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2012 Plano de Conservação Preventiva do Museu-Casa de Rui Barbosa PROJETO DE RESTAURAÇÃO E CONSERVAÇÃO DE PINTURA MURAL DECORATIVA: FAUX MARBRE Investigação, resultados, procedimentos

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2012

Plano de Conservação Preventiva do

Museu-Casa de Rui Barbosa

PROJETO DE RESTAURAÇÃO E CONSERVAÇÃO DE PINTURA MURAL DECORATIVA: FAUX MARBRE

Investigação, resultados, procedimentos

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Ana Claudia de Paula Torem

Mestre em Artes e Design PUC-Rio

Abril 2012

“Uma exigência fundamental da restauração é respeitar e salvaguardar a autenticidade dos elementos construtivos”. Este princípio deve sempre

guiar e condicionar a escolha das operações”

Cartas Patrimoniais – Carta do Restauro

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SUMÁRIO

1. Considerações iniciais........................................................................4

2. Antecedentes históricos......................................................................7 2.1.Sobre a estética decorativa do Faux marbre .....................................7 2.2.Sobre o Faux marbre nas decorações neoclássicas fluminenses.....16

3. A técnica aplicada.............................................................................19

4. Análise iconográfica..........................................................................21

5. Restauração de 1986..........................................................................34

6. Prospecções.......................................................................................36

7. Patologia das construções..................................................................37

8. Considerações finais: Laudo Técnico e Proposta de Intervenção.....39

9. Bibliografia........................................................................................45

10. Anexos..............................................................................................47

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1 - CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O fascínio das imitações de mármores e madeiras que durante séculos determinou o

gosto e o hábito dos indivíduos desde a Antiguidade Clássica representa hoje a tradição

portadora de uma arte que decorou e ornamentou incontáveis ambientes, da Itália à

França, passando pela Áustria e Alemanha Barroca, pela Opera Royal de Versailles,

pela sala de colunas de Fontainebleau e por milhares de corredores de castelos e

palácios.

Dada a sua reconhecida relevância1, a necessidade de uma consciência efetiva acerca

da preservação da pintura mural decorativa aponta para a prática indispensável de um

projeto de restauração e conservação de todo e qualquer tipo de ornamentação parietal.

Esta arte, com suas implicações estéticas e simbólicas, deve ser entendida como uma

forma de expressão cultural e social do homem que encontra seu lugar na História desde

a arte rupestre até os dias de hoje. Sua destruição ou deterioração, acidental ou

intencional, representa uma perda irreparável que afeta parte importante do patrimônio

cultural da humanidade. Conforme destacam os estatutos da Assembléia Geral do

ICOMOS realizada em 2003:

“A riqueza das pinturas murais se define pela sua diversidade de expressões culturais, pelo seu valor de caráter estético e pelas variedades de técnicas utilizadas desde os tempos antigos até os dias atuais.”2

Parafraseando Françoise Choay,3 quando a autora comenta o vandalismo ocorrido

durante a Revolução Francesa, romper com o passado não representa apenas a

destruição de construções antigas e de suas memórias, mas, sobretudo a destruição dos

novos significados que elas devem assumir no presente e no futuro.

Em nosso contexto histórico oitocentista, esta arte de origens tão antigas passou a ser

uma forte tendência no que diz respeito à decoração de interiores das residências

fluminenses rurais e urbanas e continuou presente no Rio de Janeiro até início do século

XX. Alguns exemplos encontram-se hoje bem preservados, como é o caso do Teatro

Municipal no centro, da Mansão Finger no Flamengo, do Museu da República no

Catete e da Casa de Rui Barbosa em Botafogo.

1 Conseil Internacioal des Monuments et des Sites ICOMOS. Príncipes pour la Préservation et la Conservation, Restauration des Peintures Murales. 5ème et Ultime Version pour Adoption à l’Assemblée Génerale de l’ICOMOS, Victoria Falls, Octobre, 2003. 2 Idem, Introduction et définition, p. 9. 3 CHOAY, Françoise. A Alegoria do Patrimônio. São Paulo: Editora Estação Liberdade Ltda, 2001, p.113.

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Por ser ainda encomendada e produzida atualmente, tanto na esfera do público como

do privado, a pintura mural decorativa torna-se um objeto de estudo de extrema

importância, pois trás para o tempo presente seus valores materiais e imateriais: as

características formais recorrentes desde a Antiguidade e a representação de um gosto

genuinamente europeu. Embora sua produção ao longo da história possa ser identificada

como uma zeitgeist particular, ou como define Peter Thorton4 “o olho do período”, e,

portanto em alguns momentos esteve atuando apenas como elemento coadjuvante nas

grandes obras arquitetônicas e decorativas, é incontestável sua contribuição enquanto

expressão visual e cultural para estudos no âmbito da História das Artes, História da

Decoração de Interiores, História dos Costumes, entre outros.

Considerando que na esfera das Artes Decorativas ou da Decoração de Interiores é

pouco o material existente sobre pinturas parietais, nos parece que esta temática ainda

não foi devidamente trabalhada pela nossa historiografia. Portanto, torna-se

fundamental como ponto de partida para qualquer pesquisa nesta área, a rigorosa

preservação dos interiores de um edifício monumental, palácio, palacete, ou casarão

antigo do Rio de Janeiro.

Neste sentido, os ambientes originais de um museu-casa garantem a perenidade

histórica dos interiores domésticos que fazem parte da memória local, e que, portanto,

oferecem ao visitante ou ao pesquisador o registro fiel dos hábitos, gostos e condição

social daqueles que outrora habitaram estes espaços. Da mesma forma que estudamos as

particularidades do mobiliário ou dos objetos no que diz respeito à decoração dos

interiores, as pinturas parietais produzidas nas casas abastadas e palacetes fluminenses

em finais do século XIX e princípio do século XX carecem de uma pesquisa específica

capaz de abordá-las como expressão das novas condições de habitabilidade da vida

moderna.

Segundo o CMI, Centro de Memória e Informação, que promoveu em 2010 o

Programa de Renovação dos Ambientes do Museu-Casa Rui Barbosa, de 1930 aos dias

atuais, os espaços internos da habitação sofreram interferências físicas diversas que

acabaram por modificar suas características originais. É este o caso do corredor situado

na ala de serviço da casa decorado com pintura decorativa do tipo faux marbre. O

marmorizado que se estende ao longo de toda a parede de 67 m2 sofreu intervenções

4 O “olho do período”, fenômeno no qual os indivíduos aderem às tendências e aos modismos nas questões decorativas de uma determinada época, mesmo que em detalhes apenas ou em uma extensão limitada, mas fazendo parte de um processo comum de representar os ambientes. THORNTON, Peter. Authentic Décor. London: Seven Dials, Cassell & Co, 2000, p. 9.

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durante uma reforma realizada em 1986, a qual não seguiu um programa de salvaguarda

apropriado contendo documentação minuciosa de todas as etapas da reforma pictórica

como descrição das características técnicas e formais da pintura original, registros

fotográficos sistemáticos e, sobretudo demarcação em planta da localização de parte da

pintura antiga mantida como referência. Segundo se destaca do Parágrafo 2 do Artigo 60

da Carta do Restauro de 1972, Itália:

“(...) proíbem-se indistintamente para todas as obras de arte (...) 2 - remoções ou demolições que apaguem a trajetória da obra através do tempo, a menos que se trate de alterações limitadas, que debilitem ou alterem os valores históricos da obra, ou de aditamentos de estilo que a falsifiquem;”5

Desta forma, na ausência de vestígios preliminares da obra, não é possível determinar

a partir de um julgamento superficial, se os dois tipos de mármore imitados fazem parte

do projeto decorativo anterior ou se foram refeitos aleatoriamente durante os trabalhos

de recuperação.

Embora tratadas as partes danificadas, hoje se percebe que a qualidade dos serviços

executados pode ter comprometido os valores formais e cromáticos de seus

antecedentes estéticos. Após discussões acerca do problema, ficou evidenciada a

necessidade de um estudo mais aprofundado, antes de ser realizado novo processo de

restauração indispensável à recuperação dos estragos provenientes de recentes

infiltrações no telhado.

O presente documento trata da primeira parte do projeto de restauração e representa

o resultado da investigação objetiva compreendendo pesquisa histórica, iconográfica e

arquivistica com base na análise de documentos, fotografias e fontes bibliográficas;

análise comparativa do modelo avaliado com a produção parietal decorativa encontrada

nos edifícios históricos da cidade de períodos correspondentes; prospecções; laudo

técnico final e proposta de intervenção.

5 IPHAN, Cartas Patrimoniais: Carta do Restauro, Ministério de Instrução Pública, Governo da Itália, circular 117, 6 de abril de 1972, Artigo 6, Parágrafo 2.

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2 – ANTECEDENTES HISTÓRICOS

A pesquisa histórica do objeto apresenta-se com especial importância, visto que

através de seu conhecimento elucidativo surgem as primeiras diretrizes de intervenção a

serem desenvolvidas na estapa seguinte deste projeto, ou seja: a restauração parietal

propriamente dita. Partindo da apreciação crítica do material estudado foi possível

estabelecer uma visão inicial da obra e de suas características formais e estilísticas em

função do repertório decorativo de uma composição mural em faux marbre do século

XIX e pricípios do século XX.

