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    REVISTA BRASILEIRA DE SOCIOLOGIA DO DIREITO

    Revista Brasileira de Sociologia do Direito, Porto Alegre, ABraSD, v. 2, n. 1, p. 28-36, jan./jun., 2015.

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    1.1 TEORIA SOCIOJURDICA INTERNACIONAL

    Sumrio: Introduo. 1 A lgica de undo. 2.O instrumental terico para entender a comu-nicao. 2.1. O meio emergente do sentido. 2.2Emergncia. 2.3 A distino. 3. A reflexo socialde Luhmann como sociologia primeira. Ree-rncias.

    LUHMANN E AS FORMAS ELEMENTARES

    DA VIDA SOCIALi

    Javier orres Naarrateii

    ResumoAo ter a comunicao como clula da sociedade,Luhmann desenvolve uma sociologia primeira,no sentido de Aristteles. Porm, o sentido no algo fixado, nem uma resultante de acordos, massim a base da sociedade, afinal comunicar esta-

    belecer uma distino. Com estes pressupostos,Luhmann concebe a sociedade como observa-es com sentido.

    Palavras-chave:eoria social. Luhmann. eoriados sistemas.

    iTraduo Artur Stamford da Silva.iiProfesor Titular da Universidad IberoAmericana-Mxico D.F. Licenciado em Literatura pelo Instituto de Literatura, Puente Grande, Jalisco. Licen-

    ciado em Filosofa pelo Instituto Libre de Filosofa A.C., Mxico D.F. Doutor em Educao pela Universidade de Goethe, Frankfurt. Tradutor dos

    livros: Niklas Luhmann, Sistemas Sociales. Lineamientos para una Teora General, 1a. Ed. Alianza/Universidad Iberoamericana, Mxico, 1991; 2a. Ed.,

    Anthropos/Pontifcia Universidad Javeriana/Universidad Iberoamericana, Barcelona, 1998. Niklas Luhmann, Teora de los Sistemas Sociales II (Artcu-

    los), Universidad Iberoamericana/Universidad de Los Lagos/Iteso, Chile, 1999. Teora de los Sistemas Sociales II (Artculos), Universidad Iberoameri-cana/Universidad de Los Lagos/Iteso, Chile, 1999. Niklas Luhmann, La Realidad de los Medios de Masas, Anthropos/Universidad Iberoamericana/

    Iteso, Barcelona, 2000. Niklas Luhmann, El Derecho de la Sociedad, Universidad Iberoamericana-UNAM-IIJ, Mxico, 2002. Niklas Luhmann, El

    Derecho de la Sociedad, Herder, Mxico, 2005. Niklas Luhmann, El Arte de la Sociedad, Herder, Mxico, 2005. Niklas Luhmann, La Sociedad de la

    Sociedad, Herder, Mxico, 2007.

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    AbstractTe communication is as cell o society. Withthis idea, Luhmann develops a first sociology,

    to Aristotle means. Te sense is not somethingfixed or a resultant agreements, but the ounda-tion o society, afer all comunicate is to promotea distintion. With these assumptions, Luhmannconceives society as observations with sence.

    Keywords:Social theory. Luhmann. System the-ory.

    1.1 TEORIA SOCIOJURDICA INTERNACIONAL

    1GUIRREZ, Juan Pablo Vzquez.Autoridad moral y autonoma(una relectura del pensamiento sociolgico de mile Durkheim). Mxico: Universi-dad Iberoamericana, 2008, p. 43.2DURKHEIM, Emile. Die Regeln der soziologischen Methode. Introduccin de Ren Knig, Frankurt/M.: Suhrkamp, 1984, p. 21.

    INTRODUO

    Ottulo deste texto alude obra intitulada

    As ormas elementares da vida religio-sa, de Durkheim. O objetivo tentar

    mostrar que a vastssima obra de Luhmann notem outro propsito que o de retomar, com ins-trumentos modernos, a mesmssima exignciametodolgica durkheimiana: conormar a so-ciologia como cincia. 1

    Nas palavras de Ren Knig: A partir do tra-balho de Durkheim sobre as regras do mtodosociolgico (publicado em 1894), a sociologia

    j pode se sustentar sobre seu prprio p.

    2

    Esteprecio marca o comeo da sociologia como ci-ncia autnoma.

