, os efeitos retroagem até a data da ação de execução.

Sempre se discutiu a necessidade ou não de estabelecer uma limitação ao processo de título extrajudicial. A doutrina e a jurisprudência têm admitido sua extensão aos títulos extrajudiciais, mas não ao processo de conhecimento.

A averbação pode se dar a qualquer tempo não apenas quando do ajuizamento, mas ela tem caráter temporário.

Jurisprudência do TJSPAcórdão do desembargador Rizzato Nunes, do Tribunal

de Justiça de São Paulo, especialista em direito do consu-midor: “Execução – título extrajudicial cambial – pretensão: expedição de certidão a que alude o artigo 615-A do CPC – viabilidade – não limitação da certidão ao ato da distribui-ção – norma processual de aplicação imediata, regra demais que tem por fim evitar a ocorrência de fraude de execução na esteira de quanto firmado na súmula 375.” Essa decisão é recente, de 2009.

Acórdão do desembargador Renato Rangel Desinano, de São Paulo: “Ação – execução – pretensão do exequente da expedição de certidão comprobatória do ajuizamento da execução nos termos do artigo 615-A do CPC – cabimento: requerimento que não se limita ao momento da sua dis-tribuição da demanda, podendo ser formulado durante o trâmite do processo executivo – interpretação que enaltece as mudanças introduzidas no Código do Processo Civil no sentido de aumentar a efetividade da prestação jurisdicional na satisfação do crédito”.

Outro acórdão do TJSP, do desembargador Soares Levada: “Averbação – processo de conhecimento – jurisprudência – ação anulatória permissível criada pela lei 11.392 de 2006,

de averbação – certidão comprobatória de ajuizamento de demanda judicial no registro de imóveis, de veículos, ou de outros bens sujeitos a penhora e arresto. Afeto somente ao processo de execução, impossibilidade de exercício em ações de conhecimento”.

Quantos imóveis podem ser averbados? Não há limite quantitativo. Por quê? Até o desenrolar do processo de exe-cução não se conhece a situação de cada imóvel – pode-se invocar bem de família, venda de direitos antes do ajuiza-mento da ação. Lembrar sempre que a jurisprudência esta-belece a proteção ao terceiro de boa-fé. Se ficar demonstrado que os direitos foram adquiridos antes do ajuizamento da ação, o terceiro é beneficiado. Em razão disso o credor não pode ser obrigado a limitar a averbação. Somente mediante a realização do ato de penhora, as demais averbações devem ser canceladas.

No entanto, quando o bem é arrematado, o credor nunca vai cancelar o registro da penhora. Em razão disso, nessas resoluções, escolhido o bem para garantir o valor mediante penhora, o juiz vai expedir o mandado com uma ordem de cancelamento das averbações, uma vez que o credor é obri-gado a denunciar no processo em que matrículas ele efetuou as averbações necessárias.

Fraude à execução: presunção absoluta e relativaO parágrafo 3º do artigo 615-A do CPC dispõe: “Presume-

se em fraude à execução a alienação ou oneração de bens efetuada após a averbação”. Essa norma é fundamental para a garantia dos direitos do terceiro adquirente.

Qual a natureza dessa presunção mencionada no pará-grafo 3º? No que diz respeito à publicidade é absoluta. A publicidade é considerada ampla e total para toda e qualquer pessoa; esteja ela doente ou fora do país, a presunção é de que essa publicidade alcance todas as pessoas interessadas.

Em relação à fraude de execução, no entanto, a presun-ção é apenas relativa. Por quê? Porque o pressuposto é de que a fraude de execução ocorre não quando o devedor aliena um dos imóveis, caso ele tenha um conjunto de patrimônios, mas no momento da aquisição do bem pelo terceiro. Se ele tinha um vasto patrimônio para responder pelas obrigações, é possível pressupor que essa fraude seja derrubada mediante provas submetidas ao juiz. Por isso essa

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presunção é relativa ao contrário da averbação da penhora. Uma vez averbada a penhora, a presunção é absoluta; o bem está separado do patrimônio para garantir a execução. Na averbação, no entanto, nada está separado, apenas existe um projeto potencial de garantia, razão pela qual se diz que essa averbação tem efeito relativo em relação à presunção de fraude.

A averbação da execução dispensa a averbação da penhora? Não, não dispensa. É preciso garantir o credor de forma total, ele precisa assegurar o direito com a averbação da penhora.

Exigência de certidões dos distribuidores civis, fiscais e trabalhistasA discussão sobre a suficiência do ato averbatório com

dispensa das certidões dos distribuidores cíveis, trabalhistas e fiscais é acalorada. No entanto, é necessário refletir sobre as consequências desses atos. Primeiramente, essa averbação facultativa, não é pressuposto essencial e obrigatório para prosseguimento do processo de execução ou de penhora.

Além do credor, quem é o principal destinatário dessa norma de ato averbatório? O juiz de direito. Leva-se ao conhecimento dele uma situação de aparente fraude de execução, a quem cabe examinar se existe ou não a fraude. Por isso, o registrador e o notário não podem dizer que está dispensada a coleta das certidões de praxe que todos os adquirentes cautelosos tiram para segurança de seus negó-cios jurídicos. O juiz não deixa de examinar a razoabilidade da conduta do adquirente. Portanto, no domicílio do devedor ou no local de situação do imóvel, essas certidões devem ser extraídas para segurança. Evidentemente, foge da razoabili-dade a certidão de outro estado, por exemplo. Em face de um risco é necessário cautela.

O mais importante não é a discussão sobre a necessidade ou não de se tirar certidão, mas de enxergar o futuro. A pro-pósito, a informática é um instrumento de cooperação e de integração, como é o caso do Registro Civil hoje integrado ao IBGE, aos cartórios eleitorais, à Receita Federal, a uma série de órgãos.

Essas normas pontuais são necessárias hoje, mas daqui a cinco, dez anos, elas também estarão superadas. Por isso nossa atuação eficiente e nosso olhar devem sempre estar voltados para o futuro.

A concepção do georreferenciamento, por exemplo, é maravilhosa! Depois de completo, vamos ter também completo o domínio da malha fundiária rural do país. Essa é a ideia de integração do Registro Imobiliário, do Incra, dos órgãos de planejamento federal, estadual, municipal etc. Essa mesma integração se dá com a ação do processo de execução e com iniciativas como a penhora online.

Considerações finaisAcho importantíssima uma afirmação do registrador

Flauzilino Araújo dos Santos, lida no Boletim do IRIB em revis-ta: “O Registro de Imóveis exerce importante função colabo-radora com cidadãos e outras instituições que se manifesta em numerosos aspectos, dos quais destacamos a prestação de informática jurídica. Por integrar a Administração públi-ca indireta, a função de informação jurídica aos usuários do serviço decorre do corolário dos princípios básicos da Administração e dos deveres cometidos ao oficial do registro: apontar os meios registrais mais adequados para o alcance dos fins lícitos objetivados”.

A informação jurídica deve partir de todos os órgãos inte-grados na vida nacional. Não é mais possível a exclusividade das informações. O primeiro a constatar essa impossibilidade material é o próprio governo federal, cujas informações obtidas emanam de vários órgãos, uma vez impossível concentrá-las num só. As informações compartilhadas são o futuro do nosso país.

A Constituição de 1988 representou um marco histórico no país ao estabelecer prioridades ditadas pelo Estado social sem prejuízo dos direitos dos indivíduos. Aos órgãos da Administração direta e indireta compete a responsabilidade de bem conduzir o destino do Brasil para a valorização do homem e da mulher.

Discussões vazias devem ceder à integração das ins-tituições, a fim de que se alcancem a redução dos níveis de litigiosidade e o aumento da segurança jurídica, graças preferencialmente ao incremento de informações jurídicas relevantes e compartilhadas por meio eletrônico. No caso específico, que as aquisições de imóveis ostentem cada vez mais características de certeza, segurança e estabilidade.

*Kioitsi Chicuta é desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São

Paulo.

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Terras devolutasFrancisco José Rezende dos Santos*

Os registros dos termos administrativos

e também das sentenças judiciais

que encerram o procedimento

discriminatório são considerados de

aquisição originária, sendo obrigatórios,

para que a partir deles tenha início uma

cadeia (sequência) registral.

1. IntroduçãoCom o presente trabalho busco analisar o modo como

se procedeu a apropriação das terras brasileiras pela Coroa Portuguesa, bens públicos, portanto, e como elas foram sendo gradativamente transferidas para os particulares. Examino, ainda, o conceito de terras devolutas e, finalmente,

os procedimentos discriminatórios cuja finalidade é extremar as terras públicas das terras particulares. Ao final, trato dos procedimentos de transmissão das terras arrecadadas aos particulares por intermédio da legitimação ou da venda.

2. A apropriação do território brasileiro e as primeiras transmissões aos particularesAntes mesmo do Descobrimento do Brasil, as terras

encontradas no chamado Novo Mundo já haviam sido objeto de partilha entre as duas grandes potências da época – Portugal e Espanha – em decorrência de tratados mediados pela Igreja Católica.

No caso do Brasil, tais terras já pertenciam a Portugal por força da bula papal Inter Coetera, confirmada pelo Tratado de Tordesilhas (7.6.1494), que atribuía a Portugal todas as terras descobertas a cem léguas a oeste das Ilhas de Cabo Verde. Mais tarde, em 24 de janeiro de 1504, tal linha de limite foi ampliada para 370 léguas pela bula do Papa Júlio II, Pro Bono Pacis. Essa linha estava situada a meio caminho entre as ilhas de Cabo Verde, sob dominio português, e as ilhas das Caraíbas, sob domínio espanhol, descobertas por Colombo. Os territórios a leste pertenceriam a Portugal, e os a oeste, à Espanha.

Com o Descobrimento do Brasil, em 1500, por Pedro Álvares Cabral, o rei de Portugal, como descobridor, adquiriu senhorio e propriedade sobre o território, a título originário.

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Na época era praxe comunicar as terras descobertas ao papa-do, que assim as confirmava. E por isso elas passaram emi-nentemente a bens da Coroa portuguesa. No novo território não existiam propriedades imobiliárias particulares, mas em Portugal, no entanto, existiam regulamentos que dispunham sobre a utilização das terras por particulares. E a nova terra descoberta era território português.

José Edgard Penna Amorim Pereira1 nos diz: “Dessarte, quando Pedro Álvares Cabral aportou à Terra de Santa Cruz, vigoravam no Reino as Ordenações baixadas por D. Afonso, ao depois sucedidas por aquelas mandadas publicar, respectivamente, por D. Manuel e D. Felipe II, cujas dispo-sições, porém, como se verá, não tiveram aplicação plena no território a conquistar, senão que foram temperadas por editos outros que levavam em conta a realidade fundiária da Colônia, que nada tinha em comum com a portuguesa”.

Os interesses eram diferentes. Em Portugal havia a con-centração de terras nas mãos de poucos, das quais muitas não eram cultivadas à espera de que a Coroa resolvesse o problema da escassez de alimentos. Tais regulamentos chamados “editos” foram publicados para aquela realidade. Na Colônia – Brasil –, entretanto, o que a Coroa portuguesa intencionava era ocupar a terra, de grande vastidão, defen-dendo-a da cobiça estrangeira.

Por volta de 1530, a Coroa portuguesa iniciou o processo de ocupação das terras descobertas, instituindo o regime de sesmarias já vigente em Portugal, que consistia em outorgar títulos de concessão de terras às pessoas que aqui viessem viver. Tais concessões previam o prazo de seis anos para que as terras fossem ocupadas. Cumprida a ocupação, a con-cessão se confirmava como de domínio pleno e perpétuo, estabelecendo-se assim a propriedade alodial cujos títulos seriam outorgados pela Coroa Portuguesa aos particulares.

Se bem não tenha sido feito durante muito tempo, a ideia do regime idealizado era doar as terras a particulares e, com isso, favorecer o povoamento do território até então sem ocupação alguma.

“O regime sesmarial proposto, entre outras medi-das de reforma agrária, por D. Fernando, encontrado nas Ordenações Afonsinas, e repetido nas Manoelinas e Filipinas, é a opção que encontra o Reino para ser aplicada ao território

1) PEREIRA, José Edgard Penna Amorim. Perfis constitucionais das terras devolutas. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 17.

brasileiro. Como ideia e prática, a finalidade era doar terras a particulares e possibilitar, assim, o povoamento e a cultura do território, até então, obviamente, sem uso integral”.2

Assim nosso território passou a ser ocupado. A conquista da terra deu-se pelas chamadas Capitanias Hereditárias, modelo copiado da colonização das Ilhas da Madeira e Açores. Graças a ele, a terra descoberta foi dividida em 15 partes com quinhões delimitados cujas prerrogativas foram determinadas por títulos chamados Cartas de Sesmarias. Das 15 capitanias, inalienáveis e transmissíveis somente por herança, apenas 12 foram efetivamente ocupadas pelos donatários. A eles, titulados capitães-governadores, no entanto, era permitido conceder sesmarias e distribuir terras no interior delas a particulares – sesmeiros – que pretendes-sem se fixar e formar culturas nelas. Caso descumprissem seus contratos ou obrigações, incorriam em pena de comisso – devolução da terra. Mas a transmissão era de mera posse, pois os capitães não poderiam transferir propriedade plena, a qual nem mesmo eles possuíam.

Constava das obrigações contratuais dos sesmeiros cul-tivar, medir e confirmar as terras recebidas. A confirmação era solicitada à Coroa portuguesa. Confirmada, titulava-se o particular. Dessa forma o regime sesmarial favoreceu a criação de enormes latifúndios que se revelaram um péssimo veículo de colonização.

Com a Ordem Real de 27 de dezembro de 1695, impôs--se aos sesmeiros o pagamento de um dízimo à Ordem de Cristo e de um foro de acordo com o tamanho e a qualidade das terras. A Ordem de Cristo, substituta da temida Ordem dos Templários, foi fundada em 1319 pelo papa João XXII e tinha por objetivo a formação de um braço militar na defesa e expansão da cristandade. Na época, a Igreja confundia-se com o Estado. A Igreja e suas instituições financiavam as grandes navegações como comprovam as velas dos barcos de Cabral ostentando o símbolo da Ordem de Cristo.

Em contrapartida à exigência do pagamento do dízimo, os sesmeiros, cujas obrigações assumidas vinham sendo cumpridas, promoveram a busca da titulação definitiva com o propósito de confirmarem as suas posses das terras. E assim se processou, segundo a doutrina, um movimento no senti-do de modificação do sistema de restrição administrativa que

2) CASTRO DO NASCIMENTO, Tupinambá Miguel apud José Edgard Penna Amorim Pereira, ob cit

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existia no regime sesmarial, para que se assumisse, a partir daí, o sistema dominialista privado.

Numa primeira fase, as concessões de posse de terras foram feitas pelos capitães-mores; em seguida, o direito de outorga passou aos governadores-gerais; e, finalmente, a Coroa reservou para si a escolha de sesmeiros e a outorga das respectivas cartas. Mas a confirmação, ato de titulação defini-tiva que transmitiria a propriedade das terras, era atribuição exclusiva da Coroa, por intermédio do Conselho Ultramarino. Posteriormente, a propriedade passou a ser transferida pelo Alvará de 22 de junho de 1808, à mesa do Desembargo do Paço, no Rio de Janeiro.

Assim foi até a Independência, em 1822, quando o Brasil se desligou de Portugal. Pela Resolução do Reino n. 76, de 17 de julho de 1822, baixada pelo imperador D. Pedro I, suspen-dia-se a concessão de sesmarias, e a ocupação passava a ser feita pelo chamado “regime de posses” (1822 a 1850), cuja lacuna legal permitia que a única forma de acesso à terra fosse a título de singela ocupação.

“Verificou-se a generalização dos apossamentos de terras ainda não ocupadas... (ocasião que)... o território brasileiro esteve, com a tolerância do governo imperial, à mercê de quem quisesse pura e simplesmente ocupá-lo. É um período de quase ausência do Estado relativamente à terra.

Em 1850, foi promulgada a Lei n. 601, de 18/09/1850, a chamada Lei de Terras, que foi um verdadeiro marco no sen-tido da regularização das terras no Brasil, e seu Regulamento n. 1.318, de 1854, que legitimaram a aquisição das posses dentro de determinadas condições, iniciando efetivamente, a partir daí, a separação de terras do domínio público de todas as posses de particulares existentes no Brasil. A Lei n. 601 proibiu, a partir dela, a aquisição de terras públicas e devolutas por outro título que não o de compra, tratou da revalidação das sesmarias e outras concessões, estabeleceu a legitimação das posses mansas e pacíficas, autorizou a venda de terras devolutas em hasta pública ou fora dela, e estabele-ceu a obrigatoriedade da medição, divisão e demarcação das mesmas” (Helio Novoa, citando Messias Junqueira e Fábio Alves dos Santos).3

“A Lei de Terras foi concebida como uma forma de evitar o acesso à propriedade da terra por parte de futuros imi-

3) COSTA, Hélio Roberto Novoa da. Discriminação de terras devolutas. São Paulo: Universitária de Direito, 2000. p. 45.

grantes. Ela estabelecia, por exemplo, que as terras públicas deveriam ser vendidas por um preço suficientemente eleva-do para afastar posseiros e imigrantes pobres. Estrangeiros que tivessem passagens financiadas para vir ao Brasil fica-vam proibidos de adquirir terras, antes de três anos após a chegada. Em resumo, os grandes fazendeiros queriam atrair imigrantes para começar a substituir a mão de obra escrava, tratando de evitar que logo eles se convertessem em proprie-tários” (Boris Fausto).4

“A Lei de Terras revalidava, em seu artigo 4º, as sesmarias ou outras concessões do Governo Geral Provincial, que hou-vessem caído em comisso, mas que apresentassem cultivo ou princípio de cultura e morada habitual do sesmeiro ou concessionário; e, em seu artigo 5º, legitimava as posses mansas e pacíficas adquiridas por ocupação primária, ou havidas do primeiro ocupante, que se achassem cultivadas, ou com princípio de cultura, e morada habitual do respectivo posseiro ou de um seu representante (entendida tal legi-timação como atribuição do domínio). Com a revalidação das sesmarias e a legitimação das posses, dá-se, em defini-tivo, a privatização de extensas frações das terras brasileiras, remanescendo como públicas – patrimoniais ou devolutas – aquelas que não se incluíssem entre as privatizadas” (José Luiz Marasco C. Leitenos).5

As terras assim se dividiam em dois grandes grupos.

4) FAUSTO, Boris. História do Brasil. 11. ed. São Paulo: Edusp, 2003. p. 196.5) LEITE, José Luís Marasco C. A apropriação das terras brasileiras: anotações preliminares. Disponível em: <http://antares.ucpel.tche.br/direito/revista/vol5/01.doc>. Acesso em 13 set. 2009.

Francisco José Rezende dos Santos, Helvécio Duia Castello e Ricardo Basto da Costa Coelho.

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No primeiro, as terras públicas, que se subdividiam em: a) patrimoniais, uma vez adquiridas a título originário com o Descobrimento; e b) devolutas. No segundo grupo, as terras privadas e as já confirmadas foram transferidas a particulares.

3. As terras devolutasSegundo Messias Junqueira6, “o instituto das terras devo-

lutas é genuinamente brasileiro, tanto em sua conceituação originária como em seu desenvolvimento, hoje mais que centenário. Não se lhe conhece nada parecido no direito estrangeiro”.

Mas existem institutos semelhantes, como, por exemplo, o instituto da Tierras Baldias, da Venezuela, que guarda semelhanças com o instituto brasileiro. Trata-se de uma lei de 1944 chamada Ley de Tierras Baldias y Ejidos.

A título de informação e para melhor entender o que seriam terras baldias, li recentemente um artigo7 que noti-ciava uma ordem do presidente Hugo Chávez para recuperar prédios agrícolas localizados em terras baldias de vários municípios do estado Barinas como parte da luta contra o latifúndio e em seguimento da política de pleno aproveita-mento da superfície cultivável – algo mais parecido a uma reforma agrária.

Chávez ordenou ao presidente do Instituto Nacional de Terras, a ocupação imediata de todas as terras baldias para instalar nelas núcleos produtivos. Para ele, os grandes latifúndios na Venezuela são produto do despojo contra os indígenas e outros e conclui que “não há terra privada, pode haver ocupantes e produtores, mas se não a ocupam bem, perdem o direito de as ocupar”.

No México, o ejido é uma porção de terra não cultivada e considerada, em alguns casos, propriedade pública. Para o México, o ejido é uma propriedade rural de uso coletivo de grande importância na vida agrícola do país.

O processo do ejido consiste em o governo tomar terras particulares e utilizá-las como terras comuns. Essa prática já era comum durante o império asteca e se parece com a reforma agrária vigente no Brasil de hoje.

Em 1960, 23% das terras cultivadas no México eram ejidos.

6) JUNQUEIRA, Messias apud José Edgard Penna Amorim Pereira. In Perfis constitucionais das terras devolutas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1964.7) Marxismo e luta de classes. Disponível em: <http://marximoelutade-classes.blogspot.com./2009/05/presidente-chavez-anuncia-recuperacion.html>. Acesso em 14 set. 2009.

Caso semelhante com o instituto das terras devolutas foi registrado na história de Portugal, quando da promulgação da Lei das Sesmarias, em 26 de junho de 1375, por Dom Fernando I, último rei português da dinastia de Borgonha. Em razão da produção e do estoque de alimentos insuficien-tes em Portugal, as terras concedidas, mas não cultivadas tiveram de ser devolvidas à Coroa Portuguesa. Os proprie-tários que deixassem de lavrar suas terras eram obrigados a cedê-las aos que estivessem dispostos a fazê-lo. O que se buscava de fato era uma nova distribuição das terras com o objetivo de aumentar a produção de alimentos.

São algumas referências históricas ao termo “terras devo-lutas”, mas não exatamente no sentido utilizado pelo Direito brasileiro.

No Brasil, a primeira normatização relativa às terras devo-lutas é da Lei 601, de 18 de setembro de 1850 (Lei de Terras), posteriormente regulamentada pelo Decreto 1.318, de 30 de janeiro de 1854, cujo art. 3º dizia:

Art. 3º. São terras devolutas:§ 1º. As que não se acharem aplicadas a algum uso público nacional, provincial ou municipal.§ 2º. As que não se acharem no domínio por qualquer título legítimo nem forem havidas por sesmarias ou outras concessões do Governo Geral ou Provincial, não incursas em comisso por falta de cumprimento das condições de medição, confirmação e cultura.§ 3º. As que não se acharem dadas por sesmarias, ou outras concessões do Governo que, apesar de incursas em comisso, foram revalidadas por essa lei.§ 4º. As que não se acharem ocupadas por posses, que, apesar de não se fundarem em título, foram legitimadas por esta lei.

O texto trazia certa confusão. À primeira leitura tratava como devolutas todas as terras que não afetadas por duas situações: 1ª) alguma destinação pública nacional, provincial ou municipal, e 2ª) as que não estivessem ocupadas por por-tadores de títulos de posse ou propriedade legitimamente outorgados.

Faltou discorrer sobre terras públicas patrimoniais cuja situação era bastante peculiar.

Essa falta de clareza do texto legal trouxe uma dúvida

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que perdurou durante muito tempo. Seriam também con-sideradas “terras devolutas” todas as demais terras do Brasil, de enorme extensão, que nunca tinham sido ocupadas?

“O conceito de terras devolutas inclui-se na idéia de terras públicas, aquele como espécie, esta como gênero. Registre-se, ainda, que a expressão terras públicas é usada também em sentido restrito, para designar a espécie de ter-ras do patrimônio público que não sejam devolutas.

Fundamentalmente, o sentido de manter-se, em nosso Direito, o uso da expressão terras devolutas prende-se à dife-rença que existe entre bens determinados e determináveis. As terras públicas, no sentido estrito, são aquelas que se encontram inscritas no patrimônio público, estando deter-minadas. As devolutas, a seu lado, correspondem as que, sendo públicas, não se encontram determinadas, ainda que passíveis de determinação.

Compõem a categoria das devolutas, em princípio, as terras que uma vez foram repassadas a particulares, como sesmarias ou concessões de outra espécie, e que, por have-rem caído em comisso, foram devolvidas (ou deveriam ter sido devolvidas) ao patrimônio da Coroa Portuguesa” (José Luiz Marasco C. Leite).8

Assim, devolutas eram apenas as terras concedidas a particulares, aos chamados sesmeiros, que deixaram de cumprir as obrigações contratuais assumidas, quais sejam, cultivar, medir e depois confirmar as terras recebidas, razão pela qual caíram em comisso ou simplesmente desistiram de tal intento e devolveram-nas ao governo.

“As posses no Brasil da mesma forma deveriam ser cul-tivadas ou habitadas. Entretanto, se não existissem essas condições, as posses cairiam em comisso e eram devolvidas – por isso o termo devolutas –, retornando ao domínio do Estado” (Hely Lopes Meirelles).9

As demais terras não concedidas do território brasileiro eram originariamente de propriedade do Estado cuja pro-priedade foi adquirida quando do Descobrimento, terras consideradas “patrimoniais”, como já esclarecido.

Na entanto, o conceito de terra devoluta tem sido aplica-do irregularmente com frequência e abrangência. A expres-

8) Op cit.9) MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

são alberga erroneamente as terras patrimoniais, que jamais foram repassadas ao domínio particular nem foram objeto de posse por ocupação primária. Também nesse sentido o conceito de Luís de Lima Stefanini, que entende por terras devolutas:

“aquelas espécies de terras públicas (sentido lato) não integradas ao patrimônio particular, nem formalmente arre-cadas ao patrimônio público, que se acham indiscriminadas no rol dos bens públicos por devir histórico-político” (Luís de Lima Stefanini).10

O Decreto-Lei 9.760, de 5 de setembro de 1946, que dispõe sobre bens imóveis da União, assim define as terras devolutas da União:

Art. 5º. São devolutas, na faixa de fronteira, nos Territórios Federais e no Distrito Federal, as terras que, não sendo próprias nem aplicadas a algum uso público federal, estadual, territorial ou municipal, não se incorporaram ao domínio privado.

Com a Proclamação da República, as terras públicas foram transferidas da União para os Estados, por força do art. 64 da Constituição de 1891:

Art. 64. Pertencem aos Estados as minas e terras devolutas situadas nos seus respectivos territórios, cabendo à União somente a porção do território que for indispensável para a defesa das fronteiras, fortificações, construções militares e estradas de ferro federais.Parágrafo único. Os próprios nacionais, que não forem necessários para o serviço da União, passarão ao domínio dos Estados, em cujo território estiverem situados.

Até os dias de hoje a situação é a mesma. Os bens públi-cos patrimoniais, discriminados ou não e as terras devolutas pertencem aos estados (art. 26, IV, da Constituição federal), excetuadas as terras devolutas que pertencem à União, indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação

10) STEFANINI, L. Lima. A propriedade no direito agrário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978, p. 64.

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e à preservação ambiental, definidas em lei (art. 20, II, da Constituição federal).

As constituições republicanas adotaram critérios acer-ca de terras devolutas, transferindo-as aos estados, o que permitiu que cada estado membro viesse a editar normas próprias a fim de legitimar a eles as posses de particulares das terras que lhe pertencessem.

Podemos afirmar que as terras devolutas são bens públi-cos dominicais. A Súmula 340, do Supremo Tribunal Federal, aprovada em sessão plenária de 13.12.1963, pacificou posi-ções divergentes sobre a questão da possibilidade de usu-capião de tais bens, ao dispor: “Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião”.

Na verdade, desde o Código Civil de 1916 havia tal res-trição:

Art. 66. Os bens públicos são:I- de uso comum do povo, tais como os mares, rios, estradas, ruas e praças;II- os de uso especial, tais como os edifícios ou terre-nos aplicados a serviço ou estabelecimento federal, estadual ou municipal;III- os dominicais, isto é, os que constituem o patri-mônio da União, dos Estados, ou dos Municípios, como objeto de direito pessoal, ou real de cada uma dessas entidades.Art. 67. Os bens de que trata o artigo antecedente só perderão a inalienabilidade, que lhes é peculiar, nos casos e forma que a lei prescrever.

Se tais terras são bens públicos considerados na categoria dos bens dominicais, consequentemente não podem ser adquiridas por usucapião.

4. O processo discriminatórioTrata-se de um procedimento destinado a localizar,

definir, delimitar e, assim, distinguir as terras públicas e separá-las das terras particulares. São objeto do processo discriminatório tanto as terras públicas patrimoniais quanto as devolutas.

A obrigatoriedade da discriminação das terras públicas foi prevista na Lei 601, de 1850, e na Lei 3.081, de 22 de

dezembro de 1956, que foi revogada pela Lei 6.383, de 7 de dezembro de 1976, atualmente em vigor. Ela dispõe sobre o processo administrativo e judicial discriminatório de terras devolutas da União, e seu art. 27 determina que o processo discriminatório aplicar-se-á, no que couber, às terras devolu-tas estaduais.

A Lei 601, de 1850, dispunha sobre as terras devolutas no Império e as terras possuídas por título de sesmaria sem preenchimento das condições legais, bem como por simples título de posse mansa e pacífica. Determinava que, medidas e demarcadas as primeiras, fossem elas cedidas a título oneroso.

Seu art. 10 facultava ao governo promover um procedi-mento administrativo para extremar do domínio público o domínio particular. A “repartição geral de terras públicas” foi então encarregada de dirigir a medição, divisão e descrição das terras do Governo Imperial, bem como de vendê-las e distribuí-las.

Foi revogada pela Lei 3.081, de 22 de dezembro de 1956, cujo art. 1º autorizava a União, estados e municípios a recorrerem à ação discriminatória para regularização de suas terras. Mas o procedimento era judicial. Importante nessa lei é o que previa seu art. 10:

Art. 10. A sentença definitiva e a homologatória da demarcação serão transcritas no registro público de imóveis da comarca, com arquivamento de uma via do memorial topográfico. Desde então, poderá a administração pública dispor das terras apuradas, nos casos e formas que a lei prescrever.

Dispunha, portanto, da necessidade de a administração da União, dos estados e dos municípios registrarem no car-tório de Registro de Imóveis suas propriedades imobiliárias.

Essa lei foi expressamente revogada pela Lei 6.383, de 7 de dezembro de 1976, hoje em vigor. Ela inovou ao prescre-ver o procedimento discriminatório por via administrativa e tratar, também, do processo discriminatório judicial, ambos previstos apenas para regularização de terras da União e dos estados (arts.1º e 27). Aos municípios restou apenas a via jurisdicional como única saída.

Prevê também a atual lei, repetindo a anterior, a obriga-toriedade de se levar a registro as terras discriminadas.

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Art. 13. Encerrado o processo discriminatório, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA providenciará o registro, em nome da União, das terras devolutas discriminadas, definidas em lei, como bens da União. Parágrafo único. Caberá ao oficial do Registro de Imóveis proceder à matrícula e ao registro da área devoluta discriminada em nome da União.

Há autores que ainda entendem que caberia o proce-dimento especial denominado afetação, de natureza admi-nistrativa, para especializar o bem municipal com uma destinação específica. Por exemplo, bens de uso geral como uma estrada municipal ou uma rua, que há décadas, senão séculos, são de uso geral, poderiam ser afetados por via de procedimento administrativo. Observe-se, no entanto, que afetação não é discriminação. Afetação visa apenas vincular determinado bem público a uma destinação específica. Mesmo o bem afetado pode e deve ser discriminado, portan-to, a nosso ver, a afetação é obrigatória para que se proceda a discriminação.

5. ConclusãoAté 1864, no Brasil, o modo de transferência da proprie-

dade particular operava-se pelo título. Quem detivesse o título detinha o direito real. Não havia, ainda, um sistema de registro que transformasse o direito obrigacional em real nos moldes do atual sistema de registro imobiliário.

Somente com a Lei 1.237, de 24 de setembro de 1864, que no Brasil passou a existir o registro para a transcrição dos títulos de transmissão dos imóveis por atos entre vivos e constituição de ônus reais; e a partir do Código Civil de 1916, o registro das transmissões causa mortis ou de títulos de aquisição de imóveis por via judicial.

Nosso sistema de registro da propriedade imobiliária alberga tanto a aquisição quanto a transmissão de terras públicas ou particulares, mesmo que os registros tenham efeitos ora declaratórios, ora constitutivos.

Os registros dos termos administrativos e também das sentenças judiciais que encerram o procedimento discri-minatório são considerados de aquisição originária, sendo obrigatórios, para que a partir deles tenha início uma cadeia (sequência) registral.

A propósito, uma decisão do Conselho Superior de Magistratura de São Paulo, prolatada em acórdão de 22.2.2007 (Fonte: 668-6/0, localidade: Sorocaba, em que foi relator o Des. Gilberto Passos de Freitas), trata de registro de título de legitimação de terras devolutas. No texto do acór-dão lê-se a seguinte lição:

Aliás, mesmo em sede de terras devolutas, convém lembrar que não se deve confundir a aquisição originária do domínio estatal, preexistente à ação discriminatória, com a aquisição derivada por títulos de legitimação outorgados pelo titular do domínio estatal: “a descriminação é modo originário, enquan-to a legitimação é modo derivado (como também a doação, a venda e compra, a dação, etc.)” (...)Essa, pois, a razão pela qual título de legitimação não tem ingresso no sistema de registro predial sem a prévia inscrição da sentença declaratória do domínio estatal decorrente de ação discriminatória;(...)Pelo mesmo motivo – aquisição derivada –, esgo-tada a disponibilidade quantitativa do registro imo-biliário do domínio estatal, inviável o registro do título de legitimação amarrado, na cadeia filiatória, à respectiva inscrição predial.(...)Registros anteriores em desrespeito à disponibilida-de quantitativa não justificam o registro ora preten-dido, porque, diante de sedimentada orientação do Conselho Superior da Magistratura, inexiste direito adquirido ao engano e, assim, constatado o erro, nele não se pode persistir. (CSM, Apelações Cíveis nºs 306.6/9-00, 118-6/0, 44.297-0/6, 41.855-0/1, 28.280-0/1)

*Francisco José Rezende dos Santos é presidente do IRIB; 4º Oficial do

Registro de Imóveis de Belo Horizonte, MG; especialista em Direito

Registral Imobiliário pela Pontifícia Universidade Comillas, de Madri,

Espanha; mestre em Direito Empresarial pela Faculdade de Direito Milton

Campos; professor de Direito Civil da PUC Minas e da Faculdade de

Direito Milton Campos; e diretor da Escola Superior de Notários e

Registradores do Estado de Minas Gerais, Esnor.

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Regularização fundiária – Lei 11.977/2009João Pedro Lamana Paiva*

A Lei 11.977 procura trazer os imóveis

da informalidade para a formalidade,

para a matriculação. No Brasil,

cerca de 30% a 40% dos imóveis estão

em situação irregular.

A Lei 11.977, de 7 de julho de 2009, está dividida em quatro capítulos. No quarto, das disposições finais, além

de ser tratado o que é assegurado no Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV), mencionam-se as alterações de várias leis brasileiras, entre elas a 6.015/73. O capítulo terceiro trata de regularização fundiária de assentamentos urbanos; o capítulo segundo, do registro eletrônico e das custas e emo-lumentos; e o capítulo primeiro, do PMCMV.

A Lei 11.977/2009, que não favoreceu os registradores imobiliários, é das mais complexas do século XXI. A 10.257, a primeira deste século, é a Lei do Estatuto da Cidade; a 10.267, Lei do Georreferenciamento, representa uma forma de regu-larização dos imóveis rurais; a Lei 10.931 dá autonomia aos registradores imobiliários para a retificação consensual diretamente no serviço registral. Na sequência, a Lei 11.382 altera o Código de Processo Civil; a Lei 11.441 também dá autonomia aos notários brasileiros para os atos de jurisdição voluntária. Logo em seguida, a Lei 11.481, de 2007, estabe-

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lece normas para que União, estados e municípios possam regularizar imóveis sem ação discriminatória. Por fim, essa Lei 11.977, que não é clara em seus artigos e deixa a desejar. Ela procura trazer os imóveis da informalidade para a formalida-de, para a matriculação. No Brasil, cerca de 30% a 40% dos imóveis estão em situação irregular.

Conceito de regularização fundiária da Lei 11.977

Art. 46. A regularização fundiária consiste no con-junto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamen-tos irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamen-te equilibrado.

Esse conceito autoriza a intervenção do poder público na propriedade pública ou privada sem necessidade de desapropriação ou de ação discriminatória com vistas à promoção da moradia de interesse social mediante medidas urbanísticas. Em poucas palavras, a regularização fundiária é um processo que transforma terra urbana em terra urbaniza-da. A desapropriação pode ser uma medida complementar necessária ao processo de urbanização para integração do assentamento irregular à estrutura da cidade – abertura de ruas, criação de praças e espaços necessários para outras infraestruturas.

Portanto, de acordo com a Lei 11.977, regularização fundiária aplica-se a assentamentos irregulares localizados em áreas urbanas públicas ou privadas, predominantemente utilizados para fins de moradia.

A lei estabelece o que é uma área de situação consoli-dada.

Art. 47. Para efeitos da regularização fundiária de assentamentos urbanos, consideram-se:(...)II- área urbana consolidada: parcela da área urbana com densidade demográfica superior a 50 (cinquen-ta) habitantes por hectare e malha viária implantada

e que tenha, no mínimo, 2 (dois) dos seguintes equi-pamentos de infraestrutura urbana implantados:a) drenagem de águas pluviais urbanas;b) esgotamento sanitário;c) abastecimento de água potável;d) distribuição de energia elétrica; oue) limpeza urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos;

O projeto More Legal, do Rio Grande do Sul, estabelece que só imóveis com situações consolidadas possam usar documentação simples, mínima. O que é situação consolida-da? Se uma rua tem de ter doze metros e em determinada área só tem seis, essa rua é regularizada com seis metros por se tratar de situação consolidada. Em face desse conceito dado pela nova lei, é preciso mudar o conceito de consolida-do também no More Legal.