2.1. SOBRE A ESTÉTICA DECORATIVA DO FAUX MARBRE

Em termos estritamente técnicos, a prática do faux marbre é definida como “pintura

que imita o mármore, os veios, as cores, e que é usada em paredes, móveis, etc...”6 ou

“marbre feint, pintura ilusionista que imita a textura e a aparência do mármore”.7 Do

ponto de vista do pintor/decorador, toda imitação pintada de rocha colorida é definida

pelo termo “marmorizado” ou “faux marbre”, caracterizando a técnica como a

utilização de um elemento decorativo inspirado na natureza e adaptado a um conjunto

decorativo maior.8

Durante o século XIX, barras e frisos ornamentais, assim como o faux marbre e o

faux bois representaram tipos de pintura decorativa muito utilizados no aprimoramento

das casas abastadas tanto dos interiores quanto dos centros urbanos da capital

fluminense. Se observadas certas particularidades formais veremos que sua prática

esteve sempre ligada a um modelo ou sistema de composição mural no qual a superfície

da parede se apresenta dividida em duas seções horizontais, delimitando as áreas a partir

de uma barra ou roda-meio (Figura 1). O roda-teto e o rodapé aparecem às vezes

pintados também à imitação de mármore, dependendo da decoração planejada. Este

sistema cria um esquema arquitetural de diversificados tipos de cores e tamanhos de

painéis marmorizados, com ou sem efeitos de perspectiva.

6 Faux marbre MOUTINHO, Stella; PRADO, Rubia Bueno; LONDRES, Ruth. Dicionário de Artes Decorativas & Decoração de Interiores. Rio de Janeiro: Lexikon Editora, 2011, p. 168. 7 MARCONDES, Luiz Fernando. Dicionário de termos artísticos. Rio de Janeiro: Edições Pinakotheke, 1998, p. 122. 8 KELEN, Denise Van Der. La peinture décorative selon Van Der Kelen, Turin: Éditions Vial, 2009, p.21.

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O modelo acima descrito é na verdade recorrente da Antiguidade Clássica, quando os

falsos mármores figuravam nas arquiteturas e decorações das camadas mais

privilegiadas, compondo também as paredes dos edifícios menos sofisticados. Mas os

primeiros exemplos de imitação de mármore ainda visíveis atualmente se encontram no

Egito e datam de 2200 a.c. Vitruvio já destacava:

“A primeira coisa que os antigos representaram sobre as camadas de reboco foram os veios dos mármores, em seguida fizeram combinações de anéis e triângulos de amarelo ocre. Tentaram depois representar a forma de seus edifícios imitando suas colunas e suas saliências elevadas; e quando quiseram pintar tudo em um lugar espaçoso, desenharam frontispícios com cenas trágicas, cômicas ou satíricas, pintaram também paisagens representando diferentes regiões.”9

A partir dos séculos VI e V a.c. aparece no mundo grego uma tendência de se

atribuir às imitações de mármore um papel preciso na forma de estruturar as paredes.

Este estilo denominado “estilo de zonas” ou “estilo masonry”10 que posteriormente dará

9 Vitruvio. “Sobre a Arquitetura, VII”. Apud. MAURIÉS, Patrick. Le Trompe l’oeil, Turin: Gallimard, 1996, p.55. 10 “Masonry style” segundo Denise Van Der Kelen é o termo técnico utilizado em pintura decorativa para definir o esquema estrutural da parede a partir do qual são pintados os diferentes tipos de mármores na antiguidade. Les antecedentes de Pompéi dans la peinture grecque in: Kelen, op.cit., p.22-24.

Roda-teto ou cornija

Barra ou Roda-meio

Roda-pé

Figura 1. Desenho de composição visual e formal de um mural oitocentista pintado em faux marbre.

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origem ao primeiro estilo pompeano, foi diretamente inspirado nas construções

monumentais de Atenas do final do século VI e início do século V a.c. Os exemplos que

parecem ter tido uma influência direta nas decorações romanas são os do Egito

helenístico, os quais apresentam uma espécie de esquema arquitetural de cinco zonas

sucessivas a partir da base da parede:

1. Plinto

2. Linha de base

3. Banda intermediária

4. Zona delimitada ou não por uma barra em relevo

5. Friso logo abaixo do teto

5

4

3

2

Figura 2. Simulação gráfica representando o esquema arquitetural “masonry style”.

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Neste esquema decorativo, a parede de alvenaria é dividida formando blocos de

pedras pintados simulando diferentes tipos de mármore (Figura 3). A imitação

representa a própria utilização do mármore na arquitetura, assumindo, portanto uma

função de destaque na decoração de interiores. Exemplos do mesmo princípio de

repartição em um “sistema de zonas” se encontram nos túmulos da Macedônia datados

dos séculos IV e III a.c e nas casas de Délos, cujas decorações parietais muito

características, foram provavelmente realizadas por pintores atenienses.

Segundo Denise Van Der Kelen11, se observadas as decorações pompeanas do

primeiro estilo, esse tipo de procedimento pode ter originado a prática da pintura do

faux marbre muito em voga durante todo o período (século II a.c.), onde o esquema de

zonas torna-se praticamente uma regra estilística.

No segundo estilo pompeano (segunda metade do século I a.c.), o faux marbre

aprece em uma variedade e riqueza de cores, compondo um sistema arquitetural

ilusionista onde colunas são pintadas com o uso de sombras e perspectivas. Neste caso,

as imitações aparecem na parte inferior ou na parte mediana da parede; já no quarto

estilo pompeano (metade do século I d.c.) a evolução artística do próprio contexto

italiano supera as influências helenísticas do passado, atingindo um nível de perfeição

com os efeitos ilusionistas da perspectiva nas representações de edifícios e fachadas. De

uma maneira geral, o faux marbre é utilizado apenas em detalhes, decorando as partes

nas quais se apoiam as bases das colunas.

11 KELEN, op.cit. p. 23.

Figura 3. Pompéia, Casa dos Vetti, imitação de mármore pavonazetto e cipolin.

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Nos séculos que se seguem após o declínio do Império Romano, esta prática perde

consideravelmente sua importância na decoração de interiores. Somente a partir da

Renascença, a imitação de falsos materiais como a madeira e o mármore é retomada

como uma tendência associada à arte pictural dos grandes afrescos. Os artistas/pintores

decoradores representam cenas grandiosas enquadradas em molduras muitas vezes

pintadas como mármore, formando um sistema de cercadura. Mas a técnica é ainda

limitada sem os recursos dos óleos e glacis e as imitações apresentam um aspecto

“fantasioso”.

Já no século XVII, as técnicas de imitação de falsos materiais iniciam um processo

de longa evolução, através do qual os artistas passam a executar modelos cada vez mais

fiéis ao natural com a utilização da técnica de pintura a óleo por pintores da França,

Inglaterra, Bélgica e também dos países nórdicos. Mas a pintura aplicada a grandes

áreas permaneceu quase que restrita à ornamentação das igrejas. Na edição do tratado de

Pierre Bullet de 1755, algumas linhas destacam o uso da técnica de imitação de falsos

mármores restrita ao décor de plintos e lareiras construídas em madeira ou pedra

comum.12

Três décadas mais tarde as simulações de mármore, madeira e bronze começam a se

destacar nos projetos dos decoradores franceses, chegando rapidamente à Inglaterra com

a decoração da Carlton House em 1780, permanecendo muito em voga durante todo o

período Regência. Na França, o Estilo Império fez uso extenso de técnicas como faux

marbre, faux bois e trompe l`oeil de ornamentos e molduras, além do gosto pompeano

das representações pintadas dos grotescos renascentistas.

Os arquitetos Pierce e Fontaine projetaram para o vestíbulo e para a sala de refeições

em Fontainebleau, um décor onde as paredes foram completamente pintadas com falso

mármore e falso granito, marcando o início de um gosto associado às mudanças mais

suntuosas. Mais tarde, a partir de 1830 o palácio considerado como uma casa de campo

passou por grandes trabalhos de reformas comandados pelo rei Luis-Philippe, que

desejava enriquecer o aspecto interior do edifício, onde todos os corredores de

passagem apresentavam-se ainda pintados com uma tonalidade neutra “couleur de

pierre”. Interessante destacar que áreas de circulação interna como as escadas do rei, os

12 BULLET, Pierre. Architecture pratique, comprend la construction générale & particulière des bâtimens, le détail, les toisés & le devis de chaque partie… avec une explication & une conférence des trente-six articles de la coutume de Paris sur le titre des servitudes & rapports qui concernent les bâtimens, & de l'ordonnance de 1673, Paris, qui connaîtra six rééditions, avec des augmentations de Descoutures à partir de1755, p. 381. Apud: Kellen, p.13.

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corredores que conduzem à sala de baile, à ópera e à capela passaram a receber atenção

especial sendo ornadas com pintura em faux marbre.

