2€/€4/2cc2 r$ - cpvsp.org.br · uma sonora gargalhada que me cobre de vergonha. passo a ......

32
opinião análise informação circulação interna 308 ^T OCadia, a coruja, Fafa cio I o cie JlCaio W^sSl auem interessa a fíexionização aas relações cie íra£a££ot jfJBuias sociais no OSrasif em 2001 *£l7l crise iMrqeníina W^UJ reooíução íeyaíde GÁaoez 2€/€4/2CC2 Custo unitário desta edição: R$ 2.50

Upload: duongnga

Post on 10-Nov-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

opinião análise

informação circulação interna

308

^T OCadia, a coruja, Fafa cio Io cie JlCaio

W^sSl auem interessa a fíexionização a as

relações cie íra£a££ot

jfJBuias sociais no OSrasif em 2001

*£l7l crise iMrqeníina

W^UJ reooíução íeyaíde GÁaoez

2€/€4/2CC2 Custo unitário desta edição: R$ 2.50

QUINZENA 308

Curtas

^ A MISÉRIA NA REGIÃO NORDESTE

Estados índice de População Sem acesso a Sem coleta Sem Domicílios com pobres % analfabeta 9! água encanada de lixo saneamento renda de até 3 salários

MA 64 34 57 77 74 72 PI 57 32 42 66 61 69 CE 55 29 50 48 73 63 RN 44 24 24 36 60 53 PB 49 30 34 44 67 57 PE 47 23 30 35 63 58 AL 54 34 36 33 79 61 SE 44 24 27 34 55 55 BA 52 28 36 47 66 63 Total 52 28 39 47 67 63

«4 SO;

otmtoysmoí

De 1994 a 2000 o governo mandou para o FMI, bancos e empresas transnacionais 552 bilhões de reais. Veja aqui algumas coisas que o governo poderia fazer pelo povo só com

os 233 bilhões e 342 milhões de reais enviados aos credores internacionais de 1994 a 1998.

Empregos Teria sido possível criar 504 mil empregos diretos em

montadoras de automóveis. Ou então criar 10 milhões e 500 mil empregos diretos em indústria têxteis. Ou ainda criar 15 milhões e 750 mil empregos diretos na construção civil.

Educação O Brasil poderia duplicar seus gastos em educação.

Ainda sobraria dinheiro para construir 6 milhões e 565 mil escolas (a 13 mil reais cada).

Gastos em Saúde Teria sido possível aumentar o gasto per capita do Bra-

sil em saúde, de 670 para 1100 reais. Ou então 948 mil pos- tos de saúde a um custo unitário de 90 mil reais cada.

Moradias Teria sido possível dar uma casa de três quartos e um

automóvel Gol zerado para cada família brasileira. Teria sido possível construir 15 milhões e 556 mil mo-

radias populares, de 35 metros quadrados, em lotes de 200 metros quadrados, ao custo unitário de 15 mil reais.

Atenção para o novo e-mail do CPV: cp vsp @ terra.com.br

Visite nosso site: www.cpvsp.com.br

c u i

N

Z

E

N

A

w Expediente

O boletim Quinzena é uma publicação do: CPV - Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro

Rua São Domingos, 224 - Térreo - Bela Vista CEP 01326-000 - São Paulo - SP

Telefone (011) 3104-7995 - Fax (011) 3104-3133 E.Mail: [email protected]

www.cpvsp.coin.br

O objetivo do boletim é divulgar uma seleção de material informativo, analíti- co e opinativo, publicado na grande imprensa, partidária e alternativa e outras

fontes importantes existentes nos movimentos. A proposta do boletim é ampliar a circulação dessas informações, facilitando o debate sobre as questões políticas em

pauta na conjuntura.

Caso você queira divulgar algum tex- to no Quinzena, basta nos enviar. Pedimos que se atenha a, no máximo, 8 laudas. Textos que ultrapassem este limi- te estarão sujeitos a cortes, por imposi- ção de espaço

Seleção e editoração do Boletim Quinzena: Equipe do CPV e Colabo- radores

De nada serve partir das coisas boas de sempre mas sim dos coisas novas e ruins. B.Brecht

QUINZENA 308

Documento Trabalhadores

Nádia, a coruja, fala do Io de Maio Emílio Gennarl.

Tarde de domingo. A preguiça tenta desespera- damente atrasar o passar das horas que leva a mais uma semana de trabalho. O gostinho de

liberdade da sexta-feira começa a ser acorrentado pela pers- pectiva do reencontro com a rotina de sempre. Em busca de alívio, os olhos correm as folhas do calendário enquan- to o coração comemora os dias marcados como feriado. Afinal, toda folga significa lazer, descanso, uma corrida ao shopping e um tempo maior longe do serviço.

A minha cabeça viaja nas asas destes pensamentos quando seu vôo é bruscamente interrompido por um grito estranho.

- "Eu não acredito! Vocês, humanos, só pensam nis- so. Parece que o calendário é feito apenas para marcar os dias de folga e os feriados!", me diz uma voz desconhecida que vem detrás de uma pilha de livros mal-amontoados num canto da estante.

- "Por que? Não é assim?", indago enquanto tento des- cobrir a quem pertence a estranha sombra que procura es- paço para sair da escuridão. O breve silêncio deixado pelas minhas palavras é quebrado por um seco "Não mesmo!" que chega a machucar o ouvido.

- "E você, quem é?", pergunto sem cerimônias. - "Sou Nádia, a coruja que se aninhou na sua estante

para ler os livros que você deixa aqui pegando poeira", me responde com ar de reprovação.

- "Era só o que me faltava! Não bastassem as dificul- dades do dia-a-dia, agora devo aturar a impertinência de um bicho qualquer que, além de invadir o meu espaço, se dá ao direito de atrapalhar este gostoso fim de tarde!", re- truco na tentativa de voltar ao meu sossego.

- "Huuum! Além de não saber das coisas fica roncan- do grosso para me intimidar", murmura Nádia num vôo rápido que a faz pousar na mesa à qual estou sentado.

- "Vai me dizer que o calendário esconde coisas que eu não sei?", pergunto em tom de desafio. A coruja recolhe as asas e com um olhar maroto retoma a conversa.

- "Por exemplo, você sabe me dizer o que aconteceu no Io de Maio para ele ser feriado?".

- "Bom, ...eu sei que foi nesse dia que Ayrton Senna morreu... Lembro que foi num acidente, durante uma cor- rida de ...", respondo enquanto tento vasculhar as poucas lembranças guardadas num canto esquecido do cérebro. Sem esperar que eu termine a frase, Nádia deixa escapar uma sonora gargalhada que me cobre de vergonha. Passo a passo, se aproxima, põe a asa esquerda no meu ombro e com uma expressão severa espeta meu ar de superioridade.

- "Já vi que sua memória é curta, que seus olhos só enxergam o que todos vêem e que sua boca repete o que é por demais conhecido. Desse jeito, você não vai conseguir entender o porquê das coisas. Quem olha o calendário só

para procurar os feriados não vê que ele é feito de momen- tos de luta e de resistência que os poderosos procuram apa- gar. Resgatar estes momentos é uma das ações necessárias para que a vida não seja um eterno conformar-se diante da exploração e nem a busca desesperada de algo que nos aju- de a esquecer o sofrimento do dia-a-dia. É com a história nas mãos que a dignidade abre caminhos rumo a um mundo onde há, finalmente, um lugar para todos e não só para um punhado de privilegiados".

- "Como assim? Você quer me dizer que o feriado de 1° de Maio esconde coisas que eu não sei?", pergunto como quem não quer se dar por vencido.

- "Muitas!", responde a coruja piscando os olhos e en- costando a asa na pilha de revistas e papéis que está sobre a mesa. E acrescenta: "É uma história que todos deveriam conhecer para poder refletir sobre o seu presente e não se deixar enganar com as ilusões que os poderosos chacoalham diante de seus olhos".

Entre a vergonha e a curiosidade, me armo de papel e caneta para não perder as passagens desta história. Nádia espera pacientemente que eu esteja pronto. Olha para o alto, coca a cabeça, suspira e, com voz pausada, começa o seu relato: "Bem. Vejamos. Não sei se você já percebeu, mas toda a riqueza que existe ao nosso redor é o resultado do trabalho de milhões de trabalhadores e trabalhadoras que se esfolam de segunda a segunda em troca de um salário com o qual mal chegam ao fim do mês. Isso acontece porque a mixaria que recebem representa só uma pequena parte do que produzem ao longo de uma jornada de oito horas. Tra- ta-se de algo que, no máximo, corresponde a uns cinqüenta minutos de trabalho, enquanto o valor das mais de sete ho- ras restantes fica de graça para o patrão".

- "Mas, Nádia, o dono da furna onde eu trabalho me paga direitinho e eu recebo por todas as horas trabalhadas. Você tem certeza do que está dizendo?", pergunto cortando o seu relato.

- "Veja bem, o que você recebe como pagamento de um dia de trabalho corresponde ao que vai produzir das 6.00 horas da manhã até, no máximo, 50 minutos depois. Você tem a impressão de que todo o seu trabalho é pago porque o valor que saiu do seu suor neste curto espaço de tempo é dividido pelas oito horas passadas na fábrica. Por isso, à primeira vista, parece que todo o seu trabalho foi pago, quan- do, na verdade, a parte maior da riqueza que nasceu dele ficou com o dono da empresa. Sabendo disso, vai entender logo outra coisa importante: quanto mais horas você fica se esfolando, maior é o lucro que o seu patrão vai ter. Certo?"

- "Eu entendi isso, só não consigo perceber o que é que esta questão tem a ver com o 1° de Maio", insisto com uma certa dose de impaciência.

- "É só você ouvir atentamente que eu vou contar tudo

De nada serve partir das coisas boas de sempre mas sim dos coisas novas e ruins. B.Brecht

QUINZENA 308

direitinho!", retruca a coruja batendo repetidamente a pata direita na mesa e colocando a ponta das asas na cintura. E continua: "Você precisa saber que, nas primeiras indústri- as, a jornada de trabalho dos operários varia entre 14 e 16 horas diárias. Se isso não bastasse, as fábricas são abafa- das, mal-iluminadas e sem nenhuma higiene. Os baixos salários obrigam famílias inteiras a vender sua força de tra- balho e nem as crianças de 7 anos são poupadas deste sacri- fício. A fome tem um lugar privilegiado em seus lares acom- panhada de perto pelas doenças contagiosas que se espa- lham rapidamente graças às péssimas condições de vida. A morte ronda as famílias operárias e ser levado por ela após os 40 anos é um privilégio para poucos.

É nesta realidade que trabalhadores e trabalhadoras descobrem na solidariedade a primeira forma de diminuir seus sofrimentos e de reagir. É assim que, pouco a pouco, nascem outras idéias e valores que ajudam a entender a si- tuação em que vivem e a dar vida às primeiras ações de resis- tência. Entre os enfrentamentos mais duros e difíceis está, sem dúvida, a luta pela redução da jornada de trabalho.

Em 1819, por exemplo, os operários da cidade de Manchester, na Inglaterra, realizam uma manifestação con- tra as injustiças a que estavam submetidos. O chefe do go- verno não titubeia: manda apontar os canhões contra eles e atira provocando um massacre. Apesar deste desfecho ter- rível, o movimento consegue a aprovação de uma lei que limita a 10 horas diárias o trabalho das crianças entre 9 e 16 anos. Algum tempo depois, em 1824, os primeiros sindica- tos da Inglaterra organizam greves em várias cidades exi- gindo a jornada de 8 horas e, após vários enfrentamentos, conseguem fazer com que as crianças trabalhem apenas nove horas. Diante desta conquista, os patrões fecham as fábricas e ameaçam não reabri-las caso a jornada não ve- nha a ser fixada em, pelo menos, dez horas. O governo atende à reivindicação dos empresários, mas não consegue deter as greves e os protestos que, em 1847, levarão à conquista da jornada de dez horas para todos os adultos. Coincidência ou não, a nova lei passa a vigorar na Inglaterra a partir de 1° de maio de 1848.

Na França, o início das lutas é um pouco diferente, apesar das condições de vida e de trabalho serem muito parecidas com as da classe trabalhadora inglesa. Em junho de 1830, várias categorias manifestam o desejo de reduzir a jornada para onze horas diárias. Longe de ocupar as ruas e as praças com seus protestos, os trabalhadores e as traba- lhadoras optam por apresentar suas reivindicações através de um abaixo-assinado no qual apelam aos representantes da nação para que compreendam que suas necessidades são quotidianas, assim como o é o seu trabalho. A resposta do governo a este movimento pacífico é dada por um decreto que trata as reuniões operárias como uma incitação à desor- dem e apresenta uma longa lista de punições para quem insistir em realizá-las.

Cortado o caminho do diálogo e destruída toda ilu- são na boa vontade dos patrões, a luta se torna mais dura. No dia 10 de maio de 1831, na cidade de Bordeaux, os ser- radores destroem as novas serras mecânicas e em diversos municípios os protestos terminam em quebra-quebra. Mas a classe trabalhadora francesa terá que lutar por mais de

uma década para reduzir a jornada para 10 horas diárias. Esta conquista será novamente derrotada em fevereiro de 1848 quando o governo de Paris põe fim aos protestos ope- rários fuzilando 3 mil manifestantes e deportando outros 4 mil. Retomado o controle da situação, a elite aumenta a jornada de trabalho para 11 horas na capital e para 12 nas demais províncias. Serão necessários longos enfrentamentos para que as oito horas se tomem realidade também na França.

- "Mas, Nádia, uma vez ouvi dizer que o 1° de Maio começou a ser comemorado a partir do que aconteceu nos Estados Unidos?", pergunto com um ar de indagação.

A coruja me lança o olhar típico de quem não gostou da interrupção. Depois respira fundo, cruza as pernas e limpa a garganta com um sonoro "Hem! Hem!" que sinaliza a retomada do relato. "Passando agora aos Estados Unidos, não vou perder tempo descrevendo a situação de seus tra- balhadores, pois ela não é muito diferente daquela que en- contramos na Inglaterra e na França. Sob o peso da miséria e da exploração, em 1827, começam a aparecer vários mo- vimentos pela redução da jornada de trabalho. As lutas pros- seguem nos anos seguintes e, em agosto de 1866, o Con- gresso Operário de Baltimore define a conquista das oito horas como a primeira grande necessidade do presente para libertar o trabalho da escravidão capitalista.

No dia 25 de junho de 1868, diante dos protestos que surgem em várias regiões, o parlamento estadunidense apro- va a Lei Ingersoll que fixa a jornada de trabalho em oito horas. Mas ao mesmo tempo em que dita a regra, esta nor- ma abre brechas para as necessidades particulares dos em- presários em nome das quais a duração dos turnos acaba sendo invariavelmente superior ao que é por ela estabeleci- do. Para as organizações operárias este é um sinal claro de que a simples existência da lei não garante a aplicação dos seus direitos. Para isso, se faz necessária uma ampla e cons- tante mobilização que, em nome da Defesa da Ordem, será duramente reprimida nos anos seguintes.

Em abril de 1886, os enfrentamentos explodem em diversas cidades. Vários empresários cedem e aceitam as- sinar contratos que reduzem a jornada de trabalho para oito horas diárias. Os protestos se alastram pelo país e em Chi- cago, sede da vanguarda do empresariado americano da época, os patrões preparam o terreno para reprimir as pas- seatas marcadas para o início de maio. O Chicago Times, um dos jornais que não usa meias palavras para expressar o desejo da elite, escreve: o único jeito de curar os trabalha- dores do orgulho é reduzi-los a máquinas humanas, e o melhor alimento que os grevistas podem ter é o chumbo! Mais claro do que isso, impossível.

No dia 10 de maio, a cidade amanhece completamente parada. Milhares de pessoas aderem ao chamado das orga- nizações sindicais cujo lema é: A partir de hoje, nenhum operário deve trabalhar mais de oito horas por dia. Oito horas de Trabalho! Oito horas de repouso! Oito horas de educação!

Como você pode ver, os operários e operárias da épo- ca não querem trabalhar menos só para reduzir seus sofri- mentos e ter mais tempo para o lazer, mas apresentam a necessidade de estudar como um dos caminhos para apren- der a dirigir os passos da vida em sociedade. De fato, para

De nada serve partir das coisas boas de sempre mas sim dos coisas novas e ruins. B.Brecht

QUINZENA 308

acabar com a exploração não basta trabalhar menos. Para isso devem ser destruídos os mecanismos que fazem girar suas en- grenagens ao redor do lucro e, em seu lugar, é preciso cons- truir novas relações que coloquem o ser humano no centro das preocupações de toda a sociedade", me diz Nádia enquanto usa a ponta da asa para cutucar o meu ombro esquerdo.

Sem esperar as minhas reações, a coruja se recom- põe e retoma o seu relato: "Bom. Vejamos. Estava dizendo que, no dia Io de maio, em Chicago está tudo parado e que a única coisa que se mexe mesmo é uma passeata de milhares de trabalhadores que se dissolve pacificamente após um co- mício.

Contrariada pelo grau de adesão ao movimento e pelo tranqüilo desenrolar dos protestos, a elite planeja uma série de provocações e agressões às manifestações previstas para a segunda-feira, dia 3 de maio. A polícia se encarrega de viabilizar a estratégia traçada pelos patrões. No início da manhã atira num grupo de operários que protestam diante da fábrica Mc Comick Harvester. Resultado: dois mortos, cinqüenta feridos e centenas de presos. Diante desses fatos, os líderes do movimento conclamam os manifestantes à calma e convocam um novo ato para o dia seguinte.

Os trabalhadores e suas famílias atendem ao chama- do. Quando a manifestação começa a se dispersar, cerca de 180 policiais agridem e espancam quantos encontram pelo caminho. Neste instante, uma bomba vinda não se sabe de onde explode no meio dos guardas. É o sinal da carnificina. Em poucos minutos, reforços policiais chegam de toda par- te atirando e matando inúmeros manifestantes. As autorida- des decretam o estado de sítio. Milhares de trabalhadores e trabalhadoras lotam as prisões. A imprensa concentra seus ataques nos líderes do movimento.

A justiça age rapidamente e leva diante dos tribunais August Spies, Sam Fielden, Oscar Neeb, Adolph Ficher, Michel Schwab, Louis Lingg e Georg Engel. O julgamento começa no dia 21 de junho de 1886. Logo na abertura, Albert Parsons, que havia conseguido escapar da prisão, entra no tribunal e declara: Excelência, vim para ser processado com os meus companheiros inocentes. O processo corre rápido com provas e testemunhas inventadas. As palavras de um jurado revelam o sentido desta farsa: Que sejam enforcados. São homens desenvolvidos demais, inteligentes demais, peri- gosos demais para os nossos privilégios. A sentença condena a morte Parsons, Engel, Fischer, Lingg e Spies; Field e Schwabb à prisão perpétua e Neeb a quinze anos de cárcere.

Na sala lotada e silenciosa, Spies é um dos que co- mentam o desfecho do julgamento: Se com o nosso enfor- camento vocês pensam em destruir o movimento operário - este movimento do qual milhões de seres humanos humi- lhados, que sofrem na pobreza e na miséria, esperam a re- denção — se esta é sua opinião enforquem-nos. Aqui terão apagado uma faísca, mas lã e acolá, atrás e na frente de vocês, por toda parte, as chamas crescerão. É um fogo sub- terrâneo e vocês não podem apagá-lo.

No dia 11 de novembro, os condenados à morte são executados. Em Chicago, os patrões respiram aliviados. Ape- sar do impressionante aparato policial, seis mil trabalhado- res carregam com carinho os restos mortais de seus líderes. Em 1892, pressionado pela persistente onda de protestos

contra a iniqüidade do processo, o governador do estado anula a sentença, liberta os presos e acusa de infâmia o juiz, os jurados e as falsas testemunhas.

A semente plantada no sangue daqueles dias se toma símbolo de luta no mundo inteiro. Em dezembro de 1888, a Federação Americana do Trabalho aprova a proposta de re- alizar uma nova greve geral no dia 1° de maio de 1890 para estender a jornada de oito horas a todo o território dos Esta- dos Unidos. Esta decisão acaba tendo repercussão no Con- gresso Socialista que em julho do ano seguinte reúne em Paris 391 delegados de 20 países. Entre suas decisões, o Io

de maio de 1890 é escolhido como o dia de uma grande manifestação internacional para impor aos poderes públi- cos a redução legal da jornada de trabalho para oito horas diárias. As dúvidas sobre as possibilidades reais de um enfrentamento destas proporções se somam às divisões do movimento, à repressão das forças policiais e às dificulda- des criadas pelas diferentes situações das organizações ope- rárias em cada país. O que os delegados não esperavam é que aquela deliberação para o ano de 1890 acabaria se tor- nando um marco nas lutas operárias que estavam por vir".

Nádia pára de falar. Pede uma água para refrescar a garganta. Eu aproveito para dar dois minutos de descanso à mão direita que está escrevendo garranchos piores dos que costumam sair dela. Depois de alguns goles, a coruja dá uma longa espreguiçada e fica me olhando de rabo de olho como quem espera uma pergunta óbvia. Estimulado por este convite silencioso, me aventuro na esperança de acertar o alvo.

- "Olha, Nádia, você falou da Inglaterra, da França e dos Estados Unidos, mas como é que o Io de Maio foi se desenvolvendo aqui no Brasil?"

Com um sorriso doce e malicioso ao mesmo tempo, a coruja abre as asas como quem se alegra em ver que o meu interesse em conhecer a história desta data ainda não acabou.

