21º concurso literario sjbvista - antologia 2013

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Antologia Ant l g Ac dem de Let s Patrono: Antonio Nino Barbin

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Antologia do 21º Concurso Literário de Poesia e Prosa - 2013 - da Academia de Letras de São João da Boa Vista . Patrono: Antônio "Nino" Barbin

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Patrono: Antonio Nino Barbin“ ”

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XXI CONCURSO LITERÁRIODE

POESIA E PROSA

2013

ACADEMIA DE LETRASDE SÃO JOÃO DA BOA VISTA

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OGO V E R N A M

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1971

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– 01 –

Palavras da Presidente

Seguindo a finalidade destaArcádia no culto da língua e da

literatura nacional, neste ano de 2013, mais uma vez, a Academia

de Letras de São João da Boa Vista promove o Concurso Literário

de Poesia e Prosa, em sua XXI edição, premiando cada categoria,

de 1º a 3º lugar, subdivididas em cinco Faixas Etárias:

ATÉ 12ANOS.

DE 13 a 18ANOS.

DE 19 a 39ANOS

DE 40 a 59ANOS

MAIORES DE 60ANOS

Fugindo ao Edital que dizia de quatro faixas etárias, a

Diretoria Biênio 2013/2014, pelo número recorde de inscritos de

todo o Brasil e do exterior, decidiu acrescentar uma nova faixa

etária ao concurso, integrada que foi de forma definitiva aos

editais futuros. Dessa forma, 30 (trinta) são os premiados

deste ano.

O Acadêmico Antonio “Nino” Barbin é o patrono do XXI

Concurso Literário de Poesia e Prosa, por seu relevante empenho e

participação a este Sodalício, desde a posse em 21/09/1991.

Page 5: 21º Concurso Literario SJBVista - Antologia 2013

– 02 –

A coordenação geral do concurso ficou a cargo da

Acadêmica Sílvia Tereza Ferrante Marcos de Lima que trabalhou

incansavelmente durante todo o processo de captação dos

textos, impressão, distribuição para os julgadores, fechamento

de notas, lista dos classificados, monitoramento pelo site e

acompanhamento na diagramação e edição da antologia, assim

como, confecção das placas e certificados, até que se chegasse ao

dia da premiação.

Por sua eficiência e disponibilidade a Academia de Letras

a agradece, certa de que não teria feito melhor escolha para a

coordenação do XXI Concurso Literário de Poesia e Prosa.

É preciso também agradecer aos julgadores e a assistente

de secretaria, Grazielle Moreno, na contribuição que deram para

que se chegasse ao fim do concurso.

Enfim, a todos os participantes, que enviaram textos dos

mais distantes rincões de nosso país e do mundo, fica o

agradecimento daAcademia de Letras de São João da Boa Vista.

Especialmente aos que tiveram textos premiados, esta

Arcádia os parabeniza!

Lucelena Maia

Cadeira nº 13

Patrono Humberto de Campos

Presidente da ALSJBV

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– 03 –

Breves Palavras

Eis o resultado de nosso XXI Concurso de Poesia e Prosa.

E, quando escrevo “resultado”, não me refiro apenas à

classificação dos melhores concorrentes. Rendo, também, um

preito aos Acadêmicos que organizaram este importante Torneio

Literário, nas pessoas da Presidente da Arcádia, Lucelena Maia,

da Coordenadora Geral, Silvia Ferrante e dos componentes da

Comissão Julgadora.

Acompanho este evento de nossa Academia, desde sua

criação, em 1993, quando era Presidente o saudoso Confrade José

Edgard SimonAlonso. Desde então, tive o prazer de participar das

equipes avaliadoras de todas as edições. Provavelmente, por esta

circunstância, tenha sido nomeado o Patrono do atual Certame,

láurea que me honra sobremodo e que acolhi agradecido.

Quanto à presenteAntologia, sou igualmente muito grato à

Academia de Letras por confiar-me a responsabilidade em revisar

os textos vencedores, de muito bom nível, diga-se de passagem.

Aliás, a cada amostragem deste vitorioso Projeto de nosso

Sodalício, podem-se constatar o crescimento do número de

participantes (graças também à abrangência da Internet no

trabalho de divulgação bem elaborado), como também o

apuramento da qualidade dos trabalhos apresentados.

Page 7: 21º Concurso Literario SJBVista - Antologia 2013

– 04 –

Reconheço-me um analista minucioso, mormente no

gênero Poesia, em que as composições metrificadas merecem-me

algum rigor, talvez na literatura contemporânea não tanto

considerado.

Meus cumprimentos a todos, organizadores, avaliadores e

concorrentes, com meus augúrios aos leitores do melhor proveito

desta obra.

Antônio “Nino” Barbin

Cadeira nº 27

Patrono Érico Veríssimo

Patrono do XXI Concurso Literário de Poesia e Prosa

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– 05 –

PALAVRAS DA COORDENADORA

Foi mesmo uma grata missão coordenar esse conceituado

Concurso Literário em sua XXI edição.

Um Concurso que atinge sua maioridade e que tem o

respeito de todos os amantes das Letras, em suas diversas formas

de escrita.

Recebemos inscrições de 25 Estados brasileiros, incluindo

o Distrito Federal, e de 7 países.

A Academia de Letras acreditando em sua missão de

divulgar nossa Língua respira aliviada sabendo que mais uma vez

cumpriu sua missão.

Agradeço imensamente a confiança depositada em mim,

por nossa Presidente Lucelena Maia. Agradeço a generosidade de

nossos jurados: Carmem Lia Batista Botelho Romano, Gilda

Magalhães Nardoto, Luiz Antonio Spada, Jorge Gutemberg

Splettstoser, Lauro Augusto Bittencourt Borges, Vedionil do

Império. Ainda agradeço o cuidado de nosso Patrono Antônio

“Nino” Barbin, na revisão ortográfica dos textos selecionados, a

dedicação de nossa assistente de secretaria Grazielle Moreno e ao

meu queridíssimo esposo, Julio Lima, esteio e parceiro de minha

vida em todos os momentos.

Page 9: 21º Concurso Literario SJBVista - Antologia 2013

– 06 –

Um evento desse porte só se faz com essas parcerias todas,

de nossa equipe e de vocês escritores que nos enviaram seus

trabalhos, a quem agradecemos a confiança e respeito.

Foram 558 trabalhos aceitos e vários outros

desclassificados por não cumprirem algumas regras.

Que venham outros! Que mais e mais pessoas escrevam e

participem!

A Língua Portuguesa agradece, e nós amantes das Letras,

também!

Silvia Ferrante

Cadeira nº 9

Patrono Raul de Leoni

Coordenadora do XXI Concurso Literário de Poesia e Prosa

da Academia de letras de São João da Boa Vista

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– 07 –

POESIAJURADOS:

Carmem Lia Batista Botelho Romano

Gilda Magalhães Nardoto

Luiz Antonio Spada

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1º LugarPoesia até 12 anos

Desde pequeninaPedia pros meus paisUm bicho de estimação,Mas devido à alergiaDisse o doutor João:“Animal de estimação, não!”

Amanheceu um belo dia,Tocou o telefone.Era minha tia“Venha até aqui,Arrumei para vocêsUm filhote de jabuti.”

Quando vi o filhotinho,Quis logo pegar na mão,Mas como era bem pequenaLevei um arranhão.Fiquei tão assustadaQue joguei ele no chão.

Para a sorte do bichinho,Nada de ruim aconteceu.Foi só um grande sustoE ele sobreviveu.Foi uma grande alegria,Quis chamá-lo de Sofia.

Bicho de Estimação

Page 13: 21º Concurso Literario SJBVista - Antologia 2013

– 09 –

Passados alguns meses,Fomos ao veterinárioE depois de examiná-loVeio o noticiário:Se tem um buraco embaixoÉ porque o bicho é macho.”

Depois dessa surpresa,Se Sofia é macho,Devo trocar o nome, eu acho,Pois, com certeza,O bicho outro nome pede.Então, resolvi batizá-lo de Fred.

Hoje Fred tem 7 anosE vive no meu jardim.Gosta de frutas, verduras e ração.Espero que viva bastante, pois assimPosso presentear meus filhosCom o meu bicho de estimação...

Lara Mauro de Araújo - 11 anos

São João da Boa Vista - São Paulo

Anglo São João – Ensino Fundamental

Professora: Adriele Oliveira Fernandes

Page 14: 21º Concurso Literario SJBVista - Antologia 2013

– 10 –

2º LugarPoesia até 12 anos

Quem não quer ser o seu próprio autor?Construtor ou escritor?Escolher o seu jeito de serTambém lhe faz escolher o que não ser.

Antes de você conhecer a sua vida,Ela já havia sido escritaE já foi lida.Antes de você fazer a sua história,Antes de viver o que escolheu como glória,Já existia a sua história, em uma memória.

Alguém lá em cimaEm um maravilhoso climaFez sua vida, e ficou perfeito,Mas você mudou pra ficar do seu jeito.

Às vezes acertou,Às vezes errou.Sonhos, raiva, amor...Mas foi você o autor.

O tempo que passa é um livro que fecha,Mas você recomeça, um novo livro se abre como uma festa.Cada página é um diaQue pode estar cheia de alegria.Cada linha é uma horaE o que você escreve agoraJá forma o seu livro de história.

Escrevendo a sua história

Page 15: 21º Concurso Literario SJBVista - Antologia 2013

– 11 –

A vida pode ser pouca,Pode até ser louca.Vamos aproveitar o melhor possívelPra não ter uma vida horrível.

Você não escolhe o dom da sua vida,Mas escolhe como ela vai ser vivida.

Louise Jacob Vieczorek - 12 anos

Rio de Janeiro - RJ

Colégio Ernani Cardoso

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3º LugarPoesia até 12 anos

Chego da escola,Vou logo brincar.Pego minha bola,Pra bem forte chutar.

A bola atravessaA vidraça da vizinha.É bom eu me mandarJá que a culpa é toda minha

Mas de nada adianta fugir.Minha mãe logo vai descobrirE dirá: “Já pro seu quarto!Vê se sossega!”

Então, o jeito é dormir.E quem disse que eu durmo?Sou menino agitado, diurno!

E me ponho a pensarQue tudo faz parteDessa fase da vidaQue se chama infância:Brincar, pular e fazer arteÉ ser feliz, é ser criança!

Ser criança

Ronaldo Noronha Paiva - 9 anosSão João da Boa Vista - SP

Anglo São João – Ensino FundamentalProfessora: Lucinda Noronha

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1º LugarPoesia de 13 a 18 anos

De palavra em palavrasalta a emoção,emoção que do livrotransborda sobre mimem forma de chuva de saber.

Nem todo mundo gosta de se verabaixo de uma tempestade de ideiaschamada livro, mashá outros, como eu, que se deleitamsobre gotas brilhantes de magia e poesia.

Na cascata de páginas e mais páginaseu danço a ciranda da ficção.

Há animais que vivem de carne,outros de vegetais,eu vivo de poesia.

Essa seiva que escorre das páginas sábias de um livro.A cada folhear, uma torrente de prazer percorre meu corpo,a cada palavra, mais uma gota alva de poesiaque escorre por minha almae alimenta a minha imaginação.

Sou eu assim,um coração de leitor...

Coração de leitor,mil parágrafos de vida

João Gabriel Loro Estevam - 14 anosSão João da Boa Vista - SP

SESIProfessora: Marly Camargo

Page 18: 21º Concurso Literario SJBVista - Antologia 2013

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2º LugarPoesia de 13 a 18 anos

Observando os índios das “Índias Ocidentais”,já se pôde perceber a diferença,O vigor em suas palavras, o calor de suas crenças,Europeu nenhum resistiu, quis logo saber de onde vinha,

Não pense que a “terra mais garrida” apareceu em passo demágica,O solo foi muito bem preparado,por nossos ancestrais vindos da África,Pois a pátria é mãe, mas não gentil.Ela sabe que trabalho é o único aprendizado,Que faria um povo, ainda escravizado,virar um país de sonhos “mais de mil”,que logo se chamaria Brasil.

Um sonho intenso, um raio vívido; não só sonhos, mas ações,Anação passou por eras difíceis, enfrentou gigantes tribulações.De colônia foi Reino Unido,mas com seus dominantes ainda à frente.O povo ainda muito oprimido - de maneira sempre excludente -,não se acomodou inibido,jogou os dados, mas não apostou na sorte,Bradou junto a Dom Pedro (um mito),o épico “Independência ou morte”Todos hastearam o verde, amarelo e azul anil,a bandeira do novo país: meu grande e amado Brasil.

BRAVA GENTE BRASILEIRA

Aquela terra detalhada por“Caminha”,que logo se chamaria Brasil.

Page 19: 21º Concurso Literario SJBVista - Antologia 2013

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Independente era a terra, mas não os que viviam nela,que coisa mais linda, que coisa mais bela,era a mulata escravizada sem pena,que poderia muito bem ser a musa deAlencar, Iracema,e se as guerras de abolição não serviram,a Lei Áurea de 22 serviu,Para acabar com a triste escravidãoDe um agora mais livre Brasil.

