3– principais obras e actividades de engenharia … · evitar a entrada de peixes no circuito;...

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Aproveitamentos Hidroeléctricos Curso de Engenharia Civil 3.1 3– PRINCIPAIS OBRAS E ACTIVIDADES DE ENGENHARIA CIVIL NO ÂMBITO DA HIDROELECTRICIDADE 3.1– Introdução Os principais componentes de um aproveitamento hidroeléctrico são os seguintes: – Obras de retenção ou de sobreelevação no rio; obras transversais a construir no curso do rio, por forma a criar um armazenamento forçado das águas (albufeira) e/ou a criar uma sobreelevação no nível da superfície livre, por forma a possibilitar a derivação do caudal a turbinar; são as obras designadas por barragens OU açudes (estes últimos sendo de pequena altura e facilmente galgáveis em época de cheia); – Obras de derivação do caudal a turbinar na central hidroeléctrica; podem ser isoladas ou estar incorporadas na barragem; estes orgãos devem permitir a entrada no circuito hidráulico da central e estas movidas de equipamento adequado para protecção contra a entrada de material sólido que possa danificar a turbina, ou de dispositivos para evitar a entrada de peixes no circuito; – Obras de adução da água derivada para os grupos turbo-geradores (instaladas na central) e de restituição , a jusante dos grupos turbo- geradores, para um curso de água; estas obras compreendem a parte principal do circuito hidráulico ; a adução pode ser parcialmente realizada em superfície em canais de secção aberta ou de secção fechada (galerias), seguindo-se um trecho em pressão (conduta forçada), ou ser totalmente em pressão (galeria e conduta forçada ou só conduta fechada); – Obras especiais de protecção e segurança, nomeadamente descarregadores de cheias e de emergência, chaminés de equilíbrio para protecção contra o golpe de aríete em circuitos em pressão, câmaras de carga para controlo do nível de água nos canais de adução em superfície livre, dispositivos de retenção de material sólido no circuito hidráulico, descargas de fundo, etc...

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Aproveitamentos Hidroeléctricos Curso de Engenharia Civil

3.1

3– PRINCIPAIS OBRAS E ACTIVIDADES DE ENGENHARIA CIVIL NO ÂMBITO DA HIDROELECTRICIDADE

3.1– Introdução

Os principais componentes de um aproveitamento hidroeléctrico são os seguintes:

– Obras de retenção ou de sobreelevação no rio; obras transversais a construir no curso do rio, por forma a criar um armazenamento forçado das águas (albufeira) e/ou a criar uma sobreelevação no nível da superfície livre, por forma a possibilitar a derivação do caudal a turbinar; são as obras designadas por barragens OU açudes (estes últimos sendo de pequena altura e facilmente galgáveis em época de cheia);

– Obras de derivação do caudal a turbinar na central hidroeléctrica; podem ser isoladas ou estar incorporadas na barragem; estes orgãos devem permitir a entrada no circuito hidráulico da central e estas movidas de equipamento adequado para protecção contra a entrada de material sólido que possa danificar a turbina, ou de dispositivos para evitar a entrada de peixes no circuito;

– Obras de adução da água derivada para os grupos turbo-geradores (instaladas na central) e de restituição, a jusante dos grupos turbo-geradores, para um curso de água; estas obras compreendem a parte principal do circuito hidráulico; a adução pode ser parcialmente realizada em superfície em canais de secção aberta ou de secção fechada (galerias), seguindo-se um trecho em pressão (conduta forçada), ou ser totalmente em pressão (galeria e conduta forçada ou só conduta fechada);

– Obras especiais de protecção e segurança, nomeadamente descarregadores de cheias e de emergência, chaminés de equilíbrio para protecção contra o golpe de aríete em circuitos em pressão, câmaras de carga para controlo do nível de água nos canais de adução em superfície livre, dispositivos de retenção de material sólido no circuito hidráulico, descargas de fundo, etc...

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3.2

– Edifício da central hidroeléctrica, onde estão instalados os equipamentos de conversão energética (turbinas e geradores), quadros eléctricos de comando e automatismo, etc...