- "Eu sabia que você iria me perguntar isso! O sexto sentido de uma coruja não falha! Pois bem, preste muita atenção ao que vou dizer. Em primeiro lugar, vale a pena lembrar que enquanto o Congresso Socialista de Paris deli- bera sobre o 1° de maio de 1890, o Brasil acaba de aprovar a Lei Áurea com a qual pretende abolir oficialmente a escravidão. A economia da época se baseia, sobretudo, ha agricultura e o proces- so de industrialização é muito lento. A classe operária é ainda pequena e, em 1900, não reúne mais de 55 mil pessoas.

As condições de vida e de trabalho são tão duras quanto as que encontramos nos demais países. O jornal operário O Combate relata alguns abusos dos patrões que nos ajudam a visualizar melhor esta realidade: Entre eles podemos ci- tar nominalmente o Sr. Crespi porque assistimos ontem à entrada de cerca de 60 pequenos, às 7 horas da noite em sua fábrica da Mooca. Essas crianças, entrando naquela hora, saem às 6 horas da manhã. Trabalham, pois, 11 ho- ras a fio em serviço noturno, apenas com um descanso de 20 minutos, à meia noite! O pior é que elas se queixam de que são espancadas pelo mestre de fiação Silvio dos Re- mos. Muitas mostram-nos equimoses nos braços e nas costas. Algumas apresentam mesmo ferimentos produzidos com uma ma- nivela. Há uma com as orelhas feridas por continuados e violen- tos puxões. (...) Trata-se de crianças de 12,13 e 14 anos.

Apesar desses complicadores, entre 1887 e 1900, en-

De nada serve partir das coisas boas de sempre mas sim dos coisas novas e ruins. B.Brecht

6 QUINZENA 308

contramos grapos de trabalhadoras e trabalhadores obrigados pela repressão a comemorar o Io de maio em lugar fechado através de palestras e reuniões. Há também associações sindicais que publi- cam seus primeiros informativos resgatando os acontecimentos que deram origem a esta data. Outras encenam peças de teatro que retratam a vida operária e a necessidade de somar forças pela redu- ção da jornada de trabalho.

Sentindo o cheiro do perigo, parte da elite brasileira começa a tomar medidas que vão além da simples repres- são. Alguns empresários dão início a uma política de esva- ziamento do sentido das comemorações do Io de maio ao torná-las um momento de confraternização com seus funci- onários. Para ter uma idéia deste processo, basta ler um pe- queno trecho do jornal O Amigo do Povo que fala das cele- brações de 1904: os operários da fábrica Globo fizeram ma- nifestações de apreço aos patrões, por estes não terem ade- rido ao Centro Industrial dos Fabricantes de Calçados, ofe- recendo-lhes uma cesta de flores, retribuída com um almo- ço de confraternização. Sem esperar que esta data se fixe entre os trabalhadores como um momento de luta, os em- presários começam a deitar raízes que se fortalecerão nas décadas seguintes.

Dois anos mais tarde, se reúne no Rio de Janeiro o Io

Congresso Operário Brasileiro que sublinha a importância de conquistar a jornada de oito horas. Em suas conclusões, os delegados condenam as festas promovidas pelos empre- sários, incitam os operários a protestar contra a repressão e a fazer do 1° de maio de 1907 o momento em que o operari- ado do Brasil impõe a redução da jornada de trabalho.

Marcada a data, as forças vivas do movimento prepa- ram seus protestos e manifestações nas principais cidades do país. No estado de São Paulo, o 1° de maio de 1907 trans- corre num clima de tensão e enfrentamentos. Diante dos passos das organizações dos trabalhadores, as autoridades proíbem a concentração marcada pelos sindicatos na Praça da Sé, enquanto soldados e policiais ocupam as ruas do cen- tro. A Federação Operária de São Paulo convoca, então, uma reunião na sua sede para discutir os rumos a serem toma- dos. Três dias depois, os metalúrgicos da capital entram em greve e várias outras categorias seguem o seu exemplo. A paralisação do trabalho atinge Campinas, Itu, São Bernardo e Santos. O poder reage com a repressão. Muitos manifes- tantes são presos e espancados e mais de cem emigrantes estrangeiros são expulsos do país.

A amplitude da greve assusta os patrões e não são poucas as empresas que começam a adotar a jornada de oito horas. Mas, no ano seguinte, a crise econômica e o desem- prego ameaçam as conquistas já alcançadas e enfraquecem o sindicalismo combativo.

Em agosto de 1914, o início da Primeira Guerra Mun- dial marca o aumento dos sofrimentos da classe trabalhado- ra. O conflito transforma nossas exportações aos países eu- ropeus num verdadeiro negócio da China para os patrões. Para você ter uma idéia, soem 1917, o Brasil vende à Euro- pa 22 mil toneladas de arroz, 50 mil toneladas de feijão e 30 mil toneladas de carne congelada. No país, os poucos arti- gos de primeira necessidade que se encontram nos merca- dos são vendidos a um preço até dez vezes maior. Some esta realidade ao arrocho salarial e às extenuantes jornadas de

trabalho e não terá nenhuma dificuldade em perceber que enquan- to a guerra enche os bolsos dos capitalistas a fome toma conta dos estômagos das famílias operárias. Com o passar dos meses a situ- ação se toma cada vez mais explosiva e o governo prepara a polícia e o exército para reprimir qualquer revolta popular.

Nos primeiros meses de 1917, várias greves estou- ram em São Paulo e no Rio de Janeiro. Os operários têxteis do Rio que faltam ao trabalho para participar das comemo- rações do Io de maio são punidos e decidem paralisar a pro- dução. Pouco a pouco, o movimento atinge Petrópolis, Juiz de Fora e se espalha até o Rio Grande do Sul. O seu ponto mais alto é na cidade de São Paulo, em julho do mesmo ano quando, apesar da repressão, o comando de greve chega a controlar a distribuição dos gêneros de primeira necessida- de. Os patrões se vêem forçados a atender várias reivindi- cações, mas se opõem com todas as forças à redução da jornada de trabalho.

A luta vai prosseguir nos anos seguintes com altos e baixos que dependem do grau de organização dos sindica- tos e do peso da repressão policial.

No vaivém dos enfrentamentos, a elite procura fazer do Io de maio um momento que reafirma sua visão da rela- ção entre patrões e trabalhadores. Em 26 de setembro de 1924, um decreto do Presidente da República, Artur Bemardes, transforma esta data em feriado nacional. Ao falar do decreto, a mensagem presidencial enviada ao parlamen- to no ano seguinte diz: A significação que esta data passou a ter, nos últimos tempos, consagrando-se não mais a pro- testos subversivos, mas à glorificação do trabalho ordeiro e útil, justifica plenamente o nosso voto.

Não sei se você percebe o que isso significa - me diz Nádia balançando a cabeça -, mas os poderosos criam o feriado de Io de maio quando ainda não há uma lei que de- termina a jornada de trabalho de oito horas, motivo das ma- nifestações que deram origem a esta data. Na verdade, a elite brasileira procura se apropriar dela justamente para esvaziá-la do espírito de luta depositado pela classe traba- lhadora. Ao tentar substituir os protestos subversivos pela glorificação do trabalho ordeiro e útil, os patrões tratam de alimentar o clima de paz social capaz de garantir a conti- nuidade da exploração.

O Io de maio como feriado nacional é apenas mais um passo rumo às transformações que são implementadas por Getúlio Vargas entre 1930 e 1945. Alternando boas doses de repressão a algumas migalhas, Vargas consegue derrotar as organizações operárias que criticam o sistema e implementar um sindicalismo dócil aos interesses do esta- do e dos patrões. É neste cenário que, durante o seu gover- no, o 1° de maio começa a ser celebrado no estádio do Vasco da Gama, no Rio de Janeiro, onde os operários desfilam homenageando as autoridades presentes".

- "Mas, Nádia, desse jeito as lutas dos trabalhadores devem ter acabado de vez!", pergunto cocando a cabeça à procura de respostas para as inquietações que começam a povoar os meus pensamentos.

- "Não", responde a coruja, "não só elas não acaba- ram, como se mantêm vivas nas ações de todos aqueles que fazem ecoar novamente o grito de revolta dos primeiros. A rebeldia, a dignidade e a solidariedade são o combustível

De nada serve partir das coisas boas de sempre mas sim dos coisas novas e ruins. B.Brecht

QUINZENA 308

que alimenta o fogo subterrâneo do qual falava Spies após ouvir a sentença. Os patrões fazem de tudo para apagar as faíscas, mas o fogo faz brotar outras onde eles menos espe- ram. Veja só esta manchete de primeira página do jornal A Plebe de 1948: Primeiro de Maio é um dia de protesto. Não é a "festa " do trabalho, como afirmam os mistificadores. O trabalho vive escravizado e os escravos não costumam fes- tejar a sua escravidão.

E tem mais. Se você lembrar de alguns passos da his- tória recente, vai perceber que nem a ditadura militar que se instala no Brasil em 1964 consegue apagar este fogo. Você lembra, por exemplo, do Pdemaiode 1980?", pergunta Nádia sem conseguir esconder o sorriso que invade o seu rosto.

- "Bom... para ser sincero... não. A memória não é o meu forte".

- "Pois saiba que já no final de março daquele ano os metalúrgicos do ABC paulista dão início a uma longa gre- ve. Em resposta aos protestos, em 17 de abril, o Ministério do Trabalho fecha os sindicatos e cassa suas diretorias. Dois dias depois, a polícia prende arbitrariamente os líderes do movimento, mas nem isso amedronta os trabalhadores e as trabalhadoras que resistem nas fábricas.

Diante dos acontecimentos, uma multidão de homens e mulheres responde às medidas repressivas do governo ali- mentando a solidariedade com os grevistas. Integrantes dos movimentos populares, das comunidades de base, dos sin- dicatos, das mais variadas associações e correntes políticas se organizam em todo o país para angariar os fundos que ajudarão a sustentar as famílias dos grevistas.

No dia 1° de maio daquele ano, oito mil policiais arma- dos até os dentes cercam São Bernardo do Campo. O governo ameaça punir as manifestações e interdita o estádio de Vila Euclides, o Paço Municipal e a Praça da Matriz. Mas a partici- pação no ato convocado pelas forças vivas do movimento su- pera todas as expectativas. Mais de 120 mil pessoas furam o bloqueio da polícia e ocupam os espaços que haviam sido proi- bidos fazendo tremer as bases da ditadura militar".

- "Tudo bem, Nádia, mas as coisas não são mais as- sim. Parece que ninguém se importa com nada. Aliás, a moda agora é o tal do showmício, com direito a bingo e festas organizados até mesmo pelos sindicatos que eram referên- cias de luta...", digo sacudindo a cabeça como quem acha impossível voltar a ver algo que se pareça com as manifes- tações do passado.

A coruja me ouve calada. Depois põe as asas atrás das costas e andando de um lado a outro da mesa, me devol- ve em resposta uma chuva de perguntas. "Por acaso, a ex- ploração acabou? Os trabalhadores e as trabalhadoras estão tão bem assim que hoje já não precisam reagir aos desmandos dos patrões? Você já percebeu que os tapinhas nas costas e os sorrisos que os empresários distribuem nas melhores empresas são retribuídos com o aumento do rit- mo de trabalho, da produção e com uma progressiva dimi- nuição do número de funcionários? A classe trabalhadora não reage porque todos os seus membros viraram cordeiros que vão alegres para o matadouro? Ou é porque ainda não conseguiram transformar sua revolta em ação? Até quando vão agüentar calados a retirada dos poucos direitos que lhe restam? Pois, saiba que a dignidade e a rebeldia continuam vivas mesmo quando não conseguem vir à luz em manifes- tações que sacodem a história. Não são poucas as pessoas

que debaixo da terra guardam, protegem e alimentam o fogo do qual falava Spies. O fato dos patrões estarem ganhando não significa que estamos perdidos. O jogo apenas come- çou, e eles sabem disso.

O que precisamos mesmo é dar forma e cor à espe- rança, devemos torná-la concreta e coletiva para contagiar mais pessoas e fazer com que não se conformem com o sofrimento. Só assim vão começar a perceber que um novo amanhã depende da nossa capacidade de mudar os rumos da história e não da boa vontade deste ou daquele sujeito. Por isso, comemorar o Io de maio não é apenas lembrar do passado. É, sobretudo, renovar o compromisso de lutarmos contra toda forma de injustiça e exploração que condenam à fome e ao esquecimento milhões de seres humanos no mundo inteiro".

Em silêncio, vou escrevendo as últimas linhas desta longa conversa. A cabeça ainda mistura perguntas, relatos, angústias, anseios e não poucas razões de sofrimento. Os olhos não saem do papel ainda que a mão tenha parado de escrever.

Por cima dos óculos vejo Nádia pegar a régua que sai do meio de uma revista. Disfarçando seus gestos encos- ta uma de suas extremidades na mesa como quem segura um cajado antes de uma longa caminhada. Alguns instan- tes depois, ela se aproxima e pede para dar uma olhada com um "Anotou tudo direitinho?", ao qual respondo en- tregando silenciosamente as folhas. Não sei se ela consegue ler meus garranchos, mas vejo seus olhos correrem rapida- mente as linhas do texto.

- "Nada mal. Até que você merece", murmura com ar satisfeito.

- "Mereço... o que?", pergunto perplexo enquanto ajei- to ao papeis que estão sobre a mesa. Mal consigo acabar de falar que, num gesto rápido, Nádia pega a régua e a bate três vezes na minha cabeça e nos meus ombros dizendo solenemente: "Eu Nádia, nomeio você secretário da ordem das corujas".

- "E se eu não quiser?", indago para ter uma noção do futuro que me espera.

- "Tarde demais! Já está feito!", responde Nádia em- pinando o bico e olhando disfarçadamente para o alto. "De hoje em diante vai escrever para ajudar grandes e pequenos a refletirem sobre a realidade que os cerca. Mas, agora, vamos fechar logo este texto antes que nossos leitores e leitoras se cansem. Ah! Não esqueça de enviar um abraço e de dizer a todos e a todas que não se assustem com os mo- dernos extintores e os canhões de água dos poderosos. Por muito que tentem, não vão conseguir apagar o fogo que a dignidade, a solidariedade e a rebeldia alimentam.

Assinado: Nádia. A coruja".

P.S. Passados alguns minutos, consegui convencer a "hospede" da minha estan- te a me dizer quais foram os livros que andou lendo para contar esta história que eu não conhecia. Aí vão eles:

ACO, História da classe operária no Brasil, Vol. 1 a 5, Edição da Ação Católica Operária, Rio de Janeiro.

Edgard Carone, Movimento Operário no Brasil - (1877-1944), Ed. Difel, São Paulo, 1984.

John W. Dulles, Anarquistas e Comunistas no Brasil - (1900-1935), Ed. Nova Fronteira, 2' Edição, Rio de Janeiro 1977.

José Luiz Del Roio, 1" de Maio - Cem anos de luta (1886-1896), Ed. Global/Oboré, São Paulo 1986.

Pelo ieito. vêm mais coisas.Até breve. Emílio Gennari. Brasil, abril de 2002.

De nada serve partir das coisas boas de sempre mas sim dos coisas novas e ruins. B.Brecht

QUINZENA 308

Debate Sindical NL> 40 - Nov.2001 www.ces.org.br

A quem interessa a flexibilização das relações de trabalho?

CLÁUDIO SALVADORIDEDECCA

Conservadores acusam a política social do Estado e a ação dos sindicatos como entraves à exploração capitalista

Faz trinta anos que a visão liberal acusa as insti tuições de regulação social de responsabilidade pela crise recorrente vivida pelo capitalismo. Num

primeiro momento, a acusação voltou-se contra a indexação dos salários à variação do custo de vida. Feita a desindexação, a culpa passou a ser imputada aos gastos com as políticas de proteção social, vistas como entraves ao crescimento do in- vestimento privado. Realizou-se a "modernização" dessas po- líticas, mas o resultado pouco satisfatório dessa reforma le- vou a que se culpasse o controle sindical e público das rela- ções de trabalho que, por sua rigidez, comprometeriam a pro- dutividade e a competitividade.

A pressão pela quebra da regulação social foi recorren- temente justificada por seu suposto anacronismo. Ela passa- ra a ser incompatível com um mundo onde o rompimento das fronteiras nacionais e o conseqüente acirramento da con- corrência nos diversos mercados, num contexto de grande instabilidade tecnológica, seriam as características principais da nova ordem econômica internacional. A solução, portan- to, foi associada à progressiva liberalização dos mercados em relação às amarras da regulação pública. Para os conser- vadores, era preciso permitir a reoxigenação dos mercados, ampliando-se a concorrência e estimulando a modernização tecnológica.

Tal solução foi vendida como sendo a única alternativa para a reconstrução do capitalismo nesse final de século. Como um missal, foi tomada como verdade inquestionável, cuja implementação levaria o capitalismo a um novo nirvana. São 30 anos de dominação dessa perspectiva política, acom- panhada pelo crescimento do desemprego e da desigualdade social. Mesmo assim, esses males continuam sendo imputa- dos à regulação social do pós-guerra.

POLÍTICAS SOCIAIS Nada de novo tem essa postura totalizante da visão con-

servadora. A crise dos anos 30 também foi associada às ins- tituições do capitalismo moderno. Os conservadores da épo- ca acusaram a incipiente política social e os sindicatos pelos entraves à reorganização capitalista. A solução proposta pas- sava também pela desregulamentação e maior liberdade aos mercados. Apesar de VA da força de trabalho nos países in- dustrializados estar desempregada e da queda violenta dos salários reais, os problemas do mercado de trabalho foram associados à suposta rigidez das instituições sociais.

Autores liberais mais conscientes da tragédia social que ia sendo construída sob a égide da política conservadora apon-

taram a inviabilidade da construção de um mundo sem uma proteção social mais ampla. Keynes mostrou que era impos- sível aos trabalhadores regularem seu salário real e que a crise decorria das decisões de investimentos das empresas e do Estado. Mesmo assim, somente com o advento da guerra, foram abertas as possibilidades reais para o avanço da regulação social, que foi fundamental para o crescimento acelerado do capitalismo nas décadas de 50/60.

Na relação entre capital e trabalho, a regulação social permitiu reduzir o desequilíbrio nela presente. Como afir- mou Marx, no capitalismo existem alguns que possuem o capital-dinheiro, o qual lhes dá a possibilidade de comprar ou não a força de trabalho necessária ao processo de acumu- lação. Por outro lado, existem muitos que por não deterem o capital-dinheiro, são obrigados a vender recorrentemente sua força de trabalho. Esta situação de desigualdade torna a re- lação de trabalho via mercado claramente assimétrica. A regulação social permitiu reduzir essa assimetria. Foram a política social e a negociação coletiva as bases do processo de regulação.

A política social agiu sobre a oferta de trabalho, bus- cando reduzir a disponibilidade de braços para a produção capitalista. A proibição do trabalho infantil, a restrição do trabalho de mulheres em certas situações, o sistema de apo- sentadoria, a garantia de renda em situações de doença ou desemprego e restrições ao uso do trabalho em certas situa- ções de periculosidade e insalubridade constituíram uma das faces da política social. O fim da demissão sem justa causa e o seguro-desemprego completaram a política, bem como o direito de representação coletiva dos trabalhadores. O Esta- do, portanto, atuou sobre as relações de trabalho no sentido de deslocar a forte assimetria que ela conheceria se sua regulação fosse deixada ao sabor do mercado.

Já a negociação coletiva atuou sobre essa base de direi- tos sociais. Novos mecanismos de regulação foram sendo estabelecidos pela negociação. Em muitos momentos, o Es- tado transformou os resultados de acordos em direitos regu- lados por lei, estendendo conquistas obtidas por certas cate- gorias para o conjunto dos trabalhadores. O campo de ação das negociações coletivas na criação de novos direitos foi amplo, podendo, entretanto, ser retratado segundo três óti- cas referentes ao uso do trabalho: a) sua alocação; b) seu tempo de movimento; c) sua remuneração. Foram sobre es- sas facetas que as negociações coletivas atuaram.

Quanto à alocação, a negociação coletiva resultou na criação de regras e normas segundo dois procedimentos. Em

De nada serve partir das coisas boas de sempre mas sim dos coisas novas e ruins. B.Brecht

QUINZENA 308 9

primeiro lugar, ao acordar critérios de estabilidade que am- pliavam as restrições à demissão e à contratação de traba- lhadores impostas pela política social. Em segundo lugar, ao estabelecer estruturas ocupacionais que definiam as ocupa- ções básicas, tarefas e funções associadas a cada uma delas e os critérios de promoção (mobilidade). A construção des- sas estruturas retirou das mãos das empresas a autonomia em alocar trabalho na atividade produtiva como forma de discriminar e individualizar o coletivo de trabalhadores. A contratação e a alocação passaram a ser realizadas segundo regras e normas acordadas nas negociações coletivas, trans- ferindo o processo de contratação do espaço interno das empresas para o espaço social.

As negociações coletivas sobre a regulação do tempo foram determinando um padrão de jornada de trabalho se- manal fixa e restrições para seu uso em regime de turnos, nos fins de semana e feriados - o que foi de grande importância para os trabalhadores. Apesar do avanço da regulação social no século XX, poucos foram os países que buscaram controlar a jornada de trabalho. A tendência de sua redução, observada até os anos 70, foi de responsabilidade das negociações coletivas.