    Durkheim ala de atos sociais como os ele-mentos que expressamente configuram o social.Seu interesse se dirige coero que impe oscomponentes ideais da cultura. No se trata deleis causais da natureza, mas sim (em total con-cordncia com Popper) de leis normativas. A leinormativa no descreve um ato, se no estabe-lece diretivas para nosso comportamento. Nes-

    te contexto, a sociedade se entende como umaunidade complexa de atos sociais autnomos. Apartir disso, o conceito de atos sociais comeaa experimentar variaes: umas vezes significamuito mais que s representaes da conscin-cia coletiva; outras, aquelas dimenses sociaisque por nenhum motivo devem dissolver-se emdisposies mutantes; alm do mais, as represen-taes de nosso mundo cotidiano que acabamormando o social; por ltimo, delimitaes so-

    ciais que chegam a se decantar do ponto de vistada cincia. rata-se, em Durkheim, de atos reaisque devem ser concebidos como coisas (commedes choses). As representaes da conscincia co-letiva so a sntese mais elevada da razo social. evidente que os indivduos tomam parte desseresultado geral, ainda que as representaes pri-

    vadas se tornem sociais s quando se colocamsob a influncia especfica desta conscinciacoletiva: tornam-se distintas, vo mais alm do

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    esprito individual, como ocorre com o todo omais que as partes.3

    oda a obra de Luhmann no tem, ento, ou-

    tro propsito que substituir com o instrumentalmoderno esse entendimento do social. Ele afir-ma expressamente:

    [...] trata-se de ormular uma teoria universal da disci-plina como no se intentou desde Parsons. O reino doobjeto que lhe pertence no est pressuposto de manei-ra substanciada como um segmento do mundo (faitssociaux), ao qual a sociologia pudesse observar a partirde ora. o pouco est pressuposto apenas como umcorrelato na ormao analtica do conceito, no sentidodo realismo analtico de Parsons. Mas sim, est pen-

    sado como uma totalidade do mundo reerida relaodo sistema como os sistemas sociais, ou seja, reerida dierena caracterstica de tais sistemas sociais, a die-rena sistema/entorno.4

    A caracterstica mais distintiva da teoria deLuhmann no marco da sociologia moderna a pretenso de que a sociologia se converta emreflexes disciplinadas mediante uma depuraoobtida atravs da cincia. Para Luhmann, a so-ciologia no pode aceitar que outras disciplinas

    undamentem seu prprio mtodo. A tradioterica de mais de cem anos da disciplina socialse ala sobre a convico de que capaz de com-preender todos os enmenos sociais a partir deseu undamento. A partir disso, a sociologia deveentender a si mesma como cincia universal, oque inclui tudo aquilo que concerne a seu campoe, como cincia undante, que deve captar no ab-soluto todos os enmenos sociais a partir de suabase: a sociedade.

    A garantia e o apoio do mtodo devem estarsituados no mbito de competncia da sociolo-gia de sorte que ela possa dar conta de seus pres-supostos primeiros ou no caso de no poderalcanar tal pretenso, pelo menos ser conscientede por que no possvel. A sociologia comocincia geral que se una sensivelmente a todo osocial est obrigada a captar a si mesma comoparte integrante do objeto sobre o qual se deveocupar. A legitimao da disciplina deve, ento,

    ser estabelecida em uma operao de autossus-tento: este um problema que lhe correspondepor antonomsia sociologia. Daqui se segue

    que a tomada de postura reflexiva e crtica sobre o mtodo concorde plenamente com a au-toundamentao da disciplina sociolgica.

    Se a sociologia aspira ser cincia undante,ela deve captar a si mesma e se legitimar em seudesenvolvimento, partindo de uma reflexo queesclarea o carcter autolgico de seus comeos.Pensar dessa maneira, ou seja, pensar na auto-undamentao da disciplina e, da, derivar asconsequncias de seu mtodo, inscreve-se den-

    tro da tradio de um pensar disciplinado siste-mtico.Ningum poria em dvida o arsenal de co-

    nhecimentos sobre os enmenos sociais aporta-dos pela sociologia em pouco mais de um sculode trabalho. O problema, no entanto, consisteem que precisamente por essa diversidade deacessos, a unidade da disciplina se perdeu. Aunidade j no se maniesta como teoria muitomenos como conceituao de seu objeto, senocomo complexidade pura. A disciplina no s se

    tornou opaca, mas tambm celebra nessa opaci-dade o impedimento de no poder alcanar suaunidade.

    Luhmann prope substituir as distinescom as que se tem observado a sociedade aitssociaux (Durkheim); trabalho/capital (Marx);ideias/interesses (Weber); atuar comunicativo/estratgico (Habermas) pela comunicao.