Do ponto de vista técnico e profissional o século XIX propiciou a profusão e a

evolução da pintura decorativa de imitação de falsos materiais, com a criação das

escolas especiais de Peintres en Décors e, sobretudo com os avanços da manufatura de

tintas, vernizes, pincéis e ferramentas, que no passado eram executados pelos próprios

artistas, passam a ser produzidos a nível industrial em larga escala. Inglaterra e França

lideram a prática das decorações pintadas.

Na França, a Associação dos Pintores/Decoradores cria em 1834 o Journal de

Peintres en Bâtimens13, marcando a importância da prática e da arte do “falso” em toda

a Europa. As publicações periódicas traziam em seu conteúdo, modelos de conjuntos

decorativos, os tipos de mármores e madeiras mais copiados, projetos para execução de

decorações em faux marbre e faux bois para diversos espaços como halls de entrada,

vestíbulos, fachadas de lojas e cafés, salas de jantar, salões, além da descrição técnica

dos diferentes tipos de pincéis e ferramentas. Muitos destes projetos, conservados em

seus originais pela Biblioteca Nacional da França em Paris, nos revelam que a

geometria clássica dos esquemas de divisões em zonas ou seções permaneceu

inalterada, mas o requinte da sobreposição de painéis de diferentes tipos de mármores

dos modernos projetos do século XIX tornou as decorações pintadas mais luxuosas e

mais verdadeiras.

13 L’origine des techniques actuelles in: Kellen, p.34.

Figura 4. e 5. Projetos para fachadas e vestíbulos, “Albun du Journal des Peintres en décor”, 1938.

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Fonte digital: gallica.bnf.fr/Bibliothèque Nacionale de France.

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O jornal também apresenta textos técnicos contendo a descrição exata e detalhada

das cores e dos processos empregados na confecção dos falsos materiais. Ainda na

primeira metade do século XIX, a lista de tipos de mármores e granitos imitados crescia

rapidamente, mas sempre de forma criteriosa em relação a sua aplicação, conforme

exemplifica o quadro a seguir:

Mármore imitado Espaço/decoração

Verde Campan ou Ágata (silicato de cores vivas e variadas)

Quadros e letreiros

Verde Antigo, Verde do Mar, Verde Campan Fachadas de casas e boutiques

Amarelo de Siena Vestíbulos, galerias e corredores

Granitos verdes e marrons Plintos de colunas

Mármore Branco - Brecha (1835) Fachadas

Azul Flor, Branco, Brecha Violeta Interior de apartamentos

Pedras: Albatre Oriental (mármore transparente e suave), Malaquita

Colunas, pilastras, frisos, medalhões, etc...

Brecha Vulcânico, Verde Antigo, Amarelo de Siena

Grandes áreas de paredes

Mármore Brecha Carolina Interior de boutiques

Granito de Vosges Vestíbulos e corredores

Em se tratando de uma estética decorativa do faux marbre oitocentista francês é

possível verificarmos a predominância cromática dos mármores e granitos verdes

(Verde do Mar, Verde Antigo, Verde Campan), sobretudo em espaços de grande

notoriedade como fachadas e áreas maiores das paredes. Os projetos de décor quase

sempre ofereciam combinações harmoniosas de verdes/amarelos ou verdes/castanhos

para as fachadas e também interiores (Figuras 6 e 7). Observamos que as áreas

circulatórias ou de passagem como corredores e vestíbulos são ornadas com os tons

amarelos e marrons (Amarelo de Siena, Granito de Vosges).

Como vimos, a prática do esquema arquitetural tem precedentes que datam da

Antiguidade Clássica e que no século XIX assume novamente uma função determinante

no enquadramento ornamental da parede, quando a pintura de falsos mármores, pedras e

granitos define a escolha de um arranjo decorativo maior, e não apenas em detalhes

como em períodos anteriores.

A análise destas características formais resultantes de aspectos estéticos como

estrutura e cor, nos leva a estabelecer um modo ou estilo decorativo para os projetos de

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Figura 6. Projeto de decoração para vestíbulo em faux marbre Vert de Mer e Brèche. “Journal-manuel du peinttre”, outubro 1862, n0 10.

pintura mural em faux marbre que não se restringiu apenas à França, mas propagou-se

pelos principais centros europeus, chegando também ao Brasil em meados do século

XIX.

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Brecha Branco Amarelo de Siena Brecha Violeta

Verde do Mar (faux – journal du peintre) Verde do Mar

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Verde Antigo/Brecha Carolina Azul Flor/Granito de Vosges

__________________________________________________________________

2.2. SOBRE O FAUX MARBRE NAS DECORAÇÕES NEOCLÁSSICAS

FLUMINENSES

Embora o uso da pintura mural decorativa só tenha surgido de forma intensa nas

fazendas cafeeiras do Vale do Paraíba em meados do século XIX, no século XVIII e nas

duas primeiras décadas dos oitocentos esta técnica já se mostrava evidente, embora de

forma mais limitada. Algumas residências dos centros urbanos utilizavam-se da pintura

imitando mármore ou dos frisos decorativos para ilustrar detalhes de sua ornamentação

interna. Saint-Hilaire comenta a decoração das principais casas ornadas com pinturas de

figuras e arabescos, e lambris e rodapés marmorizados. Também nas fazendas

construídas na época dos mineradores, os mesmos motivos eram utilizados na

decoração das paredes, sugerindo segundo ele, certa semelhança com as residências

nobres europeias:

“Os cômodos da habitação não têm nenhuma pintura, mas os apainelados, os portais e as próprias portas são pintados à imitação de mármore. Os tetos feitos de tábuas igualmente pintados, mas de modo grosseiro, representam grandes figuras e arabescos. Encontra-se a mesma espécie de decoração nas fazendas que eu a pouco comparava aos nossos castelos, e que como já disse, datam da época em que a província ainda era rica e florescente.”14

14 SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagens pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Belo Horizonte: Livraria Itatiaia Editora Ltda., 1975, p 98.

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Figura 7. Fazenda Valverde.

Composição em faux marbre de diferentes tipos e tonalidades de brechas e mármores veiados.

Com a chegada da Missão Francesa e a influência exercida pela Academia Imperial

de Belas Artes, os grupos mais favorecidos logo buscaram criar um novo cenário

residencial, reproduzindo nos mínimos detalhes, o ambiente europeu no Brasil. Durante

o Império a valorização da decoração de interiores das fazendas de café fluminenses

alcançou um alto nível de apuro e esmero. Os salões, as saletas e capelas possuíam o

mesmo requinte de mobiliário e a mesma decoração de seu referencial: as residências da

Corte. As decorações parietais marmorizadas foram um elemento marcante nos

interiores das casas de vivenda (Figuras 7, 8 e 9).

Figura 8. e 9. Fazenda Barão do Rio d Ouro. Decoração em faux marbre para hall e salão principal. Provavelmente Brecha Violeta e Brecha Tavira.

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As primeiras décadas do século XX no Rio de Janeiro assinalam o período das

grandes transformações, o momento da construção da visualidade do “moderno

desejado”. O Rio de Janeiro é a própria ideia de “atual” na construção da cidade capital,

não só por ser capital da República, mas por representar o conceito de projeto moderno.

Esse novo momento de organização social é motivado, sobretudo pelo rápido

crescimento econômico do país que mesclava à nova formatação urbana, as

características reais de uma grande metrópole como criação, concentração e acumulação

de capital.15

Nas fachadas dos prédios, palácios e palacetes, se estabelece a estética eclética

positivista do desejo de “ser Paris” refutando o velho e a memória colonial. Nos novos

espaços públicos como livrarias, confeitarias, academias, refletem-se as novas práticas

da vida urbana. A pintura mural decorativa impregnada de simbolismo participou

intensamente na reforma de prédios já existentes e também na ornamentação das novas

construções.16 Dos símbolos fortes destes tempos destacam-se edifícios como o Teatro

Municipal, o Museu de Belas Artes e a Biblioteca Nacional, conjunto monumental de

grande importância na construção da imagem moderna e civilizada da cidade.

No domínio dos espaços privados, a estética eclética das fachadas se estende também

para os interiores, onde novas formas de ornamentação se integram às novas formas de

sociabilidade. Os casarões e palacetes refletem em seus interiores, a autopromoção e

prestígio social de seus moradores, através de uma ambientação europeizada. Dentro da

casa, a sala de jantar se apresenta como espaço de convivência social e nela, pinturas

murais criam um cenário conivente com o desejo de exibição de seu habitante.17

A partir do final do século XIX e nas três primeiras décadas que se seguem é

possível registrar o momento histórico em que a pintura mural decorativa se reafirma e

se intensifica no Rio de Janeiro através de um repertório formal e de temáticas

figurativas como cenas históricas, elementos ornamentais inspirados na fauna e flora

brasileira, temas alegóricos, barras e frisos decorativos, além das técnicas de faux

marbre e faux bois. Procuraremos nos deter então nos modelos de decorações

marmorizadas, mesmo aquelas aplicadas somente a detalhes, por estarem essas

15 ABREU, Mauricio de. A industrialização carioca no final do século XIX e a emergência da questão habitacional. In: Evolução Urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: J. Zahar Editor, 1987, p. 57. 16 SALGUEIRO, Valéria. A pintura decorativa em prédios públicos e a construção da nacionalidade in: A arte de construir a nação: pintura de história e Primeira República, Estudos históricos n0 30, 2002, p.4. 17 MARINS, Paulo C. G. Interiores: decoração e devoção profana do indivíduo. In: História da Vida Privada no Brasil – República: da Belle Époche à Era do Radio. Org. Nicolau Sevcenko. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 501-504.