Em relação ao último aspecto, o da remuneração, as negociações coletivas jogaram também um papel fundamen- tal. Em primeiro lugar, porque desvincularam a remunera- ção da produtividade individual do trabalho, transformado- a em um resultado do esforço coletivo empreendido pelos mesmos. Nos primórdios do capitalismo, os trabalhadores eram pagos segundo a produção realizada, fato que estimu- lava forte concorrência. As negociações coletivas transfor- maram esse padrão. A transferência de parte dos aumentos de produtividade para a remuneração e a indexação dessa aos aumentos de preços garantiram a elevação do poder de compra dos trabalhadores e, portanto, da sua participação nos incrementos ocorridos na renda nacional.

As articulações entre as ações do Estado e das negoci- ações coletivas produziram um círculo virtuoso que favore- ceu a construção de uma regulação social das relações de trabalho. Transferiu-se, progressivamente, do espaço da em- presa para o social a regulação das condições básicas de uti- lização do trabalho no capitalismo moderno. Esse processo provocou uma redução da assimetria na relação de trabalho, favorecendo os trabalhadores, pois esses passaram a ficar menos expostos à gestão individualizada que as empresas, normalmente, buscavam fazer. De fato, a regulação social constituiu-se numa proteção aos trabalhadores em relação ao caráter despótico inerente na relação de trabalho, caso essa fosse deixada ao sabor da regulação do mercado de trabalho.

E preciso ressaltar que a regulação social também foi de grande importância para as empresas e para o crescimen- to do capitalismo no pós-guerra. Em geral, associa-se a regulação social à proteção dos trabalhadores. Esse é um engano recorrente, pois ela cumpriu também função prote- tora para as empresas, seja em relação aos trabalhadores ou às concorrentes. Quanto aos trabalhadores, ela garantiu às empresas padrões culturais mais estáveis, considerados fun- damentais à estabilidade do processo produtivo. Por outro lado, ela impediu que as empresas lançassem mão de for- mas espúrias de uso do trabalho no processo de concorrên- cia. O maior exemplo é o do trabalho infantil.

CRISE CAPITALISTA A crise estrutural do capitalismo a partir dos anos 70

abrirá espaço para acusar a regulação social como um de seus determinantes principais. Ela foi apontada como uma barreira à flexibilidade requerida pelas empresas num con- texto de grandes dificuldades. A posição conservadora des- prezou os processos de financeirização e internacionalização das grandes empresas, nos anos 60, que iniciaram o rompi- mento das fronteiras nacionais e provocaram, conseqüente- mente, a quebra da estabilidade do padrão de concorrência entre capitais que havia sido construído no pós-guerra.

As empresas aproveitaram o revigoramento do discur- so conservador para fazer coro contra a regulação social. Associaram, de maneira espúria, a redução de seus investi- mentos a uma suposta rigidez imposta pelo controle exerci- do pelos trabalhadores. Por outro lado, viram o processo de inovação como um meio de grande eficácia para a desarticu- lação da regulação social. Identificaram a situação de crise como um momento importante para reconquistar a sua auto- nomia na construção de regras e normas sobre o uso do tra- balho. Em outras palavras, reconheceram o contexto de cri- se como favorável à recomposição de seu poder sobre a rela- ção com os trabalhadores.

Essa posição das empresas justificou sua ação agressi- va na incorporação de novas tecnologias, apesar dos grandes riscos inerentes a esse processo de decisão. O problema a ser resolvido não se resumia apenas à possibilidade de pro- vocar um novo movimento de crescimento sustentado da pro- dutividade. Era necessário se desfazer das amarras que havi- am sido criadas pela regulação social. Novas plantas alta- mente automatizadas foram o meio adotado pelas empresas para dar marcha a essa estratégia. Pouco interessava o fato da modernização destruir os trabalhadores enquanto produ- tores, ao mesmo tempo em que continuaria a depender des- ses enquanto consumidores.

O delírio tecnológico contaminou as decisões de investi- mentos das grandes empresas internacionais no final da década de 70. Só que os resultados obtidos foram desastrosos. A pro- dução alcançada jamais chegou a ser próxima daquela planeja- da e necessária para rentabilizar os investimentos realizados. A situação de caos conhecida pelos novos projetos implementados nos segmentos mais dinâmicos do setor industrial sinalizaram rapidamente que o processo de aprendizagem nas novas tecnologias seria mais custoso e demorado. Contrariando a pos- tura adotada pelas empresas, os novos projetos mostraram a importância dos trabalhadores na correção dos problemas ine- rentes ao processo de inovação tecnológica.

Mas o reconhecimento sobre a complexidade desse pro- cesso somente foi obtido quando as novas tecnologias adotadas já haviam causado mudanças importantes no mer- cado de trabalho. Durante a construção das plantas de alta automação, as empresas utilizaram-se dessa estratégia para pressionar os sindicatos, exigindo dos trabalhadores a fle- xibilidade das normas e regras que haviam sido progressiva- mente acordadas nas negociações coletivas do pós-guerra. Ameaçando com o desemprego tecnológico, elas demandavam dos trabalhadores a flexibilidade no processo de contratação e alocação do trabalho, na jomada e no padrão de remuneração.

De nada serve partir das coisas boas de sempre mas sim dos coisas novas e ruins. B.Brecht

10 QUINZENA 308

ATAQUES NA CONTRATAÇÃO A flexibilidade na contratação buscava ampliar a possi-

bilidade das empresas fazerem a gestão da mão-de-obra em seu interior, sem as amarras impostas pela regulação social. De forma direta, pode-se dizer que as empresas desejavam alocar o trabalho sem que o sindicato ou o Estado interferis- sem no processo. O argumento que sob as novas tecnologias havia se alterado o conjunto de competências requeridas do trabalhador apareceu como uma força de intemalização pe- las empresas do uso do trabalho. A ampliação das possibili- dades de contratação de trabalho temporário e por tempo parcial, garantida pelo Estado, completaram esse processo de flexibilização.

Outro ataque das empresas contra os sindicatos ocor- reu em tomo da flexibilidade da jornada de trabalho. Elas aproveitaram da posição histórica dos sindicatos em favor da redução da jornada, como forma de elevar o emprego em situações de crise econômica ou de mudança tecnológica intensa. Ofereceram pequenas reduções na jornada, em ge- ral compensadas por reduções salariais, em troca de sua anualização. Colocaram os sindicatos numa posição difícil, pois ao atenderem uma reivindicação demandavam algo em troca. Procedimento recorrente nas negociações, a anualização era apresentada como uma arma para a concor- rência num contexto de instabilidade.

O problema foi que a redução da jornada, ao invés de favorecer o aumento do emprego, jogou contra o mesmo. A razão era simples. A anualização havia permitido a redução da quantidade de trabalho que cada ocupado perde durante uma jornada. Seja por quebra de equipamentos ou pela flutuação sazonal da produção, a jornada fixa impunha que parte do tempo de trabalho não fosse aproveitado pelas em- presas. Os trabalhadores ficavam "matando tempo". A anualização apareceu como um aproveitamento do tempo perdido. De tal modo, que, apesar da redução da jornada, os ganhos de tempo viabilizaram que uma mesma produção fosse realizada com um igual ou menor volume de trabalha- dores. Por outro lado, ela transferiu para as empresas as re- gras específicas de organização da jornada, sendo um instru- mento para a recomposição do seu poder na gestão da jornada.

O último tema proposto pelas empresas na negociação com os sindicatos foi o da flexibilidade da remuneração. Os argumentos esgrimidos encontravam-se associados às mu- danças no padrão de contratação e na jornada de trabalho, que tomavam desconhecidos a priori o resultado da ativida- de de cada trabalhador. As empresas alegaram que era ne- cessário adequar o padrão de remuneração a essa forma de organização do trabalho. A adequação passou pela associa- ção entre o rendimento individual e coletivo dos trabalhado- res e a retribuição obtida, flexibilizando a norma salarial existente. O avanço da remuneração variável fortaleceu o poder das empresas nesta determinação.

Nota-se, assim, que as novas normas de regulação das três facetas do trabalho corresponderam à transferência da regulação do campo social para o privado. Ao contrário do que se observou na formação do capitalismo, quando a lógi- ca do mercado de trabalho foi imposta aos trabalhadores pelo uso da força policial, agora foi restabelecida por mecanis-

mos de sustentação da democracia construídos no capitalis- mo moderno. A possibilidade de consecução dessa via se deu graças aos constrangimentos (ameaças) que as empre- sas e os governos puseram sobre o trabalho. Quando o de- semprego se transforma num revólver engatilhado perma- nentemente sobre a cabeça do trabalhador empregado, não há mais necessidade da violência policial no processo de sub- missão desse às lógicas da empresa e do mercado de trabalho.

Nesse momento podemos responder a uma questão que ficou anteriormente em suspenso: se a modernização tecnológica foi um fiasco, quais foram as soluções que as empresas adotaram para superar a situação de dificuldades? A resposta encontra-se justamente vinculada às mudanças no padrão de regulação da relação de trabalho. A reconquis- ta pelas empresas da autonomia para a gestão do trabalho lhes possibilitou ganhar a flexibilidade exigida. Ao internalizar a regulação da relação de trabalho, elas se des- vencilharam das amarras sociais.

SINDICATO POR EMPRESA Um aspecto adicional desse processo que deve ser res-

saltado é a crescente descentralização das negociações cole- tivas. Isto ocorreu em detrimento das negociações gerais por categoria ou setor de atividade. A descentralização não exi- giu o desmonte dos sistemas antigos de negociação, mas demandou apenas que o sistema de representação dos traba- lhadores aceitasse que as negociações centralizadas passas- sem a ser subordinadas àquelas realizadas no âmbito das empresas. Na maioria dos países desenvolvidos, e mesmo nos em desenvolvimento, a estrutura sindical manteve-se intocada, apesar das mudanças radicais observadas na dinâ- mica das negociações coletivas.

Muitas vezes autores de visão progressista fazem uma identificação imediata, porém incorreta, entre manutenção da estrutura sindical e a dinâmica da negociação coletiva. Essa postura deixa sem resposta uma acusação grave feita pelos conservadores. Eles acusam a estrutura sindical nos países desenvolvidos, e mesmo em nossos países, de ter se tomado anacrônica em razão da nova dinâmica da negocia- ção coletiva. Assim, propõem a adequação da estrutura ao perfil atual da negociação, transformando os sindicatos em instituições por empresas.

Não cabe escamotear o descompasso observado entre a estrutura sindical e a negociação coletiva. E necessário sim apontar que as tendências atuais transformam crescentemente as relações de trabalho em relações contratuais privadas. A adequação da primeira à segunda reforçará esse movimento, bem como a assimetria presente na relação de trabalho. A visão crítica deve apontar a postura retrógrada dessa posi- ção, indicando que os problemas relevantes encontram-se na dinâmica da negociação. Apesar de existente, o envelheci- mento da estrutura sindical não pode ser culpado pelos pro- blemas hoje observados nas relações de trabalho. É impor- tante que não se esqueça qual é o jogo principal: a troca da regulação social pela privada.

Cláudio Salvadori Dedecca é professor do Instituto de Economia da Unicamp/SP - Correio eletrônico: [email protected]'np.br

De nada serve partir das coisas boas de sempre mas sim dos coisas novas e ruins. B.Brecht

QUINZENA 308 11

ECONOMIA Jornal dos Economistas n9150 - Dezembro de 2001

Desestabilização, crescimento medíocre e desigualdade

Reinaldo Gonçalves*

Desempenho da economia durante o governo de FHC está entre os sete piores de 150 anos da história do País

O desempenho medíocre do governo FHC é evi dente pelo padrão histórico brasileiro e pelo padrão internacional. Desestabilização

macroeconômica significa que há desequilíbrio externo e interno. A economia brasileira tem sofrido de forte desestabilização a partir de 1995.

Nofront externo, houve um aumento extraordinário dos desequilíbrios de fluxo e estoque. Os indicadores de fluxos mostram claramente que os sérios desequilíbrios nas esferas comercial, financeira, produtiva e tecnológica. Como indi- cador, pode-se citar a relação entre o déficit do balanço de pagamentos (saldo de transações correntes) e o PIB, que au- mentou de menos de 1,0% em 1993-94 para um déficit supe- rior a 4,0% em 2000-01.

No que se refere ao desequilíbrio de estoque, a evidên- cia também é conclusiva. Tomemos, por exemplo, o passivo externo líquido que aumentou de US$ 185 bilhões, em 1994, para US$ 355 bilhões, em 2000. O resultado tem sido o au- mento da vulnerabilidade externa da economia brasileira. Isto é, reduziu-se significativamente a capacidade de resistência do Brasil frente a pressões, fatores desestabilizadores e cho- ques externos.

No front interno a desestabilização macroeconômica durante o governo FHC também é evidente. Somente a infla- ção tem estado em níveis satisfatórios, se comparados com a experiência de alta inflação das últimas duas décadas. Mes- mo assim, deve-se ressaltar que uma inflação média anual da ordem de 8%, no contexto de desempenho medíocre da eco- nomia, representa uma crescente perda de bem-estar para a grande maioria dos brasileiros.

Quando analisamos as outras dimensões da estabiliza- ção (taxa de investimento, taxa de crescimento, taxa de de- semprego e contas públicas) verificamos claramente o desem- penho medíocre da economia brasileira, mais precisamente, o alto grau de desestabilização macroeconômica. Vejamos alguns números a respeito da crise fiscal brasileira.

No período 1995-2000 as contas do governo federal mostram que a relação média gasto público/PIB foi de 16,2% e a relação média déficit fiscal/PIB foi de 7,0%. Nesse mes- mo período, a relação média dívida mobiliária interna/PIB foi de 31,0%. Ademais, considerando os grandes períodos da história econômica e política do Brasil, pode-se constatar que não há registro tão lamentável quanto o de FHC no que diz respeito às finanças públicas. A evidência é apresentada em livro recente (A armadilha da dívida, de Valter Pomar e Reinaldo Gonçalves, Ed. Perseu Abramo).

FHC: o "perdedor" Os indicadores de FHC são muito piores do que os

indicadores médios dos outros períodos da história brasilei- ra de 1851 até os dias de hoje. O único momento que se aproxima do desempenho medíocre de FHC quanto às fi- nanças públicas é o período do Segundo Reinado, após a Guerra do Paraguai (1865), e que termina com a proclama- ção da República. Até mesmo o imperador Pedro II, que ge- rou défícits extraordinários (Guerra do Paraguai, nos anos 1860, e seca no Nordeste, nos anos 1870) e endividou o Es- tado brasileiro em proporções crescentes, teve desempenho menos ruim do que FHC.

A evidência é conclusiva: em 150 anos de história das finanças públicas no Brasil, FHC é responsável pela maior carga tributária, o maior gasto (pagamento de juros), o mai- or déficit e o maior endividamento. FHC quebrou o Estado brasileiro. Essa herança trágica é uma das causas do péssi- mo desempenho da economia.

Passemos, então, à análise da taxa de crescimento do PIB, que tem sido medíocre durante o governo FHC. Essa mediocridade é evidente quando se verifica a taxa de cresci- mento médio anual do PIB de 2,4% no período 1995-2001. A mediocridade do desempenho de FHC ainda é mais evi- dente quando essa taxa é comparada com a média histórica do país (4,4%).

Do século XIX ao século XXI, da monarquia à Repú- blica, de regimes civis a militares, o Brasil teve maratonistas e perdedores na chefia do Estado brasileiro (Tabela 1). Que chefes de Estado tiveram os melhores e os piores desempenhos na história do Brasil? Quem são os sete perdedores (aqueles que tiveram o pior desempenho, em termos de crescimento eco- nômico, na história do Brasil? Quem são os maratonistas (aque- les com o melhor desempenho econômico)?

A lista dos piores Nesta seção apresentamos os sete perdedores, isto é,

aqueles que tiveram, durante o seu mandato, uma taxa mé- dia de crescimento anual do PIB muito inferior à taxa média histórica do país (4,4%). Os números falam por si só. O prin- cipal resultado que queremos ressaltar é a mediocridade do desempenho do governo FHC.

Antes de tudo, cabem alguns comentários de natureza metodológica. A fonte de dados até 1947 é o IPEA (Cláudio Contador, Ciclos Econômicos e Indicadores de Atividade no Brasil, Rio de Janeiro, IPEA/INPES, 1977, Apêndice), e, a

De nada serve partir das coisas boas de sempre mas sim dos coisas novas e ruins. B.Brecht

12 QUINZENA 308

partir de 1947, os dados provêm da revista Conjuntura Eco- nômica, diversos números, da Fundação Getúlio Vargas. A taxa média refere-se à média aritmética das variações anuais percentuais do PIB. Os dados para Pedro II referem-se ao período 1862-1889, pela ausência de dados anteriores a 1862. Para 2001 considerou-se a taxa de 1,7%.

Como, de modo geral, as eleições presidenciais são em novembro e a posse em janeiro, há coincidência entre o perí- odo de cálculo do PIB (janeiro-dezembro) e o mandato pre- sidencial. Nos casos de diferenças mais expressivas (seis meses ou mais), fez-se a interpolação aritmética (Afonso Pena, Nilo Peçanha e Epitácio Pessoa). Excluiu-se as presidências com mandato inferior a um ano: Delfim Moreira (de 15/11/ 1918 a 28/7/1919); José Linhares (de 29/10/1945 a 31/1/ 1946); Nereu de Oliveira Ramos (de 11/11/1955 a 31/1/1956); e Pascoal Ranieri Mazzilli (de 1/4/1964 a 15/4/1964). Consi- derou-se a taxa média de Getúlio Vargas nos dois governos.

E, então, quem são os sete perdedores? Prudente José de Morais e Barros (1894/1898), com uma

taxa média anual de crescimento do PIB de -6,8%, ocupa a posição número 1 entre os sete perdedores. Seu governo foi marcado por crise econômica e política, queda dos preços internacionais do café (1896), conflitos políticos internos (guerra de Canudos, 1897) e crescimento da dívida pública. O segundo perdedor é Fernando Collor de Mello (1990/1992), com uma taxa média anual de crescimento do PIB de -1,4%, cujo governo caracterizou-se por crise econômica, problema cambial e perda de governança (má gestão, incompetência, corrupção e impeachment).

Tabela 1 Desempenho dos chefes de estado no Brasil; do pior para o melhor

(taxa média anual de crescimento real do PIB. em %)

Chefe de Estado e período Taxa média Ordem

Prudente José de Morais e Barros. 11/1894 a 11/1898 Fernando Collor de Mello, 3/1990 a 9/1992 Manuel Deodoro da Fonseca, il/1889 a 1 J/1891 Roriano Vieira Peixoto, 11/1891 a 11/1894 Venceslau Brás Pereira Gomes. U/19l4a 11/1918 Washington Luís Pereira de Souza, 11/1926 a 10/1930 Fernando Henrique Cardoso, 1/1995 a 2001. Jo3o Baptista de Oliveira Figueiredo, 3/1979 a 3/1985 Pedro II (1840-1889) Hermes Rodrigues da Fonseca, 11/1910 a JI/1914 JoSo Belchior Goulart. 9/1961 a 4/1964 Getúlio Domelles Vargas, 11/1930 a 10/1945; e 1/1951 a 8/1954 Humberto de Alencar Castello Branco, 4/1964 a 3/1967 José Samey. 3/1985 a 3/1990 Itamar Cautiero Franco, 9/1992 a 1/1995 Ernesto Geisel. 3/1974 a 3/1979 Epitácio da Silva Pessoa, 7/1919 a 11/1922 Artur da Silva Bernardes, 11/1922 a 11/1926 Arthur da Costa e Silva, 3/1967 a 8/1969 Francisco de Paula Rodrigues Alves, 11/1902 a 11/1906 Eurico Gaspar Dutra, 1/1946 a 1/1951 Juscelino Kubitschek de Oliveira, 1/1956 a 1/1961 Afonso Augusto Moreira Pena, 11/1906 a 6/1909 João Café Filho, 8/1954 a 11/1955 Jânio da Silva Quadros, 1/1961 a 8/1961 Manuel Ferraz de Campos Sales, de 11/1898 a 11/1902 Emílio Garrastazu Mediei, 10/1969 a 3/1974 Nilo Procópio Peçanha, 6/1909 a 11/1910

Notas: Elaboraçáo do autot Média iinlmclk-a das taxas anuais.

-6.8 -1,4 -1,3 -0.7 2,1 2,1 2,4 2,5 3.0 3.4

3,5 4.0 4,3 4,4 5,2 6,7 6,9 7,5 7,8 7.9 8,0 8,1 8,6 8,7

8,8 10,4 11,9 14,0

Manuel Deodoro da Fonseca (1889/1891) é o terceiro perdedor, e foi responsável por uma taxa média anual de cres- cimento do PIB de -1,3%. O seu governo foi marcado por crise institucional, abolição da escravidão (1888), proclama- ção da República (1889) e conflitos políticos internos. O quar- to perdedor é Floriano Vieira Peixoto (1891 /1894), com uma taxa média anual de crescimento do PIB de -0,7%. No seu governo o país também experimentou crise institucional, pro- blemas financeiros (Encilhamento, 1892) e conflitos políti- cos internos (revolta da Armada, 1893; revolução federalista no Rio Grande do Sul).

