219221222 em dialogo com a biblia efesios marcos monteiro

128
E m D ialogo CDM A BÍBOA EDITOR: ÊNIO R. MUELLER EFÉSI M arcos M onteiro MtSSA^^ITORA

Upload: michelboliveira

Post on 23-Nov-2015

76 views

Category:

Documents


4 download

TRANSCRIPT

  • Em Dialogo CDM A BBOAEDITOR: NIO R. MUELLER

    EFSIM a r c o s M o n t e ir o

    M tSSA^^ITO RA

  • Todos os direitos reservados. Copyright 1994 da M isso Editora e Encontro Editora.

    A traduo de Efsios neste livro a da Nova Verso In ternacional da Bblia. As dem ais referncias bblicas so extradas da Verso de Alm eida Revista e A tualizada, a no ser quando outra verso expressam ente citada.

    227.5Mon-Efe Monteiro, Marcos Adoniram Lemos

    Efsios. Curitiba e Belo Horizonte: E ncontro Editora e Misso Editora, 1994.

    142p. (Em Dilogo com a Bblia)Inclui resenha bibliogrfica

    1. Novo Testamento - Efsios - Comentrio.2. Efsios - Comentrio. I. Autor. II. Srie. III. Ttulo.

    CDD - 227.5

    E ncontro Editora Caixa Postal, 6557 80011-970 C uritiba PR Tel.: (041) 223-2659

    M isso Editora Caixa Postal, 2250 30161-970 Belo H orizonte MG Tel.: (031) 273-5944

    C riao Capa:A dalberto Cam argo

    D iagram ao e Com posio: G rafar Editorao E letrnica Ltda

  • SUMRIO

    Prefcio G er a l......................................................................................7A Carta aos E f s io s ...........................................................................9I. Introduo (1 .1 -2 ) .......................................................................11

    Primeira ParteA Graa - A Totalidade da Ao de Deus (Cap.l a 3 ) ..............172. As Caractersticas da Nova Sociedade (1.3-14)....................193. Os Recursos da Nova Sociedade (1.15-23)............................ 294. O Poder da Vida que Destri o

    Poder da Morte (2.1-10)............................................................. 375. O Novo Templo: As Comunidades do

    Shalom (2.11-22).......................................................................... 476. Eu, Paulo (3. 1-13)....................................................................... 537. O Fortalecimento das Novas Comunidades (3.14-21).......61

    Segunda ParteA T otalidade da V ida da Igreja - A Paz (Cap. 4 a 6) ......67

    8. O Princpio da Unidade (4.1-6)................................................ 719. Um Organismo Vivo (4 .7-16)................................................... 79

    10. Uma Nova tica Individual ( 4 .1 7 - 5 .1 4 ) ..............................91I I . Uma Nova tica Comunitria (5.15 - 6 .9 ) ........................ 109

    11.1. A Vida na Igreja (5.15-21)............................................. 11011.2. A Vida na Comunidade Domstica (5.22 - 6 .9 )..........113

    12. Uma Comunidade em Luta (6.10-20)....................................12313. Concluso (6 .21 -24 ).............................................................. 131R esenha B ib liogr fica .............................................................. 133

  • PREFCIO GERAL Coleo: Em Dilogo com a Bblia

    A igreja evanglica brasileira passa por um tem po de p ro fundas transform aes. Ao crescim ento at certo ponto vertig inoso , em term os n u m rico s , no tem c o rre sp o n d id o um crescim ento teolgico expressivo. Tal aprofundam ento na conscincia teolgica no h de bro tar por outra form a que atravs de uma nova leitura da B blia, de toda a B blia. Uma leitura exegeticam ente rigorosa e ao m esm o tem po teologicam ente lcida, atenta tanto ao contexto dos textos b b licos com o ao contexto dos in trpretes e leitores. Uma leitura aberta ao sopro do Esprito inspirador e v iv ificador da letra b b lica , a ten ta enfim palavra de Deus como fonte e base de toda a teologia autntica.

    Um grupo de telogos evanglicos b rasile iros acolheu para si esta tarefa, e o resultado disso a coleo Em D ilogo com a B blia. Um com entrio em srie a todos os livros b b licos, do A ntigo e do Novo Testam ento. M ais que com entrio , tra ta-se de uma leitura que visa desvelar o sentido do texto b b lico e ao m esm o tem po encetar com ele um dilogo, sugerindo assim pistas para um a reflexo teolgica e para a atualizao do texto nas m ais variadas situaes em um contexto pastoral e m issionrio.

    C rdito s duas jovens editoras que ousaram , nestes tem pos difceis, bancar tal em preitada, e s vrias editoras que lhes oferecem apoio de diversas form as. M eno especial deve ser feita V iso M undial, que atravs de um pro jeto especial deu uma contribuio decisiva para que este plano pudesse, enfim , vir a se tornar realidade.

    nio M ueller

  • A CARTA AOS EFSIOS

    , No estudo da carta aos E fsios, na srie Em Dilogo com a Bblia, procuram os duas coisas igualm ente fundam entais.

    A prim eira descobrir o que esse pequeno m anuscrito confeccionado h quase vinte sculos atrs pode dizer para o hom em e a m ulher de hoje, no lim iar do terceiro m ilnio D.C.

    A segunda, o que o m esm o m anuscrito pode dizer para a ig re ja e ti ossos dias. N as duas esferas, no xmmo e na Ig re ja , houve transform aes to radicais que a busca do significado torna-se essencialm ente a busca de um ponto com um entre esses dois sculos to d istantes e distin tos.

    ^ Q u a l , ento, esse ponto comum que nos faz estudar prazei- rosam ente essa pequena carta escrita para um ou vrios grupos de pessoas sim ples, a m aioria pobre, que passam desperceb idos pela h ist ria oficial de seu tem po?

    ~-A resposta que a carta contm instrues sobre a m aneira de um a pessoa se relacionar dentro de um a com unidade e, apesar das m udanas, das d istncias, das diferenas e da ao d tem po, somos exatam ente isso: pessoas s voltas com com unidades.

    Portanto, onde houver um hom em ou uma m ulher, uma pessoa inserida em uma com unidade, a carta aos Efsios lhe diz respeito. E se essa pessoa se m ove, como nos m ovem os, no m bito dessa com unidade cham ada Igreja, a carta lhe diz respeito duplam ente. Pois ela foi escrita para pessoas assim , eng a ja d a s no e n t o n o v o m o v im e n to que se a la s t ra v a sorrateiram ente por todo o m undo conhecido. E m ais, o seu tem a o valor e o carter desse m ovim ento, seus fundam entos teolgicos e suas responsabilidades ticas.

    O utrossim , apesar da acuidade de raciocnio dem onstrada pelo autor, o tem a no tratado de modo frio, m onocrdio e im pessoal. O estilo vibrante, envolvido, a traente. A epsto la

  • a descrio colorida de uma situao vital feita por uma m ente brilhante em um corao aquecido.

    Podem os, ento, com ear esperanosos o nosso dilogo com esse antigo m anuscrito, na expectativa de que a novidade de sua m ensagem se instale definitivam ente entre as velhas runas dos nossos preconceitos, e que as estruturas de nosso tempo e tam bm de nossos sistem as eclesisticos sejam desafiadas a uma perm anente e cotid iana reavaliao.

  • INTRODUO (1.1-2)

    Paulo, apstolo de C risto Jesus pela vontade de D eus? aos santos e fiis em C risto Jesus que esto em Efeso: a vocs, graa e paz da parte de Deus

    nosso Pai e do Senhor Jesus C risto (1.1.2).

    Esta breve saudao nos introduz trs questes que nos ajudam a situar a epstola. As questes so: quem escreveu, a quem foi destinada e qual o seu tema. O texto nos diz que o autor Paulo, apstolo de Cristo Jesus, os destinatrios so os cristos de feso e o tem a a graa que realizou e est rea lizando a paz, am bas provenientes de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo.

    H um a possib ilidade de que a carta no tenha realm ente sido escrita por Paulo. possvel que algum discpulo e adm irador do apstolo, im budo de suas idias e conceitos, a tenha escrito e, para hom enagear seu m estre e ao m esm o tem po ind icar a fonte real do ensino nela contido, tenha colocado nela o seu nome. N isso em si no haveria nada de m ais para os costum es da poca, e pouco provvel que algum se sen tisse ofendido.

    A estre ita relao entre Efsios e Colossenses, por exem plo, tem levado pesquisadores a proporem , depois de anlises m inuciosas de linguagem e estilo, que C olossenses poderia ter servido de referncia prim ria para que esse m isterioso d isc pulo escrevesse a carta aos Efsios.

    Para o nosso propsito aqui, tom arem os a verso histrica e tradicional: o autor fo i Paulo, o apstolo. M esm o porque o contrrio d ifcil de ser dem onstrado cabalm ente. Tom am os, assim , o texto com o est a, enquanto no se clarear m elhor esta questo. Vale dizer que h tam bm argum entos bastante convincentes nesta direo. M as, quem foi Paulo?

  • Judeu e ao m esm o tem po rom ano, nascido num a cidade dom inada pela cultura grega, Paulo foi uma sn tese do seu tem po. N asceu na cidade de Tarso, capital da C ilicia, onde havia uma conhecida escola estica (uma das correntes filo s ficas representativas da sua poca) e vrios cultos orientais. Ali, certam ente, tom ara conhecim ento da filosofia grega e das relig ies de m istrio , cultos de origem oriental com forte apelo ex is tencia lis ta e que vinham atraindo m uitos seguidores no ocidente. M as o elem ento m ais forte na sua form ao foram os seus estudos em Jerusalm , com o fam oso rabino Gam aliel. Por tudo isso, Paulo parece pensar como um judeu, argumentar como um grego, meditar como um oriental e agir como um romano!

    Foi o personagem mais fascinante do incio da Igreja. Graas sua elaborao teolgica, o cristianism o rom peu os lim ites da teologia judaica e escapou de se tornar uma seita do ju d asmo, como os essnios, ou um novo partido relig ioso-poltico , como os fariseus, os saduceus e os zelotes. Paulo foi um dos grandes responsveis pela expanso territorial da Igreja e, muito m ais ainda, pela sua expanso conceituai.

    Conseguia in tegrar diversas facetas da vida crist que m uitos de ns separam os em com partim entos estanques. Pregava, organizava igrejas, pastoreava, pensava, refletia teo log icam ente, m editava, orava, escrevia, com a m esm a naturalidade e como parte do m esm o com prom isso com o Reino de D eus. No era o telogo de gabinete, ou o evangelizador ativ ista , ou o contem plador m stico, mas a com posio integrada de todas essas dim enses. No teria sido um terico, m as certam ente no foi um pragm tico. H arm onizava continuam ente plos que para m uitos so irreconciliveis: f e razo, teologia e p regao, orao e ao, teoria e prtica.

    Paulo apresentava-se como apstolo de Jesus Cristo. O que isso queria dizer?

    Como apstolo, ele fazia parte do pequeno e seleto grupo que constitu a a principal liderana dentro da Igreja. Esse ttu lo, num sentido estrito , pertence aos doze discpulos especialm ente escolhidos pelo Senhor Jesus. Porm logo passou a ser usado tam bm num sentido m ais amplo, referindo-se a pessoas como Paulo e outros.

