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Doutorado em Saúde Coletiva POLÍTICAS DE SAÚDE NO PÓS-CONSTITUINTE Um estudo da política implementada a partir da produção normativa dos Poderes Executivo e Legislativo no Brasil Autor: Tatiana Wargas de Faria Baptista Orientador: Prof. Eduardo Levcovitz Área de concentração: Política, Planejamento e Administração em Saúde 2003

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Page 1: 203-Tatiana Wargas Baptista

Doutorado em Saúde Coletiva

POLÍTICAS DE SAÚDE NO PÓS-CONSTITUINTE

Um estudo da política implementada a partir da produçãonormativa dos Poderes Executivo e Legislativo no Brasil

Autor: Tatiana Wargas de Faria BaptistaOrientador: Prof. Eduardo Levcovitz

Área de concentração:

Política, Planejamento e Administração em Saúde2003

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2

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO

RIO DE JANEIRO

Instituto de Medicina Social

- POLÍTICAS DE SAÚDE NO PÓS-CONSTITUINTE -

UM ESTUDO DA POLÍTICA IMPLEMENTADA A PARTIR DA

PRODUÇÃO NORMATIVA DOS PODERES EXECUTIVO E LEGISLATIVO NO

BRASIL

Autor: Tatiana Wargas de Faria Baptista

Tese apresentada como requisitoparcial para obtenção do grau deDoutor em Saúde Coletiva – área deconcentração em Política,Planejamento e Administração emSaúde do Instituto de Medicina Socialda Universidade do Estado do Rio deJaneiro.

Orientador: Eduardo Levcovitz

Rio de Janeiro

2003

Page 3: 203-Tatiana Wargas Baptista

3

CATALOGAÇÃO NA FONTEUERJ/REDE SIRIUS/CBC

B222 Baptista, Tatiana Wargas de Faria. Políticas de saúde no pós-constituinte : um estudo da

política implementada a partir da produção normativa dos poderesexecutivo e legislativo no Brasil / Tatiana Wargas de Faria Baptista. –2003.

346f.

Orientador: Eduardo Levcovitz.Tese (doutorado) – Universidade do Estado do Rio de

Janeiro, Instituto de Medicina Social.

1. Política de saúde – Brasil – Teses. 2. Saúde pública –Legislação – Teses. 3. Sistema Único de Saúde (Brasil) – Teses. 4.Política de saúde – Processo decisório – Teses. I. Levcovitz, Eduardo. II.Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Medicina Social.III.Título.

CDU 614.008.1(81)

Page 4: 203-Tatiana Wargas Baptista

4

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - UERJ

INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL - IMS

- POLÍTICAS DE SAÚDE NO PÓS-CONSTITUINTE -

UM ESTUDO DA POLÍTICA IMPLEMENTADA A PARTIR DA

PRODUÇÃO NORMATIVA DOS PODERES EXECUTIVO E LEGISLATIVO NO

BRASIL

Aluna: Tatiana Wargas de Faria Baptista

Banca Examinadora:

_______________________________________Prof. Dr. Eduardo Levcovitz (coordenador)

_______________________________________Prof. Dr. George Edward Machado Kornis

_______________________________________Prof. Dra. Maria Helena de Magalhães Mendonça

_______________________________________Prof. Dra. Maria Lúcia Teixeira Werneck Vianna

_______________________________________Prof. Dr. Ruben de Araújo Mattos

Rio de Janeiro2003

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5

Aos amores da minha vida.Meu saudoso pai,

Minha mãe.

Meu querido Ernani,Minha filha Mariana.

Meus irmãos e sobrinhos.

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6

“Não há bem maior que o da saúde. Porque ele é a vida. E a

vida deve ser a preocupação fundamental da sociedade

humana. Quando a vida é desrespeitada, amesquinhada, na

pessoa dos cidadãos, é a sociedade mesma que se humilhou, e

se aviltou e envileceu”

Waldir Pires, 1991

“O problema maior que enfrentamos nos dias de hoje é saber o

tipo de sociedade que queremos, se movida por interesses, ou se movida por

valores. Se queremos uma sociedade solidária e fraterna, ou uma sociedade

egoísta, do salve-se quem puder. Sabemos que uma sociedade muito

desigual acaba gerando a decadência social. Afrouxam-se os princípios

éticos. Passa-se a aceitar tudo o que interessa ao individualismo e a

rejeitar tudo o que o prejudica.”

Adib Jatene, 1999.

“A Reforma Sanitária não é um projeto técnico-gerencial,

administrativo e técnico-científico; o Projeto da Reforma Sanitária é

também o da civilização humana, é um projeto civilizatório, que,

para se organizar, precisa ter dentro dele valores que nunca

devemos perder, pois o que queremos para a saúde, queremos para a

sociedade brasileira”

Sérgio Arouca, 2003.

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AGRADECIMENTOS

Essa tese foi para mim como uma “teia de Penélope”, num trabalho que recomeçava a

cada dia e que parecia não ter fim. A família e os amigos questionavam-me com uma certa

constância, e nos últimos tempos insistentemente, sobre o término desse trabalho. Mal

sabiam eles que, por vezes, acreditei não ser possível concluí-lo. Mas foram essas

perguntas insistentes e os incentivos que me deram força para continuar minha jornada.

Não foram poucos os que se manifestaram e espero não esquecer de ninguém.

Na ENSP encontrei o espaço propício para o desenvolvimento do meu trabalho, com o

total apoio da chefia do Departamento – Maria Helena Mendonça. O apoio se efetivou não

apenas no filtro de demandas para uma nova funcionária, como no estímulo à discussão da

tese.

No meu dia-a-dia na ENSP contei com apoio de muitos novos colegas e amigos, em

especial Kalu e Cris, atentas aos meus prazos e preocupadas em não me tirar muito do

trabalho. As discussões do grupo de estudo com Kalu, Cris, Gadelha, Marina, Pedro e Vera

foram muito proveitosas para a análise que empreendia na tese, e, sempre também

estiveram dispostos a colaborar Maris, Creuza, Marilene, Javier, Eliana e Chico.

Meu agradecimento especial a todos os funcionários da secretaria do DAPS – Luzimar,

Fabiano, Cecília, Sonia, Wellington, Carmen, Marluce e Sr. João, que indiretamente

possibilitaram esse trabalho.

Para a pesquisa documental contei com a preciosa ajuda da amiga Eliane Oliveira,

também pesquisadora do DAPS/ENSP e do Eduardo (Dudu) do Ministério da Saúde.

Agradeço toda equipe do Setor de Arquivo e Documentação da FIOCRUZ, em especial

Oswaldo, por disponibilizar o Programa com informações do Diário Oficial da União.

Essa tese só foi possível porque tive no IMS o contato com professores que instigam o

conhecimento. Agradeço os cursos que freqüentei, nesse período, dos professores: Dadá,

Ruben, Fiori, Kornis, Sula, Kenneth, Madel, Jane Sayd, Noronha e Ricardo.

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No IMS fiz amigos no mestrado e que continuaram me acompanhando no doutorado.

Certa estou que me acompanharão pela vida. Meus queridos amigos: Carlos, Gustavo,

Eliane, Márcia Fausto, Maggee, Gabi e Marilene.

Agradeço também à secretaria do IMS e à Biblioteca, em especial Regina, pelo apoio

nos últimos anos.

Ao meu amigo Ruben, pela “troca de figurinhas”, pelo olhar que enxerga para além do

que está escrito e por me ensinar no dia-a-dia que existem “valores que vale a pena

defender”.

À Suely Serra pela revisão e total disponibilidade para uma leitura acelerada de uma

tese assim não tão pequena.

Às minhas duas amigas do coração que muito me deram força nesse período: Marly e

Edi.

Ao Dadá pela incondicional confiança na minha pessoa me possibilitando vôos (ou

delírios) sobre toda essa discussão.

À minha família devo mais que agradecimentos por isso lhes dedico essa tese.

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POLÍTICAS DE SAÚDE NO PÓS-CONSTITUINTE - UM ESTUDO DA

POLÍTICA IMPLEMENTADA A PARTIR DA PRODUÇÃO NORMATIVA DOS

PODERES EXECUTIVO E LEGISLATIVO NO BRASIL

SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS............................................................................................................................................ 7

LISTA DE ILUSTRAÇÕES ................................................................................................................................12

LISTA DE SIGLAS ...............................................................................................................................................14

RESUMO..................................................................................................................................................................17

ABSTRACT.............................................................................................................................................................18

APRESENTAÇÃO.................................................................................................................................................19

DESENHO METODOLÓGICO.................................................................................................................................29

A ESTRUTURA DA TESE........................................................................................................................................35

PARTE 1 - CULTURAS INSTITUCIONAIS DO LEGISLATIVO E DO EXECUTIVO NO

BRASIL. LIÇÕES PARA A POLÍTICA DE SAÚDE. ..........................................................................................38

CAPÍTULO 1 - SOBRE O PADRÃO DE RELAÇÃO EXECUTIVO-LEGISLATIVO NO

BRASIL: NOTAS HISTÓRICAS...............................................................................................................................43

CAPÍTULO 2 - A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E A ORGANIZAÇÃO DOS PODERES

...............................................................................................................................................................................................59

CAPÍTULO 3 - AS POLÍTICAS DE SAÚDE NO LEGISLATIVO – 1990-2002................................71

ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO EM SAÚDE................................................................................................................73

SOBRE A ORIGEM DOS DOCUMENTOS LEGISLATIVOS.......................................................................................75

SOBRE AS TEMÁTICAS ABORDADAS...................................................................................................................88

SOBRE O PROCESSO DECISÓRIO E O ENCAMINHAMENTO DAS LEIS NO EXECUTIVO ...................................93

A TÍTULO DE SÍNTESE ...........................................................................................................................................96

CAPÍTULO 4 - AS POLÍTICAS DE SAÚDE NO EXECUTIVO – 1990-2002 ....................................96

A ANÁLISE A PARTIR DAS PORTARIAS EXECUTIVAS.........................................................................................96

AS PORTARIAS DA SAÚDE – CARACTERÍSTICAS GERAIS DA PRODUÇÃO .......................................................96

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CLASSIFICAÇÃO DAS PORTARIAS NOS EIXOS TEMÁTICOS...............................................................................96

AS PORTARIAS SEGUNDO A AUTORIA.................................................................................................................96

AS PORTARIAS EM DESTAQUE .............................................................................................................................96

O CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE..................................................................................................................96

A TÍTULO DE SÍNTESE ...........................................................................................................................................96

PARTE 2 - PROCESSO DECISÓRIO E IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS EM

SAÚDE – SOBRE A ESPECIFICIDADE DO CASO BRASILEIRO...............................................................96

CAPÍTULO 5 - A ESPECIFICIDADE DA REFORMA SANITÁRIA BRASILEIRA......................96

A EXPANSÃO DOS MOVIMENTOS REFORMISTAS E AS PRIMEIRAS TRANSFORMAÇÕES NA TRAJETÓRIA DA

POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL - RUMO AO DIREITO À SAÚDE ................................................................................96

NA CONTRAMÃO DE QUE HISTÓRIA?..................................................................................................................96

O PACTO DA SEGURIDADE SOCIAL ....................................................................................................................96

DESAFIOS PARA A DÉCADA DE 90.......................................................................................................................96

CAPÍTULO 6 - O EXECUTIVO PRESIDÊNCIA NA SAÚDE – OS ANOS COLLOR/ALCENI

(1990-92).............................................................................................................................................................................96

COMPONDO O CENÁRIO – O PROJETO POLÍTICO DE ESTADO NO GOVERNO COLLOR..................................96

O EXECUTIVO PRESIDÊNCIA NA SAÚDE............................................................................................................96

O EXECUTIVO PRESIDÊNCIA NO LEGISLATIVO ................................................................................................96

O EXECUTIVO SAÚDE QUE FAZ A REFORMA .....................................................................................................96

MUDANÇAS NO CENÁRIO.....................................................................................................................................96

PRINCIPAIS ARGUMENTOS DO CAPÍTULO...........................................................................................................96

CAPÍTULO 7 - O EXECUTIVO SANITÁRIO RETOMA O EXECUTIVO SAÚDE – OS ANOS

ITAMAR (1993-94)..........................................................................................................................................................96

QUEM É O EXECUTIVO SANITÁRIO- QUEM É O EXECUTIVO SAÚDE .............................................................96

AS POLÍTICAS DE SAÚDE IMPLEMENTADAS.......................................................................................................96

O DEBATE DAS POLÍTICAS DE SAÚDE NO LEGISLATIVO ..................................................................................96

O EXECUTIVO SAÚDE ENCAMINHA POLÍTICAS ESPECÍFICAS..........................................................................96

PRINCIPAIS ARGUMENTOS DO CAPÍTULO...........................................................................................................96

CAPÍTULO 8 - O EXECUTIVO SAÚDE TEM A SUA VEZ - OS PRIMEIROS ANOS FHC E A

GESTÃO JATENE (1995-1996)..................................................................................................................................96

UMA ESTRATÉGIA MAIS “DURADOURA”............................................................................................................96

EM BUSCA DE MAIS RECURSOS PARA A SAÚDE.................................................................................................96

O EXECUTIVO SAÚDE E O LEGISLATIVO ...........................................................................................................96

POLÍTICAS ESPECÍFICAS.......................................................................................................................................96

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UM NOVO CENÁRIO PARA A SAÚDE E O EXECUTIVO PRESIDÊNCIA MAIS ATUANTE....................................96

PRINCIPAIS ARGUMENTOS DO CAPÍTULO...........................................................................................................96

CAPÍTULO 9 - NOVAMENTE O EXECUTIVO PRESIDÊNCIA – A SAÚDE COMO VITRINE

DA POLÍTICA (1997-2002)..........................................................................................................................................96

1997 – “O ANO DA SAÚDE” ...............................................................................................................................96

A REFORMA ADMINISTRATIVA DA SAÚDE PROPOSTA PELO MARE.............................................................96

SOBRE AS MUDANÇAS..........................................................................................................................................96

POLÍTICAS ESPECÍFICAS.......................................................................................................................................96

A PARTICIPAÇÃO DO CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE .................................................................................96

O LEGISLATIVO NO ANO DA SAÚDE...................................................................................................................96

A GESTÃO SERRA/NEGRI – INSTALA-SE UM NOVO CICLO NA POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE.................96

A “CESTA BÁSICA” DO SUS: A ESTRATÉGIA DE DESCENTRALIZAÇÃO NA GESTÃO SERRA/NEGRI .........96

ORGANIZANDO O ACESSO E FRAGMENTANDO AS POLÍTICAS..........................................................................96

A REGULAÇÃO DO MERCADO EM SAÚDE...........................................................................................................96

ENCAMINHAMENTOS DAS POLÍTICAS DE SAÚDE NO LEGISLATIVO...............................................................96

PRINCIPAIS ARGUMENTOS DO CAPÍTULO ..........................................................................................................96