Venceslau Brás Pereira Gomes (1914/1918) é o quinto perdedor. No seu mandato a taxa média anual de crescimen- to do PIB foi de 2,1%. O país sofreu crise econômica, crise cafeeira (queima de 3 milhões de sacas), fim do ciclo da bor- racha e conflitos políticos internos (guerra do Contestado, 1915). O sexto perdedor foi Washington Luís Pereira de Souza (1926/1930), com uma taxa média anual de crescimento do PIB de 2,1%, cujo mandato foi marcado por crise da dívida externa, revoltas tenentistas e crise mundial (outubro de 1929).

O último dos sete perdedores é Fernando Henrique Car- doso. A taxa estimada de crescimento médio anual do PIB é de 2,4% no período 1995-2001. A taxa média estimada para o período 1995-2002 é a mesma, visto que as previsões mais otimistas são de um crescimento da ordem de 2% em 2002. O fraco desempenho econômico brasileiro tem se expressa- do nas baixas taxas de investimento, na elevação da taxa de desemprego e na crescente precarização do trabalho, que deve aumentar com a recente flexibilização da legislação traba- lhista.

Concentração de riqueza e renda

O desempenho medíocre de FHC tem se ca- racterizado pela "africanização" do Brasil, isto é, a ocorrência simultânea dos seguintes processos: desestabilização macroeconômica, desmonte do aparelho produtivo, esgarçamento do tecido social, deterioração política, degradação institucional e perda de governança. Com este desempenho medí- ocre, não é de se estranhar que o "risco Brasil" es- teja entre os maiores do mundo e que o país sofra crises cambiais recorrentes.

Quando comparamos o desempenho da eco- nomia brasileira durante o governo FHC com o de outras economias de porte continental, podemos ve- rificar com nitidez o desempenho medíocre do Bra- sil durante o seu governo (Tabela 2). Os dados mos- tram que a renda per capita dos Estados Unidos cresceu quatro vezes mais do que a brasileira no período 1995-99. A relação correspondente para a China e índia é de onze vezes e sete vezes, respec- tivamente.

Ao longo do governo FHC houve uma maior desigualdade na distribuição funcional da renda. A participação dos salários na renda reduziu-se de 32,0%, em 1994, para 26,5%, em 1999, enquanto a participação das rendas do capital (excedente

2

3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 , 21 22 23 24 25 26 27 28

De nada serve partir das coisas boas de sempre mas sim dos coisas novas e ruins. B.Brecht

QUINZENA 308 13

Tabela 2 Grandes países e economias, indicadores

País Kstados Unidos População (milhfles) 1Ü9« 270 TcrrMrio (mil km2) 9364 PNB (PPP US.$ bilhites) 1998 79<I4 PNB per capita (PPP US.$ mil) 1998 29,2 Taxa anual de crescimento de longo prazo do PNB per capita (1965-1999) 1,6 Taxa anual de crescimento do PIB (1995-1999) 3,« Taxa anual de crescimento do PIB per capita (1995-1999) 2,9

Alemanha Franca China índia Rússia Hrasil 126 82 59 1239 980 147 166 378 357 552 9597 3288 17075 8547

2982 1807 1248 3779 2018 907 1070 23,6 22,0 21,2 3,1 2,1 6,2 6,5 3,5 1,9" 2,1 6,8 2,7 2,2 1,2 1,5 2,2 8,8 6,4 -1,6 2,2 (1,6 1,3 1,8 7,8 4,7 -1,9 0,7

Fonte c nota: Elahfiração do oittor com hiisv cm Banco Mundial. Wtrld Devdopment Indicalors 3000; f FMI, World Economic Outllook 2(11)0, maio. (ai 19R2-20Í)0.

operacional bruto) aumentou de 38,4% para 41,4% nesse mesmo período. O rendimento médio do trabalhador aumen- tou até 1998 e, a partir desse ano, começou a diminuir. No período 1995-2000, o crescimento médio anual do rendimen- to real do trabalhador foi de aproximadamente 3,3%. Por outro lado, a maior participação da renda do capital na renda é, em grande medida, explicada pela remuneração elevada dos rentistas tendo em vista as altas taxas de juro real no contexto de desempenho medíocre no lado real-produtivo da economia brasileira.

O maior destaque fica por conta das elevadas taxas de remuneração dos rentistas do capital financeiro. Para ilus- trar, a taxa média anual de rentabilidade real dos títulos pú- blicos foi de 17,4% no período 1995-2000. Na medida em que os bancos são os principais detentores de títulos públi- cos, o resultado é a elevada taxa de rentabilidade do setor bancário no Brasil. Tomando-se os nove maiores bancos pri- vados nacionais (de propriedade de brasileiros), verifica-se que a taxa média anual de rentabilidade do patrimônio foi de 15,7% em 1995-2000. Isto é, os grandes bancos tiveram uma

taxa de rentabilidade média de quase quatro vezes a taxa das grandes empresas do lado real da economia brasileira. Essa taxa de rentabilidade dos grandes bancos foi mais de seis vezes superior à taxa média anual de crescimento do PIB no período em questão. Durante o governo FHC os resultados são evidentes: maior concentração de riqueza e renda nas mãos dos capitalistas e, principalmente, nas mãos dos rentistas.

Em síntese, FHC é claramente um perdedor, Nos últi- mos 150 anos, o país teve 28 chefes de Estado que ficaram pelo menos um ano no governo. Quando calculamos as ta- xas de crescimento médio anual do PIB para cada um desses chefes de Estado, verificamos que FHC é um perdedor pois está entre os que tiveram os piores resultados. O desempe- nho medíocre de FHC também aparece de forma clara quan- do fazemos uma comparação internacional. Por fim, FHC é um perdedor porque o desempenho medíocre da economia tem sido acompanhado pela quebra financeira do Estado bra- sileiro e pela maior concentração da riqueza e da renda.

.

VEJA ALGUMAS DAS NOVIDADES

NA NOSSA LIVRARIA ALçA : INTEGRAçãO

SOBERANA OU

SUBORDINADA?

Editora Expressão Popular, de Emir Sader (org.). Preço: R$ 12,00

O livro é uma coletânea de textos informativos e opinativos sobre a Alcá e o que ela representa para os países da América Latina. Entre os autores de artigos encontram-se Noam Chomsky, Dercio Garcia Munhoz e James Petras.

IMPéRIO E POLíTICAS

REVOLUCIONáRIAS NA

AMéRICA LATINA

Editora Xamã, James Petras. Preço: R$ 20,00

De nada serve partir das coisas boas de sempre mas sim dos coisas novas e ruins. B.Brecht

14 QUINZENA 308

Movimento dos atingidos por Barragens caderno n- 6 www.mabnacional.org.br

O atual modelo energético O Brasil tem um potencial energético bastante rico em ventos, sol,

biomassa, pequenos aproveitamentos nos rios... Nossos governantes optaram por produzir energia através de grandes barragens.

Como é produzida nossa energia O modelo energético baseado na produção de energia

hídrica significa significa 20% de toda a energia produzida no mundo. Esta forma de produção de energia já expulsou de suas terras 40 a 80 milhões de pessoas no mundo. No Brasil 92% da energia produzida vem da fonte hídrica, já ten- do expulsado mais de um milhão de pessoas de suas terras.

O Brasil tem mais de dois mil barragens construída em todo país, alagando um área de 34 mil km2 (o estado de Alagoas tem 29 mil km2). Do potencial brasileiro estimado em 260, 3000 MW, o Brasil aproveita 61 mil MW (25%). Praticamente 2/3 (63,6) deste potencial encontra-se locali- zado na região Amazônica, principalmente nos rios Tocantins, Araguaia, Xingu, Tapajós, onde a região é de alto impacto ambiental "e de elevado custo de transmissão os outros 20% do potencial encontra-se no sul, nas bacias do rio Paraná e Uruguai onde as construções de barragens atingiria áreas de grande densidade populacional inutilizarias terras férteis.

O plano 2015 do governo federal prevê a construção de mais 494 usinas hidrelétricas, tendo como estimativa expul- são de 800 mil pessoas.

A produção de energia de fonte hidrelétrica era tida como limpa e barata. Mas, além de toda a destruição social e econô- mica que causam, as barragens provocam muitos problemas ambientais. Por exemplo as arvores que permanecem no lago formando pela barragem se decompõe. O apodrecimento do material orgânico forma os paliteiros e emitem grande quanti- dade der gazes, como o gás metano e gás carbônico causadores do efeito estufa (aquecimento global da atmosfera).

Foi o que aconteceu nas reservatórios das hidrelétricas construídas na região Amazônica como Tucuruí (PA), Balbina (AM), e a Samuel (RO). A partir destes exemplos se todas as barragens que estão projetadas na Amazônia forem construídas, estima-se que serão emitidas cerca de 231 mi- lhões de toneladas equivalentes de gás carbônico por ano. Esse volume corresponde a 75% ou 3/4 da quantidade da emis- são liquida total de gás carbônico no ano de 1999, proveni- ente da queima dos combustíveis fosseis - petróleo, carvão e gás natural além da lenha e carvão vegetal com da mata na-

tiva. Em 1999, a emissão total de gás carbônico por fontes energéticas foi de 315 milhões de toneladas.

Ou seja a hidroeletricidade que a vista como "limpa" pode aumentar em muito a quantidade que o Brasil já lança para atmosfera de gás carbônico, o principal gás causador do efeito estufa.

Como é consumida a energia elétrica produzida

Quem é que consome a eletricidade no brasil. De quan- to é esse consumo? A resposta a esta pergunta é importante se saber pois com esses dados é possível identificar as respon- sabilidades e redefinir o atual modelo social e econômico.

Dentro do setor industrial é importante destacar que grande parte deste consumo é feita pelas empresas chama- das eletrointensivas, que na tabela aparece como industrias pesadas. Estas industrias tem como característica serem gran- des consumidoras de energia, empregam muita pouca gente e poluem o meio ambiente, além disto, grande parte da pro- dução destas empresas é para exportação.

Outro exemplo é dos shopping center espaços que con- somem muita energia com iluminação e refrigeração e tudo isso para criar um espaço onde o pobre não entra e quem acaba com o pequeno comércio e o sustento de muitas famílias.

As campanhas do governo somente fazem referencia ao consumo das casas como se esse setor fosse responsável pelas crises bastava paralisar uma parte das empresas eletrointensivas para chegarmos a meta de economia.

As casas brasileiras consumem em média somente 170 kwh por mês. Isso significa que grande parte dos consumi- dores residenciais não consomem 228 kwh que seria o míni- mo necessário para garantir uma qualidade de vida que a eletricidade pode proporcionar. e este consumo de 228 kWh pode ser reduzido com equipamento mais eficientes se uma política séria de conservação de energia fosse aplicada. Pelo contrário, o que vimos na crise foi um brutal aumento de preços das lâmpadas mais eficientes ( chamadas florescen- tes compactas) que, sem o controle do governo, alimentou a ganância dos fabricantes e dos comerciantes.

Gasto mensal de energia de uma com: 1 geladeira 60 KWh 1 lava roupa 9 KWh 5 lâmpadas 45KWh 1 televisão 9 KWh 1 chuveiro elétrico 90KWh 1 aparelho de som 3 KWh 1 ferro elétrico 12 KWh TOTAL 228 KWh

De nada serve partir das coisas boas de sempre mas sim dos coisas novas e ruins. B.Brecht

QUINZENA 308 15

Alguns dados importantes: O 1000 MWh consumidos na industria de

alimentos e bebidas geram 70,2 empregos O 1000 MKh consumidos na industria de

alumínio gera 2,7 empregos O 20, 3 milhões de pessoas do Brasil não

tem acesso a energia elétrica (5 milhões de domicílios sem eletricidade)

O No meio rural somente 32,8% das propri- edades tem energia elétrica. Na região norte somente 2% das propriedades. Nordeste somente 13% das pro- priedades.

O 6% da população municipal que vivem nos países ricos consume 1/3 de toda.a energia produ- zida no mundo.

Tarifas de preços de energia O custo médio de produção de energia elétrica calcula-

da para cada MWh ( ou cada 1000 quilowatts - horas) no Brasil é de 35 reais. Algumas hidrelétricas mais antigas tem o custo menor que R$ 8,00 o MWh

As cobranças das tarifas são diferenciadas para os dife- rentes setores. Os consumidores residenciais estão pagando em média R$ 210,00 KWh, enquanto que o setor industrial esta pagando R$ 74,00. Mas, ainda tem industrias que pa- gam muito menos. A companhia ALBRAS, instalada no Pará que produz alumínio para exportar para o Japão paga R$20,00 por MWh. A eletronorte subsidia os preços da energia de Tucuruí a ser fornecida as industria de alumínio cerca de 250 milhões de dólares a cada ano são repassados, sob a for- ma de subsídios, as industrias exportadoras de alumínio, o que significa estamos subsidiando o consumo de alumínio nos países dominantes.

Quem se beneficia com esse modelo:

Quem mais ganha: - O Governo Federal, FHC que aplica esse modelo; - Grupos financeiros ; -Empreiteiras construtoras; - Empresas de equipamentos

Através do exemplo de uma barragem vamos ver quanto ganha de lucro as empresas donas de barragens:

Barragem: UHE ITA Local: Rio Uruguai RS/SC Dono da barragem: Consórcio TRACTEBEL/GERASUL, CSN, Cia de Ci- mento Itambé e Grupo Odebrecht Concessão: 30 anos Custo da obra: R$2 bilhões Capacidade instalada: 1.450 MW Custo de geração:RS$35/MW Faturamento líquido anual: 470 milhões

A crise de falta de energia existe? O povo é culpado pala crise? Sim, há falta de energia. São três os causadores da falta

de energia que nada tem a ver com seca ou com São Pedro. 1. O modelo excludente de produção e consumo apli-

cado: o Brasil tem um modelo monogerador de produção de energia, pois 92% da energia é hidrelétrica. Este modelo causa imensos problemas sociais econômicos e ambientais. Por outro lado o maior consumo de energia é de empresas eletrointensivas que produzem para exportação (modelo ex- portador de energia).

2. O Governo Federal: que ao invés de planejar, pesquisar e investir, aplica este modelo excludente, privatizando o setor e entregando dois bens estratégicos que são a água e a energia para as empresas nacionais e multinacionais. Os recursos da privatização foram gastos para pagamento da dívida externa.

3. As Empresas que manipulam o sistema para lucrar, para ganhar grandes somas de dinheiro, seja na produção como também no consumo de energia.

Conseqüências do modelo No Brasil: -1 milhão de pessoas atingidas diretamente pela cons-

trução das barragens; - 34mil Km2 (ou 3,4 milhões de hectares) de terras

alagadas pelos reservatórios; - Tem os maiores lagos artificiais do mundo: Sobradinho

(3.970 km2), Tucuruí (2.430 Km2), Balbina (2.360 Km2), Serra da mesa (1.784 Km2) e Itaipu (1.350 Km2);

-Os maiores escândalos: financeiros (CAPEMI), tecnológicos (Balbina), sociais (Itaparica) e ecológicos (Tucuruí);

- 30% da dívida externa é decorrente do setor elétrico; - Entrega de dói bens fundamentais para a soberania

brasileira: água e a energia - Mais de 20 milhões de brasileiros sem energia elétrica;

No Mundo : - 45.000 grandes barragens construídas; - No Mundo as grandes barragens atingiram diretamente

80 milhões de pessoas; -Degradaram e fragmenta-

ram 60% dos recursos d'água; -2 bilhões de pessoas não

tem acesso a energia elétrica; -2/3 das barragens estão em

países pobres; -destruição de florestas, redu-

ção da biodiversidade, diminuição da qualidade de água e emissão de gases que agravam o efeito estufa;

-Empobrecimento e deses- truturação das populações que moram perto das barragens.□

Produção anual de energia: 7.250.000 MWh Preço médio de venda da energia: R$100,00/MWh Tempo para pagar a obra: 4a5 anos Lucro garantido durante 25 anos: R$ 11 bilhões e 750 milhões Lucro e corrupção das empreiteiras: a bar- ragem de Tucuruí custou 4 vezes mais que o preço previsto. A barragem de Itaipu 3 ve- zes mais que o valor previsto.

De nada serve partir das coisas boas de sempre mas sim dos coisas novas e ruins. B.Brecht

16 QUINZENA 308

NACIONAL

Lutas sociais no Brasil em 2001 Andreia Galvâo. Armando Bolto Jr.. Claudlnel Colettl e Patrícia Tróola-

Oano de 2001 foi um ano de dificuldades para o modelo neoliberal no Brasil, mantendo a ten dência verificada no ano anterior. Em 2000, a

oposição ao governo FHC havia crescido muito nas eleições municipais de outubro e a avaliação do governo, registrada pelas pesquisas de opinião pública, encontrava-se em seu ponto mais baixo. Fernando Henrique Cardoso esperava que 2001 fosse um ano de forte crescimento econômico para re- verter essa tendência. Não foi o que ocorreu.

Houve uma mudança clara no fluxo internacional de capitais que agravou o desequilíbrio externo brasileiro. A entrada de capitais estrangeiros no Brasil caiu de 30 bilhões de dólares no ano de 2000 para 20 bilhões em 2001. Para agravar a situação, cresceu a remessa de lucros e dividendos para o exterior, devido à crescente internacionalização da economia ocorrida na segunda metade da década de 1990. Isso provocou forte alta do dólar no decorrer de 2001. Outro fator adverso no terreno econômico foi o racionamento de energia ao longo de todo segundo semestre de 2001. A crise econômica argentina nada mais fez que agravar todo esse quadro. O resultado foi que o crescimento do PIB deve ficar em tomo de magros 1,6% para o ano 2001.

Nesse quadro econômico deteriorado, o governo FHC teve de começar a enfrentar a questão sucessória. O núcleo decisório do governo está convencido de que é necessário fazer uma recentragem no neoliberalismo brasileiro. O pre- sidente Fernando Henrique Cardoso procurou, então, pro- mover um pequeno remanejamento no sistema de aliança partidária que dá sustentação ao seu governo e que deveria dar sustentação também à aliança conservadora na eleição presidencial de 2002. Vem procurando, desde o início do ano, colocar o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) no lugar do Partido da Frente Liberal (PFL) como aliado preferencial do Partido da Social-Democracia Brasi- leira (PSDB), o partido de Fernando Henrique Cardoso. O PMDB é o partido burguês que esteve na oposição à ditadura militar e que abriga, até hoje, uma minoria de políticos ainda apegados a algumas propostas de inspiração desenvolvimentista. O PFL, diferentemente, foi uma das or- ganizações que nasceram do antigo partido da ditadura mili- tar e professa, no Brasil de hoje, o liberalismo mais extrema- do. Essa operação de recentragem se materializa na virtual candidatura de José Serra (PSDB) à presidência da República.

O custo político dessa operação ainda em andamento foi alto para o governo FHC. O PFL não aceitou ser desloca- do do centro da aliança govemista e desencadeou uma guer- ra contra o PMDB que, por sua vez, respondeu no mesmo tom. Essa luta intestina da base de sustentação do governo custou, devido às denúncias recíprocas de corrupção, a cas- sação e a prisão de importantes lideranças partidárias das duas agremiações políticas e um desgaste maior do governo.

As dificuldades econômicas e políticas do governo

foram acompanhadas, no geral, de um crescimento das lutas e das manifestações populares. A grande imprensa burguesa tem divulgado mais essas lutas e quando as condena, o faz com menos veemência. Essa mesma imprensa tem dado maior divulgação aos fracassos e às mazelas da política go- vernamental. O governo, em vez de recuperar popularidade como pretendia no início do ano, obteve, segundo as pesqui- sas de opinião, seu mais baixo índice de aprovação desde o início da era FHC.

O movimento sindical empreendeu algumas lutas im- portantes em 2001, mas não obteve vitórias expressivas e permaneceu dividido frente à política neoliberal.

No que se refere à ação sindical nas bases, os sindica- tos ligados à Central Única dos Trabalhadores (CUT), que é a maior central brasileira e a mais mobilizada contra a polí- tica neoliberal, promoveram, no segundo semestre de 2001, pelo menos duas greves significativas: a greve dos servido- res públicos federais e a greve dos metalúrgicos da Volkswagen.

Alvos preferenciais da política neoliberal, afetados pela reforma administrativa e previdenciária e há sete anos sem reajuste salarial, os funcionários públicos federais reivindi- cavam, entre outras medidas, um reajuste de 75,48%, para repor a inflação acumulada durante os dois mandatos de FHC. A greve envolveu professores e funcionários administrati- vos das 52 universidades federais do país, professores e fun- cionários das escolas técnicas federais e agentes do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). Embora não tenha sido uma greve unificada, pois deixou de lado vários seg- mentos do funcionalismo público federal, e apesar de ter provocado desgaste e dissensões no sindicalismo dos ser- vidores públicos federais, pode-se considerá-la uma gre- ve parcialmente vitoriosa. Foi uma greve extensa (os gre- vistas ficaram paralisados por cerca de cem dias), cujos re- sultados foram a incorporação e a extensão de algumas gratificações ao salário dos servidores, um reajuste de 12% a 13% para os professores e a manutenção da contratação pelo regime jurídico único - estatuto dife- renciado que assegura a estabilidade do funcionalismo público. O governo tratou a greve de maneira truculenta. Evitou negociar o quanto pôde e editou algumas medidas jurídicas para coibir futuras greves no serviço público.