    A verdade que a palavra apstolo significa literalm ente enviado . Na poca era uma palavra tcnica usada para designar um em issrio, um em baixador, ou uma autoridade in cum bida por outra de represent-la. O com andante de uma esquadra era um apstolo do rei. Em quase todas as principais

  • cidades da poca havia um a colnia de judeus. O Sindrio, o principal tribunal judaico , quando tom ava deliberaes im portantes, enviava um m ensageiro a cada uma dessas colnias, com unicando as suas decises. Esse em issrio era designado por um ttu lo aram aico que era o equivalente ao de apstolo.

    Ento, Paulo percebia-se como um m ensageiro ou um em baixador. M as, de quem? De Jesus Cristo, a resposta. Em vrias outras ocasies ele reafirm ou essa condio e dizia que recebera essa incum bncia, esse apostolado, pessoalm ente. Com isso, afirm ava radicalm ente a sua subm isso apenas a essa autoridade m aior, Jesus. E, conseqentem ente, sua independncia diante de qualquer outra instncia. Por isso, a lgu mas vezes, tom ava posies de confronto, at m esm o diante de outros apstolos.

    Por outro lado, o seu apostolado p recisaria de um reco nhecim ento do grupo original de apstolos e da igreja em geral, o que efetivam ente parece ter acontecido. Igualm ente, o livro de A tos reg istra o envio de Paulo e Barnab pela igreja de A ntioquia para uma tarefa m issionria itineran te (At 13.1-3). Isto o tornava, sem dvida, apstolo, enviado dessa Igreja. Portanto, a sua subm isso a Jesus Cristo no s ignificava insub- m isso Igreja. O senhorio de Jesus C risto o tornava, paradoxalm ente, independente de todos e servo de todos.

    O apostolado de Paulo era exercido pela vontade de Deus. Isto tinha pelo m enos duas im plicaes. A prim eira era que, para Paulo, a histria no seria autnom a ou m eram ente hum ana. H averia uma V ontade in terferindo, um Deus participando ativam ente do conjunto de relaes, tram as e situaes que constituem a condio hum ana. Deus no seria uma figura p assiva e inerte, m erc das leis que regem o U niverso. Ele age, m odifica, interfere.

    A segunda im plicao seria a de que Deus no age sozinho, m as cham a pessoas a cooperarem consigo na construo e reconstruo da h istria e do universo. Desse m odo, todos os atos e decises dos hom ens e das m ulheres ganham am plitude e significado. H um a V ontade, estranha e superior de todas as pessoas, traando m etas e cam inhos para o fu tu ro da h u m anidade, convocando a todos para em pregarem todo o seu potencial e criativ idade na consecuo dessas d iretrizes.

    H uma forte probabilidade de essa carta no ter sido d estinada orig inariam ente a feso. Inclusive, as palavras em Efeso no se encontram em alguns m anuscritos m ais antigos. Em vista disso, h uma hiptese de que a m esm a tenha sido uma

  • epsto la circu lar destinada s Igrejas da sia M enor. O que podem os afirm ar que os destinatrios seriam um ou vrios grupos de cristos que haviam surgido na regio na poca cham ada de sia M enor. A carta fora enviada a uma com unidade, no a um indivduo. A figura de um cristo fora do grupo, vivendo isoladam ente, m argem da com unidade, uma imagem estranha linguagem e ao esprito do Novo Testamento.

    A quele grupo vivia dentro do Im prio romano. A poltica rom ana, apoiada pela fora dos seus exrcitos, ajudara a e lim inar uma srie de guerras e conflitos entre cidades e naes, atravs de um singular respeito a costum es e culturas locais, adm isso de liderana nacional e de liberdade relig iosa (apesar de surtos de intolerncia) e estabelecim ento de um sistem a ju rd ico in ternacional com instncias de apelao e relativo respeito cidadania (apesar do restrito significado da palavra cidado).

    Os escravos constituam a base da pirm ide social. Sua fora de trabalho era o p ilar da econom ia m undial, sendo que m ais da m etade da populao era form ada de escravos. r- tesos e m ercadores form avam as classes interm edirias. Os governadores, soldados e dem ais funcionrios rom anos eram os responsveis pela adm inistrao, em diversos n veis, desse im enso sistem a poltico-econm ico, sob o com ando do Im perador.

    nesse m undo que surgem grupos de pessoas de diversas nacionalidades e de diversas classes sociais, hom ens, m ulheres e crianas que se agrupam diante de uma nova m ensagem : a inaugurao do Shalom (Paz) de Deus atravs da pessoa de Jesus, ressuscitado dentre os m ortos. O autor da epsto la os cham a de santos e f i is em Cristo Jesus.

    Os santos foi uma designao dos cristos, p resente por m uito tem po na literatura da poca e dos prim eiros sculos subseqentes. A palavra significava literalm ente separados e era usada com um ente para denom inar lugares, objetos, f rm ulas sagradas, onde o divino se m anifestava de uma m aneira extraordinria , causando fascnio e medo. No Novo Testam ento no h m eno de lugares, ou ritos, ou leos, ou objetos santos. Os santos so um grupo de pessoas.

    Sendo com unidade santa, a Igreja afirm ava a sua diferena diante de outras comunidades. Em que consistia essa diferena? P rim eiro , separao de outros cu ltos ou re lig i es . A sua adorao era d irigida unicam ente ao Deus verdadeiro e ao n ico Senhor Jesus Cristo. D epois, separao na tica, valores e

  • modo de viver. A com unidade trazia um novo estilo de vida, decorrente de um significado adicional da palavra san to , que tam bm significava o equivalente a puro. Esse estilo de vida santo detalhado m ais adiante, nos captulos 4 a 6 da carta.

    Os santos so f i is em Cristo Jesus. Em outras palavras, essa com unidade se distinguia das outras porque repetia no seu dia-a-dia os valores de Jesus C risto e se subm etia ao seu comando. A sua orig inalidade tinha um propsito e um porqu, relacionados com a sua fidelidade a Jesus Cristo. Separava-se no porque buscasse ser sim plesm ente diferente, mas porque procurava se assem elhar a Jesus. M as eram santos localizveis: estavam em feso e em outras cidades da sia M enor, com partilhando com todos a m esm a vida pblica.

    Na ltim a parte da saudao encontram os o tem a dessa epstola que era justam ente a PAZ (o shalom ) que Deus rea lizou plenam ente em C risto e que estava instalando defin itivam ente na histria. Esta paz era fruto da sua GRAA, ou seja, do m ovim ento do seu am or em favor dos hom ens e das m ulheres. Estava se estabelecendo concretam ente atravs de uma nova hum anidade constitu da em novas com unidades de novos h o m ens e novas m ulheres. A Igreja era essa nova sociedade, c ria da em Jesus, que estava rea lizan d o co n tinuam en te a paz (shalom ) j realizada potencialm ente em Cristo.

    Norm alm ente, definim os a graa como o favor im erecido de Deus, em uma expresso que se popularizou entre os cristos, m as que no nos diz do seu contedo. Qual esse favor de Deus? s vezes, tentam os lim itar a graa ao ato sa lvador de Deus em Jesus C risto, m as m uito m ais. Ela a p len itude da ao de Deus em nosso favor. Ela coloca ao nosso alcance tudo o que nos era im possvel conseguir. No apenas o que no m erecam os, mas tam bm o que no podam os.

    O centro da graa era o prprio Jesus Cristo. Ele, atravs do E sprito Santo, era o contedo da graa. Era Ele que tornava o im possvel possvel, o irrealizvel realizvel e o inalcanvel alcanvel. A travs de sua vida, m orte e ressurreio, as cordas do im possvel foram rom pidas e um novo poder fora lib e rado em sua com unidade. Portanto, graa no significava que Deus dava algum a coisa, mas que o prprio Deus se dava em Jesus Cristo e atravs do seu Esprito.

    O resultado concreto da graa de Deus na vida de um pessoa ou de uma com unidade podia ser resum ido na palavra paz, que era uma palavra m uito usada nos dias de ento. D izia-se que Rom a instalara a paz entre as naes. Os judeus possuam

  • uma com preenso teolgica centrada na palavra paz (shalom). A sua capital era a cidade da paz, sua saudao era a paz e a sua esperana era designada pelo nom e de paz fshalom). D escrevia uma nao prspera e justa , com harm onia em todos os aspectos da sua vida. S poderia haver paz com justia social. Ento, o term o shalom descrevia uma nao saudvel, prspera e sem opressores e oprim idos.

    Para o autor, essa paz estava acontecendo no no Im prio Rom ano ou na sociedade judaica, mas nesse m ovim ento de com unidades que se alastrava rapidam ente e que ia tom ando o nom e de Igreja. Essas se constituiriam realm ente nas com unidades do shalom. A paz que instalavam estava alm da ausncia de conflitos externos preconizada pelos rom anos e da paz nacionalista dos judeus. Essa paz quebrava todos os m uros, barreiras e preconceitos de natureza social, sexual ou ra cial e prom ovia a harm onia de todos os hom ens e m ulheres, entre si, com Deus e com a natureza - a festa da graa.

    As novas com unidades viviam um novo estilo de vida. Em seus relacionam entos, buscavam novos padres radicais de justia que m inim izassem os conflitos causados pelas estru turas sociais vigentes. No seu meio, o pobre, o m arginalizado eo oprim ido eram restaurados em sua dignidade pessoal. Na sua mesa, um judeu e um grego podiam comer juntos, tratar-se como irm os e perceber-se como iguais. Uma m ulher ou um escravo, os elem entos m ais baixos na p irm ide social, poderiam ali exercer liderana e, de fato, chegaram a faz-lo.

    A carta se move nesse binm io: graa e paz. Por assim dizer, os trs prim eiros captulos tratam da graa, a p len itude da ao de Deus em favor dos hom ens e m ulheres e, os trs ltim os, da paz, o produto dessa ao a ser realizado pelas com unidades.

    Para os destinatrios da epstola, pessoas sim ples na sua m aioria, s voltas com diversos tipos de dificuldades, a carta era alegria , consolao e esperana. A m udana j com eara eo centro de restaurao do m undo no era o Im prio Rom ano, nem o sistem a relig ioso judaico, nem os sistem as filosficos gregos, mas eles m esm os, vivendo um novo estilo de vida, uma nova tica, sendo as com unidades escatolgicas, com unidades do shalom de Deus.

  • Primeira Parte

    A GRAA - A TOTALIDADE DA AO DE DEUS

    Captulos 1 a 3

    Para fac ilita r o nosso estudo, dividim os o livro de Efsios em duas partes. A prim eira, do versculo 3 do prim eiro cap tu lo at o final do terceiro. A segunda, do in cio do quarto cap-l ulo at o final do livro. Na prim eira parte , verem os a graa que instaura a paz, e na segunda parte, essa paz instalada concreta- m ente nas com unidades.

    A graa precede a paz. A reflexo teo lgica sobre a to ta lidade da ao de Deus em C risto precede a exortao sobre o novo viver da com unidade. Essa prim eira seo uma srie de reflexes sobre a nova sociedade, tal como foi criada e cham ada por Deus. a Igreja como Deus a fez, em glria, liv re do pecado, da m orte e do mal. No um longo arrazoado sobre conceitos e categorias teolgicas, m as uma apresentao viva, atravs de im agens e palavras-chaves.

    Nessa parte, abundam situaes de orao. M om entos de louvor, gratido, contem plao ou in tercesso, talvez o modo m ais legtim o de se falar sobre a graa de Deus. A travs da orao, o autor apreende verdades que esto alm da com preenso hum ana e, no m esm o esprito , in terfere na h ist ria das com unidades.

