21 de março - poesia, floresta, Árvore

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“As palavras”, de Eugénio de Andrade São como um cristal, As palavras. Algumas, um punhal, Um incêndio. Outras, Orvalho apenas. Secretas vêm, cheias de memória. Inseguras navegam: Barcos ou beijos, as águas estremecem. Desamparadas, inocentes, Leves. Tecidas são de luz E são a noite. E mesmo pálidas Verdes paraísos lembram ainda. Quem as escuta? Quem As recolhe, assim, Cruéis, desfeitas, Nas suas conchas puras? Porque se celebram os 800 anos da Língua Portuguesa, porque é dia da Poesia, da Árvore e da Floresta e a SEMANA DA LEITURA, a equipa da BECRE pede que leia um poema com os alunos. Obrigada! “As Palavras Interditas”, de Eugénio de Andrade Os navios existem, e existe o teu rosto encostado ao rosto dos navios. Sem nenhum destino flutuam nas cidades, partem no vento, regressam nos rios. Na areia branca, onde o tempo começa, uma criança passa de costas para o mar. Anoitece. Não há dúvida, anoitece. É preciso partir, é preciso ficar. Os hospitais cobrem-se de cinza. Ondas de sombra quebram nas esquinas. Amo-te... E entram pela janela as primeiras luzes das colinas. As palavras que te envio são interditas até, meu amor, pelo halo das searas; se alguma regressasse, nem já reconhecia o teu nome nas suas curvas claras. Dói-me esta água, este ar que se respira, dói-me esta solidão de pedra escura, estas mãos nocturnas onde aperto os meus dias quebrados na cintura. E a noite cresce apaixonadamente. Nas suas margens nuas, desoladas, cada homem tem apenas para dar um horizonte de cidades bombardeadas.

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Page 1: 21 de março - Poesia, Floresta, Árvore

“As palavras”, de Eugénio de Andrade

São como um cristal,

As palavras.

Algumas, um punhal,

Um incêndio.

Outras,

Orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.

Inseguras navegam:

Barcos ou beijos, as águas estremecem.

Desamparadas, inocentes,

Leves.

Tecidas são de luz

E são a noite.

E mesmo pálidas

Verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? Quem

As recolhe, assim,

Cruéis, desfeitas,

Nas suas conchas puras?

Porque se celebram os 800 anos da Língua Portuguesa, porque é dia da

Poesia, da Árvore e da Floresta e a SEMANA DA LEITURA, a equipa da

BECRE pede que leia um poema com os alunos. Obrigada!

“As Palavras Interditas”, de Eugénio de Andrade

Os navios existem, e existe o teu rosto

encostado ao rosto dos navios.

Sem nenhum destino flutuam nas cidades,

partem no vento, regressam nos rios.

Na areia branca, onde o tempo começa,

uma criança passa de costas para o mar.

Anoitece. Não há dúvida, anoitece.

É preciso partir, é preciso ficar.

Os hospitais cobrem-se de cinza.

Ondas de sombra quebram nas esquinas.

Amo-te... E entram pela janela

as primeiras luzes das colinas.

As palavras que te envio são interditas

até, meu amor, pelo halo das searas;

se alguma regressasse, nem já reconhecia

o teu nome nas suas curvas claras.

Dói-me esta água, este ar que se respira,

dói-me esta solidão de pedra escura,

estas mãos nocturnas onde aperto

os meus dias quebrados na cintura.

E a noite cresce apaixonadamente.

Nas suas margens nuas, desoladas,

cada homem tem apenas para dar

um horizonte de cidades bombardeadas.

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“O Teu Olhar”, de Florbela Espanca

Passam no teu olhar nobres cortejos,

Frotas, pendões ao vento sobranceiros,

Lindos versos de antigos romanceiros,

Céus do Oriente, em brasa, como beijos,

Mares onde não cabem teus desejos;

Passam no teu olhar mundos inteiros,

Todo um povo de heróis e marinheiros,

Lanças nuas em rútilos lampejos;

Passam lendas e sonhos e milagres!

Passa a Índia, a visão do Infante em Sagres,

Em centelhas de crença e de certeza!

E ao sentir-se tão grande, ao ver-te assim,

Amor, julgo trazer dentro de mim

Um pedaço da terra portuguesa!

“Viagem”, de Miguel Torga

É o vento que me leva.

O vento lusitano.

É este sopro humano

Universal

Que enfuna a inquietação de Portugal.

É esta fúria de loucura mansa

Que tudo alcança

Sem alcançar.

Que vai de céu em céu,

De mar em mar,

Até nunca chegar.

E esta tentação de me encontrar

Mais rico de amargura

Nas pausas da ventura

De me procurar...

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“Língua Portuguesa”, de Olavo Bilac

Última flor do Lácio, inculta e bela,

És, a um tempo, esplendor e sepultura:

Ouro nativo, que na ganga impura

A bruta mina entre os cascalhos vela

Amo-te assim, desconhecida e obscura

Tuba de algo clangor, lira singela,

Que tens o trom e o silvo da procela,

E o arrolo da saudade e da ternura!

Amo o teu viço agreste e o teu aroma

De virgens selvas e de oceano largo!

Amo-te, ó rude e doloroso idioma,

Em que da voz materna ouvi: "meu filho!",

E em que Camões chorou, no exílio amargo,

O génio sem ventura e o amor sem brilho!

“Amostra sem valor”, de António Gedeão

Eu sei que o meu desespero não interessa a ninguém. Cada um tem o seu, pessoal e intransmissível: com ele se entretém e se julga intangível.

Eu sei que a Humanidade é mais gente do que eu, sei que o Mundo é maior do que o bairro onde habito, que o respirar de um só, mesmo que seja o meu, não pesa num total que tende para infinito.

Eu sei que as dimensões impiedosos da Vida ignoram todo o homem, dissolvem-no, e, contudo, nesta insignificância, gratuita e desvalida, Universo sou eu, com nebulosas e tudo.

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JORGE SOUSA BRAGA, in HERBÁRIO (Assírio & Alvim, 1999)

As árvores como os livros têm folhas e margens lisas ou recortadas, e capas (isto é copas) e capítulos de flores e letras de oiro nas lombadas. E são histórias de reis, histórias de fadas as mais fantásticas aventuras, que se podem ler nas suas páginas, no pecíolo, no limbo, nas nervuras. As florestas são imensas bibliotecas, e até há florestas especializadas, com faias, bétulas e um letreiro a dizer: «Floresta das zonas temperadas». É evidente que não podes plantar no teu quarto, plátanos ou azinheiras. Para começar a construir uma biblioteca, basta um vaso de sardinheiras.

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