A regularização fundiária de interesse social é o objetivo da Lei 11.977, isto é, a regularização de assentamentos irre-gulares ocupados predominantemente por população de baixa renda, nos casos em que tenham sido preenchidos os requisitos para usucapião ou concessão de uso especial para fins de moradia.

Atenção! Não vamos confundir a regularização de áreas situadas especiais da Lei 11.977 com a Lei 11.481, que trata da concessão de uso especial para fins de moradia, de imóveis situados em Zeis. E aqui está o detalhe dessa legislação, uma vez que a Zeis também pode ocorrer em zona rural e áreas urbanas, de áreas da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios declarados de interesse para implantação de projetos de regularização fundiária de interesse social.

A Zona Especial de Interesse Social, Zeis, é o grande norte da lei, e cabe aos municípios estabelecer quais são essas zonas especiais, instrumento previsto pelo Estatuto da Cidade, segundo o qual o plano diretor abrange o município todo – área urbana, urbanizada e rural –, bem como as áreas disponíveis para moradia popular com o objetivo de implantar habitação de interesse social. A delimitação de Zeis é definida no plano diretor do município e, a meu ver, para poder utilizar os institutos do direito de superfície, do direito de preferência na aquisição, todo e qualquer município terá de ter o seu plano diretor. É nele que se estabelecem normas

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especiais de uso e ocupação de parcelamento do solo.“Há críticas ao conceito de ZEIS trazido pelo inciso V,

do art. 47, da Lei 11.977, que caracteriza essas áreas como constituídas somente por parcelas urbanas, uma vez que elas também podem ser constituídas a partir de áreas rurais cuja destinação seja alterada por força das leis municipais que venham a instituir as referidas ZEIS” (ALMEIDA, Guadalupe. A MP nº 459 e as ZEIS. Revista de Direito Ambiental e Urbanístico, n. 24, Porto Alegre: Magister, jun./jul. 2009, p. 5/9).

Princípios Além das diretrizes da política urbana estabelecidas pelo

Estatuto da Cidade, a regularização fundiária deve observar os seguintes princípios (art. 48): “I- ampliação do acesso à terra urbanizada pela população de baixa renda, com prio-ridade para sua permanência na área ocupada, assegurados o nível adequado de habitabilidade e a melhoria das con-dições de sustentabilidade urbanística, social e ambiental; II- articulação com as políticas setoriais de habitação, de meio ambiente, de saneamento básico e de mobilidade urbana, nos diferentes níveis de governo e com as iniciativas públicas e privadas, voltadas à integração social e à geração de emprego e renda; III- participação dos interessados em todas as etapas do processo de regularização; IV- estímulo à resolução extrajudicial de conflitos; e V- concessão do título preferencialmente para a mulher”.

Legitimação e conversão em usucapião administrativaQuem pode requerer?De acordo com o art. 50 da Lei 11.977, estão legitimados

a promover a regularização fundiária, a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios; e os beneficiários, individual ou coletivamente: cooperativas habitacionais, associações de moradores, fundações e associações sociais.

Para a conversão da propriedade a ser regularizada em usucapião administrativa é preciso um projeto que defina as áreas ou os lotes regularizados; as vias de circulação e áreas destinadas a uso público; as medidas necessárias para promoção de sustentabilidade urbanística, social e ambiental da área ocupada; as condições de segurança para a popula-ção em situações de risco; e as medidas para adequação da infraestrutura.

Cabe observar que, de acordo com o art. 51, parágrafo primeiro, o projeto de regularização fundiária “não será exi-gido para o registro da sentença de usucapião, da sentença declaratória ou da planta, elaborada para outorga adminis-trativa, de concessão de uso especial para fins de moradia”. Ora, então está comprovado que a usucapião judicial não tem de ter projeto.

O art. 52 ressalva os assentamentos antigos. Na regu-larização de assentamentos consolidados anteriormente à publicação da Lei 11.977, “o município poderá autorizar a redução do percentual de áreas destinadas ao uso público e da área mínima dos lotes definidos na legislação de parcela-mento do solo urbano”.

De acordo com o art. 53, a regularização fundiária de interesse social depende de prévia análise e aprovação do projeto pelo município.

Art. 54. O projeto de regularização fundiária de interesse social deverá considerar as características da ocupação e da área ocupada para definir parâ-metros urbanísticos e ambientais específicos, além de identificar os lotes, as vias de circulação e as áreas destinadas a uso público.

A aprovação municipal corresponde a um licenciamento ambiental urbanístico do projeto desde que o município tenha conselho de meio ambiente e órgão ambiental. Se não houver no município esse conselho ou esse órgão capaci-tado para o licenciamento, a aprovação municipal deve ser suprida por órgãos ambientais da respectiva administração estadual.

§ 1º. O Município poderá, por decisão motivada, admitir a regularização fundiária de interesse social em Áreas de Preservação Permanente, ocupadas até 31 de dezembro de 2007 e inseridas em área urbana consolidada, desde que estudo técnico comprove que esta intervenção implica a melhoria das condi-ções ambientais em relação à situação de ocupação irregular anterior.

Na regularização fundiária de interesse social, cabe ao poder público a implantação do sistema viário e da infraes-

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trutura básica, previstos no § 6º do art. 2º da Lei 6.766, de 19 de dezembro de 1979, mesmo que a regularização esteja sendo promovida por outros. As obras de implantação e manutenção de estrutura básica e de equipamentos comuni-tários pelo poder público podem ser realizadas antes mesmo de concluída a regularização jurídica das situações dominiais dos imóveis.

Procedimento de regularização fundiária de interesse socialDe acordo com a Lei 11.977, o procedimento consiste da

lavratura do auto de demarcação urbanística pelo órgão do poder público interessado em realizar a regularização fundi-ária – União, estado ou município.

A demarcação urbanística não tem o condão de propi-ciar a transferência da propriedade imobiliária. Não é esse o objetivo. Como ato administrativo sui generis, apenas sinaliza a possibilidade de aquisição da propriedade imo-biliária pela usucapião administrativa prevista nessa lei. Não constitui título, não adquirindo, o poder público ou os beneficiários, qualquer direito real em razão da demar-cação. Destina-se, esse ato, apenas ao reconhecimento do fato da posse aos beneficiários cadastrados e assentados nessa área. Também não tem natureza de ato expropria-tório (desapropriação), mas tão somente capacidade para fundar a matrícula da área demarcada caso ela não tenha matrícula ou transcrição anterior, dispensando a ação discriminatória.

Modelo de auto de demarcaçãoEste é o modelo do auto de demarcação, bem como o

do parágrafo adicionado, se a referida demarcação urbanís-tica abranger ou confrontar com área pública pertencente à União, ao estado, ao Distrito Federal e ao município.

Auto de demarcação urbanística para regularização fundiária de assentamentos urbanos

O PREFEITO MUNICIPAL DE ......................................... no uso das atribuições que lhe confere a Lei nº..........., de ............ de ..... (Lei Orgânica do Município) e, considerando o que consta do expediente administrativo nº................., da Secretaria Municipal de ................................, FAZ SABER que o terreno urbano localizado no bairro....................... (ou distrito

ou denominação tradicional do lugar), neste Município, com área total de ................ m² com as seguintes caracte-rísticas, dimensões e confrontações............ (coordenadas georreferenciadas dos vértices, se for o caso) registrada no Registro de Imóveis do Município de .................. sob a matrícula número ............. (ou transcrição), em nome de .............................................. (referir os nomes das pessoas que constam no registro (se houver registro), FOI DEMARCADO pela equipe técnica da Secretaria de ................................ deste Município, conforme planta, memorial descritivo, planta de sobreposição e certidão(ões) do Registro Imobiliário, que seguem anexos e integram o presente Auto de Demarcação para fins de REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA, nos termos da Lei Federal nº 11.977, de 07 de julho de 2009, da Lei Federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001, da Lei Municipal nº ..........., de .... de ................ de ......., e do Decreto nº ....................., de ...... de ..................... de ........... (referir, se existente, toda a legislação municipal que regulamentou o procedimento de regularização fundiária no Município).

Modelo de auto de demarcação (parágrafo adicional no caso de área pública)

Considerando que a referida DEMARCAÇÃO URBANÍSTICA abrange (ou confronta com) ÁREA PÚBLICA pertencente ...........................(à União, ao Estado de ................, ao Distrito Federal ou ao Município de ........................), foi realizada a NOTIFICAÇÃO do(a) ......................... (referir a respectiva Procuradoria-Geral ou Órgão de Administração Patrimonial do ente federado envolvido), conforme docu-mento de fl. ...., para que manifestasse, no prazo de 30 (trinta) dias, se era titular do domínio sobre a referida área, não tendo havido manifestação no referido prazo.

Prefeitura Municipal de ....................., em ....de.......de 200.....

PREFEITO MUNICIPALREGISTRE-SE E PUBLIQUE-SE, etc.

Modelo de edital

Edital de notificação

FULANO DE TAL, Oficial do Registro de Imóveis de .........., no uso de suas atribuições e, tendo em vista o que dispõe o art. 57, parágrafos 2º e 3º da Lei nº 11.977/2009, FAZ SABER a .............. (nome(s) e qualificação da(s) pessoa(s) em nome da(s) qual(is) está matriculado o imóvel) e a tantos quantos tomarem conhecimento do

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presente edital que o Poder Público Municipal, em pro-cedimento promovido pela Associação dos Moradores ..........................., realizou a DEMARCAÇÃO URBANÍSTICA, para fins de regularização fundiária de interesse social, da área situada no Bairro ............, neste Município, com as seguintes características (descrição completa do imó-vel, confrontações, medidas, etc.)..............., a qual está representada através do desenho constante do presente Edital. Fica(m), o(s) acima nominado(s), NOTIFICADO(s) de que, no prazo de 15 (quinze) dias, contados a partir da data de publicação deste edital, poderá(ão) apresen-tar, neste Registro de Imóveis, sito na Rua .................., nº……, Bairro ………, nesta cidade, nos dias úteis, no horário das ……. às …..h, IMPUGNAÇÃO ao pedido de averbação da demarcação urbanística realizada, confor-me lhe(s) faculta o inciso III do § 3º do art. 57 da Lei nº 11.977/2009.

Sapucaia do Sul, ......de .................de .........Assinatura do Oficial do Registro de Imóveis

Publicação do edital e gratuidade de emolumentosA publicação do edital deve-se verificar no prazo de 60

dias.Deve haver uma publicação no diário oficial do município

(ou de outro ente da Federação que esteja promovendo a regularização) e uma publicação em jornal de grande circu-lação local, no referido prazo.

A publicação do edital em jornal de grande circulação local corre por conta do promovente do processo de regu-larização fundiária de interesse social, tendo em vista que a gratuidade de emolumentos estabelecida pelo art. 68 da Lei 11.977/2009 compreende tão somente:

a) a averbação do auto de demarcação urbanística;b) o registro dos parcelamentos oriundos da regulariza-

ção fundiária; ec) o registro do título de legitimação e de sua conversão

em título de propriedade.O poder público deverá remeter ao Registro de Imóveis

cópia do diário oficial que publicou o edital, para juntada aos autos do procedimento.

O promovente do processo de regularização fundiária deverá remeter ao Registro de Imóveis exemplar do jornal de grande circulação que publicou o edital, para juntada aos autos do procedimento.

Procedimento de regularização fundiária (art. 56, § 1º)O auto de demarcação urbanística deve ser instruído com os

seguintes instrumentos: “I- planta e memorial descritivo da área a ser regularizada, nos quais constem suas medidas perimetrais, área total, confrontantes, coordenadas preferencialmente geor-referenciadas dos vértices definidores de seus limites, número das matrículas ou transcrições atingidas, indicação dos proprie-tários identificados e ocorrência de situações mencionadas no inciso I do § 6º; II- planta de sobreposição do imóvel demarcado com a situação da área constante do registro de imóveis e, quan-do possível, com a identificação das situações mencionadas no inciso I do § 6º; e III- certidão da matrícula ou transcrição da área a ser regularizada, emitida pelo registro de imóveis, ou, diante de sua inexistência, das circunscrições imobiliárias anteriormente competentes”.

Se a demarcação urbanística abranger área pública ou com ela confrontar:

§ 2º. O Poder Público deverá notificar os órgãos responsáveis pela administração patrimonial dos demais entes federados, previamente ao encami-nhamento do auto de demarcação urbanística ao registro de imóveis, para que se manifestem no prazo de trinta dias:

Na ausência de manifestação no prazo de trinta dias, o poder público prosseguirá a demarcação urbanística. No que se refere a áreas de domínio da União, aplica-se o disposto na seção 3-A do Decreto 9.960. Esse decreto foi alterado pela Lei 11.481/2007, que alterou o Código Civil e criou mais direitos reais; alterou o capítulo da hipoteca permitindo que o direito de superfície, o direito de uso, também seja hipotecado; e alterou as leis 6.015/73 e 6.766/79.

Patrimônio públicoSe o imóvel pertencer à União ou a outro ente federado,

portanto, pode haver regularização fundiária também desse imóvel, de acordo com o que institui a Lei 11.481. Ao final da regularização, a diferença consiste no seguinte: o título rece-bido pelo beneficiário é de uma concessão de uso especial para fins de moradia, que constitui direito real sobre o imóvel público regularizado.

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XXXVI Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil

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Pedido de averbação do auto e notificações (art. 57 § 1º)Após a demarcação, o órgão do poder público deve apre-

sentar ao Registro de Imóveis pedido de averbação do auto de demarcação.

Recebido o pedido, o registrador de imóveis procura identificar o proprietário e a matrícula do imóvel objeto da demarcação e notifica pessoalmente o proprietário da área, com prazo de quinze dias para impugnação.

O RI notifica, por edital, os confrontantes e interessados, com prazo de quinze dias para impugnação.

Notificação do proprietário por edital (art. 57, parágrafos 3º a 5º)Não localizado o proprietário, o RI providenciará sua noti-

ficação por edital, com quinze dias para impugnação, nele constando resumo do auto de demarcação urbanística com descrição que permita a identificação da área a ser demarca-da e seu desenho simplificado. A publicação do edital deve--se dar em até 60 dias, uma vez pela imprensa oficial e uma vez em jornal de grande circulação local.

Modelo de edital: notificação

Edital de notificação

FULANO DE TAL, Oficial do Registro de Imóveis de .........., no uso de suas atribuições e, tendo em vista o que dispõe o art. 57, parágrafos 2º e 3º da Lei nº 11.977/2009, FAZ SABER a .............. (nome(s) e qualificação da(s) pessoa(s) em nome da(s) qual(is) está matriculado o imóvel) e a tantos quantos tomarem conhe-cimento do presente edital que o Poder Público Municipal, em procedimento promovido pela Associação dos Moradores ..........................., realizou a DEMARCAÇÃO URBANÍSTICA, para fins de regularização fundiária de interesse social, da área situada no Bairro ............, neste Município, com as seguintes caracterís-ticas (descrição completa do imóvel, confrontações, medidas, etc.)..............., a qual está representada através do desenho constante do presente Edital. Fica(m), o(s) acima nominado(s), NOTIFICADO(s) de que, no prazo de 15 (quinze) dias, contados a partir da data de publicação deste edital, poderá(ão) apresen-tar, neste Registro de Imóveis, sito na Rua .................., nº……, Bairro ………, nesta cidade, nos dias úteis, no horário das ……. às …..h, IMPUGNAÇÃO ao pedido de averbação da demarcação urbanística realizada, conforme lhe(s) faculta o inciso III do § 3º do art. 57 da Lei nº 11.977/2009.

Sapucaia do Sul, ......de .................de .........

Assinatura do Oficial do Registro de Imóveis

Publicação do edital e gratuidade de emolumentosA publicação do edital deve-se verificar no prazo de 60 dias.Deve haver uma publicação no diário oficial do município

(ou de outro ente da Federação que esteja promovendo a regularização) e uma publicação em jornal de grande circu-lação local, no referido prazo.

A publicação do edital em jornal de grande circulação local corre por conta do promovente do processo de regu-larização fundiária de interesse social, tendo em vista que a gratuidade de emolumentos estabelecida pelo art. 68 da Lei 11.977/2009 compreende tão somente:

a) a averbação do auto de demarcação urbanística;b) o registro dos parcelamentos oriundos da regulariza-

ção fundiária; ec) o registro do título de legitimação e de sua conversão

em título de propriedade.O poder público deverá remeter ao Registro de Imóveis

cópia do diário oficial que publicou o edital, para juntá-la aos autos do procedimento.

O promovente do processo de regularização fundiária deverá remeter ao Registro de Imóveis exemplar do jornal de grande circulação que publicou o edital, para juntada aos autos do procedimento.

O procedimento da regularização fundiária de interesse social (consequências da impugnação) (art. 57, parágrafos 3º a 5º)Se não houver impugnação, será averbado o auto de

demarcação na matrícula do imóvel. Se não houver matrícu-la, ela deverá ser aberta.

Se houver impugnação, o Registro de Imóveis notificará o poder público para que se manifeste no prazo de 60 dias.

Modelo de abertura de matrícula (imóvel demarcado a ser parcelado)

REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE SAPUCAIA DO SUL-RS

LIVRO nº 2 – REGISTRO GERAL MATRÍCULA nº …...…FICHA….

Sapucaia do Sul, .....de .......................de 2009.IMÓVEL – TERRENO URBANO de forma poligonal irre-

gular, com área superficial de..........metros e ..........decímetros quadrados (...............,......m²), com as seguintes dimensões e

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confrontações: a NOROESTE, na extensão de ............metros e ..........decímetros (....,....m), com o alinhamento da Rua .............; a SULESTE, na extensão de .......... metros e .....decímetros (....,....m); a NORDESTE, na extensão de ........metros e .......decímetros com área pertencente ao Município e a SUDOESTE, com o alinha-mento da Avenida .................................................

PLANTA DE SITUAÇÃO (DESENHO RESUMIDO).QUARTEIRÃO – O quarteirão é formado pelas Ruas ........

................................... e.............................., Avenida ...........................

.......... e Travessa ...........................MATRÍCULA ABERTA EM VIRTUDE DE PROCEDIMENTO

DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DE INTERESSE SOCIAL, nos termos do § 5º do art. 57 da Lei nº 11.977/2009, promovido pelo Poder Público Municipal e/ou......................... (outro legitimado), conforme expediente administrativo núme-ro ............, passado em .....de...............de........, devidamente arquivado nesta Serventia.

Registrador/substituto: ______________________AV-1/........., em .../....../..........(CONSIGNAR A AVERBAÇÃO DO AUTO DE

DEMARCAÇÃO URBANÍSTICA REALIZADO PELO PODER PÚBLICO MUNICIPAL, CONFORME MODELO APRESENTADO A SEGUIR).

Possibilidade de alteração da demarcação (art. 57, parágrafos 6º ao 10)O poder público poderá propor a alteração do auto de

demarcação urbanística ou adotar qualquer outra medida que possa afastar a oposição do proprietário ou dos con-frontantes à regularização da área ocupada – poderá, inclu-sive, excluir do auto a área impugnada, conforme entende o desembargador Venício Salles, do TJSP.

Se houver impugnação apenas em relação a uma parcela da área demarcada, o procedimento seguirá em relação à parcela não impugnada.

O oficial do Registro de Imóveis deverá promover tentati-va de acordo entre o impugnante e o poder público.

Se não houver acordo, a demarcação urbanística será encerrada em relação à área impugnada.

O des. Venício Salles salienta que não cabe ao oficial lançar qualquer tipo de decisão ao final da instância admi-nistrativa, na qual, não resultando consenso entre as partes, franqueado estará o acesso à instância judicial, pela muni-cipalidade, pelos demais interessados ou pelo impugnante (SALLES, Venício. Usucapião Administrativa – Lei 11.977/2009, <colegioregistralrs.org.br>, acesso em 11/8/2009).

Modelo de averbação do auto de demarcação urbanística

AV-..../........, em .../.../......TÍTULO – AUTO DE DEMARCAÇÃO URBANÍSTICA.Nos termos do AUTO DE DEMARCAÇÃO URBANÍSTICA,

lavrado pelo Município de ......, em .../.../...... e assinado pelo Exmo. Senhor Prefeito Municipal ......., instruído com os docu-mentos previstos no parágrafo 1º, incisos I, II e III do art. 56 da Lei nº 11.977/2009, fica constando que o imóvel objeto desta matrícula foi demarcado para fins de regularização fundiária de interesse social, nos termos da referida Lei.

PROTOCOLO – Título apontado sob nº ……., em 8/9/2009.

Sapucaia do Sul, 8 de setembro de 2009.Registrador/substituto: __________________

Efeitos da averbaçãoUma vez averbado o auto de demarcação urbanística, a

matrícula fica bloqueada para outros atos que não os subse-quentes ao desenvolvimento do processo de regularização fundiária de interesse social.

Assim, não poderão ser objeto de registro, por exemplo, títulos relativos a outros negócios jurídicos envolvendo o imóvel constante dessa matrícula, salvo determinação judi-cial cautelar que interdite o processo de regularização ou determine outra providência ao registrador.

Averbado o auto de demarcação urbanística (art. 167, II, nº 26, da LRP), o poder público deverá executar o projeto de regularização (art. 51, Lei 11.977) e submeter a registro o parcelamento dele decorrente (o art. 65 especifica os docu-mentos a serem apresentados para o registro).

O registro do parcelamento determina a abertura de matrícula para todas as parcelas resultantes do projeto, as quais não podem ser remembradas (artigos 66 e 70).

Modelo de registro de parcelamento do solo

R.../........., em ..../..../...... TÍTULO – REGISTRO DE PARCELAMENTO DO SOLONos termos do requerimento firmado pelo Município

de ............., em .../.../......., através de seu Prefeito Municipal .................., instruído com a documentação prevista no art. 51 da Lei nº 11.977/2009, fica constando que o imóvel objeto

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XXXVI Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil

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desta matrícula foi regularizado/loteado/desmembrado, nos termos do art. 58 da referida Lei, por se tratar de área de interesse social, da seguinte forma: 20.000,00 m² desti-nados aos lotes; 15.000,00 m² destinados ao sistema viário; e 4.000,00 m² destinados às áreas públicas.

Fica constando, ainda, que, em virtude do parcela-mento, os lotes, as áreas públicas e o sistema viário foram matriculados sob os números ............., com o que se encerra a presente matrícula.

PROTOCOLO – Título apontado sob nº ………, em …./…./……

Sapucaia do Sul, …. de ……….. de …….Registrador/substituto: _____________________

A legitimação de posse devidamente registrada constitui direito em favor do detentor da posse direta para fins de moradia.

Após o registro do parcelamento, o poder público concederá título de legitimação de posse aos ocupantes cadastrados.

O título de legitimação de posse será concedido prefe-rencialmente em nome da mulher e registrado (art. 167, I, nº 41, LRP) na matrícula do imóvel.

Esse é um título precário que apenas materializa o fato da posse, até que venha a ser provado ou implementado o prazo constitucional de posse ad usucapionem (art. 183, CF) para que se dê sua conversão em título de propriedade.

Modelo de título de legitimação de posse

O PREFEITO MUNICIPAL DE................, tendo em vista o procedimento de Regularização Fundiária de Interesse Social de que trata o expediente administrativo nº……, da Secretaria Municipal de………………, CONCEDE o presente TÍTULO DE LEGITIMAÇÃO DE POSSE do imóvel situado neste Município, na Rua………….. (descrever e caracterizar o imóvel), conforme matrícula nº ………… do Registro de Imóveis desta Comarca a FULANA(O) DE TAL (qualificar a(s) pessoa(s) titulada(s), na condição de detentor(a) da posse direta, o DIREITO DE MORADIA sobre o referido imóvel, nos termos do art. 59 da Lei nº 11.977/2009.

Data e ASSINATURA DO PREFEITO MUNICIPAL.(Publicado no Diário Oficial de.................)

Legitimação de posse versus concessão de uso especialNão vemos a possibilidade de equiparar o instituto da

legitimação de posse para fins de moradia resultante de regularização fundiária de interesse social (art. 59 da Lei

11.977/2009) ao instituto da concessão de uso especial para fins de moradia em imóveis da União ou de outros entes federados (art. 22-A da Lei 9.636/98). Apenas esta última foi guindada à condição de direito real, nos termos do art. 1.225, XI, do Código Civil, com alteração da Lei 11.481/2007.

A legitimação de posse será concedida aos moradores cadastrados pelo poder público, desde que:

I. não sejam concessionários, foreiros ou proprietários de outro imóvel urbano ou rural;

II. não sejam beneficiários de legitimação de posse con-cedida anteriormente; e

III. os lotes ou fração ideal não sejam superiores a 250 m².

Modelo de registro de legitimação de posse (art. 59)

R..../........, em .../.../.......TÍTULO – LEGITIMAÇÃO DE POSSE.Nos termos do instrumento administrativo de legitimação

de posse firmado em ......... pelo Município de .........., através de seu Prefeito Municipal ..................., fica constando que, nos termos do art. 59 da Lei nº 11.977/2009, foram legitimados na posse do imóvel objeto desta matrícula FULANA DE TAL, do lar, com RG nº…………. e seu esposo BELTRANO DE TAL, pedreiro, com RG nº …………, conferindo lhes o DIREITO DE MORADIA.

PROTOLOCO – Título apontado sob nº ……… em …/…./……..

Sapucaia do Sul, em…/…/…….Registrador/substituto: ____________________

Regularização fundiária e usucapião (Art. 60)Sem prejuízo dos direitos decorrentes da posse exercida

anteriormente, o detentor do título de legitimação de posse, após cinco anos de seu registro, poderá requerer ao oficial de Registro de Imóveis a conversão desse título em registro de propriedade, tendo em vista sua aquisição por usucapião, nos termos do art. 183 da Constituição Federal.

Usucapião extrajudicialO instituto contemplado no art. 60 significa a introdução

da usucapião extrajudicial no país, a qual se processa perante o Oficial do Registro de Imóveis, independendo de qualquer decisão ou homologação judicial. Caracteriza-se por dois aspectos peculiares:

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1º) Resulta de prévio processo de regularização fundiária de interesse social; e

2º) Contempla somente a usucapião especial urbana (ou constitucional).

O prazo constitucionalDe acordo com o que estabelece o art. 60 da lei podem-

-se verificar duas situações em relação à implementação do prazo da posse ad usucapionem (que é de cinco anos) nos termos do art. 183 da Constituição:

a) Poderá já estar caracterizado ao tempo da realização da regularização fundiária; e

b) Terá de aguardar o transcurso desse prazo, por inteiro, o qual será contado a partir do registro da legitimação de posse.

A prova da posse anteriorSurge, assim, a questão relativa à forma como poderá ser

provada a posse quinquenária anterior à concessão do título de legitimação pelo poder público. Apesar de a matéria não ter sido regulada pela lei, entendemos que:

a) a prova deve ser feita, de preferência, com base em documentos, perante o Oficial do RI;

b) se a posse só puder ser provada através de testemu-nhas, deverá ser produzida por meio de escritura pública de justificação de posse; e

c) a prova também poderá ser produzida pelo poder público, com base em seus registros administrativos, que demonstrem a implementação do prazo de cinco anos.

Conversão do registro de posse em registro de propriedade (art. 60, §§ 1º e 2º)Para requerer a conversão do registro de posse em regis-

tro de propriedade, o adquirente apresentará ao Registro de Imóveis:

I. certidões do cartório distribuidor demonstrando a ine-xistência de ações em andamento que versem sobre a posse ou a propriedade do imóvel (devem ser relativas à totalidade da área e serão fornecidas pelo poder público);

II. declaração de que não possui outro imóvel urbano ou rural;

III. declaração de que o imóvel é utilizado para sua mora-dia ou de sua família;

IV. declaração de que não teve reconhecido anteriormen-

te o direito à usucapião de imóveis em áreas urbanas; eV. prova documental comprobatória da posse anterior,

escritura de justificação ou prova administrativa do poder público (no caso de antecipação do prazo de 5 anos).

Modelo de conversão da legitimação de posse em registro de propriedade (art. 60)

R.../....... TÍTULO – CONVERSÃO DA LEGITIMAÇÃO DE POSSE EM

PROPRIEDADE.Nos termos do requerimento firmado por FULANA DE TAL,

do lar, com RG ...... e seu esposo BELTRANO DE TAL, pedreiro, com RG ............., instruído com os documentos previstos no parágrafo 1º, incisos I, II, III e IV do art. 60 da Lei nº 11.977/2009, fica convertida a legitimação de posse, concedida aos reque-rentes no R....., em PROPRIEDADE, em virtude de sua aquisição por usucapião. Nos termos do art. 183 da Constituição Federal fica consignado, ainda, que o imóvel objeto desta matrícula não poderá ser remembrado, nos termos dos arts. 36 e 70 da referida lei, por ter se originado de parcelamento resultante de regularização fundiária de interesse social.

PROTOCOLO – Título apontado sob nº …….., em …./…./……

Sapucaia do Sul, ….de ………de …….Registrador/substituto: _______________________

Alterações na legislação registral

Art. 74De acordo com o art. 74, o Decreto-lei 3.365/41 passou a

vigorar com as seguintes alterações:

Art. 15. ............................§ 4º A imissão provisória na posse será registrada no Registro de Imóveis competente.

Art. 76Art. 76. A Lei nº 6.015/73 passa a vigorar com as seguin-

tes alterações:

Art. 17........................Parágrafo único. O acesso ou envio de informações aos registros públicos, quando forem realizados por meio da rede mundial de computadores (internet),

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deverão ser assinados com uso de certificado digi-tal, que atenderá os requisitos da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP.

Para as disposições relativas ao registro eletrônico foi acrescido o parágrafo único ao art. 17 da LRP.

Para adequação da regularização fundiária instituída pela Lei 11.977 foram introduzidas, ainda, as seguintes alterações na LRP (Lei 6.015/73):

Art. 167. .................................................................... I – ................................................................................................................................................................... da legitimação de posse; II – ............................................................................................................................................................ 26. do auto de demarcação urbanística

Foi inserido o nº 41 no inciso I do art. 167, para possibi-litar o registro da legitimação de posse (art. 58, § 1º, da Lei 11.977).

Foi inserido, também, o nº 26 no inciso II do art. 167, para possibilitar a averbação do auto de demarcação urbanística (caput do art. 58 da Lei 11.977).

Art. 221. ............................................................................................................................................................. V – contratos ou termos administrativos, assinados com a União, Estados e Municípios no âmbito de programas de regularização fundiária, dispensado o reconhecimento de firma.

Também foi acrescentado, no art. 221 da LRP, o inciso V, para admitir como títulos registráveis os “contratos ou termos administrativos, assinados com a União, Estados e Municípios no âmbito de programas de regularização fundi-ária, dispensado o reconhecimento de firma”.

Acréscimo de artigo à LRP reduzindo emolumentos para incorporadores

Art. 237-A. Após o registro do parcelamento do solo ou da incorporação imobiliária, até a emissão da

carta de habite-se, as averbações e registros relati-vos à pessoa do incorporador ou referentes a direi-tos reais de garantias, cessões ou demais negócios jurídicos que envolvam o empreendimento serão realizados na matrícula de origem do imóvel e em cada uma das matrículas das unidades autônomas eventualmente abertas. § 1º Para efeito de cobrança de custas e emolumen-tos, as averbações e os registros realizados com base no caput serão considerados como ato de registro único, não importando a quantidade de unidades autônomas envolvidas ou de atos intermediários existentes. § 2º Nos registros decorrentes de processo de par-celamento do solo ou de incorporação imobiliária, o registrador deverá observar o prazo máximo de 15 (quinze) dias para o fornecimento do número do registro ao interessado ou a indicação das pendên-cias a serem satisfeitas para sua efetivação.

Alterações no Estatuto da Cidade (art. 78)

Art. 78. O inciso V do art. 4º da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, passa a vigorar acrescido das seguin-tes alíneas t e u: Art. 4º .............................................................................................................................................. V – ............................................................................................................................................................. t) demarcação urbanística para fins de regularização fundiária; u) legitimação de posse.

Foram acrescidos ao Estatuto da Cidade dois novos instrumentos de política urbana para o país: a demarcação urbanística para fins de regularização fundiária (alínea “t” do inciso V do art. 4º) e a legitimação de posse (alínea “u” do inciso V do art. 4º).

*João Pedro Lamana Paiva é registrador imobiliário de Sapucaia do Sul,

RS, e presidente do Conselho Deliberativo do IRIB.

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Registro eletrônico obrigatório – Lei 11.977/2009Helvécio Duia Castello*

Nos últimos três anos o IRIB e as

demais entidades representativas dos

registradores e notários brasileiros

criaram a infraestrutura necessária para

que registradores e notários passassem

a operar no mundo digital com

tranquilidade, suporte e simplicidade.

Vivemos um momento extremamente importante. Apesar de causar alguns sustos e receios nos registrado-

res, o processo de migração para o mundo eletrônico será a salvação do exercício da nossa atividade. Vamos prestar um serviço de altíssima qualidade, o que vai mostrar cada vez mais a importância dos nossos serviços, bem como os bene-fícios do sistema registral brasileiro, que vem sendo copiado por vários países graças à recomendação do Banco Mundial.

Os objetivos desta apresentação são: apresentar o papel dos registradores imobiliários e os regramentos aos quais estão sujeitos no que diz respeito ao uso de documentos eletrônicos em suas atividades; conhecer outras entidades e estruturas que se integram no contexto atual de forma a completar o conjunto de processos a serem executados para garantir a segurança dos registros eletrônicos e certidões digitais no longo prazo.

Obrigatoriedade do registro eletrônicoA Lei 11.977, de 7 de julho de 2009, introduziu no regra-

mento jurídico a obrigatoriedade do registro eletrônico. O art. 37 determina que “os serviços de registros públicos de que trata a Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, observados os prazos e condições previstas em regulamento, instituirão sistema de registro eletrônico.”

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XXXVI Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil

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O art. 38 dispõe que “os documentos eletrônicos apre-sentados aos serviços de registros públicos ou por eles expedidos deverão atender aos requisitos da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP e à arquitetura e-PING (Padrões de Interoperabilidade de Governo Eletrônico), con-forme regulamento.” 

Parágrafo único. Os serviços de registros públicos dispo-nibilizarão serviços de recepção de títulos e de forneci-mento de informações e certidões em meio eletrônico.

É cada vez maior a necessidade e o interesse do governo e do Poder Judiciário de obter informações com segurança e rapidez. Embora eficiente, nosso sistema é segmentado. Cada cartório possui o seu próprio sistema de pesquisa, de buscas e de informação. Por isso o governo estabeleceu prazo de cinco anos para que os registradores cuidem da integração de suas bases de dados localizadoras de forma que governo e sociedade obtenham as informações neces-sárias eletronicamente, sem necessidade de deslocamento.

Os atos registrais praticados a partir da Lei 6015/73 (LRP) deverão ser inseridos no sistema de registro eletrônico num prazo de cinco anos contados da data de publicação da Lei 11.977. E os atos praticados anteriormente à vigência da Lei 6015 também serão inseridos no sistema.

Originariamente, o parágrafo único do art. 39 dispunha que “os atos anteriores poderão ser inseridos”; o Congresso Nacional tornou também essa inserção obrigatória. No entan-to, o caput diz que apenas os atos praticados serão inseridos no sistema ao passo que o parágrafo único diz que “os atos na vigência da Lei 6.015... O parágrafo único, ao estender a obrigatoriedade também aos atos praticados na vigência da legislação anterior, tornou obrigatória a digitalização e a transferência para o mundo digital dos documentos arquiva-dos que deram origem àqueles atos. Apesar da incoerência, ela não vai causar problema algum, uma vez que o parágrafo não fixou prazo para essa imposição.

No cartório onde sou titular todo acervo está digitaliza-do. Todas as matrículas e todos os documentos do arquivo morto, mais de um milhão e duzentos mil documentos desde 1962, data de criação do cartório. A facilidade de tra-balho num sistema em que está tudo digitalizado é imensa. Em seu computador o registrador acessa qualquer documen-

to, qualquer informação do cartório. Por opção pessoal digi-talizamos todos os documentos que tramitam no cartório e eles foram inseridos no arquivo. Cada documento que entra é protocolado e imediatamente digitalizado. O exame pode ser feito a partir da imagem digital ou no documento físico que tramita no cartório.

Haverá uma regulamentação por decreto sobre os requi-sitos quanto a cópia de segurança e os livros escriturados de forma eletrônica. Na Lei 11.419 já havia a previsão de que todos os livros destinados ao Poder Judiciário podem ser escriturados e mantidos em formato eletrônico, previsão essa que com certeza se aplica ao sistema registral e notarial. Não há mais obrigatoriedade de uso do papel e mais do que isso, no prazo de cinco anos será proibido o uso de papel: todos os documentos deverão estar mantidos em formato eletrônico.

Art. 41. A partir da implementação do sistema de registro eletrônico de que trata o art. 37, os servi-ços de registros públicos disponibilizarão ao Poder Executivo federal, por meio eletrônico e sem ônus, o acesso às informações constantes de seus bancos de dados, conforme regulamento.

Esse decreto vai regulamentar uma série de coisas e os registradores, os notários brasileiros estão participando do processo de definição desse regulamento, que envolve aspectos jurídicos e principalmente técnicos. E o regulamen-to disporá sobre as condições e etapas mínimas, bem como os prazos máximos etc., que terão de ser cumpridos para que a regra seja aplicada.

O uso do certificado digital é indispensável. A Receita Federal aguarda que os registradores e notários brasileiros definam em que momento a Declaração sobre Operações Imobiliárias, DOI, passará a ser assinada digitalmente com certificado digital para que seja um documento com validade jurídica plena.

Migração para novas tecnologias com suporte do IRIB e demais entidadesNinguém precisa se assustar com a migração para o uso

de novas tecnologias uma vez que já estamos acostumados a elas e nossas instituições têm cuidado do desenvolvimento das ferramentas necessárias para que se opere nesse novo mundo.