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19

diretamente vinculadas ao faux marbre da ala de serviço da Casa de Rui Barbosa.

Seguiremos então com algumas especificações de caráter técnico e em seguida com a

análise iconográfica desses exemplares visando estabelecer parâmetros comparativos

formais com a pintura estudada.

3 – A TÉCNICA APLICADA

As manufaturas industriais do século XIX que propiciaram a fabricação de novos

materiais, tintas e pigmentos, aglutinantes, vernizes e glacis, contribuíram em muito

para o incremento da pintura decorativa. As escolas e ateliers franceses foram o ponto

de partida no domínio da técnica, passando em seguida aos pintores ingleses. Por esse

motivo, o século XIX acabou por contribuir para surgimento de dois modos ou “estilos”

de pintura de falsos acabamentos: a escola ou Estilo Italiano e a escola ou Estilo

Frances (o mesmo aplicado a decoração inglesa e belga)18 As diferenças entre os dois

tipos se dão essencialmente a nível de execução técnica ou facture (maneira de pintar e

material utilizado), mas acabam por resultar em uma divergência formal explicita, o que

se observa inclusive nos mais recentes trabalhos decorativos em faux marbre.

O problema da diferença estilística é bem abordado pelo pintor/decorador Manuel

Cardoso-Canelas, especialista em restauração patrimonial de decorações pintadas.

Segundo ele a questão da facture está intimamente ligada à história dos estilos, uma vez

que nos trabalhos de recuperação, não se deve tratar o mesmo repertório decorativo de

um mármore pintado da renascença italiana como um marbre feint do século XIX e

vice-versa.19

Partindo do pressuposto de que a pintura em faux marbre é uma técnica decorativa

que corresponde a um processo de mimese da natureza, a fonte de inspiração para este

gênero de pintura é o modelo natural em si. As características físicas das pedras tais

como coloração, grafismo de veios e grânulos devem ser consideradas. Vejamos como

se apresentam os dois tipos desta prática.

18 FINKELSTEIN, Pierre. The Art of Faux. The Complete Sourcebook of Decorative Painted Finishes. New York: Watson-Guptill Publications, 1997, p.15. 19CANELAS, Manuel Cardoso, pintor/decorador de Patrimônios Históricos, formado pela Escola d’ Avignon especializado em restauração de decorações pintadas, realizou intervenções em Edificios Públicos e privados na França, Inglaterra e Portugal. Fonte:http://pages.artisans-patrimoine.fr

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Figura 10. Restauração de décor em faux marbre. 2005. Detalhe. Société Littéraire de Liège. A composição utilizou os mármores Brecha Branco, Vermelho Royal, Henriette e Grand Antique d’Auber( preto veiado de branco).

4.1. O ESTILO ITALIANO

O Estilo Italiano corresponde a uma técnica mais intuitiva e espontânea, onde não se

prioriza a cópia fiel da natureza. Os mármores pintados podem ser classificados como

“fantasiosos” ou “alusivos”, em função de sua abordagem mais artificial. As

características estilísticas remetem a uma forma teatral, como os mármores pintados

para cenários de peças, óperas, novelas e especialmente aplicados na decoração de áreas

muito extensas. A facture emprega, em geral, o uso da pintura à base d’agua, sobre

fundos sempre claros ou brancos, executada rapidamente e em poucas etapas. Se

observada de perto a pintura apresenta formas mais grosseiras e marcantes, mas a certa

distância o efeito torna-se bastante convincente. Suas características visuais remetem às

decorações pintadas de Pompéia.

4.2. O ESTILO FRANCÊS

Este tipo de facture segue a escola dos ateliers decorativos do século XIX e

caracteriza-se pela cópia do modelo natural. Ao contrário da técnica italiana, o Estilo

Francês dá mais ênfase à reprodução das características físicas, buscando a imitação

tanto pela cor quanto pelo grafismo. As técnicas de execução são mais complexas, com

ao menos três etapas entre camadas de glacis, trabalhadas a óleo. A cor aplicada à base

remete aos tons da pedra imitada e o acabamento final exige a aplicação de vernizes que

acentuam o aspecto da transparência e brilho.

Nos casos das restaurações feitas em decorações

patrimoniais, a questão da escolha da técnica ou facture

utilizada não pode estar desassociada do contexto

histórico da obra, ou ao menos, na falta de documentação

ou fontes acerca da produção da mesma, os

procedimentos escolhidos devem corresponder ao

período da edificação histórica que a abriga. As

intervenções no âmbito da decoração histórica exigem

não apenas um conhecimento amplo de estilos, mas

também da evolução das formas e das técnicas, e,

portanto toda e qualquer decoração mural que demanda

um processo restaurativo deve permanecer num diálogo

verdadeiro com os espaços que outrora foram destinados

a recebê-la.

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4 – ANÁLISE ICONOGRÁFICA

A análise iconográfica a seguir representa o estudo comparativo dos diferentes tipos

de marmorizados encontrados em edifícios históricos da cidade, a partir do qual foi

possível verificar, identificar e definir os critérios formais de uma decoração em faux

marbre do século XIX e início do século XX. Esses critérios são estabelecidos com base

nas características estilísticas coloração/grafismo e composição arquitetural. Foram

selecionados 18 exemplos para esta abordagem:

______________________________________________________________________

1) Casa França Brasil (Antigo Edifício da Alfandega do Rio de Janeiro, Praça do Comércio).

Primitiva construção: início do século XVIII Plano de reconstrução de 1817: Projeto Grandjean de Montigny Arquitetura: Neoclássica Pintura decorativa /características originais: faux marbre branco e cinza na ornamentação das colunas dóricas, de todos os ornatos interiores e no dístico “J. VI e as armas do Reino Unido” localizado nos arcos da claraboia central. Conforme se destaca: “(...) todos os ornatos do interior e as colunas eram pintados fingido mármore”20 e ainda: “Entre os quatro arcos que sustentam esta cúpula se vêem as cifras d´El Rei Nosso Senhor e as armas do Reino Unido sobrepintadas em mármore branco veiado de preto, de que se finge ser composto todo o edifício interior e as colunas”21

Características formais atuais: • A decoração em Faux Marbre original foi

mantida somente nas colunas. • Coloração e grafismo: a pintura foi

reproduzida em tons de base amarelo e veios cinza, alterando a descrição original. O grafismo segue os padrões originais de representação de um mármore veiado, já identificado como a decoração adotada no projeto de 1817.

• Devido às suas características estilísticas simples e à sugestão de um mármore “fantasia”, a técnica utilizada nesta reprodução pertence ao Estilo Italiano.

Figura 11. Pintura decorativa atual.

20 AZEVEDO, Moreira de. “O Rio de Janeiro. Sua história, monumentos, homens notáveis. Usos e costumes”, Volume II, p. 290 -292, 1xxx in: Edificio da Alfandega do Rio de Janeiro, Documento I.RJ – 058. 01, Série Inventário – Rio de Janeiro RJ, Título do Dossiê: Histórico do Bem. IPHAN, Arquivo Central. 21 SANTOS, Luiz Gonçalves dos. “Memórias”. Item 18, p. 751, edição de 1943 in: Mensário do Arquivo Nacional, Março, ano 3, 1979, Documento I.RJ – 058. 01, Série Inventário – Rio de Janeiro RJ, Título do Dossiê: Histórico do Bem. IPHAN, Arquivo Central.

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__________________________________________________________________________________

2) Biblioteca Nacional

Construção: 1905 Inauguração 1910: Projeto Souza Aguiar Arquitetura: Eclética Pintura decorativa /características originais: faux marbre na ornamentação de 48 colunas de ordem compósita e coríntia feitas em alvenaria de tijolo estruturado internamente. Conforme se destaca do Projeto de Restauração do prédio em 1995 : “Em foto de 1910 da inauguração do prédio, a vista da Escadaria Principal mostra as colunas com pintura marmorizada (...)”22 A foto da prospecção estratigráfica (p.61) do fuste da coluna do saguão revela em detalhe um marmorizado em tons amarelo alaranjado com veios finos avermelhados e veios mais escuros e largos: “Atualmente estas colunas encontram-se pintadas com a mesma tonalidade das paredes de fundo das circulações, porém através da iconografia antiga e da pesquisa estratigráfica vê-se que estas colunas eram revestidas por uma pintura a óleo marmorizada.”23

Figuras 12. e 13. Pintura decorativa atual. Características formais atuais:

• Após as intervenções de 1995 as colunas recuperaram integralmente seu aspecto original através de um processo de decapagem das camadas de tinta anteriores e recuperação das partes mais danificadas incluindo bases e capitéis.