    [A comunicao] uma operao genuinamente so-

    cial, a nica genuinamente social. Assim porque pres-supe o concurso de um grande nmero de sistemas deconscincia, porm, precisamente por isso, no podese atribuir como unidade a nenhuma conscincia indi-vidual. Exclui pelas condies de seu uncionamento que possam chegar a conhecer os estados internosatuais dos outros sistemas de conscincia.5

    A comunicao se prope na sociologia coma esperana de encontrar para o social um equi-

    valente da operao bioqumica que aconteceu

    1.1 TEORIA SOCIOJURDICA INTERNACIONAL

    3Ler mais sobre o assunto em: GESELLSCHAF, Jrgen Ritsert. Ein unergrndlicher Grundbegriff der Soziologie.Frankurt/New York, Campus, 2000,p. 49 ss.4LUHMANN, Niklas. Sistemas sociales lineamientos para una teora general. Mexico: UIA/Alianza Editorial, 1991, p. 11.5LUHMANN, Niklas. La sociedad de la sociedad.Mxico: Herder, 2007, p. 57.

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    com as protenas. Ou seja, como esperana depoder identificar o tipo de operador que tornapossvel todos os sistemas sociais, por mais com-

    plexos que se tenham tornado no transcurso daevoluo: interaes, organizaes, sociedades.udo que existe e se possa designar como socialconsta, desde o ponto de vista de uma constru-o terica que se undamenta na operao, deum mesmo impulso e de um mesmo tipo deacontecimento: a comunicao.

    1 A LGICA DE FUNDOAo propor, Luhmann, como elemento ltimo

    do social a comunicao, o autor recorre a umalgica similar quela com a qual Saussure des-creve as caractersticas da lngua:

    1. Institucionalidade: a lngua lei admitida na cole-tividade e no uma regra adotada a partir do consenso.De ato, nenhuma sociedade conhece nem conheceu alngua a no ser como produto herdado das generaliza-es precedentes e que tem que aceitar tal qual.2. Imutabilidade: o carcter arbitrrio do signo pe alngua ao abrigo de qualquer tentativa que tente modi-fic-la, dado que essa arbitrariedade quita todo terreno

    slido a que haja discusso.3. Infinitude: Se a lngua tivesse um nmero limitadode elementos poderia ser substituda, porm os signoslingusticos so inumerveis.4. Complexidade: o carcter demasiado complexo dosistema az aparecer a incompetncia da massa paratransorm-lo.5. Alterabilidade/continuidade: na lngua, todos e cadaum participamos dela e, por isso, a lngua sore semcessar a influncia de todos. Este ato capital basta paramostrar a impossibilidade de uma revoluo. De todasas instituies sociais, a lngua a que menos logra oe-recer iniciativas revolucionrias. Forma corpo com avida da massa social, e por ser esta naturalmente inerte,aparece diante de todos como ator de conservao.6. Anulao da liberdade: a lngua no livre porque otempo permitir s oras sociais que se exercem sobreela desenvolver seus eeitos, e se chega ao princpio decontinuidade, que anula a liberdade. Ainda, que a con-tinuidade implica necessariamente a alterao, o des-locamento mais ou menos considervel das relaes.6

    Aplicada essa lgica ao social, chega-se assimao argumento de que a comunicao se move noplano emergente, negando, em princpio, a a-

    mosa passagem de J. S. Mill, na qual se proclamaa redutibilidade da sociologia psicologia hu-mana. Nem Marx (a sociedade no consiste deindivduos)7nem Popper (os objetos do mundo3 ainda que sejam obra nossa, nem sempre resul-tam de uma produo planificada de seres hu-manos individuais)8nem Elias ( evidente que acivilizao, como a racionalizao, no so pro-dutos da ratiohumana)9afirmariam a secas queem termos do social o ser humano seja parte da

    sociedade: a sociedade no o gnero humano,no a humanidade, mas sim um sistema de co-municaes.10

    2 O INSTRUMENTAL TERICO PARA EN-TENDER A COMUNICAO

    2.1 O meio emergente do sentidoConsiderando as outras tradies de pensa-

    mento, o conceito de sentido goza, em Luhmann se que se pode dizer assim , de um estatuto

    especial. No plano do sentido no se trata sequerde um estatuto especial. No plano do sentido nose trata sequer de inormao nem de significa-dos nem de cultura, mas sim de como se leva aocabo, em absoluto, no mundo, a constituio desentido. o mediummais geral e insupervel quepossibilita haver sistemas psquicos e sociais. Suaperspectiva garante que o mundo seja acessvel e a condio e o mbito a partir dos quais se pro-cessa o sentido de maneira temporal. rata-se,

    portanto, de uma ordem emergente superior:

    O sentido a substncia deste plano emergente daevoluo [...] Seria um engano tratar de encontrar umportador do sentido. O sentido se suporta a si mesmona medida em que reerindo-se asi mesmo pos-sibilita sua prpria reproduo [...]. certo que paraa constituio do sentido so necessrias condiesprvias evolutivas altamente complexas, porm no ex-iste nenhum portador privilegiado, nenhum substrato

    1.1 TEORIA SOCIOJURDICA INTERNACIONAL

    6De maneira mais extensa, ver SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de lingstica general.Mxico: Ediciones Nuevo Mar, 1916 Captulo II.

    7MARX, Karl. Grundrisse der Kritik der Politischen konomie. Berln: Dietz Verlag, 1974, p. 176. En Castellano: MARX, Karl. Lneas fundamentales de lacrtica de la economa poltica.Barcelona: Critica, 1977, p. 205.8POPPER, Karl R.; ECCLES, John C. El yo y su cerebro.2. ed. Barcelona, 1985, p. 44.9ELIAS, Norbert. El proceso de la civilizacin, investigaciones sociogenticas y psicogenticas. Madrid: Fondo de Cultura Econmica, 1987, p. 449.10LUHMANN, Niklas. La moral de la sociedad. Madrid: rotta, 2013, p. 81.

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    comunicao media um abismo de flexibilidade.Enquanto a lei da velocidade da luz insupe-rvel, os sistemas sociais de comunicao esto

    caracterizados por sua enorme flexibilidade es-trutural: a flexibilidade dos programas polticos;a flexibilidade dos meios massivos de comuni-cao que mudam permanentemente; a flexi-bilidade do direito positivo; a flexibilidade dosrecursos monetrios. Numa rase: a flexibilidadede que dispem os sistemas sociais em termosde cultura e de memria constituem a verdadeira

    vantagem de nossa sociedade.

    2.2 EmergnciaA afirmao de que o sentido est instaladonum plano emergente est posta na mesmssimadireo de Popper:

    Segundo as opinies cosmolgicas atuais, entre ossucessos emergentes mais importantes encontram-setalvez os seguintes []: a) a temperatura de cozimen-to dos elementos mais pesados; b) o comeo da vidano planeta erra; c) a emergncia da conscincia; d)a emergncia da linguagem humana e do crebro hu-mano.13

    Popper, ademais, explana o que implica issoque se designa como emergente:

    Em oposio a todas estas opinies, sugiro que o uni-verso, ou sua evoluo criadora e que a evoluodos animais sencientes com experincias conscientesornecem algo novo. No comeo, tais experinciaseram rudimentares e, posteriormente, se tornarammais elaboradas. Finalmente, surgiu essa espcie deconscincia do eu e desse tipo de criatividade que, se-gundo sugiro, encontramos no ser humano [...]. O queme refiro com a palavra criativo no sentido reeridopor Jacques Monod (1970-1975), quando ala da im-previsibilidade da emergncia da vida sobre a erra,da imprevisibilidade das diversas espcies e particu-larmente de nossa prpria espcie humana [...] ramosimprevisveis antes de que aparecssemos.14

    A ideia de evoluo criadora ou emergente muito simples e um tanto vaga. Reere-se ao atode que no transcurso da evoluo ocorrem coi-sas e sucessos novos com propriedades inespera-

    1.1 TEORIA SOCIOJURDICA INTERNACIONAL

    das e realmente imprevisveis. Estes sucessos oucoisas novas contra toda ideia reducionista nopodem ser explicados causalmente a partir dos

    nveis mais baixos.15

    2.3 A distinoNo plano emergente do sentido, s se parti-

    cipa de duas maneiras: introduzindo distines(operao da comunicao) e percebendo as dis-tines (operao da conscincia).