A greve na Volkswagen de São Bernardo do Campo foi motivada pela proposta patronal de flexibilização da jornada de trabalho. O conflito começou após a iniciativa da empre- sa de propor a redução da jornada de trabalho e dos salários em 20%, respectivamente, como condição para uma supos- ta garantia de emprego. Apenas assim, justificavam, a em- presa melhoraria a "competitividade". . Apesar da garantia de emprego, a proposta previa a demissão de 6% dos assala- riados por ano e o rebaixamento do piso salarial na contratação de novos trabalhadores. Tendo sua proposta re-

De nada serve partir das coisas boas de sempre mas sim dos coisas novas e ruins. B.Brecht

QUINZENA 308 17

jeitada por assembléia de trabalhadores, a empresa reagiu de modo violento, demitindo três mil metalúrgicos - essa deci- são foi revertida após a viagem do presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Luiz Marinho, à Alemanha. Os trabalhadores responderam às demissões por meio de greve. Após uma semana de paralisação, os trabalhadores da em- presa acabaram aceitando, como contrapartida à suspensão das três mil demissões, a redução da jornada e dos salários em 15% e a abertura de um programa de demissões voluntá- rias. Considerada por suas lideranças como uma vitória do sindicato, a proposta aprovada pouco se diferencia da que a empresa apresentara antes da greve, o que mostra a dificul- dade do sindicalismo em reagir quando o emprego é coloca- do em questão.

Houve também algumas lutas e ações importantes or- ganizadas diretamente pela cúpula do movimento sindical, especialmente pelas lideranças congregadas na Central Úni- ca dos Trabalhadores (CUT) e na Força Sindical (FS), as mais representativas entre as oito centrais sindicais brasilei- ras. CUT e FS caracterizam-se por assumir posições opostas no plano político e nas lutas conduzidas: enquanto a prática da CUT se destaca pela resistência ao modelo neoliberal, a marca da FS é a adesão e o apoio ao neoliberalismo. Em 2001, a atuação dessas centrais foi bastante diferenciada e, em vários momentos, conflitante.

Inicialmente, destaca-se a luta pelo pagamento da dívi- da do governo para com o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), uma espécie de seguro social para ser usa- do em situações como desemprego e construção de casa pró- pria, que deve ser depositado mensalmente em conta pessoal de cada trabalhador brasileiro. CUT e FS reagiram diferen- temente à proposta governamental para o pagamento da dí- vida do governo para com o FGTS. A primeira proposta ofi- cial para o pagamento dessa dívida implicava a retenção pelo governo de uma parte importante do dinheiro devido aos tra- balhadores. Em função do impacto negativo que teria em suas respectivas bases, esta proposta foi rejeitada pelas duas centrais. Pressionado pelo movimento sindical e obrigado por decisão judicial a saldar a dívida, o governo obteve um acordo com a FS. O acordo fechado em março de 2001, pre- via o início do pagamento da dívida em junho de 2002, bem como a redução e o parcelamento do montante a ser recebi- do. Este acordo, classificado pelo presidente FHC como "o maior acordo do mundo" foi saudado pela direção da FS como "uma vitória dos trabalhadores". A CUT adotou estratégia diferente: considerando o acordo um golpe, recomendou a seus filiados que não assinassem o termo de adesão encami- nhado pelo governo - uma vez que a dívida só seria saldada mediante adesão individual dos trabalhadores ao acordo - sem conhecimento prévio dos valores a receber. Criticou a forma de pagamento (parcelado) e o desconto sobre o valor devido.

Um segundo eixo de atuação do movimento e das cen- trais sindicais referiu-se à crise de energia. Atribuída pela CUT ao contínuo corte de investimentos e à falta de políticas de longo prazo nas diferentes áreas de atuação do governo federal, gerou reações diversas nas centrais. A CUT respon- sabilizou o governo pelo abandono das funções estratégicas

de planejamento do Estado e pela adoção de um modelo de privatização que, além de transferir o controle do sistema de geração e distribuição de energia a operadoras privadas, não exerceu de modo satisfatório as funções públicas de regulação e fiscalização do novo sistema. Para enfrentar as conseqüên- cias decorrentes da desaceleração da economia e, dentre es- sas, principalmente o aumento do desemprego, a CUT ela- borou um projeto de emenda popular à Constituição Federal garantindo a estabilidade no emprego enquanto durasse o racionamento. Além disso, propôs uma série de medidas que revelam uma contraposição a determinados aspectos da po- lítica neoliberal, como a suspensão e a revisão das privatizações no setor elétrico, a proibição das horas extras e do funcionamento do comércio aos domingos. A reação da CUT adquiriu visibilidade na Marcha Contra o Apagão e a Corrupção, ocorrida em 27 de junho para protestar contra o racionamento de energia e a escalada de corrupção, sob a bandeira do "Fora FHC e o FMI".

Já a FS reagiu de forma contraditória à crise energética. Se, de um lado, aprovou as medidas paliativas adotadas pelo governo, de outro propôs a suspensão temporária das privatizações do setor elétrico projetadas para o segundo se- mestre de 2001 e início de 2002 - privatização que fora, até então, sistematicamente defendida pela central. No geral, a FS aceitou o diagnóstico apresentado pelo governo para ex- plicar a crise de energia, atribuída por FHC à "falta de chu- vas" e ao conseqüente baixo nível da água nas represas das usinas hidrelétricas. Entre as propostas divulgadas pela FS, destacaram-se a redução da jornada de trabalho para 40 ho- ras semanais, a diminuição de impostos para a indústria metalúrgica e para as produtoras de geradores, o abrandamento do racionamento de energia para o setor in- dustrial e, por fim, o fechamento do comércio aos domin- gos. Na prática, a FS mobilizou-se apenas para obter o abrandamento do racionamento para alguns ramos industriais.

O último eixo de atuação do movimento e das centrais sindicais teve como alvo a proposta de redução dos direitos dos trabalhadores brasileiros. Esta investida da política neoliberal acirrou os conflitos entre a CUT e a FS, mas tam- bém gerou - fato esse muito importante - reações contradi- tórias no interior da FS. O Projeto de Lei n" 5843/01 de auto- ria do Executivo Federal, altera o art. 618 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), instituindo a prevalência do negociado sobre o legislado, desde que não contrarie as nor- mas constitucionais. Esse projeto, aprovado pela Câmara dos Deputados em 4 de dezembro e atualmente em tramitação no Senado Federal, permite a flexibilização de todos os di- reitos trabalhistas através de convenções (entre sindicatos patronais e de trabalhadores) ou acordos coletivos (entre sin- dicato e empresa). Se aprovado no Senado, poderão ser ne- gociadas férias, horas-extras, descanso semanal, redução de salários, adicional noturno, entre outros direitos. A CUT re- alizou diversas manifestações reunindo dirigentes sindicais no aeroporto de Brasília e no plenário da Câmara, na tentati- va de pressionar os deputados a votar contra o projeto, con- seguindo, pelo menos, retardar o processo de votação. Além disso, a central está programando uma greve geral para mar-

De nada serve partir das coisas boas de sempre mas sim dos coisas novas e ruins. B.Brecht

18 QUINZENA 308

ço de 2002. Por se tratar de um ano eleitoral, a CUT promete denunciar todos os parlamentares que votarem pela aprova- ção do projeto, de modo a dificultar sua reeleição.

Diferentemente da CUT, o projeto do governo contou com a adesão da direção nacional da FS. Seus principais re- presentantes tiveram acesso privilegiado ao plenário da Câ- mara e militaram, ao lado do bloco govemista, pela conquis- ta de votos para o Projeto de Lei. Um importante dissenso ocorreu, entretanto, no interior da FS durante a votação na Câmara. Ao contrário da cúpula nacional, dirigentes da se- ção paulista da FS mobilizaram-se e protestaram contra o projeto de flexibilização, ao lado da CUT. A divisão na base da central é, ao nosso ver, um importante indício das dificuldades que o modelo neoliberal vem enfrentando no Brasil em 2001.

Em relação às lutas específicas, a FS investiu na ampli- ação de sua base sindical, na consolidação do sindicalismo de prestação serviços aos associados e na defesa das chama- das políticas sociais compensatórias. A central cresceu em 2001 cerca de 120% através da estratégia de incorporação de sindicatos filiados a outras centrais, ou sem nenhuma filiação prévia, e através da disputa de sindicatos filiados à CUT. O procedimento utilizado para viabilizar esta expan- são tem sido a propaganda do sindicalismo de serviços. A FS tem promovido, ao longo dos últimos anos, shows com artistas famosos e sorteios de prêmios. Criou recentemente o sócio-usuário, uma nova categoria de associação para tra- balhadores do setor informal que, mediante pagamento de uma mensalidade, podem usufruir de alguns serviços presta- dos pelos sindicatos. Grande parte dos serviços fornecidos pelos sindicatos da FS é financiada com verba pública libe- rada diretamente pelo governo. Ao lado desta estratégia, vem avançando o sindicalismo de negócios, em que os associa- dos são incentivados a investir na Bolsa de Valores e a com- prar de tudo um pouco, inclusive lápide em cemitérios. Além disso, a FS criou o Banco da Terra - projeto que legitima e auxilia a proposta governamental de deturpação da reforma agrária - e um clube de futebol. Tais estratégias fazem parte do ideário neoliberal defendido, quase invariavelmente, por essa central. Entre as mobilizações da central em 2001, con- vém destacar a paralisação da Bovespa (Bolsa de Valores de São Paulo), reivindicando a isenção do imposto sobre circulação financeira para o capital financeiro internacional, com o argumento de que isso preservaria o emprego dos corretores da bolsa.

Entre os trabalhadores rurais, destacou-se, ao longo de 2001, a luta dos pequenos camponeses. Esses lutaram contra a crescente marginalização da pequena produção agrícola que produz alimentos para o mercado interno.

Em 2001, pela primeira vez desde 1994, a balança co- mercial brasileira apresentou um resultado positivo de US$ 2,643 bilhões. Um dos principais responsáveis por esse su- perávit foi a exportação de produtos agrícolas, que passou de 14 bilhões em 2000 para 18 bilhões em 2001. Este resul- tado é importante na medida em que o Brasil tem apresenta- do dificuldades em obter dólares para honrar seus compro- missos externos e explica também porque a prioridade da política neoliberal para a agricultura é a grande exploração agropecuária que produz para o mercado externo.

Economia É nesse contexto que se inseriu a luta do Movimento

dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) , movimento popular mais importante no Brasil na década de 90. Em 2001, essa luta foi marcada pela defesa da pequena produção agrí- cola e, portanto, dos assentamentos rurais obtidos pela luta e ocupações do MST e teve como inimigos, não apenas os gran- des proprietários rurais e o próprio governo federal, mas tam- bém as multinacionais de biotecnologia e as grandes indús- trias importadoras de alimentos - em 2000 o Brasil importa- ra 11,7 milhões de toneladas de algodão, arroz, feijão, milho e trigo, um recorde histórico. Ou seja, em vista das dificul- dades crescentes de viabilidade econômica e mesmo de so- brevivência dos assentamentos rurais, o MST lutou prioritariamente contra os "transgênicos", por novos assen- tamentos, por crédito agrícola e pela renegociação das dívi- das dos pequenos agricultores e trabalhadores assentados.

Em janeiro de 2001, durante a realização do Fórum Social Mundial em Porto Alegre, o MST participou da des- truição de uma plantação de milho transgênico da Monsanto em ação comum com a Via Campesina - movimento inter- nacional que coordena organizações camponesas do mundo todo. Por trás desse ato simbólico estava uma questão funda- mental: as multinacionais de biotecnologia, através dos transgênicos, tentam criar uma relação de dependência entre os agricultores e as fábricas de sementes, que inviabilizaria a pequena produção agrícola. A Monsanto, por exemplo, de- senvolveu uma técnica que esteriliza a segunda geração de sementes, obrigando os agricultores a adquirir novas semen- tes a cada safra.

Quanto aos novos assentamentos, o governo federal, de uma meta proclamada de chegar a 100 mil famílias de trabalhadores assentadas no decorrer do ano de 2001, só ti- nha atingido, até o mês de outubro, cerca de 15% da meta proclamada. No Estado de São Paulo, também até outubro de 2001, nenhum assentamento tinha sido feito. De sua par- te, o MST contabilizava, até agosto de 2001, 585 acampa- mentos de trabalhadores em luta pela terra em todo país, envolvendo 75.730 famílias. A jornada nacional de luta do MST, promovida em setembro, em 23 estados da federação, denunciava esse descaso governamental: além de reduzir drasticamente o orçamento do Instituto Nacional de Coloni- zação e Reforma Agrária (Incra) - de R$ 2,8 bilhões em 1997 para R$ 1,3 bilhão em 2001 - até agosto o governo tinha usado apenas 30% do valor previsto para a Reforma Agrária.

No final de novembro, após uma mobilização de mais de 7 mil trabalhadores rurais ligados ao MST e ao Movi- mento dos Pequenos Agricultores (MPA) em frente às agên- cias bancárias em 10 estados do país, o governo comunicou a renegociação das dívidas dos pequenos agricultores e assenta- dos, o que significou uma pequena vitória para o movimento.

Em contraste com os anos recentes, o ano de 2001 não registrou avanço na luta do MST. A postura política do mo- vimento foi de defesa da pequena produção agrícola e dos assentamentos rurais, o que revela uma preocupação em pre- servar as conquistas já realizadas pelo movimento, constan- temente ameaçadas pelo modelo neoliberal. Talvez indique uma postura defensiva do MST ao longo do ano de 2001,

De nada serve partir das coisas boas de sempre mas sim dos coisas novas e ruins. B.Brecht

QUINZENA 308 19

devido ao boicote econômico, à repressão política e à cam- panha de desmoralização do movimento promovida pelo governo federal e pela grande imprensa.

É importante destacar, para finalizar, que as dificulda- des crescentes do governo não se converteram em crise do modelo neoliberal e muito menos em crise revolucionária. Três fatores são importantes para explicar essa situação de desgaste sem crise. Os conflitos no interior da burguesia e dos partidos burgueses existem, dificultam a consolidação de uma candidatura presidencial única do campo conserva- dor, mas não se referem a diferenças de fundo. O Partido dos Trabalhadores (PT), principal partido de oposição, aprofundou, ao longo de 2001, a sua política de deslocamen- to para uma posição de centro esquerda, como mostrou o esboço de programa econômico proposto pela corrente ma-

joritária do partido. Finalmente, o movimento popular, ape- sar de ter se reanimado, ainda enfrenta, como vimos, gran- des dificuldades: greves derrotadas ou apenas parcialmente vitoriosas, manutenção da divisão existente no movimento sindical e recuo do MST para uma posição defensiva. Uma novidade positiva para o movimento popular foi a divisão no interior da FS e a oposição de uma ala da conservadora central à nova investida governamental contra os direitos trabalhistas.

' As informações contidas neste texto foram extraídas dos órgãos de

imprensa dos próprios movimentos sociais citados e também da gran-

de imprensa braslieira.

" Pesquisadores do Centro de Estudos Marxistas (Cemarx) da Uni-

versidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Caros Amigos n9 59 - Fev. 2002-03-22

As mãos sujas da elite brasileira Por José Arbex Jr.

Ninguém está dizendo aqui que a miséria autoriza o crime, nem que os criminosos sejam todos miseráveis (ao contrário, os maiores criminosos são honrados milionários). O que se afirma, e é óbvio, é que, se as instituições de um país não servem para assegurar uma vida digna à maioria dos cidadãos,

então elas não servem para nada.

Celso Daniel está morto. José Rainha quase foi. Não se sabe exatamente quem foram os man dantes do assassinato de Daniel, mas é conhe-

cida a identidade dos patrões dos jagunços que acertaram José Rainha: são latifundiários, membros da "elite" do Pontal do Paranapanema, gente "bem", acima de qualquer suspeita. Nada permite prever que dessa vez haverá punição. Os dis- cursos e promessas do governo, a recompensa em dinheiro oferecida por Geraldo Alckmin para quem fornecer "pistas", as novas "medidas contra o crime" que se anunciam - tudo soa falso, ridículo, absurdo: no Brasil, o crime está instala- do, no coração do aparelho de Estado.

São as relações ilícitas de poder, a corrupção, os "favo- res", o clientelismo, os jogos de chantagem e extorsão que ditam as regras do jogo. Acabar com o crime no Brasil im- plica, necessariamente, desmontar a malha histórica de bandidagem e violência que agrega a "elite" por fora das instituições e que determina, de fato, os rumos da política e da economia.

A Colômbia é aqui A "elite" brasileira conduz o país para uma espécie de

"colombianização" da vida. Na Colômbia, o narcotráfico e o crime organizado instituíram um "Estado dentro do Esta- do", que, com sua própria polícia, executa todos aqueles que, de uma forma ou de outra, oferecem alguma espécie de re- sistência aos seus "esquemas", jogos e articulações espúri- as. São comuns os assassinatos sumários de professores e

intelectuais, de políticos e jornalistas, de lideranças sindi- cais e camponeses, de representantes de associações de bair- ro e estudantes, e também o assassinato de membros de gangues concorrentes, pela disputa de "território".

Sempre que um juiz, um policial ou uma autoridade qualquer tenta reagir, encontra dois possíveis destinos: será "cooptado" ou morto. Apenas a guerrilha organizada conse- gue apontar uma alternativa realista.

Governo civil, militarização da vida Se nos anos da ditadura a "elite" brasileira havia entre-

gue aos militares a tarefa de conduzir o país, hoje ela assume diretamente o governo, mas militariza o cotidiano: monta seus bunkers - os condomínios fechados, os carros blinda- dos, os shopping centers superprotegidos, arma exércitos privados. Enquanto tenta se proteger do mundo, a "elite" perpetua e agrava a maior fonte de violência: a desigualdade social, a injustiça, a pobreza.

Agora não são os generais que comandam o terror poli- cial para calar o povo, mas senhores ilustrados e engravatados - alguns, com diploma universitário francês - que, não raro com o auxílio de uma mídia conivente, varrem a tragédia social para baixo do tapete mágico das estatísticas, enquanto 50 milhões de miseráveis transformam o país em um imenso barril de pólvora social. Não, advogados do liberalismo: nin- guém está dizendo aqui que a miséria autoriza o crime, nem que os criminosos sejam todos miseráveis (ao contrário, os maiores criminosos são honrados milionários). O que se afir-

De nada serve partir das coisas boas de sempre mas sim dos coisas novas e ruins. B.Brecht

20 QUINZENA 308

ma, e é óbvio, é que, se as instituições de um país não ser- vem para assegurar uma vida digna à maioria dos cidadãos, então elas não servem para nada. E, se as instituições não servem para nada - ou melhor, se elas só servem para dar um verniz legal à jogatina corrupta que se faz por fora delas -, ora, estamos na terra de ninguém, no campo da lei do cão, em que quem dita as regras é o mais rico ou o mais forte (e na maioria dos casos ambos são o mesmo).

Solução política para uma questão política

O problema, portanto, é político, não é policial. De nada adianta "colocar a Rota na rua" - como quer o nobre deputa- do José Genoíno, ecoando o célebre aforisma de Paulo Salim Maluf -, se a própria Rota é um subproduto de um Estado podre, se ela é o signo corporativo da violência organizada pela "elite" contra o povo faminto das ruas. Problemas polí- ticos requerem soluções políticas. O combate ao crime re- quer transparência das investigações e total publicidade dos resultados; requer punição impiedosa, custe o que custar, contra quem quer que seja (na Itália, a Operação Mãos Lim- pas, iniciada em 1992, mandou para a cadeia o ilustre ex- primeiro ministro Giulio Andreotti, um dos mais importan- tes políticos do país; a operação, aliás, arrefeceu, por pres- são de gente como o fascista Silvio Berlusconi, um dos prin- cipais implicados em ligações com a máfia e hoje também primeiro-ministro).

Querem mesmo acabar com o crime organizado? Pri- meiro passo, urgente: julgamento e punição exemplar dos fazendeiros que ordenaram o assassinato de Rainha; segun- do: garantia de acesso dos procuradores da República aos arquivos da "comunidade de informações" - incluindo o Exército e o serviço reservado da Polícia Militar; terceiro: mapeamento e divulgação de quem são e onde estão as "em- presas de segurança" privada e as pessoas físicas que possu- em armamento sofisticado; quarto: a apuração rigorosa das

rotas e dos envolvidos com contrabando de armas e de seu vínculo com o narcotráfico (a CPI das drogas produziu farto material), bem como a detenção, para investigação, dos sus- peitos de enriquecimento ilícito.

Esses seriam apenas alguns dos primeiros passos, o "tra- tamento de choque" preliminar de um processo que, depois, implicaria uma auditoria pública nacional do sistema finan- ceiro, o rastreamento de contas bancárias, a apuração de ope-

rações de remessa ilícita de capital para o exterior etc.

Extirpar o câncer, com o povo na rua O Estado brasileiro foi tomado pelo crime organizado.

Como câncer, ele penetrou em todos os cantos e instituições - do departamento de fiscalização de obras de uma pequena prefeitura às mais altas instâncias de decisão do governo. Não só o crime se tomou uma prática generalizada, como criou uma mentalidade que o justifica (a figura do "jeitinho", a idéia de "levar vantagem em tudo", a noção de que a lei é para os "trouxas"). Por essa razão, a batalha sem tréguas contra o crime organizado só pode ser efetivada com a mobilização política do povo. Nada será feito sem o apoio da opinião pública, sem que a nação assuma para si essa bandeira.

