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RELAÇÕES ENTRE AS CONDIÇÕES DE TRABALHO DOCENTE E A

APRENDIZAGEM: UMA ANÁLISE DAS IMPRESSÕES DE PROFESSORES

DO ENSINO FUNDAMENTAL

RESUMO

A proposta deste trabalho é apresentar os resultados de pesquisa realizada entre professores do ensino fundamental, de uma escola que compõe a rede municipal de Viçosa (MG) durante o ano de 2011. Nosso objetivo foi entender como e se as condições de trabalho docente afetam a ação pedagógica das professoras e qual a percepção dos professores sobre essas condições. Para a coleta dos dados foram utilizados o questionário, a entrevista e a observação. No total foram entrevistados, com instrumento semipadronizado, onze professores no turno vespertino. As condições salariais levam uma parte das professoras a exercer outras funções ou ampliar a jornada de trabalho, como forma de aumentar os seus rendimentos. Percebemos nos relatos das professoras entrevistadas que a falta de materiais didáticos assim como o espaço físico reduzido atrapalham e prejudicam o desenvolvimento do seu trabalho e dificultam a aprendizagem dos alunos; a ausência de mobiliário em número suficiente para atender todos os alunos atrasa as atividades escolares; os problemas estruturais colocam alunos e professores expostos a goteiras no período das chuvas, colocando todos em situações de extremo desconforto. Apesar da adversidade encontrada, as professoras buscam alternativas com os próprios recursos e afirmam que, apesar das dificuldades, muitos alunos têm desempenho satisfatório. As condições encontradas na instituição pesquisada reforçam análises de outros pesquisadores que discutem as condições de trabalho docente, reiterando uma situação de descaso do poder público para com a educação. O referencial teórico utilizado na análise dos dados é baseado em autores que discutem a temática, principalmente Oliveira (2000); Torres (1998; 2007); Antunes (2004).

Palavras-chave: Condições de trabalho docente; Ensino Fundamental; Ação pedagógica.

Introdução

O debate sobre as condições de trabalho docente tem se intensificado diante da

reestruturação produtiva, processo identificado nas últimas décadas do século XX.

Como os demais trabalhadores, os profissionais da educação (e entre eles, os docentes)

tem se ressentido da crescente precarização das condições de trabalho. Nesse sentido, a

proposta de investigação das condições de trabalho dos professores da escola em

questão vem contribuir para o debate estabelecido nesse campo.

Dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares, desenvolvida pelo IBGE e

divulgada em 29/08/07, confirmam, segundo nota divulgada no site do Instituto, a

profunda desigualdade entre os 10% mais ricos do país e a parcela mais pobre da

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Joana D´arc Germano Hollerbach

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população, que soma 40%. As discrepâncias que caracterizam a sociedade brasileira

como uma das mais desiguais do mundo implicam numa condição de desigualdade

também na educação. Em publicação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

Educacionais Anísio Teixeira (INEP), encontramos a afirmação de que “a conhecida

metáfora do funil do sistema educacional – de a cada ano adicional de estudo excluir

maior número de jovens oriundos das famílias mais pobres – se estreita de forma muito

significativa no momento de ingresso no curso superior” (INEP, 2000, p.16).

Avaliações mais recentes indicam que o padrão de desigualdade se mantém, a

despeito dos investimentos feitos pelo governo federal ao longo dos últimos dez anos.

Sobre os resultados do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), o documento

produzido pelo Inep afirma que

os resultados do Enem podem ser interpretados, em grande medida, como um retrato da estratificação social reproduzida e consolidada pelo sistema educacional. Como o tipo de escola que os estudantes brasileiros freqüentam têm uma relação direta com a sua condição socioeconômica, com o estrato social ao qual pertencem, com a região/localidade em que moram, não é nenhuma surpresa verificar a enorme distância que ainda separa o desempenho dos alunos oriundos de escolas públicas do desempenho dos seus pares das escolas privadas de elite ou o diferencial existente entre as médias alcançadas pelos participantes do Enem das Regiões Norte e Nordeste em relação aos resultados obtidos pelos seus pares do Sul e Sudeste. Estas disparidades são uma boa medida das desigualdades sociais existentes no País, embora a escola não deva ser vista como um simples espelho que reflete as hierarquias econômicas e sociais. A escola pode, sim, ser um poderoso instrumento de inclusão e promoção da equidade – desde que lhe sejam assegurados os meios e criadas as condições necessárias para isso. (INEP, 2006, p.17-18)

