2_cultura surda_nidiasá

8/4/2019 2_Cultura Surda_NidiaS

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EXISTE UMA CULTURA SURDA?1

Prof Dr Ndia Limeira de S2

A despeito de os surdos no terem dvidas quanto a suas identidadesculturalmente distintas, as pessoas no-surdas tm muita dificuldade emadmitir que os surdos tm processos culturais especficos, ento, muitoscontinuam a tratar os surdos apenas como um grupo de deficientes ouincapacitados. Este texto trata da existncia da cultura surda, cultura estageralmente desconhecida e ignorada, tida como uma cultura patolgica, umasub-cultura ou no-cultura. Estas representaes geralmente embasam asperspectivas comuns nas quais os surdos so narrados de forma negativa, comose fossem menos que normal.

Os elementos culturais constituem-se na mediao simblica que torna possvel a vida

em comum. A cultura se expressa atravs da linguagem, dos juzos de valor, da arte, das

motivaes, etc., gerando a ordem do grupo, com seus cdigos prprios, suas formas de

organizao, de solidariedade, etc. As culturas so recriadas em funo de cada grupo que

nelas se inserem. Os surdos so um grupo minoritrio que est lutando para que sua cultura

seja includa, no contexto social, como legtima.

Cultura, neste texto, definida como um campo de foras subjetivas que dsentido(s) ao grupo. atravs das interpretaes baseadas na cultura majoritria que, na

construo social da surdez, ocorre a valorizao do modelo ouvinte, principalmente no

processo educativo dos surdos. Trata-se de uma imposio subjetiva (s vezes at objetiva)

sobre as identidades dos surdos, sobre sua subjetividade, sobre sua auto-imagem, ou seja,

poderes so exercidos para influenciar os surdos a perderem sua identidade de surdo, para

que sua diferena seja assimilada, disfarada, torne-se invisvel.

As culturas minoritrias geralmente convivem com os cdigos da cultura que seconsidera dominante e pretensamente normalizadora. Na educao de surdos, por exemplo,

declarado o objetivo de normaliz-los. Neste discurso especfico, normalizar aparece

com o sentido de igualar, mas, na verdade, o surdo visto como algum que nunca pode

ser normal, ou igual. Normalizar pode ser entendido como atribuir a uma identidade

especfica todas as caractersticas positivas possveis em relao s quais as outras

1

Texto extrado do livro: Cultura, poder e educao de surdos. So Paulo: Paulinas, 2006 (da autora).2 Me de surda, psicloga, mestre e doutora em Educao, professora da Faculdade de Educao daUniversidade Federal da Bahia, coordenadora do Espao Universitrio de Estudos Surdos (EU-SURDO).


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identidades so avaliadas de forma negativa, considerando que existe uma identidade eleita

como a melhor, a correta, a perfeita.

Assim, neste embate, a cultura dos surdos se recria todos os dias, mas desconhecida e

ignorada, como uma forma de abafar o que vivido e visto. Como o problema da surdez estlocalizado num corpo individual, a taxonomia mdica reproduzida e assegurada,

perpetuando interpretaes da surdez enquanto a experincia de uma falta ou enquanto uma

incapacidade ou deficincia. A despeito de a surdez ser algo comum, a cultura surda vista

como uma espcie extica cuja identidade destinada a decair e a desaparecer (Owen

Wrigley,1996, p. 94).

A construo da surdez a partir de diferentes concepes de muticulturalismo

Numa mesma sociedade existem vrias culturas imbricadas umas nas outras, gerando a

necessidade de se considerar um multiculturalismo, principalmente nas aes educacionais.

No entanto, h vrias noes de multiculturalismo. Ento, convm destacar a concepo de

multiculturalismo que chamamos para esta reflexo.

Este estudo no entende multiculturalismo como a necessidade de concesso que uma

cultura maior/melhor deva fazer a outras culturas menores/piores. Multiculturalismo, aqui,

tambm no subentende a noo de cultura como restrita a etnia, ou a nacionalidade, mas

como um conceito que destaca formas de constituio de subjetividades que auxiliam na

determinao e organizao de grupos.

