2º trimestre 2012 n.º 31 -...

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N.” 34 2º TRIMESTRE 2012 N.º 31

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N.º 34

2º TRIMESTRE 2012 N.º 31

DIRECTOR

Dr. António Banhudo

SUB DIRECTOR

Dr. Pedro Silva Vaz

CONSELHO EDITORIAL

Dr. António Gouveia

Prof. Doutora Assunção Vaz Patto

Prof. Doutor Carlos Almeida

Dra. Isabel Duque

Dra. Maria Eugénia André

Prof. Doutor Manuel Nunes

CONSELHO REDACTORIAL

Dra. Ana Caldeira

Enf. André Mendes

Dr. Carlos Lozoya

Dra. Gina Melo

Dr. Joaquim Serrasqueiro

Dr. Jorge Monteiro

Dra. Rita Crisóstomo

Dra. Rita Resende

Dra. Rosa Silva

Dr. Rui Alves Filipe

Dr. Rui Sousa

CONSELHO CIENTÍFICO

Prof. Doutor Alves de Moura (Medicina Interna)Prof. Doutor Alberto Barros (Genética)Prof. Doutor Artur Paiva (Cuidados Intensivos)Prof. Doutor Daniel Serrão (Ética)Prof. Doutor Filipe Caseiro Alves (Imagiologia)Prof. Doutor Guilherme Tralhão (Cirurgia)Prof. Doutor Massano Cardoso (Epid./Med. Preventiva)Prof. Doutor Nascimento Costa (Medicina Interna)Prof. Doutora Paula Sapeta (Enf. Medico Cirúrgica/Cuidados Paliativos)Prof. Doutor Rui Marinho (Hepatologia)Prof. Doutor Sérgio Deodato (Direito da Saúde)Dra. Almerinda Silva (Pediatra)Dra. Ângela Trindade (Enfermagem Saúde Materno-Infantil)Dr. António João (Gestão de Serviços de Saúde)Dr. António Lourenço Marques (Cuidados Paliativos)Dra. Arnandina Loureiro (Cirurgia Geral)Dr. Augusto Lourenço (Cirurgia Geral)Dra. Beatriz Craveiro Lopes (Dor)Dr. Carlos Gomes (Saude Mental)Dr. Carlos Maia (Enfermagem Reabilitação)Dra. Emília Bengala (Enfermagem Saude Infantil)Dr. Ernesto Rocha (Nefrologia)Dra. Helena Garcia (Anatomia Patológica)Dr. João Fonseca (Urologia)Dr. João Frederico (Cuidados Intensivos)Dr. João Morais (Cardiologia)Dr. Vieira Pires (Medicina Geral e Familiar)Dr. Pedro Henriques (Medicina Interna)Dr. Reis Pereira (Medicina Interna)Dra. Rute Crisóstomo (Fisioterapia)Dr. Sanches Pires (Medicina Geral e Familiar)Dra. Sandra Queimado (Farmácia)Dr. Sérgio Barroso (Oncologia)

PROPRIEDADE

Unidade Local de Saúde de Castelo BrancoAnotada no Instituto da Comunicação SocialDepósito Legal - 105483/96ISSN - 2182-2603Latindex - Revista de Saúde Amato Lusitano 5057

CONTACTOS

Av. Pedro Àlvares Cabral 6000-085 Castelo [email protected] 000 245 (Rosa Mateus)

ARTIGO ORIGINAL - PÁG. 6 À PÁG. 12ALTERAÇÕES DA MOBILIDADE APÓS INTERNAMENTO PRO-LONGADO EM CUIDADOS INTENSIVOSA SITUAÇÃO NO HOSPITAL AMATO LUSITANO

ARTIGO ORIGINAL - PÁG. 13 À PÁG. 17COMPARAÇÃO DA GRAVIDEZ ADOLESCENTE E TARDIAEM 2009

ARTIGO DE REVISÃO - PÁG. 18 À PÁG. 23CUIDADOS E CUIDADORES: O CONTRIBUTO DOS CUIDA-DOS DE ENFERMAGEM DE REABILITAÇÃO NA PREPARA-ÇÃO DA ALTA DO DOENTE PÓS ACIDENTE VASCULARCEREBRAL

ARTIGO DE REVISÃO - PÁG. 24 À PÁG. 27SATURAÇÃO VENOSA CENTRAL

CASO CLÍNICO - PÁG. 28 À PÁG. 30BRUCELOSE COM FOCALIZAÇÃO ATÍPICA - CASO CLÍNICO

CASO CLÍNICO - PÁG 31 À PÁG. 33COLECISTITE ENFISEMATOSA, CASO CLÍNICO

CASO CLÍNICO- PÁG. 34 À PÁG. 39SÍNDROME DE CUSHING COMO APRESENTAÇÃO DE CAR-

CINOMA ADRENOCORTICAL

CASO CLÍNICO- PÁG. 40 À PÁG. 45SOLUÇO, UMA APRESENTAÇÃO ATÍPICA DE SARCOIDOSE

IMAGEM EM MEDICINA- PÁG. 46 À PÁG. 47PÓLIPO GÁSTRICO GIGANTE: RESSECÇÃO ENDOSCÓPICA

Dr. António Banhudo

Vivemos numa época de crise sócio-económica que não

poupa os profissionais de sáude. O congelamento da pro-

gressão nas carreiras e das respectivas vantagens mate-

riais inerentes acarreta desmotivação cada vez mais no-

tória. Para ultrapassar esta situação há que restaurar os

valores ético-científicos desviando os profissionais da

simples, embora merecida, recompensação material, no

sentido do reconhecimento inter-pares. Este resulta mui-

to da informação que conseguimos transmitir daquilo que

é realizado pelas equipas multidisciplinares nas diversas

áreas de actuação em Hospitais e Centros de Saúde. As

publicações científicas são uma boa forma de o conse-

guir. A nossa Revista procura ser um órgão de divulga-

ção técnico-científica na área da saúde que disponibiliza

o seu espaço aos profissionais que nos submetem os

seus trabalhos. Temos vindo a reestruturar os órgãos téc-

nicos com o objectivo de melhorar aspectos

determinantes como sejam: o tempo de avaliação dos

trabalhos, a sua revisão, a qualidade, equilíbrio editorial,

assim como a periodicidade da publicação electrónica.

No primeiro editorial, da revista renovada, traçámos um

caminho e uma meta que pretendemos atingir, sabemos

que o percurso é sinuoso mas estamos habituados a de-

safios. Juntos, conseguiremos contribuir para restaurar a

vontade dos profissionais em desenvolver as suas activi-

dades em busca da melhoria contínua e ainda revelar aos

colegas o que produzimos e submeter o que publicamos

ao escrutínio dos nossos pares.

ALTERAÇÕES DA MOBILIDADE APÓS INTERNAMENTOPROLONGADO EM CUIDADOS INTENSIVOSA SITUAÇÃO NO HOSPITAL AMATO LUSITANO

1 ENFERMEIRO ESPECIALISTA EM ENFERMAGEM DE REABILITAÇÃO, A EXERCER FUNÇÕES NA UNIDADE DE CUIDADOS INTENSIVOS DA ULS DE CASTELO BRANCO2 ENFERMEIRO ESPECIALISTA EM ENFERMAGEM DE REABILITAÇÃO, PROFESSOR ADJUNTO DA ESCOLA SUPERIOR DE SAÚDE DR. LOPES DIAS

Correspondência do Autor: R. M. G. MendesEmail: [email protected]

REVISTA DE SAÚDE AMATO LUSITANO 2012; 31:6-126

Mobility changes related to Prolonged intensive care stay - The situation at the Hospital Amato Lusitano

R. M. G MENDES1, C. A. F. CHAVES2

RESUMOO internamento em cuidados intensivos está geralmenteassociado a situações de doença grave. Apesar da mor-te ser a consequência mais grave dessa situação crítica,a alta da unidade de cuidados intensivos pode tambémacompanhar-se de problemas significativos a nível físicoe psicossocial, com impacto na qualidade de vida des-ses doentes e dos seus familiares ou cuidadores.Esta investigação teve como objetivo conhecer as alte-rações da mobilidade que afetam os doentes com altada Unidade de Cuidados Intensivos Polivalente do Hos-pital Amato Lusitano, após internamento superior a umasemana. Trata-se de um estudo transversal, baseado nametodologia quantitativa e que se enquadra nos estu-dos de nível I.À data da alta da unidade foram avaliadas: mobilidade arti-cular, força muscular e grau de dependência. Os instrumen-tos de colheita de dados utilizados foram a goniometria, aescala Medical Reseach Council e o índice de Barthel.Os resultados da investigação revelam ausência de limi-tações na mobilidade articular. Em oposição, mais de90% dos doentes desenvolveram alterações da forçamuscular que vão desde situações ligeiras a quadrosgraves de fraqueza generalizada. Verificou-se uma rela-ção positiva entre o grau de comprometimento da for-ça muscular e o grau de dependência. À data da alta daunidade um número significativo de doentes (80%) apre-sentava um grau de dependência total ou grave.

Palavras chave:

reabilitação, cuidados intensivos, alterações da mobili-dade, dependência.

ABSTRACTIntensive care hospitalization is generally associated withserious illness situations. Although death is the mostserious consequence of this critical situation, dischargedfrom intensive care unit can also bring significant problemsat psychosocial and physical dimensions with animportant impact on the quality of life of patients andtheir relatives or caregivers.This investigation aims to determine the changes ofmobility that affect patients discharged from the Hospi-tal Amato Lusitano’s Intensive Care Unit after a long stayhospitalization - more than a week. This is a cross-sectional study, based the quantitative method and thatfits the level I studies.At the time of unit discharge were evaluated: jointmobility, muscle strength and degree of physicaldependence. The data collection instruments were usedgoniometry, Medical Reseach Council scale and theBarthel index.The research results reveal the absence of limitations injoint mobility. In contrast, over 90% of patientsdeveloped changes in muscle strength ranging from mildto severe cases of generalized weakness. There was apositive correlation between the degree of impairmentof muscle strength and the degree of dependence. Atthe time of intensive care discharge significant numberof patients (80%) had a total degree or seriousdependence.

Keywords:

rehabilitation; intensive care; mobility changes;dependence

REVISTA DE SAÚDE AMATO LUSITANO 2012; 31:6-127

INTRODUÇÃOA perda de mobilidade é dos problemas maisincapacitantes para o doente crítico após a alta de umaUnidade de Cuidados Intensivos (UCI). Mesmo na ausên-cia de trauma, alguns doentes necessitam mais de umano para recuperar a mobilidade anterior. Estas limita-ções podem não só comprometer a autonomia do do-ente na realização das suas atividades de vida diária,como inclusive dificultar o desmame e retirada da venti-lação mecânica, prolongando assim o tempo deinternamento. (1; 2)

Schaaf et al. analisaram 69 doentes, que permaneceraminternados em cuidados intensivos por mais de 48 ho-ras, e as alterações funcionais manifestadas na primeirasemana após a alta. Este estudo concluiu que, de ummodo geral, os doentes apresentam limitações funcio-nais significativas. Por exemplo, em termos de autono-mia na realização das suas atividades de vida diária, 67%mostrava-se muito dependente, 15% tinha uma depen-dência moderada e 9% uma dependência ligeira. A mar-cha é uma das limitações mais frequentes, sendo que73% dos doentes não consegue deambular sem ajuda.(3)

Estes compromissos a nível da mobilidade encontram-se geralmente associados a situações de redução damobilidade articular e fraqueza muscular, fenómeno quepode ocorrer isoladamente ou associado a patologianeuromuscular.(1; 2)

ALTERAÇÕES DA MOBILIDADE ARTICU-LARA principal causa de alterações na mobilidade articulardo doente crítico são as contraturas articulares, devidasao encurtamento muscular e/ou alterações a nível dotecido conjuntivo articular ou periarticular, que produzdiminuição da amplitude articular e dor.(4; 5) O diagnósti-co é feito com base na observação física e na mediçãoda amplitude articular através de goniometria – compa-rando o grau de mobilidade com a articulaçãocontralateral ou com tabelas de referência.Sendo a imobilidade uma causa importante para o de-senvolvimento de contraturas, os doentes críticos, inca-pazes de se mobilizar de forma autónoma, tornam-seum grupo especialmente vulnerável. Em 2008 foi publi-cado, por Clavet et al.(5), um estudo sobre a incidênciade contraturas articulares após longa estadia em UCI,constatando-se que 39% dos doentes desenvolvera pelomenos uma contratura e que 34% desenvolvera pelomenos uma contratura causadora de limitação funcional

significativa. Segundo esta investigação, o doente comcontraturas tem geralmente mais que uma articulaçãoafetada, sendo observável uma relação positiva com otempo de internamento.(5) Os autores salientam ainda quemais de um terço dos doentes internados na UCI pormais de duas semanas desenvolvem contraturas articu-lares e que cerca de um quarto tem alta hospitalar comcontraturas suficientemente graves para interferir nasatividades diárias.(5)

ALTERAÇÕES DA FORÇA MUSCULARNo que diz respeito à fraqueza muscular adquirida naUCI, e contrariamente ao que se poderia supor, esta nãoé devida a atrofia muscular associada à imobilização,mas a neuropatias ou miopatias decorrentes da doençacrítica, especialmente após internamentos prolongados(mais de uma semana) devido a situações de sepsis, fa-lência multiorgânica ou ARDS (Acute Respiratory DistressSyndrome). (6; 7) A este conjunto de neuropatias emiopatias resultantes do internamento em cuidados in-tensivos foi denominado Síndrome Neuromuscular Ad-quirido no Doente Crítico (SNADC), também conhecidopor polineuromiopatia do doente crítico. (8; 9) Vilas et al.(9)

distinguem vários subtipos dentro do SNADC:Polineuropatia do Doente Crítico (PDC); miopatiaquadriplégica aguda, ou Miopatia Aguda dos CuidadosIntensivos (MACI) e bloqueio neuromuscular prolonga-do. Apesar desta separação de etiologias, na práticanão é fácil realizar este diagnóstico diferencial e nãoraras vezes há uma sobreposição dos quadros clínicos.A PDC foi descrita pela primeira vez em 1984 por Boltonet al.(10) em cinco doentes que desenvolveram um qua-dro de difícil “desmame” da ventilação, após estabiliza-ção da doença crítica, acompanhado de flacidez earreflexia a nível dos membros. Trata-se de umapolineuropatia distal axonal sensitiva e motora. A inci-dência desta patologia é maior em doentes com falên-cia multiorgânica (70%), choque séptico (76%) e na com-binação de sepsis com falência multiorgânica (82%).(11)

Por vezes, a primeira manifestação da doença é o difícil“desmame” da ventilação mecânica, apesar do doenteaparentar estar em condições de desconexão do venti-lador. Em outras situações a suspeita surge após a sus-pensão da sedação, verificando-se que o doente é inca-paz de mobilizar as extremidades.(9)

A MACI, também conhecida por miopatia do doente crí-tico, foi descrita pela primeira vez em 1977, numa mu-lher asmática tratada com corticoides e relaxantes mus-

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culares não despolarizantes. Trata-se de uma miopatiaprimária (isto é, não é consequência da desinervaçãomuscular) com elevada incidência no doente crítico, comvalores iguais ou até mesmo superiores à PDC. Na reali-dade, o diagnóstico diferencial entre estas duas situ-ações é dif íc i l , implicando o recurso àeletromiografia.(9; 11) Na avaliação física destaca-se oaparecimento de quadriplegia, que afeta tanto amusculatura próximal como a distal, acompanhadafrequentemente de debilidade dos músculos flexoresdo pescoço, podendo incluir paralisia facial, mas ha-bitualmente com preservação dos movimentos oftál-micos. A sensibilidade, quando é possível avaliá-la, énormal e os reflexos osteotendinosos encontram-segeralmente diminuídos.(9) O desenvolvimento da MACIestá relacionado com quadros asmáticos e com aadministração de corticosteróides e relaxantes mus-culares, e de forma menos evidente com a adminis-tração de aminoglicosídeos e beta agonistas.(12) Se-gundo um estudo realizado por Weber-Carstens etal.(13), a inflamação sistémica durante a doença críti-ca é o principal fator de risco para o desenvolvimen-to de miopatia. Em adição, a gravidade da doençade base, a resistência à insulina (manifestada porhiperglicemia), a terapêutica com catecolaminas esedativos parecem também estar relacionados comum aumento da incidência deste problema no doen-te crítico. Em contraste com pressupostos anterio-res, neste estudo não se verificou uma relação signi-ficativa entre o desenvolvimento da MACI e a admi-nistração de doses baixas de hidrocortisona em situ-ações de choque séptico.O bloqueio neuromuscular prolongado verifica-se emdoentes críticos tratados com relaxantes musculares, oubloqueadores neuromusculares, não despolarizantes, queapresentam uma paralisia muscular de maior duração quea esperada, devido a um efeito prolongado do fármacoe dos seus metabolitos. Clinicamente verifica-se umaparalisia muscular generalizada com arreflexia. A suspei-ta diagnóstica deve estabelecer-se na presença de pa-ralisia facial e/ou paralisia dos músculos oculomotores.As alterações sensitivas são mínimas ou não existem.Constituem fatores de risco para o bloqueioneuromuscular prolongado: insuficiência renal e hepáti-ca, hipermagnesiemia, acidose metabólica e o usoconcomitante de vários antibióticos, especialmenteaminoglicosídeos e clindamicina. A paralisia geralmentenão dura mais que duas semanas após a suspensão dofármaco e a recuperação é completa.(9; 14)

METODOLOGIAEsta investigação foi realizada na UCI do Hospital AmatoLusitano (HAL), Unidade Local de Saúde de Castelo Bran-co, uma unidade polivalente com 8 camas em funciona-mento e presentemente sem apoio de cuidados inter-médios. Trata-se de um estudo do tipo descritivo, denível I, que utiliza uma metodologia quantitativa. Em ter-mos temporais, trata-se de um estudo transversal, en-volvendo a colheita de dados à data da alta da UCI.A questão de investigação colocada foi: “Quais as alte-rações da mobilidade que afetam os doentes apósinternamento prolongado na UCI do HAL?”A avaliação das alterações da mobilidade foi feita medi-ante a análise da mobilidade articular e da força muscu-lar, utilizando testes específicos e validados para o efei-to. A mobilidade articular foi avaliada através dagoniometria e a força muscular através da escala MedicalResearch Council (MRC). A análise terminou com a avalia-ção funcional, utilizando o índice Barthel, visando avali-ar o grau de dependência na realização das Atividadesde Vida Diária (AVD) tendo em conta as alterações demobilidade encontradas.A população em estudo inclui a totalidade dos indivídu-os com alta da UCI após um internamento superior asete dias, sem história de alterações da mobilidade an-tes do internamento. Foi selecionada uma amostra aci-dental, constituída por 11 elementos internados no ser-viço no intervalo temporal entre Novembro de 2010 eFevereiro de 2011.