– Obras de protecção ambiental, nomeadamente barragens de peixes e estruturas de remoção de material sólido;

– Obras de acesso (estradas, pontes, etc...)

– Obras de ligação da central à rede eléctrica (subestação);

– Edifício de comando.

As características de cada componente e do conjunto são muito variáveis e dependem das características locais (topográficas, geotécnicas e hidrológicas), dos condicionamentos locais (zonas a preservar, vias de comunicação, etc...), da potência a instalar, da função e do tipo de exploração do aproveitamento.

O conjunto de maior impacte é a barragem e albufeira caso exista. A importância deste impacte é, regra geral, função do volume de água que pode ser armazenado na albufeira, o qual determina, para cada local, a altura da barragem e a área inundada para montante.

3.2– Tipos de obras

Nas Figuras 3.1 a 3.4 apresentam-se quatro tipos de aproveitamentos hidroeléctricos:

– Figura 3.1: exemplo de aproveitamento com a central colocada imediatamente a jusante da barragem (central pé-de-barragem); a barragem é de gravidade em betão; a tomada de água está incorporada na barragem e o circuito compreende uma conduta forçada por turbina; cada turbina é do tipo reacção com eixo vertical e restituição directa ao rio através do difusor; um muro separa a zona de descarga do evacuador de cheias da zona de restituição das turbinas por forma a permitir uma relativa tranquilização do nível de superfície livre (evita oscilações de queda). Exemplo em Portugal: Castelo de Bode no rio Zêzere ou Aguieira no rio Mondego.

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3.3

– Figura 3.2: exemplo de aproveitamento com a central incorporada na barragem; esta compreende assim uma zona em não galgável, uma zona galgável, em betão, que compreende o descarregador de cheias com bacia de dissipação a jusante; e uma zona que compreende a central hidroeléctrica; neste caso o circuito hidráulico é muito reduzido: a tomada de água confunde-se com a conduta forçada; um pórtico colante permite a movimentação de comportas; no exterior da zona da central pode observar-se um transformador. Exemplo em Portugal: os aproveitamentos a fio-de-água no rio Douro (Crestuma-Leve, Régua, Pocinho, etc...) e no rio Tejo (Fratel e Belver) possuem a central incorporada mas a barragem é em betão.

– Figura 3.3: exemplo de aproveitamento constituído por barragem ou açude (1); canal de adução em superfície livre (2); câmara de carga (3) com descarregador e evacuador de emergência (4); central afastada do local da barragem (5); restituição directa para o rio (6); três condutas forçadas (7) e albufeira (8); este esquema é típico em pequenos aproveitamentos hidroeléctricos de alta e média queda. Exemplos em Portugal: aproveitamentos mini-hídricos na Serra da Estrela (Penteadora) e na Região Autónoma do Funchal (Empresa de Electricidade da Madeira).

– Figura 3.4: exemplo de aproveitamento com a central afastada e circuito hidráulico totalmente em pressão constituído por galeria em pressão, chaminé de equilíbrio e condutas forçadas a montante da central; central e restituição directa no rio. Exemplos em Portugal: aproveitamento do Terragido, em Vila Real (Hidrocorgo); aproveitamento do Caldeirão (EDP), no rio Mondego (Guarda), equipado com um grupo de 38MW (queda de 193 m e caudal turbinado de 23m3/s).

Em alguns aproveitamentos os esquemas gerais são semelhantes, mas apresentam diferenças em função das características e condicionamentos locais:

– Figura 3.5: o aproveitamento do Torrão (EDP), no rio Tâmega (dois grupos Francis reversíveis com a potência nominal unitária de 73,15

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3.4

MW e queda útil máxima de 52,1 m) é semelhante ao exemplo da Figura 3,1, contudo podem ser identificadas as seguintes diferenças:

• a tomada de água está separada da barragem;

• a central está localizada mais a jusante da barragem (galerias em pressão mais longas).

– Figura 3.6: reforço da potência do aproveitamento de Miranda, no rio Douro Internacional (grupo adicional de 193 MW, queda de 55,6 m e caudal turbinado de 386m3/s); o circuito hidráulico difere do exemplo da Figura 3.4 pelo facto de não apresentar chaminé de equilíbrio, nem condutas forçadas distintas da galeria.