Carlos Skliar adverte (com base em Harlan Lane, 1990 e em Peter McLaren, 1997), que

a surdez construda a partir de concepes diferentes de multiculturalismo. Segundo ele,

pode-se observar a concepo conservadora de multiculturalismo, segundo a qual, na

abordagem questo da surdez, h uma supremacia do ouvinte sobre os surdos, h um

destaque para a biologizao da surdez e dos surdos, h a priorizao de todos os julgamentos

pela perspectiva do mais valoroso, da mais valia, h a deslegitimao das lnguas

estrangeiras e dos dialetos regionais e tnicos, h a proclamao do monolingismo, e, se usa

o termo diversidade para encobrir uma ideologia de assimilao (1998, p. 1).

Pode-se observar, tambm, a concepo humanista e liberal, que exagera o papel da

escola supondo que ela pode mudar as desigualdades, criando uma certa opresso para os que

desejam a diferena ou para os que no podem alcanar esta suposta igualdade. Destaca,

ainda, a concepo progressista, segundo a qual o conceito de diferena aceito, mas trata-se

de uma diferena pensada como essncia; nesta se fala do surdo verdadeiro, do surdo


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militante, do surdo consciente, mas ignorando a histria e a cultura que do o suporte

poltico diferena.

Por ltimo, o autor comenta a concepo crtica: a que destaca o papel que a lngua e as

representaes exercem na constituio de significados e de identidades surdas; nesta, asrepresentaes de raa, de classe, de gnero, so vistas como o resultado de lutas sociais

sobre signos e significaes. Segundo esta perspectiva pode-se afirmar que existe uma

cultura surda que se diferencia da cultura dos ouvintes por meio de valores, estilos, atitudes

e prticas diferentes.

Ao abordar a questo da cultura surda, em nenhum aspecto quero absolutizar a diviso

surdo/ouvinte, como se esta, e apenas esta, seja a nica/melhor/principal diviso de categorias

possvel, ou como se a nica caracterstica de uma pessoa surda fosse a surdez, esquecendo-se das demais caractersticas que a constituem: como o fato de ser surdo/negro, surda/negra,

surdo/branco, surda/branca, surda/mulher, surdo/homem, etc. Enfoca-se a cultura surda como

uma das mltiplas determinaes, sabendo-se que, nos estudos das demais culturas

minoritrias, seja a da cultura negra, ou a da cultura indgena, ou a da cultura imigrante, l

est a presena de sujeitos surdos, que tambm so negros, so indgenas, so imigrantes, etc.

O que se d que, no estudo da constituio do tecido social do qual os surdos

tambm fazem parte - h que se desvelar as diversas posies de sujeito que se revestem de

poderes particularizados, poderes estes que se constituem pelo fato de as pessoas terem/no

terem tais e quais caractersticas. O objetivo neste texto, torno a repetir, no absolutizar a

surdez ou a audio, ou destacar a cultura surda em detrimento da cultura majoritria, mas,

oferecer mais uma perspectiva de anlise da constituio social. No se trata de colocar a

cultura surda de um lado, e a cultura ouvinte de outro, como se estivesse tratando de

oposies binrias, mas trata-se da tentativa de proclamar os surdos enquanto grupo social,

que tambm pela caracterstica cultural se organiza.

Os surdos constituem grupos sociais que tm interesses, objetivos, lutas e direitos em

comum, mas, sendo um grupo social, como outro qualquer, dentro de sua prpria

configurao, acontecem tenses semelhantemente verificadas em outros grupos. Owen

Wrigley adverte que acontece freqentemente, no meio da construo da cultura surda, que

mecanismos de excluso e de incluso surgem tambm dentro desta, pois novas definies de

identidade dos surdos passam a definir novos mtodos (com freqncia priorizando o aspecto

lingstico) pelos quais os que no so membros da cultura, ou so membros perifricos,


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podem ser excludos (os que apenas ouvem mal, os filhos ouvintes de pais surdos, intrpretes,

pais de surdos, etc.) (1996, p. 17). Este autor ressalta que h que se observar que a surdez

militante gera tticas excludentes com freqncia prticas de excluso contra as quais sua

resistncia teve origem. Os surdos, muitas vezes, no se do conta das zonas intermedirias

que so criaes dinmicas destas mesmas prticas.