RESULTADOSOs doentes com internamento superior a uma semanarepresentaram 39,39% do total de doentes admitidosna UCI do HAL, nos meses de Novembro de 2010 a Fe-vereiro de 2011.A taxa de mortalidade durante o internamento no servi-ço, para este período, foi de 31%, constatando-se que19% dos óbitos aconteceram no dia de admissão, 38%entre o 2º e o 7º dia de internamento e 43% ocorreramalém de uma semana de internamento. O óbito é o resul-tado de aproximadamente 35% dos doentes cominternamento prolongado.Excluindo os óbitos, temos uma amostra 17 de doentescom alta do serviço de cuidados intensivos após uminternamento superior a uma semana. Dentro deste gru-po só foi possível efetuar a colheita de dados a 11 do-entes, que correspondem à amostra efetiva desta inves-tigação. Esta amostra é composta por 9 indivíduos do

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Para além da ventilação mecânica, ou mais especifica-mente do tempo de ventilação, foram analisados nestainvestigação a existência de outros fatores de risco parao desenvolvimento de alterações da mobilidade duran-te o internamento, nomeadamente: a perfusão de seda-tivos, catecolaminas, bloqueadores neuromusculares,nutrição parentérica ou administração decorticosteroides. Da totalidade da amostra apenas os 2elementos que não foram ventilados invasivamente nãoestiveram expostos a algum destes fatores. Todos osdoentes ventilados invasivamente estiveram sobperfusão de sedativos, 5 doentes (45,45%) estiveramexpostos a 3 ou mais destes fatores de risco e umadoente esteve exposta a todos os fatores de risco ana-lisados. O gráfico 3 mostra o número de elementos daamostra expostos aos diferentes fatores de risco anali-sados.

GRÁFICO 1 - Distribuição de frequências segundo o grupo etário

GRÁFICO 2 – Comparação proporcional do tipo de suporte ventilatório aplicado

sexo masculino (81,82%) e 2 do sexo feminino (18,18%),com idades compreendidas entre os 36 e os 82 anos(média de 54,45 anos e desvio padrão de 16,4). O gráfi-co 1 mostra a distribuição de frequências da amostrasegundo o grupo etário. A duração média dointernamento foi de 19,27 dias, com mínimo de 8 emáximo de 72 dias, e desvio padrão de 18,53.

A patologia respiratória foi o principal fator que moti-vou o internamento destes doentes. Na amostra estu-dada 90,91% dos elementos tiveram necessidade desuporte ventilatório, predominando claramente a utili-zação da ventilação invasiva em detrimento da ventila-ção não invasiva (Gráfico 2). Em média o suporteventilatório foi aplicado durante 14,7 dias, com mínimode 4, máximo de 62 e desvio padrão de 17,41. Após aextubação os doentes permaneceram na UCI em média6 dias, com um mínimo de 2 e um máximo de 10 dias.

GRÁFICO 3 - Número de utentes expostos aos diferentes fatores de risco analisados

Identificadas as situações de risco, importa também iden-tificar a existência de alguns fatores que possam contri-buir para a prevenção de incapacidades ou para a suaredução, ainda no decorrer do internamento. Assim, ava-liamos se os doentes foram alvo de alguma intervençãode reabilitação, prestada por fisioterapeutas ou enfer-meiros. O resultado obtido foi que 72,73% da amostrafoi submetida a intervenções de reabilitação (incluindocinesioterapia respiratória e mobilização articular/forta-lecimento muscular).Terminado o internamento em cuidados intensivos osdoentes foram transferidos para os serviçosespecializados no tratamento dos problemas remanes-centes. Dentro deste grupo de doentes verificou-se umareadmissão na UCI que faleceu durante o internamento.Dos restantes doentes um foi transferido para o hospitalda área de residência (no dia seguinte à alta da UCI), 6tiveram alta para o domicílio (em media após 10 dias) e

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2 para a Rede Nacional de Cuidados Continuados Inte-grados (após 16 dias no primeiro caso e 28 no segun-do). Um destes doentes passou pelo Centro de Medici-na de Reabilitação da Região Centro (Rovisco Pais) emvirtude das sequelas adquiridas durante esteinternamento.

ALTERAÇÕES DA MOBILIDADE ARTICULARApesar das alterações da mobilidade articular serem,segundo a bibliografia consultada, um problema impor-tante após a alta, nomeadamente devido ao desenvol-vimento de contraturas, na avaliação realizada não foiverificada nenhuma situação de alteração da amplitudede movimento disponível, de forma passiva nas articula-ções testadas ou em outras articulações.

ALTERAÇÕES DA FORÇA MUSCULARContrariamente às alterações da mobilidade articular, agrande maioria dos elementos da amostra desenvolveualterações da força muscular. Em mais de 90% dos ca-sos verificou-se uma redução do Índice MRC [soma dapontuação dos testes / (número de músculos testadosx 5) x 100] , com valores que variaram entre 54,2 e 92,5.Em média o valor deste índice foi de 78,71 e o desviopadrão de 13,51. Para melhor compreensão destas alte-rações a nível no índice MRC, na Tabela 1 agrupamos osresultados em 5 classes, que correspondem a 5 grausde fraqueza muscular.

Da análise da tabela constatamos que apenas numa situ-ação não se verificou perda de força. Dentro do grupo dedoentes com alteração de força, 5 elementos apresen-tam perda de força ligeira (índice MRC entre 80 e 100) e

TABELA 1- Resultados da avaliação do índice MRC agrupados por classes

igual número apresentou perda de força moderada a gra-ve (índice MRC entre 40 e 80). De salientar que dois ele-mentos apresentam perda de força considerada grave(índice MRC entre 40 e 60), o que traduz um estado defraqueza muscular que compromete a capacidade de re-alizar movimentos que contrariem a ação da gravidade.

AUTONOMIA NAS ATIVIDADES DE VIDADIÁRIASA avaliação da autonomia nas AVD foi realizada comuma versão do Índice de Barthel em que a pontuaçãofinal pode variar entre zero, dependência máxima, e 20,máxima autonomia.Nesta investigação foi encontrada uma avaliação do Ín-dice de Barthel igual a zero, numa doente do sexo femini-no, 36 anos, internada por pneumonia durante 72 dias,dos quais 62 submetida a ventilação mecânica invasiva.Para além destes fatores esta doente esteve ainda sobtodos os fatores de risco para o desenvolvimento de al-terações da mobilidade que foram analisados (perfusãode sedativos, catecolaminas, bloqueadoresneuromusculares, nutrição parentérica e administração decorticosteroides). Esta doente, tal como os restantes, nãodesenvolveu alterações da mobilidade articular, em ter-mos de amplitude de movimento disponível, mas apre-sentou um Índice MRC bastante baixo (54,17) apesar dareabilitação física que lhe foi prestada por enfermeiros e

fisioterapeutas durante a parte final dointernamento, após o período crítico,mesmo antes da extubação.Neste estudo foi também encontra-da uma situação de autonomia máxi-ma, que corresponde ao único doen-te que não desenvolveu défices deforça muscular.O índice médio foi de 8,60. Analisan-do as respostas em cada item avalia-do constatamos que à data da altada UCI:- 50% dos doentes necessita ajudapara o cuidado pessoal, não conse-guindo lavar o rosto, os dentes, ou

barbear-se e pentear-se sozinhos;- 80% não consegue entrar na banheira e tomar banhode forma independente;- 80% carece de alguma ajuda para se vestir, em maiorou menor grau;- 50% necessita ajuda para se alimentar;

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- 80% carece de ajuda para se levantar da cama ou deuma cadeira e 40% necessita mesmo de uma grande aju-da física para consegui-lo;- 90% não consegue subir escadas de forma independente;- 90% tem dificuldade em andar e 40% não consegueandar nem com ajuda;- 90% tem controlo sobre a eliminação intestinal;- 80% não controla a função vesical por se encontraremalgaliados;- 80% não consegue ir à casa de banho.

DISCUSSÃOOs doentes com internamento prolongado correspondema uma parte significativa do total de admissões na UCIem questão (39,39%). Para além disso, se somarmos osdias de internamento de todos os doentes cominternamento prolongado no período em análise, obte-mos 517 dias, que correspondem a 78,69% do total dedias de internamento na unidade nesse mesmo período.Estes doentes, pelo tempo de permanência, pelas com-plicações iatrogénicas e pelas complexas terapêuticasrealizadas, são os maiores consumidores de recursos hu-manos e financeiros da unidade. Esta permanência pro-longada está na maior parte das vezes associada à ne-cessidade de ventilação mecânica, e consequentementede perfusão de sedativos e bloqueadores neuro-muscu-lares, com as complicações que daí advêm, não só a ní-vel físico como também a nível psicológico.Contrariamente aos resultados obtidos por Clavet et al.(5)

que revelaram uma incidência significativa de contraturasarticulares após o internamento em cuidados intensivos,nesta investigação não foram detetadas situações de al-teração da amplitude de movimento disponível nas articu-lações testadas. Pensamos que este facto não pode serdissociado da intervenção do fisiotera-peuta e dos enfermeiros em especializa-ção em Enfermagem de Reabilitação, quecontribuíram para que estes doentes fos-sem mais e melhor mobilizados, com osconhecidos benefícios que daí advêm.No que diz respeito à força muscular,a maioria dos doentes desenvolveu al-terações que variaram entre situaçõesde ligeira redução da força a formasgraves de fraqueza generalizada.Na amostra de 11 doentes, apenas severificou um caso de preservação da for-ça muscular, com um Índice MRC de

100%. Essa situação reporta-se a um indivíduo do sexo mas-culino, internado durante 10 dias por TromboembolismoPulmonar, que não foi ventilado mecanicamente e que tam-bém não esteve sob influência de outros fatores de risco dealterações da mobilidade, nem imobilização prolongada,uma vez que a partir do 4º dia de internamento iniciou le-vante e retomou progressivamente a atividade física.Em oposição, foi evidenciado um quadro compatível compolineuromiopatia do doente crítico, ou SNADC. Tratou-se de uma doente internada por pneumonia, que se fezacompanhar de sepsis e falência multiorgânica, o quesegundo a bibliografia consultada contribui para 82%de probabilidade de desenvolver PDC. (11) Tal como foireferido na bibliografia a suspeita surgiu após a suspen-são da sedação, verificando-se que a doente era inca-paz de mobilizar as extremidades. O desmame da venti-lação foi difícil, apesar da doente aparentar estar emcondições de desconexão do ventilador.Mais importante que quantificar a limitação de uma arti-culação ou a fraqueza de um músculo, ou grupo muscu-lar, é conhecer as repercussões que essas alterações têmem cada pessoa. Os resultados obtidos através da análi-se do índice de Barthel apontam para estados de depen-dência elevada, como é evidenciado na tabela 2, quemostra a distribuição de frequências de acordo com ograu de dependência (foi excluída uma doente desta ava-liação por ter indicação de repouso absoluto). Constata-se que 40% dos elementos da amostra apresenta um graude dependência total, e igual número apresenta um graude dependência grave. Apenas 20% apresenta um graude dependência ligeiro, ou é independente. Assim, reve-la-se importante a implementação de programas de rea-bilitação, que promovam a recuperação da autonomia eo acolhimento destes doentes, com elevado grau de de-pendência, nos serviços de destino após a alta.

TABELA 1- Resultados da avaliação do índice MRC agrupados por classes

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Os resultados demonstraram ainda uma correlação po-sitiva entre o índice MRC e o índice de Barthel (coeficien-te de correlação de Spearman de +0,79), ou seja, osdoentes que apresentam maior fraqueza muscular sãoos que têm maior grau de dependência, tal como é evi-denciado no gráfico 4, que mostra a dispersão dos re-sultados da relação destas duas variáveis.

CONCLUSÕESO internamento numa UCI é por norma um acontecimen-to marcante na vida de uma pessoa. Essa importânciarelaciona-se, por um lado com o estado crítico, de pro-ximidade com a morte, e por outro, com as marcas físi-cas e psicológicas que esse acontecimento provoca emquem o vivencia. A duração do internamento, o estadocrítico do doente e as terapêuticas agressivas a que ésubmetido, contribuem para a deterioração da sua fun-ção física, ao mesmo tempo que se desenvolvem tam-bém problemas a nível psicológico. Igualmente impor-tantes são as consequências socioeconómicas. Uminternamento com estas caraterísticas, e o período deconvalescença que se segue, acarreta gastos avultadospara o doente, para a sua família e também para o Siste-ma Nacional de Saúde. As complicações adquiridasdurante o internamento e o grau de dependência à datada alta dos cuidados intensivos obrigam a manter umaquantidade de cuidados significativa, muitas vezes in-compatível com o regresso a casa. A Rede Nacional deCuidados Continuados Integrados procura ser uma solu-ção para estas situações, contudo, o acesso nem sem-pre acontece com a facilidade e rapidez desejadas, obri-gando a prolongar o internamento hospitalar e manter oconsumo de recursos diferenciados.Os resultados deste trabalho permitem-nos constatar queas alterações da mobilidade que afetam estes doentesdizem sobretudo respeito à redução da força muscular,

GRÁFICO 4 - Correlação entre o índice de Bharthel e o índice MRC

com envolvimento simétrico dos membros superiores,inferiores e do hemicorpo esquerdo e direito. Essa fra-queza muscular está directamente relacionada com aperda de autonomia, havendo um elevado número dedoentes a ter alta da UCI num estado de dependênciatotal ou grave.Pelo exposto, fica clara a necessidade de iniciar um pro-grama de reabilitação ao doente crítico o mais precoce-mente possível, procurando evitar ou limitar o contactocom os fatores de risco para o desenvolvimento de al-terações da mobilidade, onde se inclui a opção pelaventilação não invasiva quando indicado, o desenvolvi-mento de programas de desmame de ventilação, a rea-bilitação física e respiratória. (15; 16) Parece-nos tambémimportante que seja dada continuidade a esses progra-mas mesmo após a alta dos cuidados intensivos, paraevitar a descontinuidade de cuidados e “fazer a ponte”entre a UCI e a enfermaria. Desta forma para além deestarmos a contribuir para melhores práticas e para mai-or satisfação dos utentes, acreditamos estar também acontribuir para reduzir a taxa de reinternamentos e otempo de hospitalização pós alta dos cuidados intensi-vos.