PARTE 3 - CONSIDERAÇÕES FINAIS - EM DEFESA DE UMA POLÍTICA PÚBLICA DE

SAÚDE BRASILEIRA....................................................................................................................................................96

REFERÊNCIAS .....................................................................................................................................................96

ANEXOS...................................................................................................................................................................96

ANEXO 1 - PODER LEGISLATIVO – DOCUMENTOS APROVADOS (1990-2002)...........................................96

ANEXO 2 - PODER EXECUTIVO – PORTARIAS SELECIONADAS (1990-2002).............................................96

ANEXO 3 - CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE – DOCUMENTOS SELECIONADOS......................................96

ANEXO 4 - DICIONARIO DE TERMOS DO PODER LEGISLATIVO....................................................................96

ANEXO 5 – SÍNTESE DAS PRINCIPAIS LEIS APROVADAS DA SAÚDE (1990-2002).....................................96

ANEXO 6 - CLASSIFICAÇÃO DAS PORTARIAS EXECUTIVAS E PRINCIPAIS POLÍTICAS IMPLEMENTADAS –

1990-2002........................................................................................................................................................................96

ANEXO 7 – NORMAS OPERACIONAIS DA SAÚDE (NOB 91, NOB 93, NOB 96, NOAS 2001/2002)....96

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

QUADRO 1 – A Evolução do Sistema Político Brasileiro, as Cartas Constitucionais e

os Poderes Executivo e Legislativo............................................................................. 57

QUADRO 2 – Quantitativo da Produção Legislativa referente ao setor saúde no

período de 1990-2002 – Brasil..................................................................................... 74

QUADRO 3 – PRODUÇÃO LEGISLATIVA.................................................................. 76

QUADRO 4 – LEIS DE TRAMITAÇÃO SEQÜENCIAL ............................................. 77

QUADRO 5 – Produção Legislativa – Autoria por Partido nas leis de iniciativa do

Legislativo..................................................................................................................... 81

QUADRO 6 – Produção Legislativa – Leis de Tramitação Seqüencial por tempo de

tramitação e autoria do Executivo – 1990-2002 ........................................................ 85

QUADRO 7 – Produção Legislativa – Leis de Tramitação Seqüencial por tempo de

tramitação e autoria do Legislativo – 1990-2002 ...................................................... 86

QUADRO 8 – Documentos Legislativos aprovados por ano – 1990-2002 ..................... 90

QUADRO 9 – PORTARIAS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE - 1990-2002 ................... 96

QUADRO 10 – PORTARIAS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE – 1990-2002................. 96

QUADRO 11 – Desenvolvimento da Política de Saúde no Brasil – 1990-2002 ............ 96

QUADRO 12 – Documentos Publicados pelo Conselho Nacional de Saúde – 1995-2002

....................................................................................................................................... 96

QUADRO 13 – EVOLUÇÃO DA CONDIÇÃO DE GESTÃO MUNICIPAL DO

SISTEMA DE SAÚDE................................................................................................ 96

QUADRO 14 - Mudanças na NOB96 – Portarias do Ministério da Saúde no ano de

1998 ............................................................................................................................... 96

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QUADRO 15 - Porcentagem de municípios habilitados por região de acordo com os

diferentes estágios de gestão dos municípios (1998) ................................................. 96

QUADRO 16 - Porcentagem de municípios habilitados por região de acordo com os

diferentes estágios de gestão dos municípios (Comparativo, 1996–1998)............... 96

QUADRO 17 – Evolução da implantação do PACS/PSF de 1998 a 2000...................... 96

QUADRO 18 – Indicadores de evolução da descentralização no SUS. Posição final em

cada exercício. .............................................................................................................. 96

QUADRO 19 – Portarias do Gabinete do Ministro da Saúde com regulamentação na

área de atuação da Vigilância Sanitária – 1990-2002............................................... 96

QUADRO 20 – Legislação relativa a área da Vigilância Sanitária aprovada no período

1990-2002...................................................................................................................... 96

QUADRO 21 – Legislação aprovada no período 1998-2002 por classificação.............. 96

Figura 1: ESTRUTURA REGIMENTAL DO MINISTÉRIO DA SAÚDE –

DECRETO 109/1991 ................................................................................................... 96

Figura 2 - ESTRUTURA REGIMENTAL DO MINISTÉRIO DA SAÚDE –

DECRETO 2284/1997 ................................................................................................. 96

Figura 3 – ESTRUTURA REGIMENTAL DO MINISTÉRIO DA SAÚDE - ANO

2002 ............................................................................................................................... 96

Tabela 1 – Ministério da Saúde: distribuição percentual das fontes de financiamento,

1993/1998 ...................................................................................................................... 96

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LISTA DE SIGLAS

ABRASCO – Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde ColetivaAIS – Ações Integradas de SaúdeANC – Assembléia Nacional ConstituinteANS – Agência Nacional de Saúde SuplementarANVISA – Agência Nacional de Vigilância SanitáriaAPAC – Autorização de Procedimentos de Alta ComplexidadeBID – Banco Interamericano de DesenvolvimentoBIRD – Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento - Banco MundialCDS – Conselho de Desenvolvimento SocialCEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e o CaribeCEBES – Centro Brasileiro de Estudos em SaúdeCF 88 – Constituição Federal de 1988CIB – Comissão Intergestores BipartiteCIMS – Comissão Interinterinstitucional MunicipalCIPLAN – Comissão Interministerial de Planejamento e CoordenaçãoCIS – Comissão Interinstitucional em SaúdeCIT – Comissão Intergestores TripartiteCN – Congresso NacionalCNS – Conselho Nacional de SaúdeCONASEMS – Conselho Nacional de Secretários Municipais de SaúdeCONASP – Conselho Consultivo de Administração da Saúde PrevidenciáriaCONASS – Conselho dos Secretários Estaduais de SaúdeCOSEMS – Conselho dos Secretários Municipais de SaúdeCPMF – Contribuição Provisória sobre a Movimentação FinanceiraCRIS – Comissão Inter-institucional regional em saúdeDASP – Departamento Administrativo do Serviço PúblicoDATAPREV – Departamento de Informática da PrevidênciaDATASUS – Departamento de Informática do SUSDEC - DecretoDECAS – Departamento de Controle e Avaliação de SistemasDLG – Lei DelegadaDLN – Decreto Legislativo do CongressoEC29 – Emenda Constitucional 29FAE – Fator de Apoio aos EstadosFAE – Fração Assistencial EspecializadaFAEC – Fundo de Ações Estratégicas e de CompensaçãoFAM – Fator de Apoio aos MunicípiosFAT – Fundo de Amparo ao TrabalhadorFHC – Fernando Henrique CardosoFIDEPS – Fator de Incentivo ao Desenvolvimento de Ensino e PesquisaFINEP – Financiadora de Estudos e ProjetosFNS – Fundação Nacional de SaúdeFSESP – Fundação Serviços Especiais de Saúde Pública

Page 15: 203-Tatiana Wargas Baptista

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FUNASA – Fundação Nacional de SaúdeGED – Grupo Especial para a DescentralizaçãoGM – Gabinete do MinistroIAP – Instituto de Aposentadoria e PensãoIBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e EstatísticaINAMPS – Instituto Nacional da Assistência Médica da Previdência SocialINAN – Instituto Nacional de Alimentação e NutriçãoINPS – Instituto Nacional da Previdência SocialIVH-E – Índice de Valorização dos Hospitais de EmergênciaLBA – Legião Brasileira de AssistênciaLOS – Lei Orgânica de SaúdeMF – Ministério da FazendaMP – Medida ProvisóriaMS – Ministério da SaúdeNOAS – Norma Operacional da Assistência à SaúdeNOB – Norma Operacional BásicaOPS – Organização Panamericana de SaúdePAB – Piso da Atenção BásicaPACS – Programa de Agentes Comunitários de SaúdePBVS – Piso Básico da Vigilância SanitáriaPCB – Partido Comunista BrasileiroPCdoB – Partido Comunista do BrasilPCCS – Plano de Cargos, Carreiras e SaláriosPDT – Partido Democrático TrabalhistaPFL – Partido da Frente LiberalPIASS – Programa de Interiorização das Ações de Saúde e SaneamentoPMDB – Partido do Movimento Democrático BrasileiroPND – Plano Nacional de DesenvolvimentoPPI – Programação Pactuada e IntegradaPPA – Plano de Pronta AçãoPPS – Partido Popular SocialistaPSDB – Partido da Social Democracia BrasileiraPSF – Programa Saúde da FamíliaPT – Partido dos TrabalhadoresPTB – Partido Trabalhista BrasileiroRC – RecomendaçãoREFORSUS – Reforço à Reorganização do SUSRSF – Resolução do Senado FederalSAMPHS - Sistema de Assistência Médico-Hospitalar da Previdência SocialSAS – Secretaria de Assistência à SaúdeSE – Secretaria ExecutivaSES – Secretaria Estadual de SaúdeSIAB – Sistema de Informações da Atenção BásicaSICON – Sistema de Informações do Congresso NacionalSIOPS – Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em SaúdeSNAS – Secretaria Nacional de Assistência à SaúdeSNS – Sistema Nacional de Saúde

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SNT – Sistema Nacional de TransplantesSNVS – Secretaria Nacional da Vigilância SanitáriaSPS – Secretaria de Políticas de SaúdeSUCAM – Superintendência de Campanhas de Saúde PúblicaSUS – Sistema Único de SaúdeTCU – Tribunal de Contas da UniãoTRS – Terapia Renal Substitutiva

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RESUMO

Na condução da política de saúde no Brasil durante os anos 90 e no início deste novodecênio (2000) muitas transformações se concretizam, que, se por um lado, avançam naconstrução do projeto político do Sistema Único de Saúde (SUS), por outro, apresentamdesafios e dilemas para sua implementação.

O estudo aborda o processo de implementação da política de saúde brasileira desde aaprovação da Lei Orgânica da Saúde de 1990 (lei 8080), que regula o Sistema Único deSaúde (SUS), até o ano 2002, tendo como eixo de análise as políticas aprovadas peloCongresso Nacional (Poder Legislativo) e as políticas normatizadas pelo Ministério daSaúde (Poder Executivo).

O objetivo central desse estudo é compreender a lógica de construção das políticas desaúde no Brasil, como se estabelecem as prioridades neste setor e se processam asdemandas, buscando identificar padrões de relação entre os Poderes Executivo eLegislativo e a forma de atuar própria a cada um desses Poderes no que diz respeito àpolítica de saúde.

O estudo demonstra que no processo de implementação do SUS persiste o caráterindutor e concentrador do Poder Executivo Nacional (Ministério da Saúde) na relação comas demais esferas de governo e na forma de relação estabelecida com o Poder Legislativo(Congresso Nacional). Uma concentração decisória que está sustentada num pactoimplícito com estados e municípios e com o Poder Legislativo, que extraem benefíciosdessa relação, mantendo antigas práticas de clientela e patronagem institucionalizadas noEstado brasileiro. As estratégias de expansão do acesso à saúde, assim como as regras deregulação do mercado privado em saúde foram estabelecidas sem a explicitação dasprioridades pelo Estado e num processo decisório que favoreceu a excessiva fragmentaçãoda política, trazendo benefícios para os grupos de maior poder político e institucional.

No processo decisório da saúde, na esfera federal, convivem diferentes Executivosmediando os interesses do complexo da saúde: o Executivo Sanitário portador de umprojeto político para a saúde de base reformista; o Executivo Saúde portador de projetospolíticos específicos para o setor e mais ou menos sensível às demandas de saúde, tendouma base na burocracia institucional do antigo MS (pré-SUS) e do INAMPS; o ExecutivoPresidência que expressa o projeto de governo em questão e que usa a saúde como umespaço privilegiado de filtro das relações sociais, vislumbrando maior ou menor poderpolítico.

Este trabalho reafirma a importância de um novo pacto entre Estado e sociedade noBrasil na definição de um projeto político que atenda aos interesses públicos e na defesa deuma política pública de saúde.

Palavras-chave: política de saúde – processo decisório – implementação de políticas –Poder Executivo – Poder Legislativo.

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ABSTRACT

The implementation of health policy in Brazil during the 1990s and the beginning ofthis decade (2000) has led to many changes; while advances have been made towards theconstruction of the Unified Health System (SUS, in the Portuguese acronym), thesechanges have also raised challenges and dilemmas to the implementation of the SUS.

This study focuses on the implementation of Brazilian health policy since the HealthAct of 1990 (Law 8080), regulating the SUS, until 2002; it analyses policies approved byCongress (Legislative Branch) and regulations issued by the Ministry of Health (ExecutiveBranch).

The central objective of the study is to understand the underlying logic of health policyin Brazil, how priorities are established and how demands are processed, and to identifypatterns of relationship between the Executive and Legislative Branches and the particularway each branch of government operates regarding health policy.

The study shows that in the process of implementing the SUS, the Executive Branch ofthe federal government (the Ministry of Health) continues to induce action on the part ofother spheres of government and to concentrate power; that is also the case in theMinistry’s relationship to the Legislative Branch (Congress). This concentration ofdecision-making power is maintained on the basis of a tacit agreement between states andmunicipalities and the Legislative Branch, which benefit from this relationship bymaintaining old practices of political and institutional patronage within the Brazilian State.Strategies to expand access to health care and to regulate the private health care marketwere established without laying out the State’s priorities and in a decision-makingprocesses that encouraged excessive fragmentation of policy, benefiting the groups with thegreatest political and institutional power.

In the federal sphere, Executive authorities with different political perspectives coexist,mediating the interests of the health complex: the Reformist Executive, oriented to theinterests of social movements; the traditional Health Executive, whose constituency is theinstitutional bureaucracy of the old Ministry of Health (pre-SUS) and INAMPS (the formerpublic health service for social security contributors), is more or less sensitive to healthdemands; the Executive Presidency expresses current government policy and uses health asan important field in which to filter social relations, with a view to political power.

This study reaffirms the importance of a new pact between the State and society inBrazil to define a political project that serves the public interest and to defend a policy forpublic health.

Keywords: health policy – decision-making process – implementation of policy –Executive Branch – Legislative Branch.

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APRESENTAÇÃO

A verdadeira descoberta consiste não em descobrirnovas terras mas em ver com novos olhos.

Marcel Proust.

Na condução da política de saúde no Brasil durante os anos 90 e no início deste novo

decênio (2000) muitas transformações se concretizam, que, se por um lado, avançam na

construção do projeto político do Sistema Único de Saúde (SUS), por outro, apresentam

desafios e dilemas para sua implementação.

Nesse período alguns trabalhos aprofundam estudos sobre os rumos da reforma

apontando inconsistências e dificuldades dessa política, assim como, inovações ao projeto

original.