As negaes que so feitas cultura surda

A questo da existncia de uma cultura surda gera dificuldades e incompreenses em

alguns. Carlos Skliar j advertia sobre o incmodo causado quando se faz referncia a uma

cultura surda; diz ele: quando se trata de refletir sobre o fato de que nessa comunidade (de

surdos) surgem - ou podem surgir processos culturais especficos, comum a rejeio

idia da cultura surda, trazendo como argumento a concepo da cultura universal, acultura monoltica. (...) A cultura surda no uma imagem velada de uma hipottica cultura

ouvinte. No o seu revs. No uma cultura patolgica (1998, p. 28). A viso de uma

cultura patolgica, de um corpo doente/deficiente, da experincia de uma falta ou de uma

sub-cultura (ou no-cultura), o que geralmente embasa as perspectivas comuns e

profissionais de que os surdos so menos que normal (portanto, passveis de serem

enquadrados no modelo da deficincia).

Trago alguns exemplos de prticas discursivas atravs das quais a surdez vai sendo

socialmente construda e determinada. Em discusses sobre a existncia ou no de uma

cultura surda, professores de surdos responderam3:

Acho que os surdos no tm uma cultura prpria, tm apenas algumas

adequaes.(...) Os surdos interagem com outros surdos, porque eles se entendem

na sua linguagem, e se afastam dos ouvintes pela falta de compreenso, dando a

iluso de ter uma cultura prpria.

O surdo na rua sempre chama a ateno das pessoas e isto uma questo

cultural. Por isto que eles tm a cultura deles; so at um pouco ferrenhos nisso, e

por causa disso talvez sejam at um pouco atrasados, porque insistem em

demonstrar que tm a sua cultura e que no vo mudar por causa do preconceito

dos ouvintes.

3

Tais enunciados fazem parte da pesquisa que realizei para a minha Tese de Doutorado, na qual entrevisteiprofessores de surdos. S, Ndia Limeira. A produo de significados sobre a surdez e sobre os surdos:prticas discursivas em educao. Porto Alegre: UFRGS/FACED/PPGEDU, 2001. (Tese de Doutorado).


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A cultura surda socialmente construda como uma sub-cultura, e o objetivo

socialmente valorizado passa a ser: tornar os surdos aceitveis para a sociedade dos que

ouvem, por isto muitos surdos precisam ser ferrenhos ao oferecer resistncia negao de

suas identidades. A resistncia geralmente no interpretada positivamente.

Destaco duas das formas de negao da cultura surda: ressaltar que todos os surdos so

iguais (portanto, insignificantes), ou, que so iguais cultura que os cerca, exceto que no

podem ouvir. Assim, a possibilidade da diferena silenciada. O que ocorre que os surdos

so obrigados, muitas vezes, a preterir os marcos de sua cultura em troca dos marcos

superiores da cultura geral comum.

Eu acho que o surdo realmente tem sua cultura, mas o mundo na maioria ouvinte e

ele tem que viver com as pessoas que o rodeiam.

A surdez construda como uma sub-cultura e, para tal, o critrio quantitativo

recorrentemente solicitado. Na verdade, a questo no que formam uma minoria, mas que

trata-se de uma minoria menos que normal (Owen Wrigley, 1996, p. 2). O critrio da

quantidade (maioria ouvinte) geralmente usado para justificar a hegemonia que os ouvintes

pretendem exercer sobre os surdos.

Parece que a surdez tambm narrada na base daquilo que Carlos Skliar e Ronice

Quadros chamam de quantidades indiscretas, manipulveis e obscenas (2000, p. 3). A

surdez geralmente tida como limitao e o espao do convvio cultural e comunitrio dossurdos no valorizado como um ambiente social normal normal costuma ser fingir que

ouvinte e freqentar uma escola regular.

Segundo Carlos Skliar, as pessoas que tm dificuldade em entender a existncia de uma

cultura surda geralmente so pessoas que pensam que nada h fora de sua prpria referncia

cultural, ento, entendem a cultura surda como uma anomalia, um desvio, uma irrelevncia.

Geralmente estas pessoas desconhecem os processos e os produtos desta cultura surda:

desconhecem o que os surdos geram em relao ao teatro, ao brinquedo, poesia visual,

literatura em lngua de sinais, tecnologia que utilizam para viverem o cotidiano, etc. (1998,

p. 28, 29).