• Coloração e grafismo: faux marbre de colorido uniforme amarelo veiado de finas linhas vermelhas e rosadas entrecortadas por veios escuros num tom escuro tendendo ao preto. Alguns veios esbranquiçados.

22 PROJETO DE RESTAURAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL. “Biblioteca Nacional Obra Aberta. Caderno de Especificações Saguão Nobre”, caderno n0 2, BN 00191347-6, 21/09/1995, p. 48. 23 Elementos complementares, Colunas. Idem, p. 24.

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• O aspecto formal revela tratar-se provavelmente da imitação de um mármore do tipo Amarelo Flor. A técnica utilizada sugere o Estilo Francês de pintura decorativa, mais elaborada e mais fiel ao modelo natural.

______________________________________________________________________

3) Centro Cultural Justiça Federal

Construção: 1905 Inauguração 3 de abril de 1909: Projeto Adolpho Moralles

Arquitetura: Eclética

Pintura decorativa /características originais: todos os andares do prédio, halls e corredores, foram decorados originalmente com pinturas murais, conforme se destaca do Jornal do Comércio, 1909: “(...) na construção foram empregados bons materiais. Os assoalhos são todos de peroba, guarabu e canela. Os forros são estucados, outros de aço estampado. As paredes são quase todas decoradas a pincel.”24 Essas decorações parietais foram recuperadas durante restauração em 1995.25 Características formais atuais: Diversas prospecções realizadas no interior do prédio confirmam a decoração parietal em faux marbre de cores e grafismos variados utilizada na ornamentação interior:

• Coloração e grafismo: as prospecções acima sugerem o esquema arquitetural de composição mural, onde são dispostos diferentes tipos de mármores pintados. Observamos que em alguns casos são também pintadas molduras em trompe l’oeil. A Figura 14 representa um mármore do tipo Brecha Violeta, de granulação grande e tonalidade multicolorida. Na Figura 15 a parte superior aparece decorada com um mármore branco de veios cinzentos, muito provavelmente o Branco Veiado; e a parte inferior pouco definida, sugere apenas a imitação de um mármore de coloração vermelho ou brique.

• Aqui a técnica utilizada tende a ser mista, com pinturas a base d’agua e a óleo.

24 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, Restauração – Proposta Preliminar, abril 1994, S959, v.1 – 2, ex. 2, opus cit.: p. 13. 25 Ver Proposta Preliminar de Restauração.

Figura 14. e 15. Prospecções localizadas nas salas anexas ao hall de entrada principal, primeiro pavimento.

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Figura 16. Prospecção localizada na sala anexa ao hall de entrada principal, primeiro pavimento.

Figura 17. e 18. Colunas de estilo coríntio com base e capitel sem caneluras, hall principal e demais andares.

• Coloração e grafismo: na Figura 16 a moldura foi pintada a imitação de outro tipo de brecha, notadamente conhecido como Vermelho Verona. Embora o grafismo seja bastante convincente a coloração real tende mais para o vermelho. Abaixo da moldura observamos claramente a imitação de um mármore tipo Travertino.

• Coloração e grafismo: nas colunas novamente o tom de base amarelo e a coloração dos veios remetem ao mármore Amarelo Flor.

• As colunas do Centro Cultural Justiça Federal são extremamente semelhantes às colunas do prédio da Biblioteca Nacional. Por fazerem os dois edifícios parte do mesmo projeto de modernização da capital fluminense, poderíamos sugerir que ambas as pinturas foram realizadas pelo mesmo pintor/decorador. A técnica utilizada apresenta também semelhança na forma de execução (Estilo Francês).

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25

Figura 19. Pedestal de coluna em faux marbre.

Figura 20. Detalhe da restauração das colunas.

• Coloração e grafismo: na Figura 19 observamos o faux marbre reproduzido nos pedestais das colunas dos demais andares. O grafismo remete a um mármore veiado, mas a coloração tanto do cinzento quanto do claro no interior da moldura é pouco elucidativa em relação ao tipo de pedra imitada.

• A técnica empregada é provavelmente a italiana que aplica a pintura à base d’agua, considerando-se a dureza dos traços e a pouca noção de transparência. Em oposição às colunas, os pedestais representam um faux marbre pouco verossímil.

______________________________________________________________________ 4) Museu da República

Construção: 1858 Inauguração1866: Projeto Carl Friedrich Gustav Waehneldt Arquitetura: Neoclássica

Pintura decorativa /características originais: o palácio foi inteiramente decorado com pinturas murais realizadas desde sua construção para o Barão de Nova Friburgo, as quais passaram por remodelações após 1896 quando o palácio passa a sediar a presidência da república. Atendendo ao caráter estético do ecletismo as pinturas parietais apresentam temas distintos em função das diversas decorações empregadas em cada ambiente. Os principais exemplos encontram-se no segundo andar, espaços de maior sociabilidade como o Salão Nobre, a Salão de Banquetes, Salão Pompeano, Salão Veneziano, além da Capela e Salão Frances. Em 1983 o palácio esteve fechado por seis anos para obras de reformas e restaurações de suas estruturas, decorações e acervos. Características formais atuais: As decorações em faux marbre são inúmeras, praticamente em todos os espaços do andar nobre. Embora tenha sido representado um tipo de mármore para cada ambiente, sua aplicação se restringe quase sempre aos lambris das paredes, compondo o tradicional esquema arquitetural de divisão de painéis. A área nobre recebe as decorações temáticas e luxuosas.

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Figura 22 e 23. Faux marbre pintado no interior das molduras da parte inferior do apainelado de madeira da Capela.

Figura 21. Faux marbre pintado no interior das molduras decorativas. Parte inferior das paredes do Hall da Escadaria.

• Coloração e grafismo: a Figura 21 mostra um marmorizado de tons ferrosos como o marrom e o brique sobre um fundo ocre. O aspecto formal sugere o tipo Brecha Africano entrecortado por alguns veios.

• A decoração representa uma imitação marmorizada pouco convincente, de aspecto duro e artificial. O apelo mais sugestivo remete a técnica italiana de pintura.

• Coloração e grafismo: as Figuras 22 e 23 mostram a pintura de dois tipos de mármore usados em uma composição harmoniosa de cores: vermelho e verde. Ambos os mármores veiados são representações claras do Vermelho Alicante e Verde do Mar.

• A imitação bastante convincente e natural é característica da técnica francesa que emprega a pintura a óleo.

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Figura 24. Faux marbre pintado no lambri do Salão Pompeano.

Figura 25. e 26. Faux marbre da Galeria dos Vitrais.

• Coloração e grafismo: na Figura 24 destacamos a combinação de dois tipos de mármores de cores e grafismos bem executados, o Portor na moldura de roda-meio e o Verde Antigo cobrindo toda a extensão do lambri da sala do Salão Pompeano.

• Também neste caso a pintura foi executada com a técnica francesa, provavelmente mesclando algumas partes a óleo e a base d’agua.

• Coloração e grafismo: na Figura 25 (embora o ambiente esteja na penumbra e a coloração pareça mais escura) o faux marbre executado em tons de bege com veios mais escuros provavelmente representa o mármore Paonazzo. A pintura aplicada entre molduras aparece ornamentando toda parte superior das paredes; enquanto na Figura 26 o mesmo faux marbre decora toda a parte inferior abaixo do roda-meio. No rodapé, a imitação fica por conta de um mármore avermelhado, mas sem uma representação específica.

• Novamente a pintura foi executada com a técnica francesa, provavelmente mesclando algumas partes a óleo e a base d’agua.

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Figura 27. Faux marbre do Salão de Banquetes.

• Coloração e grafismo: na Figura 27 a representação do mármore (na verdade um calcário) Griotte da Italia é perfeita tanto do ponto de vista da cor quanto do grafismo (malha uniforme de pequenos grânulos vermelhos envolvidos pela massa negra da rocha). A decoração se estende ao longo de todo lambri do salão, enquanto o roda-meio e o rodapé completam o conjunto com a pintura de um mármore Portor.

• Ambos são bem elaborados sugerindo a técnica francesa de pintura decorativa.

Figura 28. Faux marbre do Salão Veneziano.

• Coloração e grafismo: o mármore representado na Figura 28 é provavelmente um Brecha Vermelho com algumas partes de aparência granular entrecortadas por veios esbranquiçados. O faux marbre do rodapé se assemelha bastante ao tipo Vermelho Bizantino de coloração escura e marrom com veios pretos.

• Também neste caso a pintura é indicativa da técnica francesa de imitação de falsos materiais.

Figura 29. Faux marbre do Salão Francês.

• Coloração e grafismo: a Figura 29 apresenta um marmorizado de cores e formas pouco definidas, atendendo mais às exigências estéticas da decoração em tons pálidos do estilo Luiz XV de toda a sala. A coloração do faux marbre tende ao cinza claro, escuro e rosado, conferindo ao conjunto um aspecto delicado, mas artificial.