O enfoque desses trabalhos tem sido a discussão das experiências e estudos de caso,

com uma visão da implementação da política no nível local, sendo raros os que se dedicam

a compreender a política a partir da discussão sobre o processo decisório ou analisá-lo de

forma mais abrangente e crítica do sistema1.

Uma discussão ampliada da política face às transformações mais estruturais do Estado,

dos rumos da política internacional e dos modelos de proteção social adotados é

apresentado nos estudos de Werneck Vianna (1995) e Rocha (1997)2.

1 A partir de meados da década de 90 e especialmente com o processo de descentralização/municipalização da políticaimplementado com a Norma Operacional Básica de 1993, muitos municípios implementam mudanças efetivas noprocesso de construção da política. Essas mudanças são intensivamente acompanhadas por estudos diversos. Umlevantamento da produção realizado para o período 1974/2000 revela a tendência das análises localistas em detrimento deanálises sobre a política nacional a partir da década de 90, num movimento inverso da produção dos anos 70 e 80(Baptista et ali, 2003). Entre os trabalhos que se dedicam a compreender o projeto SUS implementado a partir dos anos90 na perspectiva nacional, destacam-se: a tese de doutorado de Levcovitz (1997), que aprofunda a discussão sobre osconflitos fundamentais na construção do SUS até a segunda metade da década de 90, e alguns estudos mais pontuais comobjetivo de síntese de algumas propostas políticas implementadas, como: Lucchese (1996), Viana (2000), Levcovitz et ali(2001), Draibe (2002).2 No estudo de Werneck Vianna (1995) é feita uma análise da trajetória recente do sistema de seguridade social brasileirocom o objetivo de desvendar os fatores de natureza política que dificultam a concretização do modelo universalistainscrito na Constituição de 1988. Apesar de não ser um estudo específico sobre política de saúde, a autora apresenta umadiscussão sobre a perversa americanização (leia-se privatização) do sistema de proteção social brasileiro, especialmente da

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Esses estudos têm em comum a preocupação da análise da política a partir da

discussão de construção de uma política de saúde solidária e efetiva tendo como

fundamentos a universalização e a igualdade no acesso às ações e serviços para promoção,

proteção e recuperação da saúde, segundo os princípios e diretrizes que regem o projeto do

Sistema Único de Saúde (SUS), que são: a integralidade, a descentralização e a

participação popular (Brasil, 1988).

A proposta desse estudo é analisar a implementação da política de saúde no Brasil,

desde a proposta SUS legalizada (LOS 8080/1990)3 até o término do governo Fernando

Henrique Cardoso, no ano de 2002, com um diferencial, pois, toma como eixo de discussão

as políticas aprovadas pelo Congresso Nacional (Poder Legislativo) e as políticas

normatizadas pelo Ministério da Saúde (Poder Executivo), com o intuito de compreender a

lógica de construção das políticas de saúde na situação específica do Brasil, ou como se

estabelecem as prioridades neste setor e se processam as demandas.

Quando o estudo foi proposto (2000-2001), o setor saúde vivia um momento de intensa

produção normativa por parte do Ministério da Saúde (MS). Antecipando algumas

informações que serão trabalhadas mais à frente, a partir do ano de 1999 o quantitativo de

portarias editadas pelo MS, destinadas a regular a política de assistência à saúde,

quintuplicou4. A principal queixa vocalizada pelos gestores estaduais e, principalmente,

municipais era a dificuldade de se manter atualizado com as novas regras instituídas a cada

tempo5. Por outro lado, apesar do significativo avanço, declarado e divulgado em

saúde, desde a unificação dos Institutos de Aposentadorias e Pensões em 1966. Essa discussão fundamenta a análise sobreo SUS e o desafio na implementação de seus princípios. No estudo de Rocha (1997) o foco está numa análise da crise daspolíticas de saúde no Brasil nos anos 90 sob a ótica das variáveis econômicas, sociais e políticas no quadro geral doprocesso de globalização.3 Estamos considerando a Lei Orgânica de 1990 (8080 e 8142) como o marco legal que possibilita o começo daimplementação da política de saúde proposta na Constituição Federal de 1988. Haja vista a necessidade de uma lei queregulamente a Constituição e especifique as condições de aplicação da mesma.4 Isso apenas considerando as portarias do Gabinete do Ministro, da Secretaria de Assistência à Saúde (SAS) e portariasconjuntas que se referem à assistência. Se consideramos o conjunto total de portarias editadas (vigilância sanitária,secretaria de políticas, secretaria executiva, ANS e outras) esse número tende a ser muito maior. Se comparamos o ano de2002 com o ano de 1990 há uma discrepância ainda maior. No ano de 2002 foram 1331 portarias editadas enquanto em1990 foram 58, vinte e três vezes mais portarias do que no início da década.5 Em 1999, o Conselho Nacional de Saúde apresentou uma moção de desagrado face a constante desatenção de setores daSAS para com o Conselho, destacando alguns fatos como: o não atendimento de deliberações anteriores do Conselho quedispõem sobre a publicação de portarias sem a prévia discussão na CIT e no CNS; e a elaboração de grande número deportarias, modificando substancialmente as políticas assistenciais. Um outro termômetro da queixa é a quantidade depiadas que começaram a circular nos corredores das secretarias de saúde e instituições afins, como a que substituía o nomedo secretário de assistência à saúde de Renilson para Normilson, dada a quantidade de normas que foram apresentadasdurante a sua gestão.

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indicadores pelo Ministério 6, obtido no processo de implementação da política de saúde,

ainda persistiam problemas na condução da reforma e, principalmente, na garantia do pleno

direito à saúde7. Esse cenário serviu de argumento inicial para esse estudo que teve como

questão-mestra buscar compreender as dificuldades de implementação do projeto de

reforma a partir de uma análise da atuação do Ministério da Saúde (MS) na condução da

política de saúde e na sua capacidade de articulação com as esferas subnacionais de

governo e de resposta às demandas institucionais e sociais.

Havia por trás dessa questão algumas “avaliações” prévias do processo político-

institucional do setor saúde e do que vinha sendo o papel do MS que demandavam ser

melhor investigadas. Primeiro, a percepção de que o papel exercido pelo MS extrapolava

os limites de sua governabilidade, exercendo uma função concentradora de poder e não

favorecendo a autonomia decisória dos níveis sub-nacionais de governo, principalmente no

que tange à política de financiamento e com implicações para a organização da assistência à

saúde8; segundo, a compreensão de que o caráter indutor do MS se dava por uma

característica própria desenvolvida por esse Poder, ou seja, de tradição tecno-burocrática e

fundada no nível nacional, mantendo a prática de uma política vertical enraizada nas ações

seja do antigo MS ou do INAMPS (incorporado ao Ministério em março de 1990); e por

fim, a ponderação de que essa era talvez a única opção de gestão possível diante do cenário

de imaturidade política, institucional e técnica das esferas sub-nacionais de governo,

portanto, do próprio momento da reforma.

Somava-se também a esse cenário um diagnóstico acerca da desigualdade de atuação

do Poder Executivo em relação ao Poder Legislativo no processo de construção da política

nacional de saúde, seja na sua formulação, implementação ou avaliação. Por um lado, o

Congresso Nacional (Legislativo), como uma instituição propositiva e receptora de

6 Os dados são divulgados nos relatórios de gestão, nas apresentações oficiais do Ministério e outros documentos e textos(Brasil/Ministério da Saúde, 2002a, 2002b, Negri, 2002). Vide avanço nas condições de gestão dos estados e municípiosa partir da Norma Operacional Básica de 1993 e principalmente a partir de 1998 com a implementação da Norma de 1996modificada.7 Entre o dito e o sentido há um grande vazio. A melhora nos indicadores de saúde não tem significado uma melhoraconcreta e real na vida de muitos brasileiros, a situação de grande desigualdade social agudizada nos últimos tempossacrificou uma parcela da população e reforçou a importância de políticas sociais mais consistentes. O setor saúde éapenas um dos aspectos dessa política e, ele mesmo, esbarra em dificuldades nem sempre contornáveis com uma “boapolítica”.8 Assistência à saúde compreendida no seu sentido mais abrangente e não no enfoque que diferencia assistência de atençãoà saúde, como apresentado na última Norma Operacional (NOAS 2002).

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demandas, definindo um conjunto de leis que levariam a mudanças significativas no rumo

da discussão da política setorial, com re-pactuações e novas diretrizes para o Poder

Executivo/Ministério da Saúde. Por outro, o Ministério da Saúde, igualmente propositivo e

receptor de demandas mas principalmente implementador, optando por ações concretas no

rumo da política de saúde e nem sempre condizentes com as leis aprovadas no Legislativo,

ou com dificuldade de respondê-las. E a principal característica dessa relação revelava um

distanciamento muito grande entre o que era discutido e aprovado no âmbito do Congresso

para o que se implementava como política a partir do Executivo Saúde.

A principal expressão desse diagnóstico se dava com relação à própria implementação

da Lei Orgânica da Saúde (8080), que apesar de regular os principais pontos da política

teve uma série deles desprezados ou mesmo modificados9, a partir de novas leis ou de

portarias ministeriais. Como exemplos destacamos dois diferentes documentos (um do

Legislativo outro do Executivo) referentes a questões e momentos da política bastante

específicos: a lei da distribuição gratuita de medicamentos para a AIDS (lei 9313/1996),

como um contra-senso com relação ao artigo sexto da LOS, que diz estar incluído no

campo de atuação do SUS a execução de assistência terapêutica integral, inclusive

farmacêutica10; e a Norma Operacional Básica de 1991 (NOB 01/1991), e uma série de

outras portarias específicas sobre o financiamento11, alterando a lógica de repasse

automático dos recursos fundo a fundo para estados e municípios. Esses são exemplos que

mostram indícios do processo político e das re-pactuações obtidas no mesmo.

No caso da lei dos medicamentos para a AIDS, é paradoxal o fato de existir uma lei

específica para um grupo social determinado garantindo um direito já garantido na lei. Mas

tal fato não configura um problema se consideramos que a lei dos medicamentos foi a

9 Há ainda um conjunto significativo de normas ou mesmo documentos legislativos que regulam questões já reguladas naLOS, gerando desgaste político ou simplesmente adiando a implementação de políticas. É interessante observar ecomparar o conteúdo da LOS com outras leis e documentos executivos e perceber que há uma sobreposição deregulamentação, ou seja, regulamentando algo já regulamentado.10 O gasto elevado das famílias com medicamentos tem puxado para baixo a avaliação do Brasil na OMS, como ocorreuno ano de 2000, quando o Brasil ficou em 191 lugar no ranking dos países. Destarte a polêmica gerada pelo relatório, apartir dessa data a política de medicamentos foi ainda mais enfatizada, área do complexo da saúde que se manteveintocada/inquestionada por um longo tempo.11 Algumas portarias precederam a NOB 01/1991, antecipando o que seria regulamentado, e muitas a sucederam,regulamentando outros processos da política de financiamento não contemplados na NOB. Estas portarias não ficaram tãoconhecidas como a NOB. Há, nesse sentido, uma supervalorização das Normas frente as demais portarias, o que talvezprejudique uma avaliação mais precisa da atuação do Ministério da Saúde na condução da política. Esse é um argumentoque será trabalhado mais detalhadamente no capítulo 4 dessa tese.

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conquista de um movimento social de expressão na área da saúde e um avanço na conquista

do direito integral à saúde para esse grupo. Mas merece análise na medida em que uma

outra forma de garantir o direito integral à saúde se configurou no processo político.

Afinal, por que esse grupo avançou na garantia do direito? Por que foi necessário uma

nova lei específica? Como fica a discussão da integralidade da atenção à saúde a partir

desse fato? Essa lei existiria se o direito integral à saúde estivesse garantido?12 Essas são

questões que merecem ser aprofundadas para que se possa compreender as opções políticas

e a capacidade do Executivo federal de ouvir as demandas sociais e aplicá-las como

política.

No caso da NOB 91 e das portarias de financiamento que a precederam e sucederam,

há uma rearticulação dos pactos no que diz respeito à condução da diretriz de

descentralização. O MS estabelece as regras para o repasse dos recursos mantendo a

condução da política no nível federal negando as determinações da LOS (em especial do

artigo 3º da lei 8142 e do artigo 35 da lei 8080)13, sem uma discussão ampliada sobre as

responsabilidades e prerrogativas das demais esferas de governo na busca de uma maior

autonomia decisória. Em que pese os benefícios que foram conquistados na

regulamentação proposta na NOB 9114, com essa política os gestores estaduais e municipais

foram alijados do processo decisório e assumiram a função de prestadores de serviços no

sistema.

Ainda sobre a produção legislativa e executiva, numa análise prévia dos documentos

relativos ao setor saúde, já era possível destacar o desequilíbrio existente entre as leis e as

12 A questão da política específica e a integralidade precisa ser melhor debatida. No texto de Mattos (2003) algumasquestões suscitam o debate: “como é possível reconhecer as marcas da integralidade em uma política de saúde, ou emuma proposta de política de saúde específica de saúde? Como podemos distinguir as políticas que se pautaram na suaformulação pelo princípio da integralidade (ou que tiveram como referência esse princípio) daquelas outras que não ofizeram?” (p.46). Na questão da AIDS talvez ajude a pensar que o que é diferente como estratégia de política não é o fatode se garantir o medicamento mas de ter que existir uma lei que garanta algo legalmente garantido.13 O artigo 3 da lei 8142 especifica que “Os recursos referidos no inciso IV do art.2º (cobertura das ações e serviços desaúde a serem implementados pelos municípios, estados e distrito federal) desta lei serão repassados de forma regular eautomática para os municípios, estados e distrito federal, de acordo com os critérios previstos no art.35 da lei 8080”. E oartigo 35 definia critérios para o estabelecimento de valores a serem transferidos.14 Levcovitz (1997) apresenta três argumentos favoráveis a essa regulamentação: 1 – Com a NOB 91 assegurava-se afuncionalidade do sistema entendendo que o arcabouço jurídico-legal não era suficiente para detalhar os instrumentosoperacionais; 2 – Respondia-se a necessidade de regulamentar as relações entre as esferas de governo com flexibilidade eagilidade – uma vez que os atos normativos do MS podiam ser alterados e atualizados a qualquer momento; 3 - Expandiao SAMHPS/AIH para todos os hospitais do país permitindo a constituição de um banco de dados universal sobre asinternações financiadas com recursos públicos, capaz de produzir informações para o planejamento e a programação detodo o sistema de saúde (p.156/157).

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portarias da saúde. As leis apresentavam sistematicamente uma definição mais abrangente

da política, o que é característico das leis, e no caso da saúde as leis avançavam muito mais

em suas propostas do que aquilo que as portarias conseguiam regular15, ou seja: havia uma

simplificação das leis no processo de operacionalização das portarias executivas,

garantindo mais do que as portarias regulavam.