    Os verbos, na sua m aioria, encontram -se no tem po passado. M uitas vezes no perfeito , que uma m aneira do verbo grego expressar uma ao executada no passado, cujos efeitos perm anecem at o presente. Ou seja, a perfeita ao de Deus j aco n teceu e os seus resu lta d o s p erm anecem h o je e p e r m anecero por toda a eternidade.

  • aAS CARACTERSTICAS DA

    NOVA SOCIEDADE A Revelao do Mistrio (1.3-14)

    Essa seo com ea com um longo perodo de louvor a Deus, onde as caractersticas da nova sociedade so descritas. umI I uxo in in terrupto de palavras em um jogo contnuo de im agens, como se o autor v izualizasse, extasiado, o jo rrar da graa, cm um profundo m om ento de contem plao do agir de Deus no mundo e na histria . um m om ento de poesia e tem a form a de um salm o de bendio do A ntigo Testam ento. Os salm os eram os hinos dos judeus. com o se a alegria incontida pelo que Deus fizera e continuava fazendo na h istria s conseguisse se expressar atravs da beleza da poesia ou da m sica.

    O texto d iscorre sobre a ao de Deus Pai no Filho e pelo Esprito Santo. Com ea com o Pai, continua com o Filho e term ina com o Esprito Santo. Tem, portanto , uma estru tura (rinitria. A trindade no era uma doutrina elaborada e d iscu tida pelo povo do Novo Testam ento, m as era uma realidade experim entada no seu cotidiano. Nessa estrutura, a figura de Jesus C risto central. N ele fom os abenoados, escolhidos, ado tados, rem idos, predestinados, feitos herana. Ele o centro da graa e de todo o propsito de Deus, e perante ele que somos cham ados a viver santa e irrepreensivelm ente.

    Todo o texto trata da revelao de um m istrio , outrora oculto , onde a nova sociedade de Deus ocupava lugar proem inente. Essa nova sociedade vai sendo caracterizada atravs de vrias im agens extradas do dia-a-dia e do m eio cultural do autor. Eram im agens de situaes conhecidas dos destinatrios que lhes tocavam a im aginao e a sensibilidade.

    As im agens vm do m undo relig ioso, do m undo fam iliar e do m undo econm ico, sendo h duas im agens deste ltim o:

  • uma que se refere s relaes trabalhistas e outra questo da propriedade da terra. Palavras como santos e irrepreensveis, adoo, redeno e herana, que incorporamos definitivam ente ao nosso vocabulrio eclesistico, eram palavras com uns que estavam sendo utilizadas para expressar essas verdades fundam entais to fam iliares e to caras aos cristos hoje.

    Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jsus C risto, que nos abenoou com todas as bnos

    espirituais nas regies celestia is em C risto. (1.3)

    A palavra bendito in troduz a form a potica e caracteriza todo o perodo como salm o e expresso de louvor. A expresso regies celestiais no se encontra em nenhum a outra carta ou livro do Novo Testam ento, mas aparece cinco vezes aqui em Efsios. No parece ter o m esm o significado de cus, que a palavra que aparece em outros lugares.

    No livro de Efsios, as regies celestiais so a fonte de onde procedem as bnos espirituais (1.3). Nas regies ce lestiais C risto est assentado acim a de toda autoridade (1.20-21) e com ele est assentada a Igreja (2.6). A Igreja proclam a, perante principados e potestades, a m ultiform e sabedoria de Deus (3.10) nas regies celestiais; e ali o lugar onde o cristo trava verdadeiram ente a sua luta contra as foras esp irituais do m al (6.12).

    D iante de todo esse quadro, podem os afirm ar que com regies celestiais o autor descrevia essa realidade invisvel que cerca e toca a realidade visvel. Dali procediam as bnos espirituais. D iscute-se se esse term o significava bnos do Esprito ou se apenas se contrapunha a bnos m ateria is. Como todas as aes descritas esto diretam ente associadas pessoa do Esprito , este o significado m ais provvel. De qualquer modo, o term o nos lem bra que essa realidade in v isvel que d sentido pleno realidade visvel.

    Essa viso das regies celestiais no era um cham ado para se afastar das regies terrestres. Pelo contrrio , deveria ajudar todos os destinatrios a fincar bem os ps no cho, pois era a histria o lugar onde a graa estava sendo derram ada. No entanto, som ente ali, nessa outra dim enso, encontravam -se os recursos necessrios para agir dentro da h istria. Em outras palavras, com a viso celeste que se trabalha a realidade terrestre.

  • Porque nos escolheu nele antes da criao do m undo, para serm os santos e irrepreensveis em

    sua presena. (1.4)

    Com os term os santos e irrepreensveis, o au to r alude provavelm ente cena de um ritual do sacrifcio judaico . A palavra irrepreensvel significava literalm ente sem m ancha , im aculado, e era assim que o anim al sacrificado deveria ser.

    Os rituais de sacrifcio faziam parte de p raticam ente todas ;is religies conhecidas. Os anim ais eram sacrificados por vrios m otivos: para apagar pecados, aplacar a ira de um deus, ex pressar gratido, ou sim plesm ente para cum prir um calendrio pr-estabelecido. D etalhava-se o vesturio dos sacerdotes, o tom da m sica que eventualm ente fosse tocada e no poderia haver falhas, ou o ritual perderia todo o valor.

    Os pecados que precisavam ser apagados pelos sacrifcios variavam de relig io para relig io , mas reportavam -se s d iversas listas de tabus que cada relig io trazia. Eram proibies de natureza diversa, inclusive alim entar, que, m uitas vezes, no tinham nada a ver com qestes ticas m ais profundas.

    Nas novas com unidades criadas em Cristo no havia listas de tabus nem rituais prescritos para purificao. A idia era de ilue eles no eram cham ados a oferecer sacrifcios, m as a se rem o sacrifcio . E les que precisavam ser puros e sem m anchas, e no um anim al que os substitu sse. A relig io deixava de ter um carter externo e ritual, passando a assum ir d efin itivam ente um carter interno e tico. Sem listas, sem tabus, sem m anuais de purificao, as novas com unidades deveriam aprender a viver uma nova vida e essa sua nova vida seria o seu culto,o seu ritual de oferta a Deus.

    Em am or nos predestinou para serm os adotados com o filhos por m eio de Jesus C risto, conform e o bom propsito da sua vontade, para o louvor da sua gloriosa graa, a qual nos deu gratuitam ente

    no Am ado. (1.5-6)

    Com o verbo predestinar, o autor se reporta a uma idia que aparece continuam ente: a nova sociedade no um hiato na h istria , uma espcie de suspenso tem poral entre Israel e o Reino, com o querem alguns, mas estava no plano eterno de Deus. O propsito fora estabelecido antes da fundao do mun-

  • do (v.4), precedendo, portanto, queda do hom em e eleio de Israel.

    A idia de predestinao tem suscitado m uitas dvidas e crticas atravs dos tem pos. Algum as vezes, verdade, tam bm sofreu perigosas nfases e interpretaes. Para m uitos cristos e no-cristos a predestinao um ato da ira de um Deus que escolhe a quem quer e como quer, sem nenhum critrio lgico e sem que o escolhido tivesse qualquer chance diante do m esm o. Essa nfase dem asiada na soberania de Deus o faz parecer, s vezes, uma caricatura de si mesmo. O texto aqui m ostra-nos algo com pletam ente diferente.

    Prim eiro, a predestinao um ato do am or de Deus. No um Deus vingativo e irado que pune, mas um Deus am oroso que cham a e escolhe. verdade que expresses como ira de D eus no devem ser desprezadas ou cam ufladas. Todo o ensino do A ntigo Testam ento, principalm ente dos profetas, sobre um Deus que no tolera a in justia, a explorao e a opresso, continua fazendo sentido para as novas com unidades. Porm, tanto na idia de eleio quanto na de predestinao, a nfase na m isericrdia de Deus.

    Segundo, a predestinao em Jesus Cristo. Ele que verdadeiram ente o predestinado. No h nova sociedade fora dele nem h predestinao parte da sua vida, m orte e ressu rreio. E le o passado, o presente e o futuro da predestinao, a origem , o cam inho e a m eta da nova sociedade.

    Terceiro, a predestinao fruto da sabedoria de Deus. No irracional, m as razovel e in teligente. Isso quer dizer, entre outras coisas, que a predestinao obedece a critrios; e no a critrios aleatrios mas a critrios justos, coerentes como carter de quem a realiza.

    Por ltim o, na predestinao, o hom em e a m ulher so levados a srio, no so tratados como um joguete nas m os do criador ou como um boneco sem vontade prpria. Do mesmo m odo, as atitudes dos hom ens e das m ulheres so levadas a srio. A h ist ria no um palco de representao teatra l, nem um joguinho divertido onde as pessoas podem ir experim entando novas com binaes. As escolhas trazem consequncias e a vontade influ i decisoriam ente sobre o futuro de cada um.

    R esum indo, a idia da predestinao reafirm a a soberania e a direo de Deus na h istria, expresso do seu am or, in te ligente e criteriosa (o critrio Jesus C risto), e leva em conta as decises hum anas.

  • A predestinao visa a adoo. A im agem tirada do cos-l ume rom ano, a idia sria de que a nova sociedade era a nova lii m ilia form ada atravs do processo de adoo realizado pelo 1iii atravs de Jesus Cristo.

    No era incom um na poca algum de uma fam lia, quase sem pre um jovem , ser adotado por outra fam lia. s vezes, eram nobres que davam uma oportunidade a um jovem prom issor, mas de origem pobre. Esse jovem passava a fazer parte integral dessa nova fam lia com todos os d ireitos e deveres.I o srio era o processo de adoo que esse jovem passava a ser realm ente uma nova pessoa, tendo todo o seu passado cancelado, inclusive suas dvidas.

    A im agem da adoo, ento, com unicava aos destinatrios da carta duas idias principais. A prim eira era a de ascenso social. A nova com unidade era a com unidade dos filhos de Deus, o novo Pai, a quem passavam a pertencer. P rincipalmente para os m ais pobres, o sentim ento seria o de restaurao de sua dignidade pelo acolhim ento afetuoso do Pai e dos irmos. O passado estava cancelado e um novo e am plo cam inho abria- se sua frente.

    A segunda idia com unicada pela im agem da adoo era a de fraternidade. Na nova com unidade todos eram irm os, adotados nas m esm as circunstncias. Hom ens, m ulheres, crianas, escravos, senhores, judeus, gregos, todos estavam ligados por laos to fortes como os de parentesco, o que os levava a exercitar um real esp rito de solidariedade e apoio m tuo. Esse apoio no era um m ero cum prir das regras da com unidade, mas a consequncia natural do afeto existente entre irm os.

    A adoo era para louvor da glria de sua graa. Ou seja, a nova fam lia era cham ada a viver de tal m odo que a graa de Deus fosse glorificada. Seria uma com unidade que dem onstraria na prtica a ao graciosa de Deus no mundo. O seu viver a lternativo , contrastando com o viver de outras com unidades, seria com o uma luz brilhando em m eio desigualdade e desam or reinantes.

    Nele tem os a redeno por m eio do seu sangue, o perdo dos pecados, de acordo com as riquezas da graa de D eus, a qual ele derram ou sobre ns com

    toda a sabedoria e entendim ento. (1.7-8)

    A palavra traduzida por redeno vem do m ercado, onde escravos eram expostos com o m ercadoria , podendo even-

  • tualm ente ser com prados para ser colocados em liberdade. G eralm ente, neste caso, a transao seria feita em nom e do tem plo ou do deus local, e o resgatado seria considerado, a partir da, propriedade do referido deus. O preo pago neste caso especfico era designado pela palavra que traduzida em portugus como redeno.