A central hidroeléctrica poderá ser subterrânea e o circuito hidráulico pode apresentar múltiplas combinações conforme se pode observar na Figura 3.7:

– os circuitos totalmente em pressão poderão ter a chaminé de equilíbrio a jusante da central (a), no caso da galeria de restituição ou galeria de fuga ser relativamente longa (exemplos: Alto-Lindoso, em Portugal e Cahora-Bassa, em Moçambique); em alguns casos poderá ser necessário colocar uma chaminé de equilíbrio a montante e outra a jusante (c) ou só a montante (b);

– o circuito hidráulico pode ser misto: conduta forçada em pressão e galeria de fuga em superfície livre (d) e (f) ou ainda adução em canal, câmara de carga; conduta forçada e restituição em superfície livre (e).

3.3– Estudos hidrológicos e hidráulicos

3.3.1 – Âmbito geral

Os estudos hidrológicos são o suporte fundamental dos estudos preliminares e de planeamento de um aproveitamento hidroeléctrico, em particular no que se refere a:

– caracterização dos caudais afluentes ou das disponibilidades hídricas locais;

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3.5

– fixação da potência a instalar na central e do caudal de dimensionamento do circuito hidráulico;

– fixação do volume da albufeira;

– avaliação da energia produtível.

Na fase de dimensionamento e de planeamento das obras são de considerar os estudos hidrológicos referentes a:

– análise e caracterização das cheias para dimensionamento dos orgãos de segurança da barragem;

– caracterização das cheias durante a fase de construção para dimensionamento de ensecadeiras e planeamento das obras (faseamento em função da época do ano).

O objectivo dos estudos hidráulicos é possibilitar o dimensionamento adequado das estruturas hidráulicas, incluindo a definição de formas estruturais orientadoras do escoamento, a optimização das condições de vazão em canais, túneis e condutas, a determinação de solicitações hidrosestáticas e hidrodinâmicas e a análise do comportamento do circuito hidráulico durante os regimes hidráulicos permanentes e transitórios. Os estudos hidráulicos permitem os estudos para cálculo de quedas úteis, para fixação da potência a instalar na central e para a selecção de eventuais soluções alternativas.

Os resultados dos estudos hidráulicos intervêm em diversas etapas da fase de anteprojecto de um pequeno aproveitamento hidroeléctrico, nomeadamente:

A – No que se refere ao circuito hidráulico da central:

– determinação de perdas de carga e de quedas úteis;

– estudos preliminares e de optimização para análise de soluções alternativas do circuito, em particular no que respeita a fixação dos níveis de água na albufeira e da escolha da potência a instalar na central;

– dimensionamento de tomadas de água e dispositivos ou orgãos de protecção contra a entrada de material sólido no circuito (e.g. câmara de deposição);

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3.6

– dimensionamento do sistema de adução (condutas, túneis, canais) e orgãos acessórios;

– dimensionamento da conduta forçada e dos respectivos apoios e acessórios para alimentação dos grupos turbo-geradores;

– dimensionamento dos orgãos de segurança contra transitórios hidráulicos, nomeadamente a chaminé de equilíbrio, a câmara de carga, os descarregadores laterais de emergência, etc...);

– dimensionamento da central e circuito hidráulico interno incluindo a estrutura de rejeição das águas turbinadas;

– análise das condições de exploração da central e do circuito, em particular no que se refere ao efeito dos automatismos e dos orgãos de segurança.

B – No que se refere aos orgãos de segurança da barragem:

– estudo das condições de vazão dos orgãos de segurança das barragens, em particular no que se refere a evacuação de cheias e a descarga de fundo (cálculo do tempo de esvaziamento da albufeira);

– dimensionamento dos orgãos de dissipação de energia da barragem em função das características da cheia máxima de projecto e das características da barragem e do vale.

C – No que se refere aos orgãos hidráulicos auxiliares ou provisórios, em particular aos estudos correspondentes às condições de escoamento na fase de construção do aproveitamento.