H grande dificuldade em entender a existncia da cultura surda porque a maioria das

pessoas baseia-se num universalismo. Segundo Owen Wrigley, os universalismos, em

todo discurso, so alimentados pela noo de que os seres humanos compartilham

propriedades comuns. Esta busca de universalismos acompanhada por atitudes de

acomodao ou por estratgias usadas para neutralizar os desafios s definies hegemnicas.


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a que as culturas nativas dos Surdos sugerem formas para falarmos de um universalismo

vivido, de experincias da surdez. Ora, os surdos podem espelhar certos aspectos da

cultura dominante que os circunda, mas tambm possuem razes epistemolgicas pelas quais

esses aspectos foram legitimamente declarados ou compreendidos dentro da experincia

nativa dos Surdos (1966, p. 35). So exatamente estas razes epistemolgicas que fazem com

que os surdos formem grupos culturalmente diferentes.

Geralmente as culturas so vividas em comunidades. Ora, no difcil pensar que a

comunidade um grupo que compartilha aspectos comuns com os quais se auto-identificam.

Ento, embora alguns surdos insistam que todos os surdos compartilham a mesma cultura e

normas, pode-se perceber que outras diferenas de raa, de classe, de gnero, de educao,

etc. podem ser mais significantes que o ideal de uma comunidade uniforme, e isto noacontece apenas com a comunidade dos surdos.

Nas comunidades de surdos acontecem fenmenos sociais observados tambm em

quaisquer outras comunidades, como, por exemplo, a existncia de crculos de liderana

pequenos, e desejadamente imutveis, mantendo membros em posies de subordinao. A

noo de surdos legtimos ou politicamente corretos pode reforar estas ocorrncias. No

saudvel alegar uma identidade, cultura ou perspectiva surda (ou Surda) unificadora, pois

os surdos tambm se enquadram nas categorias de raa, gnero, classe, nacionalidade,condio fsica e em outras fontes de diferena.

Toda imposio cultural tem que ser vencida pela solidariedade e os surdos, como

qualquer ser humano, no esto imunes aos desejos de dominao e poder. possvel notar

que muitos surdos, privados do acesso inicial lngua de sinais, por sua histria de fracassos

na educao oral, so outra vez estigmatizados quando ingressam na comunidade surda,

usando a lngua de sinais como uma pessoa que ouve. Suas parcas habilidades no uso da

lngua denunciam que no so nativos, ento, sua legitimidade, enquanto membros dacomunidade social dos surdos, acaba ficando comprometida. Se no houver cuidado quanto a

essa questo, acaba-se reproduzindo excluses semelhantes quelas que esto sendo

confrontadas.Ora, h que haver solidariedade na diferena, para que as conquistas polticas

sejam menos sonhadas e mais concretizadas, ainda que se saiba que a luta por poderes sempre

existir.


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Diferentes mas no desiguais

Os surdos formam grupos sociais diferentes dos daqueles que ouvem. Diferentes, mas

no diversos, desiguais. de extrema importncia estabelecer a diferena entre as noes de

diversidade e de diferena. A noo de diversidade cria um falso consenso, uma idia de quea normalidade hospeda os diversos, porm mascara normas etnocntricas e serve para conter

a diferena (Skliar, 1998, p. 13). Para Skliar, a diferena, pelo contrrio, no um mero

espao retrico, antes, sempre est baseada em representaes e significaes que geram

prticas e atitudes sociais. A surdez , portanto, uma diferena, visto que a surdez uma

construo histrica e social, efeito de conflitos sociais, ancorada em prticas de significao

e de representaes compartilhadas entre os surdos (ibid, p. 13).

A cultura surda refere-se aos cdigos prprios dos surdos, suas formas de organizao,de solidariedade, de linguagem, de juzos de valor, de arte, etc. Os surdos envolvidos com a

cultura surda, auto-referenciam-se como participantes da cultura surda, mesmo no tendo eles

caractersticas que sejam marcadores de raa ou de nao.