Para os céticos, sempre prontos a dizer que tal indigna- ção "nunca levará o povo às ruas", basta lembrar que a luta contra a corrupção foi um dos grandes eixos do cacerolazo argentino. Cansado dos políticos tradicionais, dos capos mafiosos, dos corruptos, dos demagogos, dos criminosos engravatados, o povo argentino saiu às ruas e rejeitou liminarmente todas as tentativas de condução de políticos notoriamente corruptos aos cargos ministeriais. Foi uma tem- pestade de indignação nacional que tenta varrer o cancro da Casa Rosada e abre grandes possibilidades de profunda re- novação da vida política.

O PT estará à altura? É aqui que se explica a importância do PT, especial-

mente em período eleitoral. No dia 21, durante o enterro de Celso Daniel, Luiz Inácio Lula da Silva disse que tem "gente grossa" por trás do assassinato de Celso Daniel. Talvez este- ja certo. Mas a afirmação soa irresponsável, dita dessa for- ma - solta -, por um sujeito que reúne possibilidades concre- tas de vencer as eleições, ainda em nome dos trabalhadores. Não é tempo para bravatas. Se Lula tem algum indício, que fale; se não tem, que assuma então a batalha no campo pró- prio da política, com proposta e ações concretas.

Se Lula souber se colocar à altura daquilo que o mo- mento exige, não há nenhuma razão para que o povo não reconheça nele a alternativa positiva que a nação Argentina, muito infelizmente, ainda não pôde construir.

José Arbex é jornalista.

MIKHAIL BAKUNIN:

SOCIALISMO E

LIBERDADE

Editora Luta Libertária Preço: R$ 10,00

ÜVPMSI

ANTôNIO GRAMSCI: VIDA E OBRA DE UM

COMUNISTA REVOLUCIONáRIO

Editora Expressão Popular, de Mário Maestri & Luigi Candreva, R$ 15,00

Nesses tempos em que muito se fala no revolucionário italiano, este livro é uma importante fonte para se conhecer melhor o seu pensamento e a sua prática.

De nada serve partir das coisas boas de sempre mas sim dos coisas novas e ruins. B.Brecht

QUINZENA 308 21

Boletim Combate Anarquista, n9 7, janeiro de 2002 E-mail: [email protected]

Outro mundo é possível! ... e Fórum Social Mundial se contenta em reformar este que está aí

Para que possamos ter uma noção mais exata so bre o que é o Fórum Social Mundial (FSM) é necessário que relebremos um pouco o contexto

internacional das lutas na época de sua idealização. Em 1998 veio a público a proposta de um Acordo Multilateral de In- vestimentos (AMI), que vinha sendo discutido em segredo nas reuniões da Organização para Cooperação e Desenvolvi- mento Econômico (OCDE). Este acordo possibilitaria a ple- nitude do desenvolvimento do capital em todos os países do mundo, mas principalmente nos países terceiro-mundistas, que seriam os locais de aplicação dos "investimentos".

O conhecimento e divulgação do AMI foi um dos impulsionadores, além de outros fatores relacionados a con- juntura econômica e política mundial, que permitiram a rea- lização de grandes manifestações de massas, como a muito não se via, principalmente, nos países desenvolvidos do mundo. Essas manifestações ocorriam em datas de reuniões de grandes instituições financeiras mundiais e de organis- mos onde seriam decididas questões de suma importância para a economia mundial, questões estas que afetariam prin- cipalmente os países de terceiro mundo.

O leque de organizações que participavam destas ma- nifestações era diverso. Desde organizações com propostas de cunho declaradamente reformista, como a ATTAC, ONGs, etc, até organizações de cunho revolucionário de diferentes matizes, com seus diferentes programas, objetivos, etc.

As manifestações ganharam notoriedade internacio- nal pela forma em que eram realizadas e pelo efeito que cau- savam. Manifestações criativas, violentas e não violentas, composta por uma maioria jovem e que causavam o deses- pero dos mandarins da economia política internacional, ga- nharam as páginas de todos os jornais no mundo inteiro e se transformaram em objeto de desejo de grupos, organizações, partidos, etc, que buscavam aproveitar o espaço político gerado por tais manifestações para sair da inatividade, para ganhar adeptos ao seu projeto e para tentar de alguma forma canalizar estes esforços para a implementação de um pro- grama de luta que poderia ser mais a esquerda ou a direita, de acordo com os interesses e objetivos propostos.

É fundamentalmente este o cenário que vai chamar atenção para parte da esquerda internacional que vai tentar canalizar esforços objetivando propor alternativas não radi- cais ao neoliberalismo e a globalização. Esta esquerda vai optar por saídas legalistas e reformistas como forma de mi- nar o poder do capital globalizado e das políticas neoliberais , implementadas com mais sagacidade nos países periféricos.

O espaço para a discussão e, acima de tudo, para a difusão de suas propostas alternativas seria um fórum, com cara de algo construído por entidades variadas, mas que na prática já possui cartas marcadas e objetivos políticos esta- belecidos.

Este fórum ocorreria simultaneamente à realização do Fórum Econômico Mundial, o espaço onde são definidas a teoria e a prática da dominação do mundo pelo capital. Como a prioridade do Fórum Econômico Mundial são os interes- ses econômicos das grandes empresas e corporações transacionais, o objetivo do fórum realizado pela esquerda deveria ser a defesa da sociedade, algo que está intimamente ligado ao grande objetivo dos idealizadores do fórum. Por isso o fórum da esquerda teve a denominação de Fórum Social Mundial (FSM).

Simbolicamente, o FSM deveria ocorrer não em um país desenvolvidos, onde os problemas sociais são menores, mas sim em um país de terceiro mundo, onde as desigualda- des sociais são alarmantes e onde os malefícios do capital podem ser observados com maior clareza. Mas não bastaria que o FSM se realizasse em um país de terceiro mundo, ele deveria ser organizado em um local onde a alternativa pro- posta por seus idealizadores já estivesse sendo implementada, e nada melhor do que fazer o Fórum num local onde há vári- os anos a esquerda reformista ganha as eleições, ou seja. Porto Alegre, cujo prefeito é do Partido dos Trabalhadores (PT), capital do estado do Rio Grande do Sul, cujo o governador é do PT, no Brasil, um país de terceiro mundo com imensas desigualdades sociais.

Apesar de se realizar num "local modelo" da luta con- tra o neoliberalismo e a globalização - na visão dos idealizadores do FSM -, o mesmo não poderia ser organiza- do pela prefeitura municipal de Porto Alegre e nem pelo go- verno do Rio Grande do Sul. As manifestações antiglobalização ao redor do mundo aglutinaram boa parte da esquerda que estava cansada com as saídas institucionais propostas para o combate ao capital, além disso a organiza- ção do FSM por uma força política específica poderia causar o descontentamento de outras organizações afins que possu- em a mesma prática e objetivos similares - o que próximo às eleições seria prejudicial ao PT -, foi por isso que a organi- zação do FSM ficou a cargo de um comitê organizador com- posto por entidades da sociedade civil com práticas e objeti- vos não menos reformistas, tais como: ABONG - Associa- ção Brasileira de Organizações Não Governamentais; ATTAC- Ação pela Tributação das Transações financeiras em Apoio aos Cidadãos; CBJP- Comissão Brasileira de Jus- tiça e Paz da CNBB; CIVES- Associação Brasileira de Em- presários pela Cidadania; CUT- Central Única dos Trabalha- dores, entre outros.

Uma pequena análise das entidades acima relaciona- das já dão conta do caráter reformista do FSM. Participam desde pessoas que propõe uma taxação sobre transações fi- nanceiras (1 %) para o investimento "no social", até EM- PRESÁRIOS que querem promover a cidadania, ou seja en- tidades que não questionam a existência do capitalismo ape-

De nada serve partir das coisas boas de sempre mas sim dos coisas novas e ruins. B.Brecht

22 QUINZENA 308

sar de questionarem uma forma específica de dominação do capital. Em suma, o FSM surge como alternativa elaborada pela esquerda reformista às manifestações de massas que já vinham acontecendo no mundo. Era necessário abrir uma etapa propositiva na crítica à globalização.

Objetivos do FSM O FSM deseja aglutinar a esquerda contrária a

globalização e ao neoliberalismo em suas discussões. Dese- ja ser o grande pólo irradiador de alternativas ao mundo con- temporâneo, mas desde que isso aconteça segundo alguns objetivos e princípios.

Seu grande objetivo é abrir uma fase propositiva de construção de um "mundo novo" onde, segundo as palavras de Franscisco Whitaker, presidente da Comissão Brasileira de Justiça e Paz e membro do conselho coordenador do FSM, "a economia estivesse a serviço do ser humano e não o in- verso ". Ora se entendermos a palavra economia em seu sen- tido original, o de produção e reprodução da vida, ela trans- forma-se em uma atividade eminentemente humana, portan- to submetida ao homem enquanto ser social, enquanto parte da sociedade. Se o senhor Whitaker deseja que o ser humano não esteja a serviço da economia e submetido a ela, nisso nós concordamos. Mas para isso precisamos tocar em um ponto que o senhor Whitaker e a carta de princípios do FSM não tocam: o fim do mundo das mercadorias.

Ao admitir que o ser humano está a serviço da econo- mia (mercado) o senhor Whitaker admitiu o próprio fetichismo da mercadoria, ou seja, a economia, enquanto mercado, adquiriu características humanas e submeteu o homem que adquiriu características de coisa. Para acabar com esta contradição, devemos acabar com o mundo das merca- dorias, consequentemente com o capitalismo e com algumas outras coisas que não cessam de existir com o fim do capita- lismo, mas para efeito de exposição cremos que não é neces- sário nos aprofundarmos no debate, já que os idealizadores do FSM não chegam nem a questionar o capitalismo enquanto tal, mas sim apenas uma forma específica de dominação do capital globalizado.

Voltando a linha de raciocínio dos idealizadores do FSM, para que a economia esteja a serviço do homem é ne- cessário a luta contra o neoliberalismo e a globalização, a luta específica contra as grandes corporações multinacionais e contra os governos e instituições internacionais a serviço de seus interesses. Não é dita uma linha sobre a luta contra o capitalismo e isso fica mais claro nas possíveis soluções que são apontadas no Fórum.

A solução seria uma globalização solidária que res- peite os direitos humanos universais, ou seja os direitos esta- belecidos com as revoluções burguesas, que respeite o direi- to de todos os cidadãos de todas as nações apoiados por ins- tituições internacionais democráticas a serviço da justiça social, da igualdade e da soberania dos povos. Enfim, temos que zelar pelo respeito aos direitos dos cidadãos, que tam- bém possui seus deveres segundo as regras do Estado De- mocrático de Direito, a igualdade (jurídica é claro), a sobe- rania dos povos e da nação, e mais, temos que centrar nossas

ações como questões de cidadania planetária, ou seja, um ideário muito bonito formulado a séculos pelos liberais. E claro que temos pequenas adaptações como no caso da cida- dania planetária, ou então ao respeito a uma democracia que respeite o pluralismo de atores sociais e as minorias, mas isso é apenas uma modificação que já vem sendo preconiza- da e implementada por todos aqueles burgueses e seus re- presentantes governamentais que desejam uma democracia ampliada com maior espaço de discussão e atuação para a sociedade civil organizada, em seus diferentes grupos. Ne- nhuma destas propostas defendem a supressão do capitalis- mo, muitas delas desejam apenas a implementação verda- deira do sistema preconizado pelos liberais, é claro que com uma retórica esquerdista e algumas modificações. Ou seja contra o neoliberalismo os idealizadores do FSM utilizam- se de conceitos liberais, mas não seremos nós que os chama- remos de liberais, não chegaremos a este ponto, afinal exis- tem algumas modificações essenciais nas propostas dos re- formistas, eles apenas pegam a base da ideologia e das pro- postas das classes dominantes e a aperfeiçoam.

Dizem eles que para ter soberania nacional é necessá- rio controlar a volatilidade dos capitais financeiros que es- peculam com as economias dos países periféricos e sugam altas remunerações dos juros praticados pelos governos e mais, é necessário taxar a movimentação do capital finan- ceiro para que o dinheiro arrecadado seja aplicado em políti- cas sociais. Além disso é necessário existir políticas de favorecimento do capital produtivo nacional, dos pequenos e médios empresários, combinadas com o investimento di- reto das transnacionais o que resultaria em um desenvolvi- mento nacional inserido na economia mundial. Devemos tam- bém manter os serviços públicos que ainda restam após o ciclo de privatizações pois o livre mercado não pode resol- ver os problemas sociais e as injustiças tão grandes enfrenta- das pelas pessoas marginalizadas.

Vamos recuperar a soberania do Estado Nacional a par- tir do restabelecimento do equilíbrio entre os poderes for- mais e de mecanismos consultivos da população, alargando e implementando de forma eficaz a democracia formal e o Estado Democrático de Direito e quando for preciso mane- jamos o aparato repressivo mais integrado a vida comunitá- ria e instruído pela doutrina de direitos humanos, como por exemplo o da propriedade. Realmente a doutrina da Social- Democracia não é liberal, apesar da utilização das idéias pro- pulsoras do liberalismo, o ideal da social democracia e o combate ao neoliberalismo e a globalização e a esta forma de dominação específica do mundo pelo capital, é a política do Estado de Bem Estar Social e o conseqüente desenvolvi- mento nacional, teorias que iludem a esquerda e qríe já nos foram muito prejudiciais em um passado recente e até mesmo no presente em partidos e movimentos da esquerda reformista.

Para alcançar os objetivos propostos acima é necessá- rio criar articulações que brequem a "desumanização do mundo". Dentro dos objetivos específicos do II FSM está o objetivo que os seminários gerais ajudem na compreensão comum acerca da conjuntura e as tarefas postas ao movi- mento antiglobalização, para que uma maior unidade políti- ca seja alcançada tem-se a pretensão de elaboração de 25

De nada serve partir das coisas boas de sempre mas sim dos coisas novas e ruins. B.Brecht

QUINZENA 308 23

documentos propositivos sobre temas fundamentais do mo- vimento antiglobalização e da disputa travada por ele. Ora aqui fica claro o objetivo de hegemonização da luta da es- querda antiglobalização e da canalização desta luta para busca de alternativas que reformem o capitalismo. O caráter políti- co e programático do FSM se evidencia e contraria a própria descrição do mesmo.

O que o FSM seria segundo seus idealizadores

O Fórum Social Mundial seria um esforço permanente de busca de alternativas e não se reduz aos eventos em que está apoiado, ou seja, não seria apenas os dias em que o encontro ocorre, o mesmo seria a articulação de forças que propõe a cons- trução de um mundo diferente. Essa articulação se dá de forma descentralizada, portanto o FSM não se constitui enquanto es- fera de poder a ser disputado pelos participantes, é apenas um espaço de articulação das entidades que dele participam, não é o único espaço. Este espaço não tem caráter deliberativo, em- bora as entidades que dele participem possam se reunir à parte e deliberar ações proposições, etc. Estas não seriam posições do Fórum, mas seriam difundidas pelo mesmo.

O FSM não pretende ser representativo da sociedade civil, para isso a sociedade já tem suas entidades, partidos políticos, etc. Aqui também temos um ponto de grande im- portância para a defesa do ideal social-democrata, como o Fórum não é espaço de representação da sociedade civil, um dos espaços mais eficazes e legítimos de representação seria a representação política, por isso não se exclui a participa- ção de políticos de suas atividades. Isso acaba legitimando a esfera de poder burguês (o Estado) como o espaço da trans- formação social e é por isso também que o FSM é contra organizações que atentem contra a vida como meio de ação, mesmo que isso seja uma forma de auto-defesa daqueles que são explorados e oprimidos diariamente. As alternativas e espaços de luta propostas por seus idealizadores são as que respeitam as regras do Estado Democrático de Direito e seus espaços de luta, institucionais ou não. Tudo o que foge à legalidade é rechaçado.

O FSM seria um espaço para a discussão e dissemina-

ção do conhecimento sobre as formas de atuação do capital e resistência contra ele, assim como um espaço para a disse- minação de alternativas que resolvam o problema da exclu- são e desigualdade que o processo de globalização capitalis- ta vem implementando, afinal para aumentarmos a partici- pação das pessoas nas regras do Estado Democrático de Di- reito é necessário possibilitar o mínimo de condições mate- riais para as mesmas, isso até a burguesia um pouco mais esclarecida sabe e deseja.

E é claro que o Fórum não pode ser um espaço onde a fragilidade da esquerda seja exposta. Portanto, é um espaço de conhecimento e reconhecimento mútuo entre as diversas entidades que dele participam, valorizando a especificidade das diferentes lutas travadas pelas diferentes entidades.

Os objetivos do FSM já estão bem claros, mas é ne- cessário que o mesmo aparente ser apenas um espaço de dis- cussão e disseminação de alternativas. A própria carta de princípios que vai nortear o mesmo contraria o caráter de construção que se pretende dar ao mesmo, já que os princí- pios excluem boa parte da esquerda revolucionária.

Certamente que outro mundo é possível...

Diante do exposto acima fica claro a nossa posição de não participar do FSM e de discordância com o mesmo. A única solução eficaz para o fim da globalização e do neoliberalismo e para o fim da submissão do homem perante a economia é a própria supressão do capitalismo, e mais, do mercado e do Estado também. O FSM possui objetivos polí- ticos bem claros com os quais não concordamos, assim como não concordamos com seus princípios, incluídos na exposição.

Esperamos que este nosso texto ajude no entendimento do que é o FSM e de nossa posição diante do mesmo, dos objetivos de seus idealizadores e também para compreensão a respeito de nossa ida a Porto Alegre. Estamos certos de que um outro mundo é possível e não podemos nos contentar apenas com um pouco menos de miséria, de exploração, de opressão, e também sabemos que este outro mundo só pode ser alcançado através da revolução social, fora disso é que- rer estar enganado ou enganando.

Asteca informa n955 - jan/02 [email protected]

Pela democracia e pela paz! José Au&usto Azeredo

Minha principal aspiração na vida era transfe rir neste início de século às gerações atuais e vindouras um mundo onde a exploração do

homem pelo homem estivesse, pelo menos, atenuada. Onde a miséria, a exclusão social, a prostituição, as drogas e ou- tras crueldades fossem se transferindo do cotidiano para a história. Pensava em deixar para elas, para meus filhos, um mundo de paz, de fraternidade e solidariedade, sem espaço para o egoísmo e a maldade.

Mas, o inverso aconteceu. A besta fera do nazismo está aí com a cabeça de fora, via terrorismo civil e seu contraponto o terrorismo de estado. Não conseguimos, no século passado resolver a contradição das forças produtivas em crescimento com as velhas relações de produção através do caminho para o socialismo, como aspirávamos. A segunda mais importan- te experiência histórica de substituição dos exploradores no aparelho do estado, iniciada através da revolução de outubro na Rússia, não conseguimos sobreviver. Em seu naufrágio

De nada serve partir das coisas boas de sempre mas sim dos coisas novas e ruins. B.Brecht

24 QUINZENA 308

arrastou a maioria dos partidos comunistas e operários, pre- judicando os ideais socialistas, além de contribuir para um certo descrédito do movimento sindical, e do próprio humanismo.

Mas isto, em absoluto, significa o fim da história. Mui- to pelo contrário, a crescente exuberância técnico-científica do capitalismo não possibilita um desenvolvimento social e cultural que se traduza em modernidade. O progresso cientí- fico, as capacidades cada vez mais ilimitadas de produção parecem promover uma sociedade burguesa decadente, afun- dada no egoísmo mais vil, na prostituição desenfreada do corpo e da alma,, na submissão geométrica ao vício das dro- gas, na luxúria. A alta escolaridade convive com a transfor- mação da cultura em mercadoria, que reduz e abastarda os horizontes do ser humano. Daí, a política burguesa atual se restringir, cada vez mais, à satisfação dos egoísmos mais sórdidos, a defesa empedernida dos privilégios sociais e eco- nômicos, indiferentes à maior exclusão e miséria da história da humanidade.

Teodoro Adorno em sua obra "A Personalidade Autori- tária" mostra resultados de pesquisa realizada em conjunto com cientistas americanos, durante exílio nos EUA, sobre a ligação entre existência de uma Alemanha civilizada, moderna, e os horrores do holocausto. Adorno e seus companheiros descartaram a possibilidade do nazismo ser um "problema ale- mão". E apesar dos EUA res- ponderem ao horror do "Eixo" com o horror de Hiroxima e Nagazaki, também sua pesqui- sa recusou que o autoritarismo pudesse ser um "problema americano". Restou, então a ligação entre o desenvolvimento do capitalismo e a persona- lidade autoritária. Ou seja: a personalidade do indivíduo re- pressivo formada no capitalismo tardio. Sua conclusão foi a de, os elementos constitutivos dos horrores psíquicos cresci- am e avolumavam na medida em que a riqueza se expandia, isto, ao contrário de caminhar para a civilização. Adorno e seus companheiros não viveram para ver o terrorismo brutal revelado no 11 de setembro e a resposta, o terrorismo de estado que já vitimou no Afeganistão mais civis inocentes queWTC...

Nessas condições, apesar da colossal vitória ideológica obtida pelo capitalismo no final do século passado, reunida ao seu majestoso desenvolvimento científico e tecnológico, que possibilitou detonar o maior processo de acumulação de riqueza e concentração de renda nunca visto antes, o que desponta como perspectivas do capitalismo nos últimos anos tem sido a barbárie e o fascismo. Isso faz pensar na busca de um outro modo de produção para substituir o atual, que possi- bilite a humanidade, de fato, marchar para uma vida civilizada e feliz. E esse outro modo de produção é o socialismo, prova- velmente não aquele que já existiu no século XX, mas, um so- cialismo mais democrático, sem o autoritarismo do anterior.