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COMPARAÇÃO DA GRAVIDEZ ADOLESCENTEE TARDIA EM 2009

CLÁUDIA M. RODRIGUES1; CLÁUDIA GOMES2; CLÁUDIO ALVES3; BÁRBARA HENRIQUES4; CARLOS RODRIGUES5; HUMBERTO TOMÉ6

Comparison between teenager and late pregnancy in 2009

RESUMOA gravidez em adolescentes está associada a um aumen-to de complicações materno-fetais não só por factoresbiológicos, mas principalmente por factores de ordempsicológica e social. Alguns estudos apontam para umamaior incidência de parto pré-termo, baixo peso ao nasci-mento, atraso de crescimento intra-uterino e infecçãogénito-urinária. Por outro lado a gravidez tardia comportatambém riscos, nomeadamente maior incidência de dia-betes e hipertensão gestacionais, distocias, trabalho departo prolongado, baixo peso à nascença e morte fetal.Este estudo pretende comparar a casuística de 2009,no Hospital Amato Lusitano, em relação às grávidas ado-lescentes, adultas até aos 34 anos e adultas com idadeigual ou superior a 35 anos, com recurso ao livro departos. As variáveis consideradas foram a idade, vigi-lância da gravidez, semanas de gestação, paridade, tipode parto, APGAR e peso ao nascimento.Em relação às adolescentes, constituíram 4% das gravide-zes em 2009, num total de 17. Destas, 76% foram vigiadas.Em nenhum caso ocorreu parto prematuro. Em relação àparidade, 82% das grávidas adolescentes registadas eramprimíparas. A maioria dos partos(82%) foram eutócicos, sen-do necessária ventosa em 18%. O APGAR no 1º minuto foiinferior a 9 em 18% dos casos. Quanto ao peso no nasci-mento, não se verificaram casos de baixo peso, sendo queem 6% dos casos os recém-nascidos pesavam mais de 4kgs.Em relação às gestantes com idade superior a 35 anos,constituíram 15% das gravidezes em 2009, num total de75. Destas, 92% foram vigiadas. Em 2% ocorreu partoprematuro. Quanto à paridade, 27% das grávidasregistadas eram primíparas. Em 53% dos casos os partosforam eutócicos, sendo necessária ventosa em 19% ecesariana em 28%. O APGAR no 1º minuto foi inferior a 9em 9% dos casos. Em relação ao peso no nascimento,verificaram-se 3% de casos de baixo peso, sendo que em8% dos casos os recém-nascidos pesavam mais de 4kgs.Neste estudo não pareceu existir risco acrescido de com-plicações obstétricas quanto aos factores considera-dos em relação às grávidas adolescentes ou maternida-de tardia.A única variável onde foi encontrada diferen-ça estatisticamente significativa foi em relação à exis-tência ou não de parto anterior.

Palavras-chave: Gravidez adolescente, gravidez tardia,complicações obstétricas.

ABSTRACT:Teenage pregnancy is associated with increased mater-nal and fetal complications, not only by biological issues,but mainly by psychological and social factors. Somestudies show a higher incidence of preterm birth, lowbirth weight, intrauterine growth retardation andgenitourinary infection. On the other hand, late pregnancyalso involves risks, including increased incidence ofgestational diabetes and hypertension, dystocia,prolonged labor, low birth weight and fetal death.This study intends to compare teenage, adult up to 34years of age, and adult over 35 years’ pregnancies thatoccurred in 2009, in Amato Lusitano Hospital, usingrecords from the birth record. The selected variables wereage, monitoring of pregnancy, gestational age, parity,delivery, APGAR scores and birth weight.The teenager group represented 4% of pregnancies in 2009,a total of 17. Of these, 76% were monitored. There wereno cases of premature birth. With regards to parity, 82%of the pregnant teens reported were primiparous. Mostbirths were eutocic (82%), while 18% required suction, theAPGAR score at 1st minute was inferior to 9 in 18% ofcases. There were no cases of low birth weight, and in 6%of cases the newborns weighed more than 4kgs.Pregnant women over the age of 35 years represented15% of pregnancies in 2009, a total of 75. Of these, 92%were monitored. Preterm labor occurred in 2% of cases.With regards to parity, 27% of pregnant women registeredwere primiparous. In 53% of cases the deliveries wereeutocic while 19% required suction and 28% caesareansection. The APGAR score at 1st minute was less than 9in 9% of cases. Regarding weight at birth, 3% of caseswere of low birth weight and in 8% of cases the newbornsweighed more than 4kgs.This study did not show an increased risk of obstetriccomplications with regards to the selected factors eitherrelating to pregnant teenagers or late motherhood. Theonly variable where statistically significant difference wasfound related to the existence of previous births.

Key-words:Teenagepregnancy, late pregnancy, obstetriccomplications.

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Correspondência do Autor: Cláudia M. RodriguesEmail: [email protected]

1INTERNA DE MEDICINA GERAL E FAMILIAR, CENTRO DE SAÚDE DE S. TIAGO,ULSCB2INTERNA DE MEDICINA GERAL E FAMILIAR, CENTRO DE SAÚDE DE ALMEIDA, ULS GUARDA3INTERNO DE MEDICINA GERAL E FAMILIAR, USF “A RIBEIRINHA”, ULS GUARDA4INTERNA DE MEDICINA GERAL E FAMILIAR, C.S. COVILHÃ, ACES COVA DA BEIRA5CHEFE DE SERVIÇO DE CLÍNICA GERAL, CENTRO DE SAÚDE DE S. TIAGO, ULSCB6ASSISTENTE GRADUADO DE GINECOLOGIA/OBSTETRÍCIA, SERVIÇO DE GINECOLOGIA/OBSTETRÍCIA, ULSCB

INTRODUÇÃOA gravidez na adolescência define-se em Portugal comoa que ocorre antes dos 18 anos. Tem vindo a diminuirde incidência nas últimas décadas mas em 2009correspondeu ainda a 4.6% dos nascimentos em Portu-gal (dados do Instituto Nacional de Estatística).Associa-se a um aumento de complicações materno-fetais nãosó por factores biológicos, mas principalmente por fac-tores de ordem psicológica e social.Por um lado, durante cerca de 24 meses após a menarcapermanece uma imaturidade do eixo hipotálamo-hipófise-ovário e do endométrio, que se caracteriza por irregula-ridade nos interlúneos, escassez e imprevisibilidade naovulação e risco de que não se realize adequadamentea primeira invasão trofoblástica.1, 2 Por outro lado as di-mensões do canal de parto só atingem as dimensões deuma mulher adulta aos 15 anos.2

Somos confrontados actualmente com uma maior pro-porção de adolescentes sexualmente activas, que man-têm alguma imaturidade do processo cognitivo a parcom uma necessidade de afecto e auto-afirmação e umforte desejo de independência, o que leva a comporta-mentos de risco, nomeadamente abuso de substâncias,relações sexuais não protegidas e por vezes com váriosparceiros.3, 4,5 A mãe adolescente é tipicamente solteira,de baixo estatuto social, com fraca rede social de apoioe com menores probabilidades de receber o adequadocuidado pré-natal nos estágios iniciais da gravidez.5,6

Alguns estudos sugerem a associação entre gravidez naadolescência e risco aumentado de ameaça de partopré-termo e parto pré-termo, atraso de crescimento intra-uterino (ACIU), fetos com baixo peso, anemia e infecçãogénito-urinária.7, 8, 9 Outros, em caso de seguimento ade-quado da gravidez, apontam para risco de complica-ções obstétricas semelhante ou melhor que na grávidaadulta,1, 10,11excepto, em alguns estudos, em relação àmaior incidência de doenças sexualmentetransmissíveis,baixo peso ao nascere prematuridade.1,12

De notar que existem diversas variáveis de confundimentopossíveis, não só por heterogeneidade na definição de

gravidez adolescente, possível incidência mais elevadadecomportamentos de risco e demenor resistência a doen-ças sexualmente transmissíveis nas grávidas adolescen-tes do que nas adultas, quer por um pH vaginal mais alca-lino, por existência de um colo uterino mais curto ou porníveis menores de imunoglobulinas protectoras.13Nos es-tudos em que as adolescentes são agrupadas por idade,os riscos biológicos são tendencialmente mais elevadosnas grávidas mais jovens.5

A gestação tardia, definida como aquela em que a grávi-da apresenta idade igual ou superior a 35 anoscorresponde a cerca de 10% de todos os nascimentos, etem aumentado nas últimas décadas.14, 15Sabe-se que asmulheres mais velhas apresentam uma maior prevalênciade doenças tais como Diabetes mellitus, hipertensão ar-terial e patologia tiroideia.14,16Estes e outros factores deconfundimento como a heterogeneidade da idade ma-terna de inclusão e dos grupos de controlo tornam a ava-liação da idade materna avançada enquanto factor derisco independente difícil e controverso.14, 16,17

Alguns estudos não encontraram evidência de maior ris-co de complicações obstétricas durante a gravidez, partoe fase neonatal em gravidezes tardias.14,18Ainda assim,os dados de outros estudos, embora por vezesconflituosos, são sugestivos de maior risco de compli-cações maternas, com maior incidência de diabetesgestacional, hipertensão arterial gestacional, pré-eclampsia, distocias, trabalho de parto prolongado erotura prematura de membranas.14, 15, 16, 19 Parece existirainda um risco acrescido de complicações fetais e dorecém-nascido, nomeadamente cromossomopatias,aborto espontâneo, baixo peso ao nascimento, ACIU,macrossomia, prematuridade e óbito neo-natal.11, 14,15,17, 20

OBJECTIVOSPretende-se com este estudo realizar uma comparaçãoentre as grávidas de idade inferior a 18 anos, grávidasadultas com idade até aos 34 anos e grávidas adultascom idade igual ou superior a 35 anos em 2009 no Hos-pital Amato Lusitano (HAL).

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QUADRO 1 – Comparação entre grávidas adolescentes, até 34 anos e tardias em 2009

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METODOLOGIAForam utilizados dados do livro de partos do HAL emrelação ao ano de 2009 e referentes a: idade, vigilânciada gravidez, semanas de gestação, tipo de parto, nú-mero de gestações anteriores, APGAR no primeiro minu-to e peso ao nascimento. Foram considerados apenasos dados referentes a nados vivos, sendo excluídos 2casos de morte fetal (ambos no grupo de adultas jo-vens).O método de análise estatística utilizado foi o de Qui-quadrado com correcção de Yates quando oportuno.

RESULTADOSDe um total de 482 nados-vivos em 2009 no HAL, 17corresponderam a grávidas com idade inferior a 18anos (das quais 14 tinham idade igual ou superior a15 anos), 390 a grávidas com idades ente os 18 e 34anos e 75 a grávidas com idade igual ou superior a 35anos(quadro 1).Em relação às adolescentes, constituíram 4% das gra-videzes em 2009 no Hospital Amato Lusitano, numtotal de 17. Destas, 13(76%) foram vigiadas, uma per-centagem inferior aos 2 restantes grupos. Em nenhumcaso ocorreu parto prematuro. Em relação à paridade,14(82%) das grávidas adolescentes registadas eramprimíparas (P < 0.05), comparadas com 57% das grávi-das adultas até 34anos e 27% das tardias. A maioriados partos, 14 (82%), foram eutócicos, sendo neces-sária ventosa em 18%. O APGAR no 1º minuto foi infe-rior a 9 em 3 casos (18%). Quanto ao peso no nasci-mento, não se verificaram casos de baixo peso, sendoque em 1 caso (6%)o recém-nascido pesava mais de4kgs.Em relação às gestantes com idade superior a 35anos, constituíram 15% das gravidezes em 2009,num total de 75. Destas a maioria, 69 (92%) foramvigiadas, numa percentagem semelhante às grávi-das até 34 anos. Em 2 casos (2%) ocorreu parto pre-maturo. Quanto à par idade, 20 das grávidasregistadas eram primíparas (27%), numa percentageminferior à dos restantes grupos (P < 0.0001). A maio-ria dos partos, 40 (53%), foram eutócicos, sendonecessária ventosa em 14(19%) e cesariana em 21(28%). O APGAR no 1º minuto foi inferior a 9 em 7casos (9%). Em relação ao peso no nascimento, veri-ficaram-se 2 recém-nascidos de baixo peso (3%),sendo que em 6 dos casos (8%) os recém-nascidospesavam mais de 4kgs.

DISCUSSÃOConforme esperado, a percentagem inferior de vigilân-cia na gravidez corresponde ao grupo das grávidasadolescentes. É comum existir um atraso na procurados cuidados de saúde por parte das grávidas ado-lescentes por factores sociais, no entanto, estes re-sultados poderão dever-se também ao pequeno nú-mero da amostra, sendo que apenas 3 gestações nãoforam vigiadas. Naturalmente, foi neste grupo que seencontrou a percentagem mais elevada de primíparas,sendo a mais baixa no das grávidas tardias.Em relação às semanas de gestação, não existiu evi-dência de risco elevado de parto pré-termo em ne-nhum dos grupos avaliados. Verificou-se 4% deprematuridade no grupo das grávidas até 34 anos e2% nas grávidas tardias sem casos registados em re-lação às grávidas adolescentes. Existiram apenas 2casos de gravidezes com mais de 42 semanas deevolução, ambos no grupo dos 18 aos 35 anos.Não houve necessidade de recorrer a parto por cesa-riana no grupo das adolescentes. O facto pode de-ver-se à maioria delas ter idade igual ou superior a15 anos durante a gravidez.A percentagem globalde partos distócicos foi semelhante em relação àsgrávidas adultas até aos 34 anos e após os 35, comuma frequência de cesarianas ligeiramente superiorneste último grupo.O APGAR no primeiro minuto foi igual ou superior a 9na maioria dos recém-nascidos de todos os grupos,particularmente no das grávidas tardias (91%).O peso ao nascer foi normal na globalidade dos ca-sos. Existiram apenas 2% de recém-nascidos de bai-xo peso no grupo das grávidas tardias e nenhum nasadolescentes. Verificou-se uma percentagem de re-cém-nascidos macrossómicos ligeiramente superiorno grupo de grávidas tardias (8%) em relação aos res-tantes grupos considerados.

CONCLUSÃONeste estudo não pareceu existir risco acrescido de com-

plicações obstétricas quanto aos factores considerados

em relação às grávidas adolescentes ou maternidade tar-

dia. Apesar de se encontrar percentagens ligeiramente

mais elevadas de parto por cesariana e macrossomia nas

gravidezes tardias a única variável onde foi encontrada

diferença estatisticamente significativa foi em relação àexistência ou não de parto anterior.

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LIMITAÇÕESO pequeno grupo de grávidas adolescentes impossibili-tou por vezes a realização de testes estatísticos (porfrequência esperada inferior a 1).Não são conhecidas as co-morbilidades prévias à gra-videz ou a incidência de diabetes e hipertensãogestacional ou outras complicações nos grupos estu-dados.Não existe informação acerca do contextosocioeconómico das grávidas estudadas e da existên-cia ou não de rede social de apoio.Não foram analisadas complicações maternas ouneonatais tardias.

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CUIDADOS E CUIDADORES: O CONTRIBUTO DOSCUIDADOS DE ENFERMAGEM DE REABILITAÇÃO NAPREPARAÇÃO DA ALTA DO DOENTE PÓS ACIDENTEVASCULAR CEREBRALCare and Caregivers: the contribution of rehabilitation nursing care on preparing discharge in patients

after stroke

Silvia Cristina Almeida SIMÕES1; Eugénia Nunes GRILO2

1LICENCIADA EM ENFERMAGEM, ALUNA DO 1º CURSO DE PÓS LICENCIATURA DE ESPECIALIZAÇÃO EM ENFERMAGEM DE REABILIATÇÃO, ESCOLA SUPERIOR DE SAÚDE DR. LOPES DIAS,ENFERMEIRA NA UNIDADE LOCAL DE SAUDE DE CASTELO BRANCO2MESTRE EM ESTUDOS SOBRE AS MULHERES, DOUTORANDA EM ENFERMAGEM, UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA, PRF. ADJUNTO, ESCOLA SUPERIOR DE SAÚDE DR. LOPES DIAS

RESUMOA transição demográfica, que continua a ocorrer por todo omundo ocidental, tem implícita a sobrevivência das pesso-as com idade avançada por muitos anos, expondo-as deum modo acrescido ao risco de acidente vascular cerebral.É reconhecido, tanto pelos profissionais de saúde comopelo público em geral, o esforço dos decisores políticose de saúde no sentido de dotar as unidades de saúdede recursos que permitam o encaminhamento e atendi-mento mais rápido destes doentes, que associado à te-rapêutica trombolítica, tem permitido em muitos casosevitar sequelas graves e dependência de terceiros.Contudo, um número significativo de pessoas acometidaspor este problema fica fora dos critérios destas aborda-gens, resultando da sua doença sequelas mais ou menosgraves com graus de dependência muito variados. Nestesdoentes, a diminuição do tempo médio de internamento éuma realidade tanto associada à otimização do desempe-nho das unidades de saúde, como a algum desinteressesuscitado pela evolução lenta do seu restabelecimento epela reserva no prognóstico. Dos 9,6 dias de demora médiaem 1990, passou-se para uma meta de 6 dias deinternamento como estabelecia o Plano Nacional de Saúde2004-2010, referindo também a resposta insuficiente relati-vamente às pessoas que se encontram em situação de per-da de funcionalidade ou com níveis de dependência que asfazem necessitar de apoio para a satisfação das suas ne-cessidades mais básicas, tanto por número insuficiente derespostas como pela frágil articulação entre as mesmas,configurando-se a família como um recurso fundamental.Em Portugal a família continua a ser a principal fonte decuidados. A ela cabe a responsabilidade de cuidar dosdependentes, que se vê de um modo súbito confrontada

ABSTRACTThe demographic transition, happening throughout theWestern world, has implied the survival of people withadvanced age for many years, exposing them in a wayincreased the risk of stroke.It is recognized by both health professionals and thegeneral public, the efforts of policy makers and health inorder to provide the health units of resources and enablingthe delivery of patient care faster, that associated withthrombolytic therapy, has allowed in many cases preventserious sequeals and dependence .However, a significant number of people affected bythis problem stay outside the criteria of theseapproaches, resulting from their illness or more severesequels with widely varying degrees of dependence.In these patients, the decrease in average hospitalstay is a reality both associated with improvedperformance of health facilities, such as a lack ofinterest raised by the slow progress of his recoveryand prognosis in reserve. Of the average delay of 9.6days in 1990, it moved to a target of 6 days ofhospitalization than established the National HealthPlan 2004-2010, referring also to insufficient responsein relation to persons who are in a situation of loss offunctionality or dependency levels that are neededsupport to meet their most basic needs, either by aninsufficient number of responses as the flimsyconnection between them, becoming the family as akey resource.Families in Portugal are still the main source of careand responsibility of caring for dependents continuesto be the family that suddenly finds himself faced withincreased needs and exposed to various imbalances.