D– No que se refere à especificação das características técnicas do equipamento hidromecânico do circuito.

E– No que se refere a cálculos complementares:

– obtenção de curvas de vazão em secções do rio;

– cálculo de curvas de regolfo;

– análise dos regimes variáveis provocados pela exploração normal da central em partes do rio a jusante e a montante;

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3.7

– obtenção de mapas de inundação a jusante das barragens em função do estudo de cheias provocadas por uma eventual rotura das barragens.

A dimensão do aproveitamento hidroeléctrico pode condicionar a metodologia a seguir na execução dos estudos hidráulicos bem como as características das estruturas hidráulicas e o modo de execução das obras. Com efeito, a metodologia a seguir nos estudos de um pequeno aproveitamento deve privilegiar a eficiência e a economia de meios por forma a evitar que as metodologias aplicadas a grandes aproveitamentos não sejam automaticamente transferidas, ou meramente reduzidas à escala, para aplicação num aproveitamento.de menor dimensão. Esta preocupação na aplicação de uma metodologia específica, adaptada às características particulares dos aproveitamentos deverá ser partilhada pelas equipas responsáveis pelos diferentes estudos intervenientes no projecto.

3.3.2– Estudos preliminares e de optimização

Os cálculos hidráulicos preliminares (em fase de Estudo Prévio) fornecem condicionantes hidráulicas na fixação da potência a instalar na central e no dimensionamento do circuito hidráulico da central, em função das diferentes soluções alternativas que sejam seleccionadas para estudo da solução mais adequada. Estes cálculos envolverão a determinação de perdas de carga contínuas e localizadas aproximadas, de alturas de água e de folgas em canais, do volume útil na câmara de carga, de velocidades máximas de escoamento em secções críticas, de sobrepressões provocadas pelo golpe de aríete e de cotas de implantação do grupo.

Os cálculos preliminares possibilitarão a definição aproximada das estruturas hidráulicas e dos equipamentos e a avaliação dos respectivos custos os quais serão tidos em conta na análise económica.

Nesta fase poderão ser discutidos os processos alternativos de construção da barragem ou do açude e as implicações com o escoamento natural no rio (cheias).

3.3.3– Estudos detalhados para anteprojecto

Uma (ou mais) das soluções alternativas considerados nos estudos preliminares será (serão) desenvolvida (s) com mais detalhe na fase de anteprojecto.

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3.8

No que respeita o circuito hidráulico da central há a considerar os seguintes items:

– Tomada de água: definição de formas e de cotas tendo em conta as características da margem, as condições hidrodinâmicas e as variações de nível na albufeira e a avaliação do respectivo volume morto, bem como a interacção com eventual equipamento hidromecânico;

– Galeria em pressão e orgãos de controle: cálculo de perdas de carga e de velocidades; definição da estrutura de controle de caudais afluentes;

– Canal de adução e câmara de carga: cálculo de curvas de regolfo em regime permanente para diferentes condições de funcionamento tendo em vista a definição das características mais adequadas do canal (secção transversal, revestimento e declive); cálculo do volume útil e definição

da câmara de carga; análise das variações de nível extremas na câmara de carga e ao longo do canal de adução durante os regimes variáveis, decorrentes de manobras no obturador da turbina, nomeadamente, a anulação total do caudal máximo turbinável e o arranque do grupo; definição de formas e dimensionamento dos descarregadores de emergência, da estrutura de entrada para a conduta forçada e dos orgãos auxiliares ou de suporte de equipamentos hidromecânicos;

– Conduta forçada e orgão de controle de transitórios: cálculo de perdas de carga e definição do diâmetro mais adequado; cálculo das sobrepressões máximas, ao longo da conduta, provocadas pelos regimes transitórios (em particular, pelo golpe de aríete) tendo em vista a definição de resitência mínima admissível para a conduta; cálculo de solicitações actuantes nos apoios ou maciços de amarração da conduta; definição das características exigidas aos orgãos de controlo de caudal e de pressão;

– Estrutura de restituição: definição de formas e determinação de cotas de implantação, tendo em conta as características dos escoamentos na zona de restituição a jusante do circuito (curvas de vazão).