Se diziam bastante livres, aqueles controlados pela ditadura,porém nem corte nem censura os faria voltar ao trabalho servil,em meio a músicas sem ternura, em meio a Tropicália e muitasdorespara não dizer que não falei das flores,falarei do brasileiro de punho fechado, falarei do povo da paixãofebril,que não se contentou com caminhar e cantar,batalhou e morreu para garantir paz no futuro (e a glória nopassado),à pátria muito mais que amada, Brasil!

Mas é na batalha diária,aquela que não se

tenta escapar,que se mostra a bravura dessa gente guerreira,onde as palmeiras são plantadas e o sabiá canta o hino,onde o cansaço não é barra e não há nenhuma barreira,onde há mistura de raças, desde o europeu até o índio,onde damos um bravo, à Brava gente Brasileira!

Levi Mota Muniz - 16 anos

Fortaleza - Ceará

Page 20: 21º Concurso Literario SJBVista - Antologia 2013

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3º LugarPoesia de 13 a 18 anos

Integridade

Em cada fresta, cada esquina, cada curva, para: integridade.Os velhos gritam aos filhos, os filhos gritam aos netos:integridade.Nas aulas as crianças, adolescentes, adultos só sabem dizer:integridade.Nas igrejas os padres, pastores, celebrantes falam, o povo cala:integridade.A cada boca, cada olhar, ouvido, inteligência: integridade.Em toda venda, pão e seda, suco e livro, parafuso ou simplescópia, é só:

[integridadeNas telas, lá na sala, nas rádios as pessoas: integridade.Em todo livro, verso, prosa, revistas ou jornal: integridade.Político, gari, juiz e enfermeira: integridade.Nos passos, nos gestos, na roda estaca e olha: integridade.Está lá: em todo abraço, beijo; : integridade.Na greve e no direito, no tiro e na morte: integridade.

Todos falam, nada ouço; tanto falo, nada ouvem.Todos condizem, nada dizem, gritam, e não sabemIntegridade.

De nada serve a palavra, está na sua boca,Minha boca, nossa boca: integridade.

Não se sabe o sentido, só se segue o pedidoTal palhaços todos pensam:Integridade!

ciao

Alex Antônio Rosa Costa – 18 anosPouso Alegre – MG

Page 21: 21º Concurso Literario SJBVista - Antologia 2013

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1º LugarPoesia de 19 a 39 anos

Eu olhara acima. Onde o firmamento?

Lá achara a Lua sem o céu. Pensara:

“Como pode a Lua, em sua beleza rara,

Surgir sem o céu? Tamanho atrevimento!”

Começara a busca no mesmo momento:

Por detrás de estrelas nada encontrara,

Dentre uma nuvem que se dispersara

Nada encontrara que não fosse vento.

Mas havia em mim algum pressentimento:

Tal anoitecer jamais seria isento

De um céu presente. Logo eu o achara!

Eu seguira um brilho e neste movimento

Descobrira o céu, fugira o desalento:

Encontrara os olhos teus, a noite clara!

SONETO DA NOITE CLARA

Marcelo Augusto Araújo de Oliveira – 25 anos

São Paulo - SP

Page 22: 21º Concurso Literario SJBVista - Antologia 2013

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2º LugarPoesia de 19 a 39 anos

O cosmos executa sua ária

Que à voz do vate exausto coaduna...

Inchados olhos, álgida coluna

Na mediunidade literária.

A boca, errando a glândula mamária,

Bebeu da vida a bílis oportuna

Fazendo-se inimiga da fortuna,

Arauto da explosão originária...

O bardo percebeu em sua ode

Que quando uma galáxia explode

Não sente sua falta o Universo.

Assim também a morte me ressalta

Que enquanto morro aos poucos (verso a verso)

Ninguém no mundo sente a minha falta.

SONETO DA MEDIUNIDADELITERÁRIA

Paulo Rômulo Aquino de Souza – 28 anosIguatu - CE

Page 23: 21º Concurso Literario SJBVista - Antologia 2013

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3º LugarPoesia de 19 a 39 anos

Sou uma borboleta esquecida,Sou uma menina aborrecida.É triste não ter tempo para brincar,Não ter o direito como outras crianças de estudar.Estou caminhando em uma dolorida direção,Meu futuro não está mais em minhas mãos.

Sou uma borboleta esquecida,Sou uma adolescente que conhece os podres da vida.Há muito tempo que não sei o que é sorrirPara comer tenho que me prostituir.Tenho inveja de algumas garotas da minha idade,Elas, sim, sabem o que é a felicidade.

Sou uma borboleta esquecida,Sou uma mulher bastante vivida.Sensação amarga de nunca ser amada,Saber o tamanho da dor de uma pancada.Meu único filho morreu de frio e fome,Uma dor que aos pouco me consome.

Sou uma borboleta esquecida,Sou uma velha esquecida.Olho para trás e vejo um passado feroz,Que quando conto a minha história perco a minha voz.Um passado que não tem como apagar,Uma cicatriz eterna que me faz chorar.

Fui uma borboleta esquecida,Que não teve oportunidades na vida.

BORBOLETA ESQUECIDA

Fernanda Azevedo de Morais - 24 anosPorteirão - GO

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1º LugarPoesia de 40 a 59 anos

Eram ilhas de geloQue asilavam a ira e os que ansiavam,As quais o tempo encerrou-as ao olvidoAs muitas sagas que lá sucederam.Ah, o coração da princesa imploraEntre os belos seios que receiam!

Como é inflamada a alma do homem!A lua está alta: o frio exorta.

Os lobos uivam alertas; os corvos adejam de prontidãoAo ouvirem o resoluto tropel dos que aportam.

Ah, o coração da princesa imploraEntre os belos seios que receiam!

Catapultas, lanças; bramidos de ferro e fogo.Os passos metálicos dos arneses corrompem o reino;Espalham opróbio e medo no ambiente candenteQue recende a enxofre e sangue como no averno.Ah, o coração da princesa imploraEntre os belos seios que receiam!

Acuada em incertezas sob ruiva cabeleiraO incorrupto amado de corselete a defende,

Cuja espada já pressente a perdaNa trêmula mão que a empunha.

Ah, o coração da princesa imploraEntre os belos seios que receiam!

A ELEGIA PERDIDA

Page 25: 21º Concurso Literario SJBVista - Antologia 2013

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As valquírias o conduzem até Odim.Seu povo chora lágrimas de pranto e chamas.Um filho engendra-se no ventre agora indefeso;Premida, roga compaixão ao réprobo rei.Ah, o coração da princesa imploraEntre os belos seios que receiam!

Jograis já cantavam essa elegia,Que áugures vaticinaram em runas arcanas.

Destino que o Insondável fez-se cumprir,Nessas sagas do gelo que os séculos encerrou-as ao olvido.

Ah, o coração da princesa imploraEntre os belos seios que receiam!

Para resgatar a honraE reparar a desonra que assombra sua glória,Em memória de sua mãe,O parricida capitula o reino do pai algoz.Ah, o coração da princesa imploraEntre os belos seios que receiam!

Em Asgard, a harpa rememora essa história.

João Lisboa Cotta - 53 anos

Ponte Nova – MG

Page 26: 21º Concurso Literario SJBVista - Antologia 2013

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2º LugarPoesia de 40 a 59 anos

Meu caro Gonçalves Dias!O que eu tenho a te dizerSei que tu não vais gostar

Nossa terra não é maisO que foi antigamente

Extinguiram-se as palmeiras

O sabiá não tem lugarPara o seu canto gorjear

Nossa terra brasileiraJá não tem tantos primores

Fico aqui sempre a pensar

Cadê aqueles prazeresQue tu encontravas cá?

Saudoso Gonçalves Dias!

As palmeiras e os sabiásTambém queria avistar

Permita-me, ó Deus, que um diaTudo volte ao seu lugar!

Canção para nosso(s) Dias

Jussara C. Godinho - 55 anosCaxias do Sul – RS

Page 27: 21º Concurso Literario SJBVista - Antologia 2013

– 23 –

3º LugarPoesia de 40 a 59 anos

Foi um encontrona mesma estradasó com palavrase mais nada.

Então surgiutão de repenteum amor loucotão diferente.

O seu sorrisonão posso vere o seu toquenão posso ter.

Mas imaginocomo seria

sentir seus lábios...Adoraria.

É tão distante,é tão presente,uma paixãotão diferente.

É tão ligeironosso contato,é tão restritoo nosso papo.

AMOR DIFERENTE

Page 28: 21º Concurso Literario SJBVista - Antologia 2013

– 24 –

Mas mesmo assimonipresentesinto a paixãotão diferente.

Vamos trilhandonosso caminhode tantas pedrasmuitos espinhos.

Vamos seguindo,vamos em frente,nossos instintoscontra a corrente.

Para onde vamos?nem nós sabemos,

só o destino,se nele cremos.

Eliana Ruiz Jimenez - 52 anos

Balneário Camboriú - SC

Page 29: 21º Concurso Literario SJBVista - Antologia 2013

– 25 –

1º Lugar

Poesia acima de 60 anos

Não tenho pressa, nem necessidade,

Não me afobo, nem sou de correria,

Vem comigo toda a felicidade

De achar em cada canto uma poesia.

Para sempre estarei nessa idade

Em que ninguém mais pensa no outro dia,

Qualquer hora pra mim tem caridade

E cada amanhecer é uma alegria.

Nessa idade, que dizem é a melhor,

Nenhum degrau impede meu avanço,

Nem recuos seguram minha vontade,

Não é boa, mas também não é a pior,

Eu não luto, mas não quero descanso;

Pois descanso terei na eternidade.

Pouco Soneto pra muita idade

Lídia Varela Sendin - 66 anos

Piracicaba - SP

Page 30: 21º Concurso Literario SJBVista - Antologia 2013

– 26 –

2º Lugar

Poesia acima de 60 anos

Num banco de jardim olho pro infinito.

Na busca de algo ou alguém, talvez um mito.

Desatentas, pessoas andam apressadas.

Parecem um bando de formigas assustadas.

Nada falam, mas sugerem com um olhar,

Tentando ajudar? Talvez querendo zombar.

Vejo vários rostos, mas segue a solidão,

Mesmo assim, espero que me estendam a mão.

A sina persiste sem trégua, todo instante,

Mas, o objetivo está longe, mui distante.

Olho o horizonte pedindo ajuda ao vento.

Passando toda a madrugada ao relento.

Amanhece... Novo ciclo com mais tensão.

E eu sozinho ao lado da solidão!...

SOLIDÃO

Newton de Souza Nazareth - 76 anos

Rio de Janeiro – RJ

Page 31: 21º Concurso Literario SJBVista - Antologia 2013

– 27 –

3º LugarPoesia acima de 60 anos

Manhã ensolarada.Claudicante,a cabeleira branca resplandecendo ao sol,o homem caminha curvadoao peso da idadee das intempéries da vida.Leva na mão uma rosa vermelha.A mulher que passa,enternecida se detém:- ?O homem sorri tristemente,

Perplexa, a mulher se afasta.Quebrara-se o encanto do momento.Vai refletindo, se perguntandose há algo mais desprezível que o tempoque com seu pincel perversoretira de cada um o viço,e expõe à velhice a sua finitude.A rosa vermelha é agorauma ferida que sangra...

A rosa vermelha

Uma rosa para sua mulher

- Não, é sua, combina com você.

Minha mulher já é cinza

dispersa pelo vento.

Maria Apparecida S. Coquemala

Itararé - SP

Page 32: 21º Concurso Literario SJBVista - Antologia 2013

– 28 –

PROSAJURADOS:

Jorge Gutemberg Splettstoser

Lauro Augusto Bittencourt Borges

Vedionil do Império

Page 33: 21º Concurso Literario SJBVista - Antologia 2013
Page 34: 21º Concurso Literario SJBVista - Antologia 2013

– 29 –

1º LugarProsa até 12 anos

Havia uma rainha que estava grávida de gêmeas, mas ficou

muito doente. Então o rei achou uma flor mágica, que a mãe Gotel

e a bruxa Zezinha, que eram más, usavam para ficar jovens. Elas

nunca se viram, mas ficaram sabendo que a flor mágica foi achada.

Arainha ficou bem e as duas menininhas nasceram.

As duas más foram tentar pegar a flor, mas não dava para

tirar a mágica das crianças. Então, roubaram os bebês, e elas

cresceram uma longe da outra.

Ao completarem 16 anos, por coincidência, as princesas

fugiram enquanto as bruxas estavam viajando e foram para a

cidade. Lá, encontraram-se e ficaram superamigas. Passaram um

mês longe de casa, e no outro dia conheceram um príncipe que

ficou amigo delas. Em seguida, ele contou a notícia sobre duas

princesas desaparecidas havia 16 anos.