O fato de não haver uma regulação específica no Executivo para um aspecto da lei,

contribuía para novas rodadas de negociações a todo tempo, mantendo pontos de pauta em

constante análise, não garantindo sua implementação (exemplo: o financiamento, a

descentralização, a regulação do setor privado – o que também coincide com os pontos que

ficaram em aberto na Constituinte e que persistiram como problema durante toda a década

de 90 e nos anos 2000). Ou seja, a disputa política que havia possibilitado no âmbito do

Legislativo a construção de uma lei encontrava no contexto do Executivo um novo cenário

de negociação. Mais do que isso, foi possível perceber que o Executivo atuava como um

filtro das demandas, antecedendo propostas para o Legislativo (muitas vezes já

implementadas no Executivo) e renegociando no contexto da tecnoburocracia as propostas

apresentadas por este.

É fato que existiam evidências que o Legislativo deixava de atuar como um importante

ator na construção de um projeto político democrático frente ao poder que o Executivo

exercia, servindo muito mais como um legitimador das propostas do Executivo e menos

como um vocalizador das demandas sociais. Tal característica da relação parecia não se

aplicar apenas ao setor saúde16 mas de uma maneira geral em toda a política de Estado,

como descrevia a literatura especializada. E essa forma de relação estaria intrinsecamente

condicionada à trajetória do Estado brasileiro, à forma como se constituíram os Poderes e o

que se entende por política no Brasil.

Dado esse contexto, sobre os corredores do Executivo Saúde, especificamente, pouco

se sabia (ou se sabe) restando apenas alguns indícios de análise com incoerências já

demonstradas sobre o processo de negociação, como o fato das leis aprovadas pelo

15 Mesmo as leis propostas pelo Executivo tinham essa característica, o que nos faz acreditar ser essa uma característicadesse instrumento na composição do processo político.16 Talvez nesse setor seja até um pouco mais atenuada dada a quantidade de atores que militam em pró da reforma e semantém atentos aos rumos da política.

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Congresso Nacional expressarem muitas vezes um processo negociado no interior da

tecnoburocracia do setor saúde e encontrarem posteriormente resistências da própria

burocracia na sua implementação. Haja vista o encaminhamento dado à proposta

negociada da Seguridade Social na Assembléia Constituinte de 1987/88 (Faria, 1997). Isso

porque existiam no interior do setor saúde pelo menos dois grupos de reformistas com

projetos políticos diferenciados para o setor, os reformistas da saúde e os reformistas da

previdência. Os primeiros inseridos na burocracia do Ministério da Saúde com uma visão

da saúde advinda da saúde pública e, os segundos, inseridos na burocracia do INAMPS (a

partir de 1990 no interior do Ministério da Saúde) com uma visão assistencial mais

acentuada. Em comum entre eles a perspectiva de escolhas técnicas para fundamentar as

políticas, gerando impasses na condução da reforma17.

A análise do processo constituinte possibilitou identificar os nós críticos de projetos

em curso mas não possibilitava uma compreensão mais consistente sobre a lógica de

condução da política pelo MS a partir da aprovação do SUS. Nesse ponto, identificamos a

existência de mais três lógicas de atuação no Poder Executivo com influência no processo

decisório da política de saúde, diferenciadas daquelas exercidas pelos reformistas da saúde

ou pelos reformistas da previdência, necessitando ser estudadas e evidenciadas.

A lógica proveniente do Executivo Presidência da República, com a expressão de um

projeto político pactuado pelo governo da situação. A lógica proveniente do Executivo

Saúde, com a expressão de um projeto político mais ou menos consoante ao projeto da

reforma sanitária, da Presidência da República ou de algum grupo de interesse18 específico,

dependendo do desenho institucional do primeiro e segundo escalões de governo no

momento de análise da política e com uma base na burocracia institucional da saúde de

diferentes origens e lógicas – o MS, o INAMPS, a FSESP, a SUCAM. E, por fim, a lógica

de um Executivo Sanitário bastante afinado ao projeto reformista e com uma proposta

17 A burocracia técnica é uma herança da política getulista, desenvolvida e aperfeiçoada nas gestões seguintes de governo.Na parte I abordaremos essa questão buscando associá-la à trajetória institucional da saúde.18 A expressão grupo de interesse tem tomado na Ciência Política um significado mais restrito e preciso, designa aquelesgrupos que, mediante formas múltiplas e variadas, procuram fazer valer seus interesses junto ao poder político.Inversamente, o poder político estabelece relações com esses grupos para, eventualmente, interditá-los, controlá-los ouassociá-los à sua ação. Assim, o grupo de interesse se distingue dos outros grupos pela sua interação – sob qualquerforma – com as instituições do Estado e com os partidos engajados na luta pela conquista e o exercício do poder (Mény,1996: 111).

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fechada para sua implementação. Esses Executivos conviviam no setor saúde e

expressavam mais ou menos projetos em acordo ou desacordo.

Assim, o cerne da questão passou a ser compreender como essas diferentes lógicas de

atuação do Executivo Federal se relacionavam no processo de operacionalização da política

de saúde e qual era sua capacidade de renovação frente às demandas sociais e institucionais

apresentadas. O intuito do trabalho já não era mais distinguir um padrão único de atuação

do MS mas apreender essa especificidade do setor e o que ela trazia de questões para o

processo de reforma. Surgia a hipótese de trabalho que permeavam ao Executivo algumas

lógicas (Saúde – Presidência – Sanitário ... ) e que poderiam se encontrar mais outras.

De outra forma, o padrão de atuação do Executivo Federal estava permeado por uma

concepção maior de organização do próprio Estado brasileiro, da cultura política e social e

da forma de relação entre os Poderes e da sua capacidade de tradução das demandas sociais

em projetos políticos concretos. Assim, o Poder Executivo determina suas ações fundado

numa base de acordo prévio, pactuado e negociado, onde diversos interesses estão postos,

tendo no Poder Legislativo sua base de sustentação. O Legislativo exerce papel

fundamental de articulador de interesses, além de sustentar politicamente as decisões

governamentais e ser regulador das mesmas. O papel que se espera do Legislativo é de

grande importância, espera-se que ele seja vocalizador de demandas e instrumento de

controle das ações do Executivo 19. Uma função que garantiria a princípio processos mais

democráticos.

Nesse sentido, a concepção de Estado está fundada numa ordem política que delega a

indivíduos a representação de uma coletividade20. Para que a representação não seja una e

não se acumule num só representante, o que pode prejudicar o princípio do mínimo de

conforto e bem-estar, nascem a idéia da Federação e o princípio da separação dos Poderes,

e com eles, o Legislativo. Este, por sua vez, surge para controlar e ser controlado:

19 A separação dos poderes do Estado surge como um recurso para a garantia da ordem social pois com a divisão defunções e responsabilidades há uma fragmentação proposital do poder e o governo deixa de ser um ente institucional compoder absoluto e de um só (como na monarquia), e terá que expressar a vontade da maioria (como na república). Ou seja,o poder monitora o próprio poder e garante sua legitimidade enquanto governo (James Madison, 1961 apud Santos,1994).20 De modo a contribuir para que cada contratante tenha garantido o acesso a um mínimo de conforto e bem-estar(pressuposto Hobbesiano).

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predestinado a fiscalizar as outras instâncias de poder e condenado a ter seus atos

permanentemente vigiados por quem o escolheu, o eleitorado (Santos, 1994: p.3).

Para entendermos se o Legislativo exerce seu papel contribuindo para um processo

político mais democrático na saúde faz-se necessário estudar a lógica de atuação do

Executivo Federal e Legislativo no encaminhamento das demandas de saúde; é necessário

desvendar quando e por que uma proposta se apresenta para a discussão no Legislativo, e

quem a enuncia. Nesse sentido, há também um vazio de análise a ser desenvolvido,

definindo as agendas políticas do Legislativo nas questões da saúde e qual é o grau de

envolvimento do Executivo com essas agendas.

Revisando a literatura disponível não foi difícil perceber que a relação executivo-

legislativo já era investigada pela Ciência Política e que havia um vazio de análise que

detalhasse essa discussão para o setor saúde. As contribuições dessa área de conhecimento

vinham reforçar a necessidade do estudo e balizar alguns pressupostos prévios sobre a

organização desses Poderes no Brasil21.

Um dos diagnósticos propostos pela Ciência Política numa análise abrangente dos

Poderes (Figueiredo e Limongi, 1999; Santos, 1997; Pessanha, 1997; Diniz, 1995) indicava,

dentre outras análises, uma forma de cooperação induzida do Executivo com relação ao

Legislativo, que se sustentava no poder de agenda do Executivo, no controle do acesso à

patronagem e dos recursos para impor disciplina22. Assim, a função legislativa de

regulação e controle do processo político ficava comprometida, bem como o próprio

21 A área de Ciência Política tem se dedicado mais à compreensão da relação executivo-legislativo nos últimos anos.Podemos destacar os textos de Figueiredo & Limongi (1994, 1995, 1996, 1997, 1999), com resultados sistematizados dalinha de pesquisa que desenvolvem no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap-SP) e Deptos. de CiênciaPolítica das Universidades de Campinas e São Paulo; a produção de Santos (1997), com resultados e inflexões da pesquisade doutorado desenvolvida no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ-RJ); o estudo de CastroSantos (1997), com resultados de pesquisas de acompanhamento sobre processos de negociação no legislativo; a tese dedoutorado de Pessanha (1997), acompanhando a relação executivo-legislativo no período de 1946-1994; Diniz (1995a,1995b), com uma discussão conjuntural do processo legislativo-executivo no contexto da Reforma Constitucional; enuma discussão pioneira na temática, Abranches (1988). Existem ainda muitos estudos de Ciência Política quecontribuem de uma certa forma para o debate mas que não se dedicam especificamente a tratar do padrão de relaçãoestabelecido entre esses poderes no que diz respeito à saúde.22 Como, por exemplo, a barganha de favores, cargos e recursos em troca de votos em matérias legislativas de grandeimportância para o Executivo, o que se efetivava menos individualmente e mais partidariamente com a distribuição decargos para partidos que fecham o apoio ao governo. Mecanismo relativamente tranqüilo dada a estrutura defuncionamento baseada nas lideranças partidárias. Esse é um enfoque da literatura especializada, não é um consenso. Narealidade, há um outro grupo que diz exatamente o contrário. Ver, por exemplo, os estudos de Castro Santos (1997) e deFigueiredo e Limongi (1999) como expressão de diferentes pontos de vista sobre a temática.

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processo democrático. Seria esse um padrão de relação também presente nas negociações

da política de saúde?

A especificidade do setor saúde e do processo de reforma setorial em curso no Brasil

trazia algumas questões a mais para a análise das políticas negociadas por esses Poderes.

Quando se trata da política de saúde, encontramos um cenário que mescla mudança e

conservadorismo. O setor saúde foi dentre os demais setores sociais o que mais avançou na

reforma e discussão de uma política universal e solidária (Draibe, 2002), definiu uma

proposta (SUS) e incorporou a participação de grupos de interesse diversos, buscando a

construção de um modelo inovador e democrático23.

Por outro lado, o setor saúde mantém uma estrutura institucional que reproduz a

concentração de poder, considerando o caráter técnico-burocrático inerente ao setor que

fortalece/possibilita a postura indutora e pouco transparente e que determina sob bases

científicas bem fundamentadas as escolhas políticas, nem sempre escolhas sensíveis às

demandas sociais, sendo este um dos principais impasses para a mudança e o alcance

efetivo do direito à saúde. Dessa forma, o dilema entre o que é tecnicamente viável ou

desejável e o que é de direito é um tema que também mereceria ser aprofundado, pois é sob

essa base de negociação política que estará fundada a política de proteção social e, portanto,

as decisões políticas que estarão presentes nos atos do Executivo ou do Legislativo.

Nesse sentido, investigar esse debate sob a ótica da saúde e como esses Poderes se

portavam diante dos pactos estabelecidos poderia esclarecer um pouco mais o estado em

que se encontra o processo da reforma sanitária brasileira.

No Brasil, muito por razão do que se construiu historicamente no âmbito desses

Poderes, marcado por um cenário político-institucional de constantes e duradouros períodos

de autoritarismo e centralização burocrática, encontramos ainda muita resistência às

mudanças, com um Legislativo tímido em suas funções (especialmente de proposição e

regulação) e um Executivo concentrador de poder, com dificuldades concretas tanto

23 Na Assembléia Nacional Constituinte de 1987/1988 a discussão da proposta política para a saúde foi, certamente, a quemais apresentou contribuição dos setores sociais organizados. Basta lembrar a utilização do Relatório da OitavaConferência Nacional de Saúde e os documentos da Comissão Nacional da Reforma Sanitária como documentos base parao debate. O texto constitucional praticamente incorporou na íntegra as propostas apresentadas nesses documentos. VerFaria (1997), Rodrigues Neto (1997).

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institucionais, políticas como econômicas, no processo de descentralização para estados e

municípios.

Na trajetória do Estado brasileiro o setor saúde se configura como um setor que

mobiliza poder e muitos interesses econômicos atuando como um importante filtro das

relações sociais. Nesse sentido, a face concentradora do Poder Executivo na saúde se

explica pelo forte apelo social e pelo quantitativo de recursos econômicos e poderes que

mobiliza. No processo de redemocratização romper com a lógica da centralização decisória

na saúde significa romper com os pactos que sustentam os mesmos grupos no poder.

Na realidade, estamos falando de um Estado que constrói sua democracia e que avança

de maneira gradativa nesse processo, de um Estado imerso num cenário político-

institucional complexo e diverso e que busca o tom da sua democracia. Nessa direção, o

setor saúde tem contribuído de forma efetiva para a busca desse tom mas também sofre as

conseqüências de um mundo globalizado e de políticas de restrição, seja econômica, seja da

própria solidariedade24.

Todos esses temas atravessam a discussão proposta nessa Tese. São temas que

precisam ser aprofundados para que possamos melhor compreender as dificuldades na

construção do efetivo direito à saúde no Brasil e avançar no desenho de novas estratégias

de negociação dessa política.

Desenho Metodológico

A opção de estudo nessa área não trouxe facilidades, ao contrário. Todos os temas

identificados para a sustentação da análise da lógica dos Poderes Executivo e Legislativo

estavam imbricados numa rede de discussões bastante complexa e, ao mesmo tempo,

específica e especializada dos campos de conhecimentos. Era necessário avançar na

discussão sobre a constituição do Estado brasileiro e da conformação dos Poderes; no

debate atual sobre a relação Executivo-Legislativo sob a nova ordem constitucional pós-88;

24 A crise da solidariedade é também a expressão de uma crise da própria modernidade e do projeto político que lhe deusustento, com base no conhecimento-regulação, onde se estabelece a ordem e onde a ciência ocupa o lugar de hegemoniae legitimidade do saber. Para Santos (2000), o conhecimento-regulação veio dominar totalmente o conhecimento-emancipação e, portanto, toda forma de conhecimento que funcione como princípio de solidariedade e que valorize adiferença como saber encontra dificuldades para se estabelecer.