Desde a promulgação das leis 11.280 e 11.419, ambas de

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2006, impondo ao Judiciário brasileiro a adoção do processo eletrônico, sabíamos que seria uma questão de tempo para que o uso desses sistemas se tornasse obrigatório também na atividade registral e notarial. Era preciso que, institucio-nalmente, preparássemos essa migração sem exigir de regis-tradores e notários grandes investimentos financeiros, de tempo ou de conhecimento para operar no mundo digital.

Vários cartórios têm condições de fazer essa migração, de pesquisar e até de desenvolver tecnologia necessária para cumprir de forma eficiente, correta e segura seu papel no desempenho da atividade. Mas a grande maioria, por questões de localização, infraestrutura e capacidade de investimento não teria condições de fazer isso.

Se cada registrador e notário tivesse de se adaptar individualmente à exigência legal do registro eletrônico, correríamos dois riscos: 1) o sistema poderia ficar prisioneiro de soluções tecnológicas de propriedade de instituições que não as registrais e notariais; 2) não haveria uma padronização mínima para que o sistema se tornasse interoperável. As enti-dades que representam a categoria tiveram a preocupação de não deixar que isso ocorresse.

Todos serão obrigados a receber documentos eletrônicos no balcão do cartório bem como pela rede mundial de com-putadores. Isso exige sistemas de recepção de documentos, isto é, grandes protocolos eletrônicos que ordenarão e definirão a data exata de entrada de um documento, seja ele uma requisição de repartição pública, uma escritura pública eletrônica enviada por tabelião de notas, ou um contrato particular utilizado pelo sistema financeiro e enviado pelo respectivo banco. Enfim, o novo sistema utiliza, obrigatoria-mente, mecanismo de protocolização digital com datação e carimbo de tempo legal dos documentos eletrônicos. Esses são os requisitos de validade do documento eletrônico sem prejuízo do protocolo oficial em cada unidade do serviço registral com a integração necessária e, além disso, meca-nismos destinados ao respeito dos prazos legais de registro.

Nos últimos três anos, o IRIB, o Colégio Notarial do Brasil – seção São Paulo, o Instituto de Registro de Títulos e Documentos e de Pessoas Jurídicas do Brasil, e a Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo (Arpen-SP) criaram a infraestrutura necessária para que registradores e notários passassem a operar nesse mundo digital com tranquilidade, suporte e simplicidade.

A modernização tem duas colunas de sustentação: a adequação às normas legais e a utilização de novos conceitos e ferramentas.

Com a celeridade obtida pelo sistema eletrônico não faz sentido que continuemos a usar o prazo de trinta dias fixado em lei. Em 1973, quando a lei 6.015 foi editada, esse prazo era razoável; hoje não é mais. Quanto mais rápida a prestação do serviço, mais satisfeitas e mais bem atendidas serão as pessoas que precisam das nossas atividades.

Ao alterar o Código de Processo Civil, a lei 11.382/2006 criou o artigo 615-A, numa demonstração do que estava por vir, ou seja, as penhoras poderiam ser feitas em formato eletrônico. Como um elemento simbolizador do que vemos hoje, a regra do artigo 689-A estabelece: “O procedimento previsto nos arts. 686 a 689 poderá ser substituído, a requerimento do exeqüente, por alienação realizada por meio da rede mundial de computadores, com uso de páginas virtuais criadas pelos Tribunais ou por enti-dades públicas ou privadas em convênio com eles firmado.” Em breve, os leilões judiciais vão deixar de ser presenciais.

Preocupados com tudo isso, o IRIB e demais entidades resolveram ser protagonistas desse processo, tínhamos que estar à frente no desenvolvimento de soluções viáveis para nossa atividade. A ideia foi construir uma infraestrutura que deixasse um legado de eficiência tecnológica para gerações futuras. Para isso criamos em conjunto – registradores imo-biliários, registradores de títulos e documentos de pessoa jurídica e registradores civis – a Autoridade Certificadora Brasileira de Registros, AC BR, que fornece os insumos neces-sários para que o documento eletrônico tenha validade jurí-dica plena: autenticidade, integridade, não repúdio e sigilo.

Os registradores e os notários criaram duas autoridades certificadoras, Autoridade Certificadora Brasileira de Registro, AC BR, e Autoridade Certificadora Notarial, AC Notarial. Com essas duas autoridades certificadoras, que já estão em funcionamento, foram criados todos os elementos necessários para que os regis-tradores e os notários brasileiros passassem não só a operar no mundo digital, mas a fornecer ferramentas e insumos para que a sociedade possa interagir com o sistema nessa área digital.

Os certificados digitais emitidos na cadeia da AC BR e na cadeia da AC Notarial são emitidos com um carimbador de tempo. Quem tem um certificado da AC BR ou da AC Notarial não precisa comprar carimbo de tempo, o uso é aberto e ilimitado.

37XXXVI Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil • 14 a 18 de setembro de 2009

XXXVI Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil

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Os registradores brasileiros têm 60% do capital e o con-trole acionário de uma empresa de Santa Catarina que faz pesquisa científica em tecnologia, a BRy, por meio da qual estamos disponibilizando, gratuitamente, para toda a popu-lação brasileira, um assinador digital de altíssima qualidade com recursos que nenhum outro assinador digital tem.

O assinador digital desenvolvido pela BRy pode ser baixado no portal do IRIB, da Arpen-SP ou da própria BRy. Ele permite ao usuário abrir e assinar qualquer documento, bem como decidir se deseja encaminhar aquele documento para registro público. O assinador contém um link que direciona para o documento as centrais registral e notarial de serviços eletrônicos compartilha-dos, que por sua vez direcionarão aqueles pedidos de serviços e registros para cada cartório competente.

Ações estruturantes adotadas pelo IRIB nos últimos três anos Decidimos continuar com uma participação mais efetiva

na Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico – camara-e.net, presidida por Manuel Matos, a maior organização não governamental da América Latina voltada exclusivamente ao uso de documento eletrônico. Participam dessa Câmara todos os segmentos da sociedade brasileira, o Supremo Tribunal Federal, empresas como Google, Microsoft, Walmart e Submarino. A camara-e.net tem um comitê registral, outro notarial e um comitê de desenvolvedores do qual participam todas as empresas de desenvolvimento de software para cartório. Dos comitês registral e notarial participam notários e registradores que discutem com os agentes econômicos, com o governo e com o Judiciário a forma mais rápida de evolução para o processo digital.

Os registradores também têm assento no comitê gestor da ICP-Brasil, o órgão máximo de regulação do documento eletrônico no país. Como presidente do IRIB, eu integro o comitê na ICP-Brasil na condição de membro suplente e o titular é o Manuel Matos.

Continuamos participando, ainda, da comissão técnica do comitê gestor da ICP-Brasil onde são discutidos todos os dados técnicos. Temos representação nessa comissão para garantir que o desenvolvimento e o regramento baixado pela ICP-Brasil, seja de fato o melhor para a implantação do documento eletrônico.

Participamos também do grupo de trabalho criado pelo

CNJ, mediante portaria baixada pela ministra Ellen Gracie que está sendo reeditada pela atual direção do CNJ.

Serviços e suporte para registradores imobiliários brasileirosQuanto à implantação do programa de capacitação dos

registradores brasileiros para uso seguro do documento ele-trônico, as maiores empresas de desenvolvimento de software para cartório do país integram essa grande estrutura da AC BR e CRSEC, Central Registral de Serviços Eletrônicos Compartilhados, como empresas prestadoras de serviços e suporte.

Cada registrador tem seu programa de informática desenvol-vido por uma empresa na qual ele confia, por isso o ideal é que todas elas se habilitem a ser prestadoras de serviço de suporte. Muitos desses desenvolvedores estão hoje integrados nesse gran-de processo de informatização e modernização do sistema como agentes decisivos no processo de implantação efetiva.

Indicadores do futuro do registro imobiliárioEm 2006, a Lei 11.280 já estabelecia que os tribunais pudes-

sem usar documentos eletrônicos desde que atendidos os requisitos de autenticidade, integridade, validade jurídica e inte-roperabilidade da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira, ICP-Brasil. Ainda em 2006, a informatização do processo judicial com a Lei 11.419 sinalizava aonde chegaríamos.

Agora em 2009, chegou o futuro do uso desses insumos. A Lei 11.977 instituiu o regime obrigatório, criou a recepção e a emissão de título em formato eletrônico. Para isso preci-samos de tecnologia e, para desenvolvê-la, são necessários no mínimo dois a três anos de investimentos. Felizmente, o trabalho foi desenvolvido e estamos preparados para isso. O sistema que detalhamos aqui está pronto, está em operação.

E nós estamos prontos para isso, a nossa infraestrutura já está em operação e agora com benefícios fiscais. O art. 3º da Lei 12.024, de 27 de agosto de 2009, permite que os investi-mentos com informática sejam deduzidos do IR.

Nós vamos ter um benefício fiscal direto concedido pelo Estado brasileiro, o que é muito bom. Não é suficiente, mas é muito bom. É necessário, mas traz embutida a responsa-bilidade para que cada um de nós adentre o mundo digital.

*Helvécio Duia Castello é Oficial de Registro de Imóveis em Vitória, ES, e

presidente do IRIB.

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Incentivos fiscais – Lei 12.024/2009Antonio Herance Filho*

Registradores imobiliários podem levar a

aquisição de computadores para o livro-

caixa como despesa dedutível.

No contexto da Lei 12.024, de 27 de agosto de 2009, há uma norma relativa ao registro eletrônico. Lamentavelmente vejo alguns problemas na regra do art. 3º dessa lei e é disso que eu vou tratar aqui.

A chamada regra de incentivo prevê um período de vigência, mas tenho dúvidas de que seja exatamente como está na lei. Até o exercício de 2014, ano calendário 2013, ou seja, até 31 de dezembro de 2013, vamos poder usufruir dessa regra de incentivo cujo objetivo é implementar o

registro eletrônico. Permitir a dedução da base de cálculo do imposto mensal e anual, consequentemente, sobre a renda da pessoa física, dos investimentos e demais gastos efetua-dos com a informatização, que compreendem:aquisição de hardware, aquisição e desenvolvimento de software e insta-lação de redes pelos titulares dos serviços públicos referidos no artigo primeiro da Lei 6.015.

Para pensar de forma objetiva o alcance dessa regra de incentivo, vamos listar o que a lei autoriza. Primeiro, dispõe que as aquisições de computadores – hardware – são dedu-tíveis desde a edição da Medida Provisória 460 até 31 de dezembro de 2013. Em seguida menciona a dedutibilidade da aquisição dos programas de computador necessários às práticas dos atos de registro de imóveis. Dispõe também sobre a possibilidade de esses programas serem desenvol-vidos pelo próprio oficial de registro, bem como sobre a dedutibilidade dos gastos com esse desenvolvimento, para, no final, autorizar a dedução de despesas relacionadas com a instalação de redes.

Critérios de dedutibilidade de despesasPara avaliar essa disposição legal é necessário analisar os

chamados critérios de dedutibilidade de despesas. Todas as despesas pagas pelo oficial de Registro de Imóveis e escritu-

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XXXVI Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil

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radas em livro-caixa servirão para reduzir a base de cálculo de incidência do imposto de renda. Esse, aliás, é o objetivo dessa regra de incentivo: calcular sobre uma base menor o imposto de renda devido por pessoas físicas que exercem as atividades descritas.

Os critérios legais de dedutibilidade são dois apenas, a despesa há de ser dedutível por sua natureza, ou seja, a lei deve dizer que essa despesa é dedutível e suficientemente comprovada. Não há que falar em redução da base de cálculo se uma despesa, mesmo se dedutível por sua natureza, não estiver devidamente comprovada. Por mais necessária que seja, se a despesa não tem comprovação hábil e idônea, não há redução de base de cálculo. Da mesma forma, mesmo que haja comprovação suficiente, se a despesa não estiver no rol de despesas dedutíveis por sua natureza, também não pode ser incluída no livro-caixa.

Vamos analisar o que diz o Decreto 3.000, de 26 de março de 1999, a última versão do regulamento do imposto de renda. Ele cumpre o papel de decreto regulamentador, ou seja, apenas consolida a legislação tributária vigente.

O art. 75 desse decreto estabelece que também os titu-lares dos serviços notariais e de registro poderão deduzir da receita decorrente do exercício da respectiva atividade, desde que escrituradas em livro-caixa, despesas pagas para o exercício da atividade, entre elas “as despesas de custeio pagas, necessárias à percepção da receita e à manutenção da fonte produtora” (inc. III).

Quem, hoje, pratica ato notarial e de registro sem o auxí-lio de computadores, impressoras e programas específicos para a prática desses atos? Portanto, o uso do computador é despesa necessária para a percepção da receita ou do ren-dimento tributável. Ocorre, porém, que esse mesmo regula-mento traz regra de exceção. O parágrafo único do mesmo

art. 75 estabelece que a regra de dedutibilidade apresentada pelo caput e pelos três incisos não pode ser aplicada à aqui-sição de bens duráveis se se tratar do que a lei entende ser aplicação de capital.

Atenção a esse sutil detalhe! Se um indivíduo faz o que a lei chama de “aplicação de capital”, pressupõe-se que ele tem a expectativa de ganho. Não é possível imaginar alguém fazendo aplicação de capital sem a expectativa de ganhar com isso. Se eu compro um imóvel, é lógico que tenho a expectativa de ganho. Tanto isso é verdade que esse ganho, se efetivamente auferido, é fato gerador do imposto de renda sobre ganhos de capital. Sempre que se adquire um bem, fazendo com essa aquisição a chamada aplicação de capital, existe a expectativa de ganho, mesmo que incons-cientemente.

Quem faz expectativa de ganho quando compra um computador?

Ganho significa vender por um preço maior do que aquele que eu comprei, o que não é o caso do computador, embora seja um bem durável. Ninguém faz aplicação de capital ao adquirir um computador. No entanto, de acordo com essa disposição legal, não se pode escriturar a aquisição de equipamentos dessa natureza. Além disso, segundo a lei, bem durável é o que perma-nece útil por mais de um ano. Portanto, sempre que, ao adquirir um bem, ele permanecer útil por mais de um ano, forçosamente está sendo feita aplicação de capital, razão pela qual esse bem adquirido não vai para o livro-caixa.

Mito da não dedutibilidade dos equipamentos de informáticaVamos analisar agora o alcance da norma trazida pelo art.

3º da Lei 12.024 sob outra ótica. A aquisição de equipamentos de informática passa a ser dedutível a partir da vigência da MP

Ricardo Basto da Costa Coelho, Helvécio Duia Castello, Antonio Herance Filho, João Pedro Lamana Paiva e Carlos Eduardo Duarte Fleury.

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460, o que não deveria ser assim. A nosso ver, se o primeiro contribuinte sujeito a essa modalidade de tributação se insurgir contra essa regra do regulamento do IR pela via jurisdicional, terá o reconhecimento do direito de deduzir da aquisição de com-putadores. Esse mito da não dedutibilidade dos equipamentos de informática tende a desaparecer. Por enquanto continuamos cumprindo a regra do regulamento do IR e não deduzindo a aquisição de computadores, salvo nesse período fixado pelo programa do governo federal.

Tanto a aquisição e o desenvolvimento de programas quanto a instalação de redes são necessários para a percep-ção do chamado rendimento tributável do oficial de Registro de Imóveis. Nenhum deles se encaixa na regra de exceção. Como fazer aplicação de capital com o cabo retorcido que usei para instalar as redes ou para acessar a internet? Como é possível o fisco considerar aplicação de capital a aquisição ou a instalação desses cabos ou dessa rede? Efetivamente impossível. E como considerar aplicação de capital a aqui-sição do direito de uso dos programas, que é intransferível? Como fazer aplicação de capital com alguma coisa da qual eu não posso dispor? Eu compro um imóvel e faço aplicação de capital porque, se aliená-lo, posso obter ganho, mas, se não posso alienar o programa, como dizer que se trata de aplicação de capital?

Permito-me concluir, portanto, que a letra da lei é morta nesse caso específico, ou seja, antes da vigência da MP 460 os gastos com aquisição de direitos de usar programas de com-putador e com a instalação das suas redes já era considerada despesa dedutível. Independentemente do programa instituído pelo governo federal, esses itens eram dedutíveis antes e con-tinuarão sendo dedutíveis depois de 31 de dezembro de 2013, período fixado pela Lei 12.024. E no dia que alguém se insurgir contra a não dedutibilidade dos computadores, então sim essa norma não valerá para nada.

Aquisição de computadores como despesa dedutívelHoje, o que recebemos como verdadeiro incentivo é a

autorização para que a aquisição de computadores possa ser levada ao livro caixa como despesa dedutível. Mas essa regra não para por aí, o art. 3º tem ainda outras disposições.

A quem essa norma se destina? Ao ser editada, a MP 460 referia-se apenas ao oficial de Registro de Imóveis. Esse texto

sofreu alteração no Congresso Nacional e a redação final, que converteu a medida provisória em lei, passou a tratar de todos os profissionais mencionados pelo artigo primeiro da lei 6.015. Lamentavelmente, os notários não foram inseridos nesse contexto.

Se bem entendi, o presidente Helvécio anunciou que se vai conquistar o direito de o tabelião de notas também assim proceder em relação a esses dispêndios. No entanto, como a interpretação de normas isencionais em matéria tributária é sempre restritiva, não se permite a inclusão de nenhum elemento estranho ao rol taxativo apresentado pela lei. Hoje a lei fala em “registradores públicos”, que são os elencados no artigo primeiro da Lei 6.015.

O segundo critério que mencionei diz respeito à compro-vação. É preciso avaliar a qualidade comprobatória dos docu-mentos. Muito cuidado ao arquivar, para fins de fiscalização, os documentos que vocês vão receber dos fornecedores ou prestadores de serviços relacionados com o art. 3º da Lei 12.024! Cuidado com as notas fiscais emitidas na aquisição desses computadores! Cuidado com a documentação rela-tiva à prestação de serviços das empresas que desenvolvem e vendem o direito de utilização de software! É muito impor-tante pensar sempre num conjunto probatório formado por recibo, nota fiscal e contrato. Mediante esse conjunto proba-tório, demonstra-se que a despesa foi paga; caso contrário ela não tem trânsito pelo livro-caixa. No regime de caixa de pessoas físicas ao qual estamos sujeitos, só na data do pagamento se pode escriturar essa despesa. É preciso com-provar também a natureza desse dispêndio e nem sempre é possível fazer isso mediante o recibo e a nota fiscal, uma vez que o recibo é um boleto bancário que não traz nenhuma identificação do que consistiu ou a prestação de serviços ou a aquisição de mercadorias.

Quanto à nota fiscal, se se tratar de prestação de serviço, será mencionada apenas a “mensalidade de setembro”, por exemplo. Mediante esse documento, o fisco não sabe qual foi a aquisição ou o serviço; portanto, é necessário ir ao con-trato, aquele instrumento tabulado entre você e o prestador de serviços para que o fisco possa julgar se aquela despesa é ou não necessária à percepção do rendimento.

*Antonio Herance Filho é advogado, diretor do grupo Serac e coeditor das

publicações INR.

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Luiz Gustavo Leão Ribeiro*

Com o artigo 237-A, pela primeira

vez temos um texto legal a prever

expressamente a abertura da

matrícula durante a incorporação

imobiliária e antes do habite-se.

O tema desta palestra é a análise específica do artigo 237-A introduzido pela Lei 11.977, de 7 de julho de 2009, que dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV.

Os registradores receberam convite da Casa Civil chefiada pela ministra Dilma para discutir o PMCMV. A orientação do

presidente Lula foi conversar com todas as entidades envolvi-das no programa de forma direta ou indireta. Acabamos por participar de sete reuniões com o presidente da Anoreg/BR, Rogério Bacellar, e o tabelião Allan Nunes Guerra. Tentamos minimizar o impacto técnico e financeiro do programa.

Também participaram das reuniões representantes da Caixa Econômica Federal, da Casa Civil e dos ministérios da Justiça, das Cidades e da Fazenda. Do ponto de vista político, foi uma construção conjunta. Não foi o ideal, mas o possível. Graças a esses encontros temos hoje porta aberta e credibi-lidade para discutir com o governo outras questões tão ou mais importantes para a nossa classe.

O PMCMV não compreende unidades imobiliárias já existentes, mas trata de novas unidades destinadas a um público específico para o qual até então não se construíam

Abertura de matrícula em incorporação e loteamento – artigo 237-A da Lei 11.977/2009

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empreendimentos. Uma vez que a unidade pode ser abran-gida pelo programa, essa unidade com matrícula aberta está formalmente inserida no mercado disponível para uma transação regular. Dependendo da região, a rotatividade de unidades de menor valor chega a ser cinco a dez vezes maior que a rotatividade de alto valor econômico. Em geral o apar-tamento de menor valor não é comprado como definitivo, mas para ser o primeiro imóvel de uma família. Criadas as condições para inseri-lo no mercado, criam-se também as condições de sua livre circulação.

Os grandes operadores desse programa são os registra-dores imobiliários, a quem cabe implementar o programa, e a Caixa Econômica Federal, encarregada de operacionalizá--lo financeiramente. A Caixa Econômica, o Ministério das Cidades e o Ministério da Fazenda têm a preocupação de manter o programa nos seus estritos limites. A própria Caixa trabalhou em conjunto com a Casa Civil para ten-tar reproduzir em decreto os termos dessa interpretação. Independentemente disso, vamos produzir uma nota técnica conjunta dos registradores brasileiros idêntica à nota a ser publicada internamente pela Caixa para instrução de seus superintendentes, gerentes e agentes operacionais.

Além de manter o programa nos seus estritos limites, outro objetivo dessa nota técnica é padronizar essa inter-pretação em âmbito nacional e oferecer segurança para o registrador na aplicação dela. Em razão da penalidade impos-ta para a não aplicação da lei, é indispensável resguardar o registrador com essa nota técnica conjunta. Nosso compro-misso com o governo é manter o programa nos seus limites, voltado sempre para o seu objetivo bastante específico, o de beneficiar as famílias com até dez salários mínimos.

Enquadramento no PMCMVPara fins de enquadramento de primeira aquisição,

vamos considerar a copropriedade, que pode ser considera-da primeira aquisição, mesmo que o beneficiário seja copro-prietário de outro imóvel com parcela inferior a 40%. Quem, por exemplo, herdou um imóvel junto com mais dez irmãos não é proprietário exclusivo desse imóvel, mas de 1/10 dele. Em razão disso, ele pode ser contemplado para adquirir seu próprio imóvel. Sua renda familiar não pode ultrapassar dez salários mínimos, informação que vai constar do contrato e servirá para avaliação do agente financeiro. Caso o título

apresente renda acima de dez salários, ele será devolvido para o desenquadramento do programa.

Que unidades podem ser enquadradas no programa? Qualquer unidade imobiliária, uma vez que os benefícios do empreendedor são completamente diferentes dos benefícios do adquirente. Depois de analisados em separado, o empre-endedor deve cumprir os requisitos para o enquadramento de seu empreendimento, e o adquirente, os requisitos pes-soais para ser enquadrado como beneficiário do programa. Nessas condições, o interessado pode adquirir qualquer unidade nova não habitada, mesmo que ela não tenha sido produzida inicialmente no âmbito do programa. Um prédio construído sem os benefícios do programa, por exemplo, tem uma unidade nunca habitada para ser vendida pelo valor limite com habite-se posterior a março de 2009. Mesmo que não tenha sido enquadrada no programa durante sua construção, essa unidade pode ser enquadrada para aqui-sição do adquirente. Uma única vez, depois de adquirida já não mais.

Vagas de garagem autônomasApesar de não ser unidade habitacional em si, se a vaga

de garagem for adquirida conjunta e acessoriamente a uma unidade habitacional de mesmo condomínio, vamos admitir o enquadramento, desde que seu valor somado ao da uni-dade mantenha-se no limite. E não há problema que a vaga seja autônoma, desde que esteja no mesmo condomínio. O valor final da vaga mais apartamento tem que se enquadrar nos limites do programa. Para redução de emolumentos, não há enquadramento de área, mas de valor.

Compra de loteSerá permitido também o enquadramento da compra

de lote, desde que em operação única: compra de lote com financiamento da construção. Portanto, deve constar do instrumento de compra o alvará para construção, o projeto e tudo mais.

Nada impede que o beneficiário do programa seja usu-frutuário, mas se nu proprietário sim, uma vez considerado proprietário de unidade imobiliária.

Enquadramento do empreendimentoQuais os requisitos para enquadramento do empreendi-

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mento? O incorporador tem de apresentar uma declaração do agente financeiro de que enquadrou o empreendimento no programa; de que não vai vender unidade alguma acima do limite máximo para fins de redução de emolumentos; bem como, de que não vai vender unidade alguma a adqui-rente com renda superior a dez salários mínimos.

Ao fazer a matrícula de um imóvel enquadrado no pro-grama Minha Casa, Minha Vida, é conveniente fazer uma averbação em separado ou observação na própria abertura da matrícula de que o imóvel está enquadrado no PMCMV, o que pressupõe sua não alienação para pessoa com renda familiar superior a dez salários mínimos nem por valor supe-rior ao enquadrado para fins de dedução de emolumentos.

Enquadramento de empreendimentos mistosHá duas possibilidades para se considerar empreen-

dimentos mistos: valor ou utilidade. A construção de um prédio comercial e residencial, por exemplo, pode ser enqua-drada no programa? As unidades residenciais podem ser enquadradas, desde que observado o valor limite. Nesse caso, o cálculo dos emolumentos será feito pela proporcio-nalidade. Nos estados onde os emolumentos são calcula-dos por unidade, como em Brasília, somente as unidades enquadradas no programa vão ter o desconto. Nos estados onde se cobra pelo valor total, como em São Paulo, faz-se a proporcionalidade pelo custo total da obra ou das unidades enquadradas no programa e aplica-se uma regra de três para o cálculo de emolumentos.

O mesmo vale para a regra de valor. Se as unidades de um prédio inteiro têm valor compatível com o PMCMV, exce-to uma cobertura, esse empreendimento pode ser enquadra-do no programa, desde que excluída a cobertura, fazendo o cálculo proporcional.

À Receita vamos informar as operações feitas no âmbito do programa, bem como as que fugiram ao conceito de enquadramento do programa, seja em razão do valor, seja pelo limite de renda do adquirente.

Qual a finalidade do registro de memorial de incorporação?O que o incorporador vende nos folhetos de lançamento

dos empreendimentos: uma fração ideal de terreno ou um

apartamento, uma unidade imobiliária? O que se oferece ao mercado, claramente, é uma unidade imobiliária bem defi-nida, isto é, apartamento com varanda, sala, cozinha, quarto de empregada etc. O que, aliás, está previsto na própria Lei 4.591/64: “Considera-se incorporação imobiliária a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas” (art. 28, parágrafo único).

A finalidade da incorporação é habilitar o incorporador a negociar uma unidade autônoma, o que só é possível depois de registrado o memorial de incorporação no cartório de Registro de Imóveis competente. Se se tratar de venda de fração de terreno, não é necessário o memorial de incorpora-ção, mas para alienar unidades autônomas sim, apartamento com quarto, cozinha, varanda, sala de estar. Ninguém anun-cia 0,066 de um lote de terreno no folheto de propaganda, mas unidades autônomas imobiliárias.

A nosso ver, um dos princípios mais caros, basilar mesmo, ao nosso sistema, depois da introdução do sistema de fólio real na Lei 6.015, é o da unitariedade da matrícula com expressa menção na LRP. O art. 176 dispõe que “cada imóvel terá matrícula própria, que será aberta por ocasião do primei-ro registro a ser feito na vigência desta Lei”.

Também a nosso ver, “na vigência desta lei” é uma norma de transição. A Lei 6.015 alterou o sistema de transcrição feita em livros para a matrícula, por isso criou uma regra de transi-ção do antigo para o novo sistema. Que regra é essa? Depois da lei, a partir do primeiro registro, cada unidade imobiliária, cada imóvel tem de ter obrigatoriamente uma matrícula. Regra essa novamente prevista no art. 227 da mesma lei – “Todo imóvel objeto de título a ser registrado deve estar matriculado” – e no artigo 236 – “Nenhum registro poderá ser feito sem que o imóvel a que se referir esteja matricula-do”. Para resumir o princípio da unitariedade da matrícula numa única frase, temos: para cada imóvel uma matrícula, para cada matrícula um único imóvel.

Graças a esse sistema alicerçado, criado e construído à luz do princípio da unitariedade, não mais é possível pensar em unidade imobiliária autônoma sem matrícula própria. O que torna autônoma uma unidade? Sua própria matrícula sem vinculação alguma a outra matrícula maior. Uma unidade imobiliária só é autônoma se tiver matrícula própria.

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Portanto, registrar um memorial de incorporação com todas as unidades abertas na matrícula do lote do terreno, a nosso ver, é violar o princípio da unitariedade da matrícula, uma vez que as unidades autônomas não têm cada uma sua própria matrícula e que a única matrícula compreende várias unidades autônomas. Se a Lei 4.591 dispõe claramente que aquelas unidades são autônomas, é necessário que cada uma delas tenha sua própria matrícula.

Em geral, a abertura da matrícula tenta confrontar a rea-lidade fática com a realidade jurídica, por isso, o argumento contrário diz que o imóvel não existe se ele ainda vai ser construído. Nesse caso, parece haver confusão entre o que é cadastro e o que é registro de imóveis.

A realidade registrária é jurídica, não fática. Evidentemente, o ideal é que a realidade fática e a realidade jurídica cami-nhem juntas. Essa é a tendência, mas não é absurdo pensar em realidades distintas. Não é nenhum absurdo pensar numa realidade jurídica abstrata, independente, autônoma da realidade dos fatos, ambas distintas, portanto, que não necessariamente coincidem.

Em Brasília, na minha circunscrição, há um hotel sem o habite-se e sem a averbação da construção no Registro de Imóveis. Se alguém pedir uma certidão desse imóvel, vai receber a certidão de um lote de terreno. Mas no local, em vez de um lote de terreno, vê-se ali um edifício. O que está equivocado? A certidão emitida? O registro irregular? Não. A realidade jurídica comprova única e exclusivamente um lote de terreno, e a realidade fática, um edifício. Elas tendem a se igualar? Sim, no momento em que o proprietário conseguir regularizar a construção e levá-la a registro. Só a partir de então haverá coincidência da realidade fática com a realida-de jurídica. A contradição entre ambas, no entanto, não quer significar uma irregularidade.

Da mesma forma, um imóvel lançado numa incorporação passa a existir juridicamente a partir do registro da incorpo-ração. Apesar de, faticamente, esse imóvel ainda não existir, as realidades fática e jurídica tendem a se encontrar com o avanço da construção, a obtenção da carta de habite-se e sua regular averbação. Juntadas, a realidade jurídica vai finalmente espelhar a realidade fática desse imóvel que já pode ser objeto de todos os direitos reais. Mas como isso é possível, se ele ainda não existe de fato? Mas existe de direi-to. Se bem, indiscutivelmente, apenas a partir do registro do

memorial de incorporação os imóveis que compõem a incor-poração passam a ter plena existência no mundo jurídico. Portanto, no sistema de fólio real erigido pelo princípio da unitariedade da matrícula, não vejo como criar juridicamente um imóvel sem sua própria matrícula.

Juridicamente, um imóvel já existe no mercado indepen-dentemente de ele ainda não existir de fato. Assim também pensa a doutrina espanhola, que também defende a abertura de matrícula com a unidade ainda em construção, um vez que ela faz com que um imóvel seja considerado unidade imobiliária autônoma.

Art. 237-A: abertura de matrícula no ato do registro da incorporaçãoSe bem o objetivo específico desta palestra seja o

art. 237-A introduzido na Lei 6.015 pela Lei 11.977, que dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida, vou fazer um parêntese para comentar uma decisão recen-te da Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro que entendeu que esse artigo deve ser interpretado exclusivamente no âmbito do programa. A nosso ver, essa interpretação está equivocada. Os tópicos próprios do pro-grama, como o benefício de redução de emolumentos para o incorporador e para o beneficiário de até três salários míni-mos, diferem das demais disposições da lei, que também trata da regularização fundiária etc. bem como acrescenta uma modificação na Lei 6.015 (art. 237-A), que não é uma lei para ser aplicada única e exclusivamente no âmbito do PMCMV. Seria o mesmo que admitir a ocorrência do registro eletrônico tão somente no âmbito do programa, ou seja, só é possível receber uma inscrição eletrônica de imóvel enqua-drado no programa Minha Casa, Minha Vida. Se o registro eletrônico é prerrogativa de todos os registros, o artigo 237-A também tem de valer para todos os registros.

Com o artigo 237-A, pela primeira vez temos um texto legal a prever expressamente a abertura da matrícula duran-te a incorporação imobiliária e antes do habite-se.

Art. 237-A. Após o registro do parcelamento do solo ou da incorporação imobiliária, até a emissão da carta de habite-se, as averbações e registros relati-vos à pessoa do incorporador ou referentes a direi-tos reais de garantias, cessões ou demais negócios

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jurídicos que envolvam o empreendimento serão realizados na matrícula de origem do imóvel e em cada uma das matrículas das unidades autônomas eventualmente abertas.

No entanto, procurou-se desenhar um artigo que não ferisse as demais normas vigentes. É o caso de um provimen-to da Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo que proíbe a abertura de matrícula quando do registro da incorporação. Por isso, a menção, “em cada uma das matrículas das unida-des autônomas eventualmente abertas”, ou seja, o artigo não obriga a abertura da matrícula, mas prevê essa possibilidade logo após o registro da incorporação.

Se conjugada a interpretação desse artigo com a dos já mencionados, que também tratam do princípio da unita-riedade da matrícula, a abertura da matrícula vai ser apa-rentemente necessária no ato do registro da incorporação. Do contrário, ou se quebra o sistema com uma exceção à unitariedade da matrícula, ou se comprova a inexistência das unidades autônomas e a quebra da regra da Lei 4.591. E hoje, graças a uma lei federal que dispõe expressamente sobre a abertura de matrícula, já não se pode mais proibi-la.

Conclusão: se interpretado sistematicamente o artigo 237-A inserido na Lei de Registros Públicos, a abertura da matrícula no ato do registro da incorporação é necessária para que se caracterize uma unidade autônoma imobiliária.

Além da regra do caput do artigo 237 A, foi criada uma

regra excepcional de cobrança de emolumentos pelo pará-grafo primeiro:

§ 1º. Para efeito de cobrança de custas e emolumen-tos, as averbações e os registros realizados com base no caput serão considerados como ato de registro único, não importando a quantidade de unidades autônomas envolvidas ou de atos intermediários existentes.

Essa regra excepcional limita-se aos registros de aver-bações feitos com base no caput do artigo 237-A, que traz dois limitadores para a aplicação dessa regra: o primeiro é temporal e é contado da data do registro do memorial da incorporação à data de emissão da carta de habite-se; o segundo limitador diz respeito à natureza dos atos pelos quais se aplica a excepcionalidade, ou seja, os atos relativos à pessoa e aos direitos reais da garantia do empreendimento. Se o incorporador muda de nome, por exemplo, incorporado por outra empresa, é necessário fazer a averbação da razão social desse incorporador.

Em Brasília, para um empreendimento com duzentas matrículas eu faria duzentas averbações. Se a mudança de nome do incorporador for nesse intervalo de tempo, aplica--se essa regra excepcional; para fins de cobrança de emolu-mentos, aqueles duzentos atos são considerados um único. Nos estados em que o cálculo dos emolumentos não leva em

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consideração a quantidade de unidades autônomas, nada se altera com essa regra excepcional.

O registro da instituição de condomínio, que alguns entendem que pode ser feita antes do habite-se, está enqua-drado nessa regra excepcional? Acredito que não, porque a instituição de condomínio não é um ato relativo à pessoa do incorporador nem aos direitos reais de garantia.

A quem cabe fazer a instituição de condomínio? Ao proprietário. Se ele for o incorporador, fará a instituição de condomínio não como incorporador, mas na qualidade de proprietário.

A instituição de condomínio pode ser feita após o habite--se, razão pela qual não é um ato necessário próprio da incor-poração que cessa com o habite-se.

Portanto, para aplicar essa regra de exceção, é necessário observar esses dois limites: o limite temporal do intervalo entre o registro da incorporação e a emissão do habite-se; e o limite da natureza do ato para enquadrar essa regra de excepcionalidade apenas aos atos inerentes à incorporação, diretamente relacionados à pessoa do incorporador, e os relativos aos direitos reais de garantia do próprio empreendi-mento. Trata-se de uma regra de exceção cuja interpretação tem de ser restritiva.

Vantagens da abertura de matrícula no ato do registroQue vantagens há no sistema de abertura de matrícula

no ato do registro da incorporação? Mais transparência e publicidade ao imóvel. Qualquer usuário tem mais facilidade de analisar a realidade jurídica de um imóvel que tem sua matrícula própria.

Tenho a matrícula de um empreendimento da Encol, que quebrou e estava sem incorporação. Atualmente, a associa-ção dos adquirentes está tocando a obra em condomínio. São mais de mil unidades; portanto, mais de mil pessoas em condomínio de fração ideal negociando numa mesma matrícula, e mais de duzentas fichas de matrícula. Se alguém pedir uma certidão, a publicidade vai ser muito mais eficiente se cada uma dessas unidades tiver sua própria matrícula, que vai permitir avaliar os ônus, as garantias, a situação jurídica do imóvel.

Dessa forma, há mais segurança para quem negocia aquele imóvel, bem como fica difícil controlar um imóvel

nessa matrícula, uma vez que ela tem de ser o cerne de segurança do nosso sistema. Quem se vir obrigado a recorrer a uma planilha do Excel porque não confia nos dados da matrícula para identificar quem é ou deixa de ser proprietário de um imóvel, deixa de ter segurança. É impossível analisar novecentos atos numa única matrícula se os adquirentes estão comprando, vendendo, casando-se etc. Com cada imóvel individualizado em sua própria matrícula, há muito mais segurança.