No dia seguinte, elas pensaram no assunto e foram até o

castelo perguntar se as gêmeas eram elas. Encontraram-se com a

rainha que confirmou o que suspeitavam. O reencontro entre mãe

e filhas foi emocionante e, a partir desse dia, elas ficaram no

castelo para sempre juntas.

O FEITIÇO CONTRA O CORAÇÃOMENTIROSO

Page 35: 21º Concurso Literario SJBVista - Antologia 2013

– 30 –

O príncipe continuou sendo muito amigo das duas

princesas. Já as duas bruxas más ficaram presas em uma das

torres, pois antes de saírem enfeitiçaram o local com a seguinte

mensagem: “Nunca liberte o coração mentiroso dessa torre”.

Como as gêmeas nunca mentiram, foram libertadas para sempre.

Porém, as bruxas ficaram presas, eternamente, e pagaram caro por

suas mentiras.

Lara Ferraz dos Santos Ferreira - 10 anos

São João da Boa Vista - SP

Anglo São João – Ensino Fundamental

Professora: Lucinda Noronha

Page 36: 21º Concurso Literario SJBVista - Antologia 2013

– 31 –

2º LugarProsa até 12 anos

O consumismo é o ato de consumir produtos de formaexagerada. Em alguns casos pode tornar-se uma doença, (umaespécie de vício).Muitas pessoas, para livrar-se de seus problemas, vão às compras,compram coisas sem ter necessidades, por total impulso.

Hoje em dia o consumismo também está entre osadolescentes. Nesse caso os pais devem dialogar com seus filhos,para que eles entendam o que é e quando podem comprar. Porquemuitos pais dão tudo o que os filhos querem e depois, em relação atudo que envolve dinheiro, uma pessoa pode ser consideradaconsumista, quando dá preferência a ir ao shopping a qualqueroutro tipo de passeio e faz compras até que o limite de crédito quepossui se exceda.

Existe tratamento para consumismo? Sim. Nesse caso,devem fazer tratamento com psicólogos, que ajudarão essaspessoas a entender suas angústias e a controlá-las. A educaçãocompleta passa por ensinar os limites em cada etapa da vida, issovale tanto para os pais como para os adolescentes. Viver com maissimplicidade pode ser o primeiro passo para evitar semprenecessidades banais e o que dá sentido à vida vai além do dinheiro,e não custa nada.

O CONSUMISMO

Stephany Aparecida Sorato - 12 anosSão João da Boa vista – SP

EE “Cel. Cristiano Osório de Oliveira”Professora: Viviane de Souza Rocha

Page 37: 21º Concurso Literario SJBVista - Antologia 2013

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3º LugarProsa até 12 anos

Antes, mas bem antes, existia um garoto chamado Mário e osonho dele era ser profissional em futebol.

Mário morava em São Paulo e, na Bahia, iria ter um teste paraselecionar os melhores jogadores que participariam da equipeprofissional. Ele implorou para seus pais comprarem umapassagem de avião para a Bahia, pois queria muito participardesse teste.

Ele foi, fez o teste e foi escolhido. Ficou muito feliz, mas tevede ficar treinando sem parar e ficou um ano e meio sem ver os pais.Mário tinha apenas quatorze anos.

Não era fácil assim realizar seu sonho, não era apenas chutar abola em campo, era muito mais que isso: era acreditar nelemesmo, em Deus e no seu futuro.

Um dia antes da final do campeonato, ele machucou a perna,mas, mesmo sentindo muitas dores, não desistiu e, no jogo final,ele entrou no campo e jogou com o coração e realizou seu sonho deser campeão.

Mário foi considerado o melhor jogador do campeonato e,mesmo sentindo muitas dores, teve a certeza de que todos os seusesforços tinham valido a pena e se emocionou ao ouvir todo oestádio gritar o seu nome.

Nunca Desista dos seus Sonhos

Laura Costa Azevedo Loup - 8 anosSão João da Boa Vista - SP

Anglo São João – Ensino Fundamental IProfessora: Roseana Maria Dutra Liberali

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1º LugarProsa de 13 a 18 anos

Propuseram-me contar meu modesto cotidiano. Paraenfocar mais essa fatídica proposta - e infeliz, para quem lerá -,escolhi uma manhã de inverno atípica.

Estava frio, nevava a cântaros. Não era aconselhável aqualquer ser vivo, que não fosse um urso polar, sair de sua toca;mas trabalho é trabalho e tive que viver meus empenhos damadrugada não sonolenta. Eram cinco da manhã, o sol não haviaainda dado o sinal de sua exuberante existência, e eu pulei, comoum rato envenenado, de minha cama – leito confortável, demadeira maciça e colchão D33, que se esticava por um cômodorelativamente minúsculo, mas com algum conforto para umsolteirão da minha idade. Senti, sem pretensões, um interruptor delâmpada à minha mão.Apertei-o. Não que isso requeresse maioresesforços, mas arderam meu punho vermelho e minhas fibrasóticas ao imaginar que o meu dia deveria ter, pelo menos, 30 horas.Vesti-me, sem banho, com de pele de urso, meias “à lá

de pura lã sulista e fui à caça, no armário de umacozinha tão ínfima quanto poderia ser um banheiro de ônibus,porém limpinha e cuidadosamente organizada por mim, de algopara forrar meu estômago. Algo que poderia ser a minha únicarefeição do dia atordoado e atarefado – o mesmo desejo a meuspiores inimigos e fornecedores de meu asqueroso sustento, quepassem por isso ao menos uma vez na vida. Chá pelando de erva-doce que colhi no quintal de uma vizinha – sob sua honrosapermissão, claro – com biscoitinhos de nata que minha queridaavozinha deu-me.

Insólito cotidiano: estrangeirodo mundo real

toilletes

soccer player”

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Não satisfeito, arrebatei meu desjejum com doiscomprimidos obrigatórios: um para controlar a minha pressãoarterial, o outro, minha depressão, com muita água (“muito” éalgo raro para meus padrões, mas água eu podia esbanjar nestaépoca, mesmo congelada). Servi-me de meus manuscritos, meuslivros, minhas notas sobre o dia a que venho em relato – malditospapeis que não se esgotavam mais. Pensei cinco longas vezesantes de pôr os pés, o restante de meu cansado e maltratado corpo eminha alma desprovida de pensamentos não rotineiros, para forade casa. Era obrigação: muito queria eu ficar, mas deveras tinha deir-me àquele afã. O sol já estava melancólico, dando o ar de suagraça e dizendo “Bom dia” tão ironicamente quanto Jack, oEstripador desejava boa morte às suas vítimas. Era assim, pois,que eu me sentia: uma vítima da sociedade. Sabia que não a era,cavei meu buraco com minhas próprias mãos. Enquantodesterrava, sorria; depois já lá dentro, entreguei todas as minhasesperanças ao próximo que se dispusesse a empunhar a pá e jogarum pouco mais de terra sobre mim. Ao adentrar no meuautomóvel, modelo de quatro gerações passadas, e com a latariacheia de rabiscos infantis e arranhões de descaso, escutei umsilêncio pacífico e quente, mas não confortador. Liguei meu carro,vrummm, chequei o cinto de segurança (por conseguinte, a únicasegurança que tenho na vida é de que nada segura em mim tãofortemente quanto a Dona Desgraça. Conhece-a?), tirei meu pécanhoto da embreagem e acelerei suave e destramente. Eu gostode dirigir, sentir-me livre, ao som de uma bela canção dos Stones,uma mulher linda e seminua no banco do carona, quando tiro meuCamaro verde-limão da garagem da minha casa de praia emIbiza... Só que passa um tempo, algo ronrona perto de meu órgãoauditivo, e eu acordo no mesmo leito de que falei anteriormente.Eu disse que é bom dirigir para sentir-me livre, não foi?Ah, leitor,tenha dó de mim! Nevou tanto que meu automóvel não sesênior

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alterou uma jarda do seu lugar de costume. Chorar...? Quase! Nãodesanimei, porém; precisava ir cumprir meu dever de cidadãodecente e assalariado. Posso não ter felicidade, nem o amor deuma mulher, muito menos beleza, mas tenho contas a pagar! E sãoessas mesmas que me dão motivo e ânimo a mais para seguir damaneira que vivo – ou sobrevivo. Com minha botina de courosuíço, que ganhei de minha avó como herança de meu falecidoavô, fui a pé. E com a coragem de um queniano disposto a venceruma maratona num dia de verão carioca, entreguei-me à sorte e fuiandar sete quilômetros em no máximo 30 minutos – era esse otempo restante às 06h30min da manhã.

Neste percurso – 4,35 milhas, para ficar mais universal –contei em íntimo os minutos que passavam devagar e escusei dequalquer pensamento que poderia desanimar-me, e não meentreguei ao desespero da dor nas panturrilhas e da minha úlceraestomacal. Além de minha vida, havia também, nesta trajetória,um nada muito grande e branco, umas crianças eriçadinhaszombando do meu nariz avermelhado, e alguns outros medíocresproletários como eu. É em ocasiões como esta, que eu percebiacomo a humanidade é deprimentemente fétida, estúpida e egoísta,e que eu sou só mais um entre os demais. Depois de caminhar 28minutos exatos, a plenos vapores, sob um ar de congelar pulmões,avistei a congruente a avassaladora instituição que fez de mim umzumbi desnutrido. Respirei aliviado: enfim, mais um dia deexpiação estava começando.

Sem mais delongas:- Bom dia...- Bom dia, professor!Eu era o canhão e eles, os revólveres.

Paula Fernanda dos Santos - 18 anosBocaina de Minas - MG

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2º LugarProsa de 13 a 18 anos

“Finalmente, a vida se tornou insuportável.Até que demorou...”

Mical debruçou-se no peitoral da cobertura do prédio devinte andares.

Seus amigos eram apenas pessoas que a acompanhavamnas festas e cerimônias.Ao final, eram eles quem comiam, bebiame se divertiam, e ela sempre acabava no mesmo lugar de sempre -um limbo que ela vinha construindo dentro de si. Quanto mais oabominava maior ele ficava e mais fundo ela podia ir dentro dele.Ninguém que a conhecesse de verdade, ninguém com quem elaquisesse estar quando chorava. Ao fim de tudo, quem são seusverdadeiros amigos? Aqueles que riem com você, ou aqueles quechorariam se você morresse? Por outro lado, aqueles quechorariam por você estão dispostos a rir a seu lado?

Era uma dor de cabeça insuportável. Tantas coisas nasquais ela podia pensar e tantas outras nas quais tinha que pensar. Ede qualquer forma, ela não conseguia pensar em nada. Era o queera preciso, o que era inevitável e o que era querido, e no final nãoera nada.Absolutamente nada.

Se é preciso amontoar a vida com tudo que encontramospela frente para nos sentirmos bem é porque a vida despida de todaa parafernália que fica jogada na estrada é simplesmente vazia e ovazio é bom quando se é permitido apreciá-lo. Mas Mical nãoestava sozinha. Sempre tinha um amigo para perguntar se elaestava bem, se queria um sorvete, ou para marcar um cinema.

“Pra quem vê a vida com os olhos da poesia é bem mais difícilenxergar com as luzes acesas”.

Buraco Negro

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Sempre alguém para dizer como ela devia agir, o que ela deviafazer, como devia dançar, em qual voz devia cantar. Nunca alguémque a deixasse se enterrar na solidão e encontrar ali algumconforto por mais melancólico que pudesse parecer. Ninguém queentendesse que um problema amigo é melhor que um amigoproblema. Ela estava sempre acompanhada de sua carência, suasolidão sua vontade de algo que ela não conhecia, mas não lhe erapermitido sentir isso, aproveitar, desfrutar, curtir.

Ela decidiu tornar a vida atarefada. Eram só trabalhos,obrigações, depois o balé, os passos, os shows, as entrevistas. Osalmoços, as aventuras com os amigos e ela perdeu finalmente suaessência. Já não havia mais espaço para o nada e pra mais nada. Equando ela voltou-se num belo dia para olhar para suainsignificância e solidão elas já não eram mais tão próximas.Pode-se estar sozinho quando quiser, mas não se pode ter amigosquando quiser.

Mical ficou sem nada para fazer. Parecia convidativo, masnão era. Era o inferno. Ela não sabia mais estar só. Não suportavaestar só, embora estivesse sempre sozinha mesmo quando estavaacompanhada. E foi quando ela se viu sem nada. Até seu nadahavia lhe deixado. E a vida se tornou finalmente insuportável. Nãocostumava falar, só costumava pensar, mas dessa vez falou. Abriua boca só um pouco e deixou só uma lágrima escorrer, por que elaera forte, mas já havia tentado de tudo.

“Finalmente, a vida se tornou insuportável. Até quedemorou...”

Subiu no parapeito e deixou seu corpo cair até o chão.No dia seguinte a rua estava interditada e todos queriam

vê-la, mas ela finalmente não ligava. Não estava mais ali.