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nos temas afins da governabilidade e estrutura partidária; na análise das lógicas de atuação

dos Poderes e do padrão da política brasileira, margeando temas como o clientelismo, a

patronagem e o modus operandi da política.

Diretamente associado a esses temas está a discussão sobre o que significa o projeto de

construção de um Estado democrático e da constituição de direitos sociais na composição

de um sistema de proteção social, temas que a todo instante são tomados como imagem-

objetivo para a própria consolidação da reforma no setor saúde e para a atuação dos

Poderes.

O desafio desse estudo não se encerrava na revisão dessa já ampliada discussão sobre o

Estado, os poderes, partidos, política e a democracia. O desafio está também em

compreender o processo político de tomada de decisão, os temas priorizados e a resposta

governamental. Abre-se uma nova seara de assuntos que estão diretamente relacionados

aos estudos metodológicos de análise das políticas públicas.

Existem temas específicos relacionados à própria condução da política de saúde no

Brasil que precisam ser revisados e que se expressam numa produção crescente tanto das

pós-graduações25 como dos documentos divulgados pelo MS26.

A revisão bibliográfica começou a ser feita e conforme avançava em sua análise mais

se tornava claro que o diálogo com os autores (do conjunto de temas acima abordados) não

possibilitava uma análise consistente e, principalmente, satisfatória para a compreensão das

decisões políticas na área da saúde. E a minha opção era ressaltar a especificidade desse

setor, dissecar suas fragilidades e certezas. Nesse sentido, começou a se constituir uma

opção metodológica de busca empírica de respostas para as questões que se apresentavam,

25 Só para dimensionar o que é a produção acadêmica em saúde coletiva e, especificamente na área de política e gestão emsaúde, retomo os dados da pesquisa sobre a Produção em Política, Planejamento e Gestão em Saúde (Baptista et ali,2003). No período de 1990 a 2000 foram reunidos 3030 documentos, entre teses e dissertações, artigos em periódicos,textos de Conferência, livros e capítulos e apresentações em Congressos de Saúde Coletiva (ABRASCO). Só no ano 2000foram 1065 documentos.26 O Ministério da Saúde sempre divulgou documentos sobre a política nas suas diversas gestões. No entanto, na últimafase da década (a partir de 1998) a quantidade de documentos produzidos foi crescente sendo difícil acompanhar o ritmoda produção.

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31

usando as teorias já estudadas como uma caixa de ferramentas27 para análise do material a

ser investigado.

Foi com essa lógica que me propus a estudar as leis aprovadas para a saúde pelo

Congresso Nacional e as regulamentações propostas pelo MS, a fim de identificar as

características de organização desses Poderes e o que suas propostas teriam tido de

repercussão concreta no processo de implementação da política nacional de saúde.

Finalmente, não se pretende esmiuçar as formas de relação estabelecidas entre o

Executivo e o Legislativo nacionais no encaminhamento da política de saúde28 mas

compreender, no máximo, como esses Poderes estavam se comportando no processo

político, ou o quanto o Legislativo tem sido capaz de atuar como vocalizador de demandas

sociais e regulador das ações do Poder Executivo, e o quanto o Executivo tem exercido seu

poder de gestor das demandas e não de definidor/implementador único da política.

Assim, o desenho metodológico desse estudo foi um arranjo gradativo, com ensaios de

tentativas e erros, na busca de um melhor enfoque sobre a questão para a realidade da

saúde. A contribuição da Ciência Política foi fundamental para a definição de estratégias

concretas de coleta de material, com vistas a uma compreensão sistemática do setor, mas

não foi suficiente para compreender os meandros institucionais dessa política. A análise

documental permitiu o mapear inicial do processo mas foram as estórias contadas e escritas

que iluminaram a compreensão de momentos-chave da política de saúde. Enfim, esse é um

estudo de metodologia bastante heterodoxa e que seguiu as pistas disponíveis no próprio

campo para definir o rumo a ser tomado.

O estudo contou com uma fase de coleta e análise de documentos produzidos pelos

Poderes Legislativo e Executivo, acompanhamento de alguns debates a partir dos textos

produzidos e divulgados por esses Poderes e ampla revisão bibliográfica sobre processo

decisório e implementação de políticas, Poderes Executivo e Legislativo e política de saúde

no Brasil.

27 Como se a teoria fosse uma “caixa de ferramentas” com diversos instrumentos que podem ser utilizados em um ououtro momento da forma como convém ao analista, assumindo a não neutralidade desse estudo. Essa é uma herança doaprendizado da leitura de Foucault. Sobre essa questão em específico ver a entrevista “Os intelectuais e o poder” no livro“Microfísica do Poder” (1979).

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32

Para o estudo do Poder Legislativo, recorreu-se ao site do Senado Federal (Portal de

Pesquisas Legislativas e SICON29) com a reunião e análise da tramitação dos documentos

legislativos durante todo o período 1990-2002. O Portal do Senado permite a busca por

termos, ano, autores ou número das leis. Para o interesse desse estudo cruzamos a

legislação produzida e indexada nos termos: saúde, AIDS, medicamentos genéricos,

vigilância sanitária, previdência social, INAMPS, seguro social, sangue, índios,

planejamento familiar, remoção de órgãos, psiquiatria e Seguridade Social, ano a ano.

Apenas foram considerados os documentos aprovados, não foi feita uma pesquisa sobre os

projetos de lei e outros que não tiveram encaminhamento30.

Os documentos foram diferenciados pela sua característica e função legal – se lei,

decreto, medida provisória –, e detalhados: i) quanto a sua origem – se Executivo,

Legislativo ou Judiciário; ii) tempo de tramitação segundo autoria; iii) temática – temas

específicos como AIDS, índio e outros ou temas mais abrangentes sobre o sistema como a

organização do SUS (LOS); e iv) processo decisório – projetos de lei associados, atores

envolvidos (propositores, relatores e presentes no debate) e outros. Dessa forma, tivemos

um retrato bastante detalhado do processo legislativo e das políticas nesse contexto

definidas.

A partir da produção e de sua trajetória foi possível estabelecer uma relação do

documento com o momento político-institucional da saúde e verificar os encaminhamentos

no Executivo Saúde prévios e posteriores à aprovação de uma proposição legislativa.

Para uma compreensão mais rigorosa do papel que exerce cada tipo específico de

“lei31” (medida provisória – lei delegada – emenda constitucional e outras) no processo de

tomada de decisão foi feito um pequeno estudo das atribuições de cada instrumento legal,

28 Para tanto seria necessário um estudo mais detalhado e demorado sobre esses poderes, com o acompanhamento de suastrajetórias e com uma análise mais consistente sob a égide da Ciência Política.29 www.senado.gov.br30 Esse é um trabalho que pode ser realizado para uma análise dos projetos em tramitação na atualidade possibilitandouma compreensão do processo político e o acompanhamento do mesmo. Nesse sentido, o estudo realizado por Costa etali (1998) pode ser considerado um primeiro passo nessa direção, o que também tem sido apresentado como umapreocupação do novo Ministro (Humberto Costa em entrevista a Revista Radis de março de 2003). Para o propósito desseestudo, que analisa 12 anos da produção legal, o levantamento de todos os projetos de lei nesse período configuraria umtrabalho hercúleo e com pouca contribuição efetiva para a análise do processo político tal como nos havíamos proposto.31 Não se trata apenas de leis, existe um conjunto diversificado de proposições legislativas que podem ser apresentadaspara discussão no Legislativo, de autoria do Legislativo, do Executivo, do Judiciário e também de iniciativa popular.

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33

bem como do processo legislativo propriamente dito tanto na Constituição Federal como no

Regimento Interno da Câmara dos Deputados e Senado Federal32.

Foram reunidos 563 documentos na década de 90 e 198 documentos para os anos

2000, 2001 e 2002. Um total de 761 documentos legislativos.

A produção do MS foi acompanhada pela edição de portarias e resoluções durante todo

o período. A estratégia de coleta desses documentos se deu de duas formas: até o ano de

1997 foram consultados os Diários Oficiais da União, na seção 1, e verificadas todas as

portarias e resoluções editadas33; a partir do ano de 1998 os documentos passaram a estar

disponíveis no site do Ministério da Saúde34. O único inconveniente da busca direta no site

esteve na segmentação das portarias por departamento e aquelas associadas à Secretaria de

Assistência à Saúde (SAS). Assim, perdemos a visibilidade de outras portarias que

poderiam estar sendo editadas e que não estavam relacionadas necessariamente à

assistência à saúde. De toda forma, pelo quantitativo de portarias que começou a ser

editado a partir desse ano, tornou-se impossível a busca ativa nos jornais. Na década de 90

foram ao todo 2806 documentos e nos anos 2000-2002 foram 3080 documentos, sendo que

o quantitativo de portarias aumentou significativamente a partir do ano de 199935.

Foram ainda identificadas resoluções, deliberações, moções e recomendações do

Conselho Nacional de Saúde, o que representa no cenário de discussão da política de saúde

papel fundamental de articulador de propostas e principal vocalizador das demandas de

grupos sociais diretamente relacionados ao setor saúde. Ao todo foram analisadas 183

resoluções e deliberações, 25 moções e 92 recomendações apresentadas a partir do ano de

1995 e disponíveis no site do Conselho36, que mesmo antes desse período já editava

resoluções e deliberações37.

32 No anexo 4 as definições de cada tipo de instrumento legal de acordo com a legislação em vigor.33 Duas estratégias foram utilizadas para essa consulta: uma direta, com consulta nas edições diárias do Diário Oficial daUnião, recuperados a partir de visitas periódicas à Biblioteca do Ministério da Fazenda – RJ e outra na consulta a umSistema de Informações (software privado – SISDOC produzido pela firma NetQuality e que disponibiliza o DiárioOficial na íntegra com data a partir de 1990) disponível no Setor de Arquivo da FIOCRUZ.34 www.conselho.saude.gov.br35 De uma média de 187 portarias no período de 1990-1998, para uma média de 1032 portarias no período 1999-2002.36 www.conselho.gov.br37 A opção de analisar os documentos do Conselho Nacional foi feita tardiamente quando já havia sido realizada a coletado material de todos os anos, por isso apenas utilizamos os documentos disponíveis no site.

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34

Os documentos executivos tiveram um tratamento diferenciado do proposto para o

legislativo, pois dele o que tínhamos era apenas sua publicação final e um desconhecimento

completo sobre a tramitação interna, os atores envolvidos ou o tempo de negociação dos

documentos38. Numa primeira leitura dos caputs das portarias buscamos diferenciar

temáticas e chegamos a uma proposta de classificação das mesmas de modo a permitir uma

visualização mais nítida do processo como um todo nos doze anos.

Destacamos as portarias que nos pareceram mais importantes e decisivas na condução

da política, buscando seguir dois critérios: a capacidade do documento de regular o

sistema; e a mudança introduzida com o documento. Todos os documentos foram lidos e

compreendidos no cenário político-institucional vivido. Mesmo os documentos não

destacados foram analisados quanto a sua característica no processo de organização do

sistema e como indícios para a análise da política.

Verificamos a identificação dos documentos que visaram dar prosseguimento/

encaminhamento às decisões propostas pelo Legislativo, como uma forma de detalhar a

resposta do Executivo aos encaminhamentos do Legislativo. Esse foi o principal subsídio

para a análise das relações entre esses Poderes na condução da política de saúde.

Já os documentos produzidos pelo Conselho Nacional foram utilizados como um

termômetro e contraponto na análise da política implementada ou proposta pelo Executivo

e Legislativo, compreendendo que esse seria um importante ator de vocalização das

demandas sociais. Identificamos os documentos a partir da: a) temática; b) tipo de

documento (uma moção tem um caráter bem diferente de uma recomendação); c) relação

com a política proposta no Executivo e no Legislativo.

O esforço do estudo foi de incorporar uma lógica mais dinâmica de construção das

políticas e abordagens menos seqüenciais da reforma, considerando que o processo de

implementação de uma política por si só configura um quadro de complexidades a ser

analisado. Qualquer política idealizada, quando de sua implementação, encontrará

obstáculos a serem superados. Há um consenso entre os estudiosos de políticas públicas

que o processo de implementação constitui um elemento chave da política, especialmente

38 Possível no Legislativo a partir do registro das reuniões e divulgação do debate no site e só possível no Executivo a

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35

pela dificuldade que encontra, mesmo quando existe, a princípio, um grande apoio ao

projeto inicial desenhado. Os autores que se dedicam ao tema constataram que os governos

têm sido muito melhores para fazer a legislação do que para efetuar as mudanças desejadas,

havendo “brechas de implementação” que merecem ser investigadas39.

Nesse estudo, o principal referencial teórico tomado de empréstimo vem da Ciência

Política, que como campo de conhecimento volta-se para a questão da implementação de

políticas para compreender os sucessos e insucessos dos projetos políticos idealizados,

construindo modelos explicativos e apontando para as dificuldades a serem enfrentadas na

construção de políticas.

Nesse sentido, e utilizando desse referencial, nosso interesse esteve na forma de

construção e implementação da política pública de saúde no Brasil desde sua legalização,

compreendendo a política pública como uma construção social capaz de formular um

conjunto abrangente de políticas, articulando interesses os mais diversos e construindo

também diferenciados modelos de intervenção a cada tempo (Muller e Surel, 1998).

Assim, o foco desse estudo esteve não NA políticA de saúde implementada no Brasil mas

NAS políticaS de saúde acordadas durante toda a década de 90 e nos dois primeiros anos de

2000, políticas convergentes ou divergentes e que compuseram um quadro possível de

análise da ação pública40 setorial nesse período.

A estrutura da Tese

A tese foi organizada buscando preencher as temáticas tratadas nessa investigação e

identificando os pressupostos teóricos de análise da política de modo que o leitor possa

também traçar uma análise do processo político aqui detalhado. Fizemos a opção de uma

análise desse processo sendo possível ainda a construção de outros caminhos, a partir do

mesmo material. Consideramos, portanto, este trabalho como uma primeira aproximação

partir de relatos de atores institucionais.39 Alguns autores têm se dedicado a compreender melhor o processo de implementação das políticas, na revisãobibliográfica utilizamos: Hogwood e Gunn (1984), Walt (1996), Meny e Thoenig (1992).40 Para Muller e Surel (1998) estudar a ação pública é colocar um acento diferente nas análises politológicas clássicas. Éuma análise baseada nos resultados/conseqüências da atividade política, mais do que nas suas propostas.

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36

mais “organizada” sobre a lógica dos Poderes na saúde no Brasil, restando ainda muito o

que fazer.

A tese está dividida em três partes.