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Correspondência do Autor: Eugénia Nunes GriloEmail: [email protected]

com as necessidades acrescidas e exposta a desequilíbriosdiversos.Com o presente artigo de revisão pretende-se refletir so-bre alguns aspetos relacionados com continuidade de cui-dados, após um episódio de doença aguda, o acidentevascular cerebral, salientando a importância da família nesteprocesso, e rever, elencando, um conjunto de intervençõesrelacionadas com os cuidados de enfermagem de reabili-tação à família, na transição para o seu novo papel.Duas ideias centrais nortearam a reflexão: a família e agestão da dependência e os cuidados de enfermagemde reabilitação no planeamento da alta.Palavras-chave: Alta, continuidade de cuidados,cuidadores, família, enfermeiro de reabilitação.

The aim of this paper is to reflect on some aspects ofcare continuity after an acute episode of disease, a stroke,emphasizing the importance of family in this process andidentifying some rehabilitation nursing care in thetransition from family to his new role, highlighting itsimportance.This discussion is set over two central ideas: family anddependence management and rehabilitation nursing carein planning the discharge.Keywords: Discharge, continuity of care, caregiver,family, rehabilitation nurse.

1. A ALTA HOSPITALAR: A FAMÍLIA NAGESTÃO DA DEPENDÊNCIAA europa tem registado ao longo deste século altera-ções demográficas significativas que tem sido conside-radas como relevantes tanto na incidência como naprevalência de acidentes vasculares cerebrais (1)

e naassistência às pessoas com esta patologia, a definiçãode trajetórias de cuidados tem permitido que na faseaguda, os cuidados sejam organizados de uma formamais eficaz1, 2. Mas ultrapassada esta fase, e fora do hos-pital, continuam a ser as famílias, as grandes responsá-veis pelo fornecimento de cuidados aos familiares de-pendentes, que perante a escassez de outras respostas,se defrontam com necessidades acrescidas e expostasa desequilíbrios no sistema familiar, fazendo deste, umtema pertinente e merecedor de atenção no contextoatual, apesar de não ser inédito3, 4, 5

.

O tempo de internamento hospitalar é cada vez mais curto,tanto associado à necessidade de reduzir os custos relacio-nados com o internamento como à crescente otimizaçãodos cuidados de saúde, o que na prática significa altas clíni-cas precoces, logo que o episódio de doença aguda quelevou ao internamento esteja resolvido 7, 8, 9, 10, 11

.

Tendo em consideração que o Acidente Vascular Cere-bral (AVC) acarreta inúmeras incapacidades temporáriase/ou permanentes, com graus de dependência variadosna realização das atividades da vida diária, estes factos,constituem um fator de perturbação do equilíbrio dodoente e da família6, 7, 11, 12, e transformam o regresso acasa num conjunto de problemas e angustias geradores

de dependência que requerem continuidade de cuida-dos, desempenhando a família/ cuidador um papel es-sencial na gestão e prestação dos mesmos9,13.No contexto das atuais políticas sociais e de saúde, afamília é considerada uma ajuda privilegiada, que permi-te lidar com a dificuldade reconhecida, que é cuidar deum indivíduo dependente e frequentemente idoso14, 15. Apermanência da pessoa idosa no seu meio social e fami-liar, em constante interação com aqueles que lhe sãopróximos é o cenário ideal para que aqueles que atin-gem a velhice a vivam de forma equilibrada. E este apoioprestado por familiares ou amigos é considerado o maisadequado pela proximidade que existe entre uns e ou-tros (16)

, contudo, não raras vezes essa relação de proxi-midade decorre com excesso de trabalho, sofrimento eangústia para os cuidadores, frequentemente desprovi-dos de apoios de qualquer tipo.Os cuidados no domicílio são parte integrante da histó-ria, experiência e valores familiares da nossa cultura, cons-tituindo-se a família por isso, um recurso precioso3,14, masa insuficiência de respostas articuladas nos cuidados dacomunidade, apesar de existirem já algumas, e a atualconjuntura socioeconómica, fazem emergir a necessida-de de um maior investimento dos profissionais de saúdena articulação entre os cuidados hospitalares e os cuida-dos de saúde primários/ cuidados domiciliários.Os cuidados de enfermagem prestados ao doente fa-zem parte de um processo co-participativo e exigemuma postura ética com respeito pelas crenças e valorese o reconhecimento da pessoa enquanto detentora de

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direitos, responsabilidades mas também potencialidades eo envolvimento da família e/ou cuidador neste processo,transforma-o num processo compartilhado que atende deigual modo as necessidades da pessoa dependente e docuidador e transformando-a também em alvo de cuidados.O cuidador informal, cuidador principal ou simplesmentecuidador é motivado pelo grau de parentesco e influenci-ado pelo género. São sobretudo as esposas, as mães, asfilhas e as noras que assumem esse papel, é a pessoa quepor instinto, vontade, dever, disponibilidade ou capaci-dade, assume a responsabilidade pela assistência, supor-te e prestação de cuidados, a uma pessoa dependentecom vista à melhoria da sua qualidade de vida (4, 6, 8, 15, 16).Cuidar de pessoas de modo informal é um desafio cadavez maior, carregado de exigências muito distintas (16),porque, cuidar de pessoas dependentes acarreta efei-tos adversos tanto do ponto de vista físico como psi-cológico, isolamento social, disfunções familiares, pro-blemas financeiros e pessoais que requerem ajuda espe-cífica. A dependência, como é definida no Decreto-Leinº 101/2006 (34), é a situação em que se encontra qual-quer pessoa, com diminuição ou perda de autonomiafísica, psíquica ou inteletual que seja resultado de doen-ça crónica, demência orgânica, sequelas pós traumáti-cas ou do seu agravamento.Sendo sobejamente reconhecida a importância das famíli-as de um modo geral e dos cuidadores de um modo par-ticular na ajuda aos seus dependentes, associado ao pa-pel de cuidador, verifica-se um elevado grau de stress quan-do este papel não decorre com o acompanhamento devi-do pelos profissionais de saúde (9,16, 26). Porque estes cuida-dos especiais que a família dedica aos que lhe são próxi-mos, ainda que se possam revestir de aspetos, gratifican-tes, são fonte de numerosas exigências. Os próximos, de-finidos mais pelos laços afetivos do que pelos laços fami-liares, necessitam de receber a mesma atenção que a pes-soa dependente, uma vez que são igualmente afetadospela situação da pessoa incapacitada ou deficiente e nãoraras vezes, são vítimas de ações culpabilizantes por par-te dos profissionais de saúde e das instituições. Porquefazem parte integrante do processo de reabilitação é fun-damental reconhecer a sua importância neste processo eatribuir-lhe a devida atenção e valor, ainda que, tal factotorne mais difícil a ação dos profissionais do cuidado, exi-gindo que em determinados casos tenham que estabele-cer prioridades e fazer opções (29).Ao contrário do sucedido nas doenças crónico-degenerativas de evolução habitualmente lenta, a insta-lação de um quadro de AVC é súbita e não permite a

preparação psicológica, a assimilação de conhecimen-to e o envolvimento gradual do cuidador nos cuidados,que se vê assim perante de uma situação inesperada,para a qual não se encontra preparado e que não pou-cas vezes, lhe é imposta. Nestas situações assume umaimportância particular a preparação da alta hospitalar.Esta compreende o conjunto das atividades levadas acabo por uma equipa multidisciplinar de cuidados, quedeverá decorrer ao longo do internamento no sentidode facilitar a transferência adequada e em tempo útil dodoente de uma instituição para outra ou para a comuni-dade (6)

. Tem como objetivo a aprendizagem e aquisi-ção de atitudes e comportamentos positivos relativa-mente à saúde, a adoção de medidas preventivas dadoença e ainda a tomada de decisões conscientes ecoerentes (9). Para além de contribuir para continuidadedos cuidados, a preparação da alta, permite manter epotenciar a melhoria do estado de saúde e promover aindependência das atividades da vida diária.A promoção da reintegração dos doentes e cuidadoresna comunidade, contribui também para minimizar as in-seguranças da família e/ou cuidador e proporciona me-lhor qualidade de vida a ambos. Bem conduzida, a rein-tegração possibilita a prevenção de complicações, namedida em que um número significativo dos problemaspode ser antecipado, evita prolongamentos dointernamento e concorre para a diminuição dereinternamentos, rentabilizando deste modo os recur-sos disponíveis (6, 8,16, 18, 20, 21).A reintegração exige comunicação efetiva entre o do-ente, a família/ cuidador e os membros da equipa desaúde e deve considerar as necessidades sociais, deequipamentos e de materiais (8,19). O planeamento da altadeve incluir, segundo a Direção Geral da Saúde (19,20), aavaliação prévia das necessidades físicas e psicossociaispós alta; a elaboração de um plano pós alta que incluíaa previsão de equipamentos e serviços de apoio, pelodoente, cuidador/família e equipa multidisciplinar; a cri-ação de contacto de referência; disponibilização de todoe equipamento necessário e o ensino sobre a sua corretautilização; a avaliação do domicílio ou instituição queacolherá o doente e informação sobre o resultado doscuidados prestados e sobre as redes de apoio em todasas etapas do tratamento.Orientado para o regresso ao domicílio, comenvolvimento dos familiares e cuidadores do doente oupara a procura da localização mais apropriada para odoente no momento da alta, o planeamento da alta,exige coordenação com os médicos e enfermeiros dos

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cuidados de saúde primários que deverá ser um aspetobásico para assegurar a continuidade dos cuidados22 eestes, se em parceria e devidamente estruturados ofere-cem garantia de eficácia 5, 6, 17.

2. CUIDADOS DE ENFERMAGEM DEREABILITAÇÃO NO PLANEAMENTO DAALTAO aparecimento de um AVC num elemento da famíliaobriga a uma alteração e redistribuição dos papéis nosistema familiar, sendo o sucesso da reabilitação dosdoentes com AVC, como é sabido, influenciado pelo su-porte que o doente recebe da família. É também conheci-da a importância dos cuidados de enfermagem de reabi-litação na transição da família para este novo papel.A transição é segundo Meleis (in Petronilho, 2008) a “pas-sagem de uma fase da vida, condição ou estado para outro”e “refere-se tanto ao processo como ao resultado de umcomplexo de interações entre a pessoa e o ambiente” 31. Astransições fazem-se acompanhar de um conjunto signifi-cativo de emoções, muitas das quais relacionadas comas dificuldades encontradas durante a transição. Para alémdo aspeto emocional, o bem-estar físico é igualmenteimportante, pois o desconforto físico que acompanha umatransição e a sua superação podem fazer a diferença en-tre uma passagem bem ou mal sucedida.Sendo pertinentes para a saúde, as transições recaem nodomínio da enfermagem e de um modo particular na enfer-magem de reabilitação, permitindo aos enfermeiros atuarde modo antecipatório e preparar a mudança atenuandoas dificuldades e prevenindo os seus aspetos negativos (32).A comunicação tem que ser facilitada e a equipa deenfermagem deve certificar-se de que a família/cuidadordispõe de todas as informações de que necessita com aconsciência da importância que o sistema familiar repre-senta para a determinação dos resultados18. As inter-venções de enfermagem de reabilitação, devem serdirigidas às dificuldades da díade doente – família/cuidador pelo que apoiar tanto o doente como a famíliana tomada de decisões é fundamental.A educação para a saúde é um dos recursos para a trans-missão dos saberes e o treino para aquisição de habili-dades. Aquilo que se ensina deve ser coerente com ocontexto social e cultural dos indivíduos e das suas fa-mílias (9) e o seu principal objetivo é preparar oscuidadores e ajudá-los a interiorizar competências parao cuidado informal tendo em vista a melhorar qualidadede vida (7). A importância do ensino e do treino não se

esgotam na promoção da independência funcional dodoente, mas desempenham também um papel funda-mental na prevenção de reinternamentos, sobretudoquando se trata de pessoas idosas.Das intervenções de enfermagem de reabilitação no pro-cesso de planeamento da alta destacam-se:- a identificação das necessidades afetadas e/ou pro-blemas reais e potenciais do doente;- diálogo com a família que permanece no horário davisita com o objetivo da aproximação do cuidado pro-fissional ao familiar;- identificação do potencial cuidador informal, no mo-mento de admissão ou logo que possível e identifica-ção das suas necessidades;- previsão do grau de dependência à saída;- permissão da presença e participação da família/cuidador na prestação de cuidados; - criação de espaços de diálogo ou programação dereuniões com a família/cuidador para reflexão conjuntasobre o impacto da doença na vida familiar e discussão,planeamento e avaliação conjunta dos cuidados;- avaliação das reais capacidades do doente e da famí-lia/cuidador e identificação dos recursos necessários edisponíveis no pós-alta.- transferência de conhecimentos, e habilidades recursos paraos cuidadores de modo a que consigam prestar cuidadosao seu familiar dependente, personalizando e adaptando oensino às necessidades ou dificuldades de cada um;- resposta às dúvidas e promoção de atitudes que faci-litem o processo de adaptação do cuidador;- promoção de apoio instrumental no que respeita à uti-lização de material de apoio ou dispositivos de com-pensação e nunca descurar a necessidade conjunta deapoio emocional;- fornecimento de documentação escrita para que pos-sa ser consultada quando necessário;- realização de visita domiciliaria para avaliação da ha-bitação, ambiente e dos recursos da comunidade;- identificação de barreiras e aconselhamento sobre asadaptações da estrutura física da habitação às reaisnecessidades funcionais do doente e encaminhamentopara as entidades competentes;- encaminhamento de pedidos de produtos de apoio(ajudas técnicas);- coordenação com outros profissionais envolvidos nacontinuidade dos cuidados;- participação no processo de encaminhamento do do-ente e cuidador para outros serviços da comunidade;- divulgação de informação aos cuidadores e se neces-

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sário integra-los nas redes sociais e de saúde disponí-veis na comunidade3, 6, 8, 10, 13, 14, 16, 17, 18, 19, 24, 25

.

Cuidar de idosos e/ou pessoas dependentes em con-texto informal poderá ser uma tarefa custosa e árdua,como já foi referido, tanto pelas dificuldades e senti-mentos que se manifestam e que envolvem o cuidar,como por aspetos mais instrumentais como a falta dedisponibilidade ou de recursos económicos. No entan-to, quando os cuidadores recebem apoio de amigos,familiares e/ou profissionais de saúde acabam por refe-rir maior número de sentimentos e experiências positi-vas, nomeadamente gratidão, crescimento pessoal ecompanhia15,16. Daí que o planeamento da alta inclua ocuidador como alvo prioritário dos cuidados de enfer-magem de reabilitação já que os enfermeirosespecializados nesta área dispõem de competências quelhes permitem, para além de capacitar o doente emaximizar as suas funções, apoiar, orientar e cuidar dafamília, nomeadamente através de:- avaliação e quantificação do potencial familiar e asnecessidades de suporte familiar;- desenvolvimento de uma relação terapêutica eficaz,ou seja desenvolvimento de uma relação de ajuda e par-ceria com o cuidador e da preparação do cuidador parasentimentos de perda, culpa, raiva, frustração, medo,depressão, tristeza, angústia e insegurança que acom-panham a responsabilidade imputada ao cuidador infor-mal;- ajuda para verbalizar e exteriorizar os sentimentossupramencionados, respeitando-os e validando-os;- encorajamento nos momentos difíceis, incentivandoreações assertivas por parte da família, sugerindo for-mas de prevenir o isolamento e a perda de relações so-ciais;- ensino de habilidades de coping e técnicas de relaxa-mento;- incentivo do cuidador ao auto-cuidado, aconselhandoe orientando tanto para os recursos sociais como paraos espirituais, incentivando-o a aceitar apoio de tercei-ros (amigos familiares e outros) fornecendo informação,ensino e treino de habilidades;- disponibilização de presença física recorrente e desen-volvendo programas de prevenção e de impacto emo-cional negativo;- informação sobre os recursos da comunidade e enca-minhando para serviços de apoio integrado e de saúdeque permitam aos cuidadores períodos de descansocontribuindo ainda para criar condições que promovama valorização social dos cuidadores 3, 5, 7, 18, 23, 24, 27

.