Hádassa Tavares da Cruz Sala - 16 anosSocorro - SP

Escola Estadual José Franco Craveiro

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3º LugarProsa de 13 a 18 anos

Tudo começou quando tínhamos cerca de 6 anos, me lembrobem. Eu brincava de casinha e amarelinha com as garotinhas darua, enquanto você e o restante dos garotos, brincavam de pega-pega, jogavam bola e viviam querendo atrapalhar nossasbrincadeiras. Lembro que eu, de longe, te olhava querendo um diafalar com eles, sem malícia, na minha inocência de menina, que sóqueria brincar, fazer amigos novos.

Não sei exatamente o porquê, talvez seja por não ter tido umirmão ou algum contato masculino, só sei que mais do quequalquer coisa, queria amigos assim um dia. Tudo o que diziamminhas amiguinhas era que "meninos são todos uns bobos", maseu, ao contrário delas, achava divertida a ideia de sair correndo poraí e ralar os joelhos. Não que eu realmente quisesse ralá-los, naverdade, estava era enjoada de brigar o tempo inteiro por bonecase no final, todas nós, meninas, sairmos chorando, cada uma indopara sua casa. Meninos eram tão mais unidos! Quase nãobrigavam e quando isso acontecia, bastavam 5 minutos e já estavatudo bem novamente.

Passaram os anos e quando estava na 5ªsérie parecia que, apesarde ter passado minha infância inteira naquele bairro, não conheciameus vizinhos, meus colegas que viviam brincando comigo.Agora, na mesma sala que eles, só nesse ano escolar eu pudeperceber o quanto cada um havia mudado. As meninas, estavamagora mais bonitinhas e totalmente delicadas, se preocupavamcom a aparência acima de tudo. Já os meninos, bom, eles nãopareciam mais tão insuportáveis quanto antes, nenhum deles e

No leito da nostalgia

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apesar de ainda imaturos se comparados a elas, eles tinhamevoluído de certa maneira.Entretanto, mesmo com todas as mudanças, havia um deles quepara mim, continuava o mesmo. Reconheceria aquele meninomesmo depois de 10, 20, 30 anos, bastava ele olhar pra mim, olharnenhum me deixava tão preocupada. Não sei ao certo, imaginoque devido ao modo como eu desejava ser sua amiga e ao mesmotempo, não quisesse, jamais, que ele descobrisse isso. Talvez, emmeio a tantos meninos ele tivesse algo em especial, porque apesarde o tempo ter passado, nunca conseguimos conversar antes. Omenino que mais parecia me interessar e que eu mais sonhava emum dia ser amiga (mesmo não sabendo o motivo) era aquele comquem eu nunca tinha falado antes.

Mas no ano seguinte, talvez pelo destino, tudo mudou. Minhaantiga turma se afastou. Agora, éramos apenas "meros colegas" enos falávamos raramente. Isso porque, achamos e criamos, cadaum, suas próprias "panelinhas". Como já era de se esperar, não mejuntei às meninas, achava todas elas mimadas e vaidosas demais.Conversava de vez em quando com os garotos, mas parecia-meque eles preferiam jogar vídeo game. Então, ficava sozinha, eu emeus livros. Amava ler, a leitura era meu maior vício.Sei que alguns pensavam, mas nunca me senti isolada ou infeliz,tinha amizades como qualquer outra pessoa, só não gostava daideia de ter que me "encaixar" em um grupo. Que ideia boba, se épra conversar, por que não com todo mundo? E, tinha alguémcomo eu, alguém que, por incrível que pareça, pensava do meujeito. É, foi na sexta série quando eu menos imaginava que vireiamiga dele. Era tudo uma questão de tempo mesmo, nesta vidatudo é tempo!

Aproximamo-nos naquele ano. Eu ia e voltava da escola comaquele garoto chamado Victor. Fazíamos os trabalhos juntos, as

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lições de casa. Victor virou meu melhor amigo e descobri, comisso, que ele era o único que eu tinha e podia confiar de verdade.Porque, não só naquele ano, mas em tantos outros que vieramadiante, ele sempre esteve comigo. Mesmo quando as coisaspareceram impossíveis, mesmo nos dias em que eu estiveinsuportável, ele não se importou de ficar do meu lado.

Nossa amizade se resumia a isso, um cuidava do outro. Éramostão próximos. Éramos irmãos. Os comentários maldosos dasociedade muitas vezes nos deixavam surpresos, tímidos, mas oque era isso tudo perto da nossa amizade? Não ligávamos.Poderiam falar que ele era meu namorado ou paquera quantasvezes quisessem, desde que, no final, estivéssemos juntos para rirde tudo isso. Aliás, ele me fazia rir, morrer de rir. Quando estavatriste com algo, era o mesmo que fazia de tudo para não me verchorar e se chorasse me oferecia seu ombro amigo e metranquilizava.

Na adolescência, meus pais e eu brigávamos que nem cão egato, "fugia de casa" constantemente e depois ia pra casa deledesabafar, dizendo que odiava minha família e minha vida. Ele riadisso como se fosse uma grande piada, pois sabia que dali meiahora no máximo, eu estaria em meu lar novamente, me preparandopara mais uma discussão.

Victor era o tipo certo de menino para me acalmar e talvez porisso, sentia um amor incondicional por ele. Era apenas algunsmeses mais velho que eu e mesmo assim, devido a sua maturidade,parecia um adulto. Não, eu não era apaixonada por ele e nunca fui.Era como se o achasse o melhor garoto do mundo e quisessepassar cada segundo ao seu lado, mas não tinha vontade de beijá-lo, o via como um irmão e não como um namorado, como amaioria das pessoas achava.

E foi nesse amor de irmão que vivemos por muitos e muitos

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anos. Ele me contava das meninas e eu dos caras. Nossa amizadeera mais do que todas as outras por aí, era uma irmandade. Nuncadesistimos um do outro, sempre juntos, fazíamos isso um pelooutro.

Mas no meu 18º e último aniversário, por acaso, foidiagnosticado num exame um câncer raro, capaz de tirar minhavida em menos de 6 meses. Foi uma luta.

Meus pais ficaram apavorados. Meus amigos e Victor, meumelhor amigo. Acho que ele foi a primeira pessoa, exceto minhamãe, que se culpou a cada momento por isso. Sempre quis que elesentendessem, não era culpa deles. Aliás, a culpa não era deninguém. Afinal, até eu já havia entendido que esse era o meudestino, era o que estava preparado para mim. Então por que elesse culpavam tanto? Era algo que ninguém poderia evitar.

Porém, o que me chateava não era a ideia da morte e sim de veras pessoas com pena de mim. O que era isso? Pena por que eu tinhaos "dias contados?" Meus meses eram tão limitados quanto osdeles, oras!

Besteira. Esse último tempo que passei valeu por uma vidainteira.Aproveitei. É, aproveitei muito, já que, apesar de ter de meadaptar a esse câncer, eu soube aproveitá-lo como uma novachance pra ver o mundo, uma chance de viver tudo o que há pra servivido. Uma nova chance para ser feliz.

E foi no 5º e penúltimo mês que eu resolvi não sair de casa mais.Queria me "preparar" para minha partida que ocorreria em breve epensando nela, escrevi uma pequena carta para meus pais,agradecendo-os e me desculpando por absolutamente tudo.Semanas depois tive um sonho, motivo pelo qual meus familiaresestão lendo este texto. Esse sonho me falou sobre meu último diana Terra e resolvi escrever sobre ele.

Bom, de alguma maneira, acredito que mesmo sem o sonho, eu

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saberia que hoje é meu último dia por aqui. Acordei e da janela demeu quarto pude ver o céu mais azul e mais bonito que meus olhosjá viram. Acordei com o canto dos passarinhos que, anos antes, euestaria reclamando por terem me acordado tão cedo. Pude acordare ver a rua em que tanto brinquei quando criança. Bateu saudade.Vi a casa de Victor do outro lado da rua, dei meu adeus de coraçãoao meu melhor amigo. Depois olhei para meu quarto, os móveisque com tanto esforço, meus pais compraram. Observei tambémminhas roupas, das mais antigas até as mais novas. Realmente,nunca me deixaram faltar nada. Dei uma olhada rápida para mim,no reflexo do espelho, quem diria que aquela menininha já tinhaagora seus 18 anos? Lembrei-me também que sempre quis serpsicóloga ou trabalhar com algo que envolvesse meu amor porlivros. É, eu realmente não pude ser psicóloga, mas tiveoportunidade de ser o que muitas pessoas não foram. Pude serfeliz. Eu soube ser feliz apesar de tudo. E quer saber? É isso o quevale pra vida, porque se não for feliz, ninguém será por você. Porisso ria, ame, dance, cante, faça amigos, conheça lugares, viva!Aproveite ao máximo e nada será em vão. Pois mesmo deixandouma família, um "amigo-irmão" e tanta coisa para trás, eu estoufeliz em saber que fiz tudo o que tinha de fazer. Eu cumpri minhamissão e apesar de saber que daqui poucos minutos não estareimais presente, fico em paz. Aqueles que amo sempre irão estarcomigo, independentemente do lugar. Olhem para o céu azul noinverno ou a noite, para uma estrela a brilhar, eu vou estar lá,prometo.

Letícia Gabriel Viana - 14 anos

São João da Boa Vista – SP

SESI

Marly CamargoProfessora:

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1º LugarProsa de 19 a 39 anos

Eu sou apenas um nome de mulher gravado no avesso de

um coração. Nasci do amor, que acreditavam eterno. Foram dois

anos de uma quase vida feliz, passeando, dançando, sonhando por

tabela. Mas o amor era passageiro, coisa de pele, e se foi com o

tempo. Tornei-me figura indesejável, declarando um sentimento

que não existe mais.

Era questão de tempo para que se decretasse também o

meu fim. Há meses ouço meu dono dizer que já não faço mais

sentido. Resto do amor que ele, a custo, arrancou do peito.

Lembro-me do dia em que descobriu que a sua Julieta não

era sequer sombra da shakespeariana. A reunião de trabalho no

restaurante. A moça de costas na outra mesa. O perfume familiar.

O homem tocando gentilmente o seu rosto. Os segundos que

antecederam o óbvio. O beijo. A mão trêmula. A taça quebrada. O

encontro de olhares. Traído e traidora. O resto do mundo. O

choque. Os gritos, o choro, o silêncio. Em vão. O vinho

derramado.

No início, a dor dele. As fotos rasgadas, as latas de cerveja

se acumulando pelos móveis, a barba por fazer, cacos do coração.

Depois, a minha dor. O sofrimento transpassava seu peito e me

atingia. eu me perguntava. O livro abandonado em um

canto da sala não me deixava enganar. Ele era o meu Romeu, mas

eu era apenas a marca de um amor moribundo.

Coisa de pele

Por quê?

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O olhar doce que antes me dirigia através do espelho era

agora desgosto saltando-lhe da face. Ele não podia suportar, eu

também não.

Por isso não me surpreendi quando sentenciou minha

morte. Uma parte de mim sussurrava a defesa perfeita:

. Mas minha versão altruísta se entregou

abertamente à marcha fúnebre, que me conduz ao vazio.

Meu Romeu parte agora. A noite fria não o impede de sair.

Ele caminha sem pressa sob a lua inconstante.

No estúdio de tatuagem, diz qualquer coisa ao homem

povoado de seres, que reconhecem o meu sofrimento. A serpente

no braço do carrasco ri debochada. Os outros me olham com pesar.

Encontro empatia apenas nas curvas de uma tribal, disfarce de

uma paixão desenganada.

Mas quando meu amado tira a camisa e se deita na mesa,

percebo que não há volta. Tento me lembrar de uma oração. A

pomada anestésica me entorpece. O medo se vai com o tempo e

com a tinta que me vivifica.As letras que me davam corpo somem

uma a uma com seus arabescos, e Julieta é arrancada aos gritos da

história de Romeu. O carrasco orgulhoso conclui o seu trabalho,

mas, de alguma forma, permaneço.

Sou apenas mácula languidamente enraizada na pele, mas

ainda sou. E enquanto eu souber como amar, estarei aqui.

Que há

num simples nome? O que chamamos rosa, sob outra designação

teria igual perfume

Márcia de Oliveira Gomes - 33 anosRio de Janeiro - RJ

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2º LugarProsa de 19 a 39 anos

Quando vejo uma ínfima parte do nosso imensuráveluniverso, percebo o quão pequenos e insignificantes somos notempo e no espaço, não passamos de meros coadjuvantes nesteespetáculo cósmico de 13,7 bilhões de anos. Senhores de si,cremo-nos o ápice da evolução, a primazia dos seres, esquecendo-nos de que somos apenas um elo nesta interminável cadeia deespécies, que entre evoluções e extinções, compartilharam ouainda compartilham este mesmo pedaço de rocha errante.