Neste aspecto, sirvo-me de Owen Wrigley parta destacar um ponto fundamental: a

importncia do uso da lngua de sinais. Diz o autor: uma, seno a, caracterstica que define a

auto-identidade como pertencente a uma minoria lingstica ou tnica ter e usar sua prpria

lngua (1996, p. 14). O uso da lngua de sinais, ento, pode ser entendido como um dos

aspectos definidores da auto-identidade de uma minoria lingstica ou tnica, mas no

significa, que para participar de uma comunidade surda tem-se que, necessariamente,

usar/conhecer a lngua de sinais. Os surdos e os que ouvem mas que participam da

comunidade surda, o fazem por opo, por acercarem-se das questes que esto na base da

problemtica da surdez, seja por experincia prpria, seja por afetarem ou por serem afetados

por esta experincia (isto bem mais amplo que saber usar corretamente a lngua de sinais

sem negar que este um importante aspecto de identificao).

Talvez pela importncia que tem a lngua de sinais como um dos principais aspectos

identitrios que historicamente se verificou uma verdadeira violncia institucional contra a

comunidade surda - ao ser sugerida a proibio da lngua de sinais nas escolas, desde o

final do sculo XIX. Diramos que historicamente ocorreu um verdadeiro amordaamento

da cultura surda. Ou, caso consideremos que a palavra amordaar lembra impedir a fala,

seria interessante dizer que houve uma amarrao da cultura surda, pois literalmente as

mos que eram amarradas, para que no pudessem utilizar a lngua natural que d suporte


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ao mundo cognitivo dos surdos. Ainda hoje, pela desautorizao ou negao da diferena,

tenta-se uma amarrao da cultura surda, sob a perspectiva de que uma sociedade

igualitria (sem diferenas) a sociedade ideal.

Concluso

Na verdade, a pergunta que est subjacente nesta problemtica : quem so os outros?

As respostas no so claras nem definitivas. Quando se define quem so os outros aparece o

conjunto de interesses difusos de domnio e de perpetuao, que nem sempre so conscientes.

H um conjunto de estratgias scio-culturais de representao acerca dos outros, sobre os

outros, que fazem com que barreiras sejam levantadas entre o eles e o ns.

Os indivduos se organizam em grupos e os grupos, na sociedade, so assimetricamente

situados, pois, onde h qualquer diferena h uma luta por poderes e saberes. Nossas relaes

sociais nos posicionam diferentemente, em diferentes momentos, em diferentes lugares, em

diferentes papis que exercemos. Ao mesmo tempo em que somos posicionados,

posicionamos a ns mesmos. Por isto imprescindvel entender que as manifestaes

culturais da surdez no so manifestaes de uma cultura patolgica, mas de uma cultura

legtima, que s enriquece a viso do que ser humano o ser que transcende a fala, mas

que no transcende a linguagem. Eu diria, num trocadilho pretensioso, que o Verbo fez o

homem, e o homem fez o verbo foram feitos um para o outro, mas, independentemente da

voz.

Respeitar, tolerar, suportar, entender a cultura alheia no deve ser menos

comprometedor que traar estratgias scio-polticas para tornar visveis as diferenas e agir

em funo delas. Ora, a afirmao das identidades e da diferena dos surdos traduz um desejo

de garantir-lhes o acesso aos bens sociais enquanto direito, no enquanto concesso.

Para concluir, lembremos Owen Wrigley quando diz: embora no possuam

marcadores de raa ou de nao, os membros dessas culturas Surdas auto-referenciadas no

tm dvidas de suas identidades culturalmente distintas. Embora nominalmente membros de

uma cultura dominante que os circunda, eles alguns, mas no todos vem a si mesmos

como separados dela e como membros de uma cultura Surda especificamente nativa. (...)

Embora lderes Surdos enfatizem o quanto tm em comum com outras minorias (...) a

ignorncia justificada, exibindo-se guisa da sabedoria comum, continua a tratar os surdos

apenas como outro grupo de deficientes ou incapacitados (1996, p. 32-34).

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS


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BUENO, Jos Geraldo. Surdez, linguagem e cultura. In:Cadernos CEDES, So Paulo, n.46,1998. p. 4156.

SKLIAR, Carlos. Um olhar sobre o nosso olhar acerca da surdez e das diferenas. In:______. A surdez: um olhar sobre as diferenas. Porto Alegre: Editora Mediao, 1998b. p.

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______.; QUADROS, Ronice. Invertendo epistemologicamente o problema da incluso:os ouvintes no mundo dos surdos. So Paulo: Estilos da Clnica, 2000, vol 7. p. 72 - 95.

WRIGLEY, Owen. The politics of deafness. Washington: Gallaudet University Press, 1996.

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