A sociedade espera dos enfermeiros, cuidados de enfer-magem de qualidade e oferta em termos de frequênciae intensidade, proporcional à vulnerabilidade de quemmais deles necessita29. Dos enfermeiros de reabilitaçãoespera-se que atuem cientificamente perante a pessoacom deficiência, a família e a comunidade, e que pro-porcionem intervenções terapêuticas que visem melho-rar as funções residuais, manter ou recuperar a indepen-dência nas atividades de vida e minimizar o impactodas incapacidades instaladas. Espera-se também dosenfermeiros de reabilitação que intervenham na educa-ção dos doentes e conviventes significativos, no plane-amento da alta, na continuidade dos cuidados e naintegração dos indivíduos na comunidade, intervindo naequipa como coordenadores, colaboradores, conselhei-ros, formadores/educadores, tendo em vista a melhorarticulação e a continuidade de cuidados de enferma-gem de reabilitação30.

CONCLUSÃODe acordo com Hoeman (1996), qualquer dos elemen-tos da equipa de reabilitação, se competente, deveráser capaz de “identificar as variáveis que afetam o regres-so à comunidade; conduzir uma avaliação completa; par-ticipar no estabelecimento de objetivos mútuos e intervir aum nível que promova o sucesso, a autoconfiança e a inde-pendência do utente” 18

.

Sendo a família a verdadeira fonte de equilíbrio do cuidarinformal e um recurso de cuidados de saúde fundamen-tal, constitui-se cada vez mais como um foco fundamen-tal de intervenção da enfermagem de reabilitação.As avaliações que permitem antecipar e as intervençõesque permitem prevenir podem representar a diferençaentre o colapso ou a eficácia do coping, e os enfermeirosespecializados em enfermagem de reabilitação são de-tentores de competências que lhes permitem cuidar tantodos doentes como das famílias das pessoas com AVCou com outra situação da qual resulte dependência. Estetipo de apoio ou cuidados podem constituir-se comouma contribuição chave na transição da família para oseu novo papel31,32. Neste processo, como refere a Or-dem dos Enfermeiros, consideram-se elementos impor-tantes “a procura constante de empatia nas interações como cliente, o estabelecimento de parcerias (…) no planea-mento de cuidados, o envolvimento dos conviventes signifi-cativos do cliente” 33 já que as exigências contínuas e osrecursos limitados são uma realidade para um númerosignificativo de famílias 5, 7,18

.

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SATURAÇÃO VENOSA CENTRALCENTRAL VENOUS SATURATION

Paulo Manuel Ferreira da COSTA1; Maria Eufémia Quelhas de Carvalho CALMEIRO2; Rosa Maria Santos da SILVA3

1INTERNO INTERNATO MÉDICO DE MEDICINA INTERNA2ASSISTENTE MEDICINA INTERNA3ASSISTENTE GRADUADA DE MEDICINA INTERNA

SERVIÇO DE MEDICINA, HOSPITAL AMATO LUSITANO, UNIDADE LOCAL DE SAÚDE DE CASTELO BRANCO

Correspondência do Autor: Paulo Manuel Ferreira da CostaEmail: [email protected]

RESUMOA medição da saturação venosa mista é importante naavaliação dos doentes críticos uma vez que permite obtera relação entre a oferta e o consumo de O2 nos tecidos.No entanto esta medição necessita de um cateter naartéria pulmonar. Na prática clínica, por vezes, a satura-ção venosa obtida por cateter venoso central é utiliza-da com o mesmo fim. Os autores fazem uma revisãodos estudos que comparam as s duas medições e a suautilidade clínica.Palavras chave: saturação venosa de oxigénio mista,saturação venosa central, disfunção orgânica.

ABSTRACTThe measurement of mixed venous oxygen saturation isimportant in the evaluation of critically ill patients sinceit allows to obtain the relationship between supply andO2 consumption in tissues. However, this measurementrequires a pulmonary artery catheter. In clinical practice,sometimes the venous oxygen saturation obtained bycentral venous catheter is used for the same purpose.The authors present a review of studies comparing thetwo measures s and its clinical usefulness.Key Words: mixed venous oxygen saturation, centralvenous saturation, organ disfunction

INTRODUÇÃOA disfunção orgânica é uma complicação clínica frequen-te nos doentes críticos e a sua presença tem impactono prognóstico. Parece ser consequência, em parte, dahipoxia tecidular. Importa, portanto, identificar os doen-tes com deficiente oferta tecidular de O2, de modo aoptimizar a terapêutica, minimizando a hipoxia tecidulare consequentemente o aparecimento de disfunção or-gânica.Os achados físicos, sinais vitais, medição da pressãovenosa central e débito urinário são indicadores indirec-tos importantes na detecção de hipoxia tecidular, noentanto, nem sempre são suficientes1,2 . Actualmente, omelhor método para obter a relação entre a oferta deO2 aos tecidos e o seu consumo é saturação venosa deoxigénio mista (SvO2)

3, obtida através da cateterizaçãoda artéria pulmonar.A SvO2 diminui sempre que se verifique um consumoaumentado de O2 ou uma diminuição da sua oferta, re-sultante da diminuição da saturação arterial de O2 ou dadiminuição do débito cardíaco. Pode permitir identificarvariáveis que necessitam de ser optimizadas, como porexemplo: 1) saturação arterial de O2 baixa que necessi-

te de aumento da fracção inspiratória de O2; 2)hematócrito baixo que necessite de administração deglóbulos vermelhos; 3) baixo débito cardíaco que ne-cessite de agentes inotrópicos.Desde o estudo de Rivers et al4, e consequentes reco-mendações presentes nas orientações da “Survivingsepsis campaign”5, que se tem assistido à crescente uti-lização da saturação venosa de O2 obtida por catetervenoso central (ScvcO2), com o intuito de obter umaScvcO2 > 70%, que é um importante objectivo deressuscitação nos doentes com sépsis grave ou choqueséptico.

SATURAÇÃO VENOSA MISTA VSSATURAÇÃO VENOSA CENTRALA cateterização da artéria pulmonar, necessária para amedição da SvO2, comporta riscos para o doente, e asua utilidade em doentes críticos tem sido questionada.Face à utilização quase generalizada de cateteres veno-sos centrais em doentes críticos, torna-se apelativo subs-tituir a medição SvO2 pela medição da ScvcO2, ultrapas-sando-se assim os riscos decorrentes da colocação deum cateter na artéria pulmonar.

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Enquanto que a SvO2 obtida pelo cateter colocado naartéria pulmonar (CAP) reflecte a saturação de ambas asveias cavas, a ScvcO2 obtida pelo cateter venoso cen-tral, reflecte apenas a saturação da veia cava superior.Em doentes saudáveis a ScvcO2 é cerca de 2-3% maisbaixa que a SvO2. Esta diferença deve-se à maior satura-ção de O2 do sangue proveniente da veia cava inferiorresultante da menor extracção de O2 pela parte inferiordo corpo6. Contudo, em estados de baixo débito ouchoque este gradiente pode ser invertido comoconsequência da redistribuição de sangue, com redu-ção do fluxo renal e esplancnico7,8.Poderá a ScvcO2 substituir a SvO2? Vários autores tenta-ram responder a esta questão.Reihart et al9, realizaram um estudo em que pretendiamcomparar a SvO2 e a ScvcO2. Para tal efectuaram medi-ções dessas duas variáveis em cães anestesiados e sub-metidos a alterações de oferta/consumo de O2 (situa-ções de hemorragia ou hipoxia). Concluíram que apesardos resultados das duas medições serem diferentes (SvO2

inferior à ScvcO2), estes apresentavam uma boa correla-ção. Ou seja, variações na ScvcO2 reflectiam variaçõesna SvO2. Este dado pode ter implicações clínicas umavez que se pode usar a variação da ScvcO2 para inferirvariações na SvO2. No entanto, nas situações em que sepretende determinar com exactidão o consumo de O2

ou a fracção de shunt pulmonar (recorrendo a formulasmatemáticas complexas) não se poderá utilizar o valorda medição da ScvcO2 em substituição da SvO2.Ladakis Ch et al10 avaliaram a Scvc O2 e a SvO2 em 61doentes admitidos numa Unidade Cuidados Intensivos(UCI), com diferentes patologias (médicas e cirúrgicas),durante a colocação/progressão de cateter na artériapulmonar. Concluíram que existe uma grande correla-ção entre as duas medições e que a variação das duasé paralela. Em 90.2% dos doentes o valor das medi-ções diferiu menos de 5%, que segundo os autores éuma diferença aceitável que não influencia a avalia-ção do doente nem as escolhas terapêuticas. De sali-entar que se tratavam de doentes estáveis e que ape-nas 4 apresentavam sépsis (com ponto de partida ab-dominal).Lakhmir et al1, efectuaram medições da ScvcO2 e a SvO2

em 53 doentes (com patologia médica e pós-cirúrgicos),em que foi necessário colocar um CAP. Todos os doen-tes com patologia médica se encontravam em choque.Colheram amostras da aurícula direita (porta proximaldo CAP, 3 a 4 cm acima da válvula tricúspide) em re-

presentação do sangue venoso central (esta posição per-mitia colher sangue proveniente das duas veias cavas).Quando analisaram as medições verificaram existir umadiferença de 5.2% entre as duas, com a ScvcO2 maiorque a SvO2. A explicação possível para esta diferença,segundo os autores, pode ser atribuída à baixa satura-ção de O2 do sangue proveniente do seio coronário umavez que o miocárdio extrai a quase totalidade de O2.Concluíram também que a ScvcO2 não pode substituir aSvO2 para os cálculos do consumo de O2.Machado et al12, também compararam as duas medi-ções, obtendo resultados diferentes. Para tal colheramamostras em 23 doentes com choque sépticomonitorizados com CAP (foram excluídos os doentescom valvulopatia tricúspide associada a insuficiênciavalvular pulmonar, comunicação interauricular einterventricular, foramen ovale, persistência do canalarterial ou doenças associadas a shunt intracardíaco).Concluíram que existe uma fraca correlação entre asduas medições que poderia ser justificada pelas dife-renças do débito cardíaco. No entanto, quando os do-entes foram comparados tendo em consideração odebito cardíaco (> ou < 3.5l/min/m2) a diferença man-teve-se. De referir que neste estudo, os doentes já seencontravam estáveis.

EFEITO DA ENTUBAÇÃO TRAQUEAL NASATURAÇÃO VENOSAEm teoria, a entubação endotraqueal (EET) pode ter efei-tos distintos na ScvcO2. Se por um lado a redução doconsumo de O2 pelos músculos respiratórios pode au-mentar a ScvcO2, por outro a sedação e o aumento dapressão intratorácica, particularmente nos doenteshipovolémicos ou hemodinamicamente instáveis, po-dem condicionar diminuição do débito cardíaco econsequentemente diminuição da ScvcO2.Hermandez et al13, pretenderam avaliar o efeito da ETTna ScvcO2 em 108 doentes que necessitaram de ETTemergente (foram excluídos doentes com condiçõesneurológicas agudas e pós-paragem cardio-respirató-ria). Para tal mediram a ScvcO2 antes da EET e 15 minu-tos depois. Nesta amostra, 40.8% foram entubados porinsuficiência respiratória, 16.5% por falência circulatóriae 42.7% por causas mistas. Foi utilizado um protocolode entubação e ventilação de modo a que todos osdoentes estivessem sujeitos às mesmas condições. Esteestudo demonstrou que a EET melhorou significativamen-te a ScvcO2, em ambos os doentes sépticos e não sépti-

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cos. Os resultados foram consistentes em todos os sub-grupos e em 30% dos doentes, a EET isolada aumentoua ScvcO2 para valores superiores a 70%, objectivo deressuscitação de acordo com as orientações da“Survinving sepsis campaign”5. Os autores referem queestes resultados devem ser interpretados com cuida-do, ou seja, não significa necessariamente melhoria naperfusão global, pois pode ser apenas reflexo de me-nor utilização de O2 pelos músculos respiratórios e cé-rebro.

UTILIDADE CLÍNICAA saturação venosa é importante para avaliar a exis-tência de hipoxia tecidular em doentes críticos. No en-tanto a sua utilidade difere de acordo com as patologi-as.Nos doentes cirúrgicos, a medição da saturação veno-sa tem sido usada como objectivo de ressuscitação14,

15, 16. Pearse R et al14 avaliaram 117 doentes submetidosa cirurgias não-cardíacas, verificaram que no pós-ope-ratório precoce, os doentes com saturações venosasmais baixas apresentavam mais complicações. Nesteestudo a ScvcO2 de 64,4% descriminava doentes comcomplicações (ScvcO2 <64.4%) e sem complicações(ScvcO2 >64.4%). Os doentes que apresentaram umaScvcO2 >75% durante uma média de 8 horas não apre-sentaram complicações no pós-operatório. Num outroestudo15 com 60 doentes cirúrgicos não cardíacos veri-ficou-se que a ScvcO2 média óptima para evitar com-plicações seria de 73%.Nos doentes submetidos a cirurgia cardio-torácica, têm-se verificado alterações na SvO2 mesmo antes de severificarem alterações na pressão arterial média ou nafrequência cardíaca17, e que se correlacionam bem comalterações no índice cardíaco18. Reduções sustentadasabaixo dos 65% estão associadas com maior incidên-cia de complicações particularmente arritmias19. Sekkatet al20 compararam a ScvO2 e ScvcO2 em doentes sub-metidos a cirurgia cardíaca, tendo concluído que asduas medições são diferentes em 4 a 16% o que podeter implicações clínicas, principalmente quando se pre-tende atingir objectivos de ressuscitação. No entanto,à semelhança de outros estudos verificaram que a vari-ação SvO2 e da ScvcO2 é concordante.A aplicação da terapêutica de ressuscitação precoceno pré21 e pós-operatório22,23 contribui para a melhoriadas disfunções orgânicas e diminuição dos dias deinternamento.

No caso dos doentes com trauma grave a frequênciacardíaca, pressão arterial e venosa central são tradicio-nalmente utilizados para avaliar a severidade da hemor-ragia. No entanto a saturação venosa central poderáfornecer informação mais fiável nessa avaliação24,25. Naverdade os doentes com trauma grave e choque, esta-bilizados de modo a atingir valores ideais de frequênciacardíaca, pressão arterial e venosa central, a ScvcO2 per-maneceu insuficiente em 50% dos casos26. Os doentescom ScvcO2 <65% precisaram de mais intervenções, apre-sentam disfunção cardíaca prolongada e níveis delactatos elevados.Nos doentes com insuficiência cardíaca (decorrenteou não de enfarte agudo do miocárdio) o aumentodas necessidades de O2 pelos tecidos não vai associ-ar-se ao aumento do débito cardíaco, pelo que irásuceder um aumento da extracção de O2 a nível dostecidos com redução subsequente da saturação ve-nosa. Goldman et al27, analisaram a ScvcO2 em 31 do-entes com enfarte do miocárdio. Concluíram que aScvcO2 desce com a deterioração da função cardíaca.Quando esta foi inferior a 60% geralmente havia evi-dência de insuficiência cardíaca. Para valores ScvcO2

inferiores a 40% a insuficiência cardíaca já havia pro-gredido para o choque. Scheinman M. et al28, avalia-ram a ScvcO2 e a SvO2 em 24 doentes críticos, tendoconcluído que a variação das duas medições secorrelacionava, excepto nos doentes com insuficiên-cia cardíaca e choque. Mir et al29, avaliaram a SvO2 em26 doentes com enfarte do miocárdio, tendo conclu-ído que havia uma correlação entre a SvO2 e o débitocardíaco. Acrescentaram ainda que a variação da SvO2

em medições seriadas poderia ser usada para avaliara resposta à terapêutica. O aumento da SvO2 significa-ria melhoria do débito cardíaco.A ScvcO2 também pode ser usada durante aressuscitação cardio-respiratória, uma vez que ScvcO2

>40% durante a massagem cardíaca indica que estasestão a ser eficazes30 e naqueles em que se verificousubida da ScvcO2 para valores >70% a ressuscitaçãofoi bem sucedida31. Por outro lado, ScvcO2 elevadas(>80%), na presença de oferta de O2 baixa pode serindicativo da não extracção de O2 por parte dos teci-dos32.Finalmente nos doentes sépticos já com pressão arteri-al média e” 65mmHg, pressão venosa central entre 8-12mmHg e débito urinário e” 0.5mL/kg/hr, a utilizaçãodo objectivo de obter ScvcO2> 70%, resultou em dimi-

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nuição significativa da disfunção orgânica e da mortali-dade4. De salientar que neste estudo foi usada mediçãocontínua da ScvcO2.Mais recentemente, Vallée F et al, avaliaram, em doentessépticos já com ScvcO2 >70%, a diferença de pCO2 nosangue venoso central e sangue arterial (P(cv-a)CO2) comoíndice de hipoxia tecidular. Concluíram que em doentescom ScvcO2 >70% e P(cv-a)CO2 inferior a 6 mmHg aindanecessitariam de ressuscitação adicional33. Ou seja, paraconsiderar-mos que o doente já se encontra adequada-mente ressuscitado, necessitaríamos de obter uma P(cv-a)CO2 superior a 6 mmHg.