Acreditamos que a educação tem um papel fulcral de preparação de mão-de-obra

para o mercado de trabalho na atual ordem mundial. Nesse sentido, concordamos com

Hirt, que afirma que a escola tem atualmente, além do papel de preparar mão-de-obra

para o mercado de trabalho (e de acordo com suas ordenações), o atributo de manter a

desigualdade social, o que o autor chama de “seleção social” (HIRT, 2001, p.4). Ante o

quadro de precarização da força de trabalho, advindo da reorganização da divisão

internacional do trabalho, as políticas definidas para a educação têm, pois, papel

importante, na medida em que, em alguns casos, reforçam a desigualdade e aprofundam

o fosso existente entre a parcela mais rica e a parcela mais pobre da população.

Dentro da lógica atual que rege as forças produtivas, segundo a qual a

exploração da força de trabalho se faz de forma a incorporar a capacidade intelectual do

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trabalhador, o trabalho docente não se furta às mesmas implicações impostas a qualquer

outro posto de trabalho. A readequação do sistema educativo é percebida tanto nos

processos formação quanto na organização do trabalho docente, que vem sofrendo com

a reestruturação do Estado e com os consecutivos cortes impostos pela lógica neoliberal

(AUGUSTO, 2005).

A última década do século XX foi marcada pelo consenso sobre a necessidade

do acesso à educação básica como condição para a inserção do Brasil na economia e na

sociedade do século XXI. O domínio dos códigos do mundo moderno é requisito

indispensável na sociedade do terceiro milênio. A orientação no texto inicial da Lei de

Diretrizes e Bases, em 1996, era no sentido de universalizar o acesso ao ensino

fundamental e progressivamente o ensino médio, já obrigatório desde 2009, para que

seja garantida uma formação mínima que permita a inserção das camadas mais pobres

da população nos setores formais da economia.

Em levantamento dos trabalhos do GT Formação de Professores, feito por

Brzezinski e Garrido (2001), sobre a influência das condições de trabalho dos

professores nas suas práticas as autoras afirmam que

Os processos de preparação profissional e formação pessoal, nos quais os professores vão construindo seus conhecimentos, são inseparáveis e que a construção do saber é influenciada pelas condições institucionais de trabalho, bem como pelo modo singular pelo qual cada um construiu a sua identidade profissional em interação com suas experiências de vida. (BRZEZINSKI, GARRIDO, 2001, p.93)

A partir dessas considerações, admitimos as seguintes questões, que nortearam a

pesquisa aqui apresentada: até que ponto as condições de trabalho desses professores

interferem na sua ação pedagógica? Há espaço reservado para o trabalho dos

professores? Os professores têm tempo disponível para estudar? Que avaliação os

professores fazem do impacto das condições físicas da escola e das condições do seu

trabalho no processo de aprendizado dos alunos?

A precarização do trabalho docente e ação pedagógica: entre a cruz e a

espada.

A amostra da pesquisa foi composta por onze professoras, que atuam nas séries

iniciais do ensino fundamental. Desse total, sete possuem vinculo estável na rede

municipal e quatro foram admitidas por contrato.

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As condições de trabalho dessas professoras são marcadas pela precariedade.

Como exemplo dessa precariedade, observamos a falta de cadeiras e mesas, o que leva a

um atraso sistemático todos os dias, de uma média de trinta minutos, tempo gasto na

busca pelo mobiliário em outras salas de aula. Entretanto, nem sempre o mobiliário é

encontrado e alguns alunos têm que utilizar mesa e cadeira destinados à professora. Há

casos em que a professora “segura” a cadeira e a mesa até os alunos da sua turma

chegarem, e somente caso eles não cheguem à professora cede o mobiliário. Com isso, a

professora e os alunos perdem tempo e acabam atrasando as atividades pedagógicas.

Além da restrição quanto aos móveis, a estrutura da escola carece de reparos.