Mesmo porque, não abrir a matrícula é criar exceção ao princípio da unitariedade. Estaremos admitindo a unidade autônoma da Lei 4.591 sem matrícula própria; estaremos admitindo uma matrícula com várias unidades autônomas, ou seja, o sistema já não vai ser harmônico e válido para todos os imóveis.

Nosso sistema é único: uma matrícula para cada imó-vel, esteja ele em construção, em incorporação ou pronto. Juridicamente trata-se de um imóvel, por isso tem de ter matrícula. Do contrário, criam-se subsistemas em que, dependendo do imóvel, ele terá ou não matrícula, ficha auxiliar, ficha complementar etc. Uma vez que a Lei 6.015 prevê o sistema único da matrícula, ele deve valer para todos os imóveis.

Outra vantagem de se abrir a matrícula é trabalhar única e exclusivamente com ela, que confere identificação ao imó-vel desde seu nascedouro. Enquanto existir juridicamente, ele será um único documento, uma única inscrição, uma única matrícula. Em São Paulo trabalha-se diferentemente. Durante a incorporação trabalha-se com a ficha auxiliar; que em seguida deixa de existir e dá lugar definitivo à matrícula.

Se o incorporador tiver seu empreendimento separado em unidades autônomas, fica mais fácil para ele negociá--las. Ao adquirir um financiamento junto à Caixa Econômica Federal e oferecer algumas unidades em garantia, uma a uma elas vão sendo liberadas à medida que o financiamento for sendo saldado. Se se tratar de uma matrícula única, o lote todo é oferecido em garantia, mas não é possível liberá--lo aos pedaços. Se cada imóvel tiver sua própria matrícula, haverá muito mais flexibilidade para o incorporador, para o empreendedor e para os agentes financeiros.

*Luiz Gustavo Leão Ribeiro é oficial de Registro de Imóveis em Brasília e

vice-presidente do IRIB/DF.

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João Baptista Galhardo*

Com a aprovação do loteamento pelos

órgãos públicos e o registro do projeto,

os espaços livres, as vias e praças e os

equipamentos urbanos que se transmitem

automaticamente independem de

qualquer ato jurídico de natureza civil ou

administrativa, bem como de qualquer ato

declaratório de afetação.

Fui convidado a comentar os aspectos mais relevantes da Lei 6.766, de 19 de dezembro de 1979, que faz trinta anos.

Sabemos que a implantação da Lei do Parcelamento do Solo contempla três fases distintas: a administrativa diz respeito a diretrizes, aprovações e licenças; a fase civil refere-se aos registros, às vendas, à elaboração de contra-tos e suas cláusulas de ordem pública; e a fase urbanística compreende a realização das obras e o repasse de áreas ao município.

De acordo com a lei, primeiro é necessário acentuar e destacar o que ela desgarrou: o parcelamento do solo para fins urbanos, de acordo com o Decreto-lei 58, de 10

Os 30 anos da Lei de Parcelamento do Solo Urbano

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de dezembro de 1937, que, juntamente com a Instrução Normativa 17-B do Incra, ficou para os parcelamentos rurais.

A Lei 6.766:– indica as vedações absolutas e relativas para implanta-

ção dos parcelamentos, notadamente as de cunho sanitário e ambiental (art. 3º, parágrafo único);

– confere ao município poderes para fixar diretrizes e aprovar os parcelamentos (art. 6º a 10; art. 12);

– exige garantia para execução das obras (art. 18, inc. V);– estatui mecanismo para compelir o loteador à regu-

larização de loteamentos irregulares (art. 38); bem como atribui ao município poderes para fazê-lo, tendo em vista a salvaguarda dos padrões urbanísticos e dos direitos dos adquirentes de lotes (art. 40);

– estabelece regras de trespasse, utilização e proteção das áreas públicas originadas do loteamento (art. 17, 22 e 43);

– disciplina um registro imobiliário especial destinado principalmente à defesa dos interesses dos futuros adqui-rentes de lotes, que, precedidos da exibição de documentos, devem comprovar a idoneidade econômica do empresário (art. 18 a 24);

– condiciona a alienação de lotes à sua efetivação e ao registro do projeto aprovado no Registro de Imóveis cuja inobservância implica prática de crime (art. 37; art. 50, pará-grafo único, I);

– cria espaços públicos e condominiais atribuindo exis-tência jurídica do lote;

– define delitos para as condutas ilícitas do loteador e seu mandatário, do diretor ou gerente da sociedade e de quem registrar parcelamento não aprovado (art. 50 a 52);

– dita normas de ordem pública com vistas à proteção contratual do consumidor (art. 25 a 36);

– cria mecanismo de suspensão dos pagamentos das prestações (art. 38 caput e parágrafos);

– atribuiu responsabilidade solidária e objetiva a qual-quer pessoa integrante de grupo econômico ou financeiro beneficiária de parcelamento irregular (art. 47), criando uma hipótese de desconsideração da personalidade jurídica; além do aspecto da individualização dominial dos lotes ora sob a perspectiva das áreas públicas que surgem com o loteamen-to de uma gleba; o poder público adquire os bens por força da lei.

Abertura de matrícula em nome do município: é com o registro que se dá a transferência automáticaCom a aprovação do loteamento pelos órgãos públicos e

o registro do projeto, os espaços livres, as vias e praças e os equipamentos urbanos que se transmitem automaticamente independem de qualquer ato jurídico de natureza civil ou administrativa, bem como de qualquer ato declaratório de afetação.

A propósito, faço a seguinte observação de ordem prá-tica. Há registradores que abrem matrícula da área pública e depois efetuam registro em nome do município. Entendo, no entanto, que o correto é abrir a matrícula já em nome do município e dar como origem o registro do loteamento, pois com ele se dá a transferência automática.

O art. 2º da Lei 6.766 define loteamento e desmembra-mento:

§ 1º. Considera-se loteamento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes.§ 2º. Considera-se desmembramento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com apro-veitamento do sistema viário existente, desde que não implique na abertura de novas vias e logradou-ros públicos, nem no prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes.

Com a vigência da Lei 6.766, a partir de dezembro de 1979, a Corregedoria Geral da Justiça de cada estado passou a normatizar os casos dispensados do registro especial pre-visto no art. 18, levando em consideração principalmente a consumação de fato anterior à lei. Em face da dificuldade de fixar uma regra geral para a exigência de registro especial e com o propósito de obstar expedientes ou artifícios que visem afastar a aplicação da Lei 6.766, recomendou-se que, nos desmembramentos, o registrador tenha o cuidado de examinar com seu prudente critério, baseado em elementos de ordem objetiva, especialmente a quantidade de lotes parcelados, se se trata ou não de hipótese de incidência do registro especial.

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O Tribunal de Justiça de São Paulo tem repetido o que eu já escrevi: cada caso é um caso. Há o de seis ou sete lotes em que se exige o registro especial, bem como há um caso de dez lotes que não se o exige. Portanto, não é o número de lotes que vai definir a exigência do registro especial.

Como proceder neste caso? Um pai comprou um terreno em 1978 e agora resolve dividi-lo em dez pedaços para fazer uma doação para cada filho. Manda o prudente critério que o caso seja analisado: trata-se de um empreendimento? Claramente não. Como se trata de desmembramento do terreno, vai ser necessária sua averbação no Registro de Imóveis. Ao qualificar a divisão, o título e a origem do imóvel, o registrador vai chegar à conclusão de que não é caso de se exigir o registro especial.

Outro caso. Alguém pede o desdobro de seis lotes dos quais outros seis parcelamentos, com a mesma origem, tenham sido pedidos seis meses atrás. Trata-se de desdobro sucessivo e de evidente forma oblíqua de burla à lei.

O melhor procedimento é verificar se se trata de um empreendimento, considerando elementos tais como data de aquisição do imóvel. Trata-se de um empreendedor alguém que pretende parcelar um imóvel adquirido há trinta anos? Evidentemente não. Portanto, não inova o sistema viá-rio da propriedade, razão pela qual não é o caso de se exigir o registro especial.

Cuidado, portanto, com o desdobro sucessivo! Não dei-xem de verificar se se trata ou não de um empreendimento.

A propósito, atenção à nota de devolução! Ela pode ser complexa e de difícil entendimento para o parcelador que não contar com assistência jurídica. Ao registrador recomenda-se que seja simples nas devoluções: “Não pode ser registrado porque falta tal documento”. A simplicidade é a melhor mostra de sabedoria.

Exigências para o registroA lei também estabelece as exigências para o registro,

dentre elas as tais certidões do art. 18. Hoje é necessário expedir certidão negativa de ação criminal em nome da pessoa jurídica, caso ela seja a loteadora, uma vez passível de cometer crime ambiental. Se o distribuidor se negar a conceder a certidão, o registrador pode levar isso ao conhe-cimento do juiz corregedor, que vai fazer o loteamento sem a certidão. Há distribuidores que se recusam a especificar as

ações reais e expedem certidões negativas de ações civis. É o caso de se aceitar essa certidão genérica uma vez que o dis-tribuidor não está preparado para dar uma certidão negativa de ações reais.

Tanto a certidão de crime ambiental quanto as de crime contra o patrimônio e contra a administração pública têm causado problemas. Ao lado de muitos advogados, também ponho em dúvida a constitucionalidade dessa exigência. Considerando que todos somos inocentes até que se prove o contrário, ao exigir esse tipo de certidão, os tribunais têm decidido que esse princípio não está sendo agredido. Portanto, é preciso exigir certidão negativa de distribuição de ações penais de crime contra o patrimônio e de crime contra a administração pública.

Também são crimes contra a administração pública os previstos pelos artigos 50 e 52 da Lei 6.766. No entanto, a certidão de protesto continua sendo exigida para dez anos, o que é um absurdo em face da prescrição dos títulos cambiais e de crédito, mas a lei continua a exigir a mencionada certi-dão, o que nos obriga a juntá-la ao processo de loteamento.

Outra exigência difícil de cumprir é a juntada de cópia dos títulos, muitos dos quais expedidos em processo de segredo de Justiça. Muitos estados já aboliram essa exi-gência, uns exigem apenas o histórico dos títulos e outros, apenas a juntada da certidão de matrícula. Cada registrador deve seguir as normas de serviço da Corregedoria de Justiça de seu estado.

Emissão na posse não vingouA Constituição de 1988 estabeleceu um rol de competên-

cias exclusivas do município.

Art. 30. Compete aos Municípios:I- legislar sobre assuntos de interesse local;II- suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;III- instituir e arrecadar os tributos de sua competên-cia, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balan-cetes nos prazos fixados em lei;IV- criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;V- organizar e prestar, diretamente ou sob regime

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de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;VI- manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental;VII- prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;VIII- promover, no que couber, adequado ordena-mento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;IX- promover a proteção do patrimônio histórico--cultural local, observada a legislação e a ação fiscali-zadora federal e estadual.

A possibilidade de auto-organizar-se por lei própria é a primordial e a essencial competência do município, diferen-temente do que ocorria na vigência da Carta de 1916, que afirmava competir aos estados membros essa organização. A edição de sua própria lei orgânica caracteriza um dos aspectos mais relevantes da autonomia municipal, segundo ensinamento de Alexandre de Moraes: “As competências legislativas do município se caracterizam pelo princípio da predominância do interesse social” (Constituição do Brasil interpretada. Atlas, p. 754).

Em 1999, a Lei federal 9.785 introduziu alterações nas leis 6.015 e 6.766. Quando da sua aprovação, essas altera-ções foram muito debatidas em todos os estados, sobre as quais talvez eu tenha sido um dos primeiros a escrever. Concentramo-nos em alterações que hoje, dez ou vinte anos depois, verifico, não se concretizaram. A grande novidade delas era a emissão provisória na posse (Lei 6.015, art. 167, item 36): o registro de emissão de posse e respectiva cessão e promessa de cessão concedida à União, estado, Distrito Federal, municípios ou entidades delegadas para a execução do parcelamento popular com finalidade destinada à classe de menor renda.

A respeito disso tivemos uma discussão interminável, que procurava esclarecer se, depois de registrada a emissão provisória de posse, era possível às entidades de direito público ou às suas entidades delegadas cederem essa posse

para objeto de garantia. Os melhores estudiosos – entre eles os doutores Melhim Chalhub, Frederico Viegas de Lima, Kioitsi Chicuta e Hélio Lobo – debateram a alteração introduzida e discutiram a natureza jurídica dessa garantia. Hoje posso afirmar que nenhuma comarca que eu conheço registrou o parcelamento do solo para população de baixa renda baseada na emissão provisória na posse. Como dize-mos popularmente, “não pegou”. Portanto, essa emissão na posse, que chamou a atenção quando das alterações, não vingou. A nosso ver, pouquíssimos cartórios devem ter efe-tuado o registro da emissão provisória na posse.

Instalação de infraestrutura básicaNa modificação que consta do § 5º do art. 2º da lei 6.766,

consideram-se infraestrutura básica, os equipamentos urba-nos de escoamento de águas pluviais, iluminação pública, esgotamento sanitário, abastecimento de água potável, entrega de energia elétrica pública e das vias de circulação. Essa redação foi melhorada em 2007 pela Lei 11.445. É pre-ciso não confundir infraestrutura básica com infraestrutura básica mínima. Todo loteamento deve executar no míni-mo as obras constantes no art. 18, inciso 5º, exigidas por legislação municipal, quais sejam as vias de circulação de loteamento, demarcação de lotes, quadras, logradouro e as obras de escoamento de águas pluviais. A lei municipal pode prescrever uma infraestrutura mínima maior que a prevista no texto legal como todas as constantes do artigo 2º, § 5º. Caso isso aconteça, é bem provável que a implantação seja difícil porque em determinados lugares não é possível calcu-lar o preço de instalação de rede elétrica domiciliar.

A infraestrutura pode ser instalada antes ou depois do registro. Se já instalada, basta apresentar o termo de verifi-cação de obras. Se for instalada depois, é preciso apresentar um cronograma de execução das obras e o instrumento de garantia.

A infraestrutura é mínima para os parcelamentos situ-ados em zonas habitacionais declaradas por lei como de interesse social: vias de circulação, escoamento de água, rede e abastecimento de água potável, solução para esgotamento sanitário para energia elétrica domiciliar (art. 7º, § 6º).

Prazo para execução do cronograma físicoO prazo para a execução do cronograma físico será o

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aprovado pelo município do respectivo parcelamento – de um, dois, três ou quatro anos – não pode ultrapassar o prazo máximo de quatro anos.

Caducidade: vencido o prazo de execução das obras está cancelado o projeto de loteamento?Na época das alterações passou despercebida a caduci-

dade prevista no § 1º do art. 12 da Lei 6.766:

Parágrafo único. O projeto aprovado deverá ser executado no prazo constante do cronograma de execução, sob pena de caducidade da aprovação.

Soube que o registrador de uma comarca cancelou o registro de loteamento porque o prazo de execução das obras foi ultrapassado. Se o município não tomar a iniciativa de cancelamento, não compete ao registrador cancelá-lo. Uma vez que é facultado ao município pror-rogar o prazo de execução das obras, cabe ao registrador apenas verificar se há orientação da sua corregedoria para exigir a anuência dos compradores de lotes que têm o compromisso registrado, ou a escritura definitiva registrada por implicar uma substanciosa alteração. Em outras palavras, quem compra um imóvel está certo de que a execução das obras termina em três anos, mas, de repente, esse prazo é prorrogado para cinco.

Portanto, se o prazo for ultrapassado e a comunicação de verificação de obra não for feita, não compete ao registrador determinar o cancelamento. Não sei de nenhum município que tenha cancelado um projeto de loteamento que não apresentou as obras no prazo legal. Caso isso venha a acon-tecer, cabe ao município executar a garantia para instalação da obra, mas não ao registrador cancelá-la. A lei prevê três hipóteses de cancelamento e dispõe que todo registro, enquanto não cancelado, produz todos os seus efeitos.

Suponhamos que o município comunique ao Registro de Imóveis que o loteador não executou as obras de infraestru-tura no prazo do cronograma. O que deve fazer o registrador? A meu ver, deve averbar na matrícula mãe essa comunicação e manter registrados os compromissos, as vendas definitivas. E acautelar-se ao registrar futuras alienações ou promessas de alienações.

Se o município não receber expressamente as obras ou omitir a não aprovação das obras, diz a lei que o projeto de loteamento está automaticamente cancelado. Mesmo que ele tenha sido registrado, será considerado rejeitado, bem como com as mesmas implicações, se o município também expressa ou tacitamente recusar as obras executadas nos ter-mos do art. 16, parágrafos 1º e 2º. Nessas circunstâncias, cabe à lei definir os prazos para que um projeto de parcelamento seja aprovado ou rejeitado, para que as obras sejam aceitas ou recusadas.

Art. 16. A lei municipal definirá os prazos para que um projeto de parcelamento apresentado seja apro-vado ou rejeitado e para que as obras executadas sejam aceitas ou recusadas. (Redação dada pela Lei nº 9.785, 29.1.99)§ 1º. Transcorridos os prazos sem a manifestação do Poder Público, o projeto será considerado rejeitado ou as obras recusadas, assegurada a indenização por eventuais danos derivados da omissão. (Incluído pela Lei nº 9.785, 29.1.99)§ 2º. Nos Municípios cuja legislação for omissa, os prazos serão de noventa dias para a aprovação ou rejeição e de sessenta dias para a aceitação ou recusa fundamentada das obras de urbanização. (Incluído pela Lei nº 9.785, 29.1.99)

Observem. O simples silêncio do município depois de ofere-cidas as obras também leva à rejeição do projeto de loteamento. Não acredito que algum município tenha cancelado um projeto, uma vez que, enquanto não der quitação, ele tem a garantia de execução para melhoria das obras instaladas.

Registre-se ainda. O município pode considerar insubsis-tentes as diretrizes pedidas anteriormente ou após as funções consequentes, caso se constate que a matrícula apresentada não está atualizada. Em que hipótese? Suponhamos que, por ocasião da aprovação do loteamento, o imóvel tenha uma descrição e, por ocasião do registro do loteamento, a matrí-cula tenha outra descrição. O que é uma bobagem muito grande, porque, se a especialidade objetiva da planta do loteamento não coincidir com a que se encontra no cartório, o registrador vai qualificar negativamente o pedido.

Outra hipótese. O registrador qualifica negativamente

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o pedido do registro de loteamento porque João aprovou o loteamento em seu nome, mas, antes de levar ao registro imobiliário, ele vendeu a gleba inteira para Pedro, que, por sua vez, vai requerer o pedido de registro do loteamento. O registrador vai ter a cautela de pedir-lhe que pelo menos apostile seu nome como novo proprietário junto ao municí-pio – o qual pode ter exigido garantia pessoal daquele que alienou a gleba. Portanto, a substituição pode não interessar.

Há quem veja necessidade de substituir o projeto inteiro. Ora, se daquela época até hoje as exigências não sofreram alteração, não há por que se exigir uma nova aprovação. Se o município expedir um documento que reitera aquela aprovação, agora em nome de Pedro, que comprou a gleba de João, creio que o cartório não terá como recusar o registro.

Município tem autonomia para dispensar áreas públicasUma inovação que passou um tanto despercebida por

ocasião das alterações foi o art. 4º da Lei 6.766/79 cuja nova redação estabeleceu novo critério para fixação de quantida-de de área a ser destinada para utilização pública dos parce-lamentos do solo urbano.

Art. 4º. Os loteamentos deverão atender, pelo menos, aos seguintes requisitos:I- as áreas destinadas a sistemas de circulação, a implantação de equipamento urbano e comunitário, bem como a espaços livres de uso público, serão pro-porcionais à densidade de ocupação prevista pelo plano diretor ou aprovada por lei municipal para a

zona em que se situem. (Redação dada pela Lei nº 9.785, 29.1.99)

Anteriormente exigia-se uma porcentagem mínima de 30% da área a título de pública para transferir ao município. Com a alteração, a exigência passou a ser regulada por legis-lação municipal de acordo com a densidade demográfica do local do parcelamento. Observem que a nova lei veio sustentar a autonomia do município a que nos referimos no início, tendo em vista o princípio do primordial interesse social e local. Na prática, dependendo do caso e do local do parcelamento, hoje, os municípios dispensam qualquer área pública. Há casos em que, para aprovação de loteamento na zona norte, exige-se a doação de uma área carente na zona sul. Se não houver uma área no local, o loteador pode comprar o terreno e fazer a doação ao município. Há casos em que o município substitui a exigência por prestação de serviço, como a construção de uma ponte, a pavimentação de uma área etc.

Hoje se requere que a Constituição Federal atribua aos municípios a competência de estabelecer a política de desenvolvimento urbano a fim de atender as exigências fun-damentais de ordenação da cidade expressa no plano diretor ou na legislação específica em conformidade com o Estatuto da Cidade, que constitui instrumento básico de política de desenvolvimento e expansão urbana, de acordo com seu art. 30, 1 e 7 e com o art. 182/CF.

Atenção a este trecho da decisão do Tribunal Pleno do TJSP a respeito da Adin 06.875.900, proposta pelo Procurador Geral da Justiça, sobre uma lei municipal de São José dos Campos, SP, referente a loteamentos: “Fixadas essas pre-

João Baptista Galhardo Junior, Ricardo Basto da Costa Coelho, Sérgio Busso, José Augusto Alves Pinto, João Baptista Galhardo e Carlos Eduardo Duarte Fleury.

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missas – inegavelmente que ao município é reservada a competência para legislar sobre assunto de interesse local (CF, art. 38) –, cabe repisar que a competência municipal não é subordinada e nem mesmo suplementar à compe-tência estadual no que tange à ordenação do solo urbano como solo asseverado. Dessarte, o município tem ampla competência para disciplinar a matéria, observada a lei local. Inegável que na espécie não significa inconstitucionalidade, improcedente o pedido”.

O acórdão decidido pela Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que, se houver legislação municipal, resta apenas julgar improcedente a ação inconstitucional. Esse acórdão, que decide justamente sobre o cumprimento ou não da restrição de loteamento sobre norma municipal, finaliza assim: “O que não se admite, repisa-se, é condicionar o município às regras estipuladas entre particulares em prejuízo administrativo”.

Creio que o próximo passo é estudar mais detalhada-mente a tal prevalência da restrição imposta em loteamento sobre norma urbanística, tendo em vista a competência exclusiva do município. Não é possível fazer o município subordinar-se a interesses particulares. O que deve prevale-cer é a norma pública.

Anuência prévia pelo estado e cláusulas abusivasA propósito dessas três hipóteses, cabe tão somente ao

estado disciplinar a aprovação de patrimônio localizado em área de interesse especial tais como: proteção de mananciais, patrimônio cultural, histórico, paisagista, arqueológico assim definido; áreas localizadas no limite do município ou que pertençam a mais de um município nas regiões metropoli-tanas ou que abranjam área superior a um milhão de metros quadrados.

Quando da alteração da Lei 6.766 pela Lei 9.785, bastante discutido também foi o parágrafo 6º do art. 26, segundo o qual os compromissos, cessões e promessas de cessões quitadas se transformam em instrumento idôneo para trans-ferência do domínio.

Quando da aprovação do Código de Defesa do Consumidor, CDC, não faltaram debates sobre a definição de preço e de cláusulas abusivas do contrato padrão.

O que se entende por preço? Pode ou não o loteador

cobrar o preço da infraestrutura? Ficou decidido que não é proibido integrar o valor das obras de infraestrutura. De acordo com o CDC, no entanto, o comprador tem de saber o que deve pagar.

Quanto às clausulas abusivas, hoje há jurisprudência profunda sobre o tema, bem como trabalhos que discutem o que se entende por elas, entendimento esse já ajustado à doutrina, à jurisprudência e à prática registral.

Regularização de loteamentoNo art. 40 foi introduzido o § 5º para disciplinar a regu-

larização de um parcelamento pela prefeitura municipal ou pelo Distrito Federal, dependendo do caso, de maneira a não contrariar os artigos 3º e 4º da lei, ressalvado o expresso no parágrafo primeiro. Atenção! Regularizar loteamento não se confunde com regularização fundiária.

Art. 40. A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, se desatendida pelo loteador a notificação, poderá regularizar loteamento ou des-membramento não autorizado ou executado sem observância das determinações do ato administra-tivo de licença, para evitar lesão aos seus padrões de desenvolvimento urbano e na defesa dos direitos dos adquirentes de lotes.§ 1º. A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, que promover a regularização, na forma deste artigo, obterá judicialmente o levanta-mento das prestações depositadas, com os respec-tivos acréscimos de correção monetária e juros, nos termos do § 1º do art. 38 desta Lei, a título de ressar-cimento das importâncias despendidas com equipa-mentos urbanos ou expropriações necessárias para regularizar o loteamento ou desmembramento.(...)§ 5º. A regularização de um parcelamento pela Prefeitura Municipal, ou Distrito Federal quando for o caso, não poderá contrariar o disposto nos arts. 3º e 4º desta Lei, ressalvado o disposto no § 1º desse último.” (Incluído pela Lei nº 9.785, 29.1.99)

Loteamento fechadoNos anos 1990 era uma heresia falar em loteamento

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fechado. Com o passar do tempo, os tribunais foram, indire-tamente, aceitando-o ao decidirem como viável e deferível a cobrança de cotas dos associados de loteamentos fechados. Polêmica à parte, temos brilhantes trabalhos impugnando o loteamento fechado. No entanto, registre-se que a jurispru-dência vem mudando e aceitando-o.

Fui um dos maiores combatentes do loteamento fecha-do, escrevi sobre a burla da lei do parcelamento do solo pelo próprio poder público e sobre as desafetações irresponsáveis; portanto, estou muito à vontade para comentar um acórdão. Quero dizer que, se a ciência do direito não considerar as mutações sociais, os fatos sociais, é uma ciência morta.

Em 1990 houve discussões acaloradas sobre o loteamen-to fechado. A partir de 2000, começaram a aparecer decisões favoráveis a ele.

Finalmente, houve uma mudança interessante não pelo que se escreveu na alteração, mas pelo que não se escreveu, de acordo com o artigo 50, incisos 1, 2, 3 e 51, os delitos definidos e as penas cominadas. Até 1999, 2000, para julgar casos passados, a jurisprudência decidia da seguinte forma: um loteamento irregular que fosse regularizado até o ofere-cimento da denúncia não constituía crime.

A Lei 9.785, que alterou a Lei 6.766, foi aprovada com o parágrafo único do art. 51, que dizia: “As infrações previstas no art. 50 deixam de ser consideradas crimes se as irregulari-dades previstas nesta Lei forem sanadas até o oferecimento da denúncia”.

As razões pelas quais esse parágrafo único foi vetado pelo Executivo ressaltam:

Cabe lembrar, por oportuno, que os crimes capitula-dos na Lei do Parcelamento do Solo Urbano consti-tuem crimes contra a Administração Pública, sendo, portanto, sujeito passivo desse delito o poder públi-co. A adoção da medida projetada só servirá para beneficiar desonestos e inescrupulosos loteadores que, respaldados pela lei, poderão realizar urbaniza-ções clandestinas impunemente, reservando para as hipóteses em que forem indiciados a efetiva execu-ção de suas obrigações.Convém trazer à colação o entendimento adota-do pelo Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 11.080-SP, cuja ementa é a seguinte:

“Não se justifica o trancamento da ação penal em face de o loteamento haver sido regularizado antes do recebimento da denúncia. Cuida-se, in casu, de crime formal, que se caracteriza pela simples poten-cialidade de dano à administração pública, sendo irrelevante a ausência de prejuízo para os adquiren-tes dos lotes, porquanto a tutela jurídica alcança o bem particular per accidens. Recurso conhecido e provido.”Em seu voto, o Ministro Costa Leite assim se pro-nunciou:“É de sabença comum que o Poder Público não raramente se vê contingenciado a regularizar lotea-mentos, a despeito de todos os inconvenientes que possam representar em termos de política urbanista, em razão dos aspectos sociais envolvidos.”Como dito nas razões recursais, “a prosperar o enten-dimento sufragado pela decisão recorrida ter-se-ia uma situação muito cômoda para os violadores da lei: inicia-se o parcelamento, cria-se uma situação de fato e só depois, com a intervenção das autoridades, procura-se regularizar o empreendimento, sem que os transtornos causados à população em geral e à administração pública seja objeto de censura penal”.Com a Lei nº 6.766/97, como pondera Marino Pazzaglini Filho, “o objeto da tutela penal passou a ser o interesse público referente ao desenvolvi-mento urbano e o interesse coletivo representado pela defesa do agrupamento dos adquirentes de lote”, arrematando com a nota de que o delito se consuma com o simples comportamento do agente, independentemente da ocorrência de prejuízo para qualquer indivíduo.

Muito bem fixado esse entendimento de que o delito se consuma com o simples comportamento do agente, inde-pendentemente do prejuízo para qualquer pessoa. Verificou-se a partir daí uma modificação na jurisprudência criminal passando a ser penalizado esse delito. E não apenas isso, os lançamentos de loteamentos irregulares diminuíram signifi-cativamente graças ao parágrafo vetado na Lei 9.785.

*João Baptista Galhardo é oficial de Registro de Imóveis de Araraquara, SP.

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Frederico Henrique Viegas de Lima*

Devemos reconhecer que as relações

de propriedade são relações pessoais,

dizem respeito a duas ou mais pessoas

vinculadas a determinado objeto, objeto

esse que pode sofrer modelações.

A propriedade imobiliária na pós-modernidade é tema de uma tese que vou apresentar à Universidade de Brasília para o concurso de professor titular. Esta é a primeira platéia com a qual posso discutir o que venho pensando sobre esse tema.

Um catedrático de direito civil espanhol, professor doutor Vicente Guilarte Gutierrez, afirma que o título imobiliário é parte do sistema econômico, ou seja, a propriedade tem função econômica, não apenas a conhecida função social.

No último ano e meio vimos a explosão da bolha imo-biliária nos Estados Unidos e o estouro do banco Lehman

A propriedade imobiliária na pós-modernidade e o registro imobiliário

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Brothers, o que desencadeou a crise imobiliária naquele país com sérias consequências em todo o mundo. Em razão dela, os países tiveram de repensar o papel e a função da proprie-dade imobiliária.

O que é propriedade?Não existe propriamente um conceito de propriedade. A

propriedade é o conjunto de seus elementos constitutivos, mas não há um conceito hermético que estabeleça com precisão a concepção de propriedade, seja imobiliária, mobi-liária, material ou imaterial.

Hoje a propriedade é compreendida mediante a miti-gação de dois elementos importantes e correspondentes: a autonomia da vontade e a liberdade contratual, se bem ambas venham sendo limitadas pela atuação do Estado e da sociedade.

Em 2009, uma publicação americana sobre a teoria da propriedade sublinhava-a como norma da obrigação social, contrapondo-se a uma série de teorias econômicas ante-riores. Durante mais de 40 anos, os economistas vêm expli-cando a propriedade à luz de fundamentos econômicos. No entanto, acabamos de ver a crise americana que foi o estouro da economia e da propriedade.

Os fundamentos de sustentação da propriedade vêm sofrendo modificações, e conceitos e categorias antigos, sendo abandonados. No direito brasileiro, essas transforma-ções ainda não são percebidas pelo legislador, pelo doutrina-dor ou pelo julgador.

Com a Constituição de 1988, o direito civil transformou o direito de família, as sucessões e obrigações, os contratos, a função social dos contratos.

E o que dizer da propriedade depois da Constituição de 1988? Quem escreveu sobre ela? Por que transformações ela passou?

Os manuais relativos ao direito de propriedade são os mesmos de 30 anos atrás: Caio Mário, Armando Borges e alguns mais modernos. Mas é apenas técnica, o modo de se estudar o direito em geral, e o direito civil em particular do início do século XIX. E é justamente isso que hoje não cabe mais no direito de propriedade. O que é a propriedade senão o senso de justiça? No plano filosófico, temos de ter uma justiça proprietária, uma justiça para não-proprietários, uma justiça para a sociedade.

Com a constitucionalização do direito civil, há hoje alguns pontos de partida nesses novos contornos da propriedade.

A Constituição Federal, por exemplo, trata da proprieda-de em geral em apenas dois incisos, 22 e 23, do art. 5º. No plano infraconstitucional, o artigo 1.228 do Código Civil trata da propriedade e não a trata bem. Em seu parágrafo pri-meiro, detém-se em suas limitações urbanísticas, artísticas, culturais e ambientais. No entanto, poderia ter revelado uma faceta mais moderna da propriedade em vez de tratar apenas de suas limitações.

O art. 183 da CF, por sua vez, traz as limitações urbanísti-cas da propriedade, matriz do Estatuto da Cidade. Portanto, todas as fontes são as do direito de propriedade.

As relações de propriedade são relações pessoaisVista como um poder restringido por modificações,

novos conceitos, modelações e limitações, essa restrição de poder da propriedade está embutida nos princípios que fundamentam o Código Civil. Se as cláusulas gerais não são aplicadas ao direito de propriedade, os princípios o são.

Contrariamente ao Código Civil de 1916, o de 2002 é despatrimonializante e repersonificante. Privilegia a noção de pessoa em detrimento do caráter individualista e patri-monial, não exclusivamente do direito de propriedade, mas do direito civil em geral, que deve ser visto como um sistema unitário que nasce na Constituição e vem até as leis especiais, passando pelo Código Civil. De acordo, a propósito, com o diálogo das fontes, que devem se comunicar, como bem identificou o professor Erik Jayme, da Universidade de Heidelberg. Por exemplo, por que se aplica uma norma administrativa ao registro imobiliário? Justamente porque as fontes dialogam, se fossem herméticas seriam compartimen-tos estanques. E se o direito geral não é mais assim, o direito civil também não é.

Desde o primeiro momento se deve combater a definição liberal, propriedade não é mais isso. O poder de fato sobre a coisa não existe mais. Esse poder passou a ser muito restrin-gido, e surgiram as limitações no plano individual em prol do social. O bem passou a ser relacionado à sociedade onde ele existe e não exclusivamente ao indivíduo que o detém.

Assim chegamos à primeira conclusão de uma tese. Todos nós aprendemos nas faculdades de direito que a

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propriedade vem a ser o poder de fato de alguém sobre uma coisa, estabelecendo com isso uma relação jurídica pessoa--coisa, chamada de relação real. Essa ideia advinha da escola alemã do século XIX – o poder de uma coisa emana de uma pessoa, é ela quem detém poder sobre sua coisa. Também herdamos essa noção do Código Civil de 1916, razão pela qual sempre aprendemos e ensinamos que a propriedade é uma relação jurídica real que compreende uma pessoa e uma coisa cuja obrigação passível universal de terceiros é respeitar a coisa em poder de tal pessoa. Hoje isso não mais justifica a propriedade. Devemos reconhecer que as relações de propriedade são relações pessoais, que dizem respeito a duas ou mais pessoas vinculadas a determinado objeto, objeto esse que pode sofrer modelações. A propriedade pode ser modelada, ela tem plasticidade como as massas para modelar com as quais as crianças constroem casas e edifícios, dividem-nos ao meio etc.

Conteúdo mínimo do direito de propriedadeA mencionada modelação que passou a dinamizar o

conceito do que seja propriedade imediatamente revela duas características: o conteúdo mínimo e a elasticidade do direito de propriedade. Ambos são matrizes constitucionais do inciso 22, art. 5º/CF: “é garantido o direito de proprie-dade”. Esse conteúdo mínimo é necessário, é indispensável para que haja propriedade; caso contrário, ela não o seria ou seria outra forma de bem ou não.

A garantia do direito de propriedade expressa pelo inciso

22 do art. 5º assegura o conteúdo mínimo sobre a proprie-dade sem o qual ela tende a desaparecer. Paralelamente, o art. 33 da Constituição espanhola dispõe que a garantia do direito de propriedade poderá ser retirada de seu titular por expropriação forçosa do Estado. Essa é a consequência quan-do não se tem o conteúdo mínimo do direito de propriedade.

Ao lado do conteúdo mínimo, a elasticidade é capaz de distender e afrouxar o direito sobre a propriedade. Ambos estão diretamente ligados ao alcance dos objetivos da pro-priedade.

A limitação pode ser feita por meio de um destaque de elementos da propriedade – como um usufruto, por exem-plo, que transfere a um terceiro para que se atinja o objetivo que se quer. Com o usufruto é possível transferir a alguém o direito de usar e de fruir, permanecendo-se com a parte do poder de disposição da dita nua propriedade.

A função social da propriedade na ConstituiçãoA função social da propriedade não se confunde com

atuação política ou viés ideológico de direita, de esquerda ou de centro como foi frequente no Brasil dos últimos 40 anos.

A propriedade tem função econômica, razão pela qual a função social da propriedade é também uma função econô-mica. Não cabe à política vincular-se à propriedade privada.

Em recente tese de doutorado, a professora Ana Frazão define função social da propriedade como resgate do direito objetivo de liberdade. Função social da propriedade é liber-

Ricardo Coelho, Frederico Viegas de Lima e Carlos Fleury.

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dade, emancipação, seja sob o prisma do titular da proprie-dade, seja dos demais integrantes da sociedade. É a busca de uma sociedade solidária e justa, compromisso de uma agenda positiva com elementos intersubjetivos e exercício de interesse de ambas as partes. Tudo tem que ser feito de forma igualitária, equilibrada para que se alcance o exercício de liberdade. Se a propriedade existe tão somente em razão da felicidade das pessoas, é indispensável encará-la como elemento essencial à condição humana.

Sob esse ponto de vista, a propriedade ganha status ético e é estabelecida mediante legislação. Que legislação seria essa, no entanto, ainda não sabemos, visto que propriedade é uma obrigação social sob tensão: de um lado, os proprie-tários e, de outro, os não proprietários. Mediada por relações jurídicas como a locação, essa tensão pode ser minimizada entre proprietário e não proprietário.