Nesta fase de estudos detalhados para o anteprojecto poderão ser executados alguns estudos complementares, tendo em vista a optimização do dimensionamento das estruturas e a verificação das condições de funcionamento

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3.9

do circuito ou de exploração da central. Salientam-se os estudos referentes a: i) regimes variáveis e transitórios; ii) e características de resposta (tempos de resposta e de amortecimento) do circuito hidráulico face à automatização da exploração da central.

No que respeita aos orgãos de segurança ou de descarga das barragens, os respectivos estudos hidráulicos serão conjugados com os estudos estruturais e de equipamento hidromecânico e estão dependentes dos estudos hidrológicos. Estes últimos fornecerão os elementos que possibilitarão a definição dos caudais de ponta ou de projecto. Os estudos hidráulicos incidirão sobre:

• a definição de formas e de dimensões adequados tendo em vista garantir com segurança a vazão do caudal de projecto (aspecto relevante das barragens construídas por material incoerente);

• a definição e dimensionamento de estruturas para dissipação de energia;

• a definição das características do equipamento hidromecânico;

• e o estudo das condições de funcionamento da descarga de fundo com orgão de segurança da barragem e como orgão tendente a contrariar a deposição de material sólido nas proximidades da tomada de água para o circuito hidráulico da central.

Os estudos hidráulicos incidirão igualmente em aspectos relacionados com a fase de construção da barragem, em particular o desvio das águas do rio (obras de derivação provisória).

3.3.4– Métodos de cálculo

Nos estudos hidráulicos deverão ser aplicados métodos de cálculo compatíveis com a importância do aproveitamento, com os dados disponíveis e os prazos de execução do projecto.

Nos estudos hidráulicos poderão ser utilizados três tipos de métodos de cálculos:

– Métodos de cálculos tradicionais, incluindo fórmulas e algoritmos de cálculo suficientemente rigorosos para o tipo de aproveitamento em causa.

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3.10

– Métodos de análise baseados em modelos matemáticos, em particular para a análise dos regimes variáveis ou transitórios em albufeiras e rios, no canal de adução, na câmara de carga e na conduta forçada.

– Métodos de análise baseado em modelo físico, em particular para análise do comportamento do evacuador de cheias e das condições de dissipação de energia dos orgãos de segurança da barragem.

A concepção das estruturas hidráulicas e o respectivo dimensionamento é, em grande parte, baseado na experiência adquirida pela equipa técnica e no "estado da arte" actual. Salientam-se, contudo, os seguintes pontos:

– as perdas de carga contínuas de escoamentos em pressão ou em superfície livre devem ser calculadas por fórmulas de resistência adequadas, de acordo com as características das estruturas de adução e os dados disponíveis;

– a análise do golpe de aríete deverá ser feita utilizando um programa de cálculo automático baseado no método das características;

– a análise dos escoamentos variáveis com superfície livre deverá ser feita utilizando programas de cálculo automático baseados em métodos computacionais robustos e fiáveis.

3.4 – Geologia e geotecnia

Na equipa pluridisciplinar para estudo e projecto de um aproveitamento hidroeléctrico participam especialistas em geologia e em geotecnia. A intervenção destes técnicos é muito importante na preparação e acompanhamento dos projectos de obras de engenharia civil.

Na fase de concepção geral há que estudar as características geológicas da zona da albufeira e da barragem, do sistema de adução (em particular se for em galeria) e da central hidroeléctrica. Em Portugal, a caracterização sísmica é muito importante. Salientam-se ainda os seguintes pontos:

– detecção de singularidades geológicas relevantes, nomeadamente falhas activas;

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3.11

– avaliação das características da permeabilidade tendo em vista garantir a viabilidade da albufeira e as condições de estabilidade das fundações;

– avaliação dos efeitos da existência de albufeira nos níveis freáticos e no comportamento das águas subterrâneas nas zonas adjacentes à mesma;

– avaliação das condições de estabilidade dos taludes nas margens da albufeira face às futuras variações de nível na albufeira;

– escolha da localização e dos tipos de barragem mais adequados;

– selecção de técnicas de consolidação e de melhoria das fundações (injecções, pregagens);

– caracterização de potenciais materiais de construção (solos e enrocamentos para barragens e inertes de betão);

– planeamento e execução das acções de observação e de controlo das zonas envolventes durante e após as obras.