A primeira parte da Tese objetiva apresentar a discussão sobre o processo histórico

de constituição e formação do Estado brasileiro e as heranças desse processo para a

organização dos Poderes e o processo decisório na saúde. Para isto, apresentamos quatro

capítulos. No Capítulo 1, abordamos a trajetória do Estado brasileiro e dos Poderes. No

Capítulo 2, discutimos as regras instituídas para os Poderes após a Constituição de 1988,

assim como os estudos que analisam o padrão de relação entre executivo-legislativo. No

Capítulo 3 apresentamos um mapeamento das políticas de saúde definidas no Legislativo

durante o período de 1990-2002, analisando as principais características dessa produção. E,

no Capítulo 4 resgatamos a trajetória institucional do Executivo saúde no Brasil e

apresentamos um mapeamento das políticas de saúde definidas no Executivo durante o

período de 1990-2002, também analisando as principais características dessa produção.

Na segunda parte apresentamos uma discussão sobre o processo político e suas

variáveis de análise, ressaltando a especificidade do setor saúde no conjunto das políticas

públicas. A trajetória da política de saúde é analisada em cinco momentos definidos. No

Capítulo 5 abordamos a especificidade do caso brasileiro na condução da reforma

sanitária. No Capítulo 6, apresentamos o processo político no âmbito do governo Collor e

da gestão Alceni Guerra. No Capítulo 7 focamos nas políticas implementadas no contexto

do governo Itamar. No Capítulo 8 tratamos da gestão Jatene nos dois primeiros anos de

mandato do governo FHC. No Capítulo 9 apresentamos o processo político na saúde nos

anos 1997-2002, distinguindo dois momentos diferenciados de condução da política. O

primeiro, no ano de 1997 com a gestão do Ministro Carlos César Albuquerque e o segundo

momento, relativo ao período 1998-2002 com a gestão Serra/Negri.

Finalmente, apresentamos uma terceira parte, com algumas considerações sobre a

implementação da política de proteção à saúde no Brasil abordando impasses e

possibilidades no contexto atual.

Uma agenda de pesquisa se delimita ao final do estudo com a necessária construção e

acompanhamento de estudos de caso, de modo a aprofundar a análise sobre o padrão de

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37

relação entre os Poderes. O esforço inicial de distinção das questões colocadas pelo

Executivo e Legislativo no Brasil no que tange à saúde, abre um amplo campo de estudo

que merece maior detalhamento e tempo de dedicação.

A Tese é um convite ao leitor para uma análise conjunta dos documentos e situações

abordadas. Não apresentamos aqui verdades irrefutáveis, apenas críticas a um processo

político que ainda se estabelece e que tem chances de se transformar mediante a

compreensão e participação ativa daqueles que hoje dialogam com esse setor.

A discussão do setor saúde extrapola os limites dessa política. Na verdade, trata-se de

analisar o projeto político de Estado, os conflitos e interesses que permeiam essa política e

as conseqüências na forma de condução do projeto SUS nesses doze anos.

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38

PARTE 1 - CULTURAS INSTITUCIONAIS DO LEGISLATIVO E DO

EXECUTIVO NO BRASIL. LIÇÕES PARA A POLÍTICA DE SAÚDE.

”A superação da crise atual passa pelo desenho deuma estratégia e supõe o realinhamento dos velhoscompromissos entre o Estado, os capitais privados e ostrabalhadores. Esta é a verdadeira essência da reforma doEstado a ser feita hoje, muito mais profunda do que a queocorreu nos anos 30. Uma reforma, aliás, que já se inicioucom a redemocratização das instituições políticas e sindicais,mas que ainda enfrentará muitas dificuldades, sobretudoporque, diferentemente do pensamento neoliberal, este Estadodeveria ser forte sem ser extenso e autoritário como foi oEstado desenvolvimentista. (...) Um Estado que fosse forte eágil, simultaneamente autônomo e democrático, responsávelpelo desenho e articulação estratégica de um novo estilo dedesenvolvimento, compatível com o avanço da cidadaniasocial e política das populações até hoje marginalizadas.”(José L.Fiori, 1995: 159).

Desde a unificação do sistema de saúde em 1988 desconsiderou-se que os males do

processo político que marcavam o setor da saúde estariam resolvidos, em especial a

fragmentação das políticas implementadas com ações específicas pelos diversos órgãos que

atuavam nesse setor (a FSESP, o MS, o INAMPS, a SUCAM). Os anos passaram, muitas

medidas foram adotadas com vistas a promoção e integração das políticas e o diagnóstico

ainda é muito parecido com o realizado há décadas atrás: o setor saúde é um setor

extremamente fragmentado tendo o diferencial que hoje essas instituições convivem num

mesmo sistema 41.

41 A situação de fragmentação institucional está expressa em textos de discussão da área e na fala dos técnicos em diversosmomentos do Ministério da Saúde. A luta pelo MUS – Ministério Único da Saúde - é uma expressão que atravessagestões, pelo menos desde 1992, e que mais recentemente começa a ser novamente enunciada. Um texto de Levcovitz,Arruda e Garrido, de 1994, apresenta um diagnóstico dos técnicos da gestão primeira Jatene (nos anos de 1992) sobre ainadequação das estruturas e culturas organizacionais, tanto no MS como nas secretarias de saúde estaduais e municipais,para o desenvolvimento do SUS. O diagnóstico apontava para os desafios na integração da política, dentre outros.

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39

Apesar de uma noção abrangente de saúde, que pressupõe intersetorialidade e

interdisciplinaridade para se alcançar o ideal do direito à saúde, o sistema também padece

do mesmo mal do isolamento e da baixa capacidade de articulação com outras políticas

fundamentais para a sustentação de seu projeto político de transformação social,

interagindo de forma incipiente com outros setores do Estado42.

Esse diagnóstico, em que pese seu forte tom catastrófico, reflete uma situação de

grande conflito na atualidade no que diz respeito aos rumos do processo de reforma do

setor saúde no Brasil. As razões desse conflito parecem estar diretamente associadas ao

processo político instalado no país e a uma lógica fragmentadora que se mantém no âmbito

desse Estado.

As teses sustentadas nesse trabalho são:

1 – A reforma sanitária brasileira conseguiu avançar bastante na construção de um

arcabouço jurídico-legal e na construção de um ideário político para a saúde mas esse

projeto não foi necessariamente compartilhado pelos grupos sociais de maior influência no

processo político, levando a uma fragilidade dessa proposta, e não possibilitando, por

exemplo, que a fragmentação institucional fosse de fato enfrentada, comprometendo alguns

aspectos no processo de implementação da reforma;

2 – Os grupos de maior influência e poder político no Brasil compõem uma elite que

concentra poder decisório e que tem como forte aliado uma burocracia técnico-institucional

que fundamenta suas ações. Na saúde essa burocracia se expressa de diversas formas, nas

diversas faces desse setor, existindo diferentes estratos burocráticos atuando no conjunto do

Ministério;

3 – As diferentes burocracias técnicas do setor saúde passaram por transformações no

processo de construção e implementação do SUS, estando mais ou menos permeáveis ao

debate reformista mas também mantendo suas lógicas executivas intactas em alguns

aspectos pois estão fundamentadas em argumentos técnicos e comprovadamente efetivos.

42 Talvez o problema seja menos a baixa articulação entre os diversos setores do Estado e mais o baixo compromisso doEstado na composição de um pacto social que afirme o importante papel da saúde e a responsabilidade de cada área dogoverno com esse projeto. Uma política intersetorial que só se desenvolverá se o projeto político estiver claro.

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40

Para que possamos compreender melhor esses argumentos é preciso que aprofundemos

a análise dos Poderes no Brasil – afinal quem é o Executivo e quem é o Legislativo a partir

dos anos 90 e o que se mantém da lógica anterior e o que se propõe de mudança.

Esses Poderes foram reformatados no contexto de uma nova Carta Constitucional que

tinha como pressupostos:

1) a democratização do processo decisório (da política) – o que incluía a transparência

do processo político e a participação dos diversos grupos sociais no debate;

2) a democratização econômica e social – com a redução das desigualdades e o

compromisso com o desenvolvimento de uma política social sustentada e em pé de

igualdade com a política econômica.

Esse projeto encontrou alguns obstáculos:

1) de ordem estrutural-política – um Executivo “forte43” e atuante frente a um poder

Legislativo fisiologista e corporativo (que concorre pelos seus projetos regionais e

particulares) e um Judiciário ad hoc, onde não se aplica a idéia de controle dos

Poderes entre si;

2) de ordem estrutural-institucional – com heranças de um Estado centralizador com

uma burocracia tecnocrática e concentradora de poder, pouco permeável às demandas

sociais;

3) de ordem estrutural-social – com uma frágil concepção de cidadania e direito, com

forte conotação clientelista e com práticas fisiológicas e de cooptação,

comprometendo o princípio da participação popular.

Ordens fundadas na história do Estado brasileiro e nas opções políticas que foram

implementadas. É nesse contexto que se insere o processo político brasileiro –

comprometido pela história do Estado e dos Poderes, história social e trajetória institucional

daqueles setores que implementam de fato a política de saúde. Conhecer esse processo

talvez ajude a compreender melhor a questão: por que as leis no Brasil “não pegam”? Ou

43 A noção de Estado forte é polissêmica. Nessa referência, o Estado significa aquele que atua pelo meio da força e dapolítica autoritária. O que advogamos, por outro lado, como Estado forte é aquele capaz de atuar com autoridade mas

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41

quando as leis “pegam”? Por que é necessário se recorrer a mecanismos de validação e

revalidação de leis a todo instante, clamando o “cumpra-se a lei”44?

O objetivo desta seção é retomar alguns pressupostos sobre a forma de constituição

dos Poderes Executivo e Legislativo no Brasil a fim de melhor apreender as características

da relação entre esses Poderes e o processo decisório na política de saúde.

Nesse sentido, tornou-se condição do estudo aprofundar no processo histórico de

construção do Brasil como Estado Nação e a composição dos Poderes, em especial o

Executivo e o Legislativo. Assim, as perguntas que sustentaram essa aproximação com a

temática resumem-se em: como se configurou historicamente o padrão político de relações

entre os Poderes Executivo e Legislativo no Brasil? Que exemplos são marcantes dessa

forma de relação e qual o papel que esses Poderes exercem? Qual o papel da sociedade na

construção política do Estado? Quando e por que existiram inflexões na condução política

do Estado, nas relações entre os Poderes e o que elas produziram?

Numa revisão bibliográfica sobre a história brasileira encontramos diferentes

abordagens e enfoques sobre a questão e fragmentos que compõem uma compreensão geral

do que estamos denominando padrão de relação entre os Poderes. Para atingirmos nosso

objetivo estaremos seguindo as pistas da história brasileira e, certamente, repetindo estórias

já bem conhecidas por todos nós mas agora contadas com outro propósito de análise. Os

pontos de convergência nas análises dos autores assim como as divergências entre os

mesmos possibilitaram uma compreensão ampliada do processo político e um enfoque mais

rico para a análise do setor saúde no Brasil.

Nos dois últimos capítulos desta seção estaremos abordando as características do

Executivo e do Legislativo na discussão da política de saúde, a partir da produção de

documentos legais e executivos nos últimos doze anos. O mapeamento da produção visou

construir preliminarmente um quadro geral sobre os principais aspectos da relação

executivo-legislativo no Brasil no processo político da saúde e caracterizar as políticas

também respeitando os princípios da autonomia e da democracia, tal como apresentado por Fiori na citação de aberturadesta seção.44 Na saúde temos alguns exemplos desse movimento, expresso inclusive em documentos oficiais assim denominados,como o apresentado na IX Conferência Nacional de Saúde em 1992 “A ousadia de cumprir e fazer cumprir a lei” (Brasil,MS, 1993).

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42

priorizadas pelos Poderes após a aprovação do SUS. Essa discussão serviu como base para

a análise das políticas de saúde implementadas nos doze anos e numa compreensão do(s)

Executivo(s) Saúde, o que será aprofundado na Segunda parte dessa Tese.

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43

CAPÍTULO 1 - SOBRE O PADRÃO DE RELAÇÃO EXECUTIVO-LEGISLATIVO

NO BRASIL: NOTAS HISTÓRICAS

“Depois que nos livrarmos do preconceito de que tudo o quefaz o Estado e a sua burocracia é errado, mal feito e contrário àliberdade, e de que tudo o que é feito pelos indivíduos particulares éeficiente e sinônimo de liberdade – poderemos enfrentaradequadamente o verdadeiro problema. Reduzido a uma só frase, oproblema consiste em que, nesse nosso mundo moderno, tudo épolítico, o Estado está em toda parte e a responsabilidade políticaacha-se entrelaçada em toda a estrutura da sociedade. A liberdadeconsiste não em negar essa interpretação, mas em definir seus usoslegítimos em todas as esferas, demarcando limites e decidindo qualdeve ser o caminho da penetração, e, em última análise, emsalvaguardar a responsabilidade pública e a participação de todosno controle das decisões” (Karl Mannheim, 1972: 66).

No estudo de Abrucio (1998) uma pista nos pareceu instigante e de necessário

aprofundamento para a compreensão da relação executivo-legislativo. Para o autor existe

uma questão fundamental na formação e desenvolvimento do Estado Nacional que precisa

ser investigada: o dilema da centralização versus descentralização. E é sobre esse dilema

que começaremos a abordar a trajetória de formação do Estado brasileiro e de seus Poderes.

Nossa história começa com um padrão de política baseado no extrativismo, na

exploração da mão-de-obra, na sujeição às regras impostas pela Coroa Portuguesa e no total

desinvestimento dos “donos do poder”45 na construção de um Estado sustentado. Foram

praticamente quatro séculos (1500-1900) de exploração colonial e um único poder, a Coroa,

caracterizando um Estado centralizador, baseado num “único executivo” e sem qualquer

mecanismo para a canalização das demandas sociais.

45 Essa é uma denominação utilizada por Faoro (1958) no estudo sobre a formação do patronato político brasileiro e queabarca desde a origem do Estado português até o governo Getúlio Vargas, reificando as raízes portuguesas de nossaformação política.

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44

Mais do que um único e centralizado poder, para Faoro (1958), o Brasil se constituiu

tendo como base uma monarquia patrimonialista, que acabou prendendo os

servidores em uma rede patriarcal, e que os tornou, pouco a pouco, uma espécie de

nobreza particular, compondo uma “corporação de poder”. Assim, a burocracia não se

constituiu como uma classe ou como expressão de um domínio de classe, mas como um

grupo instalado no núcleo decisório do Estado, num governo de minoria, onde poucos

dirigem, controlam e infundem seus padrões de conduta a muitos. Nas palavras do autor,

”o estamento, quadro administrativo e estado-maior de domínio, configura

o governo de uma minoria. (...) O grupo dirigente não exerce o poder em

nome da maioria, mediante delegação ou inspirado pela confiança que do

povo, como entidade global, se irradia. É a própria soberania que se

enquista, impenetrável e superior, numa camada restrita, ignorante do

dogma do predomínio da maioria” (p.100).