CONCLUSÕESA SvO2 fornece uma informação importante na avalia-ção dos doentes críticos, permitindo identificar aque-les que apresentam hipoxia tecidular e que vão evo-luir para disfunção orgânica ou agravamento dasdisfunções orgânicas prévias pelo que é útil a sua uti-lização sempre que disponível. Nas situações em queos doentes não tenham CAP colocado poderá usar-sea medicação da ScvcO2 (que é acessível e relativa-mente fácil de obter), em substituição da medicaçãoda SvO2, com o mesmo objectivo. As duas mediçõesnão sendo iguais parecem correlacionar-se. Deste modoa SvcO2 ou a ScvcO2 deverão ser utilizadas na avalia-ção dos doentes críticos, sempre que a patologia clí-nica o justifique, em complemento da avaliação clíni-ca tradicional.

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BRUCELOSE COM FOCALIZAÇÃO ATÍPICACASO CLÍNICOI. PINHO1, A. CARDOSO1, J. REIS PEREIRA2

1 ASSISTENTE HOSPITALAR, SERVIÇO DE MEDICINA INTERNA DOS HOSPITAL SOUSA MARTINS, ULS GUARDA EPE2 CHEFE DE SERVIÇO, DIRECTOR DO SERVIÇO DE MEDICINA INTERNA DO HOSPITAL SOUSA MARTINS, ULS GUARDA EPE

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RESUMOA Brucelose é uma doença infecciosa sistémica que podemanifestar-se de forma aguda ou insidiosa, com ou semfocalização orgânica. O contágio faz-se pelo contactocom animais infectados ou consumo de produtos nãopasteurizados. O diagnóstico confirma-se através dadetecção de anticorpos específicos ou pelo isolamentoda bactéria em meio de cultura enriquecido, sendo re-comendado o tratamento em associação antibiótica. Osautores relatam o caso de um doente de 65 anos deidade que recorreu à Urgência hospitalar por febre,toracalgia, astenia, perda ponderal e hipersudorese noc-turna. Como antecedentes patológicos apresentava fe-rida ocular perfurante por arma de fogo, basalioma nacicatriz da ferida e hábitos alcoólicos. Após estudo com-plementar foi internado com os diagnósticos detraqueobronquite aguda e metástase costal debasalioma. Por agravamento clínico e após anamnesedetalhada, foi colocada a hipótese de Brucelose, que seveio a confirmar, tendo iniciado antibioterapia dirigidacom melhoria franca. Este caso ilustra a importância dasuspeita diagnóstica de uma doença que frequentementese manifesta de forma inespecífica e atípica.

ABSTRACTBrucellosis is a systemic infectious disease that canpresent in an acute or insidious form, with or withoutorgan focalization. Transmission occurs by contactwith infected animals or via the ingestion ofunpasteurized dairy products. Diagnostic confirmationis made by specific antibody detection or bacterialisolation in enriched culture media, and therecommended treatment is antibiotic association. Theauthors report the case of a 65 year-old man thatpresented in the emergency department with fever,thoracic pain, asthenia, weight loss, and nocturnesudoresis. He had a history of an ocular shooting injury,in which scar a basalioma developed, and alcoholism.After a short diagnostic workup he was admitted withthe diagnosis of upper respiratory tract infection andcostal metastasis of basalioma. After detailedanamnesis and clinical worsening, the hypothesis ofBrucellosis was raised and confirmed, having starteddirected antibiotics with significant cl inicalimprovement. This case illustrates the relevance of thediagnostic suspicion of a disease that frequentlypresents in an unspecific and atypical form.

INTRODUÇÃOA Brucelose é uma zoonose que ainda hoje constitui umdesafio diagnóstico devido às suas apresentações fre-quentemente inespecíficas e atípicas1. O contágio é fei-to principalmente através de consumo de produtos nãopasteurizados. Trata-se de uma doença sistémica quepode envolver vários órgãos, apresentando-se de formaaguda ou insidiosa2. O diagnóstico confirma-se atravésdo isolamento em meio de cultura enriquecido ou, quan-do tal não é possível, através da detecção de títuloselevados de anticorpos específicos, existindo diversostestes serológicos disponíveis3. O tratamento faz-se ha-bitualmente em associação antibiótica, sendo recomen-dadas as associações de doxiciclina e rifampicina oudoxiciclina e estreptomicina3.

RELATO DE CASOJPR, 65 anos de idade, sexo masculino. Recorreu ao ser-viço de urgência por pico febril de 38,5ºC e toracalgiaanterior esquerda intensa. Relatava um quadro consti-tucional de instalação progressiva nas três semanas an-teriores, caracterizado por: astenia, perda ponderal,hipersudorese nocturna, tosse seca, lombalgia de pa-drão misto e toracalgia de características pleuríticas,com intensidade variável, localizada na face anterioresquerda do tórax. Tratava-se de um doente residenteem habitação rural, proprietário de cães e ovelhas, por-tador de prótese ocular direita após ferida perfurantepor arma de fogo, com história de basalioma na cica-triz da ferida perfurante (excisado) e consumo etílicomoderado (50gr/álcool/dia). Estava medicado apenas

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com tramadol 100 mg em sos. À exploração, de desta-car aspecto emagrecido e sudorético, febrícula (37,5ºC),palidez e desidratação muco-cutânea. Apresentava le-são supraciliar direita escavada (3 cm diâmetro) combordos irregulares ruborizados e região centralnacarada. Sem outras alterações valorizáveis, nomea-damente à auscultação pulmonar. As análises realiza-das revelaram hiponatremia de 130 mmol/mL (ref. 136-145),elevação da aminotransferase do aspartato (TGO)= 96U/L (ref. 15-41), da desidrogenase láctica (DHL)= 1404 U/L(ref. 266-500) e da Proteína C reactiva= 4.60 mg/dL (ref< 1.0).A gasimetria mostrou alcalemia por alcalose respirató-ria e insuficiência respiratória parcial (pH= 7.519, pCO2=30.8 mmHg, HOC3= 25,8 mmol/L, pO2= 57.5 mmHg,Sat= 90.4%). O Rx torácico e o Electrocardiograma nãodocumentaram alterações. Pela suspeita detromboembolismo pulmonar, realizou AngioTACtorácico que revelou apenas traços de fibrose nos seg-mentos basais dos lobos inferiores.

O doente foi internado com a suspeita deTraqueobronquite aguda e metástase costal debasalioma. No entanto, apesar da antibioterapia eanalgesia instituídas, manteve quadro de febre compredomínio vespertino e toracalgia moderada a in-tensa.Nesta altura foi repetida a anamnese de forma exaus-tiva e o doente relatou que tinha sido expropriadodo seu rebanho de ovelhas por este apresentar vári-os casos de Brucelose. Iniciou então doxiciclina 100mg po 12/12h e rifampicina 900 mg po id, tendoatingido apirexia ao fim de 48h e melhoria franca dasqueixas álgicas. A serologia anti-brucella revelou-sepositiva: Rosa de Bengala positivo e anticorpos anti-Brucella IgM positivos em título superior a 640. Rea-lizou cintigrama osteoarticular para exclusão de le-são mestastática, que não documentou alterações.O doente manteve medicação antibiótica durante 12semanas com boa resposta clínica e serológica. Foi se-

Radiografia torácica: sem alterações relevantes

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guido em consulta externa, sem intercorrências. Veio afalecer três anos depois, na sequência de traumatismocrânio-encefálico.

DISCUSSÃOA incidência da Brucelose varia consoante determina-dos factores pecuários e socio-económicos, sendo queem Portugal as regiões que permanecem mais afecta-das são as regiões norte e centro (nomeadamente Guar-da e Bragança)2. Nos últimos anos a incidência temdiminuído significativamente devido à implementaçãoeficaz de um conjunto de medidas sanitárias nos mei-os pecuários.Apesar de este doente residir em zona historicamen-te endémica, a suspeita diagnóstica inicialmente co-locada esteve longe de ser Brucelose. Pensamos por-tanto que este caso clínico ilustra bem a dificuldade

Cintigrama osteoarticular: sem evidência de lesões metastáticas

diagnóstica que esta zoonose representa. A suspeitade metastização de basalioma, situação invulgar masnão impossível4, acabou por não se confirmar e o do-ente apresentou melhoria admirável aquando da in-trodução da associação antibiótica anti-brucélica. Em-bora o envolvimento osteoarticular seja o mais fre-quente na Brucelose, a focalização costal é muitorara1.

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COLECISTITE ENFISEMATOSA, CASO CLÍNICOMaria Auxiliadora MOLINA1, Leonor RAMOS2, Elsa GASPAR3, José Diniz VIEIRA4, João PORTO5, Jóse M. Nascimento COSTA6

1 INTERNA COMPLEMENTAR DE MEDICINA INTERNA2 INTERNO COMPLEMENTAR DE DERMATOLOGIA3 ASSISTENTE HOSPITALR DE MEDICINA INTERNA4 ASSISTENTE HOSPITALR GRADUADO DE MEDICINA INTERNA5 ASSISTENTE HOSPITALAR DE MEDICINA INTERNA6 PROF. DOUTOR DE MEDICINA INTERNA

SERVIÇO DE MEDICINA INTERNA DOS HOSPITAIS DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA

RESUMOIntrodução

A colecistite enfisematosa é clínicamente indistinguível dacolecistite aguda não enfisematosa. O seu diagnóstico équase sempre ecográfico, podendo ser complementadopela tomografia computorizada. O tratamento é cirúrgicoe urgente pela sua elevada morbi-mortalidade.Objectivo

Demonstrar a importância da realização de ecografiaabdominal num doente que recorre ao serviço de urgên-cia por dor abdominal.Método

Mulher de 83 anos diabética, que recorreu ao Serviço deUrgência do nosso Hospital por vómitos persistentes,dor abdominal difusa com agravamento progressivo eparagem na emissão de fezes. Estava sub-febril, oabdómen estava distendido e com escassos ruidoshidroaéreos, depressível e indolor à palpação. Os exa-mes diagnósticos mostraram: leucocitose, elevação dastransaminases e LDH, amilasémia normal. Rx abdomi-nal: distensão de ansas intestinais e níveis hidroaéreos.TAC abdominal: diverticulose cólica sem processo infla-matório. A Cirurgia geral considerou tratar-se de um íleusfuncional por diverticulose. Realizou uma Ecografia ab-dominal que revelou uma vesícula biliar distendida comconteúdo gasoso parietal e endoluminal, compatível comcolecistite enfisematosa.Conclusão

Enfatizar o estudo ecográfico no diagnóstico da dorabdominalPalabras clave: Colecistite, Enfisematosa, Ecografía.

ABSTRACTIntroduction

Emphysematous cholecystitis is clinicallyindistinguishable from non-gaseous cholecystitis. Thediagnosis is ultrasound. The treatment is surgical andimmediate for their high mortality.Objective

Highlight the importance of proper imagiologicexamination.Method

83 year old female, diabetic, went to the emergencyroom with persistent vomiting, diffuse abdominal painwith progressive worsening and stop the issuance offeces. Subfebril, the abdomen was distended with scarceRHA, pitting and painless on palpation. Diagnostic testsshowed: leukocytosis, elevated transaminases and LDH,normal amylase. Rx abdomen distended bowel loopsand fluid levels. CT abdomen: colonic diverticulosiswithout inflammation. General surgery consider functionalileus treated by diverticulosis, abdominal sonographyrevealed a distended gallbladder and endoluminalpariental gas content, compatible Emphysematouscholecystitis.Conclusion

Emphasize the ultrasound examination in the diagnosisof abdominal pain.Words key: Colecystitis, Emphysematous, Sonography.

AbreviaturasGOT: Transaminase glutâmica oxalacética; GPT: Alanina aminotransferasa; LDH: Lactodesidrogenase láctica; RHA: Ruidos hidrosaéreos; Rx: Radiografia ; TA: Tensãoarterial; TAC: Tomografia computerizada; U/L: Unidade/Litro; UI: Unidades internacionais

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INTRODUÇÃOA Colecistite enfisematosa representa 1% de todas ascolecistites agudas1,2 e caracteriza-se pela presençade ar no lúmen da vesícula biliar, parede ou tecidospericolecísticos sem que haja fístulas entre o sistemabil iar e o tracto digestivo1,2,3. É causada pormicroorganismos produtores de gás como E.coli,Estreptococos anaerobios, Klebsiella, Pseudomonas,Bacteroides frágiles e sobretudo Clostridium Welchii(50%)1,2,3. Acontece com maior frequência em homens( > , 3:1) idosos e em diabéticos (30%)1,3.Geralmente há gangrena da parede vesicular e litíase em70% dos casos com obstrucção do conduto cístico1.Fisiopatologicamente há hipersecreção da paredevesicular e produção de gás pelos microorganismos, quedistendem a vesícula e colapsam a circulação da parede.Consequentemente ocorre necrose da parede vesicularcom gangrena, perfuração, e peritonite generalizada pelaexpulsão do seu conteúdo na cavidade abdominal3.As manifestações clínicas são praticamenteindistinguíveis de qualquer outra colecistite nãoenfisematosa2,3. Inicia-se como uma colecistite aguda(litiásica ou alitiásica) seguida de isquémia ou gangrena

da parede vesicular e de infecção por microorganismosprodutores de gás que se generaliza, afectando todo oquadrante superior direito do abdómen. A dor pode irra-diar-se à zona interescapular, à escápula direita ou aoombro. São, ainda, frequentes anorexia, náuseas, vómi-tos, febre baixa e arrepios e icterícia quando o edemainflamatório afecta as vias biliares e os gânglios linfáti-cos circundantes. No exame objectivo, existe dor à per-cussão e palpação do hipocôndrio direito, agravado pelainspiração profunda e tosse, distensão abdominal e ruidosintestinais diminuidos consequência do ileo paralítico,mas sem sinais peritoneais generalizados nem rigidezabdominal, excepto se perfuração3.Tem pior prognóstico (25-40% de mortalidade) que acolecistite aguda não enfisematosa, já que apresenta mai-or número de complicações (perfurações, abcessosperivesiculares e colecistites gangrenosas)2, sendo obri-gatório o tratamento cirúrgico (colecistectomia) de ur-gência (nas primeiras 72 horas) e antibioterapia de am-plio espectro (Piperacílina-tazobactam, mezlocilina maismetronidazol)1,2,3.O seu diagnóstico baseia-se na suspeita clínica e nosexames de imagem2, sendo a ecografia a técnica de elei-

Figura 1. Vesícula biliar distendida, com abundante conteúdo gasoso parietal e endoluminal, suspeito de colescistite.

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ção, ao mostrar gás no interior do lúmen vesicular quedisseca a parede vesicular e forma um anel gasoso, ou seestende aos tecidos perivesiculares. Em casos duvidososdeve-se realizar TC abdominal. Pode recorrer-se àimagiologia contrastada para excluir que o gás correspondaao ar contido nas ansas intestinais circundantes.

CASO CLÍNICOApresentamos o caso de um doente do sexo feminino,de 83 anos com antecedentes pessoais de diabetesmellitus tipo 2 não insulinotratada, hipertensão arterial,dislipidemia e cardiopatia isquémica (angina de peito).Recorreu ao serviço de urgência do nosso hospital no dia3 de Julho do 2009 por vómitos persistentes, tipo borrade café, desde há 6 dias, com inicio após refeição copio-sa, dor abdominal difusa com agravamento progressivo,paragem na emissão de fezes e distensão abdominal.À entrada estava consciente e aparentemente orienta-da, sub-febril (Tª auricular de 37.8ºC), com hipertensãosistólica (TA=169/89 mm Hg) e hiperglicemia capilar(BMT=181 mg/dl). Após colocação de sondanasogástrica, observou-se drenagem de 650 cc de con-teúdo bilioaquoso, sem vestigios hemáticos. A auscul-tação cardíaca era arrítmica, sem sopros e na ausculta-ção pulmonar apresentava diminuição do murmúriovesicular na metade inferior do hemitórax direito e cre-pitações bibasais; o abdómen encontrava-se distendidocom ruídos peristálticos escassos à auscultação, mole,depressível, sem dor ou defesa à palpação; existiam dis-cretos edemas nos membros inferiores.Analiticamente apresentava leucocitose de 14.4 x10³/ìl, sem alterações da série vermelha (Hb 15.8 gr/dl) nemmegacariocítica (plaquetas 260.000/ml); no perfilbioquímico salientava-se proteína C reactiva de 43 mg/dl, elevação das transaminases (TGO 76 U/L e TGP 81 U/L) e LDH 350 U/L com amilasemia normal (41 U/L).Nos exames imagiológicos, a telerradiografia (Rx) detórax mostrou sinais de pneumopatia esquerda e no Rxdo abdómen observava-se distensão de ansas intesti-nais e níveis hidroaéreos. O TC toraco-abdominal reve-lou diverticulose cólica no sigmóide, colon descenden-te e ascendente sem sinais de processo inflamatório,nomeadamente densificação de gordura pericólica, co-lecções abcedadas ou ar livre intra-abdominal; sem alte-rações no fígado, pâncreas, baço, glándulas supra-re-nais e rins, e sem adenopatias intra-abdominais ou der-rame peritoneal; consolidação com broncograma aéreodo lobo médio e inferior direito e pequeno derramepleural do mesmo lado.