Um deficiente estudo geológico e geotécnico poderá implicar custos adicionais muito relevantes durante a construção. Em aproveitamentos importantes, os custos de reconhecimento de campo podem ser 7 a 10% do custo total de construção.

O primeiro trabalho de campo a efectuar é o reconhecimento visual acompanhado de interpretação de cartas geológicas. A caracterização geológica pode ainda envolver:

–ensaios geofísicos (e.g. ensaios sísmicos);

–ensaios de permeabilidade (e.g. ensaios Lugeon);

–sondagens e abertura de galerias ou de trincheiras.

A caracterização geotécnica envolverá ensaios de deformabilidade e de resistência em amostras ou "in situ".

Os conhecimentos de Mecânica das Rochas serão essenciais no apoio ao projecto de fundações especiais e de estabilidade de barragens, em arco ou em abóbada, e de obras subterrâneas importantes.

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3.12

3.5 – Análise e dimensionamento estrutural

Cada uma das principais obras de um aproveitamento hidroeléctrico exigirá a aplicação das técnicas adequadas de análise e dimensionamento estrutural:

– na barragem, as técnicas dependerão do tipo de estrutura adoptado e das condições geotérmicas locais;

– no circuito hidráulico, a análise poderá incidir no comportamento de um maciço rochoso onde se pretende construir uma longa galeria em pressão, das condutas forçadas e aço e dos respectivos apoios ou suportes ou ainda da estrutura em betão de um canal de adução ao longo de uma margem do rio;

– a central poderá estar incorporada na estrutura da barragem, ser um edifício isolado ou ser uma caverna subterrânea, a cada caso associaremos condições de cálculo e acções específicas.

O projecto dos aproveitamentos hidroeléctricos importantes tem recorrido às técnicas de análise estrutural mais avançadas em cada época, por forma a garantir elevados índices de segurança e soluções mais económicas. Em pequenos aproveitamentos, os métodos de análise estrutural poderão, eventualmente, ser menos desenvolvidos no caso das características das obras o justificarem.

Nas barragens, e orgãos anexos, e nas galerias e cavernas escavadas em rocha é frequente o recurso a modelos computacionais para análise de tensões e deformações, nomeadamente os baseados na técnica dos elementos finitos aplicada a estruturas de betão ou de materiais incoerentes e a maciços rochosos. Modelos de comportamento dinâmico das barragens, para análise das acções sísmicas, devem ser utilizados sempre que a importância ou o local da barragem o justifique.

3.6 – Coordenação do projecto

A coordenação de parte importante do projecto e de execução de um aproveitamento hidroeléctrico caberá naturalmente ao engenheiro civil. Atendendo às características inter-disciplinares destas obras, esta coordenação exige uma elevada competência técnica. Com efeito, em fases críticas do

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3.13

projecto, há que coordenar a actividade de técnicos com formações muito diferentes (especialistas em electricidade, mecânica, hidráulica, hidrologia, geotecnica, mecânica das rochas e dos solos, estruturas e fundações, automatismos, estradas, etc...). Para além dos aspectos restritos da engenharia, há ainda que ter em conta questões de ordem social, legal e ambiental.

Uma boa organização do trabalho é indispensável para o éxito de um grande empreendimento.

3.7 – Estaleiro e execução das obras

Para a boa prossecução do empreendimento, cabe ao engenheiro civil, em fase de projecto, ter em conta os condicionamentos técnicos da execução das obras. De entre estes referem-se os seguintes:

– Materiais de construção;

– Estaleiro;

– Vias de acesso;

– Planeamento geral.

No que respeita os materiais de construção há que averiguar se há manchas de empréstimo ou * próximos do local das obras. O material necessário vai depender do tipo de estrutura da barragem: da terra, de enrocamento ou de betão. Para cada um dos casos há que saber os locais onde poderão ser retirados os materiais adequados e qual será a incidência no custo e nos prazos de execução da obra.