Com a vinda da Família Real para o Brasil (1808), ocorre uma primeira e incipiente

inflexão nessa trajetória, com a reordenação dos mecanismos de controle político e um

retempero pela fixação em um centro de poder, capaz tanto de amarrar interesses diversos

como de permitir a continuação ordenada do controle político do tipo estamental. Por outro

lado, a chegada da Família Real trazia concretamente um conjunto de mudanças no cenário

político, econômico e institucional da colônia, tirando-a do profundo isolamento intelectual

e comercial.

Nesse sentido, com a Independência, em 1822, e o rompimento formal dos laços

políticos e administrativos com Portugal, aconteceu um maior investimento na política

nacional mas ainda manteve-se presa as amarras do desenvolvimento, quer nas relações

internacionais com subjugo à Inglaterra, quer nas relações interinas com o poder,

concentrado nas mãos do Imperador e atendendo aos interesses de uma elite. A

Constituição de 1824 deixou bastante claro sob que bases passava a se sustentar a política

de Estado: o Poder central no Imperador com o apoio da elite, constituindo-se um

Parlamento de duas casas – o Senado, com membros vitalícios escolhidos pelo Imperador e

a Câmara, com membros eleitos nos distritos parlamentares com voto limitado aos homens

de posse. Onde,

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45

"o Imperador dispunha de amplos poderes sob sua Constituição, se

decidisse fazer valer seus direitos. Ele podia dissolver a Câmara baixar e

convocar novas eleições. Tinha também o poder de aprovar ou vetar

qualquer medida aprovada pela Câmara ou Senado. Essa responsabilidade

inerente de agir como o juiz e árbitro final em questões vitais de Estado era

referida pelos brasileiros como o Poder Moderador da Coroa " (Skidmore,

1998: p.64)

Uma primeira experiência de descentralização do poder ocorreu em 1834, com a

instituição da Regência Trina, dando poderes crescentes às províncias, que passavam a estar

autorizadas a criar uma Assembléia Provincial com poderes no controle dos impostos, nos

gastos da província e na nomeação de funcionários locais. Essa experiência, de resultados

desastrosos e de sucessivas revoltas regionais, não durou mais que seis anos, quando um

novo ato recentralizou o poder nas mãos do Imperador (com a maioridade de Pedro II).

Mas deixou alguns frutos, dentre eles a composição de dois partidos de disputa pelo poder,

um liberal e descentralizador, que iria incitar a campanha para o fim do Império, e outro

conservador, que buscaria manter a burocracia centralizada e a manutenção do Império.

Os primeiros sinais para a República foram inevitáveis com a insatisfação social e as

crescentes pressões pela mudança de regime. O primeiro passo nesse processo foi a

abolição da escravatura (1888), tendo a elite uma imensa habilidade em conter o crescente

conflito social e fazer concessões. A queda do Império e o começo da República veio a

seguir (1889), com o apoio militar para a retirada do Imperador e a constituição de um

governo provisório. Nesse sentido, "o Império brasileiro havia sido derrubado por um

golpe militar, não por uma revolução social, e a República começou com um governo

militar" (Skidmore, 1998: p.108), uma forma de encaminhamento da política bastante

diferenciado do que foi a experiência dos vizinhos do Norte da América.

Entre as medidas adotadas pelo governo provisório (1889-1891), destacaram-se: a

expulsão da Família Imperial; a extinção da Câmara dos Deputados, do Senado e do

Conselho de Estado; a extinção das Assembléias Provinciais e Câmaras Municipais,

substituídas por interventores; e a convocação das eleições, visando estabelecer uma

Assembléia Constituinte (Primeira Constituição Republicana).

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46

Foi nesse contexto e com medidas bem incisivas de poder que, em 1891, promulgou-se

a nova Constituição do Brasil, instaurando o sistema presidencialista e cristalizando a idéia

de República Federativa, à semelhança do modelo americano. A nova Carta estabelecia a

existência de três poderes: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário – e abolia a idéia do

Poder Moderador. O Poder Legislativo mantinha a composição anterior com o Congresso

Nacional, formado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, mas agora com

representantes eleitos pelo povo. Outra inovação era a eleição pelo Congresso Constituinte

do Presidente da República e seu vice (Senado Federal, 2003).

Contudo, a instituição da República e do sistema presidencialista não significou a

diminuição do poder das oligarquias regionais e um maior balanceamento da relação

executivo-legislativo, ao contrário, com a segunda fase da República Velha (governo de

Prudente de Moraes, 1894-1898), configurou-se um período de grande domínio das

oligarquias, principalmente a dos poderosos cafeicultores paulistas. Afirmava-se, a partir

de então, a “política dos governadores”, que se constituía na troca de favores recíproca

entre o Presidente da República e os Governos Estaduais, com a finalidade de neutralizar a

atuação oposicionista do Congresso, complementada pela política do café-com-leite46, que

consistia na alternância de Minas Gerais e São Paulo na Presidência (Senado Federal,

2003).

Segundo Faoro (1958), a República trazia a novidade da pulverização do

patrimonialismo no sistema privatista de poder chamado de “coronelismo”, uma

extensa rede clientelista que articulava os senhores locais à política regional.

“O retraimento do estamento burocrático apenas convertia o agente público

em um cliente, uma fragmentação da mesma estrutura patrimonial vista

agora com um certo descentramento” (p.387).

Nesse contexto, a definição do poder nacional passava pelo controle dos governadores

através do Legislativo federal, visto que os deputados eram eleitos em pleitos determinados

pelos Executivos estaduais. Como demonstra Abrucio:

46 Por isso também denominada República do Café.

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47

"Garantindo a supremacia das oligarquias estaduais na Câmara, o

Executivo Federal obtinha uma relação amena com o Legislativo, que

atuava em conformidade com o presidente da República" (Abrucio, 1998:

p.36 - grifos nossos).

Ou seja, o Executivo mantinha seu papel concentrador e definidor da política,

fortalecido principalmente no âmbito estadual. Nas mãos do governador, concentrava-se o

poder para uma política de composição, de determinação da lógica do Legislativo e do

Judiciário, e do controle sobre o emprego público e sobre o aparato policial. Enfim, uma

organização de Estado federalista oligárquica (baseada no poder de poucos),

patrimonialista (na manutenção do patrimônio destes) e excludente (com a ausência do

povo no cenário político) (Abrucio, 1998).

Na realidade, a República não havia conseguido barrar o movimento já anterior de

composição de uma política regionalista e excludente e apenas nominalmente conformava-

se como um sistema civil e democrático. O País estava dominado por um sistema político

enrijecido, burocratizado e incapaz de responder aos movimentos da economia e da

sociedade (Nogueira, 1998: 23).

As críticas ao federalismo oligárquico e à própria República Velha constituíram um

movimento de transformação política consolidado na Revolução de 30, assumindo o poder

Getúlio Vargas. Uma nova Carta Constitucional foi elaborada (1934), com a participação,

pela primeira vez, de membros eleitos e voto secreto. A nova Constituição mesclava

liberalismo político e reformismo socioeconômico, mantendo o sistema presidencialista,

com o presidente eleito por voto popular e o sistema federativo, com a autonomia dos

estados. As inovações da Carta estavam relacionadas à composição da Câmara dos

Deputados, com um número de deputados proporcional à população de cada estado e com

uma atuação mais incisiva desta Casa em relação ao Senado Federal, que assumiu grande

importância na coordenação entre os poderes (Senado Federal, 2003).

A Revolução de 30 significaria ainda um marco no processo de construção do

Estado brasileiro, com um forte movimento de afirmação da soberania nacional, sobretudo

frente aos estados federados e às instâncias a eles subordinados. Os núcleos de poder

local e regional ficam cada vez mais subordinados ao centro, que se converteu assim

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48

no grande espaço decisional do País. A centralização e a concentração do poder

possibilita a passagem para uma forma estatal mais avançada, quer dizer para um

Estado revestido do necessário arcabouço institucional, jurídico e político para dar

sustentação técnica, normativa e organizacional ao exercício de um poder unificado

(Nogueira: 1998).

A trajetória política traçada na Revolução de 30 ganha novos rumos com o Golpe de

Estado em 1937, quando se interrompe a legalidade constitucional e se estabelece a

ditadura, também conhecida como Estado Novo. As normas corporativistas se intensificam

e se fortalece a centralização. Novamente o Poder Legislativo sofre as conseqüências do

processo político, sendo fechados o Congresso Nacional, as Assembléias estaduais e

Câmaras municipais, o sistema judiciário fica subordinado ao Poder Executivo. Todo

poder político fica concentrado nas mãos do Presidente da República.

Com o Estado Novo redefine-se o padrão de relações intergovernamentais e o

federalismo é deixado de lado, reafirmando a tendência à concentração do poder no nível

federal. A burocracia pública federal ganha destaque e se constitui um executivo

tecnicamente fundado, tudo em nome da manutenção da ordem e da estabilidade política,

garantindo o poder central e o controle total do processo político nos estados47.

Por outro lado, mas coerente com o processo político instalado, o governo Vargas

desenvolve uma política tipicamente populista, relacionando-se com os trabalhadores,

fortalecendo sindicatos, concedendo diversos benefícios trabalhistas e decretando a

Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Por meio da ativação de uma abrangente rede

de organismos e dispositivos legais, monta-se um eficiente sistema de controle e cooptação,

ancorado nos institutos previdenciários e no Ministério do Trabalho, deslocando para o

âmbito do Estado toda e qualquer negociação.

Conforme resume Fiori (1995)

47 “O Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), criado em 1937, foi o grande símbolo do período:revestido de múltiplas atribuições e dotado de grande força e prestígio, o DASP funcionou como órgão de inovação emodernização administrativa, liderando a efetiva organização do aparato público brasileiro e atuando com centroirradiador de influências renovadoras, peça estratégica de um sistema racionalizador no âmbito do Poder Executivofederal” (Nogueira, 1998: 94).

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“é somente a partir de 1930, quando se combinam os efeitos da crise

econômica internacional com uma revolução política interna que encerra a

República Velha (1889-1930) e se abrem as portas ao regime ditatorial do

Estado Novo (vigente entre 1937 e 1945), que o Estado passou a assumir

ativamente o papel de regulador da economia. É nesse período que se

consolida nas elites brasileiras a hegemonia de idéias que passaram a

defender o envolvimento do Estado na organização da sociedade e na

construção da economia nacional. De tal forma que elites até então

predominantemente agrárias e conservadoras posicionam-se em favor de

uma política pública cada vez mais próxima do que, depois dos anos 50,

assumiria a forma do chamado projeto desenvolvimentista.” (p.127)

Abrucio (1998) destaca quatro heranças deixadas pelo Estado autoritário Varguista

para o período pós-45:

1) A criação de uma estrutura estatal centralizada na qual os principais interesses

econômicos (dos empresários e trabalhadores) se faziam representar. Com a constituição de

uma base decisória na burocracia federal, o Congresso Nacional exercia papel coadjuvante

o que também traria problemas na institucionalização do sistema partidário.

2) O fortalecimento da União e da Presidência da República como núcleos de

poder.

3) A expansão e consolidação das Forças Armadas como a mais importante e influente

instituição nacional.

4) O estabelecimento da ideologia nacionalista.

Em resumo:

“O quadro federativo da Segunda República toma, portanto, a seguinte

forma: os estados voltaram a ter autonomia, a Federação se tornou

multipolar e o Estado nacional se fortaleceu em termos econômicos e

políticos. Nesse quadro, as relações entre estados e União se estabeleceram

mediante barganhas clientelistas, realizadas tanto no Congresso como na

burocracia federal. Tais barganhas clientelistas passavam ao largo das

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50

principais decisões estratégicas do Estado Varguista-desenvolvimentista.

Interessava às elites regionais apenas colher os frutos do desenvolvimento

econômico e não participar responsavelmente da definição dos rumos do

Estado. Se o modelo Varguista tinha a possibilidade de resguardar as

arenas decisórias estratégicas para o Estado desenvolvimentista, por outro

lado ele tinha que montar uma estrutura clientelista para atender a sede

distributiva das elites regionais. O problema é que com o tempo a política

de clientela afetava negativamente as macropolíticas do Estado nacional.

Esse modelo foi montado sobretudo por causa da fraqueza dos partidos

como estruturas nacionais. Em parte isso ocorreu porque a burocracia

central se constituiu como arena decisória antes da criação dos partidos"

(Abrucio, 1998: p.52/53 – grifos nossos).

Ou seja, o processo de modernização levado a cabo nesse período não se faz

acompanhar de um reformismo capaz de remodelar a sociedade, o Estado e as

práticas políticas, muito pelo contrário, para Fernandes (1975: 202-204) a conseqüência

desse período é a manutenção do poder nas mãos da oligarquia, que se moderniza e assume

uma atitude instrumental, comprometendo-se “com tudo que lhe fosse vantajoso”, tirando

proveito dos tempos desiguais e da heterogeneidade da sociedade brasileira.

Conclui Nogueira (1998),

“se o corporativismo foi, no plano econômico, um decisivo impulsionador do

processo de industrialização brasileira, e se possibilitou, no plano político,

a efetiva incorporação política dos trabalhadores e empresários, também é

inegável, por outro lado, que deixou marcas problemáticas na vida e na

cultura democráticas do País. Dela deriva, antes de tudo, o deslocamento

para o âmbito do Estado de toda e qualquer negociação, num processo que

projeta o Estado e bloqueia o amadurecimento da sociedade civil” (p.61 –

grifos nossos).

Nesse sentido, Faoro (1993), em outro estudo, é também emblemático ao afirmar que a

grande mudança política do Estado brasileiro se deu com a Revolução de 30 e a emergência

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do Estado “forte” e do chefe ditadorial, marcando a vida política e social nacional até os

nossos dias.

“A nação é dirigida, assim, por um organismo que lhe é alheio, porque sua

legitimidade dela não emana, porque dela se afasta. Essa independência do

Estado é, portanto, constituinte de nossa natureza social . O poder – a

soberania nominalmente popular – tem donos que não emanam da nação,

da sociedade, da plebe ignara e pobre” (p.387/388 – grifos nossos).

Um cenário de mudanças políticas se delimita no período 45-63, marcado pelo

processo de democratização da política48 e a entrada e consolidação do aparato

tecnocrático para a fundamentação das decisões econômicas e políticas do Estado.

Surgem propostas de viabilização de um projeto nacional de desenvolvimento com a

contribuição deliberada dos representantes da escola estruturalista49, proporcionando um

quadro de embasamento científico para as diretrizes de política econômica a serem

aplicadas (políticas planificadas) (Sola, 1998: p.47). O pensamento cepalino 50 foi uma

das principais contribuições desse período, sustentando a tese da indispensabilidade

do Estado na superação do atraso econômico por via da industrialização.