Sim, somos únicos sob um aspecto, ao menos nesteplaneta. Somos seres providos de autoconsciência. Cientes denossa finitude e capazes de estabelecer conjecturas, lançamo-nosao desconhecido. A princípio para garantirmos nossa própriasobrevivência, e ao longo do tempo, para suprirmos asnecessidades que surgiam à medida em que cada grupo socialevoluía e singularizava-se, transformando-se em uma sociedadecom cultura, economia e organização política próprias.

Desbravamos territórios, apoderamo-nos de todos oshabitats, alteramos significativamente a face do mundo.Entretanto, esta busca frenética e incessante, que outrora impeliu-nos além das fronteiras, agora nos aprisiona. Guiados peloconsumismo descabido, mecanizamos nosso mundo material,nossas ações, nossas almas, nos perdemos de nós mesmos, nãoolhamos mais nos olhos, não sentimos mais o toque, não ouvimosmais a voz. Somos 7 bilhões de vazio, solidão e silêncio,caminhando em um pálido corpo celeste suspenso no espaço.

Voyager

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Nos prendemos à mesquinhez, ao individualismo,substituímos valores por futilidades, julgamos e condenamos acor, a escolha, o diferente. E assim seguimos. A cada passo umdescompasso desenfreado rumo a um futuro corrompido porsistemas que nos fogem à compreensão, causando incertezas edesolação. E assim retrocedemos. A cada passo nos tornamosseres humanos desumanizados, desprovidos de sutileza,compaixão, altruísmo.

Talvez precisemos olhar mais para o céu e além dele, paraenxergarmos, com olhos mais humildes, dentro de nós. Talvezainda haja uma esperança remanescente nesta “caixa de pandora”,esperando para despertar e florescer em nossos corações,trazendo-nos de volta a humanidade que nos é devida.

Para que assim possamos evoluir, transformando cadapasso em uma nova perspectiva, em um novo alvorecer, mantendoa verdade da mensagem dourada enviada aos confins da ViaLáctea. Mais do que saudações, mais do que sons de ventos ebeijos, mais do que sinfonias de Bach e Mozart, uma mensagemde que em algum ponto do cosmos existe ou existiu umacivilização “realmente” humana.

Liege Karyj Martins - 30 anosUbatuba - SP

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3º LugarProsa de 19 a 39 anos

Mais uma vez os olhos mortiços. Novamente a noite açoitaincômodo. Os itens para o sono tornaram-se carrascos; inimigosacesos que insistem na tortura.

Açoitam: repelem: a pele: da leve paz.Ela reprisa sua praxe tormentosa que age em “desgozo” ao que

há em vida; o mesmo que por consecutivos oito anos consome-lhea chance de qualquer prazer possível. Uma genitora – como tantasoutras – pensa onde cargas d'água se meteu sua filha: embarcadanuma dita ida não vinda. Garota simplesmente sumida semqualquer aviso, que vaga em cada espaço preocupado dessa mentemãe.

Tendo fritado por horas na cama, Nina cansa de se debater sobreseu colchão desdenhoso. Toma assento ao gemido leito e,arqueada sobre seus pensamentos, flexiona os neurônios surradosque ainda lhe podem obedecer: “Onde será que meu bebê se enfioumeu Deus?”. Suga o calor de horas apreensivas; questiona o vaziode si. Indaga se sua gerada estará comendo ou comida, se abrigadaou brigada com a vida; sadia ou débil, extinta ou ainda pisandoesta terra bandida... Trêmula, reza com mãos emaranhadas ecabeça baixa: “Pai, me dá minha menina de volta!”.

Em rápidos flashes, revive alguns momentos maternos. Obtémda cachola transtornada o desabrochar imagético de sua rebenta.Avê sentada à mesa da sala, inclinada sobre seus cadernos e lápiscoloridos de que tanto gostava. O cabelo sedoso, a escorrer pelorosto tenro, cabe como adorno de mais beleza a meio menina Vera.Sim, seus quinze anos, à época do extravio, já revelavam a poucaestrada que lhe faltava ao auge da feminilidade! Isso era ela antesde se fazer poeira e mistério; antes de transportar-se para osporquês infinitos de Nina mãe. Seu rostinho, bem apanhado ecândido, faz nascer luz à alcova coberta de negrura. A sofridamulher que a rememora, compartilha consigo momentos família.Vêm-lhe cenas várias: refeições em conjunto, brincadeiras, rixas.

Quem sou eu?

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Com seus frágeis braços fincados aos joelhos pelos cotovelosmantém, ainda de assento, a cabeça aturdida pendida às mãosinúteis. Todos os devaneios e perguntas se apresentam ante umrosto de fêmea gasta – inchado e quarentão, adepto de umaquarentena insossa desde a filha tornar-se lacuna.

Nina se abisma; não compreende porque seu passadofacilmente a visita, exceto os últimos instantes de Vera perto.Quando tenta reter algo dessas horas um vácuo breu toma suamente; obstrui ditatorialmente qualquer contato com a verdadedos oito anos saídos de Verinha (como era chamadacarinhosamente por Nina e papai), esse último um exemplo de paique se foi. Dedicou-se arduamente pelas duas – como dizia erepetia orgulhoso: mulheres da sua vida. Morreu de repente,dizem que por males da coxa. Comeu uma coxa de galinha comtanta empolgação que se engasgou incurável. Carimbou seupassaporte rumo à terra dos pés juntos, antes da sobremesa!

Viviam os três num sítio posto às reentrâncias acidentadas einterioranas da zona rural Ilheense; sim, antes que se pergunte, éaquela mesma de Jorge Amado e dos Romances que dispensamdivulgação. Eles e alguns bons criados, dispensados ao sumiço deVerinha, conviveram felizes por longa data. Dona Nina agora éoutra; não vive pra mais nada senão procurar o fruto perdido deseu ventre. Já revirou dos pés à cabeça da cidade e arredores.Imersa numa Via-Crúcis de muitos, ela percorreu desde hospitaisa hospícios. Amanheceu-se e pernoitou-se longamente aperscrutar lixos e luxos, atrás do seu maior bem. Já perdeu a contade quantos IMLS e DPTS visitou Bahia afora. Chegou até adesejar saber certeza da morte do anjo de seu sangue; issoquerendo dar jazigo a sua procissão dolorosa.

Ainda em mesma postura, Nina mira a parede frente a si comuma expressão perturbada: olhos arreganhados, cara desalinhada.Assim fica até o primeiro trançado de sol surgir, esculpindojeitosas réstias ao parir da aurora.

O sono de quem ressona insanidade não sana a sangria.De pé, após uma noite remoída, a mãe doída dá uma ida à

geladeira. Mastigar algo talvez a faça expurgar o que lhe fazdemência lenta: sem saber o que é. Cata seus chinelos com os pés

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e, após calçá-los, caminha em arrastos gastos, mas firmes. Desceuma curta escada larga de pedra. Cruza os braços ao sentir o friosorrateiro da madrugada alfinetar-lhe o corpo, coberto apenas comuma fina e emoliente camisola rosa. Defronte ao eletrodomésticoportador de gastronômicos desejos, aparenta uma tanta calma;abre sua porta gélida e esbalda-se em algumas iguarias doces – porela mesma preparadas. Sabe que suas noites são longas e famintas,por isso seu precaver é diário quanto aos abastecimentos pré-gula.Com a boca cheia e lambuzada, repentinamente lhe vem umavisão elucidadora. Paralisa sua mandíbula escancarada e todo oresto; sua língua se petrifica melada, cheia de doce comomascado.

Anestesiada. Seu olhar se apaga. A chaga se torna uma causapraga.

Suas mãos deixam deslizar ao solo um pequeno pires, o qual sedesfaz em pedaços mínimos. Seu teor adocicado se espalha;enfeita o piso da casa com uma polpa achocolatada e confeitos.Nina transita do brando ao tresloucado em segundos. Estica oscabelos e se desfigura; urra agressiva. Faz pedaços do que lhesurge aos olhos. Grita aos quatro cantos surdos daquela ruralhospedaria: “Não! Isso não! Meu bebê... Mamãe te ama!... Malnão! Não... Nunca!”. Após ir de um lado a outro, confrontada pelaverdade, vai-se ao exterior suada, inconformada.

Numa corrida ao nada, Nina apanha poeira e rastro do caminhoermo que a circunda. Conseguindo tocar o máximo de cansaço quelhe pertence, para esbaforida; ajoelha. Sob um resfolegar intensodesembainha um pequeno punhal, pouco antes atado à cintura.Aotestemunho do céu estrelado e de um denso matagal, ela crava oente cortante em seu peito. Afunda-o com força e descansa osbraços.Ainda ajoelhada, ergue a face esvaída ao alto; num mesmotempo lhe escorrem a rubra vida e uma última lágrima,arrependida. O mesmo sítio de tantas alegrias, agora se mostracemitério. A mãe culpada pelo que sofre, entrega seus últimossuspiros ao mesmo terreno onde jaz Vera. Ela tomba para trás e vê,antes de partir, o sorriso afável de sua rebenta cobrir-lhe a alma.

Elicio Santos do Nascimento - 35 anosIlhéus - Bahia

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1º LugarProsa de 40 a 59 anos

Adriana deu um passo para trás quando viu o irmão pelo olhomágico. Quantos anos? Sete, oito anos sem se verem nem sefalarem? Só podia ser aviso de morte de parente. Mas por que otrabalho de vir dar a notícia, em carne e osso?

Ele entrou com um sorriso forçado, com a barba por fazer, umtênis velho, uma camiseta polo desbotada no colarinho, o celularna mão e o hálito etílico. Adriana acolheu-o como se tivessem ohábito do encontro para um café. Convidou-o a sentar-se. Mas ele,de frente para ela, no sofá oposto. Observaram-se. E ao primeirocomentário dele, “Você não está trabalhando fora..., está?”,Adriana olhou para o bibelô, por um segundo, e foi atingida porlembranças de uma vida inteira.

O bibelô, um menino estilizado feito de pedra, dado porFabiano, lá longe, onde memória e imaginação fundiam-se sob apoeira do tempo, tendeu várias vezes ao chão, enquanto limpava aestante de livros. Não gostava do bibelô. Ele podia ter compradoalguma coisa que tivesse a ver com ela. Mas, foi logo presenteá-lacom um objeto que tão bem o representava. Também não sabia omotivo de conservá-lo ali, ano após ano, como um guardião quebarra o braço de quem deseja um livro atrás dele.

Era como se ela ainda precisasse da luta de almofadas na sala,por motivo já esquecido, da queda de braço musical (ele tinha osom, ela, a agulha nova; ele não a deixava usar o som, ela não lheemprestava a agulha nova).

Mantinha-o, enfim, como um memorial do quanto ele adesprezava em oposição ao quanto ela ainda queria o seu amor.

O comentário não era outra coisa que a compactação dossentimentos mais primevos de inveja e admiração, orgulho eextrema falta de autoestima.

Ele condensava outra frase, inaudita:

BIBELÔA meu irmão

“Fiz colegial técnico,mas consegui um bom emprego, bons carros, uma casa, uma boa

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aposentadoria, e você, com duas faculdades, não trabalha fora,depende do marido. Para quê tanto estudo?”

Variant

tour

“Não. Trabalho em casa.” – foi a resposta imediata.Ela queria acrescentar que seu trabalho era o da escrita.

Escrevia romances, contos, histórias infantis. Mas ele iria querersaber se ela já tinha ganho muito dinheiro com isso, qual era a suaeditora, se tinha sido contemplada em vários concursos literários,obtido muitos prêmios. E a sua resposta, “Escrevo porque é amelhor coisa que faço da minha vida!”, não teria a força de umamontanha jogada ao mar. Uma pesada montanha que fizesselevantar tamanha onda e que arremessasse o barquinho de suamente rumo à compreensão do sentido – o sentido que Adrianaesperava que ele alcançasse.

Mas, em vez do naufrágio, ofereceu-lhe um café fresquinho.Na cozinha, Fabiano se dispôs a relembrar a irmã mais velha,

morta havia três anos. Relatou um dos momentos maisaventureiros que passaram juntos: uma tarde em que saíram ele, aesposa, a mãe, os dois filhos pequenos e a irmã, na do pai,para um passeio até o Parque do Ibirapuera, mas foram dar emAmparo, a cento e vinte quilômetros de São Paulo, com apenasum quarto do tanque de gasolina. Uma façanha jamais repetida!

O aroma do café começou a envolvê-los. O irmão sorriu-lhe eajeitou-se mais confortavelmente à banqueta. Adriana abateu-se.Quem estava naquele carro era ela e não Fernanda, a morta. Aomenos, ele mantinha, no fundo da memória, a mesma sensação degrande proeza que ela sempre sentiu ao lembrar-se desseacontecimento. Adriana não quis sofrer a indignidade de umareação, mas num tom quase inaudível respondeu:

“Era eu quem estava junto, no carro, aquele dia!”Ele sustentou o sorriso, com os olhos no café. Depois, raspou

a garganta, e, com muitos rodeios, passeou pela memória dos pais,pela saudade da irmã morta, perambulou pelas dificuldades davida, a separação da esposa e, no fim do , acabou pedindodinheiro emprestado.