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Figura 30 e 31. Faux marbre pintado em todo o saguão da entrada principal.

• Coloração e grafismo: o Hall de Entrada é inteiramente decorado com um faux marbre branco veiado de cinza escuro, morfologia típica do mármore Branco Veiado ou Branco Brecha ou Carrara e sua aplicação define a decoração de toda parte superior da parede.

• A suavidade da técnica e o aspecto extremamente real da pintura são características do Estilo Francês de pintura decorativa.

______________________________________________________________________

5) Edifício da Superintendência do IPHAN

Construção: 1905 Inauguração1908: Projeto Ramos de Azevedo Arquitetura: Eclética

Pintura decorativa /características originais: Internamente, o hall de entrada foi decorado com pinturas parietais, de autoria do alemão Benno Treidler, destacando-se além do medalhão do teto e friso decorativo pintado com ornamentos característicos do renascimento francês (puttis e folhagens espiraladas), o faux marbre em toda área da parede logo abaixo do friso. Características formais atuais:

• Coloração e grafismo: o faux marbre multicolorido do hall de entrada abrange uma área de grandes proporções, já que neste caso não se restringe apenas ao lambri da parte inferior da parede. Apresenta a massa de uma coloração bege/rosada com nuances azulada, sugerindo a imitação de um mármore Sarrancolin. O grafismo o classifica como um mármore do tipo brecha.

• Neste caso em particular conhecemos a autoria das pinturas executadas por um artista/decorador alemão. A técnica aplicada é característica da escola ou do Estilo Francês.

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Figura 32 e 33. Faux marbre do hall de entrada do antigo prédio da Cia. Docas de Santos.

Figura 34. Faux marbre pintado no corredor da ala de serviço.

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6) Casa de Rui Barbosa

Construção: 1850 Aquisição: 1893 Arquitetura: Neoclássica

Pintura decorativa /características originais: assim como ocorre com a decoração interna dos demais ambientes da residência que não possuem registros exatos de sua aparência quando da construção do imóvel,26 o faux marbre do corredor da ala de serviço não oferece nenhuma informação descritiva ou documentação escrita e iconográfica acerca de sua originalidade ou do período de sua produção.

26 REIS, Claudia Barbosa. Álbum de Objetos Decorativos. Rio de Janeiro: Fundação casa de Rui Barbosa, 1997, p. 9-11.

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Figuras 35. 36. e 37. Exemplos do Estilo Italiano de faux marbre, Casa de Faunes, Pompéia (figura 35); marmorizado cinza-rosado e marrom-esverdeado (figuras 36 e 37).

Características formais atuais: • Coloração e grafismo: a pintura representa a imitação de dois tipos de mármore

de cores e desenhos bem distintos, inseridos dentro de um esquema arquitetural de divisão horizontal da parede, ocupando assim os 67m2 de área. Embora esse sistema seja historicamente recorrente, conforme observamos no início deste relatório, as características formais de ambas as representações não se assemelham a nenhum tipo de mármore, calcário ou granito utilizado nas decorações analisadas, ou nos modelos praticados pelas escolas francesas e inglesas do século XIX (quadro p.14 e 15). A palheta de cores foi escolhida aleatoriamente, já que as colorações são pouco definidas. O grafismo é artificial, sugerindo muito vagamente a configuração de um mármore do tipo brecha (na parte superior), e outro veiado (na parte inferior).

• Como vimos, este gênero de representação é classificado como “fantasia” e é característico do Estilo Italiano de pintura decorativa. Em geral, os mármores deste estilo priorizam o efeito final obtido, portanto não há um rigor de cores e formas, mas sim de composição, como no caso do exemplo estudado. A enorme superfície da parede foi dividida em blocos de pequenas dimensões (em proporção a área total trabalhada), o que favorece a pintura com solvente a base d’água.

A análise das características formais atuais do faux marbre da ala de serviço, nos

indica que é impossível associá-lo a algum tipo de mármore existente, mas podemos

determinar uma tipologia formal como coloração escura e grafismo granular na parte

superior e coloração clara e grafismo veiado na parte inferior. Por outro lado, o estudo

comparativo dos 17 exemplos apresentados anteriormente aponta desde já para uma

tendência clara no que diz respeito à utilização recorrente de determinados tipos de

marmorizados nas decorações fluminenses, tanto na arquitetura neoclássica como na

eclética.

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Estes modelos nos permitem criar uma tabela de amostras seletivas que atuará como

instrumento essencial de trabalho através de duas diretrizes básicas: fornecer dados

estilísticos com relação a tonalidades, grafismo e estrutura mais condizente com as

características do modelo atual; e destacar tipos de faux marbre do repertório decorativo

do século XIX que aparecem também nas decorações vistas anteriormente.

FAUX MARBRE Seleção de Amostras

ASPECTO FORMAL ESTILÍSTICO

EMPREGO DECORATIVO

Amarelo Flor

Mármore sedimentar de massa amarela pálida de estrutura bastante regular formando uma rede de veios avermelhados muito finos e sinuosos. Procedência: Pratz, Franche-Comté, França.

Mármore bastante empregado nos estilos Luiz XV e Luiz XVI e também nas decorações modernas onde predominam as nuances claras e quentes. Também aplicado em detalhes de pequenos móveis.

Amarelo de Siena

Mármore de massa amarelada de granulação muito fina, desenhada por veios oblíquos escurecidos e veios brancos que se dirigem em geral no mesmo sentido. Procedência: Siena, Toscana.

Utilização muito conveniente para ambientes pouco iluminados. Bastante empregado nos séculos XVII e XVIII, mas, sobretudo no Estilo Império em combinação com os mármores cinza e verdes claros.

Brecha Branco

Mármore de coloração branca e cinza que apresenta granulação bastante alongada, seguindo sempre o mesmo sentido, criando assim o aspecto veiado. Procedência: Lucca, Toscana; Pirineus, St. Beat.

Mármore de grandes superfícies, tratado em painéis ou entre molduras. Muito utilizado nos corredores das escadas, verdadeiro ou pintado, sobretudo no fim do século XIX e inicio do século XX.

Paonazzo

Mármore de fundo creme com veios escuros, largos e fortes, formando um desenho alongado e seguindo sempre um mesmo sentido. Procedência: Bettogli, Torano, Vallini, Crestola.

Particularmente, o Paonazzo é muito bem empregado na decoração de superfícies de grandes áreas, mas também em colunas, pilastras e lareiras.

Brecha Violeta

Mármore de massa homogenia de coloração violeta, amarela, branca e esverdeada, formando granulações grandes e pequenas por linhas violetas mais escuras. Em algumas partes a tonalidade tende ao cinza. Procedência: Serravezza, Carrara.

Explorado somente a partir do século XVIII, este mármore somente não deve ser empregado nos estilos anteriores ao Luís XIV. Indicado para os espaços mais visíveis dos vestíbulos ou em colunas.

Verde Mar

Mármore brecha composto por fragmentos de mármore preto entrecortado por uma rede de veios brancos e verdes claros e escuros. Procedência: Pietra Lavezzara, Genes.

Praticamente todos os estilos antigos e modernos (sobretudo Império) fazem uso do Verde Mar, em função da coloração e grafismo que se harmonizam facilmente com qualquer decoração e composição.

Verde Antigo

Brecha calcária de fundo verde com cristalizações brancas e granulações múltiplas que vão do preto profundo ao verde claro. Procedência: Cassabola, Grécia.

Em geral aplicado às decorações mais suntuosas de palácios, igrejas e boutiques de luxo. Raramente utilizado em superfícies muito grandes, sendo mais encontrado em colunas, medalhões, lambris de fachadas.

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Figura 38. Amostra de esquema arquitetural da parede marmorizada.

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A tabela da página 32 agrupa sete tipos de mármore que podem ser considerados

como modelos característicos do faux marbre da técnica francesa de pintura decorativa

em voga no século XIX. Com base no padrão decorativo atual do corredor de serviço, a

Figura 38 simula o esquema arquitetural da parede marmorizada, onde na seção superior

(espaço nobre da parede e área de maior dimensão) a ornamentação fica por conta da

pintura do mármore Brecha Violeta. O lambri ou seção inferior recebe pintura imitativa

do Amarelo Flor. Podemos concluir que essa concepção corresponde rigorosamente à

tipologia dos elementos componentes originais: coloração escura e grafismo granular

(brecha) na parte superior, coloração clara e grafismo veiado na parte inferior.

O objetivo desta categoria de avaliação foi o de estabelecer uma orientação

preliminar no ambito da investigação histórica do objeto, o que constitui uma etapa

indispensável ao processo. A interpretação dos dados daí obtidos deve ser confrontada

com as informações das demais fontes, que compreendem a verificação acerca das

intervenções realizadas em 1986, a sondagem feita através das prospecções parietais e

ainda devemos considerar a análise do estado de conservação da parede que suporta a

pintura, identificando as patologias e os fatores de degradação, neste caso causados pela

ação de elementos externos.