Em dias de chuva algumas delas molham muito e os alunos são obrigados a ficarem em

roda no canto da sala para não se molharem. O pátio, único espaço de recreação, é

descoberto, o que impede que os estudantes o utilizem em dias chuvosos, condição

climática comum no município de Viçosa, nos meses de setembro a dezembro.

Na biblioteca, onde o espaço também pequeno não comporta muitos

frequentadores, a funcionária é uma professora desviada de sua função por problemas

de saúde, e não tem formação específica para o atendimento aos alunos. Essa falta de

formação compromete o atendimento, quando há demanda, e empobrece as

possibilidades de diversificação das atividades e dos espaços de aprendizagem.

Há uma professora que trabalha com alunos com necessidades especiais, mas o

espaço para a construção da sala de recursos, já prometida, ainda não foi efetivado.

Embora o espaço disponível seja precário e inadequado, essa professora usa outros

ambientes da escola para as atividades com os alunos com necessidades especiais, como

a biblioteca e a sala das professoras, de modo a dar continuidade às tarefas. A prefeitura

financia curso lato sensu nessa área, mas ainda assim, a professora busca por iniciativa

própria, outras oportunidades de formação e informação sobre o assunto.

No laboratório de ciências existente na escola, o atendimento é realizado por

uma professora com habilitação em Ciências Biológicas. Segundo ela, o laboratório foi

montado por ela, através do projeto Mão na Massa e tem como objetivo unir a teoria à

prática docente. O Projeto Mão na Massa reúne professores da rede estadual de ensino,

que atuam no ensino fundamental, e foi estabelecido através de um convênio entre a

UFV e a Secretaria Estadual de Educação, como forma de auxiliar o trabalho em sala de

aula, configurando formação continuada dos professores.

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De acordo com Pereira (2000), a questão da crise educacional brasileira e da

defesa de melhores condições de trabalho e salários dignos para o magistério está entre

os temas de debate e continua sendo um problema bastante presente nas discussões

atuais. Esse mesmo autor afirma ainda que há uma expansão da rede de ensino,

evidenciada pelo aumento do número de vagas e de matrícula nas escolas. Percebe-se

também a progressiva queda dos salários reais dos professores, responsável pela

sobrecarga de suas atividades necessária para suprir as necessidades de sobrevivência

dos mesmos e consequente queda da qualidade de ensino, além da precariedade da

infraestrutura que tem dificultado a ação e o desenvolvimento dos professores. As

greves ocorridas nas redes estaduais ao longo do ano de 2011 são resultado dessa

insatisfação.

Para Oliveira (2000), apesar da constatação da significativa desigualdade de

infraestrutura entre as escolas no Estado de Minas Gerais, muito pouco foi feito no

sentido de se assegurarem as condições precárias de funcionamento desses

estabelecimentos. A generalização das condições básicas de funcionamento para todas

as escolas do Estado ainda hoje é algo distante de ser conquistado. Percebe-se, na

afirmação da autora, que essa condição precária nas instituições de ensino vem

ocorrendo há muito tempo: em relatório do SAEB de 1996, que traz a situação estrutural das escolas de Educação Básica, é possível contrastar, numa mesma realidade, escolas com infra-estrutura razoavelmente adequada, contando até com computadores, videocassete e antena parabólica, com outras escolas no limite da completa escassez de recursos. O relatório demonstra que, de um total de 19.770 escolas em Minas Gerais, incluindo estaduais, municipais e particulares, 1.291 escolas, ou seja, 6,53% não contam com abastecimento de água, 5.387 (27,25%) não tem energia elétrica e somente cerca de 600 têm computadores. Os números atestam a permanência de desigualdades de condições entre as escolas públicas no estado de Minas Gerais. (OLIVEIRA, 2000, p.264)

A precariedade denunciada por Oliveira é em muito semelhante àquela que

encontramos na escola pesquisada. A autora ressalta ainda que as mudanças que

ocorrem nas formas de avaliação exigem muito dos professores, desde a transformação

de sua conduta até maiores domínios e conhecimentos. Esse estresse é percebido nas

professoras entrevistadas e é admitido por algumas, que se recusaram a participar da

amostra, por temer retaliações políticas. Considerando o vínculo de trabalho frágil de

muitas delas, não é difícil compreender esse temor.