Adriana cortou um pedaço de bolo de cenoura, com coberturade chocolate, que comprara na padaria no dia anterior. Serviu-lhenum pratinho de sobremesa e cortou outro pedaço para si mesma.

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“De quanto você precisa?”“Dez mil.”Então ninguém havia morrido. Ele veio porque precisava dela.

Quantas vezes não vislumbrara essa cena, a cena em que ohumilharia até atirar de volta à sua cara a última das pedras pisadase moldadas em forma de ofensa, ressentimento, desprezo que delerecebera? E quantas vezes ela não tripudiara sobre a despeitadasoberba do irmão? Mas, naquela hora em que colocava o caféquente na xícara dele, ela o percebia esmagado, um trapinhoremendado de vida.

Se Descartes, ao dizer que o homem era “pura máquina”, nãofoi considerado louco, mas um grande filósofo, seria ela maisfilósofa ou mais louca se afirmasse que não só o corpo, mas amente do homem também sofria de automatismos, também agiacomo máquina independente de um coração ou de uma percepçãomais vívida da realidade?

Adriana percebeu, naquele instante, atingida por um raio deZeus, que seu mecanismo de reação ao seu irmão era tãoautomático quanto o mecanismo dele em relação a ela. Nunca serelacionaram como humanos, como irmãos, mas sempre comoesquemas condensados de emoções e sentimentos que, ali, diantedele, que erguia a xícara para dar o primeiro gole de café, perdiamtotalmente o sentido.

“Eu devolvo, assim que vender minha casa...”“Não precisa. É para isso que existe dinheiro!”

“Não vai ficar pesado?”“Não. Você é meu irmão! Só tem uma coisa:...”Adriana riu de si mesma. Era difícil agir como gente. Já ia

impondo uma condição: a de que ele se lembrasse que era ela,Adriana, quem lhe emprestava o dinheiro. Percebeu que olembrete seria uma forma de força-lo a algum tipo de amor, aalgum reconhecimento. Ela o amava. E isso e apenas isso, de fato,importava.

“...Bebe enquanto está quente porque, assim, é mais gostoso!”

Cláudia Cristina Guelfi Faga - 49 anosSão Paulo – SP

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1ºLugar: (EMPATE)Prosa de 40 a 59 anos

Começou como uma coisa boba, um pensamento vadio,uma fantasia. - Vai passar – ele dizia para si mesmo. Imagina só, amulher do compadre, aquele amigão desde a infância. Como é quepoderia pensar naquelas coisas com ela? Bobagem, logo passa.Mas não passava...

Eles chegavam para uma visita, um chimarrão, um dedo deprosa, e já começava o desconforto. Os dois casais sentavam navaranda, olhando aquele mundão ali em frente, o gramado, oarvoredo, as crianças brincando. Ela sentava numa cadeira,cruzava as pernas, aquelas coxas bem torneadas, os seios fartosempurrando a blusa, os bicos empinados e aquele sorriso maroto,aquelas covinhas... aí meu Deus. E aquela bunda, então: perfeita,arredondada, ainda mais quando usava a malha da academia, ocorpo enxuto, sarado, um violão. Ele tentava se concentrar naconversa do compadre:– Pois que baita seca, compadre! Não chove bem faz mais de doismeses, as lavouras tão uma judiaria, o milho amarelando. Diz quevai faltar até água pra tomar se a coisa continuar assim.- É mesmo, baita seca, compadre, não chove, as plantas tãosecando, é uma desgraceira – ele repetia, feito um papagaio. E elase mexia, trocava a posição das pernas, jogava os cabelos pra trás eele ficava desnorteado, um olho no compadre, outro nela, outro nasua mulher.

Ai meu Deus do céu, que bicho sarnoso, nunca para e nemse ajeita! Com tanta mulher dando sopa por aí ele ia se engatarjusto na comadre? - Daqui a pouco a minha mulher percebe, aí táfeita a lambança! Mas que pouca vergonha, onde é que vamosparar desse jeito – ele pensava em voz alta.

Então, saía pra tomar um ar. Passear na praça. Esfriar acabeça. Sentar num banco, ficar olhando o pessoal passando, asgurias voltando do colégio. Cada mulher! Meu Deus, o mundo tá

Desejo

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virado mesmo. Hoje, com 14, 15 aninhos já tão aí com um corpão,rebolando, jogando charminho, nhé nhé nhé. Olha aquela loira lá,que coisa mais linda... Mas dali a pouco o pensamento voltava, acabeça pendia prum lado, o olhar estanhava, a comadre, acomadre...

Ele, já perto dos quarenta, bem casado, filhos,estabelecido e com um desejo de adolescente? Como é que podia?Como é que não tomava vergonha na cara? Querer transar com acomadre, imagine só. Sim, porque não era outra coisa, não eraamor, nem paixão, era desejo mesmo. Sexo, volúpia, tesão, ali,“no más”! Vontade de ter aquele corpão só pra ele. Se imaginavapegando aquela cintura com as mãos, aquelas coxas perfeitas seabrindo, aquele dorso fininho em baixo, as costas suadas, osombros largos... Ele sentado numa cadeira, ereto, ela sentando nofalo, sexo com sexo, cavalgando.... Cabelos subindo e descendo,olhos revirados, cara de dor... - Aí meu Deus, mas quebarbaridade! Que indecência, homem, tome jeito! - ele gritavaconsigo mesmo, se xingando em pensamento.

Tentava, então, se envolver com outras coisas. - Maisatividade física, é isso que eu preciso pra desanuviar a cabeça. - Eaí se atracava a malhar, a correr, a suar. Chegava em casaextenuado. A mente leve, a endorfina, o banho quente, o corporelaxado, aquela sensação boa dos músculos doendo, sua casinha,sua esposa, o chimarrão a dois. Tudo certo... até que o compadreligava: - Podemos passar aí pra tomar um verde?

Pronto. Adeus sossego. Antes mesmo de ela chegar, ele jáse caborteava, ficava inquieto, começava andar pra lá e pra cá,janeleando, mexendo nas gavetas da cozinha, procurando nada. Opensamento não firmava, se descolava, a mulher dele ralhava: –Oh, tá surdo? Pedi pra esquentar mais água, trocar a erva mate, nãoouviu que tão chegando?- Sim, sim, já tava indo. - Ele respondia.

A mulher dele... Sim, era bonita ainda, se cuidava bem.Corpo esbelto, sempre maquiada, sorriso lindo, roupas da moda.Não tinha dúvida que a amava, era a mulher da sua vida. Por quediabos, então, não se satisfazia com ela? Por que aquele fogo

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brando lhe queimava as entranhas e ele não podia apagá-lo com apatroa? E mais: por que tinha que insistir em queimar justamenteno campo proibido, depois da cerca, com a comadre?

E a fruta roubada no quintal do vizinho, não é a melhor? Ecavalo velho não gosta de capim novo? E aquela história doinstinto herdado do homem pré-histórico, do caçador que abatiaanimais bravios, do predador que precisava de presas, coisa e tal,que justificava as escapadas do macho? Tinha até uma psicólogaque havia escrito um livro, defendendo que a mulher deveriaaceitar as infidelidades do seu homem, que era normal, tava nosangue.

Sim, alguma coisa devia ter por trás daquilo, porque osseus parceiros de futebol, depois de umas cervejas, tinham umanecessidade de contar que pulavam a cerca com a estagiária, com aaluna do curso, com a colega do outro setor. Não bastava comer.Tinham que contar, exibir o troféu, pendurar na parede. E osamigos comentando, depois:- O boca, hein? Quem diria, papou aquela loira da revisteira! Ofilho da mãe, quietinho, na dele, comendo carne fresca. - E aadmiração o deixava mais orgulhoso, mais forte, mais seguro,mais homem. Fazia bem ao ego.

E aquela sofreguidão continuava, esfolando-o,martirizando-o, desconcentrando-o no trabalho, fazendo-o ter queir ao banheiro se aliviar no meio do expediente, quando o desejolhe assaltava. Sim, porque não tinha mais hora: bastava ummomento de bobeira, uma distraçãozinha só para pensar nacomadre, naquele corpão, naquela bunda, naqueles seios... Oh!vontade desgraçada, vontade sem jeito, sem cura, sem volta.

Um dia, confessou ao amigo sobre o tesão incontrolável.Queria conselho, alento, um norte. Mas, envergonhado em dizerque queria traçar a mulher do amigo, do compadre, imagine só?Inventou que era com uma colega de trabalho. Explicou que acoisa tava crescendo, crescendo, ficando fora de controle, o corpoo chamava, hormônios borbulhando, corpos cavernosos seenchendo, coisa e tal...

O amigo ouviu e lascou na lata, sem rodeios:

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- Onde se ganha o pão, não se come a carne!E ele traduziu para si mesmo, em pensamento: - E onde se

toma o mate, também não se come...Palavras, palavras, palavras. Desejo, desejo, desejo. Oh!

coisa desgraçada, coisa sem jeito! Tinha que tomar uma atitude,fazer alguma coisa, sair do penso, penso, penso e ir para o faço,faço, faço. Aquilo estava lhe consumindo, minguando as forças,corroendo as entranhas, não aguentava mais. Assim não podiacontinuar. Já tinha feito outras pajelanças na vida, dado outrascabeçadas, metido os pés pelas mãos. Seria só mais uma, era horade resolver aquilo, desatar o nó, soltar o potro, arrebentar aporteira, desandar pelo campo, relho e relho. Fosse o que fosse.

No final de tarde, quando o compadre saía para jogarfutebol na sede do clube, lá fora, bateu à porta, ela atendeu. Estavaabafado, vestia uma minissaia preta e justa, os quadris querendoarrebentar o pano, e uma camisa regata branca, os mamilos duros,prontos para atirar. Os cabelos molhados e o cheirinho do banhocompletavam a belezura.Compadre por aqui, que surpresa! – ela ronronou por trás dascovinhas do rosto.Comadre, vou direto ao assunto – ele disse, entrando e fechando aporta com a mão trêmula, a garganta seca, um rubor incendiando acara – Vim aqui por que não aguento mais de tesão, tô puto, tôperdido e quero transar contigo. Mas se tu achar que é umdesaforo, uma pouca vergonha, a gente toma um chimarrão e ficatudo como antes.Ela fez uma cara pensativa e respondeu de pronto:Mas não é que tu me pegou sem erva mate em casa!

Edvanio Ceccon - 44 anos

Passo Fundo - RS

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2º LugarProsa de 39 a 59 anos

Acomplexidade dos simples;Aperplexidade dos ;Aarrogância dos imbecis;Aética dos incoerentes;Super-herói com tendência gay;Aestética da miséria;Ahumildade dos complexados;Avulgaridade dos ricos;O dos pobres;O cabelo engomado dos filhinhos da mamãe;O desleixo estético dos artistas;Gente cantando para fingir que está feliz;O espanto ensaiado dos incrédulos;Afalsa descrença dos ateus;O paraíso perdido dos católicos;O inferno iminente dos evangélicos;Arima desconexa do poeta;Apoesia bélica dos lideres;Gente que fala alto;O imposto ao cão;Asimetria das bocas entreabertas;Aridicularidade dos BBBs;Amediocridade dos reality-shows;Sertanejo universitário analfabeto;Pagodeiro que nem sabe sambar;

Não aguento mais

sabe-tudo

sou-assim-mas-sou-feliz

mundo-gente

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Egocêntricos;

O escárnio dos políticos;

O da policia;

O “mmm...” no fim das frases do Silvio Santos;

Amusiquinha do Fantástico;

Ababaquice dos emos;

Amoda de se dizer gay;

Riso forçado para ironizar;

Crianças adulteradas pelos pais;

Pais roubando a infância dos filhos;

Os dos ex-fumantes;

Os conselhos ;

Os atletas de fim de semana;

Os ;

O ;

O carro novo que cheira status;

O tênis importado ;

O dos pais;

Os (e te manipulo);

Os engraçadinhos ;

Discurso de artista em campanha de solidariedade;

As verdades que não levam a nada;

As mentiras que levam a tudo;

Que saco!

vamos-investigar

pare-com-isso

vejam-como-sou-legal

faça-como-eu-faço

meu-sofrimento-é-maior-que-o-seu

eu-tenho-você-não-tem

lavo-minhas-mãos

deixa-que-te-ajudo

olha-o-que-mamãe-me-ensinou

Denivaldo Piaia – 57 anos

Campinas - SP

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3º LugarProsa de 39 a 59 anos