5 – INTERVENÇÃO DE 1986

Outro ponto importante investigado é o último grande trabalho de restauro da Casa

de Rui Barbosa. As obras de recuperação realizadas em 1986 priorizaram a restauração

da ala de serviço, a qual passaria a integrar o circuito de visitação do museu. Embora

outras reformas ao longo dos anos desde 1928 tenham tratado do item “pintura” (1949 –

restauro de pintura de toda a casa; e 1976 – pintura da fachada da ala lateral da casa e da

ala de serviço), a intervenção de 1986 foi a responsável pelas características formais

atuais da pintura em faux marbre do extenso corredor. Segundo o relatório do PRPPC

acerca do programa de serviços a serem executados, destacamos:

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“O programa de serviços objeto da intervenção compreende, além dos serviços de restauração stricto sensu que são as obras de manutenção do monumento, outras obras que visam a transformação ou criação de novas áreas de trabalho. Estas obras foram agrupadas por fins administrativos em três categorias: recuperação da ala de serviço, serviços de manutenção, acréscimo de áreas.” 27

O relatório faz descrições bem precisas em relação às pinturas murais do corredor da

área social e da Sala Bahia, mas não aborda com a mesma atenção a decoração da ala de

serviço, apesar da enorme área que esta ocupa. Destacaremos a seguir os únicos relatos

técnicos relativos à pintura marmorizada durante o andamento da reforma:

“Obras executadas/Revestimentos: remoção total da argamassa de suporte da pintura

marmorizada da parede do corredor, com proteção de um trecho para posterior reprodução da pintura. Execução da nova argamassa aparelhada e reforço da argamassa de assentamento da alvenaria de pedra nos trechos desagregados e remoção das demais argamassas desagregadas com restauração de trincas e rachaduras, lixamento geral e preparo para pintura. Pintura: execução da nova

pintura marmorizada do corredor. Nos serviços de pintura foram mantidas as mesmas características de cor e textura existentes.”28

Observamos que nenhuma informação relevante referente às características formais

do faux marbre é acrescentada. A ausência de registros fotográficos anexados ao

relatório das obras colabora para as lacunas informativas a respeito da pintura em

questão. Podemos concluir, a partir das descrições metodológicas apresentadas na

Publicação do PRPPC, que o marmorizado existente hoje, apesar da técnica pictórica de

baixa qualidade, é uma reprodução consistente da pintura existente anteriormente.

Esperamos poder confirmar tal expectativa a partir do diagnóstico obtido com a

estratigrafia de superfície ou prospecção parietal, processo esse que pretende resgatar a

visibilidade seccional do trecho preservado na parede. Ressaltamos a importância desse

instrumento de apoio, sobretudo no contexto de escassez de dados preliminares da obra

a ser restaurada.

Devemos apontar ainda que a reforma de 1986 foi realizada pela empresa de

restauração Belas Artes Vidros, que contatada recentemente através de seu

representante responsável, não atendeu as expectativas esperadas com relação a outras

informações que pudessem elucidar as dúvidas presentes.

27 PUBLICAÇÃO PRPPC. Restauração da Casa de Rui Barbosa Estudo n0 066, Relatório n0 27, Obras- Museus, 1986, volume 1, p .11, Caixa 560, Pasta 2297. 28 PUBLICAÇÃO PRPPC, idem, p. 21.

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6 – PROSPECÇÕES

Os trabalhos de sondagem da superfície parietal do corredor da ala de serviço

objetivaram prioritariamente a visualidade do trecho de parede contendo amostra da

pintura antecedente. Segundo relatos e depoimentos diversos, existiria uma amostra sob

a camada pictórica feita durante as obras de 1986, e, portanto interessava-nos investigar

se a paleta cromática e o grafismo do marmorizado anterior correspondia as

característica formais da pintura atual. Com o intuito de obter tais informações optamos

pela adoção do método da estratigrafia de superfície, por julgá-lo fundamental aos fins

exigidos.

Para alcançar o diagnóstico esperado, as investigações iniciaram-se com a execução

de faixas estratigráficas, ou seja, com a abertura de pequenos quadrinhos sequenciais

indo da superfície de tinta visível até a argamassa que serve de suporte à pintura. Em

vários pontos observamos que abaixo da camada de tinta atual se encontra apenas a

última argamassa refeita e em um único ponto foi identificada a amostra preservada do

marmorizado anterior.

O que pudemos constatar de imediato foi o fato de que as duas camadas pictóricas, a

antiga e a última, são exatamente iguais em termos de coloração e grafismo dos veios

representados. Os resultados obtidos com as diversas aberturas e com a “janela” de

visualização vêm a confirmar que qualquer projeto decorativo que houvesse

anteriormente não pode mais ser recuperado, fosse este semelhante ou distinto dos dois

últimos. Logo, classificaremos como “pintura original” a camada de tinta existente na

amostra mantida como referência durante os trabalhos de restauro de 1986, já que não

foram encontrados nem mesmo vestígios de argamassas e pinturas categorizadas como

“antigas” ou “originárias de períodos anteriores”.

O resultado e o diagnóstico do processo de sondagem do material analisado feito

pela restauradora Elisabete Grillo encontram-se descritos no relatório em anexo a este

documento.

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7 – PATOLOGIA DA CONSTRUÇÃO

Neste item apontaremos para uma questão de extrema importância no que diz

respeito à estética, estabilidade e principalmente à durabilidade dos materiais

componentes do revestimento interno da parede analisada. Antes mesmo de se pensar

nas soluções adequadas para a recuperação da pintura decorativa, então bastante

danificada, é necessário abordar a priori a problemática do próprio suporte que abriga a

pintura, ou seja, a parede que em 1986 já apresentava sintomas de deterioração

similares. Segundo o engenheiro Norberto Lichtenstein, problemas de ocorrência

sistemática que danificam as estruturas dos edifícios recebem a denominação de

patologia da construção:

(...) Os problemas patológicos normalmente são provocados por agentes agressivos, aos quais o edifício não é capaz de se adaptar de pronto no momento oportuno. Entre vários edifícios expostos as mesmas condições de exposição alguns passam apresentar problemas patológicos. (...) Denomina-se predisposição a especial tendência de um edifício sofrer uma queda de desempenho sob a ação de determinados agentes agressivos. (...) A atuação de agentes agressivos com atuação maior que a resistência do edifício ou sua parte causa o problema patológico.29

Em seu ensaio técnico a respeito da questão, Lichtestein propõe uma metodologia de

investigação e atuação para todo procedimento de intervenção em casos de edifícios que

apresentam danos patológicos. Não pretendemos apresentar aqui proposta de aplicação

metodologica para este caso, pois tal procedimento é inteiramente restrito aos setores

competentes e especializados, mas torna-se fundamental uma abordagem paralela do

assunto, afim de que possamos prosseguir com as análises e posteriores conclusões de

nosso laudo técnico final.

No caso estudado, a parede do corredor de serviço apresenta grandes áreas onde já

não é possível mais visualizar nem mesmo a argamassa da superfície, estando o reboco

completamente aparente (Figura 39 e 40). A reconstituição pictórica seria total nestes

locais. Estas partes estão concentradas em geral no alto, logo abaixo do forro, o que

apontou para a natureza dos problemas ocasionados pela penetração de umidade na

edificação. Essa umidade por sua vez é provocada por manifestações externas como

chuvas e ventos que atingem diretamente a empena lateral (também aplacada

diariamente pela incidência do sol matinal), levando ao desgaste da estrutura que acaba

29 LICHTESTEIN, Norberto. Patologia das Construções. Procedimento para diagnóstico e recuperação. Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, Departamento de Engenharia Civil, Boletim Técnico, 06/86.

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Figura 39 e 40. Detalhe da argamassa comprometida no extremo esquerdo superior da parede.

por sofrer com a umidade ou infiltração proveniente do telhado e com a própria água da

chuva que se precipita diretamente contra a parede.30

Do ponto de vista do revestimento interno da parede as consequências são

evidentes: o estado de perda total do material pictórico nas partes mais atingidas e a

presença de duas grandes trincas verticais da alvenaria no terço esquerdo da parede,

provocadas provavelmente pela expansão dos tijolos por absorção de umidade

(movimentações higroscópicas de tijolos e solo-cimento).31 Esses dois sintomas nos

permitem afirmar que a umidade provoca uma patologia que se manifesta através dos

estragos já mencionados.

Tais fenômenos patológicos estão intrinsicamente

ligados aos fatores externos e, portanto passíveis de uma

manifestação recorrente, o que nos impõe a necessidade de

avaliar o problema como um fato sistemático, que embora

sanado no presente, possa vir a manifestar-se novamente no

futuro.

Figura 41. Detalhe da trinca.

30 Sobre este assunto ver: Souza, Marcos Ferreira. Patologias ocasionadas pela umidade nas edificações. Avaliações e Perícias, Escola de Engenharia da UFMG, Belo Horizonte, 2008. 31 Idem.