Foi observado pela cirurgia geral que considerou a si-tuação sugestiva de ileus funcional sem necessidadede cuidados cirúrgicos urgentes. Internou-se no Servi-ço de Medicina Interna com o diagnóstico de pneumo-nia e diverticulose. Perante a dúvida ainda nãoesclarecida relativamente ao quadro de dor abdominalque motivou a vinda ao serviço de urgência foi solici-tada uma ecografia abdominal. Este exame permitiu odiagnóstico definitivo de colecistite enfisematosa aomostrar a característica presença de vesícula biliardistendida, com abundante conteúdo gasoso parietale endoluminal.

DISCUSSÃOA dor abdominal aguda no Serviço de urgência é umdesafio diagnóstico e, tal como neste caso, apesar deexistir um conjunto bem definido de critérios e coexisti-rem múltiplos factores de risco, o diagnóstico pode nãoser feito. Embora seja fundamental a suspeita clínica, osexames imagiológicos vieram oferecer um contributoenorme para o diagnóstico.A radiografia simples de abdómen embora necessáriano estudo da dor abdominal, raramente proporcionaevidências específicas de colecistite aguda e a TC sóestá indicada no diagnóstico diferencial em casos mui-to seleccionados. Salienta-se a importância do estudoecográfico pela sua fiabilidade, rapidez e exactidão paraestabelecer o diagnóstico, com uma sensibilidade entre90-95% e uma especificidade entre 70-90%.

CONCLUSÃOA identificação da causa de dor abdominal é um desafiofrequente no serviço de urgência. A ecografia abdomi-nal deve manter-se como o exame de imagem de pri-meira linha na avaliação do doente com dor abdominal.Ainda que por vezes possa não revelar o diagnósticodefinitivo, ela é quase sempre um auxiliar importante naorientação e futura abordagem do doente. No caso des-crito revelou-se essencial no diagnóstico de colecistiteenfisematosa.

BIBLIOGRAFIA1 - “En el abdomen, donde no debe haber aire?”. htt//Seram2010.com/modules/posters/files/cpfinal.ppt

2 - Marchena Yglesias P.J, Ruiz Ribó M.D., D. Vañó Sanchís D., BenitoRelloso J.C.*, García Díaz A.M.* “Colecistite enfisematosa”. Servicio deMedicina Interna. Hospital Virgen de la Luz. Cuenca. *Médicos de familiadel área de salud de cuenca. http://www.semes.org/revista/vol17_4/6.pdf

3 - Harrison: Principios de Medicina Interna (16ªedição). Parte XII: Doenças dasvias gastrointestinais. Colecistite enfisematosa (pag. 2076)

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SÍNDROME DE CUSHING COMO APRESENTAÇÃO DECARCINOMA ADRENOCORTICAL

Joana COELHO1, Adriano RODRIGUES2, Rosário LEBRE3, Anabela SÁ4, Jóse M. Nascimento COSTA2

Cushing’s syndrome as a way of adrenocortical carcinoma presentation

1 INTERNO DE MEDICINA INTERNA DOS HOSPITAIS DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA2 PROFESSOR CATEDRÁTICO DA FACULDADE DE MEDICINA DE COIMBRA3 ASSISTENTE HOSPITALAR4 ASSISTENTE HOSPITALR GRADUADO

RESUMOO carcinoma adrenocortical é uma entidade clínica rara,sendo a Síndrome de Cushing a forma mais comum deapresentação dos tumores funcionantes.Apresenta-se o caso clínico de uma doente de 16 anosde idade que inicia em Julho de 2005 queixas de polifagiacom aumento ponderal, modificação das feições, comhirsutismo, alopécia e estrias dorsolombares. Perante asqueixas e por decisão dos pais é observada em consul-ta de Psiquiatria. São-lhe solicitados doseamentoshormonais que revelaram hipercortisolémia e é enviadaà consulta de Medicina Interna. A clínica e o estudo ana-lítico foram compatíveis com Síndrome de Cushing. Osestudos mostraram a existência de uma massa hetero-génea, na suprarrenal direita, cuja histologia mostrouaspectos compatíveis com a existência de tumor malig-no do córtex (critérios de Weiss). Apesar de uma boaresposta aos 6 meses, 8 meses depois dasuprarrenalectomia apresentava recidiva loco-regional eà distância, sendo submetida novamente a intervençãocirúrgica exploradora seguida de quimioterapia comoctreótido e mitotano, no entanto sem resposta.

Palavras-chave: Síndrome de Cushing, carcinomaadrenocortical

ABSTRACTAdrenocortical carcinoma is a clinical rarity, and CushingSyndrome is the most common form of functioning tumors.The authors report a clinical case of a 16-year-old patientwho started complaining, in July 2005, of polyphagiawith weight gain, modification of features, hirsutism,alopecia and dorsolumbar stretch marks. Given thesecomplaints, her parents decided that she should be seenin a Psychiatric consultation. The hormonal measurementsrequested revealed hipercortisolemia and the patient wassent to be seen in an Internal Medicine consultation. Bothclinical and analytical studies were compatible withCushing’s Syndrome. Studies revealed the presence of aheterogeneous mass in the right suprarenal and thehistology exposed aspects attuned to the existence ofa malignant tumor in the cortex (Weiss criteria). Althoughthere was a positive response after 6 months, 8 monthsafter the suprarenalectomy the patient had a loco-regio-nal and distant relapse. She was submitted to anotherexploratory surgical intervention, followed bychemotherapy with octreotide and mitotane, howeverthere was no favourable response.

Key-words: Cushing’s syndrome, adrenocortical carci-noma

INTRODUÇÃOO carcinoma adrenocortical é uma entidade clínica rara1,2,3, que pode ocorrer em todas as idades, com uma dis-tribuição bimodal, o primeiro pico de incidência antesdos 5 anos e o segundo na quarta/quinta década devida.1

Mais de 60% dos tumores suprarrenais são funcionantes.A síndroma de Cushing é a forma de apresentação maiscomum destes últimos (30-40%). A combinação da

síndrome de Cushing e virilização ocorre em 24% doscasos, com a virilização isolada a ocorrer em cerca de

20%. A feminização (6%) ou hiperaldosteronismo (2.5%)

são formas menos frequentes.1

A maioria dos doentes com tumores não funcionantesou sem sintomatologia endócrina apresentam-se commanifestações clínicas relacionadas com o crescimentoe volume da massa tumoral ou então são simples acha-dos imagiológicos.1

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CASO CLÍNICOC.R.A.M., sexo feminino, 16 anos de idade, natural e resi-dente em Ovar, que iniciou em Julho 2005 queixas depolifagia, aumento ponderal, aumento da pilosidade faciale corporal, rarefacção do cabelo, modificação de fei-ções, com aspecto “cushingóide” e estriasdorsolombares.Perante as queixas e por decisão dos pais é observadaem consulta de Psiquiatria. Após o exame clínico, o psi-quiatra entende solicitar doseamentos do cortisol séricoe de hormona adrenocorticotrófica (ACTH); cujos valo-res foram de 47 micg/dl (Normal: 5-25) e indoseável,respectivamente.Face à clínica e às alterações analíticas, o psiquiatraorienta a doente à consulta de Medicina Interna no fi-nal do ano.Ao exame objectivo a doente apresentava rarefaçãodos cabelos, hirsutismo, fácies lunar, pescoço de búfa-lo, estrias violáceas dorsais e lombares, equimoses epetéquias nos membros, acumulação de gordura ab-dominal. Auscultação cardiopulmonar sem alteraçõese normotensa. Abdómen mole, depressível, indolor, semmassas ou organomegálias palpáveis, timpânico. Mem-bros inferiores sem edemas. (Figura 1)

Os quadros I e II mostram as alterações analíticas maissignificativas. (Quadro I e II)

Fez ainda doseamentos de testosterona total 1.3 ng/ml(N:0.1 a 0.9), testosterona livre 6.2 pg/ml (mulher <3.9),androsteniona 23 ng/ml (mulher 0.5 a 3.4), 17-hidroxiprogesterona (17-KS) 7 ng/ml (fase folicular 0.2 a1.8; fase luteínica 0.2 a 4.7; fase premenstrual 0.2 a 1.7),dehidroepiandrosterona sulfato (DHEA-SO4), prolactinae estradiol sem alterações.Realizou ecografia abdominal que mostrou massa

suprarrenal direita, com dimensão máxima de 8 cm, comtextura heterogénea, globalmente hipoecogénica eapresentando calcificações. Restante exame sem alte-rações.Foi então solicitada Tomografia Axial Computorizada(TAC) abdominal que revelou massa hipodensa de con-tornos polilobulados com calcificações punctiformesdispersas no interior, medindo 9 cm de maior diâmetro,apresentando plano de clivagem com o pólo superiordo rim mas, mas sem plano de clivagem inequívococom o lobo direito do fígado e com a veia cava supe-rior.Para melhor definição da possível existência de planosde clivagem realizou ainda Ressonância Magnética Nu-clear (RMN) abdominal que confirmou a massa dasuprarrenal direita, com 8,6x8,2x6 cm, heterogénea, decontornos lobulados, com características de intensida-de de sinal e dimensões sugestivas de processoneoplásico maligno, sem sinais de infiltração hepáticaou da veia cava, mas com compressão e estiramentovascular. (Figura 2)

Em Fevereiro de 2006, foi submetida asuprarrenalectomia direita por laparotomia subcostaldireita, tendo sido excisado um tumor com 250 g depeso, 9 cm de diâmetro, capsulado e lobulado. (Figura 3)

A histologia da peça operatória concluiu tratar-se deum carcinoma funcionante do cortex da suprarrenal, es-tando presentes mais de três critérios de malignidade(Critérios de Weiss). (Figuras 4, 5 e 6)

A doente é enviada para seguimento na consulta de

Oncologia Médica, medicada com hidrocortisona em

doses decrescentes e com boa resposta à terapêutica,

clínica, analitica e imagiologicamente, no follow-up a 6

meses. (Figura 7)

Figura 1: Fácies cushingóide, distribuição anormal da gordura e estrias dorsolombares

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Cerca de 8 meses após a cirurgia surgem de novo si-nais e sintomas de hiperfuncionamento das suprarrenais,com hirsutismo, aparecimento de novas estrias cutânease perda ponderal. É reinternada para avaliação da fun-ção da suprarrenal. Detecta-se elevação do cortisolsérico e supressão da ACTH. Faz avaliação imagiológicapor TAC que confirma recidiva local (massa polilobuladacom 9 cm de diâmetro, sem planos de clivagem com ofígado ou veia cava inferior). Realizou estudo PET/TCque sugeria extensa recidiva loco-regional, com prová-vel invasão hepática, da veia cava inferior e extensãopara o espaço renal homolateral e ainda metastizaçãopulmonar. (Quadro III)

Observada em Consulta de Cirurgia Geral, é sujeita alaparatomia exploradora (Outubro de 2006), que mos-trava volumosa massa irressecável.É então encaminhada para Consulta de EndocrinologiaOncológica, tendo iniciado octreótido (100 ug sc; 3id) e mitotano (1g 3id), sendo o primeiro suspenso apósum mês de administração por equimoses no local deinjecção. Cumpriu um mês e meio de terapêutica commitotano, com evolução da doença.Veio a falecer em Janeiro de 2007.

DISCUSSÃOA incidência do carcinoma da suprarrenal está estima-da em 0,5 a 2 casos por milhão de habitantes e porano1. Segundo alguns autores, os dois sexos são igual-mente atingidos, no entanto outros afirmam existir umapredominância feminina.O hipercortisolismo pode ser avaliado pela mediçãoda excreção urinária do cortisol nas 24 horas. Mais de90% dos doentes com síndrome de Cushing têm ní-

veis de cortisol livre urinário superiores a 200 mcg/24horas.O teste de supressão com dexametasona continua aser muito usado.Nos tumores funcionantes podem estar alterados paraalém dos níveis de cortisol, o androsteniol,androsteniona, DHEA, 17 cetosteróides, estradiol,testosterona, aldosterona e ainda a renina. Ascatecolaminas urinárias e metanefrinas devem ser de-terminadas para excluir os feocromocitomas.A ecografia é na maioria das vezes o primeiro examea ser realizado, no entanto o exame imagiológico deescolha para caracterização das suprarrenais é a TAC1.Tumores com mais de 5 cm, com margens irregularese ganho de contraste heterogéneo tendem a ser ma-lignos. A RMN pode ser utilizada de forma comple-mentar, nomeadamente na avaliação da existência deinvasão vascular1. PET4, cintigrafia com 125 Iiodocolesterol, venografia e arteriografia também po-dem ser usadas1.Macroscopicamente um tumor com peso superior a500g, superfície lobulada, áreas de necrose e/oucalcificações ou hemorragias intratumores, sugere ma-lignidade (1). Os critérios de Weiss (célulasplurinucleares, índice mitótico >5/50 por campo, fi-guras mitóticas atípicas, citoplasma eosinófilo, arqui-tectura difusa em mais de 33% do tumor, necrose, in-vasão das estruturas venosas e invasão capsular) sãoindicadores da capacidade de recorrência local emetastização à distância. Está aceite que a existênciade 3 ou mais destes critérios, provam a malignidade,como acontece no caso clínico apresentado1,5.A invasão local é sobretudo para rins, fígado, veia cavainferior.O tratamento dos tumores da suprarrenal é cirúrgico,sendo o único que prolonga a sobrevida2. O tratamentomédico com mitotano2,5,6, é usado nos casos deirressecabilidade, no entanto o seu valor terapêuticocontinua por determinar.O prognóstico dos carcinomas adrenocorticais é mau.As crianças têm melhor prognóstico que os adultos.Na maioria das séries a sobrevivência média é de 18meses 1.No caso clínico reportado, o carcinoma adrenocortical(com mais de 3 critérios de malignidade de Weiss),embora totalmente excisado, no primeiro acto cirúr-gico, teve recidiva local, com metastização pulmonare hepática com morte cerca de 10 meses após o di-agnóstico.

Figura 3: Peça operatória

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Figura 2: Imagem de TAC abdominal e RMN

Figura 4: Microscopia de luz, coloração hematoxilina-eosina; A- tumor capsulado, ampliação 40x; B- áreas de necrose, ampliação 100x; C- padrão variável, ampliação 400x

Figura 5: Microscopia de luz, coloração hematoxilina-eosina; A- células oncocíticas, ampliação 400x;; B- distribuição peritelial, ampliação 100x

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Figura 6: Microscopia de luz, A-coloração hematoxilina-eosina com ampliação 400x, pleomorfismo nuclear; B- coloração para Ki67 com ampliação de 100x, índiceproliferação ki67

Figura 7: Fenótipo da doente à apresentação e 6 meses após a cirurgia

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CONCLUSÃOO carcinoma do córtex da suprarrenal pode apresentar-se sob a forma de Síndrome de Cushing. O tratamento écirúrgico, estando a quimioterapia indicada nos casosde irressecabilidade. No entanto, a eficácia do tratamentocitotóxico continua por ser provada. De uma forma ge-ral, esta entidade clínica tem mau prognóstico.

BIBLIOGRAFIA(1) - Linda NG and Libertino JM. Adrenocortical carcinoma: diagnosis, evaluation

Quadro I - Estudo analíticoLegenda: ALT- alanino aminotransferase, AST- aspartato aminotransferase, GGT- gama glutiltranspeptidase, LDH- desidrogenase láctica

Quadro II - Estudo analíticoLegenda: ACTH - hormona adrenocorticotrópica

and treatment. The Journal of Urology. 2003 Jan; vol 166:5-11(2)- Tacon LJ, Prichard RS, Soon PS, Robinson BG, Clifton-Bligh RJ, Sidhu SB; Current and emerging therapies for advanced adrenocortical carcinoma.Oncologist. 2011;16(1):36-48.(3)- Wandoloski M, Bussey KJ, Demeure MJ. Adrenocortical cancer.; SurgClin North Am. 2009 Oct;89(5):1255-67.(4) - Gierach M, Pufal J, Pilecki S, Junik R. The case of Cushing’s diseaseimaging by SPECT examination without manifestation of pituitary adenomain MRI examination. Nucl Med Rev Cent East Eur. 2005;8(2):137-9(5) - Fassnacht M, Libé R, Kroiss M, Allolio B. Adrenocortical carcinoma: aclinician’s update. Nat Rev Endocrinol. 2011 Jun; 7(6):323-35; Epub 2011Mar 8.(6)- Terzolo M, Angeli A, Fassnacht M, Daffara Fn Engl J Med. AdjuvantMitotane Treatment For Adrenocortical Carcinoma. 2007 Jun7;356(23):2372-80.