Um dia eu simplesmente não me sentia, como se pairassena tênue linha entre a realidade e a loucura, não capaz de decidir olado que deveria tomar, ininteligível para mim, estado mórbido enegro como a noite solitária de um inverno rigoroso, mas fazia sollá fora e através das vidraças eu via a felicidade nos olhos dasoutras pessoas, eu fechada na minha escuridão só vislumbrava avida que eu não tinha, mas que a desejava, a vida simplesmenteesvaiu-se de mim, apenas o contorno do meu corpo me fazia aindahumana; sim, para quem me olhasse eu era uma pessoa comtristezas e alegrias como todas as outras, eu sabia que há muito apenumbra foi tomando formas mais escuras, a alegria já nãoexistia e a tristeza por sua vez também não, deixei de sentir todasas sensações humanas, passei a me identificar com as coisas nãocom os seres, a penteadeira e seus três espelhos refletiam minhaimagem triplicada por nada, eu era o nada, ela própria se espelhavamais humana e vivaz e guardava com ela todas as minhas imagensde quando ainda existia, mesmo que fossem apenas reflexos dereflexos de instantes vividos por mim, apesar disso eram maispróximos da essência da minha existência e ainda mais elaguardava em suas três gavetas todas as sutilezas clandestinas queeu sentira, abri uma para ver se podia senti-las, insuportávelsentimento de perda, eu desaparecera ainda estando presente, seusadornos também continham segredos revelados em sussurros, eusabia que estavam lá, não os podia mais ouvir, eu evaporei, queriater os mesmos quatro pés fincados no chão a apoiar a minhaestrutura assim como esse móvel, ele está presente e ostenta toda asua imponência diante da vida, viro os espelhos laterais para

Um segundo de humanidade

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dentro para ver se juntando as três imagens de mim eu me vejo, sóum esboço mal elaborado com um lápis preto vislumbra de formabastante embaçada uma caricatura do que já fui, irreconhecívelpara mim e para a penteadeira, até a banqueta de assento de veludovermelho estranhou meu corpo, ela não sentiu meu peso porquenão existo, porque não peso, não gravito, mais uma vez espiosorrateiramente a vida lá fora, as crianças têm uma peculiaridadeque são só delas, achar alegria nas pequenas belezas e nas coisasque já não reparamos, a simplicidade de como vivemintensamente cada momento é invejável, qualquer trivialidadeparece um motivo para sorrir e a vida explode nelas sem grandesmotivos, o brilho em seus olhos dizem mais do que todas aspalavras reunidas poderiam exprimir, viro de novo para apenteadeira e ela disfarçadamente ri de mim porque sabe que suaexistência é mais preciosa do que a minha, invejo-a, ela não temque lutar com as frustrações que eu carrego, apesar do sol faz frio,só que eu não sei se é externo, eu me remexo toda diante da minhaindignação, os sulcos no meu rosto já não têm sentido, eles já nãocontêm as nódoas deixadas pelos sofrimentos e felicidadessentidos, eles estão ocos e desprovidos de razões, os espelhosteimam em tentar esboçar alguma imagem, mas eles não podemrealizar o impossível, não há o que ser capturado, talvez nasgavetas por estarem cerradas, ainda sobreviva algum sopro deminha vida, não, não falo das gavetas da penteadeira, mas as daalma, tento desencravar alguma sensação, algum sentimento dedentro delas, mas é em vão, tão certo quanto a incerteza de todas ascoisas, não encontro nada, se meu corpo físico desaparecesse eume sentiria aliviada.

Tento uma das gavetas da penteadeira, quem sabe nessa euconsiga, lentamente vou puxando, uma pequena luz metálica egelada chama minha atenção um tanto quanto desatenta peladesesperança, um crucifixo de prata com pedrinhas brilhosas,

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acho que brilhantes, que pertencera a minha mãe, por um instantea doce lembrança dela me trouxe um pouco de sentimento, mas tãofugidio que sequer o pude sentir de fato, aperto-o com força entreos dedos, quero capturar outra vez aquele micro segundo dehumanidade, já não posso mais, a fugacidade é a minha arma maispoderosa tanto para os outros quanto para mim mesma, por umlado boa porque não me permite cair em profundo desespero; poroutro, maldosa e sádica porque simplesmente me mata ainda viva,coloco o crucifixo de onde nunca deveria ter tirado e fecho agaveta para sempre, a gaveta da penteadeira e a da alma também.

Novamente estamos nos olhando, a penteadeira e eu, cadauma com suas dúvidas, tento desnudar meu ser de todas asmazelas e me tornar humana, é inútil, ela venceu, tantahumanidade me fez mal, então pego uma colcha preta e a cubropara que não mais me venha convidar a me encontrar, olho paratrás e a vejo encolhida no canto, ouço seu pranto, viro as costas esaio, tanto sentimento me enoja.

Dilma Leite Schmitz - 55 anosPelotas - RS

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1º LugarProsa acima de 60 anos

Contrariamente ao nome bonito, a vila era pobre e feia,frequentes os tiroteios entre a polícia e marginais, marcas de balaspodendo ser vistas pelas paredes da escola, construída em funçãode meninos carentes que passavam o dia entre a escola e o LarDom Bosco, ali perto, onde aprendiam um pouco de jardinagem,marcenaria, artesanato, recebendo também assistência médica,alimentação, banho, só voltando ao entardecer para suas pobrescasas. O Lar realizava o sonho de um gerente de banco local que,atacado por tumor maligno, tinha feito a promessa de devotar avida, caso se curasse, não só ao trabalho e à família, também àscrianças carentes da mais pobre das vilas da cidade. Curou-se e alio sonho concretizado, que ele mesmo dirigia com amor e muitacompetência.

Por meses, fui diretora dessa escola. O que senti deixoumarcas que não se apagam. Pois ter sido professora de uma ricacidade, como eu tinha sido por anos, com alunos quase todos declasse média e rica, era uma coisa. E lidar como dirigente deprofessores de interesses tão variados e alguns parasitas do Estadonuma escola de crianças carentes era outra bem diferente.

Eram muitas as dificuldades. Como convencer aalfabetizadora mais eficiente de que seu lugar era justamente nasala das crianças mais pobres, as que mais precisavam de atenção,e não na sala das menos necessitadas? E que se recusava torcendoo nariz?

Trabalho na escola era o que nunca me faltava,preocupações mais ainda. Como conseguir uma geladeira paraque verduras e legumes doados não se perdessem? Usei a verbadestinada a reparos do prédio que, de momento, por ser novo, nãoprecisava de reparo algum; pechinchei em todas as lojas da

Vila Esperança

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cidade; completei o pagamento com dinheiro arrecadado numafesta de pizzas, em que todos queriam ajudar, mas comer também,e daí que os resultados financeiros resultaram minguados. Mas,tinha valido pela união, pelos bons momentos entre pais eprofessores, pela troca de informações sobre as crianças, sobre asnecessidades da escola, tanto a conferir.

Resolvido o problema financeiro, comprei a geladeira.Que chegou, para surpresa e alegria de todo mundo, cheia de florese amarrada com fita azul. Momentos de muito riso. Para ouvirdepois do supervisor que “

...”. Naquele momento, pensei em Maquiavel, mas nada disse, tratei de disfarçar a vergonha,

me sentindo subitamente um mau exemplo para a escola. Porém,como dizia a coordenadora pedagógica, sempre dada a filosofiasconsoladoras, juízos envolvem muitos aspectos, eu apenas tinhaescolhido o que me parecera melhor entre dois: obedecer à lei nãousando a verba ou comprando algo útil desobedecendo. Comfrequência me faltavam palavras com que traduzir minha gratidãoa essa funcionária que não media esforços nem tempo para ajudar,sem provocar ciúme dos colegas.

Problemas surgiam também com meu assistente. De quemodo convencê-lo de que duas aulas disponíveis mais trêssomavam cinco e não seis ou sete, conforme ele, sempredisplicente em tudo que fazia, informava à Inspetoria, gerandoconfusões? Ocupava cargo de confiança, mas à minha revelia, eera um dos membros do forte grupo político, à época naadministração municipal. Difícil enfrentá-lo sem provocar areação em cadeia que certamente viria, pois em parte a escoladependia da ajuda da Prefeitura.

Mas o fato marcante pela desumanidade se deu em funçãoda dentista.

Desde o início, observei que algumas criançasapresentavam cáries nos dentes frontais. A escola tinha dentista,então, no princípio, não entendia o que estava acontecendo. Passei

entendo sua boa intenção, desta vez

passa, mas não deve repetir o erro, verbas oficiais não podem ser

desviadas , fins

justificam os meios

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a observar. Ela chegava no horário, abria seu gabinete e... Faziacrochê. Sempre. Só crochê. Pedi explicações. O equipo, elainformou, estava enguiçado. Perguntei se tinha comunicado o fatoa seu superior. Ainda não, mas ia comunicar... Aguardei que ascoisas acontecessem. Não aconteciam. Exceto o crochê. Procureio superior, falei das crianças, da urgência de tratamentos... Mas eleexplicou que a Prefeitura pagava mal, o equipo era velho, tudo eramuito difícil... E nada aconteceu. Só o crochê progredia. Tivevontade de ir ao promotor, de denunciar os dois porirresponsabilidade contra crianças pobres. Mas, em terra estranha,tinha que ser cautelosa. Recolhi as garras, me acovardei. Faleicom o prefeito. O equipo foi consertado, os tratamentosrecomeçaram. Por pouco tempo. Recomeçou o crochê. Nessaaltura, voltei à minha cidade por concurso de remoção, perdi osdois de vista.

Fatos pitorescos também aconteciam. Nossa professora deMoral e Civismo iniciara com os alunos uma horta. Enriqueceria amerenda escolar, a gente se entusiasmava. O terreno era grande,conseguimos gratuitamente sementes e mudas. Entre outrosbenefícios, sentiriam o prazer de consumir o produto do próprioesforço. Os alunos se animaram, levavam mudas e estrume,regavam as plantas, incentivados pelos professores.Inexplicavelmente, uma abóbora cresceu rápida, enquanto asoutras se desenvolviam normalmente. Animados, resolvemosinaugurar a horta em grande estilo, colhendo a grande abóbora, jácom bela cor amarelada. Queríamos que todos vissem o produtodo esforço coletivo. Convidamos autoridades escolares e pais,poesias e cantos foram ensaiados. Dois dias antes da inauguração,a abóbora foi roubada. Aturdida, suspendi a festa. Desconvideitodo mundo.Ahistória se espalhou, fiquei famosa como a diretorada festa que não houve.

Dessa primeira experiência administrativa, ficaram outraslembranças. Do dia em que encontrei uma jararaca na minha sala,tomando banhinho de sol debaixo da janela, pois a porta dava parao pátio e a escola ficava mesmo quase no meio do mato. Diante da

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minha gritaria, mataram a cobra a pauladas. Morte cruel edesnecessária. Hoje, sei que é preciso viver muitos anos, ou jánascer muito sensível ou ter sido muito bem educado, ou sabe-selá o quê, para saber como se comportar com o devido respeitoperante os seres todos da natureza. Jararacas inclusive.Lembranças ainda do menino-problema que xingava a professora,pulava a janela e sumia no mato. Que levei ao psicólogo e cujodiagnóstico, feito através de desenhos, mostrava como se sentiaexcluído da sua numerosa e mísera família; das reuniões comdezenas de pais, alguns cheirando fortemente a álcool, mas todosreceptivos ao que aconselhávamos; das filas dos alunos, nenhumdescalço, mas a maioria calçando velhos chinelinhos; daprofessorinha nissei rodeada de alunos cuidando da horta; dasflores trazidas pelos alunos, alegrando professores; das palavrascomovidas do supervisor ao me despedir dele, relembrando, rindobrincalhão, o sumiço da abóbora e da festa; das vozes infantisrepetindo lições em uníssono; da dedicação de alguns professorese funcionários, que nenhum dinheiro deste mundo pagaria; dainauguração da biblioteca com livros doados por gente da cidadeque queria se livrar de seus “lixos”, pois poucos se aproveitaram.Poucos, porém como era gratificante ver as crianças lendo,levando pra casa... Mas, acima de tudo, me lembro do sorriso dedentes cariados das crianças carentes, símbolos da infância feridapor profissionais levianos.

Maria Apparecida S. CoquemalaItararé - SP

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2º LugarProsa acima de 60 anos

Bárbara parou o carro no acostamento, apoiou a cabeça novolante e com as mãos fechadas batia no painel do carro como seele fosse culpado pelo mau tempo. Suspirou profundamente parase acalmar. Os aeroportos fechados tinham obrigado a jovem adirigir rumo a Porto Alegre para uma entrevista com o diretor darevista mensal da qual ela era cronista.

Agora certamente não chegaria a tempo de escrever eentregar pessoalmente a crônica de Natal. Ela não tinha ideia doque escreveria, sua última lembrança do natal eram as históriascontadas pela sua avó, fábulas pensava ela, com seu jeito racionalde ser. Estrelas, luzes, presentes, Papai Noel, lojas cheias, sorrisosfalsos, abraços obrigatórios, crianças birrentas lutando por umpresente que os pais não podiam comprar. Nunca tinha sentidopaz, caridade e comunhão, nem visto ouro, incenso ou mirra...deque falavam as histórias da sua avó.