    O que a im agem da redeno com unicava s com unidades para as quais fora enviada essa epstola?

    Prim eiro, ficava claro que toda a com unidade era com posta de escravos do pecado que foram rem idos. Para os socio- econom icam ente escravos que faziam parte da com unidade essa era sem dvida uma m ensagem que os tocava profundam ente e que lhes abria os olhos para a igualdade fundam ental de todos diante de Deus.

    Em segundo lugar, ajudava a com unidade a perceber que a graa no era um convite inrcia e ociosidade, mas um cham ado a um novo trabalho. Continuavam trabalhadores, escravos de um novo senhor, ou de seu legtim o senhor, Deus. Como escravos, continuavam sem poder reiv indicar direitos e continuavam tendo m uitos deveres. O que m udara, na verdade, foram as condies de trabalho, pela m udana do senhor que no os tratava como escravos, mas como filhos. E essa m udana era uma restaurao de sua dignidade de trabalhadores.

    O preo pago pela libertao, ou pela reaquisio , fora o sangue de Cristo que efetivava o perdo na vida de cada um deles. A palavra perdo tinha m uitos significados, em bora to dos sim ilares. O riginalm ente havia sido usada para arrem essar, jogar para longe; o seu uso mais comum era desprender, so ltar, livrar, aplicando-se, por exem plo, a um contrato, um casam ento ou outra obrigao qualquer.

    O perdo fora derram ado em abundante profuso, segundo a riqueza da graa de Deus com toda sabedoria e entendimento. Essa ltim a expresso confirm a a m esm a idia discutida no tpico sobre predestinao (v.5): a graa fora derram ada abundantem ente de uma form a in teligente e prudente, o que quer d izer que atendeu a um padro de coerncia onde no podia haver injustia.

    E nos revelou o m istrio da sua vontade, de acordo com o seu bom propsito que ele

    estabeleceu em C risto, ou seja, de fazer convergir em C risto todas as coisas, celestia is ou terrenas, na dispensao da plenitude dos tem pos. (1.9-10)

  • Esse texto um ponto culm inante, uma espcie de pice dessa orao, onde anunciada a revelao do m istrio de Deus. Revelao s ign ifica literalm ente tirar o vu e alude a um conhecim ento que vai alm do conhecim ento hum ano. Algo (I tie no se pode alcanar por raciocn io , im aginao ou pelo c xerccio de qualquer faculdade de natureza hum ana. Som ente por ao divina, externa a essa capacidade de com preenso,
  • propsito da sua vontade, a fim de que ns, os que prim eiro esperam os em Cristo, sejam os para o louvor da sua glria.

    N ele, quando vocs ouviram e creram na palavra da verdade, o evangelho que os salvou, vocs

    foram selados com o Esprito Santo da prom essa.Ele a garantia da nossa herana at a redenodaqueles que pertencem a Deus, para o louvor da

    sua glria. (1.11-14)

    A ltim a das im agens usadas para descrever a nova so ciedade era do m undo econm ico, mas fazia parte da sim bolo- gia relig iosa de Israel. Era a idia de herana , apresentada a partir de dois enfoques. Prim eiro, a nova sociedade, a Igreja, era a herana de Deus. A frase nele tambm fom os escolhidos (v. 11) significa literalm ente nele tam bm fomos feitos herana . Segundo, a nova sociedade recebe, por sua vez, herana de Deus. D esta o Esprito Santo o penhor (v. 14).

    Am bas as idias tm sua origem no Antigo Testam ento. L Israel a herana de Deus, seu tesouro particu lar entre todos os povos (Ex 19.5). E l tam bm o povo recebe herana de Deus. Esta consiste de form a especial na ddiva da terra (Gn 15.18).

    A questo da terra era v ital para o pequeno povo de Israel e a sua h istria poderia se resum ir luta pela conquista, posse e m anuteno da terra. A terra era santa e a terra era prom etida, era a herana de Deus, firm ada no contrato, no pacto de Deus com o povo.

    Com o passar do tem po, e principalm ente no exlio , o conceito de herana se am pliou. Toda a terra seria a herana de Israel, entendida a partir de seu dom nio m essinico. A igreja do Novo Testam ento apropria-se desta prom essa. Os m anso s, diz Jesus, herdaro a terra (Mt 5.5).

    Assim, a nova sociedade possua tambm a herana de Deus, da qual o E sprito Santo era a garantia. M ais do que a terra, entretanto , a herana do novo povo seria esse cosm os res tau rado em Cristo.

    O acesso a essa herana dependia de uma resposta de f palavra da verdade, o evangelho da salvao. Quando criam eram selados com o Esprito Santo da promessa. Aqui h uma referncia prom essa proftica do A ntigo Testam ento do de rram am ento do Esprito que os cristos reiv indicavam para si. A nova sociedade era a sociedade dos ltim os dias, onde o

  • Esprito prom etido anteriorm ente agia profusam ente em todas ;is pessoas.

    A idia da predestinao , ento, aparece associada idia da evangelizao. Isto sem dvida nos ajuda a entender o assunto. O texto in icia dizendo nele tendo sido predestinados, mas continua nele, quando vocs ouviram e creram... fo ram selados. Ou seja, houve um m om ento em que a salvao se concretizou e essa concretizao envolveu tam bm um ato da vontade hum ana. A idia de p redestinao no exclui a necessidade de evangelizao.

    A presena do E sprito na vida da pessoa aparece comoi m ediata salvao e apresentada atravs de duas im agens. A de selo e a de garantia ou penhor.

    O selo era sinal de autoridade, au ten tic idade ou de p ro priedade. Quando um governante queria que um decreto fosse cum prido, ou que no se tocasse em algo seu, colocava o seu selo.

    A garantia , ou penhor, era parte do preo de um a com pra, uma espcie de sinal antes do pagam ento total. Por isso, a presena do Esprito na com unidade e na vida das pessoas era a m arca da propriedade de Deus (herana) e uma antecipao, uma parcela da herana da com unidade.

    Essa im agem de herana trazia algum as conseqncias prticas para a vida econm ica da nova sociedade. Se eram a propriedade de Deus, o m uito ou pouco que porventura possussem pertenceria a le e a seus propsitos. O que equivale a d izer que pertenciam com unidade e aos projetos de res tau rao de Deus na histria . Por isso, toda nova com unidade praticava algum a espcie de com unho de bens, e m uitos c ris tos investiam dinheiro na evangelizao m undial e no socorro aos pobres da Judia, atingidos por catstrofes h istricas.

    De igual m aneira, se Deus era a sua propriedade, no p re cisavam de m ais nada, pois nele tinham o Reino, tinham o universo restaurado, tinham tudo. Por isso, ter, acum ular, ad quirir no era prioridade nas suas vidas. As prioridades eram ser, doar, repartir.

    Um a das grandes polm icas teolgicas da Idade M dia era se o cristo tinha d ireito posse ou som ente ao uso das coisas. A questo era relevante por ter sido a poca em que a Igreja m ais acum ulou bens e p ropriedades sobre a face da terra. Q ualquer que seja a soluo para esse problem a, bom lem brar que bens e propriedades de cristos e de Igrejas, s podem

  • ex istir enquanto extenso da propriedade de Deus. O seu uso, por conseguinte, deve estar a servio dos seus objetivos na histria.

  • OS RECURSOS DA NOVA SOCIEDADE (1.15-23)

    D epois do louvor, vem um m om ento de orao m que o iiutor coloca d ian te de Deus os destinatrios da epstola. Ele agradece e pede a Deus, e no contedo do seu agradecim ento e de sua petio esto os recursos que ele espera que estejam disposio das d iversas com unidades.

    Estam os diante de um dos m om entos m ais srios da espiri- lualidade crist: a orao por pessoas, feita aqui em ag radecimento e petio. Por inferncia, podem os dizer que no h grupos ou indivduos to talm ente im perfeitos, por isso terem os sem pre o que agradecer; nem totalm ente perfeitos, por isso sem pre haver o que pedir. A gradecem os e pedim os porque crem os que a graa de Deus pode operar transform aes que so im possveis natureza hum ana decada.

    H um duplo efeito nesse tipo de orao. H transform ao na vida daqueles por quem pedim os e ns m esm os som os tran sform ados. Quando inclum os o nosso irm o na nossa in tim idade com Deus, tornam o-nos m ais ntim os do nosso irm o. im possvel para ns agradecer ou pedir algo para o outro sem que barreiras, preconceitos e egosm os sejam quebrados dentro de ns mesmos.

    Por essa razo, desde que ouvi falar da f que vocs tm no Senhor Jesus e do am or que

    dem onstram para com todos os santos, no deixo de dar graas por vocs, m encionando-os em

    m inhas oraes. (1.15-16)

    O autor agradece a Deus pela f e o amor da com unidade ou das com unidades. Ele tivera notcias disso por terceiros. O que sign ifica que as atitudes eram concretas, visveis. Isso casa

  • bem com o outro sentido da palavra f: fidelidade. Sem dvida, a fidelidade dos destinatrios a Jesus era algo que podia ser observado em suas atitudes, sua firm eza e seu enfrentam ento dos obstculos. E o seu am or podia ser m edido nos gestos e atitudes cotidianas.

    A f em Jesus seria o prim eiro recurso disposio da com unidade para que a m esm a alcanasse os seus objetivos. Jesus era o centro das novas com unidades, o seu m odelo e o seu alim ento. Era na fidelidade vida e s palavras de Jesus que as m esm as se m ovim entavam . No era a sua organizao, a sua liturgia ou as suas regras, o que im portava. Ela existia em to rno de Jesus.

    Porque fundam entada em Jesus Cristo, a sua f redundava em amor. Jesus no escrevera um livro de m andam entos, no estabelecera rituais esotricos, no revelara frm ulas e segredos m gicos. Por isso, o grupo que estabelecera em torno de si d iferia do judasm o e de outros grupos. Era um grupo de amor. A m or este que se revelava no acolhim ento e libertao de pecadores e pecadoras, possessos, doentes, pobres e m arg inalizados. O am or da com unidade era para com todos os santos. Exatam ente como o amor de Jesus que atingia a todos, independentem ente de suas d iferenas pessoais, sociais e raciais.

    A travs da h istria , a Igreja tem tido dificuldade de en tender de m odo prtico que a sua f em Jesus se traduz em am or aos hom ens e s m ulheres. Em m uitos m om entos tem vivido uma dissociao im possvel, uma espcie de esquizofrenia teolgica, entre f e amor.

    No rom ance brasileiro A B agaceira , de Jos A m rico, a personagem principal, um fazendeiro decadente, aparece no final da h ist ria freqentando cada vez m ais a igreja. E m edida que se envolvia com oraes, m ais som brio e d istan te das pessoas ficava. Sua f se fortalecia e se aquecia cada vez m ais in tensam ente, e seu am or pelas pessoas se enfraquecia e se congelava.

    No livro de N ietzsche Assim Falava Z aratustra , h o seguinte dilogo entre Zaratustra e um santo erem ita:

    Zaratustra respondeu: Amo os hom ens .A final, por que - disse o santo - vim eu para a solido? No

    foi por am ar por dem ais os hom ens? Agora amo a Deus; no amo os hom ens. O hom em , para m im , coisa dem asiadam ente incom pleta. O am or pelo hom em me m ataria .. N este dilogo, o santo hom em de Deus no ama os hom ens

    e o profeta da m orte de Deus os ama! M as, graas a Deus, em

  • m uitos e decisivos m om entos da h istria , a Igreja tem dem onstrado que a com unidade da f em Jesus C risto necessaria mente a com unidade do am or s pessoas.