Propriedade significa mercado, e mercado significa dinheiro, economia. Seu caráter econômico revela-se em sua carga indispensável, que, sem descuidar do aspecto moral, diz respeito ao uso da propriedade, à liberdade, à democracia.

A propriedade no Código CivilO parágrafo 1º do art. 1.228 do Código Civil dá uma

noção precária de propriedade:

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.§ 1º. O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de confor-midade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

Evidentemente essa noção carece de fundamento doutri-nário e legislativo para que a propriedade possa ser encarada mediante necessidades ambientais, preservação do patri-mônio histórico, artístico, e não apenas como um meio a menos de produção de poluição dos recursos naturais. Hoje

carecemos de uma norma ou um conjunto delas no direito brasileiro que permitam que a propriedade atenda todas essas funções, de acordo com o que estabelece o parágrafo 1º do art. 1.228.

Além disso, num sistema unitário e complexo é necessário dialogar com as fontes. Precisamos ter uma matriz civilística do que é propriedade. A propriedade não pode ser vista a partir de um elemento do direito administrativo, por exemplo.

Encarada como um direito fundamental à liberdade, as rela-ções econômicas e sociais da propriedade cobram densidades variadas, não padronizadas. Portanto, a dificuldade está também em se ter um conceito único porque sempre há possibilidade de modelação, de limitação. Perfeitamente plausível a existência de propriedades com características diferentes, cujas densidades, portanto, também seriam diferentes.

A bolha imobiliária vivida pelo mercado americano com-prova que a propriedade está no centro da questão econô-mica.

Vejamos o que dizem os incisos 22 e 23 do art. 5º da Constituição:

XXII- é garantido o direito de propriedade;XXIII- a propriedade atenderá a sua função social;

Segundo o espanhol Luiz Diaz Picasso, a todos é garan-tido o direito de propriedade e não à propriedade, ou seja, o direito de acesso à propriedade, a um bem mínimo, a todos, por direito. A propriedade imobiliária está em contínua transformação e, hoje, se relaciona principalmente com o urbanismo e com o meio ambiente.

E esse é um desafio a mais para o registrador: as restri-ções urbanísticas ou ambientais com as quais ele se depara, bem como a justa compensação por essas limitações. A rigor, seriam essas limitações compensáveis? A propriedade deve ser sempre protegida de intempéries.

A propriedade também revela paradoxosO que é propriedade hoje? Como redefinir a proprie-

dade? Será que o direito de usar, gozar e dispor dela ainda é verdadeiro? Questões como essas estão discutidas em The paradoxes of property, do professor Joseph Singer, da Universidade de Harvard.

A noção de propriedade compreende duas realidades: os

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direitos destinados ao uso dela e as obrigações do proprietá-rio e do não proprietário.

Sob o ponto de vista econômico, a propriedade deve ser encarada pelo seu conteúdo mínimo ditado pelo art. 5º, inc. 22 da Constituição. Sua compreensão mais ampla, no entan-to, ainda é a da década de 1950, paradoxal, que contempla o “meu” individual em contradição com a ideia de consenso social. O que existe além disso encontra-se nos artigos 1.225, 1.228, e seu parágrafo único, do Código Civil, e no art. 167 da Lei 6.015.

Com essa parca regulamentação será que hoje podemos dizer o que é propriedade? Ou que temos relações fechadas de direitos reais? É fechada a relação do art. 167da Lei 6.015? Há uma década o professor Walter Ceneviva já dizia que o art. 167 da Lei 6.015 não apresenta uma relação fechada.

Ora, então outros direitos que surgem podem ser levados a registro. É fechada a relação do art. 1.225/CC que diz “são direitos reais: a propriedade;” etc. Recentemente, o próprio governo, ao introduzir dois novos direitos sem conformá--los, cometeu um atentado contra esse artigo. Comprovação evidente de que para o próprio Estado existe uma relação fechada. O art. 1.225 traz um rol de direitos reais e logo a seguir eles são decompostos no Código. Essa alteração foi feita em 2007 sem que se mencionasse o que é uma condi-ção real de uso.

Qual dos senhores nunca registrou ou averbou algo que não esteja na mencionada relação do art. 167 da LRP? São relações reais que não podem deixar de estar nos livros de registros e não agridem numerus clausus.

As necessidades da vida prática fazem exigências sobre as quais a lei nunca pensou.

Contribuição da publicidade de direitos reaisSe há necessidade de publicização, então é possível que

se tenha acesso ao Registro imobiliário. A previsibilidade é importante para a vida em sociedade bem como o estabele-cimento de oponibilidade em relação a terceiros. Ao se pro-teger a propriedade, protege-se a liberdade de propriedade, bem como se afasta a vigência de direitos já abandonados. É o caso da anticrese. Alguém já registrou alguma? Numa das edições da Instituição do Direito Civil, Caio Mário afirma nunca ter visto essa figura.

Da mesma forma que se tem de admitir essa abertura sis-

têmica dos direitos reais, uma vez que é preciso excluir direitos sem definição clara no universo jurídico, é preciso trazer as rela-ções pessoais para o registro imobiliário. Se a propriedade hoje deve ser vista como uma relação pessoal e não mais como uma relação real, também se deve permitir o ingresso de determina-das relações pessoais no álbum imobiliário.

Com a revisão da Lei 6.015 em futuro próximo, talvez se caminhe para o fim do engessamento real e se admitam situ-ações pessoais, como expectativa real, direito expectado. Um negócio jurídico, embora obrigacional, pode trazer inserido nele uma expectativa, que é um direito real. É o caso de um contrato que cria condições de, no futuro, existir um direito real de propriedade; no entanto, essa garantia não tem aces-so ao Registro. É o caso da entabulação de uma incorporação imobiliária, que não é para hoje, mas quer se vincular hoje. É uma expectativa e não tem acesso?

Outra questão é a noção de propriedade plena. Atualmente não devemos mais usar o termo propriedade plena, mas pro-priedade absoluta. Absoluta com todos os poderes e as limi-tações, todo aquele conteúdo mínimo reunido em uma única pessoa. É a questão da propriedade plena ou dos direitos reais desmembrados da propriedade? Isso tinha razão de ser no Código Civil de 1916, cujo art. 674 dizia: “são direitos reais além da propriedade...”. Hoje, o art. 1.225 dispõe: “são direitos reais a propriedade, a superfície...” É uma mudança proposital de paradigma, do contrário simplesmente se repetiria a regra do Código.

A nosso ver, não se deve engessar a tipologia dada pelo art. 167, mas flexibilizá-la sistemicamente e destiná-la a uma nova forma de propriedade. Se o Registro imobiliário não acompanhar a modificação da propriedade, se ele não pensar, por exemplo, se deve ou não admitir outros direitos a registro, vai perder espaço para outras formas do direito, sejam elas obrigacionais ou securitárias.

Confesso que a cada vez que leio esse artigo 167 me assusto mais com mais números – inciso 1º, inciso 2º e uma série de coisas que estão ali sem que saibamos por que e a que vêm. E como fazer com o que fica sem proteção? Cabe ao Registro imobiliário acompanhar essas necessidades a fim de que não perca sua razão de existir.

*Frederico Henrique Viegas de Lima é advogado e professor na

Universidade de Brasília, UnB.

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Sucessão trabalhista nos cartóriosJoana Lúcia Silva Mascarenhas*

As decisões do Tribunal Superior do

Trabalho, TST, são pontuadas pela

caracterização da sucessão trabalhista,

ou seja, a continuidade da prestação

de serviços. Se houve a continuidade

da prestação de serviços, verifica-se

o reconhecimento da sucessão.

Se, com a mudança do titular, aquele

empregado deixou de prestar serviços,

o novo titular não responde.

Hoje, poucos doutrinadores se dedicam ao tema da sucessão trabalhista e aos institutos que regem a maté-

ria. Os tribunais estão divididos, há uma cisão entre a primei-ra e a segunda instância. O instrumental que fundamenta as decisões é colidente, o que traz perplexidade e uma situação totalmente em aberto.

Vamos abordar as controvérsias que norteiam os tri-bunais, a jurisprudência favorável à tese de inexistência da sucessão trabalhista e, finalmente, vamos alertar para alguns cuidados no momento da sucessão de titulares de cartórios.

Legislação referente à sucessão trabalhista nos cartóriosA atividade registral está regulada pelo art. 236 da

Constituição federal, que dispõe:

Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exer-cidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.§ 1º Lei regulará as atividades, disciplinará a respon-sabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.§ 2º Lei federal estabelecerá normas gerais para fixa-

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ção de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.§ 3º O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.

A Lei 8.935/94 regulamenta o art. 236/CF. O art. 14, I, reforça a imprescindibilidade da habilitação por concurso público de provas e títulos do titular do cartório; e o art. 20 dispõe que, para o desempenho da sua função, os registra-dores e notários podem contratar escreventes, escolhendo dentre eles os substitutos e auxiliares como empregados com remuneração livremente ajustada sob o regime da legislação do trabalho.

A propósito, devo ressaltar dois aspectos: os titulares dos cartórios são responsáveis pela contratação e remuneração de seus prepostos; contratação essa que se dá sob regime celetista, ou seja, nesses contratos de trabalho vigoram as regras da CLT, Consolidação das Leis do Trabalho.

O art. 21 da Lei 8.935 dispõe que o gerenciamento finan-ceiro e administrativo dos serviços registrais e notariais é de responsabilidade exclusiva do titular, o que tem sido objeto de discussão nos tribunais quando da fixação da responsabi-lidade dos créditos trabalhistas dos empregados.

Nos tribunais trabalhistas também se discutem as leis estaduais, as normas das corregedorias e as normas de orga-nização judiciária, uma vez que essa normatização costuma ser mais específica e mais clara do que o texto da própria Lei 8.935, como no caso da tese da inexistência de sucessão tra-balhista. Poucos tribunais buscam essa legislação como fonte para aplicação à sucessão trabalhista; no entanto, trata-se de uma fonte importante nas argumentações judiciais.

Regime especial e CLTO chamado regime especial era aplicado aos serven-

tuários que ingressavam no sistema extrajudicial antes da Constituição de 1988. O regramento da Constituição de 1967, atinente às normas das corregedorias e às leis de cada estado, é aplicável a cada caso, que deve ser analisado con-cretamente.

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A sucessão trabalhista é prevista nos artigos 10 e 448 da CLT.

Art. 10. Qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados.Art. 448. A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de tra-balho dos respectivos empregados.

Há vários casos clássicos de operações que o próprio direito comercial prevê, como a cisão, a transformação e a fusão de empresas. Porém, para o direito do trabalho, a sucessão de um empregador é mais abrangente. Basta a troca de titularidade de uma empresa, a troca de sócios de uma sociedade ou do titular de uma firma individual.

A jurisprudência vai ainda mais longe. Não é necessária nem a troca formal da titularidade, basta a troca de fato da titularidade para que a sucessão trabalhista seja declarada.

Esse conceito lato de sucessão também é aplicado em situações mais modernas de negócio, como o arrendamen-to. No arrendamento total ou parcial ou de parte de um empreendimento, em eventual reclamação trabalhista, o juiz entende que o caso é de sucessão e o arrendante responde pelos créditos trabalhistas.

O direito do trabalho considera que basta ocorrer a trans-missão de créditos, a assunção da dívida, a manutenção da atividade econômica e a continuidade da prestação laboral para que seja declarada a sucessão. Portanto, sucessão é a transmissão de créditos e a assunção de dívidas, o que pode ser feito formal ou informalmente. O importante é a manutenção da atividade econômica e a continuidade da prestação laboral. É isso que caracteriza a responsabilidade do sucessor pelos créditos do contrato de trabalho anterior à sucessão.

Se quem sucede mantém o contrato de trabalho, passa a ser responsável também pelos créditos reconhecidos do período anterior. Como o sucessor será ressarcido dos valores que eventualmente venha a despender em relação a esse período anterior, é uma prerrogativa dele buscar no juízo civil por meio de uma ação de regresso.

Uma jurisprudência do TST ilustra bem a sucessão de empregador.

Sucessão de empregador. Cláusulas inalteráveis. Havendo sucessão, ela se dá em direitos e obriga-ções. Se um dos direitos do trabalhador era receber o seu salário pela jornada de seis horas, essa con-dição deve ser respeitada, por força dos arts. 9º e 468 da CLT (TRT/SP 20000561872 – RO – Ac. 9ª T. 20010569922 – DOE 25/09/2001 – Rel. Luiz Edgar Ferraz de Oliveira).

Ou seja, na sucessão, os direitos anteriores do empregado devem continuar a ser observados. Esse é um aspecto impor-tante que deve ser observado na sucessão de empregadores.

Especificamente em relação à sucessão nos cartórios, algumas questões são norteadoras. Há sucessão de empre-gadores se houver sucessão de titularidades no cartório? O novo titular do cartório é responsável por débitos trabalhistas anteriores ao exercício de sua titularidade?

A jurisprudência e a pouca doutrina que trata do assunto se dividem. A maioria dos doutrinadores, bem como a maio-ria dos julgados, entende que há sucessão, mas há um forte movimento no sentido contrário.

Há sucessão trabalhista na troca de titulares do cartório?Os juristas e juízes que defendem que há sucessão tra-

balhista nos cartórios extrajudiciais argumentam que a CLT se aplica aos empregados de cartório; portanto, aplicam-se também as regras contidas nos artigos 10 e 448.

De acordo com a Lei 8.935, os titulares de cartório são responsáveis por admitir, assalariar e designar substitutos e auxiliares. Se exercem esse poder de empregador, eles são empregadores sujeitos às regras da CLT mesmo para os efeitos dos artigos 10 e 448 da CLT, segundo entendem os defensores dessa tese. Argumentam que a exploração do serviço notarial e registral ocorre em caráter privado; portanto, à relação jurídica se aplicam as regras da CLT do direito privado. E que, se os oficiais de registro e notários respondem por danos causados a terceiros na prática dos atos da ser-ventia, por consequência eles respondem por eventuais créditos trabalhistas.

Outro ponto levantado em favor dessa tese é que a sucessão da titularidade se dá por meio de concurso

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público e que, ao prestarem concurso público, os novos titulares tinham plena ciência dos ônus trabalhistas. Além disso, o cartório é tratado como se empresa fosse. Alguns juízes entendem que o novo titular assume o fundo de comércio, mas uma vertente oposta da juris-prudência não aceita esse argumento.

Outro ponto no qual se apoia a tese favorável à sucessão trabalhista nos cartórios é que o novo titular dá continuidade à atividade empresarial. Mais uma vez o cartório é tratado como uma empresa, isto é, o titular da serventia dá continuidade a uma atividade empresa-rial, havendo apenas alteração da pessoa física.

Essa abordagem usa um sentido muito amplo do conceito de sucessão trabalhista. Observa-se que os doutri-nadores e juristas que estudam eventual responsabilização por créditos trabalhistas anteriores e assunção do cartório por um novo titular importam um modelo. No entanto, o entendimento não se ajusta à situação, porque a atividade cartorial é regida por regulamentação específica que, nes-ses poucos casos, é ignorada.

E é justamente essa especificidade legal que ampara a tese favorável à ausência de sucessão nos cartórios extrajudiciais, tese essa mais consistente uma vez inspi-rada em fontes legais.

O primeiro ponto que os juízes adeptos dessa tese usam para isentar de responsabilidade o novo titular é a delegação dos serviços de cartório, públicos por excelência, executados por delegação e por força de lei. Por exigência do concurso público para ingresso nas atividades cartorárias, o novo titular assume o cargo e não o patrimônio antigo do empregador. A sucessão se dá de forma originária e não derivada. O novo titular não assume créditos do antigo titular, o que se contra-põe à teoria favorável à sucessão trabalhista, que trata o cartório como uma empresa com assunção de créditos e ônus. Na realidade, o novo titular inicia suas atividades sem assumir créditos anteriores do cartório.

Os serviços registrais são registros públicos não ces-síveis entre particulares porque são delegados. Se não são cessíveis, não podem ser sucedidos, uma vez que a sucessão depende da cessão. Se não há cessão, não há sucessão.

A transferência da titularidade não é derivada de ato

negocial; não há a típica transação empresarial entre o antigo e o novo titular. O antigo titular não cede obriga-ções ao novo titular e, mais uma vez, se não há cessão, não há sucessão.

Outro argumento desses julgados é que somente entre pessoas jurídicas pode ser transferida a universa-lidade de bens apta à produção de riqueza nos termos dos artigos 10 e 448 da CLT. A atividade cartorial não implica produção de riqueza, mas simples remuneração do titular do cartório pelo serviço público prestado.

O próprio ordenamento jurídico prevê casos em que, mesmo que ocorra a efetiva mudança de titularidade, existem exceções à regra da sucessão. Os tribunais mencionam especificamente a Lei 11.101, que trata da recuperação judicial, extrajudicial e da falência do empresário e da sociedade empresária.

Essa lei é clara em criar a regra de que quem arrema-ta a empresa ou suas filiais por meio de hasta pública não leva com ele o ônus trabalhista dos anos anteriores ao leilão. Essa exceção à regra da sucessão trabalhista é analogicamente usada para dar sustentação à tese da inexistência de sucessão trabalhista nos cartórios.

Outro ponto favorável a essa tese é que o artigo 21 da Lei 8.935 não refere que o novo titular deve arcar com as responsabilidades trabalhistas dos contratos anteriores, mas apenas que “o gerenciamento adminis-trativo e financeiro dos serviços notariais e de registro é da responsabilidade exclusiva do respectivo titular”.

Julgados ilustram as discussões nos tribunaisUm julgado de 6 de maio de 2009, emanado da 17ª

Região, Espírito Santo, discute a personalidade jurídica do cartório para figurar no polo passivo de uma ação. Muitos funcionários ajuízam ações contra a serventia e não contra o titular empregador. Há juízes que extinguem a ação sem análise de mérito por ilegitimidade da parte – o cartório não é parte. Há juízes que, de ofício, mandam intimar o titular do cartório; outros entendem que, embora o cartório não tenha personalidade jurídica, ele deve comparecer, defender-se e responder por eventual condenação.

O cartório é parte legítima para responder uma ação trabalhista? Há três entendimentos a respeito. E esse julga-

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do do Espírito Santo menciona a questão da ilegitimidade: o cartório não tem personalidade jurídica, não é parte legítima.

Outro julgado de 2007, da 3ª Região, Minas Gerais, abor-da especificamente a sucessão: “A mudança na titularidade do cartório não caracteriza sucessão de empregadores. O vínculo do emprego do autor é com o titular do cartório em face do artigo 236 da Constituição Federal. Desse modo o novo titular não responde pelos débitos trabalhistas do anti-go titular da serventia”.

Portanto, há juízes que afastam a sucessão para efeito de responsabilidade trabalhista pela simples troca do titular.

Julgado emanado da 4ª Região, Rio Grande do Sul, de agosto de 2009: “Os registros notariais e de registros são exercidos em caráter privativo por delegação do poder público cujo ingresso se dá mediante concurso público de provas e títulos, podendo os titulares livremente contratar empregados. Assim, o contrato de trabalho com o titular da serventia é pessoal, portanto, o dever de rescindir o contrato de trabalho dos seus empregados se dá quando da extinção da delegação por qualquer outro motivo”.

Esse acórdão mostra a influência que têm as leis estadu-ais e as normas emanadas dos tribunais de Justiça sobre a decisão dos juízes. O Rio Grande do Sul, por exemplo, tem uma lei estadual e normas da corregedoria que são muito claras pela imperatividade da extinção de contratos na suces-são trabalhista.

As decisões do Tribunal Superior do Trabalho, TST, são pontuadas pela caracterização da sucessão trabalhista, ou seja, a continuidade da prestação de serviços. Se houver continuidade da prestação de serviços, verifica-se o reconhe-cimento da sucessão. Se, com a mudança do titular, aquele empregado deixou de prestar serviços, o novo titular não responde. A responsabilização em razão dos artigos 10 e 448 da CLT é exceção. Hoje, o TST é francamente favorável à tese da sucessão trabalhista nas diversas turmas.

Cuidados para evitar questionamentos posterioresA carteira de trabalho deve ser anotada pelo titular do

cartório, pessoa física. A serventia não é a empregadora. Quem é o legitimado passivo para responder ação trabalhis-ta na qual se busca direitos referentes a período anterior à

assunção do novo registrador? O novo, o antigo registrador ou a serventia?

Outro aspecto que deve ser observado: na sucessão de titu-lares, o novo titular deve se precaver diligenciando na medida do possível a fim de antever eventuais passivos trabalhistas. Como fazer esse levantamento? As corregedorias de maneira geral falam da apresentação de certidões negativas, mas a certidão negativa retrata o momento adequado. Não há como aferir o passivo oculto dentro do cartório. Mas é uma recomendação, na medida do possível, tentar-se delinear esse passivo.

Também é recomendável que na sucessão de titulares se evite manter os contratos de trabalho. É uma forma de se resguardar desse passivo oculto. As normas de corregedoria preveem essa situação de extinção do contrato, por isso se extinguem os contratos, reincidem-se os contratos, quitam--se as pendências.

O novo titular também deve cuidar de instalar a serventia em estabelecimento diverso daquele até então ocupado por seu antecessor. A continuidade dos serviços no mesmo lugar reforça o entendimento da sucessão trabalhista lato sensu, que é assunção dos créditos, do estabelecimento, dos equi-pamentos. Portanto, de preferência, o novo titular deve pas-sar a oferecer os serviços em outro estabelecimento, outro endereço, em situação fisicamente diversa. Pelo mesmo motivo é desaconselhável o aproveitamento de instalações e equipamentos.

Nas atas notariais lavradas por ocasião da transmissão da titularidade, em especial as que registram a reunião entre o antigo, o novo titular e eventualmente os empregados da serventia, é bom consignar especificamente que o novo titular não tem intenção de dar continuidade aos contratos de trabalho dos empregados do antigo titular. Esse é o ele-mento volitivo que pode futuramente resguardar os titulares acionados judicialmente.

Quanto aos empregados que carregam vínculos regidos por regime especial, nas eventuais defesas, sempre pedir a inclusão no polo passivo da ação como forma de fazer reverberar essa discussão. Além disso, o serviço cartorial é delegado pelo poder público e as serventias estão sujeitas às normas e à fiscalização da corregedoria e às normas da organização judiciária.

*Joana Lúcia Silva Mascarenhas é advogada.

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XXXVI Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil

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Vou abordar dois temas: alienação fiduciária e usucapião administrativa.

Primeiro quero destacar alguns pontos relacionados à usucapião administrativa que está inserida em tema mais amplo trazido pelo registrador João Pedro Lamana Paiva, ou seja, o contexto geral da Lei 11.977/2009 e a regularização fundiária de interesse social.

A questão se coloca em campo mais amplo que extrapola a propriedade imobiliária e a legitimação da posse. Esse tema faz

parte do contexto geral da regularização fundiária, que envolve a segurança, o desemprego, a violência urbana, a segregação de uma parcela cada vez maior das populações dos grandes centros urbanos. É assustador perceber que neste ano temos um bilhão de pessoas que vivem nessas condições.

A Constituição brasileira tem um discurso muito bonito sobre a dignidade da pessoa humana, mas é preciso colocar em prática esses direitos fundamentais: a moradia, a dignida-de da pessoa humana, o direito social.

A moradia é um abrigo, é a necessidade mais elementar do ser humano. No entanto, a ONU estima que sem um intenso trabalho de recuperação e urbanização desses ambientes – bem como, e sobretudo, de planejamento urbano que possibilite os assentamentos humanos feitos de forma mais digna e mais regular – vamos triplicar a população miserável.

Esse processo de planejamento urbano de inclusão social é de longo prazo, mas é preciso tomar medidas, é preciso regularizar. Por isso, a Lei 11.977 vem em muito boa hora com medidas, com programas aparentemente consistentes que vão propiciar muito trabalho no âmbito do direito e no âmbito registral.

Usucapião administrativa e alienação fiduciária

A Constituição brasileira tem um

discurso muito bonito sobre a dignidade

da pessoa humana, mas é preciso

colocar em prática esses direitos

fundamentais: a moradia, a dignidade

da pessoa humana, o direito social.

Melhim Namem Chalhub*

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Na maioria dos casos, as ocupações de favelas se dão em terras públicas, mas também ocorrem em terras particulares. Em terras públicas, a forma de regularização fundiária e de concessão de título se faz mediante aforamento ou conces-são de uso.

Uma proposta de emenda constitucional do estado do Rio de Janeiro está em tramitação desde 1º de setembro. Ela dispensa as exigências de apresentação de documentos e pagamento de retribuição por parte dos moradores que serão beneficiados com a doação e autoriza o estado a efetivar doa-ções diárias. No Rio de Janeiro está razoavelmente avançado um processo de regularização fundiária com realização de obras de urbanização articuladas ou não com a regularização. A própria Lei 11.977 admite que essas coisas podem andar descompassadas, uma vez que não há como estabelecer um ritmo igual para as operações que são muitas e envolvem até a implantação de serviços de segurança pública.

Já em terras particulares, a forma de se obter a declaração da propriedade é a usucapião, mais complexa e demorada, cujo processo judicial é prolongado. O cidadão requer a usucapião, mas nem sempre chega a ter em mãos a senten-ça para levar ao Registro de Imóveis. Geralmente são seus herdeiros que conseguem registrar o imóvel. Esse processo há muito reclamava uma providência de desjudicialização.

Parcelamento do solo urbano no Brasil: falta um planejamento urbano globalO Decreto-lei 58, de 1937, que dispõe sobre o loteamento

e a venda de terrenos para pagamento em prestações, che-gou atrasado em relação à ocupação e ao parcelamento de terras da década de 1930, quando começava a se intensificar o processo de ocupação urbana no Brasil. Sem dúvida esse instrumento representou um grande avanço, mas ainda não trouxe o planejamento urbano, uma visão geral da socieda-de. Apenas se regulou o parcelamento, a atividade empresa-rial de dividir terras, de subdividir glebas de terras e assim se deu segurança jurídica ao adquirente de terras.

A Lei 4.380, de agosto de 1964, institui o sistema financeiro para aquisição da casa própria. Mas ainda não existia uma lei para regular a atividade da produção imobiliária. Em dezembro de 1964, o governo se apressou para obter a promulgação da Lei 4.591, e o carro passou à frente dos bois, uma vez que passamos a ter um sistema de financiamento da produção, mas não uma

lei da produção. Tratava-se de questões pontuais, como a produ-ção de imóveis para a classe média, mas ainda não se enxergava a expansão dos grandes centros, o que já era preocupante em 1964 em grande parte porque não havia sido feita a reforma agrária, problema que surge desde os primeiros momentos da ocupação de terras no Brasil.

A seguir, o Decreto 271 de 1967, que dispõe sobre o loteamento urbano e a responsabilidade do loteador, foi mais um remendo, mais uma tentativa de criar a figura da concessão de uso de terras públicas e de estender aos par-celamentos de terra a possibilidade de aplicação da figura da propriedade condominial por unidades autônomas, questão que até hoje se discute.

Escrevi um artigo sobre isso que será publicado na RDI. Em cada região do país se tem uma organização diferencia-da, ou seja, permanece a falta de visão global das questões urbanas e a necessidade de critérios gerais de planejamento urbano adequado a cada município. É preciso uma lei geral, linhas gerais de planejamento urbano.

A Lei 6.766 veio substituir o Decreto-lei 58 no mesmo sentido, ou seja, apenas para regular, manter ou aperfeiçoar as normas do parcelamento do solo urbano na forma de loteamento. E a Lei 9.514, que dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário, SFI, e institui a alienação fiduci-ária de coisa imóvel ainda é uma questão pontual, uma vez que trata de financiamento para a classe média. Ainda não se pensa na classe pobre, nos excluídos, nos grandes bolsões dos centros das cidades ou periferias que se expandem incontrolavelmente.

Em 1999, a Lei 9.785 foi uma tentativa tímida de possibi-litar ao poder público desapropriar e acelerar procedimentos sem aguardar a conclusão do processo de desapropriação.

Estamos nos aproximando da legitimação de posse, da ideia da posse como um direito transferível, regularmen-te registrável, uma vez que essa lei possibilitou ao poder público registrar sua emissão de posse do imóvel para fins de parcelamento do solo urbano e instruir o memorial do loteamento sem o título de propriedade do terreno. Essa lei já permite que se arquive o memorial com um título de emissão de posse, que, segundo ela, é registrável.

Eu não vi essa lei aplicada até hoje, mas não deixa de ser uma ideia que avançou na busca do conceito de posse como um direito, uma vez que, registrado o memorial de

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loteamento com esse título de emissão de posse, direito real sobre o imóvel, segue-se então a comercialização do imóvel. De que forma é feita a comercialização desses imóveis se o titular do empreendimento tem apenas a posse? Mediante cessão de direito de posse, de acordo com a dicção da lei.

Essa lei também é muito tímida, não chega a configurar a forma de transmissão da posse para gerar uma propriedade, mas pelo menos trata a posse como um direito, permite que o titular desse direito, o cessionário, comercialize esse direito. E prevê que, uma vez transitada em julgado a sen-tença e registrada no Registro de Imóveis a desapropriação outorgando a propriedade, automaticamente os títulos de direito de posse, que também são registráveis, se convertam em promessa de compra e venda. Se quitados, convertem-se em compra e venda.

Só no início do século XXI chega-se a um sistema, embora ainda não posto em prática com a intensidade que se requer. Trata-se do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social, SNHIS, Lei 11.124, de 16 de junho de 2005, um programa de amplo alcance, uma vez que envolve o poder público federal, estadual e municipal e propicia condi-ções facilitadas para o financiamento da população de baixa renda, bem como outorga subsídios para isso.

A Constituição de 1988, nos artigos 182 e 183, pela primeira vez trata da política urbana. O artigo 182 e seus parágrafos estabelecem os princípios gerais da qualidade de vida nas cidades, do direito de moradia e da função social da propriedade. Esse artigo prevê que a propriedade cumpre a função social se atender as diretrizes estabelecidas pelo Estatuto da Cidade e pelo plano diretor do município. A fun-ção social da propriedade é um conceito ainda muito amplo, muito fluido e muito aberto, não cabe discutir, mas enfim estende a visão para um campo muito maior.

Os artigos 6º e 7º configuram o direito à moradia como um direito fundamental, e o 225 trata da proteção do ambiente. O art. 183 trata especificamente da usucapião da propriedade urbana com aquelas restrições específicas de áreas com até 250 metros, no prazo de cinco anos. Menciono esse artigo porque ele será referido na nova lei que vamos discutir.

Mas antes disso devemos refletir sobre a questão da ocu-pação irregular. Um recurso especial originário de uma ape-lação civil de São Paulo, cujo relator é o desembargador José Osório, trata de uma ação de reivindicação do proprietário de

lotes invadidos há mais de vinte anos, terra essa consolidada numa favela. O tribunal não reconheceu o juízo reivindican-te, mas considerou que ele fica neutralizado em razão do princípio da função social da propriedade. Isso foi antes da Constituição de 1988, o acórdão é do início da década de 1980. O princípio da função social da propriedade desde então já neutralizava o direito do proprietário inerte em face do possuidor que passou a usar o imóvel como moradia. O art. 1.228 do Código Civil, parágrafo 4º, quase reproduz o conceito enunciado nesse acórdão, que foi integralmente acolhido pelo Superior Tribunal de Justiça. No voto do rela-tor, ele praticamente transcreveu o voto do desembargador José Osório.

O parágrafo 4º do artigo 1.228 do Código Civil prevê a improcedência da ação de reivindicação.

§ 4º. O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.

Lei 11.977 pretende garantir o direito social à moradiaChegamos à Lei 11.977 com certa facilidade depois de

aberto um caminho por uma série de pronunciamentos e decisões judiciais.

O propósito dessa lei é garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o meio ambiente ecologicamente equilibrado. Ela pretende dar efeito prático aos princípios constitucionais, embora se limite a buscar a regularização na venda da mora-dia nos aglomerados de sub-habitações.

Demarcação urbanística é o procedimento administra-tivo pelo qual o poder público, no âmbito da regularização fundiária de interesse social, demarca imóvel público ou privado. A proposta era só demarcação de imóvel privado, mas uma emenda no Congresso ampliou também para a de domínio público, uma vez que a maior parte de terras ocupa-das em favelas é de domínio público. Ao demarcar, o poder público vai qualificar a natureza e o tempo das posses para

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confirmar que elas atendem os requisitos da usucapião, uma vez que a legitimação da posse só é concedida se a ocupação atender os requisitos da usucapião.

O art. 47 define legitimação de posse:

IV- legitimação de posse: ato do poder público des-tinado a conferir título de reconhecimento de posse de imóvel objeto de demarcação urbanística, com a identificação do ocupante e do tempo e natureza da posse;

O art. 59 da Lei 11.977 dispõe que “a legitimação de posse devidamente registrada constitui direito em favor do detentor da posse direta para fins de moradia”, mas não diz que direito é.

Eu participei da redação do Projeto de Lei 1.092 que era um pouco mais rigorosa do ponto de vista técnico, confe-rindo o direito de propriedade sob condição suspensiva. Por quê? A legitimação tal como prevista na lei, decorridos cinco anos sem que haja impugnação, autoriza o titular da posse a obter a propriedade mediante registro. Por isso, a meu ver, ela se caracteriza um direito. O que é um direito de posse nesse caso? É um direito que em certo sentido se assemelha ao direito do promitente comprador ou do devedor fiducian-te. Aqui, evidentemente, as condições são diferentes, mas a natureza do direito é essa. Para obter a propriedade, que vai adquirir mediante usucapião administrativa, o titular da posse tem de aguardar cinco anos sem que haja impugnação por parte dos proprietários.

A usucapião administrativa se processa inteiramente no âmbito do Registro de Imóveis. O poder público promove a demarcação da área, identifica os ocupantes e apresenta um termo de demarcação ao oficial do Registro de Imóveis para averbação. O ato relacionado ao termo de demarcação é um ato de averbação, segundo o § 4º do art. 57.

§ 4º. Decorrido o prazo sem impugnação, a demarca-ção urbanística será averbada nas matrículas alcan-çadas pela planta e memorial indicados no inciso I do § 1º do art. 56.

O oficial de Registro de Imóveis promove a notificação do proprietário para o exercício do contraditório. Se ele

impugnar, o processo de demarcação vai ser abortado. O oficial do Registro de Imóveis pode promover uma tentativa de acordo entre o poder público e o particular dono da área. A lei não diz para que fim nem com que limites, mas talvez para fins de ajustar eventual indenização pelo procedimento de demarcação e de regularização fundiária. Diz o § 10 do art. 57 que, “não havendo acordo, a demarcação urbanística será encerrada em relação à área impugnada”.

Por fim, a conversão dessa posse em propriedade está no art. 60.

Art. 60. Sem prejuízo dos direitos decorrentes da posse exercida anteriormente, o detentor do título de legitimação de posse, após 5 (cinco) anos de seu registro, poderá requerer ao oficial de registro de imóveis a conversão desse título em registro de pro-priedade, tendo em vista sua aquisição por usuca-pião, nos termos do art. 183 da Constituição Federal.§ 1º Para requerer a conversão prevista no caput, o adquirente deverá apresentar:I- certidões do cartório distribuidor demonstrando a inexistência de ações em andamento que caracteri-zem oposição à posse do imóvel objeto de legitima-ção de posse;II- declaração de que não possui outro imóvel urba-no ou rural;III- declaração de que o imóvel é utilizado para sua moradia ou de sua família; eIV- declaração de que não teve reconhecido ante-riormente o direito à usucapião de imóveis em áreas urbanas.§ 2º As certidões previstas no inciso I do § 1º serão relativas ao imóvel objeto de legitimação de posse e serão fornecidas pelo poder público.

O art. 60 pode gerar muitas dúvidas, muitas controvérsias e insegurança na realização dos atos necessários.

“Sem prejuízo dos direitos decorrentes da posse exercida anteriormente” é uma expressão perfeitamente dispensável, que contraria o princípio geral de hermenêutica de que não há palavras inúteis na lei. Essa frase é inútil porque esse arti-go é o desfecho de todo o procedimento de demarcação e legitimação.

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“O detentor do título de legitimação de posse” é uma figura que sinceramente eu ainda não conheço, estou me esforçando para saber o que é isso, se é o sujeito que está com o papel na mão. A mesma frase contém duas palavras com funções e conceituação legal jurídica distintas: detenção é uma coisa, e posse é outra. Tudo isso pode ser traduzido por “o possuidor legitimado”.

“Após cinco anos de seu registro, poderá requerer ao oficial de registro de imóveis a conversão desse título em registro de propriedade”: por que poderá requerer? Desde que não tenha havido impugnação, após cinco anos a posse se converte automaticamente, senão seria preciso ir ao Judiciário e requerer a usucapião.

Essa parte final do art. 60 gera certa dúvida ao dizer “poderá requerer a conversão desse título em registro da propriedade”. Parece que não é o título que se converte em propriedade, mas é a posse legitimada que se converte em propriedade. É uma redação equivocada.

E pior ainda é “tendo em vista sua aquisição por usu-capião”: está vago, nebuloso, estranho. Estou fazendo um esforço de interpretação para entender que se quis dizer mais ou menos o que está escrito no projeto de lei. Converte-se automaticamente a posse em propriedade, se após cinco anos não houver nenhuma impugnação. Instrui-se o pedido do possuidor como prova de que não há nenhuma ação dis-tribuída em relação àquela área, em relação a ele, em relação àquele processo de demarcação. Não é preciso mais nada além disso. E por que cinco anos? Porque esse é o prazo da usucapião especial do artigo 183 da Constituição.

Decorrido o prazo da notificação sem impugnação, o oficial do Registro de Imóveis faz a averbação e notifica o proprietário (art. 57, § 4º). Uma vez averbado o auto de demarcação, o poder público deverá elaborar o projeto de parcelamento com todas as áreas e todos os moradores com a duração da posse deles. Em seguida a essa averbação do auto de demarcação, o poder público concederá o título de legitimação de posse aos ocupantes cadastrados.