    Com o conceito de sentido, Luhmann con-sidera que a vivncia e a ao se encontram dealguma maneira estruturadas: remetem-se a

    outras possibilidades de vivncia ou de ao. Osentido (assim como para Luhmann) supe umcontexto de remisso da atual vivncia e ao aoutras possibilidades de vivncia ou ao a ou-tras possibilidades de distino ou de observa-o. Com o conceito de orma, Luhmann tomaposio sobre outra condio sem a qual noseria possvel a vivncia ou a ao. Estas estosempre dirigidas a algo determinado. Pensamosem um determinado objeto, atuamos com umadeterminada inteno a um fim expressado ou

    alamos sobre um tema especfico. O pressupos-to de que ns nos dirijamos a algo determinado que podemos distingui-lo, noutras palavras,distingui-lo de todos os outros possveis objetosou de outros objetos determinados. Ento, paraque possamos tentar algo determinado neces-srio poder distinguir esse algo determinado. Ese chega distino pelo ato de tentarmos algodeterminado ou, como afirma Luhmann, ormu-lamos algo mediante a designao de algo expl-

    cito ou que marquemos um lado da distino.Esta a quintessncia do conceito de orma. Spodemos designar algo na medida em que o dis-tingamos, e podemos distinguir algo quando oassinalamos. Cada distino remete a dois lados:um que fica indicado e outro que fica no indi-cado. A unidade da distino indicao/distin-o chamada orma. Este pensamento chega aLuhmann por meio da obra protomatemtica deGeorg Spencer Brown. Em seu escrito sobre as

    leis da orma Spencer Brown se reere pergun-13POPPER, Karl R.; ECCLES, John C. El yo y su cerebro, p. 30, 31.14POPPER, Karl R.; ECCLES, John C. El yo y su cerebro, p. 23.15POPPER, Karl R.; ECCLES, John C. El yo y su cerebro, p. 17-18.

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    ta de como, em absoluto, ormam-se as identi-dades de sentido. E afirma: ormam-se mediantedistines e inclusive estas distines antecedem

    a todos os clculos (teoremas, nmeros, identi-dades) lgicos.

    Se Husserl andou por trs da ideia de quemais para l de cada vivncia intencional dos se-res humanos se encontravam leis elementares da

    vivenciabilidade (subjetividade na orma maispura), Spencer Brown acredita ter dado com ummecanismo ainda mais elementar, o qual ante-cede a toda determinao da vivncia, a saber: adistino. Pensa ele que as ormas matemticas

    (que comeam com a distino) so expedien-tes especiais porque representam e se derivamdos modos internos do pensar: tm tanta validezcomo o conhecimento mesmo da realidade ex-terna: A disciplina das matemticas vista comocaminho de revelao de nosso conhecimentointerno da estrutura do mundo, e isso , no en-tanto, aviso direto de que a orma matemtica estrutura arquetpica.16

    Assim, o campo de objetos da sociologia temque ver com as ormas de observar distines. A

    sociologia, em seu aspecto essencial, tem que vercom observaes de sentido que examinam ou-tras observaes de sentido em suas ormas atu-ais. Com isso, esgota-se o objeto da sociologia.Sua tarea consiste em questionar as condiessob as quais estas observaes se realizam e seestabilizam tornando possvel a construo domundo social.17

    3 A REFLEXO SOCIAL DE LUHMANNCOMO SOCIOLOGIA PRIMEIRA

    Na tradio de pensamento ocidental, Aris-tteles imprimiu o uso de um estilo de pensarreerido filosofia primeira; em grego: . A filosofia primeira a cinciaque se ocupa das realidades que se encontramacima das realidades sicas. Por isso, posterior-mente, chamou-se metasica toda tentativa dopensamento humano dirigida a transcender o

    1.1 TEORIA SOCIOJURDICA INTERNACIONAL

    mundo emprico para alcanar a realidade me-taemprica. De maneira similar, dever-se-ia en-tender a reflexo de Luhmann como sociologia

    primeira: trata de delimitar na sua orma maisbsica aquele mbito emergente do mundo quechamamos sociedade. evidente que aparte dasociedade existem outros muitos mbitos: o serhumano, a natureza, os organismos vivos, o cos-mos. A partir de uma perspectiva ormal, Luh-mann pretende que a sociologia (cincia que sededica ao enmeno social): 1) indague os prin-cpios primeiros e supremos da ordem social; 2)analise a operao constitutiva da sociabilidade;

    3) estude a comunicao que a substncia dasociabilidade; e 4) investigue a sociedade, que o enmeno omnicompreensivo de tudo o que sedesigna como social.