    Peo que o Deus de nosso Senhor Jesus C risto, o glorioso Pai, lhes d um esprito de sabedoria e revelao, no pleno conhecim ento dele. (1.17)

    O outro im portante recurso da com unidade seria o conhecimento. Este conhecim ento viria atravs de um esprito de sabedoria e de revelao . A palavra esprito poderia se referir lanto ao in terior hum ano, quanto pessoa do E sprito Santo. Seja com o for, esse conhecim ento decorreria sem pre de uma ao sobrenatural, no v iria m eram ente da in te ligncia hum ana. Por isso era tam bm esprito de revelao.

    A palavra sabedoria poderia estar se reportando ao am biente grego, onde a sua busca constitu a-se a coisa m ais im portante para o ser hum ano. Era a busca do princp io e da essncia das coisas, daquilo que estava alm da realidade aparente. Em vista d isso , a vida contem plativa seria a vida real, reservada apenas para alguns privilegiados.

    Era m ais provvel, porm , que estivesse sendo usada denI ro do conceito judaico , onde a sabedoria era a habilidade de se viver bem, de um modo pleno e justo. Era a sabedoria dos atos concretos e dos relacionam entos hum anos, que vinha do conhecim ento e do tem or de Deus.

    O conhecimento, nesse sentido, parec ia ser a p rim eira grande necessidade da com unidade, objeto da petio do au- lor. Este seria o recurso que abriria a porta para todos os outros. D este m odo, a instruo, o d iscipulado, o ensino, seria uma ativ idade central, presente em todas as ativ idades da co m unidade.

    O principal objeto desse conhecim ento seria a prpria fon te do conhecim ento: Deus. O pleno conhecim ento dele era a meta de sabedoria da com unidade. Como Deus aquele que no se conhece, m as aquele que se d a conhecer, o conhecimento v iria da revelao e seria inexaurvel, nunca estaria te rm inado. Portanto , o trabalho de instruo nunca deixaria de ser necessrio . A prpria existncia da epstola cum pria essa necessidade sem pre renovada de instruo para as comunidades.

    O ro tam bm para que os olhos do corao de vocs sejam ilum inados, a fim de que vocs

  • conheam a esperana para a qual ele os cham ou, as riquezas da gloriosa herana dele nos santos e

    a incom parvel grandeza do seu poder para conosco, os que crem os, conform e a atuao de

    sua poderosa fora. (1.18-19)

    Esse tipo de conhecim ento no poderia ser alcanado pelos olhos naturais, portanto haveria a necessidade de um a incidncia de luz sobre os olhos do corao. Essa potica expresso nos lem bra que h outros canais de conhecim ento alm dos naturais. A lgum as verdades, inclusive, dependeriam apenas destes outros instrum entos in tu itivos, sobrenatu rais, trans- racionais, para serem apreendidas. Uma pessoa pode pecar contra a verdade se se m antiver fechada nos estreitos lim ites da razo.

    H averia trs aspectos desse necessrio conhecim ento. A com unidade era cham ada a conhecer o seu cham am ento, a sua herana e o seu poder. Ou, m ais especificam ente, a esperana do seu chamamento,as riquezas da gloriosa herana e a incomparvel grandeza do seu poder. Esses trs aspectos do conhecim ento da ao de Deus podem ser colocados em form a de tem po: passado, futuro e presente.

    A prim eira coisa que a nova com unidade precisava saber que era com unidade chamada. O prim eiro conhecim ento seria o conhecim ento histrico. Como a com unidade fora form ada, por que m otivo e com que finalidade. O conhecim ento de sua h istria perm itir-lhe-ia se situar diante de outras comunidades sim ilares, ratificando as suas diferenas. Seria o conhecim ento h ist rico que lhe daria o sentim ento de participao nessa nova sociedade em ergente na histria , em conjunto com outras com unidades surgidas em outros lugares.

    O cham am ento fora feito em esperana. Isso queria dizer que a com unidade tinha uma finalidade e essa finalidade avanava para o futuro. Aqui apresentava-se uni ligeiro paradoxo: conhecer o seu passado significava descobrir que era uma co m unidade orientada para o futuro. S e a palavra esperana j trazia essa conotao em si m esm a, no m bito cristo ela apontava sem pre para aquela futura reconciliao csm ica de todas as coisas em Cristo.

    Esse futuro era apresentado pela palavra herana, j ana lisada an teriorm ente, que aqui vem acom panhada de duas p a la vras que trazem a idia de abundncia e que certam en te contrastavam com a aparncia atual da com unidade. A herana

  • era rica e gloriosa, em bora a com unidade no m om ento aparentasse ser pobre e insignificante.

    Seria com os olhos no passado e no futuro, por conseguinte, que a Ig re ja avanaria. Ela deveria ser m ovida por um a viso gloriosa, onde as som bras de um presente nebuloso desapareceriam . bom lem brar que, para as com unidades de ento, esse fu tu ro era im inente: a qualquer m om ento Jesus poderia voltar e o R eino, com toda a sua po tencialidade de graa, acolhim ento e restaurao , ser instalado.

    Se o passado da com unidade era o cham am ento de Deus em Cristo e o seu futuro a reconciliao de todas as coisas por Deus em C risto , qual seria o seu presente? O presente da com unidade seria o poder de Deus em Cristo.

    Esse poder ele exerceu em C risto, ressuscitando-o dos m ortos e fazendo-o assentar-se sua d ireita ,

    nas regies celestia is, m uito acim a de todo governo e autoridade, poder e dom nio, e de todo nom e que se possa m encionar, no apenas nesta era, m as tam bm na que h de vir. Deus colocou todas as coisas debaixo de seus ps e o designou

    com o cabea de todas as coisas para a igreja , que o seu corpo, a plenitude daquele que enche

    todas as coisas, em toda e qualquer circunstncia .(1.20-23)

    O quadro que descreve o poder de Deus em C risto presente na nova com unidade um quadro grandioso. C risto ressurreto est assentado nos lugares celestiais acima de todo poder celeste ou terrestre , acim a de qualquer nom e, presente ou futuro.

    Sob o seu com ando, j que ele o cabea, assentada com He (cf. 2 .6 )est a nova sociedade, a Igreja, como seu corpo e plenitude de Deus. Como tal ela tam bm tem, atravs de Cristo c juntam ente com ele, todas as coisas debaixo dos seus ps. Sem dvida nenhum a, um quadro que coloca a Igreja acim a de qualquer au toridade e que coloca todas as coisas debaixo da autoridade da Igreja. Q uais so as im plicaes disso?

    Se o poder de Deus na Igreja de natureza organizacional, ento o que deveram os buscar seria um Estado-Igreja, onde os cristos dom inariam o m undo e todas as coisas estariam re solvidas. Esse m odelo, inclusive, j existiu na Idade M dia, de forma am pla, e na Idade M oderna, em m bito m ais localizado. Ainda hoje, h pessoas que raciocinam desse m odo: se todos os

  • nossos dirigentes fossem cristos, em outras palavras, se a Igreja d e tiv e sse o p o d er o rg an iz ac io n a l do p a s , as m udanas necessrias aconteceriam im ediatam ente.

    Por outro lado, outras pessoas defendem para a Igreja um poder m eram ente espiritual e entendem com isso que a mesma se m ove em um espao cham ado religioso, onde o seu papel prom over cultos, ensinar os seus fiis sobre assuntos re lig io sos e ten tar aum entar por persuaso o nm ero de Cristos.

    A m bos os m odelos tm -se m ostrado in ad eq u ad o s na h istria. O prim eiro pecando por excesso, o segundo por om isso.

    Para entenderm os a Igreja nessa dim enso de poder, vamos im aginar que a hum anidade seja um grande crculo e a Igreja, a nova hum anidade, um crculo m enor dentro dessa outra. A m bos os crculos esto debaixo da autoridade e do am or de Deus.

    O pequeno crculo, porm , mais do que tudo, a nova so ciedade de Deus, portanto, o m odelo de Deus para o crculo m aior, ou aquilo em que Deus gostaria que toda a hum anidade se tornasse. Alm de m odelo, esse pequeno crculo o agente de Deus no crculo m aior, ou o instrum ento de Deus para a transform ao de toda a hum anidade. Nesse crculo m enor, Deus colocou todo o seu poder para que o m esm o atingisse os seus objetivos. Por isso m esm o, ele precisa ter conscincia da natureza desse poder e de como deve ser exercido.

    A prim eira caracterstica desse poder que ele o poder da vida que destri o poder da m orte. Foi o m esm o poder que ressuscitou Jesus Cristo dentre os mortos. Seria, portanto , poder transform ador, restaurador e libertador. C onseqentem ente, toda ao que no transform asse, restaurasse ou libertasse, no teria nada a ver com o poder de Deus.

    Som ente esse poder poderia operar a radical transform ao in terior das pessoas: o novo nascim ento que gera o novo homem e a nova m ulher. No havia esse tipo de poder d isponvel em nenhum outro lugar.

    Era tam bm um poder acima dos poderes. Poder muito acima de todo governo e autoridade, poder e domnio e de todo nome p resente ou futuro. As com unidades se m oviam entre um com plicado jogo de poderes hum anos e sobrenaturais. E xperim entavam as restries da sua situao pessoal, social, cu ltu ral e poltica. A carta aos Efsios lhes diz que receberam um poder que os coloca m uito acima do poder do seus senhores terrenos, do seu tribunal local ou do im ponente e im pressionante poder do Im prio Romano. Um poder acim a dos num e-

  • rosos espritos m alignos que povoavam o seu universo e das num erosas foras que tentavam destru -los ou derrot-los.

    Por ltim o, era um poder sobre todas as coisas. N ada ficava fora do poder e da autoridade de C risto e da Igreja. N enhuma idia , nenhum s is tem a , nenhum a p roduo . N ada na natureza, nada produzido pelo prprio hom em , ficava fora.

    Jesus Cristo era o cabea da Igreja que seria o seu corpo, a plenitude daquele que enche todas as coisas em toda e qualquer circunstncia. A igreja se m ovia sob a autoridade de Jesus, era o seu corpo, e era a continuidade e atualidade do m inistrio de Jesus, de uma certa form a, a continuao da prpria presena de Jesus na terra. N esse sentido ela era a p len itude de Deus.

    O poder da Igreja no era prprio, era o poder de Deus que continuava sendo dele. Para adm inistrar esse poder, a Igreja necessitaria de faz-lo atravs de Cristo, exercendo-o do m esmo modo como Jesus o exerceu. Por isso, p recisarem os refletir um pouco sobre o exerccio do poder de Jesus durante os anos do seu m inistrio .

    Em prim eiro lugar, Jesus exercera o seu poder com sim plicidade. Vivia sem luxo, sem ostentao e sem dem onstraes espetaculares de poderio. No tinha onde reclinar a cabea, no acum ulava bens e propriedades sobre a terra, nem procurava cargos e honras pblicas. O poder da Igreja seria, ento, esse poder de viver com sim plicidade, sem ostentao pblica, sem buscar favores e priv ilg ios. Seria o poder de renunciar, o poder de negar-se a si mesma.