Além disso, a cada ano que passa aumenta o número de alunos matriculados

nessa escola, o que pode significar aumento na carga de trabalho docente e das

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preocupações dos professores com relação ao rendimento dos alunos. Cabe lembrar que

o desempenho dos estudantes tem sido objeto de avaliações oficiais cada vez mais

frequentes, o que é motivo de grande estresse para os professores da educação básica.

Condições do trabalho docente: a visão das professoras

Muito tem se discutido sobre a precariedade do trabalho docente, inúmeras

pesquisas foram realizadas e pudemos observar que elas se aproximam da nossa

pesquisa no que se refere à insatisfação que as professoras sentem em relação à

precariedade do trabalho docente. Neste tópico vamos discutir as informações trazidas

pelas professoras através dos instrumentos utilizados pela coleta dos dados.

Apenas uma das professoras, ao ser indagado sobre a estrutura física da escola,

respondeu que esta atende às necessidades do processo ensino/aprendizagem, já nove

delas disseram que atende parcialmente e uma respondeu que não atende. Das nove que

responderam que atende parcialmente, sete especificaram que falta um pátio nivelado e

coberto para apresentações, quadra, laboratório de informática, salas mais amplas,

recursos físicos, material didático suficiente, salas arejadas, ventiladores, cortinas nas

janelas por causa do sol, ventilação nas salas. Já as outras duas professoras não

especificaram.

Observa-se na fala das professoras que a estrutura física da escola é importante

em relação ao ensino aprendizagem, sendo que a estrutura física atende parcialmente as

necessidades do ensino, logo se percebe que com essa interferência as professoras

sentem dificuldades para lecionar. A maioria das professoras citou o que falta para

melhorar essas necessidades: materiais didáticos, espaço e mobiliário.

A profissional entrevistada nos afirmou da sua insatisfação em relação ao

espaço/tamanho da sala, e que trabalhar numa sala mais ampla pode oferecer melhores

condições de trabalho em grupo e a possibilidade de desenvolver outros tipos de

atividade. Para ela, algo poderia ser mudado na escola, diminuindo uma turma e

ampliando as duas salas no andar superior e tornarem uma única sala, assim o espaço

ficaria maior.

Nesse sentido, Carnoy e Marshall (2003), ao compararem o desempenho de

estudantes do Brasil, Chile e Cuba, se aproximam da nossa realidade, quando comentam

que o tamanho das salas é importante, e que as diferenças no tamanho das classes, têm

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influência sobre os resultados. Os alunos precisam de espaço para estudar, fazer

trabalhos em grupos, fazer rodas de conversas, debates, assim, como o professor precisa

de espaço para trabalhar com a turma, circular entre os alunos para atendê-los melhor.

No que se referem aos materiais didáticos, quatro professoras responderam que

recebem da escola tudo que precisa, seis nos disseram que recebem parcialmente e uma

não respondeu. Das seis que recebem parcialmente, quatro especificaram que faltam

livros (número insuficiente), cadernos, lápis, borracha, cartolina, transferidor,

compasso. No questionário o professor de educação física explicou que trabalha com

cem por cento de materiais que ele compra e que a escola não oferece nenhum material

a ele. Oito professoras nos afirmaram que a falta de materiais didáticos atrapalha as

aulas, três delas, no entanto nos declararam que não atrapalham. Das três professoras

que disseram que a falta de materiais didáticos não atrapalha as aulas, uma delas indicou

que não atrapalha, porém poderia enriquecê-las.

O que se pode perceber, a partir das falas das professoras, é que a falta de

materiais didáticos esta presente na escola, nem tudo que elas necessitam são

oferecidos, mesmo aqueles materiais básicos de que o aluno precisa. E que a falta desses

materiais atrapalham as aulas.

Nessa perspectiva, Carnoy e Marshall (2003) afirmam que a maioria dos

estudantes das salas de aulas brasileira gasta bastante tempo copiando do quadro-negro,

instruções, problemas de matemática básica em seus cadernos. Por isso, a importância

do uso de “materiais manipuláveis”, para representar e ensinar conceitos matemáticos.