Quadro III - Avaliação laboratorialLegenda: ALT- alanino aminotransferase, AST- aspartato aminotransferase, GGT- gama glutiltranspeptidase, LDH- desidrogenase láctica ; ACTH - hormona adrenocorticotrópica

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SOLUÇO, UMA APRESENTAÇÃO ATÍPICA DE SARCOIDOSEMaria Auxiliadora MOLINA1, Ana R. ALVES2, Nuno SILVA3, João PORTO4, Diniz VIEIRA5, José M. Nascimento COSTA6

1INTERNA COMPLEMENTAR DE MEDICINA INTERNA2INTERNA COMPLEMENTAR DE MEDICINA INTERNA3ASSISTENTE HOSPITALAR DE MEDICINA INTERNA4ASSISTENTE HOSPITALAR DE MEDICINA INTERNA5ASSISTENTE HOSPITALAR GRADUADO DE MEDICINA INTERNA6PROF DOUTOR DE MEDICINA INTERNA

SERVIÇO DE MEDICINA INTERNA DOS HOSPITAIS DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA

RESUMOIntrodução

A sarcoidose é uma doença sistémica, de causa desco-nhecida, e uma variedade de órgãos ou tecidos podemser fonte de manifestações clínicas.Objectivo

Ilustrar uma forma atípica de apresentação de sarcoidose:o soluço intratável.Resultado

Homem de 55 anos com soluços de incidência diária,desde há 5 meses. A TC toracoabdomino-pélvica mostrou gânglios axilares e mediastínicos. A PETevidenciou um quadro poliadenopático hipermetabólicomediastínico e bronco-hilar. Mantoux negativo. Provasde função respiratória normais. Trânsito esofago-gastro-duodenal baritado: refluxo esofágico transitório eespasmocidade antral. TC crânio-encefálica sem altera-ções. ADA negativa, SACE normal, ANA e ANCA negati-vo, estudo tiroideu normal, IEF normal. Biópsia de gângliomediastínico: granuloma epitelióide não necrotizantecompatível com sarcoidose. Inicio tratamento comcorticosteróides com desaparição do soluço.Conclusão

A sarcoidose foi responsável pelo soluço por interferên-cia dos gânglios com os nervos torácicos. Salienta-se aimportância da abordagem diagnóstica do soluçointratável.Palabras clave: Sarcoidose. Soluço. GranulomaEpitelióide.

ABSTRACTIntroduction

Sarcoidosis is a systemic disease of unknown cause, avariety of organs or tissues may be a source of clinicalmanifestations.Objectives

A clinical case presentation of intractable hiccups thatillustrates an atypical presentation of sarcoidosis.Results

A 55 year old male with a daily incidence of hiccupssince five months ago. TC thoraco-abdominal-pelvic:axillary and mediastinal lymph nodes. PET: mediastinaland hilar-bronco hypermetabolic polyadenopathies .Mantoux negative. Respiratoryfunction tests normal. Esophageal-gastro-duodenalbarium: esophageal reflux antral transitional andspasticity. Cerebral CT scans without changes. ADAnegative ,SACE normal, ANA and ANCA negative, normalthyroid study, IEF normal. Mediastinal lymph node biopsy:necrotizing granuloma epithelioid not compatible withsarcoidosis.He started treatment with glucocorticoids and thehiccups disappeared.Conclusion

Sarcoidosis that had interfered with the thoracic ganglianerves was responsible for the hiccups. Emphasize theimportance of the diagnostic approach of intractablehiccups.Key words: Sarcoidosis. Hiccups. Granuloma epithelioid.

INTRODUÇÃOO soluço é a contracção espasmódica, intermitente einvoluntária do diafragma e dos músculos intercostaisque resulta em uma inspiração súbita e termina com umfechamento abrupto da epiglote1,2. Sem função fisioló-gica conhecida3. Geralmente é transitório, cessando demaneira espontânea ou com medidas simples1.

Classifica-se como surto de soluço quando dura menos de48 horas, soluço persistente se se apresentar de forma pro-longada ou recorrente durante mais de 48 horas até 1 mêse soluço intratável quando se mantem mais de 2 meses3,sendo normalmente um sinal de outro transtorno médico,pelo que estes doentes devem receber atenção médicapara avaliar as possíveis entidades clínicas subjacentes.

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CASO CLÍNICODoente do sexo masculino, de 55 anos, com antecedentesde cifose cervical sem repercusão na mobilidade eherniorrafia inguino-crural esquerda em Março de 2008,exfumador, com hábitos alimentares normais consumindoálcool às refeições, sem tratamento habitual. Recorreu aoServiço de Urgência do nosso Hospital em Junho de 2008por desconforto retroesternal, em repouso, de 15 a 20 mi-nutos de duração uma hora antes, soluço constante edisfonia desde à 2 ou 3 dias, irritação orofaringea com ummês de evolução e pirose; negava disfagia, eructações, per-da ponderal, febre ou outros sintomas. Foi referenciado àconsulta de Medicina Interna, durante o seguimento teveuma perda ponderal de 5Kg de Junho a Outubro de 2008sem anorexia, tosse seca matinal durante a higiene oral emanteve o soluço com uma incidência diária, agravado comas refeições copiosas e com derivados lácteos (leite, quei-xo e iogurte), e inexistentes durante a noite, acompanhadode grande ansiedade (desde o início do quadro clínico).No exame físico apresentava um nódulo palpável na re-gião inguinal esquerda e adenopatias inguinais bilate-rais infra-centimétricas. Tiróide não palpável.O estudo analítico com hemograma, bioquímica comperfil lipídico, análise de urina, proteinograma,imunoelectroforese e auto-imunidade, não mostrou al-terações; ADA negativa e SACE sérica persistentementenormal e uma relação equitativa C4/C8 no linfograma. O

Quadro 1 - Causas do Soluço

Embora não se conheça bem os mecanismos neurológi-cos que originam este sintoma, postula-se a existênciade um arco reflexo composto por uma via aferenteconstituida pelo nervo frénico, o vago e o simpático;uma conexão central na qual relacione centros cerebraise respiratórios, o núcleo do nervo frénico, a formaçãoreticular e o hipotálamo; da via eferente formaria parte onervo frénico com conexões neurais eferentes à glotis eaos músculos costais inspiratórios3.Múltiplas são as causas que podem originar o soluçointratável (Quadro I). Podem dividirse em irritação dosnervos frénico ou vago, doenças do SNC, fármacos ealterações tóxico-metabólicas e causas psicogénicas. Emaproximadamente 90% dos doentes com soluço pode-mos identificar uma etiologia orgânica. As causas maisfrequentes de entre as enumeradas previamente são ostraumatismos craniais, acidentes cérebro-vasculares,encefalite, alcoól, neoplasias ou adenopatias torácicas,o bocio e o refluxo gastroesofágico(RGE). Destaque pelasua maior frequência a etiologia esofágica, sobretudo, oRGE. As causas psicológicas relacionam-se com o solu-ço agudo e com as formas crónicas. Podem ser ansieda-de, stress, reacções de conversão e o seu diagnósticodeve ser por exclusão. Nestes casos o transtorno psico-lógico pode ser uma consequência, e não a causa, dosoluço. Em raras ocasiões poderemos falar do soluçoidiopático se não podemos identificar a sua causa3.

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Quadro 2 - Protocolo de atitude no soluço persistente

Figura 1 - Avaliação diagnóstica

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estudo da função tiroideia foi normal. A intra-dermorreacção à tuberculina foi negativa. ECG, provas defunção respiratória (Quadro II e fig.1), radiografia de tó-rax (fig.3) e fibrobroncoscopia não mostraram alterações;o trânsito esófago-gastroduodenal baritado revelou umrefluxo esofágico transitório e espasmocidade antral. Amanometria não mostrou alterações e a endoscopia di-gestiva alta detectou uma pequena hernia do hiato. Aecografia abdominal revelou una estrutura quística (4,6cm de diámetro maior) no rim esquerdo. TAC crânio-

Figura 3 - Radiografia antero-posterior e lateral de tórax

encefálica apresentava moderada ectasia das arteriasencefálicas principais, de provável natureza arteriosclerótica,e TAC toraco-abdominal-pélvica revelou gânglios com dimen-sões no límite superior da normalidade na loca de Barety,pré-carinal e na janela aortopulmonar, e formação nodularna região inguinal esquerda, sem hepáto-esplenomegália(fig.4). O TAC de tórax confirmou adenopatiasmediastínicas particularmente exuberante a nível da regiãosub-carinal e hilar bilateral. O PET corroborou um quadropoliadenopático hipermetabólico mediastínico, bronco-hilare a nível da região inguinal esquerda. (fig.5)

A ecografia dos tecidos moles das regiões axilares einguinais com citopunção aspirativa de gânglios axilar einguinal mostrou uma adenite reaccional. Realizou umamediastinoscopia que revelou volumosas adenopatiaspéritraqueais compatível com um processo desarcoidose, verificando a biópsia de um gangliomediastínico os granulomas epitelióides não necrotizantes.Realizou tratamento inicialmente com procinético(metoclopramida) e inibidores da bomba de protões parao tratamento do refluxo gastroesofágico, e porque adilatação gástrica e a distensão abdominal é causa fre-quente de soluço; posteriormente se adicionou enzimaspancreáticos (pancreatina) porque a pancreatite podeoriginar soluço, mas não houve alivio sintomático. A se-guir Vitaminas do complexo B associado a analgésiconeuropático-anticonvulsivante (Gabapentina, substituidaposteriormente por Levetiracetam), para o tratamentode neuropatias, com ligeira melhoria sintomática.Posteriormente com relaxante muscular (baclofeno) paraalívio do espasmo diafragmático, passando apresentar

Figura 4 - TAC toraco-abdominal-pélvica

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soluço esporadicamente. (Fig.2 e Quadro III)A não melhoria do soluço com outras estratégiasterapêuticas e apesar da pouca evidência cientí-fica, mas atendendo ao impacto na qualidade devida do doente foi proposto corticoesteróides(dose inicial de 80 mg dia e dose de manutençãode 60mg/dia) com desaparecimento do soluço.

DISCUSSÃOA sarcoidose é uma patologia de causa desconhe-cida, embora os dados disponíveis sejam compatí-veis com uma resposta excessiva (adquirida, here-ditária ou de ambos os tipos) da imunidade celularante uma classe limitada de antigénios ou auto-antigénios persistentes; caracterizada pela presen-ça de granulomas não caseosos em múltiplos ór-gãos, sendo os pulmões e os gânglios linfáticosmediastínicos e hilares as localizações mais comuns.O curso clínico é variável, desde assintomática comresolução espontânea até progressiva com insufi-ciência de órgãos e inclusive falecimento.O diagnóstico é frequentemente suspeito com basenas anormalidades radiológicas. A presença deadenopatias hilares bilaterais é distintivo desta pa-tologia. Mas para poder estabelecer o seu diag-nóstico definitivo é imprescindível o achado pelabiopsia de granulomas epitelióides não caseificantesem um ou mais órgãos ou sistemas, excluindo ainfecção por fungos e micobacterias.A sarcoidose pode ser responsável do soluço pordois mecanismos:1. Lesões ocupantes de espaço:- Gânglios que interferem com os nervos torácicos- Hipertensão intracraneana- Lesão do troncoencéfalo2. Neuropatia periférica: afecção do sistema nervo-so periférico em forma de multineurite que simulauma esclerose múltipla.O tratamento da sarcoidose são os corticosteróidesque suprimem a reacção granulomatosa e melhoraos síntomas, mas não têm demostrado que altereo cursonatural da doença. A dose habitual é 0.5 mg/Kg depeso e dia de prednisona (ou corticosteróides equi-valente), com diminuição lenta e progressiva dadose; é recomendável que o tratamento dure comomínimo um ano porque em períodos inferiores sãofrequentes as recaídas.

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Figura 5a

Figura 5b

Figura 5 - Hipercaptação anómala em conglomerados adenopáticos sub-carinais o e bronco-hilares bilaterais (a) e várias adenopatías peri-centrimétricas na loca de Barety e na janela aorto-pulmonar (b).

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CONCLUSÃOCom este caso pretende-se ilustrar a importância daabordagem diagnóstica do soluço que dura mais dequarenta e oito horas (soluço persistente), porque podeser um sinal de um problema orgânico ou metabólicosubjacente. Neste caso invulgar, sarcoidose.

BIBLIOGRAFIA1. Springhouse Corporation.“Guía profesinal de signos y síntomas”. 4ªed. McGrawHill Interamericana. México (2004). Pag. 354-356

2. Garcia Vicente, Sergio. “Guías clínicas: Hipo persistente”. hptt://www.fisterra.com/guias 2/hipo.asp3. Encinas Sotillo A., Cañones Garzón P.J. y Grupo de Habilidades en PatologiaDigestiva de la SEMG. “ El hipo: Actuación e tratamiento”. Enero 2001/40-44.pdfhtpp://www.medicinageneral.org/Enero2001/40-44.pdf

AbreviaturasADA: Adenosina deaminase; ANA: Anticorpos antinucleares; ANCA:Anticorpo anticitoplasma do neutrófilo; ECG: Electrocardiograma; IEF:ImunoelectroforeseKg: Quilograma; PET: Tomografia por emissão de positrões; RGE: Refluxogastro-esofágico; Rx: Radiografia; SACE: Enzima conversor da angiotensina;SNC: Sistema nervoso central; TAC: Tomografia computorizada

Figura 2 - Esquema terapêutico

Quadro 3 - Terapêutica farmacológica e dossagem

PÓLIPO GÁSTRICO GIGANTE: RESSECÇÃO ENDOSCÓPICA

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Bruno PEREIRA*, Antonieta SANTOS*, Ana CALDEIRA**, Rui SOUSA***, Eduardo PEREIRA***, José TRISTAN***, António BANHUDO****

Homem, 79 anos, com antecedentes de ICC, HTA earritmia cardíaca. Recorreu ao SU por quadro sugestivode descompensação de insuficiência cardíaca. Referiaainda dor epigástrica com alguns dias de evolução. De-tectada anemia (Hb 8,8 g/dL) ferropénica. Endoscopia(Fig. 1): volumosa lesão polipóide (>5 cm) friável nocorpo gástrico proximal, cujas biópsias mostraramadenoma com displasia de baixo grau. Ecoendoscopia(Fig. 2): pólipo com cerca de 7 cm com pedículo curto(espessura 8 mm), parede gástrica adjacente normal.Tendo em conta a idade, co-morbilidades e desejo dodoente optou-se pela terapêutica endoscópica quedecorreu quatro meses após o diagnóstico, referindo odoente vómitos ocasionais. Na endoscopia verificou-se aumento das dimensões do pólipo, que media cercade 10 cm, encontrando-se prolapsado através do piloroaté D2 (Fig. 3). Após deslocação do pólipo para a cavi-

dade gástrica com uma pinça, foi feita excisão empiecemeal com ansa diatérmica (Fig. 4), aparentementecompleta (Fig. 5). Histologia: adenoma tubulo-vilosocom displasia de baixo grau. Endoscopia de controlorevelou cicatriz de polipectomia com aspecto regular(Fig. 6). Doente assintomático no follow-up.A incidência dos pólipos gástricos varia entre 0,4 e5% em diferentes séries de endoscopia digestiva alta.A vasta maioria é do tipo hiperplásico, constituindoos adenomas aproximadamente 7-12% do total. Sãogeralmente assintomáticos mas raramente podem ma-nifestar-se com dor epigástrica, obstrução intermiten-te, hemorragia ou anemia. A excisão endoscópicaconstitui uma modalidade terapêutica geralmente re-servada para os pólipos com dimensão inferior a 2cm, podendo ser aplicada em pólipos maiores em cir-cunstâncias que contra-indiquem a opção cirúrgica.

Figura 1. EDA: pólipo gástrico gigante no corpo.

1INTERNO COMPLEMENTAR DE GASTRENTEROLOGIA2ASSISTENTE HOSPITALAR DE GASTRENTEROLOGIA3ASSISTENTE GRADUADO DE GASTRENTEROLOGIA4DIRECTOR DO SERVIÇO DE GASTRENTEROLOGIA

SERVIÇO DE GASTRENTEROLOGIA, HOSPITAL AMATO LUSITANO, ULS CASTELO BRANCO

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Figura 2. Ecoendoscopia: pólipo gástrico pediculado com 7 cm.

Figura 4. EDA: excisão em piecemeal do pólipo gástrico com ansa diatérmica.

Figura 3. EDA: pólipo prolapsado através do piloro.

Figura 5. EDA: aspecto final após excisão do pólipo gástrico.

Figura 6. EDA: cicatriz de polipectomia.