    Em segundo lugar, Jesus exercera o seu poder atravs da palavra. A sua palavra repreendia o vento, expulsava os dem nios, ensinava os d iscpulos, transform ava vidas e confrontava as autoridades, principalm ente as autoridades judaicas, os fa riseus, saduceus e herodianos. Seria com a fora da palavra de Jesus, no com dinheiro ou com arm as que a Igreja exerceria o seu poder e autoridade. Ela teria o direito de se pronunciar sobre qualquer assunto, inclusive o direito de confrontar e denunciar. T eria de faz-lo e inm eras vezes na histria , efe tivam ente, o fez, corajosam ente, apesar de ameaas e perseguies. A lgum as vezes, infelizm ente, se omitiu.

    Com o poder transform ador da palavra de Jesus, a Igreja evangelizaria; com o poder proftico da palavra de Jesus, a Igreja denunciaria; com o poder m odelador da palavra de Jesus, a Igreja ensinaria.

    Em terceiro lugar, o poder de Jesus era exercido atravs do servio. Servio m isericordioso e restaurador, fruto do seu amor

  • e de sua profunda capacidade de com padecer-se do sofrim ento das pessoas. Por isso, o seu servio atingia a todos, ind istin tam ente, m as principalm ente aos pecadores, aos m ais pobres e aos m arginalizados. Em Jesus, os pobres, os doentes, os publi- canos, as m ulheres, as crianas e, at mesmo um explorador como Zaqueu, encontravam afeto e restaurao.

    O poder da Igreja, portanto, seria o poder de servir. Todas as reas, dim enses e esferas da vida, necessitam do servio da Igreja. Servio m isericordioso, exercido como poder restau rador advindo de Jesus, onde os pecadores, pobres e m arg inalizados da sociedade encontrassem acolhim ento.

    Por ltim o, o poder e autoridade de Jesus era resultado de sua vida, de sua coerncia entre o que dizia e o que fazia. Era o poder de ser. A autoridade do que dizia estava apoiada na au to ridade dos seus atos e da sua m aneira de viver. Do m esm o m odo, o poder da Igreja viria de sua coerncia em todas as reas de sua vida. Se a nova sociedade podia v iver a nova vida de Deus, poderia exercer o novo poder de Deus.

    A cruz era o sm bolo m xim o desse poder. A cruz seria o poder em sim plicidade, a palavra poderosa, o ponto cu lm inante do servio e o resultado de uma total coerncia. A Igreja, portanto , seria Igreja poderosa enquanto conseguisse viver como Igreja crucificada.

  • O PODER DA VIDA QUE DESTRI O PODER DA MORTE

    (2.1-10)

    O texto que se segue uma continuao, uma espcie de explicao detalhada do anterior. O poder de Deus apresentado com o o poder que d vida e destri o poder que opera a morte. A m oldura desse texto so duas antteses. A prim eira, de natureza teo lgica, apresentada pelas palavras vida e morte. A segunda, de natureza tica, apresentada pelo verbo andar usado duas vezes em direes opostas. Andar nas transgresses e pecados ou andar nas boas obras que Deus criou.

    V ocs estavam m ortos em suas transgresses e pecados, nos quais costum avam viver, quando

    seguiam a presente ordem deste m undo e o prncipe do poder do ar, o esprito que agora est atuando nos que vivem na desobedincia. (2.1-2)

    O que tornava m ortas as pessoas da velha sociedade eram as suas transgresses e pecados. Essas duas palavras tm algumas pequenas diferenas. A palavra transgresso pode tam bm ser traduzida com o queda, tropeo, erro, perder o caminho, desobedecer um m andam ento. Traz sem pre a idia de um erro deliberado e voluntrio . Na palavra pecado, a im agem de errar o alvo. a idia de insuficincia, de se estar sempre aqum da m eta pretendida.

    O pecado um estado de insuficincia, de incapacidade crnica de se chegar totalidade da vontade de Deus, uma a titude de oposio s exigncias ticas de Deus e ainda a srie de atos deliberados de com isso ou de om isso que causam

  • uma diviso real ou dentro do ser da pessoa, ou no seu re la cionam ento com o prxim o ou na sua relao com Deus.

    Por causa dessa abrangncia que o pecado atinge a todos os hom ens e m ulheres e os nivela por baixo. Essa situao era cham ada de m orte porque absolutam ente incapaz de produzir a p lenitude de Deus que cham ada de vida. A m entira, a in ju stia e a violncia, seriam os cam inhos naturais da velha sociedade e, em bora pudesse haver ali verdade, ju stia e amor estes seriam insuficientes, estariam m uito aqum da plenitude de Deus.

    O pecado que opera a m orte, o m al que age nas sociedades e no in terior das pessoas, resultado, segundo o texto, da ao de trs foras. Uma de natureza interior, a carne. Outra ex terior, o mundo. E a ltim a de natureza transcendental, o diabo. Eram as foras da m orte que agiriam de m aneira associada e com plem entar. Elas aparecem no texto na seguinte ordem.

    A prim eira a fora do mundo. Antes de se tornarem cristos os destinatrios, andando nos seus pecados, seguiam a presente ordem deste mundo. A palavra mundo no Novo T estam ento refere-se a vrias realidades. Ao universo criado por Deus, ao lugar da habitao do hom em e do desenro lar da h istria , ao conjunto de pessoas que com pem a raa hum ana. Todos esses sentidos so positivos ou neutros. M as, o sentido aqui fortem ente negativo e refere-se ao conjunto de s is te m as organizados parte de Deus e contra Deus. Esse ltim o sentido abundante no Novo Testam ento.

    Este m undo age no indivduo como uma fora de conform ao, de natureza social. Os seus valores so contrrios aos valores do Reino, s vezes de m aneira sutil, s vezes ostensivam ente. Poderam os afirm ar que esta fora cham ada mundo se refletia no poder to ta litrio do Im prio Rom ano, na sensualidade desenfreada dos cultos pagos, na riqueza ostensiva das classes dom inanates em contraste com a m isria das classes em pobrecidas, na desvalorizao das m ulheres e crianas, no sistem a fam iliar fortem ente patriarcal, nos conflitos raciais e em vrias outras facetas da sociedade de ento.

    A segunda fora seria de natureza pessoal e transcendental. Era a fora do Diabo descrito como o prncipe do poder do ar e como o esprito que agora est atuando nos que vivem na desobedincia. A descrio de Satans como uma persona lidade parece-nos mais sim ples e eficaz do que toda a discusso que tenta reduzi-lo a uma fora pessoal e irracional. como pessoa que ele descrito no Novo Testam ento e m uitos dos

  • fenmenos observados na nossa h istria podem ser m elhor explicados a partir de sua existncia.

    A expresso prncipe do poder do ar poderia ser uma referncia idia de que ele seria o com andante de um a srie de personalidades m alignas poderosas que agiriam em um dos elem entos da natureza, o ar, o que seria a m esm a coisa que afirm ar que estariam atuando no campo de ao hum ana. Ele era tam bm o esprito que agora est atuando nos que vivem na desobedincia. A desobedincia hum ana aos valores de Deus leria nele o seu principal comando e a sua p rincipal influncia. Os que vivem na desobedincia uma traduo que com unica bem a idia transm itida pela expresso literal filhos da desobedincia , no original.

    O utrora todos ns tam bm vivam os entre eles, satisfazendo as vontades da nossa carne, seguindo

    os seus desejos e pensam entos. Com o os outros, ram os por natureza m erecedores da ira. (2.3)

    A ltim a das foras m encionadas cham ada de carne. bom lem brar que carne aqui no o corpo hum ano, como aparece em outros lugares do Novo Testam ento, nem a m atria que se oporia ao esprito. Como em todos os lugares onde o term o aparece com conotao negativa, o vocbulo aqui refere-se natureza hum ana decada e, portanto, pecam inosa. Esse dualismo que diz que a m atria m e o esprito bom , sendo o corpo hum ano, portanto , m au, foi com m uita probabilidade uma heresia fortem ente com batida no incio da Igreja.

    Com a palavra carne o Novo Testam ento com unica uma verdade que vivem os constantem ente. E o fato de que eu sou o meu prim eiro e principal inim igo. Sou eu que atrapalho as minhas prprias realizaes e desfao as m inhas boas intenes. O m eu eu um eu dividido. Se, por um lado, planejo, esforo- me e luto para crescer e ajudar o m eu grupo e a hum anidade a atingirem objetivos, por outro lado em penho-m e fortem ente para que isso no seja possvel. Estou sem pre vigilante, ten tando atrapalhar e lim itar o m eu crescim ento.

    Essas trs foras agem irrefreadam ente entre os com ponentes da velha sociedade, os f i lhos da desobedincia. Estes so igulam ente cham ados e f i lhos da ira, expresso traduzida pertinentem ente por merecedores da ira. Essa expresso refere- se resposta de Deus desobedincia hum ana. verdade que ela tem dado m argem a m uitas caricaturas de Deus na histria

  • e que m uitos a tm usado para expressar o seu prprio rancor, dogm atism o, fanatism o, into lerncia e legalism o. No entanto, no pode ser sim plesm ente ignorada. A ira de Deus reflexo de sua ju stia infin ita e o com plem ento de sua m isericrdia. Do m esm o m odo que o corao de Deus sangra pelos pecadores, sofredores, pobres, oprim idos e m arginalizados, a sua justia bram a contra o pecado, violncia, injustia e opresso humanas.

    A idia de um Deus indignado contrasta com a im agem de uma Igreja passiva. Se a plenitude de Deus habita na sua Igreja, esta deveria ser, em m uitos e srios m om entos, m ensageira de sua indignao e profetisa do seu ju zo. bvio que essa ira tam bm uma conclam ao ao arrependim ento e o seu objetivo desim pedir o cam inho da com paixo e m isericrdia de Deus para com todos.

    Todas estas trs idias, mundo, Diabo e carne, repetem que o hom em e a m ulher vivem s voltas com um com plexo de foras que os u ltrapassam e que os escravizam . V rios escritores e pensadores refletiram , de certo modo, sobre o tem a da lim itao e escravido hum ana.

    in teressante com pararm os as descobertas das cincias hum anas com essas afirm aes teo lg icas. A p sican lise dem onstrou que o com portam ento da pessoa hum ana no determ inado basicam ente pela sua razo, m as o produto de foras que esto dentro de si e que ela desconhece. A t certo ponto, o adulto escravo dos prim eiros seis anos de sua in fncia e de suas experincias com as outras pessoas nesse perodo. Isto lim ita o seu crescim ento enquanto pessoa e in terfere no seu com portam ento a vida toda.

    As cincias sociais tm estudado os grupos e as relaes de poder na h istria. Conhecem os os efeitos da coero social, a fora que o grupo exerce para que as pessoas pensem , falem e vistam -se de uma m aneira padronizada. Sabemos igualm ente de conceitos com o sistema e ideologia que so relaes ou idias globais produzidas por in teresses de classe e que tm um am plo poder de conform ao.

    No resta dvida de que esses m ecanism os de form ao pessoal ou social foram colocados m uitas vezes a servio do m al e de suas m anifestaes, em bora tenham tido em outras ocasies papel neutro ou m esm o benfico.

    Todavia, D eus, sendo rico em m isericrdia, pelo grande am or com que nos am ou, deu-nos vida

  • juntam ente com C risto, quando ainda estvam os m ortos em transgresses - pela graa vocs so

    salvos. D eus nos ressuscitou com C risto, e com ele nos fez assen tar nos lugares celestia is em C risto Jesus, para m ostrar, nas eras que ho de vir, a

    incom parvel riqueza de sua graa, dem onstrada em sua bondade para conosco em C risto Jesus.