E a seguir, o art. 59 dispõe que “a legitimação de posse devidamente registrada constitui direito em favor do deten-tor da posse direta para fins de moradia”.

Essas são as linhas gerais dessa nova lei que depois de muito atraso vem suprir e dar muito trabalho aos senhores, além de trazer algumas complicações em relação aos emolu-

mentos, uma vez que há um dispositivo que torna gratuito o registro, o que vai dar margem a muita controvérsia.

Essas são as questões relacionadas à usucapião adminis-trativa.

Alienação fiduciária: Lei 9.514, de 20 de novembro de 1997Não vamos falar de alienação fiduciária de imóveis por-

que os senhores já conhecem e já debateram esse assunto há muito tempo. Vamos apenas recordar o que é esse negócio. É um negócio jurídico pelo qual o devedor, também chamado fiduciante, com o escopo de garantia, contrata transferência ao credor, o fiduciário, da propriedade resolúvel da coisa imóvel. Está aí sintetizado tudo o que é alienação fiduciária da coisa imóvel. Trata-se de um negócio jurídico de transmis-são condicional; é com escopo de garantia que o devedor ou fiduciante contrata a transferência. A propriedade é resolúvel, a propriedade é temporária e permanecerá no patrimônio do credor até que se cumpra a obrigação de pagar.

É interessante observar que foi alvo de crítica a expressão do art. 22 da lei: “é o negócio jurídico pelo qual o devedor (...) contrata (...)”. Não poderia ser diferente, a lei não poderia dizer “é um negócio jurídico pelo qual o devedor transfere”, porque o que transfere a propriedade é o registro, o modo de transmissão e o de constrição de direitos reais é o registro, não o contrato, que é apenas a forma.

Quero chamar a atenção para um aspecto importante. Essa lei foi feita em 1997, visando quase precipuamen-te o mercado imobiliário e o mercado de financiamento imobiliário, por isso deram a ela o apelido de Sistema de Financiamento Imobiliário. É um mero apelido, porque essa lei não contempla sistema algum. Ela institui uma garantia real, regulamenta a securitização, dispõe que as operações de financiamento sejam feitas de acordo com o livre merca-do: isso não é sistema. O que se queria era um mecanismo de expansão e ativação do mercado imobiliário, mas a redação ficou assim.

Mais tarde veio a Lei 10.931, que, entre os artigos 46 e 51, permite que terceiro possa prestar a garantia fiduciária. É preciso atentar para o fato de que ao notificar para purgação de mora, o credor não vai ter de notificar somente o devedor, mas também intimar o terceiro fiduciante porque o imóvel desse terceiro é que vai ser levado à praça.

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Portanto, as leis 9.514 e 10.931 conjugadas vêm permitir a utilização do contrato de alienação fiduciária para garantia de quaisquer obrigações, não só as obrigações pecuniárias relacionadas ao financiamento imobiliário, e pode ser pres-tada também por terceiros.

Forma de contratação A lei diz que pode ser por instrumento particular, o que

provoca alguma reação dos notários a respeito disso, uma vez que o art. 38 dispõe: “Os atos e contratos referidos nesta Lei ou resultantes da sua aplicação, mesmo aqueles que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis, poderão ser celebrados por escritura pública ou por instrumento particular com efeitos de escritura pública”.

Um cliente me disse que um oficial de Registro de Imóveis não queria aceitar um instrumento particular de dação em pagamento. Mas a dação em pagamento é um ato resultante da aplicação da lei. Trata-se do pagamento em coisa ao invés de dinheiro, o que está previsto no Código Civil. E ainda que não estivesse, trata-se de um ato resultante da aplicação da Lei 9.514. Houve um empréstimo ou a toma-da de um financiamento e em seguida o inadimplemento. Na impossibilidade do cumprimento, o devedor dá em paga-mento – a dação em pagamento resulta da aplicação da lei. Mas, independentemente disso, um parágrafo introduzido posteriormente veio admitir a dação do direito eventual em pagamento.

Algumas pessoas entenderam que deveria ser o paga-mento com o imóvel ou com o direito eventual; o contrato de alienação fiduciária deveria ser extinto mediante distrato. Ora, como se faz o distrato de um mútuo? O mútuo só se resolve com a devolução, com a restrição da coisa que foi mutuada por inteiro. Não é distrato, é dação, uma vez que se trata de uma garantia em contrato de empréstimo. O deve-dor fiduciante tem um direito eventual sob condição espe-cial. Ele dá esse direito ao credor e, ao fazer isso, consolida-se a propriedade. A dação em pagamento opera uma consoli-dação da propriedade. É preciso ter isso em mente porque não é um dos mecanismos de consolidação previstos na lei. A lei prevê a consolidação por inadimplemento mediante um procedimento extrajudicial de notificação. Decorridos o prazo da notificação e a purgação da mora, dá-se a consoli-

dação. Mas ela se dá também por efeito de transmissão do direito eventual do devedor fiduciante ao credor fiduciário, com o que se consolida a propriedade plena do patrimônio do fiduciário.

Atenção aos enunciados do contrato! É muito importante que eles sejam rigorosamente observados. Já vi acórdãos negando a reintegração de posse porque um dos requisitos do contrato não foi observado: a notificação pessoal do devedor.

Há uma cláusula que assegura ao devedor a livre adjudi-cação do imóvel porque é ele que tem o direito de fruição do imóvel, a posse. Segundo o art. 23 da Lei 9.514, “constitui-se a propriedade fiduciária de coisa imóvel mediante registro, no competente Registro de Imóveis, do contrato que lhe serve de título”. E o parágrafo único dispõe: “Com a consti-tuição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciá-rio possuidor indireto da coisa imóvel”.

Direito do fiduciante e do fiduciário: patrimônio jurídicoTrata-se, como vimos, da definição de uma propriedade

resolúvel. O credor recebe a propriedade resolúvel – a pro-priedade fadada a extinguir-se. O fiduciário é um proprietário temporário, pode vir a se tornar definitivo em caso de falha na condição suspensiva. Nesse caso se procede conforme dispõe a lei. Mas a extinção natural desse contrato dá-se com a extinção da propriedade dele. Propriedade resolúvel de um lado, propriedade sob condição suspensiva de outro. São condições que se completam, uma não existe sem a outra, e a ocorrência de uma importa na ocorrência da outra; a pro-dução dos efeitos de uma importa na não produção dos efei-tos da outra. É um titular de direito sob condição suspensiva.

Procedimentos de cobrançaIntimação que se opera no Registro de Imóveis ou, por

delegação dele, no Registro de Títulos e Documentos. Pode ser que algum credor se oriente pela Súmula 245 do STJ, segundo a qual ele não precisa indicar o valor do débito na notificação. É preciso cuidado com isso, porque essa súmula foi formulada para os contratos de alienação fiduciária de bens móveis cujo valor está no carnê. O contrato imobiliário é mais complexo. Ele é de prazo muito longo e tem um fator

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variável de acordo com o índice de atualização monetária. Recomendo a apresentação de demonstrativo de débito junto com o pedido de notificação ao oficial do Registro de Imóveis.

Intimação de terceirosJá vimos que ela é necessária se o terceiro for o fidu-

ciante. Nesse caso e a exemplo do que ocorre no processo judicial de execução por título extrajudicial, se a execução for hipotecária. Na execução hipotecária em que a hipoteca for oferecida pelo terceiro, o Código do Processo Civil prevê que esse terceiro hipotecante deve ser cientificado do processo extrajudicial de execução para que ele possa defender seus direitos.

A purgação da mora se dá no Registro de Imóveis, e a entrega do dinheiro tem de ser efetivada em prazo de três dias. A hipótese de não purgação da mora implica que o ofi-cial faça uma certidão e implica também, como se tem visto na prática, a averbação desse fato. Embora a lei não mencio-ne essa averbação, ela parece realmente conveniente, bem como é conveniente a averbação do leilão negativo.

Uma vez certificada a purgação da mora, dá-se a conso-lidação da propriedade mediante requerimento do credor com pagamento de ITBI ou laudêmio, se for o caso. O ITBI só é devido nesse momento porque até então a propriedade foi transferida em garantia. O leilão dá-se trinta dias após a con-solidação da propriedade. O segundo leilão se faz pelo saldo devedor acrescido. Exonera-se o devedor de pagar o saldo remanescente. Entendo que essa exoneração do devedor é inadequada para esse tipo de negócio jurídico de garantia, embora possa ser justificável para financiamentos habitacio-nais de interesse social até certo limite.

Sobretudo depois que a Lei 10.931 estendeu a alienação fiduciária para quaisquer obrigações – e ela vem sendo utili-zada no mercado bancário para financiamento de capital de giro e de estações industriais e comerciais –, faz sentido o devedor ficar exonerado da dívida se no segundo leilão não se alcançar o valor do bem.

Exigibilidade dos débitos de condomínio e de IPTUInteressante observar a exigibilidade dos débitos de

condomínio e de IPTU nas disposições finais da Lei 11.977:

Art. 72. Nas ações judiciais de cobrança ou execução de cotas de condomínio, de imposto sobre a proprie-dade predial e territorial urbana ou de outras obriga-ções vinculadas ou decorrentes da posse do imóvel urbano, nas quais o responsável pelo pagamento seja o possuidor investido nos respectivos direitos aquisitivos, assim como o usufrutuário ou outros titulares de direito real de uso, posse ou fruição, será notificado o titular do domínio pleno ou útil, inclusi-ve o promitente vendedor ou fiduciário.

A redação deveria ser: “inclusive o promitente vendedor ou o fiduciário”, porque sem o artigo dá a impressão de que esses termos são sinônimos.

Com esse artigo o legislador visou afastar o risco que correm os proprietários fiduciários, os credores, de serem acionados por prefeituras e condomínios, o que, aliás, já ocorre na prática.

Na jurisprudência de São Paulo encontrei um ou dois acórdãos que entendem que há solidariedade em relação ao débito condominial. Em relação ao IPTU, a jurisprudência paulista esclarece que o legislador municipal pode optar ou definir quem seja o contribuinte nessa hipótese. Ora, se é assim, então o município pode escolher. Imaginem o que pode acontecer pelo país afora em matéria de IPTU e em matéria da consistência do crédito fiduciário! Perderia total-mente sua consistência, e eu diria que atingiria mortalmente a garantia fiduciária.

Uma decisão recente do STJ, tendo por base vários acór-dãos do Tribunal de São Paulo, diz: “Ao legislador municipal cabe eleger o sujeito passivo do tributo, contemplando qual-quer das situações previstas no CTN. Definindo a lei como contribuinte o proprietário, o titular do domínio útil, ou o possuidor a qualquer título, pode a autoridade administrativa optar por um ou por outro visando a facilitar o procedimento de arrecadação” (REsp 475.078/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 27.9.2004).

O único propósito disso é facilitar o procedimento de arrecadação. E para se alcançar isso se passa por cima do CTN com a maior tranquilidade.

*Melhim Namem Chalhub é advogado no Rio de Janeiro, professor e autor

do livro Negócio fiduciário.

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Limitações administrativas no direito de propriedadeLuiz Egon Richter*

Não existe direito ilimitado, todo direito

tem seus limites. O exercício do direito

hoje não é necessariamente o mesmo de

ontem e nem o de amanhã, assim como

não se dá necessariamente de forma igual

em todos os lugares.

As limitações administrativas não alcançam apenas o exercício ou uso da propriedade; às vezes atingem a

própria disponibilidade.

O pano de fundo das limitações administrativas é a ten-são entre o interesse público e o privado.

Os manuais de direito administrativo definem interesse público como “todo aquele definido pela lei”. Essa noção de interesse público está ultrapassada. É impossível que o legis-lador de uma sociedade democrática estabeleça de forma fixa os interesses públicos e os interesses pessoais.

O que é interesse público hoje pode não ser amanhã; inte-resse público ontem pode não sê-lo hoje. Ou seja, não existe o interesse público fixo. Alguns estão tipificados no próprio texto constitucional, mas o interesse público vai muito além.

Nessa tensão entre interesse público e privado é neces-sária a intervenção do Estado mediante os poderes consti-tuídos Legislativo, Executivo e Judiciário. O Legislativo faz as leis, dispõe sobre regras genéricas e abstratas, dentre as quais as limitações administrativas. O poder Executivo, ao qual predominantemente pertence a Administração pública, executa a lei. E o Judiciário, por sua vez, aplica a lei quando provocado; ele diz a quem pertence o direito e decide.

A Administração pública concretiza a eficácia de algumas limitações administrativas que necessitam de sua interven-ção mediante uma declaração positiva, como, por exemplo, um licenciamento. O interessado em edificar um prédio precisa primeiro aprovar o projeto perante a municipalidade. Se o projeto estiver em conformidade com o estabelecido

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no direito, a municipalidade vai licenciá-lo. Isso é a con-cretização da eficácia da limitação administrativa, uma vez que genericamente o legislador já estabeleceu os limites, os requisitos e os pressupostos. Se alguém quer executar essa atividade, apresenta o projeto, a municipalidade verifica se está de acordo com a legislação e concretiza a eficácia mediante o licenciamento.

No plano da concretude é a Administração pública que faz a mediação entre o interesse público e o interesse priva-do. O exercício da Administração pública, o regime jurídico administrativo, de acordo com a doutrina abalizada de Celso Antonio Bandeira de Mello, um dos maiores administrativis-tas do Brasil, está assentado em dois princípios, verdadeiros pilares: a supremacia do interesse público e a indisponibilida-de pela Administração pública dos interesses públicos.

É com base nessa supremacia do interesse público que ele é tutelado pelo Estado, que intervém para limitar, condicionar, sujeitar direitos e interesses. Mas essa supremacia do Estado só se legitima se estiver em conformidade com duas ordens, a jurí-dica e a social, ou seja, de acordo com o direito e a democracia. Não basta mais um ato estar de acordo com o direito no plano formal, se sua essência não estiver em sintonia com o interesse da sociedade. A legitimidade dos atos administrativos está rela-cionada com a legalidade e a legitimidade.

Indisponibilidade dos interesses pela Administração públicaNo que diz respeito à indisponibilidade dos interesses

pela Administração pública é possível dizer que ela não tem o domínio dos interesses públicos, não tem mais o poder/dever de agir, pelo contrário, ela tem o dever/poder de agir.

As primeiras obras de Hely Lopes Meirelles referem que a Administração pública é orientada pelo binômio poder/dever. A partir da Constituição de 1988, esse binômio inverteu-se. Cabe à Administração pública o dever de agir sempre em conformidade com o direito. E as limitações administrativas têm por finalidade limitar, condicionar, sujeitar o exercício de direitos.

Dois direitos basilares da organização brasileira sofrem a intervenção das limitações administrativas: a liberdade e a propriedade. A ideia é proteger esses direitos para que não sejam extintos.

Tanto o direito de propriedade quanto o de liberdade são assegurados pelo texto constitucional, mas a liberdade é uma

luta na trajetória humana desde a escravidão do antigo Egito. A Revolução Francesa de 1789 trouxe a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão cujo art. 4º prevê que “a liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo”. E o art. 5º dispõe que “a lei não proíbe senão as ações nocivas à sociedade. Tudo que não é vedado pela lei não pode ser obstado e ninguém pode ser constrangido a fazer o que ela não ordene”.

Essa declaração foi um marco importante por registrar que o homem tem direitos inerentes à condição humana. A Revolução Francesa marca o nascimento do Estado de direito contem-porâneo. E no mesmo momento em que os direitos passam a ser assegurados pelo Estado, esse mesmo Estado os limita. Podemos dizer que todo direito é limitado, não existe direito ilimitado. Nos Estados democráticos de direito, a liberdade é um dos pilares da própria organização política e jurídica.

O direito de propriedadeNa Idade Média, a propriedade foi desmembrada in

directium, que é o poder sobre a coisa. No entanto, quase ao final do século XVIII, o art. 17 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão prevê que a propriedade “é um direito inviolável e sagrado, ninguém dela pode ser privado, a não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada o exigir e sob condição de justa e prévia indenização”.

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão traz essa noção de propriedade individual, mas condicionada ao interesse público legalmente comprovado. Ainda hoje encontramos na Constituição, bem como na legislação infra-constitucional, dizeres parecidos com esse.

A Revolução Francesa estabeleceu o marco ideológico do direito de propriedade moderno distinguido pela concepção individualista de cunho liberal. O Código Civil francês, tam-bém chamado de Código da Propriedade, teve reflexos no Brasil. Nosso Código Civil de 1916 também foi considerado um código da propriedade, ao passo que o Código atual for-taleceu o cidadão, o que o doutor Frederico Viegas de Lima chamou de despatrimonializaçao e repersonalização.

O art. 544 do Código francês garantia o direito de usar, gozar e fruir da propriedade desde que não se fizesse um uso proibido pela lei e pelos regulamentos. Portanto, também a propriedade francesa nasce condicionada. Quais os fundamentos desse con-dicionamento? Basicamente dois: interesse de ordem geral, que legitimava o Estado a intervir; e abuso do direito de propriedade.

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Hoje, a função social da propriedade substitui a noção de abuso de propriedade. Naquela época nasceram também as restrições de vizinhança, que, no entanto, não se confundem com limita-ções administrativas como vamos ver.

Função social da propriedadeO marco histórico que começa a mudar a propriedade

individual é a Revolução Francesa, e a partir dela todos os movimentos socialistas da Europa. A própria Igreja passa a defender a necessidade de se atribuir à propriedade uma função social, ou seja, superar esse paradigma individualista que nasceu com o direito francês.

O professor Melhim Chalhub distingue função da pro-priedade e função social da propriedade. Ensina ele que a função da propriedade é a utilidade da coisa, o que ela oferece ao proprietário ou detentor. E a função social da propriedade é a utilidade social dela resultante.

Hoje, a propriedade tem uma função imediata em favor do proprietário e tem uma função mediata em favor do inte-resse público. A primeira vez que a função social da proprie-dade ingressou em texto constitucional foi na constituição alemã de Weimar, de 1919, que atribuiu à propriedade uma função social, isto é, condicionou o direito de propriedade ao exercício de uma função social.

A partir da Constituição de Weimar houve uma irradia-ção para outras constituições, entre as quais a brasileira de 1988, que consagrou expressamente o princípio da função social da propriedade. É bom lembrar que a noção de função social da propriedade deve ter seus contornos definidos no texto constitucional e seu exercício regulado pela legislação infraconstitucional, para não ficar a critério dos governos de plantão. As ocupações, as invasões e os fechamentos de estrada não são permitidos pelo ordenamento jurídico brasi-leiro, mas pelos governos. Toda sociedade é regrada, senão seria impossível viver em sociedade.

Voltando ao texto constitucional de 1988, o art. 5º, inciso XXII, garante o direito de propriedade, e o inciso 23 dispõe que a propriedade deve cumprir a função social. O art. 170 prevê, em seus incisos II e III, que a sociedade privada e a função social da propriedade são princípios, dois pilares da ordem econômica brasileira.

O art. 182 dispõe expressamente que a propriedade urbana cumpre sua função social ao satisfazer o plano diretor aprovado

pela câmara municipal. Portanto, o plano diretor vai estabelecer na prática os contornos e o conteúdo da função social da pro-priedade em todo o território do município, ou seja, tem que haver integração entre o espaço urbano e o espaço agrário.

O art. 183/CF, ainda no capítulo de política urbana, está em parte regulamentado no Estatuto da Cidade, que prevê o parcelamento compulsório e a edificação compulsória para os imóveis urbanos não utilizados ou subutilizados, o que não deixa de ser uma forma de limitação administrativa.

O Estatuto da Cidade prevê o direito de preempção muni-cipal em determinados espaços definidos por lei municipal, se o município precisa reurbanizar e não dispõe de espaço público suficiente para atender o interesse público. Ele pode estipular por lei o seu direito de preempção e toda vez que alguém quiser vender seu imóvel primeiro terá que ofertar ao município. Se eu não estou enganado, essa preempção pode ser averbada no Registro de Imóveis para prevenir terceiros dessa limitação administrativa.

No capítulo da propriedade agrária, o art. 186/CF prevê que “a função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, os seguintes requisitos: I- aproveitamento racional e adequado; II- utilização ade-quada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III- observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV- exploração que favoreça o bem--estar dos proprietários e dos trabalhadores”.

Observe-se que o texto constitucional estabeleceu o contorno, mas falta uma legislação infraconstitucional para modernizar isso.

Concordo plenamente com o doutor Frederico: falta uma legislação que disponha efetivamente sobre a propriedade no Brasil. O direito de propriedade é um instituto do direito privado. O direito administrativo não condiciona o direito de propriedade, mas oferece o instrumental jurídico para que o Estado, mediante a Administração pública, possa intervir no direito de propriedade. No entanto, não é o direito adminis-trativo que condiciona o direito de propriedade cujos contor-nos já estão definidos no próprio texto constitucional. Cabe à lei infraconstitucional esclarecer, esmiuçar, estipular melhor como será exercido esse direito de propriedade.

O caput do art. 1.228 do Código Civil prevê que “o pro-prietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o

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direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”.

E o parágrafo 1º dispõe que “o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais (...)”.

A meu ver, a finalidade econômica é imediata. O pro-prietário quer tirar proveito econômico da propriedade, mas pode também tirar proveito da moradia. De acordo com o texto constitucional, o direito à moradia é um direito social. Já o Código Civil prevê que o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com suas finalidades econômicas e sociais, o que significa finalidades econômicas e sociais do proprietário, imediatamente, e do interesse público, mediatamente. Se um bem traz benefício econômico ao seu proprietário, indiretamente ele traz benefício econômico ao restante da sociedade. E por meio de mecanismos legais, o Estado pode expandir ainda mais essa riqueza produzida para atender a função social de modo que, de acordo com o estabelecido em lei, sejam preservados a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico, o patrimônio históri-co e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

Limitações administrativasQue limitações administrativas são essas que condicio-

nam o exercício do direito de propriedade? O professor Diogo de Figueiredo Moreira Neto, advogado

no Rio de Janeiro, escreve: “limitação administrativa é uma modalidade de intervenção ordenatória, ou seja, a limitação administrativa visa ordenar, visa colocar ordem, visa raciona-lizar de forma abstrata e geral”.

Ao dizer que a limitação administrativa é uma modali-dade de intervenção ordenatória abstrata e geral, de certa forma ele exclui o ato administrativo concreto. Passa a ideia de que a limitação administrativa é estipulada por lei ou tal-vez ele aceite que atos administrativos normativos também possam dispor de limitações administrativas do Estado e nas atividades privadas. Sim, porque as limitações administra-tivas não incidem tão somente no direito de propriedade, vez que elas limitam e condicionam o exercício de qualquer atividade econômica laboral.

Se, por um lado, a Constituição assegura a liberdade de iniciativa, na prática, o Estado impõe que se atenda a certos requisitos. O Estado licencia, autoriza e permite ou não.

As limitações administrativas não limitam o direito em si, mas condicionam, limitam, restringem o exercício, não o direito. No entanto, vamos ver que a amplitude do direito é necessariamente a amplitude de seu exercício; não existe direito maior do que seu exercício.

No Brasil, o entendimento predominante é que as limita-ções administrativas são gratuitas, ou seja, devem ser supor-tadas pelos proprietários. Diferentemente, por exemplo, de uma servidão administrativa, de uma desapropriação ou até mesmo de uma ocupação temporária, que em tese são ou podem ser onerosas.

Limitações administrativas são permanentes e impostas pelo EstadoAs limitações administrativas se mantêm enquanto a lei

se mantiver no mundo jurídico, limitando o exercício de um determinado direito.

Importante observar que as limitações administrativas são exclusivas do Estado ou de entidades criadas por ele, especialmente as autárquicas. Ordinariamente, elas devem ser impostas pelo próprio Estado, por força de lei, ou por atos administrativos normativos.

A professora Maria Sylvia Zanella di Pietro entende que as limitações administrativas são medidas de caráter geral previstas em lei com fundamento no poder de polícia do Estado, gerando para o proprietário obrigações positivas ou negativas com o fim de condicionar o direito de propriedade ao bem-estar social.

O poder de polícia é a prerrogativa que o Estado tem de impor as limitações administrativas e visa compatibilizar o interesse privado com o interesse público no que diz respeito ao uso de bens e ao direito de liberdade.

Com base na prerrogativa estatal do poder de polícia, o Estado impõe limites ao exercício do direito de propriedade. Para o professor Diogo de Figueiredo Moreira Neto trata-se de uma modalidade de intervenção ordenatória abstrata e geral de propriedade; nas atividades privadas limitativas no exercício de liberdades e direitos, apenas limita. Segundo a professora Zanella di Pietro, no entanto, a limitação administrativa impõe ao proprietário obrigações positivas ou negativas.

O professor José dos Santos Carvalho Filho conceitua as limitações administrativas como “determinações de caráter geral, através das quais o Poder Público impõe a proprie-

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tários indeterminados obrigações positivas, negativas ou permissivas, para o fim de condicionar as propriedades ao atendimento da função social”.

Entendo que o fundamento das limitações administrati-vas seja a Constituição federal. De modo geral, as limitações têm fundamento predominante na função social da pro-priedade, embora não exclusivamente. O poder de polícia é apenas a prerrogativa que o Estado tem de intervir. A natu-reza jurídica é uma espécie de manifestação do exercício da função de polícia. A Administração pública não tem o poder de polícia, que pertence ao Estado, mas apenas o exercício, a prerrogativa de exercitar o poder de polícia.

Conteúdo das limitações administrativasUma corrente de pensamento liderada pelo professor Celso

Antônio Bandeira de Mello entende que as limitações impõem tão somente obrigações negativas, ou seja, o non facere.

A segunda linha de pensamento defende que as limi-tações administrativas podem impor deveres negativos, o non facere, ou positivos, o facere. Ou seja, obrigações de não fazer ou obrigações de fazer. Por exemplo: permitir o ingresso do agente público para vistoriar um prédio com vistas a conceder o habite-se não deixa de ser uma função de polícia. As limitações administrativas não se confundem com as restrições de vizinhança. Pontes de Miranda diz que as limitações administrativas são de natureza pública e, em geral, as restrições de vizinhança são de natureza privada.

Toda limitação restringe o exercício de direitos, mas nem toda restrição é necessariamente uma limitação admi-nistrativa. Em geral, as restrições ficam em âmbito privado. Outra espécie de restrição, a restrição urbanística imposta pelo loteador, é de natureza privada, embora, a meu ver, ela deva ser observada pelo município. Se o município aceitou essa restrição ao aprovar o projeto de loteamento, ela passa a fazer parte como uma regra de uso e ocupação daquela parcela de solo urbano dividida em lotes.

As limitações também não se confundem com servidões administrativas, que são de direito real. Embora limitem a fruição da propriedade, elas não têm essa finalidade. A finali-dade de uma servidão administrativa é viabilizar a execução de um serviço público. Se recair sobre bens imóveis, a servi-dão precisa ser registrada no Registro de Imóveis, o que não ocorre com a limitação, como vamos ver.

Tombamento, interdição, desapropriaçãoHá quem entenda o tombamento como uma limitação;

outros a entendem como um direito real. A meu ver, não é nem uma coisa nem outra. É um instituto próprio com sua tipicidade. Limita o uso e a fruição do bem e pode até limitar a disponibilidade. No entanto, a finalidade do tombamento é proteger o patrimônio histórico, cultural, artístico e urbanísti-co; portanto, o objetivo é diferente.

Também não se confunde com interdições, que são atos administrativos de natureza sancionatória. As limita-ções administrativas não são sancionatórias, mas gerais. As interdições são atos concretos. A ocupação temporária já começa aí; a limitação administrativa é genérica, abstrata, permanente. A ocupação temporária é transitória, pode durar três dias ou um mês. Enquanto se fizer presente deter-minado interesse público contingencial, o Estado ocupa uma propriedade privada, o que também não se confunde com a desapropriação, que é a retirada compulsória da propriedade pelo Estado de forma unilateral.

Amplitude e limitação dos direitosA amplitude de um direito é a extensão de seu exercício,

sujeito às variáveis do tempo e do espaço. Os direitos não são iguais em todos os lugares, não são os mesmos ao longo do tempo. Para que o direito de todos seja respeitado, ele tem de ser flexível. A rigor, não existe direito maior do que o passível de ser exercido.

Não existe direito ilimitado, todo direito tem seus limites. O exercício do direito hoje não é necessariamente o mesmo de ontem e nem será o de amanhã assim como não se dá necessariamente de forma igual em todos os lugares.

Repercussão no RI dos limites impostos pelas limitações administrativasPara falar da repercussão das medidas limitativas no

âmbito do Registro de Imóveis é preciso ter claro o que é Registro de Imóveis.

Vejo o Registro de Imóveis no Brasil como uma instituição pública, gerida de forma privada cuja atribuição é a publiciza-ção de atos jurídicos constitutivos, desconstitutivos e decla-ratórios de direitos reais imobiliários, direitos obrigacionais, bem como a publicidade de fatos relacionados ao imóvel, aos direitos inscritos e aos sujeitos.

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O parâmetro da atuação do registrador público de imó-veis é o direito. O direito vai além da lei. O direito compreen-de os princípios, a doutrina e a jurisprudência.

O Estado vem aumentando a intervenção em face do exercício do direito de propriedade, notadamente nas áreas urbanística, agrária, ambiental, edilícia, do patrimônio histó-rico e artístico e de segurança.

Algumas limitações repercutem diretamente no Registro de Imóveis.

Há uma gama enorme de limitações administrativas na área urbanística – o ordenamento do solo urbano quanto ao uso e ocupação do solo, incluindo plano diretor, zone-amento, parcelamento do solo urbano, parcelamento ou edificação compulsória, direito de apreensão em favor do município etc. Na área agrária, ordenamento do uso, ocupa-ção, exploração agrícola, pecuária, extrativa, vegetal.

O georreferenciamento repercute diretamente no Registro de Imóveis. A legislação proíbe o desmembramento, remembramento, parcelamento e até mesmo transferências em determinadas situações sem que se faça prévio georrefe-renciamento. Observe-se que essa limitação administrativa está imposta ao proprietário, mas repercute no âmbito do Registro de Imóveis e deve ser observada pelo registrador. Ela tem endereço imediato ao proprietário, mas mediato ao registrador de imóveis.

As limitações administrativas vêm crescendo na área ambiental mediante controle, fiscalização, licenciamento de atividades poluidoras ou potencialmente poluidoras, delimi-tação de áreas de preservação permanente, reserva legal etc. Se bem algumas não repercutam no âmbito do Registro de Imóveis, outras sim repercutem ou podem repercutir.

Há questões de segurança que podem repercutir no direito de propriedade. É o caso das propriedades localizadas em faixas de fronteira, as faixas não edificantes ao longo das vias principais de circulação, a venda de imóvel rural a estrangeiro etc.

Respostas provisórias a quatro perguntas1. A eficácia das limitações administrativas que afetam o

exercício do direto de propriedade imobiliária depende de publicidade registral no Registro de Imóveis?

Não. A eficácia das limitações administrativas decorre da própria lei ou dos atos administrativos concretizadores dessa limitação administrativa. É o caso das áreas de preservação

permanente estipuladas por lei. A eficácia decorre da própria lei, não há necessidade de estar averbada no Registro de Imóveis.

2. Existe impedimento legal para a recepção e publiciza-ção das limitações administrativas no Registro de Imóveis?

Penso que o registrador de imóveis está sujeito a parâ-metros jurídicos, ou seja, está sujeito ao direito. Num primeiro momento, eu não posso fazer uma afirmação aqui dizendo que há um impedimento legal, uma proibição. Mas o fato de não haver uma proibição expressa também não quer dizer que toda limitação possa ingressar no Registro de Imóveis. As limi-tações que dizem respeito tão somente ao uso da propriedade ficam de fora, e as limitações que têm relação com a disponi-bilidade talvez tenham de ingressar no Registro de Imóveis. E se houver uma limitação administrativa cuja publicidade seja essencial para conhecimento da sociedade? É importante essa análise em face do fato concreto. Cada caso é um caso. O regis-trador tem de avaliar se é interessante trazer para o Registro de Imóveis, ou seja, até que ponto a publicidade dessa limitação administrativa vai efetivamente atender o interesse público ou apenas trazer dificuldades para o proprietário.

3. Existem limitações administrativas que afetam a dispo-nibilidade que devem ser observadas pelo oficial do Registro de Imóveis no exercício da atividade registral? Sim. É o caso da faixa de fronteira, da aquisição por estrangeiros, da fração mínima de parcelamento, do direito de apreensão do muni-cípio previsto no Estatuto da Cidade. Enfim, existem várias limitações administrativas que afetam a disponibilidade, razão pela qual devem ser observadas pelo registrador.

4. Existem limitações administrativas que afetam o uso e a ocupação do solo, que precisam ser observadas pelo oficial do Registro de Imóveis no exercício da atividade registral? Mencionei que as limitações que afetam tão somente o uso ficariam de fora do RI, mas algumas afetam o uso. Há um componente que vai além, como é o caso dos loteamentos. O proprietário tem uma gleba e quer parcelar, ou seja, ele vai dar uma destinação ao imóvel que vai alterar não apenas o uso mas também o status jurídico desse imóvel. Nesse caso, o registrador tem de observar a legislação e ficar atento às limitações administrativas.

* Luiz Egon Richter é oficial do Registro de Imóveis de Lajeado, Rio Grande

do Sul.

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Portanto, a cédula nasceu para representar um crédito imobiliário, para facilitar a negociação do crédito. A ideia é que mediante endosso haja circulação mais rápida e sim-plificada no mercado. Se um banco ou uma incorporadora tem um crédito imobiliário constituído, ele emite a cédula de crédito imobiliário e mediante endossos faz com que ela circule mais rapidamente.

Uma das razões dessa facilitação é que o emitente da cédula é o credor do tomador do crédito que está registrado no Registro de Imóveis.

O que é um crédito imobiliário? É apenas o crédito garan-tido por direito real? É o crédito que decorre de uma aquisi-ção, de um financiamento que tenha por consequência uma garantia? Hoje a legislação está bastante aberta nesse senti-do. Não há definição legal do que seja um crédito imobiliário.

Qual a natureza do crédito imobiliário?Para nossa atividade basta definir que, se houver um cré-

dito garantido por um direito real, registrado, portanto, esse crédito é passível de emissão de uma cédula pelo credor. Não há necessidade da autorização do devedor.

A ideia da CCI é produzir mais riqueza com a circulação do crédito e obter celeridade nas negociações.

Tipos de cédulasSão dois os tipos de cédulas de crédito imobiliário: inte-

gral e fracionária.A cédula integral é emitida pela totalidade do crédito. É

importante dizer que uma cédula de crédito imobiliário pode representar um único crédito. Não é possível emitir uma

Cédulas de Crédito ImobiliárioCarlos Eduardo Duarte Fleury*

A ideia da CCI é produzir mais riqueza com

a circulação do crédito e obter celeridade

nas negociações do crédito

A CCI foi instituída pela Medida Provisória 1.223, de setembro de 2001. A Lei 10.931, de 2 de agosto de 2004, tratou, den-

tre outros assuntos, da emissão da cédula de crédito imobiliário, de extrema importância para o mercado imobiliário como o patrimônio de afetação. Essa lei traz também outro instrumento que às vezes é confundido com a CCI: a letra de crédito imobili-ário, que não tem qualquer semelhança com a CCI. Além disso, corrigimos alguns aspectos da alienação fiduciária. Digo corrigi-mos porque tive o prazer de participar ativamente dos debates da Lei 10.931, particularmente de um aspecto dela relevante para o IRIB: a inclusão da retificação administrativa.

Nos primeiros estudos para a criação da cédula de crédito imobiliário, imaginava-se fazer um título exclusivamente escritural. No entanto, em razão da falta de conhecimento dos interessados em comercializar essas cédulas houve a necessidade de se usar também a forma cartular.

CCI facilita a negociação do crédito imobiliárioOs artigos 18 a 25 da Lei 10.931 criam a CCI.

Art. 18. É instituída a Cédula de Crédito Imobiliário – CCI para representar créditos imobiliários.

Vejamos a definição do conceito da cédula.

Art. 20. A CCI é título executivo extrajudicial, exigível pelo valor apurado de acordo com as cláusulas e con-dições pactuadas no contrato que lhe deu origem.

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cédula de dois créditos. Se o interessado na emissão tem um crédito de R$ 80 mil e outro de R$ 100 mil, ele não pode emitir uma cédula de R$ 180 mil. Terá de emitir duas cédulas, uma de R$ 80 mil e outra de R$ 100 mil. Portanto, a cédula integral representa a totalidade do crédito.

A lei também instituiu a cédula fracionária, mas vai ser difícil encontrarmos uma desse tipo uma vez que ela perde seus con-troles. Com um crédito de R$ 100 mil é possível emitir, simulta-neamente ou não, cinco cédulas fracionárias de R$ 20 mil, para que sejam vendidas no mercado. Mas os mercados, sobretudo os de securitização, não têm aceitado essa cédula uma vez fracionada e sem controle. A preferência é por cédulas integrais.

Formas: escritural e cartularAdmitem-se duas formas de cédulas – escritural e cartu-

lar –, sempre a critério do credor, que escolhe a forma para emitir a cédula que represente o crédito imobiliário.

A forma escritural necessita de escritura pública ou de instru-mento particular de emissão da cédula escritural. É como uma emissão de debêntures, que também são escriturais. O meca-nismo é o mesmo de uma escritura de emissão de debêntures. No caso da cédula escritural, no entanto, a diferença consiste no registro e circulação dela, que ocorrerão em centrais de liquida-ção financeira de títulos privados autorizados pelo Banco Central.