A derrota da exclusão, da miséria e do autoritarismo

A derrota da exclusão, da miséria e do autori- tarismo passa pela radicalização da luta pela democracia.

passa pela radicalização da luta pela democracia. Não se tra- ta de contentarmo-nos com essa democracia representativa que aí está, onde o poder econômico leva a reprodução dos "300 picaretas" a cada rodada de eleições, e instala nos palá- cios governantes sabujos do capital internacional e dos agio- tas. Precisamos construir uma democracia que inclua o povo trabalhador, que chegue ao interior das fábricas, das planta- ções, nas repartições públicas e nos bairros mais humildes. Uma democracia construída na base do fortalecimento do Poder Local; com partidos de esquerda verdadeiramente en- raizados nas grandes massas; que favoreça um movimento sindical funcionando a partir do interior das empresas, que possibilite o acesso de todos ao que de melhor existir em termos de educação, saúde e lazer.

Os atentados de 11 de setembro facultaram aos EUA, por fim, encontrarem um "inimigo". Por ironia, seus antigos aliados anticomunistas Bin Laden, o Taleban, e outros terro- ristas internacionais ex-agentes da CIA, os primeiros, res- ponsáveis pelos massacres impostos ao Afeganistão nos úl- timos 20 anos. Isto lhe possibilita o apoio de contribuinte americano para investir centena de bilhões de dólares no complexo industrial-militar, trazer o Keynezianismo de vol-

ta intervindo fortemente na economia (enquanto os trouxas aqui continuam falando em estado mínimo e leis de mer- cado). Foi possível ainda, for- talecer um governo cuja vitó- ria eleitoral estava sendo con- testada. E mais: o Congresso Americano aprovou legislação permitindo o seqüestro, a tor- tura e o assassinato de "inimi- gos" , além de tribunais de ex- ceção, cuja prática está "auto-

rizada" inclusive, pasmem, em território estrangeiro!!! Por fim, a fácil vitória sobre o Talebam a custa da des-

truição do Afeganistão com toneladas e toneladas de bom- bas, e a mortandade de milhares de civis, ante o apoio e ou conivência do resto do mundo, encoraja os reacionários do norte a prosseguirem em sua aventura bélica sobre nações consideradas rebeldes diante do império, sob o pretexto do combate ao terrorismo. Neste começo de século, pois, a paz e a autodeterminação dos povos encontram-se sob graves riscos.

Todavia, é a luta pela democracia radical, pela redistribuição da riqueza e renda e pela paz, no Brasil e no mundo, que criará condições para se assegurar relações civi- lizadas entre os povos. Somente com plena vigência das li- berdades democráticas será possível barrar o avanço do fas- cismo e do terror - civil ou de estado - e estabelecer no pla- no internacional a convivência pacífica entre as nações, o integral respeito à autodeterminação dos povos. Esse é o ca- minho da paz que, no início deste século parece distanciar- se cada vez mais de nós.

Todavia, temos a maior certeza de que, o trabalhador po- liticamente consciente, e os jovens, principalmente eles, com sua generosidade, desprendimento e espírito de luta, saberão construir um mundo novo, um mundo da liberdade e da paz!

De nada serve partir das coisas boas de sempre mas sim dos coisas novas e ruins. B.Brecht

QUINZENA 308 25

Teoria e Debate ano 14 - n949 out/nov/dez 2001 e-mail: [email protected]

INTERNACIONAL

A crise Argentina Ana Maria Stuat

Tradução de Colina Lagrutta.

Volto à Argentina duas vezes por ano. Viver no Bra- sil durante as últimas duas décadas criou em mim raízes muito fortes e a certeza de que meu lugar no mundo é este onde minhas ações estão ancoradas há tanto tem- po. Por que então esse retomo obrigatório? 0 exílio, cicatrizadas as feridas, manifestou-se como a oportu- nidade de estender a idéia de pátria e atravessar a fron- teira sem saudades. Além de rever amigos e lugares e comprar os últimos livros e discos, os ganhos da apro- ximação de pessoas e projetos, de lá e de cá, constitu- em a razão dessas viagens periódicas. A criação de uma identidade regional será possível se houver caminhos comuns e também atalhos que permitam a compreen- são de realidades tão complexas. As entrevistas que hoje apresento são fruto dessa perspectiva que gosto de cha- mar mercosulina. As questões surgiram de um olhar brasileiro, mas carregam a perplexidade de quem, a cada regresso, encontra uma paisagem social mais e mais deteriorada.

Uma coisa é ler estatísticas sobre o aumento da pobreza e da exclusão social; outra, ver essa realidade transformando o país num outro diferente daquele onde nasci e morei até 1978.

O que aconteceu ? A ditadura ? A hiperinflação ? A implantação das políticas neoliberais na década Menem? Por que o continuísmo desse governo de uma Aliança que foi esperança e hoje é pura frustração?

Crise política O sociólogo e politólogo Atílio Borón é secretá- rio executivo do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (Clacso) e professor de Teoria

Política na Universidade de Buenos Aires. Autor de Estado, Capitalismo e Democracia na América Latina e A Coruja de Minerva, Boron nos dá um panorama das mudanças políticas

na Argentina nas últimas décadas Que marcas deixou a ditadura na vida política argentina?

A ditadura foi superada há quase vinte anos e, entretan- to, seu impacto ainda se sente fortemente. Primeiramente, na desvalorização tremenda da política. Se há uma coisa que ela fez muito bem, foi convencer os argentinos de que a po- lítica era uma atividade improdutiva, no melhor dos casos, e arriscada e perigosa, no pior. Hoje, os políticos são conside- rados parasitas ou excrescências do corpo social, que não têm outro lugar onde ter sucesso e buscam-no então na polí-

tica que é, no fundo, o reino das artimanhas, dos golpes e das manobras sujas. E tudo o que os políticos têm feito se ajusta, de algum modo, àquilo que os militares diagnosticavam. Se há um fracasso rotundo na Argentina, é o dos políticos. Tudo isso contribuiu para o enorme descrédito que a política tem hoje.

A segunda herança dos militares traz um elemento ide- ológico mais claro. Durante muitos anos, eles se equilibra- ram entre certo nacionalismo belicista, centrado na perma- nente exaltação da ameaça interior (guerrilha) ou exterior (o Brasil, em seguida o Chile e depois os ingleses) e, combina- da a isso, uma política de corte claramente neoliberal, inau- gurada em 76 com o famoso discurso do ministro da Econo- mia Martínez de Hoz lem que expôs suas diretrizes para a sociedade e a economia argentinas. O êxito dessa iniciativa foi clamoroso. Muitos se confundem ao dizer que houve um fracasso das políticas de Martinez de Hoz. É claro que fra- cassou em algumas coisas, mas me dá a impressão de que ganhou a guerra. Durante os pouco mais de cinco anos em que permaneceu no cargo, ele contou com o apoio irrestrito do capital financeiro e introduziu os principais elementos da política neoliberal. A liberalização financeira começou com Martinez de Hoz e foi o governo militar que a desenvolveu plenamente. Quando voltou a democracia, em 83, havia no país uma forte presença de uma ideologia contrária ao prote- cionismo, aos subsídios, à intervenção do Estado. A reestruturação do capitalismo operada durante a ditadura militar já tinha, a conformação de grandes conglomerados econômicos com interesses em diversos setores da produção. E o velho slogan dos militares, "achicar ei Estado es agrandar Ia Nación" (reduzir o Estado é engrandecer a Nação), pegou mui- to profundamente na opinião pública, inclusive na liderança política; todas as políticas que se implementarem durante esses dezenove anos tiveram essa premissa.

O terceiro legado terrível que o regime militar nos dei- xou foi o desaparecimento de lideranças sociais. Falamos de 30 mil vítimas, entre mortos e desaparecidos. É um número enorme, levando em consideração, acima de tudo, que mui- tas dessas vítimas eram dirigentes sociais de base. Foram eliminadas cabeças do que poderia ter sido, nos anos da de- mocracia, uma liderança política e sindical com capacidade de contestação como, por exemplo, a que existe no Brasil.

Tenho a impressão de que, quando ganhou do Par- tido Justícialista (peronismo) em 1983, Alfonsín ensaiou nos planos da política e da economia uma certa heterodoxia, uma tentativa que se frustrou no final...

Alfonsín é uma pessoa a quem aprecio e estimo muitís- simo; apesar de não concordar com ele em muitas coisas. É um homem honesto e bem intencionado. Mas seu problema foi, primeiramente, a herança muito pesada da dívida externa. Em se- gundo lugar, a oposição selvagem do peronismo, que é um partido de máfias da pior espécie, que no entanto teve sempre uma enorme

De nada serve partir das coisas boas de sempre mas sim dos coisas novas e ruins. B.Brecht

26 QUINZENA 308

base popular - e continua tendo, ainda que cada vez menos. O peronismo de hoje tem muito pouco a ver com o de Perón; é um peronismo absolutamente vendido, transformado numa espécie de travesti do neoliberalismo, cuja direção só se importa em roubar o máximo no menor prazo possível.

Alfonsín deparou-se com tudo isso, mas também com suas próprias limitações como dirigente de um partido pe- queno-burguês como o radicalismo, que tem um temor im- pressionante às massas, que prefere sempre fazer acordos pessoais, de costas para a população. Alfonsín teve muitas dificuldades em seu primeiro ensaio heterodoxo, porque seu primeiro ministro da economia, Bernardo Grispun, era de- testado pelo FMI, pelo Banco Mundial e pelo Departamento do Tesouro dos EUA. E o radicalismo não acompanhou Grispun em suas iniciativas, além do que ele não tinha a ductilidade necessária para negociar como ministro da Eco- nomia. Era ele o que chamamos de um "viejo cascarrabias" (velho rabugento), que xingava o imperialismo e os america- nos, mas carecia de eficácia negociadora e de uma estratégia realis- ta. E, é claro, os grupos econômicos estavam ativamente conspiran- do contra essa possibilidade e dificultando cada passo seu.

Considero que Alfonsín tinha os instrumentos para que- brar a resistência do peronismo. Ele poderia ter dito: "temos um obstáculo - o justicialismo enquistado fisiologicamente no Senado somado à liderança sindical corrupta" e convoca- do uma consulta popular, como fez no caso do conflito com o Chile, em que ganhou. Não o fez por essas vacilações pró- prias de um partido pequeno-burguês, e Alfonsín é um líder nato desse partido. Não o fez porque temia um veredicto popular que provavelmente o impulsionaria a fazer outras coisas que ele e seu partido não estavam em condições de fazer. Mas, além desse, Alfonsín tinha um segundo recurso - devemos dizê-lo em sua homenagem - que não utilizou: ele poderia ter comprado um voto no Senado, e teria custado muito barato. Poderia ter comprado um voto do Movimiento Popular Neuquino, um partido peronista, o do senador Sapag, que todos sabiam que, por um milhão de dólares, vendia o voto. E Alfonsín disse não, porque é um homem ético. Ou seja, não entrou pela via corrupta; mas também não entrou pela via do plebiscito popular. Então Alfonsín, em fevereiro de 84, dois meses depois de ter assumido o governo, estava com as asas totalmente cortadas, sem capacidade para de- mocratizar a vida sindical, que é um escândalo na Argentina.

No plano da política externa, Alfonsín em 1985 iniciou, junto com Sarney, um processo de apro- ximação decisivo para a posterior formação do Mercosul. Esse projeto rompia com uma tradição de rivalidade secular e tinha uma perspectiva de uma integração mais estratégica, com políticas com- plementares, bem diferente do Mercosul do IVata- do de Assumção, assinado por Menen e Collor. Que opinião você tem sobre esse processo?

O Mercosul é uma boa iniciativa de buscar a coopera- ção, a aliança estratégica com o Brasil; é algo muito valioso e importante, e é uma das contribuições mais perduráveis de Alfonsín, não somente para a Argentina, mas para as rela- çõ*es argentino-brasileiras. Ele tentou fazer uma boa política exterior, mas não encontrou companhia. A visão internacio-

nal do Itamaraty oscila entre o isolamento e a inatividade no terreno internacional. O Brasil se isolou, em 85, no tema internacional. Acreditou ingenuamente nas promessas nor- te-americanas de que era diferente, uma velha estória que os americanos contam para todos: para a Costa Rica, a Guatemala, o México, a Argentina e também para o Brasil; e todos acreditaram. É claro que o Brasil tinha mais razões que os outros para acreditar, porque de fato não é a mesma coisa Brasil e Guatemala - mas no fim das contas o trata- mento foi o mesmo.

Então, Alfonsín não teve apoio, nem tinha o flanco in- terno solidamente galvanizado, seu próprio partido não o acompanhava muito; os grupos econômicos argentinos ope- ravam fortemente contra ele; o peronismo fazia essa política rasteira de fazer um discurso de autonomia nacional por um lado e ao mesmo tempo bloquear qualquer iniciativa. Isso ficou muito claro na conduta dos senadores peronistas quan- do ocorreram as privatizações absolutamente escandalosas de Menem. Mas é necessário reconhecer que Alfonsín teve uma política muito boa em relação à América Central. Um dos momentos mais importantes foi perante Reagan. Num ato na Casa Branca, Reagan fez um discurso muito agressi- vo, muito anti-sandinista; aí Alfonsín guardou o texto que tinha preparado e improvisou um lindo discurso de reafirmação da luta pela autodeterminação dos povos o que, pelo menos, o instalou na história latino-americana como um dos pouquíssimos líderes que teve a valentia, na própria Casa Branca e diante de Reagan, de dizer o que pensamos.

E houve também o julgamento das juntas Milita- res2, inédito na história latino-americana.

Esta é, sem sombra de dúvida, a mais importante he- rança de Alfonsín. É um marco na história mundial. Os jul- gamentos aqui foram muito mais sérios que os de Nuremberg. Na Alemanha, dez anos depois, os hierarcas nazis estavam completamente reabilitados, jurídica e socialmente; na Ar- gentina, não houve nenhuma reabilitação jurídica. Apesar do indulto de Menen; os militares julgados continuam em pri- são domiciliar, continuam chovendo processos sobre suas ca- beças e não podem nem sonhar com uma reabilitação social.

Como se explica a primeira vitória de Menem, uma aliança do interior com traços folclóricos e discurso messiânico?

Os argentinos elegeram Menem porque o governo de Alfonsín teve dois grandes fracassos. O primeiro foi o eco- nômico, ao lançar o famoso Plano Austral - que foi copiado no Brasil pouco depois com o Plano Cruzado -, que fracas- sou rotundamente porque era um programa que, exceto em um ou outro ponto, inscrevia-se nos moldes da doutrina neoliberal e persistia em não atacar um problema-chave, que está na base de toda a crise econômica Argentina: a questão tributária, que desembocou na crise fiscal e na hiperinflação, fenômeno muito traumático.

O segundo fracasso foi na política militar, e se revelou na crise da Semana Santa3 e na forma como ela foi resolvi- da, que gerou depois de uma série de novos motins e insur- reições militares. Nesse marco de decomposição total da or- dem política, com Alfonsín governando sozinho com seu Partido Radical, com programas anti-populares - não tanto

De nada serve partir das coisas boas de sempre mas sim dos coisas novas e ruins. B.Brecht

QUINZENA 308 27

quanto os que depois aplicaria Menem -, a única alternativa era o candidato do justicialismo, Menem. Os argentinos não votam em candidatos, mas sim por grandes identidades polí- ticas; e num contexto de crise econômica, recrudesceu a iden- tidade peronista. Menem dizia coisas que as pessoas queri- am ouvir, falava em abrir as portas das fábricas fechadas; fez uma campanha profundamente demagógica, mas a socieda- de precisava acreditar nessa demagogia e por isso votou nele.

Na Argentina houve muitas tentativas de desmontar o Estado de bem-estar que, mesmo com deformações, permitiu a homogeneização econômica e cultural que caracterizava o país. Não é paradoxal que Menem, do Partido Justicialista, tenha conseguido desmontá-lo?

Menem é uma figura absolutamente inescrupulosa, ca- paz de fazer qualquer coisa, movido por uma grande ambi- ção, e com um enorme talento político; um homem muito hábil, sem limitações éticas ou morais de nenhum tipo. As- sim que chegou ao governo, percebeu que havia uma estru- tura de poder à margem da vontade popular, que não se mo- dificava pelos resultados dos sufrágios e, sendo um homem pragmático e inescrupuloso, pensou: "não posso governar contra os poderes estabelecidos; se quiser cumprir a tarefa que pretendo, vou ter que governar com eles", e então ofere- ceu-lhes tudo, pôs a nação e o Estado a seus pés.

Menem adotou o programa mais radical de reformas neoliberais que se conheceu na história latino-americana, com o que, em muito pouco tempo, concretizou-se o programa que a ditadura militar havia iniciado e que não havia conse- guido se estabelecer completamente. Os anos de Alfonsín tinham sido de incerteza, e mesmo quando, no final de seu governo, retomou a linha que vinha da ditadura, quando o Plano Austral começava a fazer água, ainda não havia força suficiente para impor essas reformas. Era necessária a enor- me legitimidade popular do peronismo para levar adiante a tarefa de destruição que Menem executou. Esse processo está bem explicado em meu livro A Coruja Minerva, mas vou expor um só elemento importante: o peronismo produziu a maior redistribuição de renda da história latino-americana do século XX, com a única exceção da Revolução Cubana. Antes de Perón chegar ao poder, a distribuição da renda na- cional entre capital e trabalho era de 23% para o trabalho e 77% para o capital; dois anos depois de Perón chegar ao po- der era de 49% para o trabalho e 51% para o capital. E o canalha do Menem nos instala como na época pré-peronista, 23% para o trabalho e 77% para o capital! Então, se nos perguntarmos por que o povo acreditou em Menem, deve- mos levar em consideração que a lembrança do que havia sido o peronismo pesou muitíssimo, transmitiu-se de pais para filhos, e ainda existe no imaginário coletivo; é a lem- brança da época dourada da Argentina. Quando era peque- no, nos anos 50, ia a uma escola pública de Buenos Aires e voltava a pé para casa. Era o auge da construção civil - anos de pleno emprego - e, nas obras , os trabalhadores faziam churrascos de carnes maravilhosas, bifes de chorizo, e eles me davam pedacinhos de carne em vários pontos do meu trajeto! E é essa a lembrança do operário da construção, o pior remunerado, que tinha carne de sobra a ponto de dar um pedaço aos meninos de classe média que saíam da escola!

Por isso Menem venceu. Mas como ele se reelege em 95?

Reelegem-no porque a Argentina tinha estado sufocada pelo da instabilidade monetária e resolveu. Trata-se de um país que padeceu uma hiperinflação que fez com que as pes- soas tivessem que se armar, se trancar em suas casa, sobretu- do nos bairros populares, para se defender dos vizinhos de- sesperados que saíam para saquear até a casa do pobre. E Menem conseguiu congelar essa fonte de desespero que a hiperinflação. Isso também explica, em parte, o que aconte- ce com Cavallo hoje, o porquê das pessoas terem tanto medo da convertibilidade; ela foi um remédio eficaz para acabar com aquele pesadelo. Em 95, Menem disse: "eu lhes prome- ti salariazo, revolução produtiva etc; tivemos que fazer outra coisa, mas vocês não estão melhor hoje? Vocês sabem qual é o valor da moeda, não há inflação, não há corrida bancária". E isso, de algum modo, se relacionou com um processo de ampliação do consumo, que teve lugar de maneira muito forte entre 91 e 95, até que o "efeito tequila" fez com que houves- se crédito muito abundante e muita gente se endividasse. Assim, votaram de novo em Menem, porque qualquer alter- nativa aparecia como pior.

Como você interpreta a mudança radical na polí- tica externa Argentina, que passou a defender "re- lações carnais" com os EUA?

Quando Cavallo foi chanceler, na primeira etapa do governo Menem, a Argentina decidiu deixar de lado qual- quer argumento de caráter político internacional, histórico e de tradições diplomáticas e resolveu que a maneira de sair da paralisia nas relações econômicas internacionais era o ali- nhamento com os EUA.

Há um velho artigo meu que se chama "Los axiomas de Anillaco" e nele eu digo que um dos axiomas fundamentais de Menem é que o mundo se governa a partir do centro e que o poder do centro é onímodo. Então, assim como ele, quan- do era governador de de La Rioja, pensava que não podia governar se não tivesse o OK de Buenos Aires, quando esta- va em Buenos Aires pensava que não podia governar sem o OK de Washington. E por isso se moveu tão habilmente para se tomar um aliado incondicional e obseqüente do governo de Bush. A Argentina mandou tropas à Guerra do Golfo! Enos causou indignação, particularmente, a forma como o governo argentino votou contra Cuba na ONU. Ao mesmo tempo que não sancionava outros países onde havia proble- mas graves de violação aos direitos humanos, como a China, por exemplo, mas que os EUA não estavam interessados em sancionar. Mas, apesar desse alinhamento, os EUA persis- tem em nos tratar discriminatoriamente, por exemplo, impe- dindo as exportações argentinas, entrando para competir no mercado brasileiro com trigo subsidiado contra os interesses argentinos, e endurecendo a posição norte-americana no FMI em tudo o que concerne à nossa dívida externa.

De La Rúa é continuísta porque ainda perdura o mito da estabilidade monetária? Mesmo quando o "remédio" da convertibilidade está matando o país?