    (2.4-7)

    At agora o quadro foi som brio e pessim ista, porque retra- lou a condio e a im possibilidade hum anas. M as, repen tinamente, nesse am biente de m orte e pecado, de erros e fracassos, surge a ao de Deus e tudo m uda com pletam ente. O poder da vida surge no m eio da sociedade da m orte e uma nova sociedade aparece, no m ais de m ortos mas de vivos, no m ais de escravos subjugados s foras do m undo, do Diabo e da carne, mas de livres, ressuscitados, exaltados e g lorificados com Cristo.

    Esta vida que destr i a m orte o resu ltado da m isericrdia, do am or e da graa de Deus. Trs palavras m uito prxim as, mas com algum as d iferenas bem significativas.

    A palavra misericrdia descreve um m ovim ento do in terior da pessoa em um sentim ento de ternura e uma atitude de fidelidade pa ia com outra pessoa. O judeu focalizava as con- lraes do rim com o o m ovim ento da m isericrdia. Quando essa m isericrd ia referia-se a Deus ganhava aplicaes mais especficas, porque o m over do ntim o, das entranhas, dos rins de Deus se fazia prio ritariam ente na direo dos oprim idos, os pobres; dos desvalidos, os rfos e as vivas; dos d iscrim inados, as m ulheres, as crianas e os estrangeiros; e dos m arg inalizados, os pecadores. Ou seja, a ternura e a fidelidade de Deus se d irigiam prim eiram ente para aqueles considerados ltim os, para a escria da sociedade.

    A nossa palavra portuguesa, que vem do latim , preservou muito bem essa ltim a idia. Ela vem da juno de duas palavras, m isria e corao, e quer dizer exatam ente isso, ter o m iservel no corao, ou m over-se em am or e atitudes concretas na direo do m iservel, incluindo-se aqui todas as categorias m encionadas acima.

    A palavra aqui traduzida por amor descreve um tipo de amor que est alm do am or entre amigos e do am or sensual e que um a atitude incondicional em favor de qualquer pessoa, at m esm o do inim igo. um tipo de amor per doador, produtivo e. restaurador, que vai alm das palavras, expressa-se em atos

  • concretos de ajuda. O seu objetivo a dignidade do outro. Por isso m esm o, algum as vezes pode assum ir contornos duros, especialm ente quando o seu fim tornar o outro m ais d isc ip linado e capaz.

    A palavra graa lem bra m ais uma vez que a salvao e a san tificao no podem ser obtidas por esforo hum ano; so m ente o am or de Deus em Cristo pde operar transform ao nos com ponenetes da velha sociedade. um am or gracioso, agradvel e gratuito, no h nada que se possa fazer para merec- lo. A salvao e a santificao no podem ser com pradas. A doao de Deus em Cristo a favor da pessoa hum ana um ato da sua liberdade, extenso da sua m isericrdia, no h nada no ser hum ano que a justifique.

    O poder da vida que destri as foras da m orte atua de m odo concreto na nova sociedade agindo de trs m aneiras, aqui explicadas atravs de trs verbos. Todos os trs vm com um prefixo que significa com e traz a idia de jun tam en te . Sem pre se referem a Cristo. A nova sociedade estava v iv ificada com Cristo, estava ressuscitada com Cristo, estava elevada aos lugares celestiais com Cristo. A Igreja participava da to ta lidade da vida de Cristo e especialm ente da sua ressurreio, ascenso e glorificao.

    Portanto, o poder que d vida, o segredo da ressurreio e da glria de Deus, encontrava-se na Igreja, nessa nova sociedade com posta de novas com unidades de novos hom ens e novas m ulheres. Essa vida e essa glria estariam sendo dem onstradas atravs de uma nova m aneira de viver e essa dem onstrao ating iria as geraes futuras ou as eras que ho de vir.

    Essa ltim a expresso tanto podia sign ificar uma sucesso de tem pos ou de geraes, ou ento a chegada do novo tem po, da consum ao dos sculos, da grande reconciliao csm ica esperada pelo autor da carta. De todo m odo, ela com unicava a idia de continuidade e perm anncia. O novo m ovim ento viera para ficar e atravessar a histria. Isto que atravessaria a histria seria a dem onstrao da incomparvel riqueza de sua graa, atravs da sua bondade em Cristo Jesus, para conosco. A bondade de Deus era uma idia central para o v iver tico da com unidade, juntam ente com a justia e a verdade. Bondade lem brava gentileza, cuidado com os sentim entos dos outros, busca do bem do outro de uma form a delicada e agradvel.

    Pois vocs so salvos pela graa, por m eio da f, e isto no vem de vocs, dom de Deus - no por

  • obras, para que ningum se glorie. Porque som os criao de Deus realizada em C risto Jesus para

    fazer boas obras, as quais Deus preparou de antem o para que ns as praticssem os. (2.8-10)

    Os trs ltim os versculos desse texto form am , sem dvida, um dos pargrafos m ais belos, ricos e elucidativos sobres as verdades da f crist , lem brando que, acim a de tudo, as novas com unidades eram com unidades de salvao.

    A salvao fora rea lizada no passado e continuava no presente em direo ao futuro. O tem po grego usado, o perfei- lo, traz essa idia de uma ao continuada que teve o seu incio 110 passado. Isto acaba com a d istino entre ato e processo. A salvao j aconteceu, m as continua e continuar acon tecendo. A idia era forte e am pla. A salvao no seria algo que la 1 vez acontecesse dependendo de um futuro ju lgam ento , ela j acontecera e perm anecia. Era ato e processo.

    N orm alm ente fazem os d istino entre salvao e san tificao. Pedagogicam ente, para questes de m elhor com preenso, a d istino procede. Cham am os, ento, de sa lv ao o acontecim ento resultante do m om ento de adeso a Jesus Cris-lo, e de santificao a srie de experincias e atitudes, posteriores a esse m om ento, que im plicam em um crescim ento para a m aturidade crist.

    Entretanto , no existe tal d istino no Novo Testam ento. A salvao san tificao e a san tificao salvao. Os sa lvos so santos e os santos so salvos. Desde o incio do cham amento e conseqente adeso do novo hom em e da nova m ulher as idias de separao e de pureza tica estavam presentes. Foram salvos para serem d iferen tes em um novo estilo de vida c uma nova tbua'de valores.

    A palavra salvao, verdadeiram ente , vinha do m undo m edicinal e significava cura . Portanto , se os novos hom ens e novas m ulheres foram e estavam sendo salvos, eles foram e estavam sendo curados. De que? Dessa doena universal cham ada pecado e de todas as foras da m orte - do m undo, do D iabo e da carne, segundo o texto todo. Cura realizada pela graa. Ou seja, no havia condies no prprio ser hum ano de salvao e santificao, som ente o dom de Deus poderia faz-lo. Em ou- Iras palavras, som ente o E sprito de Deus agindo no ser hum ano poderia operar a sua transform ao.

    A graa de Deus seria m ediada por um a atitude hum ana diam ada de/e, e isso levava as novas comunidades a uma imensa

  • responsabilidade. F para o autor e destinatrios e para o povo do Novo Testam ento era uma atitude explcita, consciente e pblica de com prom isso incondicional com a pessoa de Jesus Cristo, o que inclua autom aticam ente o ingresso em uma com unidade atravs do batismo. Isto levava as novas com unidades a uma atitude perm anente de evangelizao.

    A evangelizao tinha pelo m enos dois vetores. O prim eiro, era o vetor com unitrio, onde os m em bros da com unidade procuravam , de um m odo sim ples, com partilhar a sua f com outras pessoas; e o segundo, o vetor m issionrio. Este ltim o dependia algum as vezes do esforo coletivo de vrias com unidades e significava im plantar novas com unidades de salvao no m aior nm ero possvel de cidades em toda a parte do m undo. Para isso, barreiras geogrficas, lingsticas e culturais precisavam ser quebradas.

    O papel das boas obras na salvao uma discusso teo lgica de m uito in teresse para todos ns. O texto enftico: a salvao no depende das obras. Logo depois, no entanto, diz que os novos hom ens e novas m ulheres foram criados para as boas obras. A nova sociedade era a nova criao de Deus, era a recriao da hum anidade, cuja im agem de Deus havia sido m anchada pelo pecado.

    A expresso que introduz as boas obras o verbo andar, ou cam inhar. As boas obras foram criadas para que a nova sociedade cam inhasse nela. Era o m esm o verbo usado no incio para descrever o procedim ento da velha sociedade. Ela cam inhava em transgresses e pecados. Portanto, a nova tica era uma m udana de itinerrio , do cam inho do pecado para o cam inho das boas obras.

    As boas obras no produziam salvao, m as a salvao produzia boas obras. Estas seriam conseqncia inevitvel e no causa da salvao. A nova sociedade fora salva sem as obras, m as fora salva para as boas obras. Estas passavam a ser o sinal de que a salvao de fato ocorrera e estava ocorrendo na vida da nova com unidade. Serviam , portanto, de dem onstrao. D em onstravam de form a visvel a graa e a g lria de Deus.

    Elas seriam a linguagem silenciosa e com plem entar da evangelizao. Sem as obras, o discurso sobre a salvao pareceria irreal e dem aggico. Com as obras, ele ganhava cor e v isib ilidade. A nova sociedade, portanto , era cham ada a anunciar e a dem onstrar a salvao.

    Para Paulo essas boas obras s aconteceriam pela graa de Deus. Ou seja, no existiriam estruturas na velha sociedade

  • capazes de reproduzi-las de m aneira plena. Poderiam acon tecer de modo plido e parcial, m as a p lenitude das boas obras s aconteceria nas novas com unidades.

    No fascinante rom ance de A lbert Cam us, A Peste, h esse interessante dilogo:

    - Em resum o - disse Tarrou com sim plicidade - o que me interessa saber com o algum pode tornar-se santo.

    - M as voc no acredita em Deus.- Justam ente. Poder ser santo sem Deus o nico problem a

    concreto que tenho h o je .Para a teologia de Efsios, a santidade sem Deus era algo

    absolutam ente im possvel, do m esm o m odo que seria im possvel a vida em Deus sem santidade.

    M as, em que consistiam essas obras m encionadas no tex- lo? As boas obras eram a to talidade de atitudes, princpios, preceitos e valores que distinguiam as novas com unidades. Ou seja, a nova tica da nova sociedade. A epsto la vai se ocupar disto posteriorm ente, do captulo 4 em diante. O autor apenas prepara o cam inho aqui, para m ais tarde se ocupar detalhadamente do assunto. como se lanasse os alicerces para poder construir as paredes e o teto do edifcio . A ao de Deus, a sua graa e salvao, so os fundam entos que susten taro a ao da Igreja.

  • O NOVO TEMPLO: AS COMUNIDADES DO SHALOM

    (2. 11-22)

    Em nenhum outro lugar desta epstola o autor se m ostra to judeu quanto no texto a seguir. A idia m aior judaica, os conceitos, as rmagTis c exem plos so ya u ai c o s . O rac iocn io e a argum entao so de um judeu. Esse judeu chegara a uma nova e inesperada concluso: os gentios haviam sido includos no Shalom de Deus. Isso era surpreendente e absolutam ente m aravilhoso, mas para ele era isso que se poderia experim entar e verificar nas novas com unidades.

    Portanto, lem brem -se de que anteriorm ente vocs eram gentios por nascim ento e cham ados

    incircunciso pelos que se cham am circunciso, feita no corpo por m os hum anas, e que naquela

    poca vocs estavam sem C risto, separados da com unidade de Israel, sendo estrangeiros quanto

    s alianas da prom essa, sem esperana e sem Deus no m undo. M as agora, em C risto Jesus,

    vocs, que outrora estavam longe,foram aproxim ados m ediante o sangue de Cristo.