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8 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

LAUDO TÉCNICO E PROPOSTA DE INTERVENÇÃO

Um projeto de restauro se define em sua maior parte pelo conhecimento do objeto

através de documentos originais, desenhos, levantamentos fotográficos sistemáticos,

arquivos documentais de reformas anteriores, mas também através da pesquisa histórica

e dos trabalhos de prospecção. No caso do corredor da ala de serviço, o que não foi

possível constatar devido à ausência de documentação iconográfica acessível mas é de

fato imprescindível refazer, nos direcionou a obter as informações essenciais através dos

dois últimos recursos citados.

Da antiga ambientação deste espaço, quando Rui Barbosa adquiriu o imóvel e

posteriormente executou melhorias, menos ainda se sabe, sendo, portanto impossível

avaliar a quantidade e qualidade das modificações ornamentais que interviram na

extensa parede. Muito provavelmente foram inúmeras, se considerarmos que a ação

maléfica dos agentes naturais externos sempre existiu. Esta hipótese nos leva a crer em

alterações periódicas ocorridas no passado na área do corredor de serviço, das quais não

se tem registro documental, principalmente no caso de uma construção do século XIX.

Outra hipótese a ser considerada é o fato de que o espaço em questão, restrito aos

empregados e aos serviços domésticos, não era, nem no período imperial nem no

republicano, uma área beneficiada com qualquer tipo de embelezamento, sobretudo um

marmorizado aplicado a uma parede de grandes dimensões. Neste caso podemos

concluir que o faux marbre do corredor provavelmente não representa parte de um

conjunto decorativo da construção neoclássica, mas pode ser procedente de momentos

mais recentes.

Hoje, esta parede apresenta um elevado grau de alterações, conforme apontado no

item anterior (páginas 37 e 38), com elementos decorativos faltantes em função do

processo destrutivo da última argamassa, inteiramente refeita na intervenção de 1986.

Pelo seu estado de conservação atual e pelos seus danos, seria mesmo necessário inferir

algumas soluções objetivas visando a melhor forma de recuperação da obra. Ao se

pensar em uma proposta de intervenção adequada, consideramos fundamental avaliar

uma visão de conjunto sobre a sistematização de todos os dados apontados neste

documento, propiciando um restauro mais condizente com as características decorativas

dos demais ambientes que compõem a residência. Vale ressaltar que os recintos mais

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suntuosos da casa apresentam seus tetos e paredes ornamentados com belas pinturas

decorativas, e que, portanto este foi provavelmente um recurso estético muito apreciado

por Rui Barbosa e sua família.

O presente relatório, enquanto instrumento de trabalho analítico e operacional, define

a seguir os procedimentos a serem aplicados, constituindo assim os seguintes critérios

de intervenção:

1. Correção das patologias que afetam a parede e que são decorrentes de

mecanismos externos. As políticas de proteção visando evitá-las devem estar

constantemente sendo executadas, e se ainda assim as patologias de umidade

vierem a danificar o patrimônio, as soluções no âmbito da restauração parietal

devem ser as mais simplificadas e menos custosas possíveis, já que o problema

tende a ser recorrente alcançando os setores administrativos futuros que atuarão

nos programas de conservação do museu.

2. Em função da qualidade estética inferior e da técnica italiana mal executada da

pintura atual adotamos a criação de um “modelo indicativo” preservando os

valores de concepção e de materialidade existentes na decoração antiga. A nova

pintura será realizada através técnica do Estilo Francês; e fundamentada nos

critérios estéticos de uma decoração parietal em faux marbre do século XIX e

início do século XX, da configuração arquitetônica da ornamentação atual e da

amostra visual remanescente da “pintura original” obtida nas prospecções. Os

mármores a serem imitados são o Brecha Violeta nos painéis da parte superior e

o Amarelo Flor cobrindo o lambri inferior.

3. Este modelo poderá, a partir da data presente, servir como suporte para eventuais

intervençõe que possam se fazer necessárias futuramente. Será adotada uma

configuração visual distinta da atual apenas na parte superior da parede para que

os pontos mais afetados por infiltrações (áreas onde será aplicada pintura a liso)

possam ser facilmente refeitos sempre que necessário, mantendo inalterado o

restante da pintura decorativa (ver amostra da Figura 42).

4. A parte superior da parede que receberá pintura a liso seguirá uma tonalidade de

cor clara a ser posteriormente determinada com base na coloração dos

mármores pintados e na paleta de cores do piso de azulejo hidráulico.

5. Será mantida in situ a “janela” de visualização como testemunho dos

marmorizados anteriores.

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A amostra a seguir representa a pintura decorativa em faux marbre, proposta

segundo os critérios acima apresentados:

Figura 42. Amostra da proposta de decoração em faux marbre da ala de serviço.

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Figura 43. Área de passagem entre os dois ambientes.

Ainda com base nos critérios operacionais deste projeto, procuramos considerar

ainda duas outras propostas de restauro semelhantes a já apresentada, mas de execução

mais simplificada:

1. O marmorizado existente será mantido

somente no lambri inferior (área menos

agredida pela umidade) e suas partes

comprometidas serão reintegradas com

pintura imitativa das tonalidades e veios

originais. A parte superior da parede receberá

pintura a liso acrílica fosca branca. Será

mantida in situ a “janela” de visualização

como testemunho dos marmorizados

anteriores. Adotamos nesta opção uma

adaptação na qual há uma continuidade do

modo decorativo na passagem de um ambiente

para outro (Figura 43).

Pintura a liso na seção superior na parede

“Janela” de visualização do marmorizado da seção superior

Marmorizado inferior restaurado

Rodapé

Figura 44. Amostra da proposta de decoração em faux marbre da ala de serviço.

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2. Toda a área da parede será refeita com nova argamassa, seladora, seguida de

massa acrílica e inteiramente pintada com tinta acrílica fosca branca, mantendo

in situ a “janela” de visualização das camadas estratigráficas como testemunho

dos marmorizados anteriores.

Pintura a liso em toda extensão da parede

“Janela” de visualização das pintuas anteriores

Rodapé

Figura 45. Amostra da proposta de decoração em faux marbre da ala de serviço.

As três amostras apresentadas neste documento foram fundamentadas nos princípios

que definem as obras em bens tombados e que seguem critérios adotados em todo o

mundo. Em nossa análise cautelosa procuramos definir a abordagem deste projeto

mantendo sempre o foco na premissa conservação/restauração e na maneira correta de

se realizar as obras, com adaptações necessárias, mas sem ocultar indícios materiais e

históricos do artefato. Buscamos adotar também intervenções menos custosas e por esta

razão não foi considerada a possibilidade de uma reintegração total do marmorizado em

toda a área da parede.

As etapas que se seguem, ou seja, a execução da obra propriamente dita deve ser

administrada preferencialmente por uma equipe multidisciplinar, orientada e fiscalizada

por profissionais habilitados, e devidamente documentada por um “diário de

restauração” em cada uma de suas fases.

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Devemos finalmente lembrar que a proposta apresentada não pode estar desvinculada

da problemática das patologias de umidade da parede. O plano de conservação deste

espaço do museu deve estar associado a um projeto de restauração preventivo,

objetivando sempre a possibilidade de uma intervenção mínima. Por este motivo, as

soluções apresentadas visaram favorecer a manutenção e conservação das áreas do

entorno, sobretudo as partes junto ao forro, mais vulneráveis aos problemas de

infiltrações. Paralelamente, buscamos salvaguardar a materialidade da “pintura original”

e respeitar a concepção de toda decoração do corredor da ala de serviço. Conforme se

destaca do Parágrafo do Artigo 70 da Carta do Restauro de 1972:

“(...) admitem-se as seguintes operações ou reintegrações: (...) recomposição de obras que se tiverem fragmentado, assentamento de obras parcialmente perdidas reconstruindo as lacunas de pouca identidade com técnica claramente distinguível ao olhar ou com zonas neutras aplicadas em nível diferente do das partes originais, ou deixando a vista o suporte original (...)”32

Especificamente no caso da pintura mural ressaltamos ainda um trecho do Parágrafo

2 do Artigo 5, Restauração e Conservação do Tratado sobre Pintura Mural:

(...) As restaurações precedentes, os acréscimos de camadas pictóricas cobrindo camadas mais antigas fazem parte da história da pintura mural. Elas devem ser consideradas como testemunhos de interpretações e analisadas de maneira crítica.33

O objetivo central desta proposta de intervenção é apresentar uma solução

consiliadora entre a recuperação das partes completamente destruidas e a

reintegração estética da forma e do conteúdo de todo conjunto decorativo,

respeitando a criação original, ainda que sua autenticidade histórica não possa ser

comprovada. Acima de tudo, enfatizamos as questões pertinentes aos problemas que

afetam o bem-estar e a infra-estrutura da obra e que estes devem ser permanentemente

orientados com vista a serviços de manutenção. A melhor forma de preservação de uma

pintura mural decorativa é a perene conservação do suporte que a sustenta, ou seja: a

parede. Os cuidados constantes, os olhares atentos e o trabalho preventivo são os

agentes que alongarão a existência e integridade material e artística de uma decoração

parietal.

32 Idem, Carta do Restauro, p. 3. 33 Idem, Príncipes pour la Préservation et la Conservation, Restauration des Peintures Murales, p.11.

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9 – BIBLIOGRAFIA

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