O que prevalece quando se compara o governo da Alianza e do de Menem é o elemento de continuidade. Pri- meiramente no plano econômico: a Alianza não é senão a

De nada serve partir das coisas boas de sempre mas sim dos coisas novas e ruins. B.Brecht

28 QUINZENA 308

continuidade e o aprofundamento, inclusive a níveis mais regressivos e mais reacionários ainda, da política de Menem, que, em dez anos e meio, nunca reduziu em duas ocasiões e está no terceiro plano de reajuste. Não há na Argentina expe- riência de uma política desse tipo; nem sequer os militares fizeram isso. Segundo, este governo também dá continuida- de e aprofunda a política do menemismo em relação às "re- lações carnais" com os EUA. De todo modo, há ingredientes novos. O menemismo foi uma experiência possibilitada pela estabilidade monetária e pela afluência fácil de capitais, produto de venda indiscriminada de grandes empresas. Os resultados negativos dessa experiência só começaram a ser percebidos muito depois - é o que estamos vendo agora.

Mas, além de tudo isso, Menem pôde ser eleito em 95 porque os partidos que se colocavam como alternativa ofere- ciam exatamente o mesmo esquema de política econômica. Isto me parece muito importante como lição para o Brasil: Fernando Henrique Cardoso, que é muito inteligente, sem- pre disse que é preferível o original à cópia; então se vou fazer um programa neoliberal, vou encomendá-lo a um neoliberal, não a um social-democrata ou a um partido populista. Menem conseguiu ser aceito como um converso leal, ele é o grande dirigente de massas que o neoliberalismo tem: Se Menem resolveu seu problema com a justiça, que é muito grave e muito difícil de ser resolvido, ele será o próxi- mo presidente da Argentina! Porque a Alianza 4 não apre- sentou nenhuma alternativa. E isso é a parte do que eu cha- mo de "a fenomenal vitória ideológica do neoliberalismo". O neoliberalismo foi um fracasso rotundo como política eco- nômica, nos países da periferia e do centro, mas foi um dos maiores êxitos da história em matéria ideológica, porque convenceu, cooptou ou comprou toda a liderança política latino-americana, com algumas exceções, e me refiro a ex- ceções que contam, porque temos os partidos das esquerdas ululantes, mas esses não contam.

Em que outras áreas houve continuísmo? Há um elemento de continuísmo menos visível: o abu-

so dos decretos de necessidade e urgência - equivalentes às medidas provisórias no Brasil -, que são muito importantes na experiência de De Ia Rua. Não há instituição mais desacredita- da na Argentina do que o Congresso, p

ela corrupção, pelo roubo, pela falta de seriedade. Por isso é que as pessoas se animam com a estória do tal "custo da polí- tica", que é um argumento absurdo porque, na verdade, o pro- blema grave da Argentina não é o custo da política - embora seja verdade que é preciso reduzi-lo. Mas o povo quer que os políticos desapareçam ou que cada vez tenham menos influên- cia e menos recursos.

Como se explica o fracasso da Frepaso5, que era uma esperança quando surgiu no cenário político com 30 dos votos em 95? Porque se desperdiçou essa oportuni- dade de introduzir um novo ator progressista?

Por várias circunstâncias. Primeiramente, a Frepaso foi um fenômeno eminentemente mediático, ou seja, por baixo dela não havia uma estrutura partidária minimamente orga- nizada. Era um líder indiscutível, Chacho Alvarez, que usa- va sua presença mediática de maneira admirável. Tanto é

assim que a primeira reunião efetiva da Frepaso, de acordo com certa norma institucional, só aconteceu no final de 99, quatro anos depois dela ter tido uma presença importante nas eleições. Isto é, foi uma caoisa absolutamente caudilhesca, baseada nos meios de comunicação de massa, que expressa- va a inquietude do eleitorado mas sem ter nada por baixo.

Tenho a impressão de que o povo visualizava uma possibilidade de mudança, que expressava no dis- curso de Chacho Alvarez de defesa da ética na polí- tica.

O discurso da ética, que sempre aparece na Argentina, é valioso, mas no fundo oculta coisas muito importantes. Chaco levantou esta bandeira, mas de forma alguma fez fez uma crítica ao neoliberalismo. E foi impossível conciliar o discurso de transparência ética e administrativa com a vi- gência dos princípios da política econômica neoliberal, que ele nunca questionou.

Por isso que ele renunciou? Não, eu acho que ele renunciou porque se deu conta de

que não havia nada que o sustentasse. No fundo, Chacho conduziu pessimamente a dinâmica da Alianza. E, além do mais, resistiu em fazer o que deveria ter feito: organizar e canalizar o conflito social na Argentina. Em vez de fazer isso, a Alianza tentava disfarçar o conflito e evitar que este se manifestasse.

No seu livro A Coruja Minerva, você desenvolve uma concepção de democracia que gostaria que comentasse resumidamente.

Eu digo que a democracia implica um programa radi- cal de reorganização da vida integral de nossas sociedades, e que os princípios sobre os quais isso se apoia são contraditó- rios com os do mercado, que regem a vida pública na Amé- rica Latina, que sofreu um processo de mercantilização; tudo se mede por seu custo, por seu preço, em função de sua ren- tabilidade.

Dizem que o Estado é uma empresa, o que é um absur- do. Então, a prática da democracia foi-se adequando a essa mudança fundamental mediante a qual os países latino-ame- ricanos foram renunciando à sua vocação nacional e se con- vertendo, graças à traição dos grupos dirigentes, em merca- dos. Hoje fala-se muito pouco de países em vias de desen- volvimento; Argentina, Brasil, México são mercados emer- gentes. Devemos essa degradação ao neoliberalismo, a seus cultores locais, à classe dirigente que admite que a bússola para orientar sua gestão no governo deve ser a resposta dos mercados e não do bem-estar popular. Isso se traduz numa concepção minimalista, procedimental da democracia. De- mocracia na Argentina hoje significa que a cada quatro anos elegemos um presidente, ou um governador, mais nada.

Qual é a sua opinião sobre o papel dos novos ato- res do movimento social como a Central dos Tra- balhadores Argentinos?

O papel do novo movimento sindical argentino, como a CTA, é bem positivo, mas sua força é muito pequena e insu- ficiente para mudar as coisas. Não temos nenhum movimen- to sindical poderoso e com vocação de esquerda como no Brasil. O movimento sindical majoritário é profundamente

De nada serve partir das coisas boas de sempre mas sim dos coisas novas e ruins. B.Brecht

QUINZENA 308 29

conservador, para não dizer reacionário; é marcatista, anti- socialista, anticomunista. São as duas CGTs, a dissidente também - há uma diferença de matizes, mas que obedecem mais a ambições pessoais que a visões políticas. A CTA, que é representativa de uma esquerda ou centro-esquerda mode- rada, tem uma força muito menor que as outras.

Como você vê o cenário político futuro? A experiência do menemismo danificou profundamente

o partido peronista eojusticialismo. A experiência de Alianza praticamente liquidou a Frepaso e prejudicou seriamente o Partido Radical. O que vejo é um sistema político tremenda- mente debilitado. Os grandes partidos já não têm condições de responder às demandas da cidadania, não geram fervor, adesão, interesse; há uma desorientação muito grande. A apatia política está chegando a níveis nunca vistos. Faz seis meses que quem governa efetivamente a Argentina é Cavallo.

Há possibilidade de revitalização do Partido Justicialista?

Talvez, mas muito pequena. Tudo está indo por um mau caminho. Provavelmente veremos um crescimento de alguns dos partidos novos como o ARI 6e talvez o Pólo Social 7. Eu diria que mais o ARI, mas também não acho que deva-se depositar muito entusiasmo neste. Minha impressão é de que o ARI é uma nova Frepaso, embora respeite muito mais sua dirigente máxima, a deputada Elisa Carrió, que tem demons- trado ser muito mais convincente em sua crítica ao neoliberalismo que Chaco. Acredito que ela possa fazer algo positivo, mas isso é muito prematuro. A Argentina está num estado de efervescência, subterrânea onde o desinteresse pela política é muito marcado.

Há alguma perspectiva de intervenção civil e dos parlamentos para modificar o rumo do Mercosul?

Há uma perspectiva, mas ainda não temos um Mercosul social, muito menos político. Temos um Mercosul das gran- des empresas. É necessário apontar os avanços que estão ocorrendo, pequenos, mas que existem, no Mercosul sindi- cal. É preciso avançar mais na coordenação dos movimen- tos sociais. Temos que reforçar muito a presença conjunta no Fórum Social Mundial. Este é muito importante como

âmbito fundamental de construção. Não devemos esperar pe- los governos, porque estes não vão querer que haja um Mercosul social e político. Os partidos sim, talvez possam querer. Mas há um problema, enquanto no Brasil vocês têm um grande partido político de massas como o PT, ele não tem interlocutor aqui.

A idéia seria que o Mercosul fosse algo que este mero acordo empresarial. E pode chegar a ser. Há um Mercosul de universidades que está avançando, há o Mercocidades. Ago bom pode acontecer. Mas é preciso que o Brasil exerça uma liderança muito enérgica; espero que aconteça em 2002. Por- que o Brasil é o único país sul-americano que tem forte gravitação internacional. E não é questão de falsos chauvinismos, espero que o Brasil assuma a liderança e a Argentina tem que se alinhar atrás, e mais ainda se for com um governo progressista, de esquerda; aí acho que se pode tentar uma recuperação do Mercosul, dando-lhe pela primeira vez um sentido político e social muito diferente do que deve até agora. □

1- Ministro da ditadura no período do general Jorge videla.

2- O governo de Raul Alfonsín iniciou um amplo processo de investigação dos crimes de dita-

dura sob a coordenação do Conadesp ( Comissão Nacional sobre Desaparição de Pes-

soas), que culminou com o julgamento e punição dos chefes militares responsáveis

pelos sucessivos governos da ditadura ( 1976-1983).

3- Uma das sublevações militares contra o governo de Alfonsín que determinou o envio dos

projetos de lei de Ponto Final e Obediência Devida, fortemente criticados pelas entida-

des defensoras dos direitos humanos, considerados uma concessão ao poder militar.

4- Alianza foi formada pela União Cívica Radical (UCR) e a frente País Solidário (Frepaso)

para concorrer nas eleições de 1999 com a fórmula Fernando de Ia Rua (UCRj/Carlos

Chacho Alvarez (Frepaso).

5- A Frepaso formou-se como uma coligação entre a Frente Grande (ex-peronistas críticos do

menemismo), o Partido Socialista Popular, o Partido Socialista Democrático e outros

partidos menores.

ft-Alternativa para uma República de iguais (ARI), nova força política liderada pela deputada

Elisa Carro, que atraiu os que abandonaram a Frepaso em desacordo com o governo de

Ia Rua.

7- Nova articulação política cuja liderançaé o Padre Faiinello e que também recebeu ex-frepasistas

(deputada Alicia Castro), ex-Judicialistas, líderes sociais dos piqueteiros, etc.

Caderno do Terceiro Mundo - Jan.2002 - N?237

ÁFRICA: Multilação feminina em debate A circuncisão de meninas e meninos em muitos países

africanos enfrenta discussões cada vez mais fortes, à medi- da que a conscientização feminina avança, o ato, milenarmente praticado, realiza-se em importantes cerimô- nias que constituem uma oferenda para a divindade dos cul- tos de fertilidade. Ainda que não exista uma data fixa para estes rituais, geralmente são praticados um mês ou um mês e meio antes da estação das chuvas, para o grupo de idade compreendido entre os 15 e 17 anos.

A circuncisão feminina tem sua origem em etapas an- teriores ao Corão e à islamização. Portanto, não existem motivos religiosos na base dessa prática, ainda que alguns estudiosos a relacionem com o Islã. Segundo fontes mais sérias, a circuncisão remonta a mais de 2.500 anos e diz-se

que data dos tempos do profeta Abrão, quando se fizeram as primeiras mutilações femininas (apesar de que, em toda a Bíblia, só seja mencionada a circuncisão masculina, como sinal da aliança com Deus).

Cerca de 26 países árabes e africanos praticam a circun- cisão feminina. Mais de 30 milhões de meninas, adolescente, mulheres casadas e anciãs encontram-se hoje em dia mutila- das. As conseqüências que estes rituais podem deixar, pri- meiro na adolescente, e mais tarde na mulher, são VARIA- DAS, INDO DESDE INFECÇÕES -ALGUMAS MORTAIS - até seqüelas de natureza psicológica, segundo Edna Adan Ismail, da Organização Mundial de Saúde (OMS). A OMS lidera uma campanha em diversos países contra a circunci- são feminina.

De nada serve partir das coisas boas de sempre mas sim dos coisas novas e ruins. B.Brecht

30 QUINZENA 308

Cadernos do terceiro mundo n9 237

A revolução legal de Chávez Presidente venezuelano assina reformas de base e garante que nenhuma provocação o afastará dos caminhos legais. A greve

patronal contra a reforma agrária, a lei do petróleo e do desenvolvimentos sustentável e outras 46 legislações.

Hóctor Eseobar

Um pacote de 49 Leis de Reforma Econômica, social e administrativa uniu a maior parte dos empresários industriais e comerciais, latifun-

diários , sindicalistas e partidos de oposição num locaute que parou parcialmente a Venezuela no dia 10 de dezembro últi- mo, quando as leis forma promulgadas. O objetivo era for- çar o presidente Hugo Chavéz a desistir de pôr em vigor al- gumas leis, principalmente a Lei das Terras e Segurança Ali- mentar, a Lei da Pesca e Desenvolvimento Sustentável e a Lei do Petróleo. Esta última frustou a expectativa de privatizações, tanto das empresas petrolíferas estrangeiras quanto dos empresários locais neoliberais que apostavam na abertura do setor à iniciativa privada.

A imprensa venezuelana e dos demais países da Amé- rica do Sul fez o coro do "sucesso absoluto" do movimento, mas o sistema de transportes funcionou, assim como o servi- ço público, a industria petrolífera e o pequeno comércio. A palavra de ordem da Fedecâmaras, entidade que congrega as filiadas, representativas das grandes empresas do país, não foi acatada da forma como os empresários esperavam. No entanto, na avaliação do presidente da Fedecâmaras, Pedro Carmona, a paralisação atingiu mais de 60% das atividades econômicas.

O locaute foi precedido de quase 30 dias de acirrada campanha contra o governo, na qual industriais, comercian- tes e líderes ruralistas espalharam boatos de golpe de Estado e saques, com o objetivo de criar um clima de pânico na população capaz de justificar o fechamento dos estabeleci- mentos comerciais e industriais.

As vésperas do locaute, a Fedecâmara enviou um emis- sário ao presidente da República com a proposta de suspen- são da promulgação do "pacote". Em troca, a paralisação seria suspensa. "Isto é simplesmente um golpe de Estado, uma proposta para um pacto imoral. E eu não tenho resposta para imorais", foi a reação de Hugo Chávez.

Cerca de 35 mil camponeses marcharam sobre Caracas e se concentram no centro da capital, para um ato de apoio ao presidente da República. Ali, os líderes da categoria se revesaram com discursos inflamados até à chegada de Chávez. Envergando uniforme de campanha, o presidente da República proferiu contundente discurso, recheado de ad- vertências aos promotores do locaute.

'Oligarquia imoral' " Esqueça a oligarquia, se pensa que vamos recuar do

nosso objetivo e trair o povo venezuelano. Vou dar um con-

selho a essa oligarquias imoral e covarde, para que não se equivoque. Estão confundindo nossa bondade e nosso amor à democracia com debilidade. Lembre-se de onde viemos. Se for preciso, vamos torcer o alicate, pois não podemos permitir que promovam a desordem no país". Ao proferir essas palavras, Chávez exibiu um alicate e concluiu: " Al- guns opositores andam sonhando com um golpe de Estado, por iniciativa de Chávez, mas não me arrastarão para esse terreno. E como me chamo Hugo Chávez, haverão de se lem- brar disso para o resto da vida."

Terra De fato, num país em que apenas 2% da população têm

a propriedade de mais de 80% das terras, as quais, no entan- to, permanecem ociosas, era de se esperar forte reação dos latifundiários ao novo ordenamento jurídico da ocupação e do uso do solo.

Desde a segunda semana de dezembro de 2001, todas as terras privadas agricultáveis da Venezuela, passaram a ser avaliadas por técnicos especializados, para identificação do tipo de lavoura mais adequado ao seu uso.

Junto com a terra (até o limite de 10 mil hectares, em plena produção), os agricultores autônomos ou reunidos em cooperativas receberão crédito, sementes, assistência técni- ca e tratores, além da garantia do governo de adquirir o ex- celente após a comercialização.

Pesca A Lei da Pesca e Desenvolvimento Sustentável estabe-

lece o limite de seis milhas marítimas exclusivamente para a pesca artesanal, ficando proibida a pesca de arrastão, por ser prejudicial ao ecossistema.

Colhidas de surpresa, as grandes empresas do setor não aceitaram as novas normas e partiram para a confrontação com o governo, através de atos de desobediência civil. " A nossa proposta é o desenvolvimento sustentável e o apro- veitamento dos recursos naturais, a fim de que permaneçam também para as futuras gerações", esclareceu a ministra do Meio Ambiente, Ana Lisa Osório.

Petróleo Pela novas Lei do Petróleo, as empresas que operam na

exploração pagarão royalties mais elevados - de 30%, con- tra os anteriores 16%. A participação do Estado no capital

De nada serve partir das coisas boas de sempre mas sim dos coisas novas e ruins. B.Brecht

QUINZENA 308 31 ——

dessas empresas passa a ser de 51 %, no mínimo. Pela Cons- tituição Venezuela, nenhuma riqueza do subsolo da área sub- marina do país pode ser privatizada.

Como os interesses privados dos três setores agora re- gulamentados estavam entrelaçados e o governo surpreen- deu os empresários com as novas leis, a Fedecâmara resol- veu radicalizar, na expectativa de que as fortes pressões obri- gassem o governo a ganhar o caminho da privatização e da desregulamentação.

Clima de golpe Muitos empresários decidiram não aderir ao locaute

promovido pela Fedecâmaras, por entenderem que "a inici- ativa assumira caráter nitidamente político" num clima que se assemelhava ao de preparação de um golpe. O presidente da Fedecâmara dos Transportes da Venezuela, José Enrique Betancourt, por exemplo, disse que o serviço de transporte em todo o país não sofreria solução de continuidade.

"No dia 27 de novembro, fizemos uma grande assem- bléia no Poliedro de Caracas, na qual ficou decidido que garantíramos a normalidade do transporte. A Fedecâmaras faz jogo com os nossos interesses, mas nunca antes dera apoio às nossas reivindicações", acrescentou. Em seguida, acusou a cúpula da entidade empresarial por alguns problemas dos quais se queixam. " É oportuno lembrar quais conseguimos financiamento para o transporte público interurbano, fato iné-

dito na história da Venezuela." A respeito do possível aumento de preços dos combus-

tíveis no primeiro trimestre de 2002, José Enrique Betancourt adiantou que vai tratar desse assunto com o presidente Hugo Chávez e o ministro das finanças, para que o impacto da medi- da não seja forte para os empresários e para os usuários.

Depois de uma reunião com representantes da Confe- rência Episcopal da Venezuela, o ministro da Defesa, José Vicente Rangel, declarou que não aceita "a satanização do

governo por parte de alguns setores do empresariado. O presiden-

te Hugo Chávez está disposto ao diálogo".

O ministro disse que co govemo es-

tava aberto ao di- álogo, certo de

que havia ^condições

^para avan- ços no

psentido fda norma- lização da

situação no país.

Novo E-MAIL DO CPV: CPVSP@ TERRA.COM.BR

X Ficha de Assinatura

( ) Anual R$ 50,00 ( ) Semestral R$ 25,00 ( ) Trimestral R$ 15,00 ( ) Exterior-Anual US$ 120,00 ( ) Exterior - Semestral US$ 60,00

( ) Semestral R$ 35,00 Assinatura de Apoio:

( ) Anual R$ 70,00

Nome Completo Endereço: N0 Bairro: C. Postal Cidade: Estado: Profissão/Categoria: TRABALHO QUE FAZ NO MOVIMENTO: Assinatura: Data

Bloco Apto. ... Fone ( ) Cep: ,

O pagamento deverá ser feito em nome do CPV - Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro em cheque nominal cruzado, DESDE QUE SEJA ENDEREÇADO PARA A

NOSSA SEDE ou DEPÓSITO BANCÁRIO - BRADESCO AGÊNCIA USP - 0449 - 9 C/C 73409-8

Ao fazer o depósito enviar fax do comprovante

QUINZENA Publicação do CPV - Rua São Domingos, 224 - Cep: 01326-000 - São Paulo,

Fone: (011) 3104-7995 - Fax: (011) 3104-3133

E-mail [email protected]

De nada serve partir das coisas boas de sempre mas sim dos coisas novas e ruins. B.Brecht

32 QUINZENA 308

Cultura

Sempre que você tiver alguém por perto, quem quer que seja, você deve aproveitar para conversar, devemos sempre nos fazer amigos das pessoas porque com amizade podemos fazer do amigo um companheiro e depois que o amigo se torna um companheiro podemos convertê-lo em um irmão de luta e desse irmão de luta podemos ter um quadro militante:

Carlos Fonseca - Comante em Chefe da FSLN

De nada serve partir das coisas boas de sempre mas sim dos coisas novas e ruins. B.Brecht