À sua volta, as nuvens ficavam cada vez mais escuras e elanem tinha ideia da distância que teria de percorrer para encontraralgum lugar de pernoite. Levantou a cabeça e viu ao lado darodovia as araucárias balançando, formando uma alameda edeixando entrever uma luz tênue entre suas ramas. Com as mãostrêmulas, ligou novamente o carro e saiu devagar peloacostamento até alcançar a pequena estrada de terra. Andou unspoucos metros e atravessou a porteira aberta, parando o maispróximo possível da porta da casa para fugir da chuva que já caíaforte. Era uma construção típica do sul, com parte de tijolos e partede madeira, circundada por um muro baixo de pedras. Simples,porém acolhedora. A porta abriu-se ao primeiro toque do sinobucolicamente colocado no batente.

Acomodada no sofá, sob o olhar curioso do garotinho louro echeio de sardas que ela nem parecia ver, Bárbara colocou o laptop

Uma crônica para o Natal

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no colo e rogou a todas as musas que lhe dessem inspiração, otempo passava.

O senhor que a acolhera lembrava seu avô, com os cabelosbrancos e o olhar manso de quem sabia tudo, mas achavadesnecessário demonstrar a cada momento. Num instante umcheiro bom inundou a sala, a esposa entrava com biscoitos e umaxícara tentadora de café na bandeja coberta por uma toalhinharendada e branca como aquelas que sua avó costumava bordarquando Bárbara passava as férias com ela. Você devia descansar,disse carinhosamente a mulher.Ajornalista levantou os olhos paraagradecer e só então viu a árvore de natal montada no canto dasala, o garoto havia ligado as luzes, que agora piscavam sem parar.Vocês comemoram o Natal? Precisava urgentemente de um temapara sua crônica.

O senhor sentou-se à sua frente puxando para junto dele aesposa e o neto.

”A minha mais remota lembrança de Natal é de uma noitechuvosa como esta, quando eu era pouco mais novo que o meuneto, começou a contar, a estrada era de terra e a chuva fazia umestrago maior para os viajantes. Nossa antiga casa ficava maispróxima da rodovia, que ainda não tinha duas pistas e as araucáriasnão impediam a visão mesmo em dias sem eletricidade, como erao caso daquela noite. A chuva já tinha passado e eu procurava nomeio da neblina a tal da estrela de Natal, quando vi duas luzes, quepara mim pareciam imensas, iluminando a casa que estava àsescuras. Saindo do nada um vulto foi se aproximando, eu não melembrava de ter visto alguém tão negro e tão grande como ele, masa curiosidade foi maior que o medo e corri para a porta antes quemeus pais pudessem impedir. Quem era aquela figura? Não eraPapai Noel, não havia renas e suas roupas não eram vermelhas,não me parecia um anjo e não podia ser um mago, pois eles eramtrês.”Bárbara se ajeitou no sofá, seus dedos buscavam as teclas dolaptop, mas ela não desviava os olhos do homem e da magia quesuas palavras pareciam ter. Esqueceu as teclas e continuou aescutar.

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“O visitante e sua mala quase não cabiam no vão da porta eagarrando-me às pernas do meu pai prendi a respiração. Quando ohomem entrou, seu sorriso e seus olhos brilhavam e era tal a suasimpatia que logo conquistou a todos contando suas histórias decaixeiro viajante e de como raramente conseguia passar o Natalcom a família, já que essa época era a melhor para as vendas.Passada a neblina, depois do café e das histórias iluminadas pelosfaróis que ficaram acessos até a eletricidade voltar, o viajanteseguiu o seu destino, deixando pra mim um livro, meu primeirolivro: era a história do primeiro Natal com uma bela gravura nacapa onde se viam um bebê ladeado por um casal feliz, anjos e trêshomens com suas ofertas de ouro, incenso e mirra. Brilho eperfume, luz, serenidade e comunhão, segredou ao meu ouvidoantes de partir.”

Com aquela família, ouvindo a história contada com asimplicidade de quem fala a sua verdade, Bárbara sorriu seuprimeiro sorriso sincero em semanas. Seguiu a senhora até acozinha onde foi convidada a sentar-se à mesa. De uma fruteira,vinha o cheiro bom das frutas maduras, das panelas fumegantes nofogão a lenha saía uma gostosa nuvem que envolvia a todos eprometia comunhão e sabor para aquecer os corpos. Na paredebranca brilhavam as panelas de cobre, luzidias como ouro,refletindo, poderosas, a lâmpada do teto. O jantar era umverdadeiro presente. Era esse o espírito de natal que sua avó queriatanto ensinar. Ouro, incenso e mirra, paz, amor e comunhão.

No quarto do hotel que o casal lhe indicara, a jovemcronista jogou-se na cama e apesar do cansaço não dormiu atécumprir sua missão.

Amanhecia na pequena cidade gaúcha e o céu mostrava obrilho da estrela d'alva depois da chuva da noite anterior.

Bárbara esperou o manobrista encostar seu carro na frentedo hotel e guardar sua mala, não se moveu enquanto ele não abriu aporta, entrou sem usar as mãos, que apertadas junto ao peitoseguravam seu mais precioso tesouro, o laptop, onde tinhaguardado sua melhor crônica: um conto de Natal.

Lídia Varela Sendin - 66 anosPiracicaba - SP

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3º LugarProsa acima de 60 anos

É bom ser idoso, de idade, terceira idade e tantos outroseufemismos simpáticos com que se adjetiva a velhice...

Bom, sim, se chegamos a esta fase da vida com algumasaúde, um pouco de dinheiro e muita disposição... Mais o afetodos filhos, respeito das noras e genros e o carinho dos netos; abenquerença dos vizinhos, amigos, parentes e aderentes. Assim agente se sente menos velho (velha, no meu caso) e quase, quasefeliz...

Não é raro eu me sentar numa das confortáveis cadeiras davaranda, e à vontade, fumar o cachimbo da paz com a vida.

E rememorar... Viras as páginas da existência de trás parafrente, relendo uma história boa. Se às vezes me traz uma ou outralágrima que prefere doer no coração para não cair no lugar comumde rolar pelas faces, também imprimiu coisas lindas que me fazemcócegas na alma e provocam o riso à toa e sem compromisso, dequem é pego a rir sozinho.

Nesse meu baú particular eu guardo o cheiro da vida e obrilho da alegria... as frases penduradas de lembranças, dashistórias da minha infância, contada em russo pela minha avó. Eninguém imagina como o lobo mau, descrito em russo, me pareciamuito mais terrível que o lobo das histórias em português.

E as cantigas de ninar?

Ah! Eu acho que o meu sono de criança vinha de longe...muito longe, chegando de mansinho, de carona nas palavrasrussas que a ternura da minha avó transformava em verdadeira“anestesia”. Não tinha quem não dormisse...!

Na hora do almoço, a salsinha só temperava direito sefosse colhida como “pietrushka”.

BICHO DE PÉ

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Nenhum edredom aquecia o frio de nossas camas noinverno, enquanto vovó não o transformasse em “koudra”,esticando sua morna doçura sobre os nossos corpos extenuadospelas folias do dia inteiro.

E xingar então? Nas brigas pirracentas que dividiam asnossas “abalizadas” opiniões infantis, se fazia necessáriomanifestar a inconcebível dimensão da nossa “ira” pronunciandoalguns palavrões escolhidos a dedo entre os clássicos conhecidospelos que tiveram o privilégio de uma infância normal. Agora,para ficar bem xingado mesmo, para reduzir o “inimigo” a pó detraque... tinha que xingar em russo!

Qualquer coisa, a mais simples palavra dita com raiva e emrusso era um verdadeiro cassetete verbal: levava a nocaute,imobilizava, garantia a vitória.

Nos escritos da minha história pessoal, vovó ocupa muitaspáginas, de onde o seu amor e a sua ternura, a sua pacientesabedoria ainda saltam ao meu encontro. No manso ninho daslembranças, uma das saudades mais fortes é a da sua figura miúdaque saltita distribuindo delicadeza e carinho...

E foi dela a história que hoje me fez rir, me fez lembrar eme comoveu, por senti-la ainda tão presente.

- Imigrante chegada da Rússia, recém-casada com vovôThomaz, ela trouxe de lá minha mãe, então com três anos, e meutio Waldomiro, de um ano e meio.

Oriunda de uma aldeia relativamente desenvolvida, moçae bonita, chegou com a família no Porto de Santos e veio com umagrande leva de estrangeiros trabalhar nas lavouras de café emAndirá, no Paraná. Mais especificamente, na fazenda do Sr.Bráulio Barbosa. Que, de tanto ser citado, virou meu conhecido,meu amigo mesmo, sem que eu jamais o tivesse visto.

Vovô Thomaz não concebia as atribuições que competiama um bom capataz na roça. Não conseguiu se acostumar com amão de ferro ainda em uso e moda na administração das fazendas.Então ganhou autorização do patrão para montar uma marcenaria,

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ali mesmo, entre os terreiros de café. E desenhou nos entalhes dosmóveis o talento ímpar da sua paciência e generosidade.

Logo arrumou dinheiro para comprar a própria terra, vindomorar em Londrina, em 1932. Construiu nela um rancho depalmito e acomodou a família, agora maior, para começar a vidade proprietário.

Vovó Parascóvia mal entendia algumas palavras emportuguês. Das custosas tentativas para conversar com as vizinhasbrasileiras, compreendeu certa vez, que devia tomar muitocuidado com um tal de “bicho de pé”, que estava provocandosérios problemas pela grande infestação...

Mãe extremosa, esposa dedicada, não teve dúvidas emtomar as devidas providências no combate a esse perigo. Malentardecia, ela recolhia as crianças, fechava a porta e as janelaspara o bicho de pé não entrar!

Para seu horror e constrangimento, vovô precisou chamarum médico para acudir a situação, quando se descobriu que elaestava com os dedos dos pés totalmente ocupados pelo silencioso,desconhecido e desagradável inquilino.

Foi assim que a vovó descobriu a diferença entre “bicho depé” e o bicho que ela esperava que viesse em pé!

E passou a prestar muita, muita atenção nas nuances sutisda língua portuguesa. Que, mal entendidas, podiam sercatastróficas..!

Vera Martchuk Perez - 69 anosLondrina – PR

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FICHA TÉCNICA

DIRETORIA ATUAL – Biênio 2013/2014

Diagramação e Arte da Capa:

Arte da Capa:

Revisão Gramatical:

Assistente de Secretaria:

Coordenação Geral:

Presidente:

Impressão:

;

Presidente:

1º Vice-P :

2º Vice-P :

1ª Secretária:

2ª Secretária:

1º Tesoureiro:

2ª Tesoureira:

1ª Bibliotecária:

2º :

Silvia Ferrante

Julio Lima

Antônio “Nino” Barbin

Grazielle Moreno

Silvia Ferrante

Lucelena Maia

Gráfica Sanjoanense

Lucelena Maia

Antonio Carlos Rodrigues Lorette

João Sérgio Januzelli de Souza

Silvia Tereza Ferrante Marcos de Lima

Maria Cândida de Oliveira Costa

Lauro Augusto Bittencourt Borges

Vânia Gonçalves Noronha

Maria Célia de Campos Marcondes

Antônio “Nino” Barbin

www.alsjbv.com.br

[email protected]

residente

residente

Bibliotecário

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ACADÊMICOS NA ATUALIDADE

Antônio “Nino” Barbin

Antonio Carlos Rodrigues Lorette

Antônio de Pádua Barros

Beatriz Virgínia C. Castilho Pinto

Carmen Lúcia Balestrin

Carmem Lia Batista Botelho Romano

Celina Maria Bastos Varzim

ClineidaAndrade Junqueira Jacomini

Décio Teixeira Noronha

Donisete Tavares Moraes Oliveira

Ernani deAlmeida Paiva

Francisco deAssis CarvalhoArten

Gilberto Brandão Marcon

João Baptista Scannapieco

João Batista Gregório

João Batista Rozon

João Otávio Bastos Junqueira

João Sérgio Januzelli de Souza

Jorge Gutemberg Splettstoser

José Benedito deAlmeida David

José Carlos Sibila Barbosa

José Osório deAzevedo Júnior

José Rosa Costa

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LauroAugusto Bittencourt Borges

LincolnAmaral

Lucelena Maia

LuizAntonio Spada

Maria Cândida de Oliveira Costa

Maria CecíliaAzevedo Malheiro

Maria Célia de Campos Marcondes

Maria José Gargantini Moreira Silva

NegeAlém

Neusa Maria Soares de Menezes

Plínio deArruda Sampaio

Ronaldo Frigini

SérgioAyrton Meirelles de Oliveira

Silvia Tereza Ferrante Marcos de Lima

Sônia Maria Silva Quintaneiro

Teófilo Ribeiro deAndrade Filho

Vânia Gonçalves Noronha

Vedionil do Império

WildesAntônio Bruscato

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