Em 2002, o IRIB promoveu audiência pública em São Paulo da qual participaram registradores e outros interes-sados, para discutir um padrão de CCI cujo modelo foi final-mente aprovado pelo IRIB e pela ANOREG/BR com dois selos de certificação pelas duas entidades, a fim de inspirar mais confiança dos registradores e demais operadores do sistema no momento de recepcionar esses títulos.

Em 2001 e no início de 2002, quando das primeiras transa-ções e emissões de cédulas, havia dificuldade para registrá-las. Por isso o IRIB, de forma inédita, instalou essa audiência pública cujos debates podem ser acessados no site. O modelo criado pela audiência pública do Irib foi utilizado em larga escala.

Garantia da CCIA CCI pode ter uma garantia real ou fidejussória, fiança.

Garantia real são todas previstas em lei, mais precisamente a alienação fiduciária e a hipoteca, com ênfase na alienação fidu-ciária, que está substituindo a hipoteca graças à rapidez para a recomposição do crédito. Essa é a característica mais impor-

tante da alienação fiduciária, vez que uma execução hipotecá-ria em São Paulo, por exemplo, leva de oito a dez anos.

Como a CCI dispensa a autorização do devedor do crédito imobiliário, a facilidade é muito grande. Mediante um simples endosso pode-se vender esse crédito para o terceiro que ficará investido em todos os seus direitos e obrigações relativos a ele.

Se o crédito imobiliário for garantido por direito real e se for emitida a CCI, a averbação é exigida. Nos primeiros contratos que foram registrados, a cartular era averbada no Registro de Imóveis que ficava com uma via, o que não tem razão de ser. A CCI é um título de crédito; portanto, não tem de ficar depositada no Registro de Imóveis. Basta fazer a averbação de sua emissão.

No entanto, apenas em relação à emissão há obrigatorie-dade de averbação. Nos endossos não se exige averbação de mudança de credor.

A Lei 10.931 é bastante clara a respeito do que deve constar da averbação da CCI escritural:

§ 5º Sendo o crédito imobiliário garantido por direito real, a emissão da CCI será averbada no Registro de Imóveis da situação do imóvel, na respectiva matrícula, devendo dela constar, exclusivamente, o número, a série e a instituição custodiante.

Se a CCI for emitida e levada em conjunto com o crédito imobiliário, faz-se um contrato de compra e venda com financiamento de alienação fiduciária e emite-se a cédula no mesmo tempo. O registro da garantia e a averbação da emis-são também são considerados um ato único. No entanto, se a cédula – cartular ou escritural – for emitida fora do momento da constituição do crédito, ela será cobrada de acordo com a tabela de custas regular de cada estado.

Requisitos mínimosQuais são os requisitos mínimos que devem constar da

cédula?Se for cartular, tem de trazer a menção “cédula de crédito

imobiliário”, conforme o modelo aprovado pelo IRIB, que contém todos os requisitos exigidos pela Lei 10.931.

Art. 19. A CCI deverá conter:I- a denominação “Cédula de Crédito Imobiliário”, quando emitida cartularmente;

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II- o nome, a qualificação e o endereço do credor e do devedor e, no caso de emissão escritural, também o do custodiante;III- a identificação do imóvel objeto do crédito imo-biliário, com a indicação da respectiva matrícula no Registro de Imóveis competente e do registro da constituição da garantia, se for o caso;IV- a modalidade da garantia, se for o caso;V- o número e a série da cédula;VI- o valor do crédito que representa;VII- a condição de integral ou fracionária e, nessa última hipótese, também a indicação da fração que representa;VIII- o prazo, a data de vencimento, o valor da presta-ção total, nela incluídas as parcelas de amortização e juros, as taxas, seguros e demais encargos contratu-ais de responsabilidade do devedor, a forma de rea-juste e o valor das multas previstas contratualmente, com a indicação do local de pagamento;IX- o local e a data da emissão;X- a assinatura do credor, quando emitida cartular-mente;XI- a autenticação pelo Oficial do Registro de Imóveis competente, no caso de contar com garantia real; eXII- cláusula à ordem, se endossável.

Cessão de créditoPara se emitir uma cédula é preciso levá-la ao Registro de

Imóveis. A partir desse momento sua circulação vai ser feita nos sistemas de registro de liquidação financeira e de títulos privados autorizados pelo Banco Central do Brasil, como a Bovespa e a Cetip, Central de Custódia e de Liquidação Financeira de Títulos.

Segundo ponto: a cessão do crédito ou endosso também implica automática transcrição das respectivas garantias ao cessionário, que fica investido na propriedade fiduciária, se se tratar de alienação fiduciária.

A CCI escritural fica dispensada de averbação nas cessões seguintes.

É possível fazer uma securitização da CCI com o chamado regime fiduciário – patrimônio de afetação mediante o qual os créditos objeto da securitização são apartados do patrimô-nio da securitizadora.

Onde constituir esse patrimônio de afetação? Na institui-ção custodiante.

Art. 23. (...)Parágrafo único. O regime fiduciário de que trata a Seção VI do Capítulo I da Lei nº 9.514, de 1997, no caso de emissão de Certificados de Recebíveis Imobiliários lastreados em créditos representados por CCI, será registrado na instituição custodiante, mencionando o patrimônio separado a que estão afetados, não se aplicando o disposto no parágrafo único do art. 10 da mencionada Lei.

O resgate da dívidaComo resgatar uma dívida se houver cancelamento da

obrigação e cancelamento da cédula? Essas coisas aconte-cem simultaneamente. Levo para cancelamento porque a dívida foi quitada. É possível simplesmente cancelar a cédula sem estar quitada a obrigação. Acho que isso é claro.

Para o resgate da dívida é preciso um termo de quita-ção emitido pelo credor. Mas que credor? O que está no registro? Como pode ter havido outras vendas, o credor não será o mesmo. Portanto, vai ser preciso uma declaração da central de registro de liquidação financeira de títulos privados identificando o credor. Além disso, é preciso fazer uma prova de que ela é realmente autorizada a funcionar pelo Banco Central. E, ainda, é necessário que a instituição custodiante ateste quem é o credor. Instituição custodiante é um agente financeiro; portanto, também é preciso ter prova de que ela está autorizada a funcionar pelo Banco Central. Para baixar uma cédula são necessários esses cinco documentos.

Constrições judiciais que antecedem a emissão da CCISe após a emissão da cédula até ela chegar ao Registro de

Imóveis houver uma constrição judicial, os senhores vão ter de devolver a cédula e não averbá-la. No caso de CCI escritu-ral, a constrição judicial vai ocorrer na instituição custodiante, a quem cabe intimar o credor e notificá-lo a respeito.

Prazos para o registro A Lei 10.931 dá prazo de quinze dias para averbação e

registro.

*Carlos Eduardo Duarte Fleury é advogado e Diretor Executivo do IRIB.

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O loteamento fechado é o loteamento tradicional da Lei 6.766 sem qualquer modificação, cujas características

são o controle de acesso; o fechamento de perímetro; even-tual uso irrestrito de vias de circulação e de áreas verdes no interior do perímetro fechado; e, acrescento, a não restrição de uso de áreas institucionais fora do perímetro fechado.

Como norma de regência do loteamento fechado, além da Lei 6.766, especificamente sobre a questão do fechamento mediante concessão do direito real de uso, o Decreto-lei federal 271/67 trouxe o contrato de concessão de direito real de uso que a doutrina toda menciona como característica semelhante à da superfície.

Faço menção também, não como norma de regência, mas como direito projetado, ao famoso PL 3.057 de 2000, que é a nova lei de parcelamento do solo. Em sua última versão, o pro-jeto substitutivo relatado pelo deputado Federal Renato Amary (PSDB/SP) tem um capítulo destinado à tipologia do loteamento fechado. Se convertido em lei tal como hoje redigido, ele vai trazer tipificada na lei federal, em determinadas situações e sob certas condições, a figura do condomínio fechado.

O primeiro condomínio fechado do BrasilNo início da década de 1970, talvez tenha sido registrado, no

1º Registro de Imóveis de Campinas, SP, o primeiro loteamento fechado do Brasil, o Village Sans Souci. Na época, o empreendi-

mento foi aprovado como loteamento pelo Decreto-lei 58 com uma autorização da lei municipal campineira de fechamento do seu perímetro em determinadas condições ambientais e urbanísticas. Esse é um trabalho do nosso escritório e já estava registrado em 1974 quando cheguei. Esse trabalho jurídico é do meu tio, meu mestre, com quem trabalhei durante vinte e um anos. Infelizmente ele se aposentou da advocacia.

O registro desse loteamento foi feito no 1º RI de Campinas e teve a grande felicidade de encontrar um registrador de cabeça aberta, um registrador ousado, o doutor Elvino Silva Filho, ex-presidente do IRIB.

Aproveito a oportunidade para registrar minha saudade, meu apreço e minha admiração pelo doutor Elvino, que conheci no encontro de Vitória, em 1988. Infelizmente ele já nos deixou. Somadas, a ousadia de um registrador e a criati-vidade de um advogado produziram há trinta e cinco anos o primeiro loteamento fechado no Brasil.

Loteamento FechadoMarcelo Terra*

A interpretação deve ser à luz do caso

concreto em face das peculiaridades

de cada impedimento, adotando-se o

princípio da razoabilidade. Há loteamentos

cujo fechamento não causa qualquer

embaraço e há outros que sim.

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Loteamento: Lei 6.766/79Eu trouxe três situações para examinarmos: o lote de ter-

reno puro (Lei 6.766); uma pequena casa construída, condo-mínio edilício com previsão de aumento da área construída pelo adquirente da unidade; e, como objeto de estudo, o lote de terreno sem construção como unidade autônoma de um condomínio edilício.

Vamos analisar a primeira situação, o lote de terreno.Esse tema é muito influenciado por questões regionais.

Costumo dizer que a lei é federal, mas sua interpretação é regional com adequação, especificidade e cultura locais, de acordo com os hábitos e costumes da região.

Ao falar em loteamento fechado, vamos sair dessa inter-pretação regional para encontrar o direito positivo local. Temos sempre de interpretar a partir dos princípios gerais, à luz da lei municipal e eventualmente à luz de uma legislação estadual.

Em São Paulo, a legislação do parcelamento do solo ainda em vigor é a Lei 9.413, de 30 de dezembro de 1981. Em 2002, como todas as cidades acima de 50 mil habitantes, São Paulo ganhou um novo plano diretor, que prevê o encaminhamento pelo Executivo à Câmara municipal do projeto de uma nova lei de parcelamento do solo, o que ainda não ocorreu. Por isso trabalhamos com essa lei cujo art. 22 disciplina o que São Paulo chamou de loteamento do tipo L4. A lei estabelece tipologias de loteamentos no território paulistano: loteamentos do tipo L1, L2, L3 e L4. O tipo L4 é o loteamento fechado.

O art. 22 disciplina com muito critério e com muita minúcia o loteamento fechado. Eu diria que, na década de 1980, muito antes do Código de Defesa do Consumidor e de uma preocupação aprofundada com as questões ambiental e urbanística, o legislador paulistano teve o cuidado de estabelecer regras ambientais e urbanísticas extremamente interessantes para a permissão de fechamento de perímetro.

Chamo a atenção para esse fato porque a interpretação da legitimidade do fechamento passa necessariamente pela ponderação de princípios, pela utilização e ponderação do princípio da razoabilidade. Nem todo fechamento pode ser considerado irregular, bem como nem todo fechamento pode ser considerado absolutamente regular. O fechamento, sua legitimação e regularização passarão necessariamente pela ponderação de princípios urbanísticos e ambientais, que podem trazer ganhos principalmente em segurança jurídica.

Nos moldes do Decreto-lei 271, a Lei paulistana 9.413

(art.22) usa a expressão da tipologia para outorgar a conces-são de direito real de uso e, pioneiramente, fala da constitui-ção em favor da associação de moradores. Limita também o objeto da concessão de direito real de uso às vias de circu-lação e a um terço das áreas verdes. Ficam necessariamente fora do perímetro fechado as áreas institucionais destinadas a posto de saúde, creche, escola, biblioteca.

Impõe também o limite máximo à gleba, limite esse que varia conforme a ocupação do território. São Paulo tem um vasto território, mas praticamente todo ele ocupado. Por isso, a lei paulistana estabelece como limite máximo de fechamento uma área de 200 mil m² de gleba. Fixa também um raio máximo de 250 m para o círculo de inscrição de loteamento, um critério inversamente proporcional ao tamanho da cidade de São Paulo, mas diretamente proporcional à escassez de áreas loteandas.

Não admite o fechamento em zonas de uso da cidade. A lei paulistana especifica as zonas passíveis de existência de perímetros fechados que podem ter uso exclusivamente resi-dencial, mas não admite uso comercial, de serviço ou misto.

Ao pedir a certidão de diretrizes, passo inicial do comple-xo processo de aprovação, o loteador tem de manifestar sua vontade à municipalidade, submetendo seu projeto à figura do loteamento do tipo L4. Por quê? Porque, ao expedir a certidão de diretrizes, o órgão técnico municipal vai seguir os requisitos da lei municipal e negar ou aprovar a conces-são naquele momento inicial de forma que o planejamento urbano da cidade seja respeitado.

A outorga da concessão do direito real de uso pela municipalidade formaliza-se tão somente após o registro do memorial de loteamento. O loteador segue todos os trâmites a partir do pedido de diretrizes até o registro do memorial de loteamento. Registrado o memorial e constituída a asso-ciação de moradores, o loteador celebra com o município a escritura da concessão do direito real de uso. Essa concessão não é ato administrativo vinculado, mas discricionário, uma vez que o município examinará a conveniência do lotea-mento sob a ótica do domínio público, isto é, se há ou não interesse no fechamento.

Argumentos contrários à legalidade do fechamentoNos últimos dez anos, São Paulo tem tido forte embate

a respeito do loteamento fechado, à luz de um artigo de sua

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Constituição, mas não em razão da Lei federal 6.766. O órgão especial do Tribunal de Justiça está absolutamente dividido. As últimas decisões são favoráveis à legalidade do fechamento.

Selecionei os argumentos contrários e os favoráveis à legali-dade do fechamento, retirados da doutrina e da jurisprudência.

Principais argumentos contrários ao instituto do fecha-mento:

1. A concessão do direito real de uso pode objetivar somente bens públicos dominicais, não bens de uso comum do povo – ruas, praças e espaços livres –, que dependeriam de prévia desafetação.

2. Essa concessão deve estar atrelada a uma finalidade de interesse social, não meramente individual.

3. Haveria uma afronta ao art. 17 da Lei do Parcelamento do Solo que determina a impossibilidade de o loteador alte-rar a destinação dos espaços livres e de uso comum constan-tes do projeto e do memorial descritivo.

4. A autorização do fechamento deixa transparecer uma natureza condominial edilícia de disposição, o que atribuiria competência legislativa exclusiva para a União, excluindo a do município.

5. As áreas públicas de um loteamento visam atender às necessidades coletivas urbanas: circulação de pedestres, veículos, ornamentação urbana, paisagem, função higiênica, defesa, recuperação do meio ambiente e direito ao lazer. Se localizado à beira-mar, o loteamento vedaria o acesso à praia, infringindo o princípio da livre acessibilidade às praias, de acordo com a lei federal do gerenciamento costeiro, rei-terada em dispositivo específico pela Constituição paulista. Qualquer limitação à fruição dos bens de uso comum do povo deve ser transitória, precária e compatível com a des-tinação do bem sem obstar a fruição pelos demais cidadãos.

6. A exigência de identificação de transeunte e a inda-gação do seu destino ferem os princípios constitucionais de locomoção e de intimidade. A autonomia municipal não significa independência.

7. As ruas e praças integram o meio ambiente urbano, o que as torna predispostas a desempenhar determinadas funções sociais na cidade em prol da coletividade local e difusa. A propósito, um argumento com base na Constituição paulista – art. 180, inciso VII – veda a alteração da destinação das áreas públicas num loteamento.

8. A necessidade de manutenção da equação do equilí-

brio, uma vez que as áreas públicas devem ser proporcionais à densidade da ocupação do loteamento de acordo com a lei federal do parcelamento. O poder público tem ainda o dever de conservar o patrimônio público, de defender e preservar o meio ambiente, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, objeto da política nacional de meio ambiente.

Argumentos favoráveis à legalidade do fechamento1. A permissão de fechamento não desafeta as áreas

públicas, que não perdem nem têm alteradas suas caracte-rísticas tão somente em razão de passarem a ser usadas de modo privativo pela comunidade de moradores do lotea-mento. Portanto, não há necessidade de desafetação. A rua, bem de uso comum do povo, continua nessa classe patrimo-nial, mas, mediante certas condições, ela pode ter, às vezes temporariamente, seu uso exclusivo para um determinado grupo de pessoas.

2. O município tem competência legislativa para disci-plinar o fechamento do loteamento. As normas gerais da Lei de Parcelamento do Solo não impedem o município de impor sobre questões não contempladas no direito urbanís-tico legislado pela União ou pelo estado. Esse é um contra--argumento ao outro da eventual infringência às disposições dos artigos 4º e 17 da lei federal, uma vez que, na ausência de específica restrição na lei federal, a lei geral, o município teria competência constitucional para legislar sobre assuntos de seu interesse específico e local. Em determinados casos, a instituição do fechamento pode atender a conveniência da Administração pública e, em outras situações, nenhum prejuízo traz à política de desenvolvimento urbano.

Se o projeto nasce como loteamento fechado, ele é examinado à luz do corpo normativo relativo à matéria cujo deferimento se beneficia de uma presunção de legitimidade, uma presunção de que a outorga do direito real de uso aten-de ao interesse da coletividade necessariamente considera-do, mesmo que haja alguém mais diretamente interessado. Em decorrência disso, há presunção de que a autorização para o fechamento atende ao que se poderia chamar de interesse público prevalente, conforme expressão de Hélio Lobo Junior em trabalho publicado no boletim do IRIB. A possibilidade de concessão, mesmo que a título precário,

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está condicionada à demonstração de interesse público, isto é, às mencionadas regras urbanísticas ambientais autoriza-doras do fechamento. O comando restritivo do art. 17, de não alteração das áreas do loteamento, é entendido pelo STJ como comando dirigido ao loteador e não ao município.

O conceito de loteamento fechado nasceu em razão da questão básica de segurança pessoal e patrimonial. A busca por segurança é um direito fundamental do cidadão. A ineficiência do Estado leva o cidadão a se proteger comu-nitariamente. Ao autorizar o fechamento, e a associação de moradores fazer a gestão daquela área interna, o Estado não delega ao particular o exercício indelegável de uma função pública, mas ambas passam a conviver simultaneamente. Não há delegação. A permissão administrativa de uso desses bens não se caracteriza como desafetação nem fere o art. 180, inciso VII, da Carta paulista, bem como não desvia a finalidade originária do projeto do parcelamento, mesmo porque ele nasce fechado e não aberto.

Faço aqui um parêntese. O artigo 180, inciso VII, da Constituição paulista de 1988, veda ao município a alteração da destinação das áreas públicas de um loteamento. Esse dispositivo tem uma razão histórica: tentar impedir que uma praça se transforme em escola, em conjunto habitacional, em indústria ou em comércio. Podemos encontrar jurisprudência do órgão especial da Corte de São Paulo que, por absoluta unanimidade, declara inconstitucionais leis municipais do interior e do litoral do estado de São Paulo que tiveram o condão de desafetação, bem como todas as decisões nesse sentido. Leia-se lei municipal que desafeta a praça da classe de bem de uso comum do povo para transformá-la em bem dominical, para venda ou para uso especial em outra destina-ção que não a destinação de praça. No loteamento fechado não há essa alteração. A praça continua praça, a rua continua rua sob determinadas condições urbanísticas e ambientais de uso restrito por uma comunidade de moradores.

3. Os controles de acesso praticados na portaria de ingres-so como forma de monitorar a entrada de pessoas no interior das residências não caracterizam constrangimento ilegal. Assim também procede o próprio poder público ao monito-rar o ingresso de pessoas nos prédios da Administração.

4. Há uma decisão específica que argumenta a favor da inspeção no interior e nos porta-malas de veículos dos não residentes, com vistas a preservar os direitos fundamentais

dos moradores, principalmente depois de um sequestro ou extorsão de uma residente. Trata-se, portanto, de uma situação muito peculiar de um determinado loteamento cuja administração da associação passou a monitorar a entrada e a inspecionar os veículos. Questionada por um cidadão, rece-beu do Tribunal a manutenção da legalidade das medidas.

Admissibilidade do fechamentoNão se trata de privatização do uso, mas de ordenação

do uso em consonância com o interesse público local – segurança, melhor urbanização nos serviços prestados por particulares, como decidido pela coletividade na votação do projeto de lei convertido na lei autorizadora do fechamento. Ao pensar em loteamento fechado, necessariamente nos referimos a uma lei municipal votada pela Câmara – e não a um ato do Executivo –, lei essa que tem presunção de legitimidade e de representação do interesse público. Se essa autorização de fechamento em determinadas condições consta do planejamento urbano, evidentemente o interesse público está caracterizado.

Em face dos argumentos contra e a favor, sou amplamen-te favorável à prevalência da admissibilidade do fechamento. Se a lei municipal de previsão de loteamento tiver os requisi-tos mínimos de ponderação de interesses, essa lei é absolu-tamente legítima. O loteamento fechado é legítimo. Uma vez atendidos os requisitos urbanísticos e ambientais, não há por que questionar. A afirmativa de que o loteamento fechado é irregular é genérica e deve ser afastada como preconceito, que não contribui para a discussão.

A evolução da jurisprudência no TJSPEm face do dispositivo específico da Constituição paulis-

ta, temos alguns julgados em São Paulo, praticamente todos eles transitados em julgado.

O caso pioneiro de loteamento fechado veio da cidade de Ibiúna. Por unanimidade, o Tribunal de Justiça de São Paulo julgou inconstitucional a lei municipal autorizadora do fechamento. E sem nenhuma consequência prática porque a lei dizia respeito a uma determinada situação peculiar. Posteriormente foi votada uma nova lei mantendo a auto-rização do fechamento, que deixou de ser questionado pelo Ministério Público.

Em seguida, a lei de fechamento de um caso de Mairiporã

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também foi julgada inconstitucional, dessa vez por maioria de votos. Passou-se a perceber que a situação fática do lote-amento fechado não se equiparava à alteração de uma praça ou de uma área institucional para construção de conjunto habitacional. Esse caso ainda tem um agravo pendente de julgamento em Brasília.

Também por maioria de votos foi julgada constitucional uma lei municipal de fechamento no Guarujá, fundamentada em questões de preservação ambiental, uma vez que no perímetro fechado há uma enorme área de Mata Atlântica a ser protegida.

Em São José dos Campos e em Campinas, por maioria de votos, as respectivas leis foram julgadas constitucionais, bem como aumentaram o quórum de votos favoráveis.

Nesse mapeamento das decisões do TJSP há uma nítida evolução da jurisprudência paulista no tocante a eventual afronta à disposição da Constituição do estado.

Natureza jurídica do contrato outorgado pela municipalidadeHá três hipóteses – concessão do direito real de uso,

autorização de uso ou permissão de uso –, me inclino pela concessão do direito real de uso. Trata-se efetivamente de um contrato com administração que seguirá as regras de um contrato de direito privado. A autorização e permissão de uso ficam a critério da Administração, uma vez que há certa confusão na legislação de cada município. A concessão do direito real de uso do Decreto-lei 271, por sua vez, apresenta uma boa técnica legislativa.

O ato normativo autorizador do fechamento tem de ser necessariamente uma lei em sentido estrito votada pela câmara municipal, não um mero ato do Executivo.

Quanto à dispensa de licitação, a lei federal 8.666 obriga a concorrência pública na concessão do direito real de uso. No caso do loteamento fechado, não há essa necessidade porque não há concorrência, não há um segundo potencial interessado. Apenas a comunidade de moradores tem o direito de ser a parte recebedora da concessão do direito real de uso. Em razão disso é possível pensar em convenção de condomínio de uso e em registrá-la no Registro de Títulos e Documentos e, eventualmente, também no livro 3.

Por que nasceu a associação de moradores? Por uma visão absolutamente prática. Essa comunhão de interesses

terá empregados, contratará fornecedores de material e mão de obra. Cabe a ela ser o patrão, precisa ter CNPJ, prerroga-tiva que o condomínio do Código Civil, em princípio, não consegue. A associação de moradores tem legitimidade de representação perante os poderes públicos, os moradores, os vizinhos e terceiros. Ela é uma pessoa jurídica formalizada, tem inscrição no CNPJ e cumpre todas as obrigações com o CNPJ. Portanto, a antiga forma da convenção de condomínio é pré-histórica, há muitos anos eu não a vejo.

ConclusãoEm síntese, o tema é polêmico. A interpretação deve ser

à luz de caso concreto e em face das peculiaridades de cada impedimento, adotando-se o princípio da razoabilidade. Orientados por esses princípios, promotores e o próprio Conselho Superior do Ministério Público do estado de São Paulo vêm celebrando termos de ajustamento de condutas seja para concordar com fechamentos, seja para arquivar inquéritos civis posteriormente homologados, bem como os também homologados pelo Conselho Superior do Ministério Público. Vale dizer que a regra consiste da necessidade de avaliação do caso concreto.

Mais do que nunca, portanto, há necessidade imperiosa da inteligência da lei urbanística municipal autorizadora e disciplinadora do loteamento fechado. Que os critérios pre-vistos na lei municipal sejam absolutamente claros, objetivos e razoáveis. Dentre eles, a localização e o fechamento de uma gleba em área determinada de expansão da cidade não trazem embaraço algum. Portanto, localização e fechamento da gleba são elementos da análise, principalmente se causa ou não embaraço às urbanizações vizinhas. O fechamento tem de ser visto, entendido e interpretado no contexto do planejamento urbano como tal.

As questões registrárias advindas do loteamento fechado me parecem extremamente singelas. A concessão do direito real de uso será formalizada ou por escritura pública, ou por tema administrativo. O registro dessa concessão será feito na matrícula mãe da gleba loteanda ou na matrícula de cada área pública por ela compreendida, caso o registrador haja optado por sua abertura. Nesse caso, a meu ver, é aconselhá-vel uma averbação notícia na matrícula mãe.

*Marcelo Terra é advogado em São Paulo.

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casamento: o regime de bens seria obrigatoriamente a sepa-ração como uma espécie de sanção.

O art. 1.521 dispõe “não podem casar”, e o art. 1.523, “não devem casar”: o primeiro é proibitivo, o segundo é um conselho. O conselho, se descuidado, cabe como sanção ao regime da separação obrigatória de bens.

O Código desatualizado de 1916 foi repetido em 2002 para determinar, por exemplo, que uma viúva espere dez meses para se casar novamente. A razão disso é provar que não há possibilidade de concepção e de presunção de pater-nidade, o que pode ser comprovado por um simples exame de sangue.

Casamento versus união estávelEmbora se diga que tudo o que vale para a união estável

vale para o casamento, não é bem assim. Há muitas aplicabi-lidades legais para os dois institutos sim, mas ninguém tem

Aspectos teóricos, práticos e perspectivas de mudança

Regime de bens no casamento e na união estável

Adauto Tomaszewski*

Uma vez que se pode separar

extrajudicialmente, pode-se

também alterar o regime de bens

por escritura pública com os devidos

direitos de terceiros preservados.

Vou fazer algumas ponderações sobre o regime de bens no casamento e na união estável, uma vez que há pers-

pectivas de alterações legislativas, em especial do Estatuto da Família já em vias adiantadas. Na verdade, esse conjunto de regras seria o novo código de família para se dizer, a nova legislação específica e diferenciada em relação ao que se tem até agora.

Trata-se de um conjunto legal que determina até disposi-ções processuais. Talvez esse seja o aspecto mais difícil de ser aprovado, considerando que o Código Civil de 1916 refletia uma sociedade civil francesa do início do século XVIII. O Código Civil de 2002 refletiu as mesmas ideias, uma vez que o projeto de 1969 ficou muito tempo engavetado. Portanto, temos boas perspectivas e, infelizmente, ainda algumas ideias retrógradas.

Observem-se no atual Código Civil as disposições do artigo 1.523, que determinam as cláusulas suspensivas do

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XXXVI Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil

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emancipação estabelecida pela lei por conta de uma união estável como ocorre no casamento, por exemplo, uma vez que a pessoa se torna capaz para os atos da vida civil.

A sucessão do companheiro está estabelecida de forma diferenciada no Código Civil. Se a mulher ficar viúva um minuto após o casamento civil, ela tem todos os seus direi-tos garantidos. Na união estável, talvez não seja exatamente assim. Haverá considerações de cunho previdenciário, patri-monial, e assim sucessivamente.

Observem que o art. 977 do Código Civil estabelece impedimentos para a constituição de pessoas jurídicas entre cônjuges casados em certos regimes de bens, o que às vezes é contornável pela via da união estável.

O art. 1.726 dispõe que a união estável pode se converter em casamento, franco reconhecimento de que os institutos não são iguais. É como se fosse uma recomendação técnica do legislador: “para que você aumente o seu espectro de segurança jurídica e a tutela muito maior para a relação do casamento, case-se”. É um processo diferenciado.

Regime de bens: fim da sociedade conjugal ou post mortemA sociedade brasileira tem receio de tratar do regime de

bens na época do namoro ou noivado. Parece um dogma tocar nesse assunto. Nos Estados Unidos é muito comum discutir isso pontualmente como parte dos preparativos dos votos para o casamento. No Brasil, em geral, o indivíduo só se preocupa com o regime de bens por ocasião do segundo casamento, provavelmente em razão da primeira experiência negativa com a separação.

De fato, as pessoas têm dificuldade de tratar de regime de bens antes da celebração do casamento. A questão é cul-tural, e o regime de bens pode ser um entrave para a solução tranquila do final da sociedade conjugal.

Uma incongruência são as pessoas com mais de sessenta anos não poderem escolher o regime de bens. Não há como explicar isso. Um presidente da República pode ter mais de sessenta anos e dirigir uma nação, mas não pode escolher o regime de bens do próprio casamento. O ministro do Supremo Tribunal Federal dirige um conjunto institucional, mas, se tiver mais de sessenta anos, não pode escolher o regime de bens. É como se, ao chegar aos sessenta anos, a pessoa chegasse também à insanidade.

O art. 1.658 do Código Civil estabelece que, “no regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevie-rem ao casal, na constância do casamento” com algumas exceções. O que se comunica são os bens adquiridos onero-samente na constância da união. Portanto, aquisição patri-monial a título oneroso se comunica; aquisição patrimonial a título não oneroso, como herança ou doação específica, não se comunica.

O art. 1.659 enumera os bens excluídos da comunhão. Os bens sub-rogados, os que o indivíduo possuía antes do ato jurídico casamento, não se comunicam. O que for adquirido na constância da união tem a presunção legal de coparticipação.

Na comunhão parcial de bens, a lei determina que alguns bens se comunicam. Existe a presunção de esforço comum na aquisição de bens a título oneroso, mesmo que só em nome de um dos cônjuges.

Também se comunicam os bens adquiridos por fato eventual ou em favor de ambos, bem como as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge.

O marido pode vender os bens sub-rogados e adquirir outros com o dinheiro da venda. Atenção! Às vezes, ele vende o bem, põe o dinheiro no banco e depois de alguns meses compra outro imóvel. Nesse caso, não se trata mais de um bem sub-rogado. Não há possibilidade de fazer essa alegação. Portanto, a escritura deve ressalvar que o bem será vendido, eventualmente, e que o produto daquela venda ou permuta será destacada numa cláusula então sim a título de sub-rogação. É bom mencionar que será aberta em banco uma conta específica para que esse dinheiro fique reservado, rendendo juros, até que se adquira outro bem. É preciso que a ideia da sub-rogação desses bens fique bastante clara, sem sombra de dúvida. O mesmo vale para a esposa.

A sociedade conjugal pode chegar ao fim por mútuo con-sentimento ou de forma litigiosa, bem como por nulidade ou anulação do casamento.

A nulidade do casamento ocorre se uma garota de dezes-seis anos de idade de boa-fé, por exemplo, se casa com um homem de trinta anos ou mais, casado. Esse casamento é nulo de pleno direito por ofensa ao art. 1.521/CC, porém, os bens adquiridos na constância dessa união devem ser par-tilhados em razão do regime de comunhão parcial. Mesmo que o regime seja eventualmente universal, os bens também são objeto de meação com a nulidade do casamento, uma

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vez que o casamento nulo ou anulável produz todos os efei-tos civis. O casamento até emancipa a pessoa de boa-fé, ou seja, se a declaração de nulidade ocorrer antes dos dezoito anos, a pessoa não volta a ser relativamente incapaz.

O Código Civil também traz a questão da simulação (art. 167). Nesse caso, não há boa-fé de ninguém; portanto, ninguém deveria auferir benefícios. No entanto, os filhos eventualmente havidos não são prejudicados.

Com o fim da sociedade conjugal faz-se a meação, reservam-se os bens anteriores à celebração do casamento e os eventuais a ele sub-rogados.

Esse mesmo quadro evolutivo é muito importante para o art. 1.829/CC do Código Civil, que trata da sucessão das pessoas casadas. No casamento com regime de comunhão universal de bens ou com separação legal obrigatória há apenas a meação, uma concorrência, não há participação.

Portanto, o regime de bens é importante não apenas com o fim da sociedade conjugal, mas também post mortem. No regime de comunhão parcial de bens, o art. 1.829, inciso I, dispõe sobre a ordem da sucessão legítima: a situação dessa esposa ou desse esposo é diferenciada na concorrência com esse patrimônio deixado pelo de cujus.

Os filhos deixados pelo falecido recebem os bens reser-vados mais a cota da legítima, a parte superior da meação ou inferior do marido ou da esposa. Se houver bens ou não, há a hipótese de a esposa concorrer à meação. Portanto, a parte relativa à meação é dividida em partes iguais ao número de filhos mais o cônjuge sobrevivente.

A união estável também nasce de uma sociedade de fato. Pessoas se juntam, criam patrimônio em comum. Nada mais conveniente que dividam depois.

Na comunhão parcial de bens, o art. 1.662/CC dispõe que “presumem-se adquiridos na constância do casamento os bens móveis, quando não se provar que o foram em data anterior”. Não há registro, é de difícil comprovação? Então é preciso provar de alguma maneira que eles foram adquiridos em data anterior.

Chamo a atenção para o conteúdo do art. 1.665 que cos-tuma passar despercebido. Por se tratar de comunhão parcial de bens, não há pacto antenupcial, mas nada impede que se faça o pacto. O art. 1.665 destaca isso: “A administração e a disposição dos bens constitutivos do patrimônio particular competem ao cônjuge proprietário, salvo convenção diversa em pacto antenupcial”. Mesmo que o casamento seja por

Ricardo Coelho e Adauto Tomaszewski

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regime de comunhão parcial de bens, o casal pode fazer um pacto antenupcial para outras disposições específicas desde que não contrarie os termos do instituto.

Na comunhão universal de bens, no entanto, o art. 1.639 estabelece que “é lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver”. Portanto, isso tem que ser estabelecido mediante escritura pública, condição de validade do pacto. A eficácia só ocorre se o casamento se realizar.

No regime de comunhão universal do patrimônio do casal (art. 1.667), comunicam-se todos os bens presentes e futuros dos cônjuges, com exceção dos bens doados ou her-dados com cláusula de incomunicabilidade ou sub-rogados em seu lugar, bem como os demais mencionados nesse dispositivo.

O art. 1.790 do Código Civil, que trata da sucessão do companheiro, dispõe que “a companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável”.

É possível fazer uma escritura pública de constituição de união estável e eleger o regime de bens. E se a pessoa tiver mais de sessenta anos e não puder escolher o regime pelo casamento, ela pode escolher pela via da união estável?

Há duas respostas para essa pergunta. Primeira: o ordena-mento jurídico não regulou; portanto, não proibiu. Segunda: se houver impedimento para o casamento, tecnicamente esse impedimento se estende também para a união estável, mas a situação não está pacificada.

Nesse quadro há meação de tudo; é possível que haja ou não bens reservados. De acordo com o vetusto, patrimonia-lista e machista Código Civil de 1916, os bens necessários à profissão do indivíduo não eram objeto de comunicação. O Código ainda mantém esse particular, razão pela qual, talvez, o texto frio da lei precisasse ser alterado.

No conjunto de disposições dos bens que se excluem (art. 1.667), gostaria de destacar os bens gravados de fidei-comisso. Na verdade, esse bem não é necessariamente do indivíduo, está com ele durante um período, mas vai voltar às mãos dos seus herdeiros necessários. Como o fideicomissário não é proprietário do bem, esse bem não pode se comunicar ao cônjuge, mas os frutos civis que dele decorrerem sim. A pessoa não tem o patrimônio, mas tem o usufruto de uma determinada área rural, por exemplo.

Separação convencional, participação final nos aquestosO art. 1.687 estipula a separação de bens que permane-

cerão sob a administração exclusiva de cada um dos cônju-ges, que poderá aliená-los livremente ou gravá-los de ônus real. Essa hipótese é diferenciada, uma vez que nos regimes de comunhão universal e de comunhão parcial a administra-ção é conjunta. A economia doméstica pode ser ressalvada com o pacto antenupcial para definir quem paga as despesas do lar. No silêncio, ambos devem concorrer para isso, o que significa dizer que os bens podem aumentar ou diminuir, mas não se comunicam.

No regime de participação final nos aquestos (art. 1.672), cada cônjuge possui patrimônio próprio. Caso a sociedade conjugal se dissolva, cada um deles tem direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento.

O regime de participação final nos aquestos não pegou. Não consigo encontrar pessoas que tenham casado sob esse regime. O legislador estabeleceu um regime híbrido. Você se casa e mantém todo o período como se fosse uma separação convencional. No final da união, você faz uma meação desse patrimônio adquirido onerosamente.