Com isso entendemos que a falta de materiais didáticos tem contribuído para que esses

alunos passem a maior parte do tempo copiando do quadro e o professor como não tem

esses materiais disponíveis são obrigados a passar todo o conteúdo no quadro.

Quanto à infraestrutura, seis professoras consideram que quando adequada,

facilita o trabalho, e seis responderam que é possível fazer um bom trabalho mesmo sem

a infraestrutura adequada, enquanto dois disseram que quando inadequada impede

aprendizagem dos alunos. Na entrevista, a professora afirma que a infraestrutura

interfere parcialmente na aprendizagem. Segundo ela a infraestrutura pode interferir

parcialmente, mas totalmente não, porque vai depender das atividades escolares, do

desempenho do professor, da família e do aluno.

Pereira (2000) insiste na discussão no que se refere ao contexto escolar, que a

falta de condições materiais do trabalho docente, a condição de assalariado do professor

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passam a ser desconsiderados. Como os alunos utilizam a biblioteca para assistir filmes,

ler, pegar livros e etc., sem um funcionário habilitado para atender os alunos e dar um

apoio, isso dificulta o desenvolvimento do trabalho do professor, que acaba solicitando

a ajuda de outro para selecionar determinado material, atrasando assim a atividade do

docente.

Uma professora informa que às vezes utiliza outros espaços da escola para além

da sala de aula, como a biblioteca para assistir filmes e o pátio para aplicar alguma

atividade lúdica, como trilhas, teatro ou ensaiar para fazer alguma apresentação. Ela

considera a infraestrutura da biblioteca adequada, já o pátio precisaria de cobertura.

Segundo a docente, “tem uma quadra prometida há não sei quantos anos que nunca saiu

do papel”. Ela afirma que se fosse coberto daria para trabalhar com trilhas e outros

materiais sem que os alunos ficassem expostos ao sol e a chuva.

A professora entrevistada relata também que os alunos apresentam dificuldade

em interpretação, cálculos matemáticos, memorizar alguns fatos importantes da história.

“Tem dificuldade sim. São várias situações que leva a essas dificuldades. Talvez se

tivesse uma aula mais interessante, se tivesse mais poder de concentração, o que eles

não têm, essa realidade poderia melhorar.” Nos remetemos a Santos (2007) que ressalta

que a escola pública tem sido criticada por não conseguir nem ao menos que a maioria

de seus alunos tenha um domínio razoável da leitura e da escrita. Sem esse domínio da

leitura e da escrita dificulta ainda mais na interpretação dos conteúdos, lembrando que o

português está presente em todas as disciplinas, se o aluno não consegue interpretar

torna mais difícil ainda a sua evolução durante sua vida escolar.

A entrevistada quando questionada sobre como a dificuldade dos alunos poderia

ser melhorada pela escola, nos respondeu que “talvez se tivesse uma aula mais

interessante, se tivesse mais poder de concentração, o que eles não têm. Antes eu dava

aula para os filhos do álcool, hoje em dia dou aula para os filhos da cocaína e das

drogas”. Essa dificuldade é discutida por Santos que afirma que, são muitas as

demandas postas para a escola – ela é cobrada a fornecer educação para diversas

questões sociais e culturais, além de ter que resolver problemas mais imediatos

decorrentes da realidade em que se insere o que inclui a violência, as drogas, o sexo

precoce e tantos outros (SANTOS, 2007, p. 293).

Nesse cenário de incertezas, muitas vezes a responsabilidade pelo insucesso dos

alunos recai sobre o professor, deixando dúvidas sobre sua capacidade de ensinar

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(SANTOS, 1985). Todavia, as condições nas quais ele se encontra agravam a situação e

formam um ciclo vicioso, que mantém os mesmos atores nos mesmos lugares, com

poucas possibilidades de rompimento. Nosso trabalho se coloca como um ponto a mais

de discussão dessas questões, pois, apesar de todos os programas e políticas

desenvolvidos nos últimos anos ainda encontramos alunos e professores sujeitos a

condições degradantes de aprendizagem e de trabalho. A reversão dessas condições é

fundamental para que a educação venha a ser efetivamente um direito de todos.

Referências Bibliográficas

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