No caso de grandes barragens em betão, será necessário obter volumes significativos de inertes: uma estrutura em arco de dupla curvatura poderá exigir um volume de betão da ordem de um milhão de m3 de betão ao qual corresponderá um volume de inerte da ordem de 800 000 m3.

O abastecimento de agregados para betão exige atenção especial pois os maciços rochosos terão de ter características adequadas.

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3.14

Para garantir bons rendimentos de colocação de betão em ordem é necessário prever um adequado sistema de transporte, desde a fábrica até ao estaleiro da obra.

A construção de uma barragem, central e obras anexas pode implicar a realização de volumes de obra, excepcionalmente elevados. Atendendo a este facto e com o objectivo de não alongar o período de construção da obra, o que aumentaria significativamente os encargos financeiros, é normal a utilização de equipamento auxiliar potente que permita a obtenção de elevados rendimentos de trabalho.

Assim, o estaleiro poderá ser dotado com o seguinte tipo de equipamento:

– torres de fabrico de betão;

– instalação de britagem, selecção, lavagem e ensilamento;

– instalações de carga e armazenamento de cimento;

– instalação de fabrico de gelo e de refrigeração de betão;

– gruas de cabo móvel, para a colocação de betão em obra, principalmente na barragem.

O estaleiro poderá incluir ainda instalações auxiliares do seguinte tipo:

– escritórios;

– dormitórios;

– refeitório;

– clube de pessoal;

– posto médico.

Será necessário, ainda, dispor de outras infraestruturas, nomeadamente acessos, redes de água e de saneamento, electricidade e comunicações telefónicas.

Na Figura 3.8 apresenta-se um esquema de estaleiro da barragem de Venda Nova. Na Figura 3.9 apresenta-se uma vista parcial do zonamento do estaleiro da barragem de Foz Côa (projecto base 1991). Na figura estão representados os acessos da obra (a branco) e as escombreiras.

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3.15

Na Figura 3.10 apresenta-se um aspecto da construção da barragem do Caldeirão em 1992.

Na fase de projecto deverá ser estudado o zonamento geral do estaleiro, incluindo, nomeadamente, a localização das seguintes zonas:

– parque de armazenamento e montagem de equipamento;

– caminho de rolamento das gruas de cabo móvel;

– torres fixas das gruas de cabo móvel;

– locais de depósito do estéril dos produtos de escavação e dos detritos da obra (escombreiras).

O zonamento apresentado em projecto tem apenas carácter indicativo, devendo este assunto vir a ser analisado mais pormenorizadamente na fase de realização, podendo surgir soluções alternativas por parte dos empreiteiros concorrentes.

Salienta-se, em particular, a protecção ambiental da zona das obras, no que se refere aos locais de escavação e de depósito, o ruído e o saneamento do estaleiro.

O projecto deverá incluir um planeamento e faseamento das obras onde devem estar indicadas as principais fases e actividades críticas da obra, as respectivas sequências e relações de precedência, prioridades e condicionamentos técnicos ou ambientais relevantes.

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3.16

Figura 3.1- Central pé-de-barragem.

Figura 3.2 - Central incorporada na barragem.

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3.17

Figura 3.3 - Central afastada da barragem com adução em superfície livre.

Figura 3.4 - Aproveitamento com adução em pressão e central afastada da barragem.

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3.18

Figura 3.5 – Aproveitamento do Torrão.

Figura 3.6 - Aproveitamento de Miranda. Reforço de potência.

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3.19

Figura 3.6 (continuação) - Aproveitamento de Miranda. Reforço de potência.

Figura 3.7 - Exemplos de tipos de circuitos hidráulicos.

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3.20

Figura 3.8 - Estaleiro e zona de obras da barragem de Venda Nova (1950).

Figura 3.9 - Zonamento parcial do estaleiro da barragem de ??? (1991).

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3.21

Figura 3.10 - Vista da construção da barragem do Caldeirão (1992).