    A sociologia de Luhmann, portanto, apresen-ta-se em primeiro lugar como a busca dos prin-cpios primeiros e supremos da ordem social(ormas elementares). Descobre que o princpioundamental (e primeiro da sociedade) se en-contra no ato de que a sociedade apenas or-ma. Forma como mencionado no item ante-

    rior simplesmente o paradoxo que resulta doemprego de uma distino. paradoxo porquea distino joga com dois movimentos simult-neos: 1) joga com a unidade ao incluir algo; e 2)

    joga com a dierena excluindo algo.Se quisssemos uma definio moderna do

    ser humano seguindo o estilo de Aristteles, po-deramos condensar provavelmente da seguintemaneira: o ser humano o animal que empregadistines. O ser humano est acima de tudo o

    mais no mundo porque joga com distines. E,afirmamos novamente, distinguir jogar com aunidade e simultaneamente com a diversidade.Do mesmo modo como, na mitologia, o rei Mi-das, com um simples tocar nas coisas, converte--as em ouro, assim tambm ns azemos aosimplesmente nomear as coisas, ns as partimosnum jogo paradoxal de unidade e dierena. Aoassinalar as coisas, o jogo que todos jogamos um jogo de incluso e excluso.

    16BROWN, George Spencer. Laws of form.Nueva York: Te Julian Press, 1972, p. xvii, xx.17Ver (pois aqu um resumo) mais extensivamente: SCHZEICHEL, Rainer. Sinn als grundbegriff bei Niklas Luhmann.Fankurt/Main: Campus, 2003.Captulo 2.

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    evidente que nem tudo o que experimen-tamos traduzimos em distines. Inclusive,poder-se-ia afirmar que a maneira elementar

    com que experimentamos o mundo transcorresem distino. Estamos no mundo. emos umaidentidade primria. Vivemos. Experimenta-mos o mundo. O problema, no entanto, explodequando queremos comunicar tudo isso, portan-to, quando queremos tornar tudo isso em social.Ento, a experincia originria de ns no mundotem que ser traduzida em distines.

    Portanto, podemos j concluir que o conceitomais amplo e extenso da sociedade a ora cen-

    trpeta de todo o social a operao por meioda qual introduzimos distines.A sociedade um clculo de distines, um

    jogo de distines. Um jogo que separa, discri-mina, discerne unidades e cria por isso mesmodierenas. A sociedade , pois, em seu princpioe undamento, um clculo ormal: uma orma.

    No transcurso da evoluo, este clculo or-mal se traduz na operao de comunicao. Osseres humanos se comunicam recorrendo a umaorma: a um cdigo, a uma linguagem, a senhas,

    a smbolos. Em certo sentido, a comunicao a orma a natureza ntima da sociedade. Asociedade composta to s por ormas de co-municao.

    Dentro destas ormas no h nada material,nada orgnico, nada do ser humano. A socieda-de to s a orma.

    As cinco caractersticas decisivas da socieda-de so:

    1. a sociedade um dinamismo de ormas de

    comunicao;2. este dinamismo existe como uma ordem

    de reproduo emergente separada da ordem dereproduo das condies sico-qumico-org-nico-espirituais que o possibilitam;

    3. por meio destas ormas de comunicao, asociedade no transcurso do tempo vai adqui-rindo contornos de mais determinao;

    4. a sociedade (a orma) uma unidade ml-tipla composta de partes que por sua vez obe-

    decem a um mecanismo emergente. A sociedadeno um todo composto simplesmente de par-tes, mas sim um todo composto de partes emer-gentes;

    1.1 TEORIA SOCIOJURDICA INTERNACIONAL

    5. a sociedade um dinamismo ormal entreo atual e o possvel. Ou, para dizer de uma ma-neira mais orte, em aluso teoria da substncia

    de Aristteles: a sociedade no tem realidade on-tolgica prpria; no mais que uma abstraoormal e que existe s como smbolo entre os se-res humanos.

    REFERNCIASBROWN, George Spencer. Laws of form.NuevaYork: Te Julian Press, 1972.

    DURKHEIM, Emile. Die Regeln der soziologis-

    chen Methode. Introduccin de Ren Knig,Frankurt/M.: Suhrkamp, 1984.

    ELIAS, Norbert. El proceso de la civilizacin, in-vestigaciones sociogenticas y psicogenticas.Ma-drid: Fondo de Cultura Econmica, 1987.

    GESELLSCHAF, Jrgen Ritsert. Ein uner-grndlicher Grundbegriff der Soziologie. Frank-urt/New York, Campus, 2000.

    GUIRREZ, Juan Pablo Vzquez. Autoridadmoral y autonoma (una relectura del pensamien-to sociolgico de mile Durkheim).Mxico: Uni-

    versidad Iberoamericana, 2008.

    LUHMANN, Niklas. Sistemas sociales linea-mientos para una teora general. Mexico: UIA/Alianza Editorial, 1991.

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