    (2.11-13)

    Como bom judeu, o autor descreve a velha sociedade dos gentios como a com unidade que estava longe. Longe de que? Da com unidade de Israel, do M essias, dos pactos, da prom essa, da esperana, de Deus. Todos conceitos judaicos, fundam entados na idia central de Israel como a nao do verdadeiro Deus. Israel, portanto, seria a com unidade que estava perto.

  • Entretanto , inesperadam ente, a circunciso tratada como um falso valor e como uma falsa questo. Os gentios eram cham ados de incircuncisos por aqueles que se cham avam de circuncidados, os judeus. M as essa circunciso fe i ta por mos humanas no teria im portncia verdadeira, era apenas um sinal hum ano e exterior. Ficava im plcito que o verdadeiro valor seria uma circunciso in terior feita pelo prprio Deus, idia que aparece m ais detalhadam ente em outras epstolas.

    O que era verdadeiro que eles tinham estado privados do shalom de Deus, com o estrangeiros da nao que Deus tinha escolhido para o lugar da sua revelao. Eles precisavam lem brar disso para valorizar a nova e atual situao. E a novidade era que em Cristo eles foram includos, aproxim ados, co locados perto do shalom , da to talidade das bnos prom etidas aos judeus.

    Pois ele a nossa paz, o qual de am bos fez um e destruiu a barreira, o m uro de inim izade,

    anulando em seu corpo a lei dos m andam entos expressa em ordenanas. O seu objetivo era criar em si m esm o, dos dois, um novo hom em , fazendo

    a paz, e reconciliar com D eus os dois em um corpo, por m eio da cruz, pela qual ele destruiu a

    in im izade. Ele veio e anunciou paz a vocs que estavam longe e paz aos que estavam perto, pois

    por m eio dele am bos tem os acesso ao Pai, por um s E sprito. (2.14-18)

    Surpreendendo totalm ente, Paulo vai mais alm . O evangelho da paz, do shalom , anunciado aos de longe, estava sendo anunciado tam bm aos de perto. Ou seja, tam bm os judeus estavam na verdade privados do shalom. As novas com unidades no eram um a m era extenso do judasm o, mas algo in te ira m ente novo. Elas cum prem a esperana dos judeus rom pendo com o judasm o. Por isso, a circunciso era um falso valor e m ais ainda, a lei dos mandamentos expressa em ordenanas fora abolida. A circunciso e o sistem a de m andam entos, dois p ilares da relig io judaica, eram assim deixados de lado.

    A paz entre judeus e gentios, e por extenso entre todos os hom ens e m ulheres, era realizada por Cristo. Ele a nossa paz. O shalom era Jesus e o seu sangue, o seu sacrifcio na cruz, o instrum ento dessa paz, atravs de um trabalho de destru io e de construo. D estrura o m uro de inim izade, abolindo o sis-

  • lema de m andam entos, e construra o novo hom em (e a nova mulher) que no era nem judeu nem gentio , m as aberto para o universal. Som ente atravs de Jesus, am bos, judeus e gentios, leriam acesso ao Pai, atravs do E sprito . Fora de Jesus, os privilgios dos judeus no teriam valor nenhum.

    V isivelm ente, o m uro de separao destru do era o preconceito judaico, to grande que fazia o judeu m udar de cam inho para no cruzar com um gentio e que im pedia am bos de, por exemplo, com erem juntos a m esm a refeio. Com o evangelho tio shalom , judeus e gentios passavam a viver, cantar, sorrir e comer jun tos, na im agem m ais forte sobre a paz ex isten te na poca. Essa foi a contradio d ifcil de aceitar para m uitos dos judeus de ento: era o m essias judeu quem estava destru indo o judasmo.

    Portanto, vocs j no so estrangeiros nem forasteiros, mas concidados dos santos e

    m em bros da fam lia de D eus, edificados sobre o fundam ento dos apstolos e profetas, tendo Jesus

    C risto como pedra angular, no qual todo o edifcio ajustado e cresce para tornar-se um santurio santo no Senhor. Nele vocs tam bm

    esto sendo juntam ente ed ificados, para se tornarem m orada de Deus por seu Esprito.

    (2.19-22)

    Nas com unidades do shalom , os gentios eram concidados dos santos, ou seja, form avam com os judeus ali presentes uma mesma nacionalidade. Essa no seria a nacionalidade judaica nem a gentlica, mas uma inteiram ente nova, advinda da co- participao na nova sociedade de Deus. Essa nova cidadania era exercida tam bm como participao num a nova fam lia, a fam lia de Deus. M as, seria a prxim a im agem , talvez, a mais radical de todas, a que causaria o m aior im pacto na m en ta lidade de um judeu tradicional.

    O trabalho de form ao das novas com unidades apresentado atravs da imagem da construo de um edifcio . Era um edifcio ainda em processo de construo, que s seria term inado na consum ao dos tem pos. Era um edifcio inacabado. Mas no era um edifcio qualquer, era um novo tem plo que substitu a o tem plo judeu e era fundam entalm ente d iferente deste.

  • O alicerce desse novo tem plo era o fundam ento dos apstolos e profetas, ou seja, era o ensino. Os profe tas poderiam ser os profetas do Velho Testam ento, j que havia leitura de textos destes nas novas com unidades, mas possivelm ente in cluam tam bm os novos profetas, os profetas da Nova Aliana, aqueles que haviam recebido o dom de conhecer os m istrios do novo tem po de Deus. Portanto, o novo tem plo estava sendo construdo sobre a nova instruo.

    Significativam ente, as novas com unidades no tinham tem plo, elas eram o tem plo. O novo tem plo no era uma construo de pedras e tijo los, mas uma com unidade de pessoas. Eles no tinhas lugares sagrados, as pessoas que eram sagradas. O lugar da habitao de Deus no era uma construo, m as uma com unidade e isso fazia uma enorm e diferena.

    Jesus era a pedra angular, ou seja, a grande pedra de esqu ina que, pela tcnica da poca, era responsvel pela am arrao do edifcio. Era em torno de Jesus que a nova com unidade crescia de m odo ordenado e ajustado. E le era o responsvel pela segurana e pela funcionalidade do edifcio.

    A palavra traduzida aqui por santurio santo era a palavra usada para o lugar santo no tem plo judeu. Em bora algum as vezes fosse usada como sinnim o do tem plo in teiro , crem os que aqui h um m otivo especfico para esse uso e por isso vamos exam inar um pouco a questo do tem plo dos judeus.

    As construes refletem as idias de um povo ou de um grupo. Por exem plo, a ausncia de ram pas em edifcios pb licos e os degraus dos nibus, lem bram que os portadores de deficincia fsica norm alm ente no so levados em considerao pelo poder pblico. As construes de nossas igrejas trazem alguns detalhes sugestivos. Uma torre apontada para o cu lem bra a existncia de Deus e uma cruz fala do am or de Jesus C risto pela hum anidade.

    Mas h outras coisas. O plpito , quase sem pre, no centro e acim a do auditrio enfileirado em bancos pesados, diz que naquela com unidade a palavra central. Mas poderia tam bm estar indicando que ali a palavra costum eiram ente declarada de cim a para baixo, sem se saber se tam bm com partilhada entre todos. A presena de um rgo de tubos ou de um a ba te ria, ou de am bos, fala-nos sobre o tipo de liturgia, e assim por diante.

    Como era, ento, o tem plo dos judeus? Era um a expresso visvel de suas idias, inclusive dos seus preconceitos e d iscrim inaes. Prim eiro, havia um ptio externo, cercado por

  • um m uro enorm e, cham ado de trio dos gentios. Os gentios s podiam ir at ali, no podiam entrar no tem plo propriam ente dito. Na entrada do tem plo, havia inscries proibindo os gentios de entrarem , sob pena de m orte.

    Depois, havia um lance de degraus que dava acesso ao lu gar das m ulheres que s podiam avanar at ali, juntam ente com as suas crianas. Acima delas, aps novo lance de degraus, ficava o trio de Israel, para os hom ens, e acim a ou no mesmo plano (discute-se isso), separadam ente, o trio dos sacerdotes, onde som ente estes podiam ficar. A li, ainda havia uma diviso, uma nova separao, que era exatam ente o lugar santo, onde apenas o sum o-sacerdote podia entrar e som ente uma vez no no ano. ra o lugar de Deus.

    Vam os, ento, exam inar essa representao arquitetnica da cultura judaica. Os gentios ficavam fora do tem plo, abaixo das m ulheres. As m ulheres e crianas ficavam abaixo dos homens e estes ficavam separados dos sacerdotes. Isso era o re flexo, sem dvida, da posio de cada um dentro da sociedade. O lugar santo, que sim bolizava a pureza de Deus, falava tam bm que esse Deus era um ser inacessvel, d istante de todos.

    As novas com unidades eram diferentes. Todos, igualm ente, estavam sendo construdos como o lugar santo de Deus. G entios e judeus, hom ens, m ulheres e crianas, escravos e senhores, estavam se tornando a casa de Deus, a habitao do Esprito. Sem hierarquias, discrim inaes, ou desigualdades bsicas, as novas com unidades constituam a nova m orada de Deus entre ;is pessoas: o novo tem plo.

  • 0EU, PAULO (3. 1-13)

    O texto a seguir um longo parntese de auto-apresen- tao. O autor comea uma nova orao em favor dos des- tinrios e, antes de in ic i-la propriam ente , faz uma longa digresso, uma espcie de autobiografia , onde recorda a todos a sua autoridade, advinda da graa de Deus atuando em sua prpria vida.

    m aneira como um a pessoa se apresenta, o que eia com unica aos outros sobre si m esm a, diz especialm ente dos seus valores, do m odo como encara a si e vida. Aqui no d iferente. Paulo escolhe im agens que ajudam a form ar um quadro de sua vida, do seu senso de valores, da sua conscincia m inisterial, de sua auto-estim a.

    Por esta razo, eu, Paulo, prisioneiro de Cristo Jesus por am or de vocs, gentios... (3.1)

    Prim eiro, Paulo se apresenta como prisioneiro de Cristo. Que ele estava aprisionado no resta dvida, provavelm ente algem ado a um soldado rom ano, como era o costum e de ento. Mas aqui h um jogo de palavras. O prisioneiro do Im prio Romano era, acim a de tudo, prisioneiro de Jesus. Ele fora capturado, aprisionado definitivam ente, e o seu captor era o Senhor Jesus.

    A sua priso, em vez de de ser um m otivo de lam entaes, era apresentada como sinal de autenticidade e de fidelidade, uma espcie de selo conferido ao seu trabalho. Ele transformou a sua lim itao em ttulo, em carta de apresentao que lhe garantia credibilidade e autoridade no falar. O sinal de que realm ente servia a Jesus Cristo com inteireza de vida e de propsito era a sua priso.

    Este ttu lo revelava tam bm a tendncia de Paulo de centra lizar tudo em Cristo. Sua vida e suas experincias, mesmo

  • aquela to dram tica e negativa, tinham Jesus como centro. A partir da, havia uma transm utao da realidade. Objetivam ente, a priso era uma lim itao, um sofrim ento, uma im possib ilidade. Em Cristo, ela passava a ser aprofundam ento, g lo rificao e oportunidade.

    A priso era sinal do seu am or aos gentios, um emblem a viv