O problema é a dificuldade contábil disso em razão das múltiplas alterações no patrimônio – doação, alienação, dis-sipação do patrimônio etc. Cada um tem metade do que o outro adquiriu onerosamente na constância do matrimônio. É difícil, senão impossível, fazer esse cálculo depois de alguns ou muitos anos de casamento. Por isso não pegou. As pesso-as têm dificuldade de interpretar esse regime. O Estatuto da Família não traz mais a hipótese desse regime de bens.

O art. 38, § 3º, do Estatuto da Família, Projeto de Lei 2.285/2007, do deputado Sérgio Barradas Carneiro, dispõe que, mediante escritura pública, os nubentes podem esti-pular um regime de bens não previsto no Estatuto. Quanto aos demais regimes, basta fazer a declaração no processo de habilitação.

Uma observação: uma vez que se pode separar extra-judicialmente, pode-se também alterar o regime de bens por escritura pública com os devidos direitos de terceiros preservados.

*Adauto Tomaszewski é advogado em Londrina, PR.

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Pessoas Jurídicas do Brasil, IRTDPJBrasil, relacionou mais de duzentos tipos diferentes de contratos que são registrados em todo o país.

Se existe um tipo de cartório que perpetua o texto, tem efeito erga omnes e certidão com validade original, é o RTD. Se isso não for divulgado, não há como desenvolver o cartó-rio de Registro de Títulos e Documentos.

Todo mundo faz seguro de vida, do carro, da casa, do escritório. No entanto, é no cartório de RTD que se faz o seguro de documentos. A grande diferença é a renovação e pagamento anuais que aqueles seguros demandam, ao passo que o registro é pago uma única vez para garantir o documento pelo resto da vida. Precisamos divulgar isso, como faço há quarenta e três anos nas faculdades de direito, Rotary, Lions, associações comerciais, OAB etc.

Contratos registráveis em RTD e notificaçãoJosé Maria Siviero*

O CNJ estabeleceu o princípio da

territorialidade para notificações

extrajudiciais. Cada registrador pode

notificar por carta com AR somente

em sua própria circunscrição.

Das cinco especialidades dos cartórios, a menos conheci-da e que mais precisa de divulgação é a de registro de

títulos e documentos. A vantagem do Registro de Títulos e Documentos é

seu caráter residual, ou seja, registra-se o que não cabe nas outras especialidades.

O Instituto de Registro de Títulos e Documentos e de

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Documentos que precisam de registroVamos falar de documentos encontráveis em todas as

cidades pequenas, médias e grandes.Todo cidadão tem carteira de trabalho, documento que, se

perdido, dificultará muito provar todos os empregos pelos quais o interessado passou nos últimos vinte ou trinta anos. Para pre-venir isso é muito simples: basta registrar a carteira no cartório de Registro de Títulos e Documentos, RTD. Em caso de perda, basta pedir a certidão, que, de acordo com o Código Civil, tem a mesma validade do documento original. Quando digo isso em palestras, sempre há relatos de que o pai ou avô de alguém não se aposentou porque perdeu a carteira de trabalho.

Estive no setor de achados e perdidos do metrô, na Praça da Sé, a maior estação de São Paulo. Perguntei se havia carteira de trabalho. Mostraram-me três gavetas enormes e cheias delas.

Ao problema da perda, somam-se a deterioração do papel e do texto, que fica ilegível.

Para divulgar a importância do registro da carteira de trabalho é interessante que o cartório de RTD faça convênios com os sindicatos.

Outro documento registrável em RTD é o diploma, o cer-tificado de conclusão de cursos. Este aqui é do IRIB, de 1985, assinado pelo Adolfo de Oliveira. Aliás, estava assinado, por-que a assinatura desapareceu. Tenho um diploma do curso de legislação social que fiz com o professor Cesarino Junior, em 1967. A assinatura desapareceu. Esse é um exemplo de como, além de prevenir a perda, é importante perpetuar documentos com o registro em RTD.

A propósito, é interessante fazer convênios com os bancos cujo interesse é ganhar, como cliente, o profissional liberal recém-saído da faculdade. O banco pode fazer o registro para esse formando – médico, engenheiro, advogado, dentista – de forma promocional quando da abertura de sua conta.

Também sempre aconselho o registro das atas de condomí-nio. A única ata de condomínio que tem registro obrigatório é a de eleição e posse do síndico, para ser apresentada ao banco. No entanto, é frequente a perda do livro de atas ao ser transportado por office-boy assaltado na saída do banco. Para a segurança que ele oferece, o custo do registro de uma ata é irrisório. Há condo-mínios em São Paulo que registram tudo. Para a administradora e para o síndico não compensa correr o risco de perder atas importantes e impossíveis de serem recompostas.

Novidade: registro de bolão de loteriaUma novidade em desenvolvimento em São Paulo é o

contrato de participação em bolões de loteria. Volta e meia o Procon atende reclamações de quem entrou no bolão, foi contemplado, mas não foi pago pela casa lotérica.

Isso é muito simples de resolver. Basta o cliente pedir que a casa registre o contrato no cartório de RTD. Idealizamos esse registro mediante um contrato padrão com todas as cláusulas: identificação – número de registro de contrato, hora registrada – e respectivos adendos da lista de participantes. O contrato padrão é assinado pelo proprietário especificado da casa lotérica. Os vinte ou trinta nomes de participantes do bolão são averba-dos à margem do contrato padrão, que é registrado uma única vez e cada relação, averbada. Já fazemos isso em São Paulo, o que tem rendido às casas lotéricas um argumento a mais de persuasão de venda para os clientes. Afinal, que bolão o cliente vai escolher? O da lotérica que registra a aposta em cartório ou o da lotérica que não a registra?

Para comemorar o aniversário de casamento ou de noiva-do, por exemplo, declarações de amor também podem e são registradas em cartório. Tenho o caso de um advogado que, no aniversário da esposa, remeteu-lhe uma notificação. E o caso de um cidadão que dispensou a amante por notificação.

A exemplo do presidente Lula, que registrou suas reali-zações em cartório, os governadores, prefeitos e respectivos secretariados poderiam fazer o mesmo: registrar suas realiza-ções a fim de perpetuá-las.

É preciso divulgar e incentivar o registro em RTD.

Notificação e territorialidadeEm 1998, a Corregedoria Geral da Justiça do Estado de

São Paulo autorizou os bancos a remeterem as notificações. Registrávamos e expedíamos a notificação com aviso de recebimento, AR, dos Correios.

O Conselho Nacional de Justiça, CNJ, estabeleceu o prin-cípio da territorialidade para notificações extrajudiciais. Cada registrador pode notificar por carta com AR somente em sua própria circunscrição.

*José Maria Siviero é o 3º Oficial de Registro de Títulos e Documentos e

Registro Civil de Pessoas Jurídicas de São Paulo e presidente do Instituto

de Registro de Títulos e Documentos e de Pessoas Jurídicas do Brasil,

IRTDPJBrasil.

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Londrina•PR

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de governo. Se o governante substituir o diálogo pela demago-gia, a democracia pode chegar à anarquia. Se o monarca, além do seu próprio, não pensar no bem do povo, a monarquia trans-forma-se em tirania. E a aristocracia pode ser levada à oligarquia se a escolha dos governantes não privilegiar o mérito deles, mas o poder, principalmente o econômico.

O governoEssa introdução é necessária para se observar que hoje

convivemos com uma mistura de tudo isso: formas ideais, puras e deturpadas. É de Montesquieu a teoria da tripartição do poder em legislativo, executivo e judiciário.

No Brasil, temos o poder Legislativo, caracterizado pela liberdade de opinião. O poder Executivo é o governo de um só, presidencialista. E o Judiciário é formado por juízes de carreira, que prestam concurso público, e por outros pro-fissionais, que não são de carreira, de acordo com o quinto constitucional, mas que devem ser escolhidos pela virtude, por sua “ilibada conduta e notável saber jurídico”.

Portanto, temos o aproveitamento das três formas puras de governo pensadas por Aristóteles. O Legislativo é uma forma de democracia; o Executivo é a forma da monarquia; e o Judiciário é a aristocracia.

Retificação extrajudicial de registro e georreferenciamentoEduardo Agostinho Arruda Augusto*

Existem quatro questões de mérito

a serem analisadas. Se uma delas

descaracterizar a propriedade imobiliária,

a retificação será inviável.

O homem é um ser social por excelência, por isso precisa de seu semelhante para sobreviver.

Para que o conflito de interesses entre as pessoas não acabe com a própria espécie humana, é necessário haver regras de conduta. Surge, então, o contrato social e com ele o Estado.

O que é o Estado? A nação politicamente organizada, formada por governo, povo e território, seus três elementos essenciais. Se faltar um deles, não existe o Estado.

Para Aristóteles, as formas ideais de governo são a demo-cracia, a monarquia e a aristocracia. Democracia é o governo de muitos cuja palavra é liberdade. Monarquia é o governo de um só, que se vale do “mais competente” para administrar; em geral acredita-se que o monarca veio de Deus. Aristocracia é o governo de vários, dos melhores, que considera o mérito e a virtude de cada um.

Aristóteles aponta também as deturpações de cada forma

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XXXVI Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil

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Decisão política diz respeito à oportunidade e conveniên-cia, ao poder discricionário. A decisão jurídica é tomada pelo livre convencimento motivado, diz respeito ao cumprimento do que está na lei.

O Legislativo trabalha praticamente com 100% de deci-são política; as poucas decisões jurídicas, por sua vez, são de âmbito administrativo. Ao Executivo cabem muitas decisões políticas e poucas jurídicas. O Judiciário inverte essa situação: quase 100% de suas decisões são jurídicas, não políticas.

Nessa divisão, onde se encaixa o registrador imobiliário?A Constituição federal estabelece que o ingresso na carrei-

ra é por mérito, mediante concurso público de provas e títulos. A Lei 8.935/94 dispõe que somos profissionais do direito dota-dos de fé pública. Portanto, o registrador imobiliário tem uma função jurídica, trabalha com segurança jurídica, um dos prin-cípios normativos do sistema registral imobiliário brasileiro. Ele trabalha com a qualificação registral. Sua principal atividade é qualificar o título e, para isso, ele deve decidir de acordo com o livre convencimento motivado. Não pode decidir de acordo com a conveniência ou oportunidade, é obrigado a decidir de acordo com a lei. E para qualificar o título, ele tem de ter auto-nomia, outro princípio supranormativo. Portanto, o registrador imobiliário não pode estar subordinado a ninguém, apenas à lei. Ele trabalha com decisão jurídica, está subordinado à lei e não tem espaço para a discricionariedade. Não há poder discri-cionário nessa atividade.

Uma vez que trabalha com decisões jurídicas, o registra-dor imobiliário está naturalmente ligado ao poder Judiciário.

Por isso estou aqui de toga, para mostrar que nossa atividade é jurídica, trabalha com decisões jurídicas. Nada de política, nada

de subordinação partidária, nada de ideologia, mas de acordo com a lei, de acordo com o mandamento constitucional.

Ao afirmar que o registrador também é magistrado, refiro-me ao poder/dever que aumenta a responsabilidade principalmente do registrador e do tabelião, que são particu-lares prestando serviço público. A responsabilidade é direta sobre eles, não sobre o Estado.

O povoO objetivo do Estado é dar vida digna às pessoas a quem

ele serve ou deveria servir. O conceito de dignidade da pessoa humana é pessoal, evolutivo e não fixo: muda de acordo com o tempo, a cultura do povo e o local. Na verdade, a dignidade da pessoa humana é o conjunto dos direitos fundamentais, cujo histórico é dividido em dimensões com base no lema da Revolução Francesa – liberdade, igualdade e fraternidade.

A primeira dimensão remonta à Antiguidade e trata dos direitos relativos à liberdade: direito à vida, à liberdade propria-mente dita e à propriedade privada. Portanto, a propriedade pri-vada é um direito fundamental desde a Antiguidade. Não existe democracia nem liberdade sem propriedade privada.

A segunda dimensão nasce com o Iluminismo, a Revolução Francesa e a Revolução Industrial, quando se percebeu que de nada adianta ter direito à vida se não houver condições de saúde; direito à propriedade privada, dinheiro para adquiri-la.

Surgem então os direitos sociais relativos à igualdade: direito à moradia, à saúde, ao saneamento básico. O Estado passa a partici-par da vida da população, a criar serviços, hospitais, polícia, creche etc. Sem a participação do Estado, não há meio de o povo alcançar e usufruir os direitos fundamentais de primeira dimensão.

Após as atrocidades da Segunda Guerra Mundial, surgiram os direitos da terceira dimensão representados pela fraternidade. De nada adianta preservar a vida, dar emprego e condições de saúde às pessoas, se o meio ambiente estiver deteriorado e o planeta, morrendo. Hoje são direitos difusos ao meio ambiente sustentável, à paz mundial e ao mundo sem fronteiras.

Hoje, dignidade da pessoa humana é o conjunto de todos os direitos e garantias fundamentais conquistados pelo povo e transformados em lei, em mandamento constitucional.

A propriedade privadaAo tema em questão interessa o direito à propriedade

privada, direito de primeira dimensão.

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Na natureza, o homem não tem propriedade, tem a posse, que pode ser tomada pelo mais forte.

Com o Estado, o homem passa a ter direito à proprie-dade. O Estado cria a norma que protege o indivíduo de ser usurpado mediante o título.

Na segunda dimensão, o Estado passa a ter necessidade de ajudar a construir esse patrimônio, dar condições às pes-soas para que tenham emprego, desenvolvam-se, consigam juntar dinheiro para adquirir a propriedade.

Na terceira dimensão, hoje, surge a função social da pro-priedade, ao mesmo tempo limitadora e potencializadora desse direito, uma vez facilitadora de sua aquisição em certas situações.

Conclusão: o direito de propriedade é um direito fundamen-tal ligado à liberdade. Não existe democracia sem propriedade privada. Caracteriza o Estado democrático de direito, ou seja, o direito de propriedade privada é um direito contra todos. O próprio Estado não pode tomar a propriedade do indivíduo por-que o Registro de Imóveis deixa bem claro que se trata de pro-priedade particular, privada, não pública. Portanto, em primeiro lugar, o direito de propriedade é um direito contra o Estado. Em segundo, impede que aquele que não tem o título possa tocar na propriedade de quem o possui.

Cabe, portanto, ao registro público de imóveis garantir o direito de propriedade privada, o direito à liberdade e à democracia. Não se trata da atividade do governo nem da polí-tica partidária ou ideológica. É uma atividade jurídica do Estado. Entenda-se Estado como o conjunto de governo, povo e terri-tório. Governo é apenas quem ocupa eventualmente o poder.

O territórioTerritório é o elemento mais sensível, o local onde se fixa

o povo, do qual se extraem os alimentos, os recursos para a sobrevivência. É limitado, não expansivo e frágil; deteriora-se com a poluição, os agrotóxicos, as catástrofes naturais e a probabilidade de invasão de outros povos.

No início da colonização, o Brasil não interessava senão para abastecer de riquezas a Metrópole portuguesa. Foi em face do perigo de invasão da Colônia por holandeses e ingle-ses que Portugal começou a se preocupar com o povoamen-to dela. Até hoje o crescimento do Brasil é desordenado com problemas fundiários e grande desigualdade entre regiões. A nosso ver, uma grande dificuldade é uma única Constituição, um regramento uniforme para todo o país.

Quem zela pelo direito de propriedade privada nesse imenso Brasil? O registrador imobiliário. A ele cabe garantir o território, função e responsabilidade das mais importantes. O registro público imobiliário não é tarefa do governo, mas do Estado, razão pela qual a decisão jurídica do registrador pode incidir contra o próprio governo. Ele faz nota de devolução para a União, estados e municípios; para o INSS; para a Justiça do trabalho, para quem quer que seja. A decisão do registra-dor é jurídica, não política, uma vez que ele segue a lei.

O que é registro público imobiliário? Uma instituição administrativa que, por intermédio de registros, averbações e anotações, constitui e torna públicos o direito de proprie-dade e os direitos pessoais relativos a ele.

E o que é direito pessoal? É a relação jurídica entre o sujeito ativo e o sujeito passivo cuja obrigação é dar, fazer ou não fazer alguma coisa.

O direito real, por sua vez, é a relação jurídica que une diretamente o sujeito ativo, proprietário do bem, à sua res-pectiva propriedade, da qual o sujeito passivo toda a socie-dade e todos os que não participam dessa relação jurídica. Trata-se de um direito erga omnes, contra todos. Ao sujeito passivo, à sociedade, portanto, cabe a obrigação de não pre-judicar o direito constituído do sujeito ativo na forma da lei.

O direito de propriedade é garantido pela lei, pelo Estado.Para ser respeitado, o direito de propriedade depende da

publicidade registral efetiva. Se ela falhar, perde a sociedade, que confiou no registro, bem como aquele que ainda não tem imóvel, uma vez que a insegurança jurídica eleva a taxa de juros.

O Registro de Imóveis atua com direito erga omnes, razão pela qual ele depende de uma publicidade registral efetiva. A publicidade garante a segurança jurídica, ponto sensível da democracia. O registrador de imóveis é o guardião da liberdade.

Cadastro e RegistroCadastro é um inventário, um rol de informações sobre

determinado item. Tem caráter político-administrativo bem como poder discricionário para tomar decisões socioeconô-micas ou de segurança pública com o objetivo, por exemplo, de saber onde há mais criminalidade ou mais pobreza, onde é preciso abrir estradas ou investir em agricultura.

A atividade cadastral é competência do governo, uma das instâncias constitutivas do Estado, ao lado do povo e do

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território. Ao governo cabe gerenciar o povo e seu território, de acordo com sua vontade política, tarefa para a qual o cadastro é essencial. À luz das informações contidas nele, o poder discricionário decide pela abertura de uma rodovia, de uma ferrovia, de uma linha aérea.

O objetivo do Registro não é inventariar imóveis, mas zelar pelo direito de propriedade imobiliária, um direito fundamental. O que não é propriedade privada não é com-petência do Registro de Imóveis, criado originalmente como registro de hipotecas. Propriedade privada é um pressuposto do Estado democrático de direito. O registro público é o guardião da liberdade civil em face do próprio poder público.

Em resumo: cadastro é o conjunto de informações sobre o território; esses dados são reunidos pelo governo a fim de que ele possa viabilizar sua atividade político-administrativa, como inventariar os bens públicos, decidir e orientar as polí-ticas públicas, tarefas da competência do poder Executivo. E registro é o controle da propriedade privada, o garantidor da liberdade. Ao registro cabe a constituição de direitos, a garantia da propriedade privada, o dever jurídico, tarefas ligadas ao poder Judiciário.

Função qualificadoraA principal função do registrador é qualificar os títulos,

o que exige segurança jurídica, que não se confunde com resguardar-se de problemas nem interpretar a lei de forma literal, uma vez que não há segurança jurídica absoluta.

O registrador é um magistrado em defesa da liberdade, um soldado em defesa do direito de liberdade no país. Hoje sou um capitão da reserva militar e trabalho com segurança jurídica. Muitas vezes me considero mais um soldado do que um magistrado.

Esta farda de gala que ostento com muito orgulho me acompanha há vinte anos de serviços prestados à sociedade de São Paulo. E hoje, são quase sete anos de serviços presta-dos ao direito de liberdade, orgulho e honra para mim.

Ao cuidar da propriedade privada, cuidamos de um direi-to fundamental. A segurança jurídica tem de ser real, não fictícia. Temos condições de melhorar este país, basta que cada um faça a sua parte. Segurança jurídica é isso, é garantir os direitos constituídos na forma da lei e focar a segurança da sociedade e do povo. Temos de atentar para a função social da atividade; de impedir o acesso de títulos falhos e, por

outro lado, de fomentar o registro, para que o direito precário seja transformado em direito real.

A efetividade registral depende da qualificação e do fomento ao registro. Com a qualificação expurgamos os títu-los viciados e registramos os que estão em ordem. Uma nota devolutiva clara, precisa e concisa, para que o interessado possa compreender e atender a exigência feita, traz o título para o registro.

Para salvaguardar a segurança jurídica não basta impedir o acesso de títulos falhos, é preciso corrigi-los, fomentar a entrada de títulos corretos, uma vez que o sub-registro é indicativo de pobreza, de subdesenvolvimento.

As principais atividades do registrador são controlar o ingresso de títulos, escriturar os assentos registrais, presidir e decidir os procedimentos especiais e fomentar o registro.

Qualificar é decidir, é julgar à luz do saber jurídico pru-dencial para o livre convencimento motivado e de acordo com a lei, com responsabilidade e decisão jurídica, nunca política.

O título é prenotado no serviço registral e passa por qualificação. Se encontrada alguma falha, é feita uma nota de exigência ou de devolução. Retirados os títulos falhos, garantem-se os direitos. Ao registrador cabe apresentar soluções para que o interessado consiga corrigir seu título e trazê-lo para o registro.

Se na qualificação o título estiver correto, ele vai ser regis-trado. Para registrar o título temos de escriturar o assento registral sem falhas.

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Para preparar o assento registral, para garantir os direitos constituídos e a publicidade efetiva, o registrador é responsá-vel pelo texto. Ele tem de extrair do título – e não copiar – o que de fato importa e fazer o assento registral de acordo com as exigências legais. Um título errado deve ser devolvido para a devida correção. Um título com pequenos erros pode ser aceito, uma vez que eles não vão ser copiados como tal, mas traduzidos em linguagem jurídica clara, precisa e concisa.

Procedimentos especiaisCom ou sem georreferenciamento e regularização fundi-

ária temos retificação de registro. Nessas situações é essen-cial buscar a verdade real, o livre convencimento motivado, o saber jurídico prudencial. Trata-se de qualificação registral plena, diferente da qualificação registral dos títulos ordiná-rios do dia a dia.

A propósito do fomento ao registro, uma nota de devo-lução com instruções completas permite que a pessoa saiba como resolver o problema e traga o título corrigido.

O zelo pela escrituração dos assentos registrais evita erros e garante efetivamente a publicidade. O que está escrito no registro vai ser bem entendido por todos.

Na condução do procedimento especial vamos fazer a retificação do que está errado e regularizar o que está fora do registro. A função do Registro de Imóveis é formalizar a propriedade, por isso em muitas situações temos que regu-larizar o que está errado. É preciso retificar o que está errado, regularizar o que está mais do que errado e trazer segurança jurídica para o nosso país.

A regularização fundiária é uma ação de combate ao sub--registro e à pobreza, mas, para que funcione, três agentes precisam se unir: o registrador imobiliário, o governo muni-cipal e a população diretamente interessada.

Retificação extrajudicial e georreferenciamentoAntigamente, para medir a terra, o medidor enchia seu

cachimbo, acendia-o e montava a cavalo que marchava a seu passo. Quando o cachimbo apagava, acabado o fumo, ele marcava uma légua. Em Sistema sesmarial do Brasil, o his-toriador José Antonio da Costa Porto nos conta essa e outras histórias de como funcionava a titulação de terras. Pelo menos esse ainda era um parâmetro de medição. É muito

comum que não haja unidade de medida alguma nos títulos.Ainda que precárias, essas descrições do passado cumpri-

ram seu papel. Não havia necessidade de descrição melhor. O Brasil tinha muitas terras, não havia conflitos e a visibilidade da posse era o mais importante.

O problema é que o sistema não foi aperfeiçoado porque a legislação muito rigorosa não permitia. Retificar um regis-tro era um procedimento judicial muito custoso e demorado.

No entanto, em face de questões como escassez de ter-ras, falta de moradia, problemas sociais, conflitos agrários e valorização imobiliária era preciso que as descrições trouxes-sem mais segurança jurídica.

Em 2001 foi promulgada a Lei do Georreferenciamento, de extremo rigor técnico nas descrições dos imóveis para evitar multiplicidade de títulos, de acordo com os artigos 175 e 186 da Lei de Registros Públicos.

Em seguida, a retificação extrajudicial de registro exigiu mais simplicidade e celeridade no procedimento (artigos 212 e 213 da LRP).

Está tudo na Lei de Registros Públicos. Sem dúvida, retifi-cação e georreferenciamento são sinônimos. A única diferen-ça é que o georreferenciamento exige que sejam utilizadas coordenadas georreferenciadas e que o procedimento passe antes pelo Incra.

Para o registrador, o georreferenciamento é mais fácil porque a agrimensura já passou pela conferência do Incra. Na retificação, cabe ao registrador conferir 100% do trabalho.

Vantagens do georreferenciamentoAs inscrições têm grande acurácia, grande precisão. O

georreferenciamento impede a sobreposição de títulos na mesma área. Cabe ao Incra fazer a prévia análise dos traba-lhos e a nota de devolução.

O georreferenciamento traz mais segurança jurídica das medições da área, do formato e da localização do imóvel. Ele não diz respeito ao direito, ao saber quem é dono ou quais são os ônus do imóvel. Essa análise jurídica é da competência exclusiva do registrador imobiliário que dispõe das condições de fazê-la, analisando os registros anteriores, o título que chegou ou passou pelo cartório anteriormente.

O art. 59 da Lei 10.931/2004 alterou os artigos 212, 213 e 214 da Lei de Registros Públicos para permitir o procedi-mento extrajudicial de retificação de registro, agora da com-

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petência do registrador imobiliário. A retificação de registro será judicial apenas por opção expressa do proprietário.

Art. 212. Se o registro ou a averbação for omissa, imprecisa ou não exprimir a verdade, a retificação será feita pelo Oficial do Registro de Imóveis compe-tente, a requerimento do interessado, por meio do procedimento administrativo previsto no art. 213, facultado ao interessado requerer a retificação por meio de procedimento judicial.

O registrador e o juiz têm os mesmos deveres, os mesmos direitos e as mesmas limitações para fazer a retificação.

Seria esse o limite da qualificação registral? O que não está na tábua, no instrumento, não está no mundo. O que não está na matrícula, o que não estiver no título, não está no mundo. Isso vale para a qualificação de títulos em geral, que é da competência ordinária do registrador.

A retificação de registro é diferente: não se trata de regis-trar um título, mas de verificar um pedido de alteração de um registro que, em hipótese alguma, pode alterar o direito. O direito real só pode ser alterado por título previsto em lei formal e solene. A retificação e o georreferenciamento exi-gem a busca da verdade real; a qualificação tem de ser plena.

As regras da retificação são de dois tipos: direito adjetivo procedimental e direito material. O direito procedimental está no art. 213 da Lei de Registros Públicos; o direito material é toda a legislação, todos os princípios, é o dia a dia do registrador.

O art. 213 diz: “Uma vez atendidos os requisitos de que trata o caput do art. 225, o oficial averbará a retificação”.

Apesar de confuso o art. 225, deve-se entender o seguinte: uma vez atendidas as regras procedimentais do art. 213, o oficial vai decidir pelo deferimento ou não do pedido. Ou seja, cumpri-do o procedimento, o registrador vai analisar o mérito e decidir.

§ 5º Findo o prazo sem impugnação, o oficial averba-rá a retificação requerida; (...)

Está errado. Findo o prazo sem impugnação, o oficial vai decidir o mérito. O que lhe permitirá retificar ou não, caso o interessado não tenha o direito.

As regras procedimentais são expressas; prevalecem os prin-cípios da instrumentalidade e flexibilidade. As regras do direito

material são esparsas, amplas, mas também rígidas e formais, razão por que não podem ser alteradas a não ser pelo título previsto em lei. Como garantidor da segurança, o registrador tem de atentar para a certeza jurídica, esmiuçar o mérito para a retificação do registro e sempre buscar a verdade real.

Regra geral, portanto: o ingresso de títulos depende da análise dos aspectos extrínsecos; a retificação de registro exige a análise do mérito e do saber jurídico prudencial.

ConfrontaçõesSe, na planta, faltar a assinatura de algum confrontante,

ele deve ser notificado para se manifestar em quinze dias.

§ 10 Entendem-se como confrontantes não só os proprietários dos imóveis contíguos, mas, também, seus eventuais ocupantes; o condomínio geral, de que tratam os arts. 1.314 e seguintes do Código Civil, será representado por qualquer dos condômi-nos e o condomínio edilício, de que tratam os arts. 1.331 e seguintes do Código Civil, será representado, conforme o caso, pelo síndico ou pela Comissão de Representantes.

Atenção! Pessoa não confronta com imóvel, mas imóvel confronta com imóvel e a referência é o número da matrícula e não o número cadastral do Incra ou do município, que podem ser alterados.

Quem pode anuir? Quem é confrontante para a retifica-ção de registro? Os proprietários dos imóveis e seus even-tuais ocupantes. Hoje, o ocupante tem título e pode assinar como vizinho aceitando a retificação.

O imóvel vizinho da propriedade a ser retificada tem como proprietários o marido e a mulher. Ambos devem assinar ou basta a assinatura de um deles? Ou depende do regime? Assim diz o Código Civil:

Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:I- alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;

Quem está alienando o imóvel? Ninguém o está gravando de ônus real, mas apenas assinando como confrontante, como

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simples testemunha. Nem seria preciso essa nova regra do parágrafo 10. É diferente no pedido de usucapião quando se outorga a propriedade, se forma o título. Aqui se trata de retificação, de correção de erros apenas. Portanto, não se trata de gravar ou alienar o imóvel. A retificação não pode alterar direitos. Se houver alteração, o ato é nulo e vai ter de ser reti-ficado novamente. E se o síndico for casado, pode assinar ou não? E os demais condôminos? Hoje a regra é a simplificação instrumental, por isso basta a assinatura de um.

E se no imóvel lindeiro estiver uma viúva com filhos? É simples. O imóvel está em nome de quem? Do marido falecido e não aparece o nome da mulher? Tudo bem, independentemente do regime, ela é proprietária. Ela não é proprietária? Tudo bem, ela é possuidora, ela é detentora do imóvel, ela é ocupante do imóvel. Os filhos são menores: vai ser preciso nomear curador para isso? Não.

A situação é bem mais complexa caso o proprietário do imóvel vizinho seja menor. Mas essa é outra história.

Se o confrontante for um loteamento clandestino, uma favela, como exigir anuência de quinhentas pessoas? Fica por conta do bom senso a análise de um caso como esse. O registrador pode fazer uma vistoria, acertar a nomeação de um perito de sua confiança ou encarregar o próprio municí-pio da vistoria e publicar um edital para todos os moradores daquele loteamento clandestino. Cabe a ele tomar a decisão mais coerente que garanta a segurança jurídica. Jamais ele pode inviabilizar a providência.

Em caso de dúvida, o ideal é colher a assinatura de quem consta na matrícula e de quem está ocupando o imóvel. Se isso for possível, está resolvido.

Aumento de áreaComo saber se a área do imóvel aumentou muito ou

pouco? É preciso pensar em aumento percentual: 10%, 50%, 100% etc. Cada comarca tem sua particularidade de relevo e de como e quando foram feitas as medições. Em Conchas, SP, por exemplo, a diferença média é de 20%. Em áreas planas, essa diferença pode ser mínima. Se o registrador desconfiar que a área aumentou demais, é preferível que ele vá ao local verificar.

Há teorias de que a área: pode aumentar até 5%; não pode aumentar nunca; pode aumentar à vontade desde que a posse seja mansa e pacífica. Assim diz o art. 500 do Código Civil:

Art. 500. Se, na venda de um imóvel, se estipular o preço por medida de extensão, ou se determinar a respectiva área, e esta não corresponder, em qual-quer dos casos, às dimensões dadas, o comprador terá o direito de exigir o complemento da área, e, não sendo isso possível, o de reclamar a resolução do contrato ou abatimento proporcional ao preço.§ 1º Presume-se que a referência às dimensões foi sim-plesmente enunciativa, quando a diferença encontrada não exceder de um vigésimo da área total enunciada, ressalvado ao comprador o direito de provar que, em tais circunstâncias, não teria realizado o negócio.

É possível observar essa regra? O art. 500 do Código Civil trata de um direito privado: indenização entre partes, pes-soas maiores e capazes, direito contratual, disponível. Mas a retificação de registro trata de registro público imobiliário, formalidade total, direito indisponível. Para se alterar o regis-tro público é necessário um novo título.

Vamos analisar uma transcrição de Conchas feita em 1953. Um sítio com 100 hectares localizado no bairro das Palmeiras confrontando com a linha férrea, com a estrada municipal e com o rio de Conchas. A descrição é praticamente a mesma, mas a área aumentou de 100 hectares para 150 hectares. As confrontações são as mesmas. Verifiquei que a estrada das Palmeiras e a linha férrea nunca sofreram alteração em seus respectivos cursos, bem como o rio de Conchas manteve a mesma posição. Nas diligências que mandei fazer, tiraram fotos que revelaram existir lá uma mata ciliar. Como se mediam os imóveis antigamente? Não era possível medir aquelas curvas do rio cheias de árvores. A área do sítio compreendida entre a estrada e o rio foi vendida. Todos os confrontantes anuíram. Provável erro: faltou medir as curvas do rio. Portanto, não houve aumento de área, mas erro na medição.

Obrigatoriedade do georreferenciamentoVamos ver as hipóteses legais previstas no art. 176 da LRP.

§ 3º Nos casos de desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais, a identificação prevista na alínea a do item 3 do inciso II do § 1º será obtida a partir de memorial descritivo, assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de

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Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coor-denadas dos vértices definidores dos limites dos imó-veis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais.

Há também as situações de transferência, uma vez que o §3º do art. 225 estabelece “nos autos judiciais que versem sobre imóveis rurais”.

Enfim, o georreferenciamento é exigido em caso de des-membramento, parcelamento, remembramento, transferên-cia e ações judiciais cujo cerne é a descrição do imóvel rural.

Pode-se registrar hipoteca sem georreferenciamento? E contrato de compromisso de compra e venda?

O que acontece no inadimplemento da hipoteca? Tenho uma hipoteca registrada cujo contrato principal não foi cum-prido. Esse imóvel vai virar penhora, vai ser levado a hasta pública, vai ser arrematado. O que é essa arrematação? É uma venda forçada. É transferência? É fato gerador? É.

O que acontece com o compromisso de compra e venda, se houver um inadimplemento, se as parcelas não forem pagas? O compromisso é cancelado e há a reintegração de posse. Há transferência? Não. A reintegração de posse é fato gerador? Não.

É possível registrar hipoteca, compromisso, nenhum dos dois ou os dois?

Vamos ver com o adimplemento. Se o contrato for cumpri-do, o que acontece com a hipoteca? É cancelada. Cancelamento de hipoteca é fato gerador? Não. Por isso pode ser registrado. Se o compromisso de compra e venda for cumprido, o que acon-tece? Se o vendedor não quiser passar a escritura, o comprador consegue a adjudicação compulsória em juízo. Adjudicação compulsória é transferência. E transferência é fato gerador. Portanto, compromisso não pode ser registrado. Se registrado, nunca mais vai ser feita a escritura pública que exigiria o georre-ferenciamento. Ou seja, a lei será burlada.

Compromisso de compra e venda é a maior armadilha. Aparentemente ele pode ser registrado porque de fato ele não transfere, mas é o início da transferência.

No caso da hipoteca, um ou outro caso vai se transformar em venda forçada. Então sim, para a carta de arrematação exige-se o georreferenciamento, mas a situação é excepcional.

O prazo está acabando e vale apenas para desmembra-mento, parcelamento, remembramento e transferência; se for ação judicial, é imediato.

As ações judiciais mexem especificamente com o imóvel, mas não se trata de causa mortis, trata-se de uma retificação judicial: usucapião, desapropriação.

No caso de formal de partilha não há prazo. Mesmo para imóveis de um hectare, dois hectares, exige-se o georrefe-renciamento uma vez tratar-se de ação judicial. Formal de partilha é transferência, ou seja, a partir de 500 hectares o georreferenciamento é obrigatório.

Algumas particularidades interessantesExistem quatro questões de mérito que merecem análi-

se. Se uma delas descaracterizar a propriedade imobiliária, a retificação será inviável. No entanto, se passar por esses quatro itens, a retificação pode ser feita desde que o proce-dimento seja cumprido.

1. Inclusão de área não titulada, como, por exemplo, uma parcela de área do vizinho com a devida anuência dele. A área não titulada foi incluída? Não é possível fazer a retificação. Se a área não titulada não foi incluída, vamos para o segundo item.

2. Levantamento de parcela de imóvel de posse exclusiva de condômino. Com a posse de um pedaço do imóvel em con-domínio, o interessado quer fazer o levantamento só daquele pedaço. É impossível. Ele é obrigado a fazê-lo do imóvel inteiro, exceto em duas situações: usucapião, se comprovado o interesse de agir, e Gleba Legal, no Rio Grande do Sul.

3. Numa única poligonal, várias matrículas fazem fusão, quando impossível a fusão. É o caso de um dos imóveis que não está no nome do interessado, mas no de seu avô cujo formal de partilha ainda não foi feito. É impossível fazer a fusão das matrículas? Cabe ao registrador devolver para que ele retire a matrícula que não é da sua titularidade ou, por algum outro motivo, impedir a fusão.

4. Inclusão de área pública no levantamento, bastante comum com estradas e rios públicos. A estrada corta o imóvel do interessado, que pretende uma única matrícula. Não é possível.

Qualquer dessas hipóteses inviabiliza o ingresso da reti-ficação; não importa se com ou sem georreferenciamento.

*Eduardo Agostinho Arruda Augusto é Oficial de Registro de Imóveis de

Conchas, SP, e Diretor de Assuntos Agrários do IRIB.

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XXXVI Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil – Londrina-PR14 a 18 de setembro de 2009

ISSN 1677-437X

INSTITUTO DE REGISTRO IMOBILIÁRIO DO BRASIL

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7 PRLONDRINA•

O Lago Igapó, que em tupi significa transvazamento de rios, foi criado em 1959 e hoje é um dos cartões postais de Londrina, no Paraná. Foi urbanizado e revitalizado na década de 1970. Em 1996 foi novamente revitalizado e passou a contar com a área de lazer Luigi Borguesi (Zerão), que inclui

centro social urbano, pistas de aeromodelismo, ciclovia, o Teatro do Lago, jardins e chafariz.

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