“O denominador ideológico comum aos técnicos de que se trata aqui era,

em resumo, um nacionalismo moderado cuja materialização dependia de um

processo de reconcentração de poderes em mãos do Estado, bem como de

48 O processo de redemocratização a partir de 1945 também foi acompanhado de medidas drásticas e pouco compatíveiscom o ideário liberal proposto, como por exemplo, a restrição ao livre jogo das forças políticas sob a alegação de que ocontexto internacional da Guerra Fria assim exigia. Essa restrição significou a supressão do PCB como partido legal, aobrigação legal de apresentar uma “certidão ideológica” emitida pelos líderes trabalhistas para as eleições sindicais e aintervenção direta na maioria dos sindicatos militantes, sendo os líderes a partir de então eleitos pelo governo federal. VerSola (1998: 82). Assim, mesmo nos governos e períodos considerados não autoritários na política brasileira prevaleceuuma lógica autoritária na condução da política.49 A escola estruturalista criticava a teoria evolucionista, que via o subdesenvolvimento como um estágio a ser superadopelos países, e advogava ser o subdesenvolvimento o resultado de uma formação histórica típica dos países que seestruturam numa forma específica de inserção na economia internacional. Para os estruturalistas o fortalecimento domercado interno e a defesa de um planejamento global eram pontos fundamentais numa política dedesenvolvimento. Para os nacionalistas o argumento estruturalista vinha fundamentar a opção política de defesa de umprojeto de crescimento acelerado centrado numa política de industrialização coordenada e patrocinada pelo Estado. (Sola,1998).50 CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe. Fundada em 1948 com o objetivo de ser a principalfonte de informação e análise sobre a realidade social e econômica do continente sul-americano, a CEPAL não só foi oúnico centro intelectual da região a produzir um enfoque analítico próprio, como orgulha-se do fato de sempre ter tidocomo público-alvo os formadores de políticas econômicas. Desenvolveu um método analítico próprio chamado“histórico-estrutural” onde analisa a forma como as instituições e a estrutura produtiva herdadas condicionam a dinâmica

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reforma econômica e social. A intervenção do Estado na economia,

combinada com a racionalização de suas estruturas, teria na planificação

seu instrumento principal. O ”credo mínimo” nacionalista na década de

1950, contudo, deitava raízes não só em uma tradição firmada no

pensamento brasileiro como também em um ambiente ideológico

preexistente nas burocracias em que se delinearam os primeiros esboços de

intervenção planejada.” (Sola, 1998: 137 – grifos nossos).

Mas como alerta Sola, ainda nesse estudo, o papel dos técnicos na construção da

política desenvolvimentista se deu principalmente pela capacidade de organização e

representação de uma nova forma de pensamento político diante de uma fragilidade do

Legislativo naquele momento51, de características corporativas e com baixo poder de

representatividade. Como resultado desse processo, teve início a consolidação de uma

parceria entre Estado e tecnocracia que constituiu as bases para uma forma de

inserção bastante específica desse grupo no aparato estatal, onde as idéias técnicas

passaram a ter supremacia na discussão e encaminhamento da política, produzindo

uma determinada ideologia a respeito do desenvolvimento.

Na análise de Fiori (1995),

“nos anos 50, na América Latina como nos países de capitalismos

avançados, o desenvolvimentismo dobrou as resistências liberais e

consolidou um consenso análago, em força e extensão, ao keynesianismo

europeu (...). E esta supremacia construiu-se, em sua quase totalidade,

sobre o suporte analítico e conceitual fornecido pelo pensamento e pelo

projeto econômico cepalino” (p.123/124 – grifos nossos).

E o começo da ditadura, em 1964, apenas reforça e aperfeiçoa duas práticas já bastante

comuns na lógica do Estado brasileiro, a composição de um poder Executivo forte e de uma

política baseada na tecnocracia, agora adotada em seu sentido mais acentuado.

econômica dos países em desenvolvimento, e geram comportamentos que são diferentes das nações desenvolvidas. Versite oficial da CEPAL www.eclac.cl51 A Constituição de 1946 retomou uma série de pressupostos apresentados nas Constituições de 1891 e 1934,restabelecendo as eleições por voto popular para Presidente da República, Governador, Prefeito, Deputado e Senador,

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53

A hipótese trabalhada por Sola é de que as condições materiais para a emergência do

que denominou “economista-rei52” passam a existir só depois de 1964, mediante o processo

de despolitização da sociedade brasileira e de retomada de um padrão autoritário de poder

na condução da política mais geral do Estado.

Com o objetivo de "arrumar a casa" e a necessidade de concentrar mais poder no

Executivo Federal e no Presidente da República conforma-se, a partir de 64, o que Abrucio

(1998: p.62/63) denomina modelo unionista-autoritário – com 3 pilares:

1) financeiro – com a centralização das receitas tributárias no Executivo Federal;

2) administrativo – com a uniformização da atuação administrativa dos três níveis de

governo - planejamento central;

3) político – com o controle das eleições para governador.

Nesse conjunto, o Legislativo perdeu poder e ficou com a tarefa de simplesmente

autenticar as ações do Executivo. O Executivo ganhou não só maior liberdade

orçamentária, como também maior controle sobre os deputados e chefes políticos locais,

peças fundamentais na estrutura eleitoral brasileira.

Os Atos Institucionais expressam bem a lógica desse período. Os Atos estabelecem

poderes para o Presidente da República de cassar mandatos, suspender direitos políticos,

editar decretos-lei, modificar a Constituição, extinguir partidos, fechar o Congresso, dentre

outros53. Enfim, o Poder Legislativo mutilado em suas funções e ainda recuperando-se de

outros momentos de igual fragilidade, esteve mais uma vez alijado do processo político

decisório, alijado não apenas no sentido formal da participação e representatividade (o que

além de reafirmar autonomia federativa. Foi considerada uma Constituição liberal e esteve em vigor até 1967, quando foielaborada nova Carta (Senado Federal, 2003).52 O “economista-rei” é entendido como o técnico capaz de encontrar soluções científicas para problemas concretos darealidade política. O técnico além de seu atributo de conhecedor da ciência possui relativa neutralidade política eideológica e usa o saber que lhe é conferido com impessoalidade e eficiência (Sola, 1998: p.45 – grifos nossos).53 No primeiro Ato (AI1) foi estabelecido o poder para o Presidente da República de cassar mandatos parlamentares,suspender direitos políticos, aposentar civis e militares e decretar o estado de sítio sem a autorização do Congresso. Omandato do Presidente foi prorrogado por um ano e o país passou a ser governado por decretos-lei, sem a interferência doCongresso. A Constituição sofreu modificações que fortaleceram o poder Executivo. No segundo Ato Institucional,novas prerrogativas: a extinção dos partidos e o estabelecimento das eleições indiretas para Presidente. No Ato seguinte(AI3), o estabelecimento de eleições indiretas para governador. E nos Atos 4 e 5 o fechamento do Congresso, a aprovaçãode uma nova Carta Constitucional e o Poder para o Presidente para fechar, por tempo ilimitado, o Congresso Nacional,além de uma série de outras medidas igualmente violentas do ponto de vista da democracia política e que deixariammarcas profundas na cultura e na prática política brasileira.

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concretamente também ocorreu) mas no sentido da real capacidade de intervenção para a

construção de uma sociedade com princípios democráticos, projeto mais uma vez adiado.

Ainda com o estabelecimento de uma política de dependência com a centralização

de recursos na esfera federal, quebrava-se a situação de dependência dos municípios

com relação aos estados, desvinculando os recursos entre estes (Abrucio, 1998: p.67),

estabelecendo uma lógica de relação município-União, estado-União, retirando os

estados da intermediação com os municípios54, rompendo com a lógica federativa.

"Nesse sentido, a atuação do Governo Federal não se resumiu ao controle

financeiro e político das unidades subnacionais; houve também atuação

sistemática para harmonizar e homogeneizar a estrutura e a prática

administrativas dos estados e municípios" (Abrucio, 1998: p.70 – grifos

nossos).

O funcionamento do sistema deveria se dar mediante um Executivo Federal, com

recursos do planejamento centralizado e regras comuns a toda a Federação, de modo que

compatibilizasse a ação das unidades subnacionais com os interesses estratégicos do Poder

Central.

“A União agiria diretamente nos estados e municípios, por intermédio de

órgãos da Administração Direta e Indireta, em nome da modernização

administrativa do país e da cooperação entre as esferas de governo"

(Abrucio, 1998: p.70).

Assim, a forma de articulação entre os três níveis de governo no regime

autoritário se processou predominantemente por canais administrativos e não em

arenas políticas.

"Não existiam dois centros de poder autônomos (estado e União)

negociando as questões intergovernamentais, tal como no modelo do

federalismo republicano, mas apenas um centro de poder comandando toda

54 Aqui uma nota sobre a questão da saúde: o que percebemos ainda hoje no setor saúde é uma relação muito mais diretaentre o governo federal e os municípios com baixa intermediação dos estados, esses começaram a ser recuperados em seupapel no sistema muito recentemente (com a Norma Operacional Básica de 1996) e mesmo assim de forma incipiente.

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a engrenagem federativa. Dessa maneira, o princípio reinante não era o da

cooperação mas o da subordinação" (Abrucio, 1998: p.71 – grifos nossos).

As unidades subnacionais eram "convencidas", por argumentos técnicos, da

capacidade administrativa do Executivo Federal. Na ditadura se conformou o

denominado "militarismo tecnocrático" (Abrucio, 1998): com eleições indiretas para

governos estaduais, candidatos escolhidos pelo perfil técnico ("governadores técnicos") e

subordinação política e administrativa do governador ao presidente. Não se alterou o status

quo das oligarquias regionais - estilo "coronelista" e de patronagem, manteve-se as eleições

de base nos municípios – mecanismo de patronagem na relação União-municípios.

O modelo unionista-autoritário começava a dar sinais de desgaste a partir de 1974 e os

estados começavam a retornar gradativamente para a cena política de negociação nos anos

80, num processo gradativo de transição para democracia. Os pactos locais foram

retomados e os governos subnacionais passaram a assumir novas e antigas funções.

Mesmo assim mantinha-se ainda uma forma de fazer política característica do período

autoritário com o encaminhamento de uma transição que não poderia extrapolar os limites

determinados pelo governo militar. Nesse sentido, a edição do Pacote de Abril, em 1977,

foi um exemplo concreto dessa política de intolerância55, instituindo dentre outras medidas

a figura do Senador Biônico, eleito a partir do Colégio Eleitoral, de maioria governista.

Novamente o Poder Legislativo é alvo da política concentradora de poder instituída no

âmbito do Executivo Federal.

Nesse sentido, ressalta-se o caráter atrofiado que o Legislativo ocupou no processo

político durante toda trajetória brasileira favorecendo a construção de uma imagem

institucional de grande desgaste social e baixa credibilidade. Na relação com o Executivo

sua função ficou minorada e muitas vezes associada apenas a um degrau na carreira política

Essa característica na forma de condução da política de saúde não é propriedade desse setor mas fruto de uma composiçãodo Estado federativo brasileiro e reforçado pelas regras instituídas a partir da CF88.55 O Pacote de Abril foi apresentado como uma resposta a um movimento do MDB (partido de oposição ao governo), querejeitou um projeto de reforma judiciária apresentado pelo Governo. O Pacote foi apresentado a partir do fechamento doCongresso, com a aprovação da reforma proposta por decreto e a edição de um conjunto de medidas eleitorais, entre elas ainstituição do Senador Biônico, eleito pelo Colégio Eleitoral, que tinha a maioria dos seus membros oriundos do partidogovernamental (Senado Federal, 2003).

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rumo ao Executivo. Outra imagem difundida é aquela associada ao clientelismo56 e troca

de favores expressando de modo claro a frágil posição assumida por esse Poder no Estado

brasileiro.

O período de transição é bastante lento em alguns aspectos. O controle do Poder

Executivo sobre o encaminhamento político não permite a aprovação no Congresso da

emenda constitucional Dante de Oliveira, que restabelece as eleições diretas para

Presidente. A escolha do novo Presidente se dá, mais uma vez, no Colégio Eleitoral. De

fato, a transição negociada e a Aliança Democrática conta ainda com a incisiva condução

do Estado num processo ainda seguro de abertura política57.

O momento político de rearticulação dos grupos oposicionistas ao governo garante

após ampla negociação a entrada de Tancredo Neves e José Sarney na Presidência. Com a

morte de Tancredo, Sarney assume a pasta. Em que pese as alianças políticas, a transição

negociada obtém sucesso no encaminhamento da Assembléia Nacional Constituinte, que

realiza a contento a tarefa de elaboração de uma nova Carta Constitucional, afirmando a

democracia e a defesa dos direitos individuais e coletivos.

Desde então, o processo político tem sido de implementação das políticas propostas no

texto constitucional. Muitas propostas já sofreram revisões, outras emendas, mantendo-se

os fundamentos e princípios da Carta. Os dilemas e desafios da implementação da própria

democracia se colocam num cenário de 500 anos de história, com uma herança de um

Estado enrijecido e com baixa responsabilidade social, sendo necessário um

amadurecimento, seja das instituições políticas, seja da sociedade.

No quadro 1 é possível verificar na trajetória do Estado brasileiro como vão se

conformando as funções do Executivo e Legislativo em cada Carta Constitucional e

56 Sobre o clientelismo é referência obrigatória o estudo de Nunes (1997) que assim o define no caso brasileiro: “Oclientelismo repousa num conjunto de redes personalistas que se estendem aos partidos políticos, burocracias e cliques.Estas redes envolvem uma pirâmide de relações que atravessam a sociedade de alto a baixo. As elites políticas nacionaiscontam com uma complexa rede de corretagem política que vai dos altos escalões até as localidades. Os recursosmateriais do Estado desempenham um papel crucial na operação do sistema; os partidos políticos – isto é, aqueles queapóiam o governo – têm acesso a inúmeros privilégios através do aparelho de Estado” (p.32). Além do clientelismo,Nunes identifica mais três outros padrões institucionalizados de relações (ou “gramáticas”, como denomina) queestruturam os laços entre sociedade e Estado no Brasil: o corporativismo, o insulamento burocrático e ouniversalismo de procedimentos. O clientelismo faz parte da tradição secular brasileira e seus outros nomes sãopatrimonialismo e fisiologismo.

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verificar o incisivo papel concentrador do Executivo em todo o período, possibilitando

esparsos momentos de prática democrática.

Nesse sentido, visando uma reflexão construtiva em relação ao Estado, é preciso

retomar o momento político atual e avaliar os avanços obtidos em cada área da política.

Numa análise mais recente do processo político e do papel do Estado percebe-se a

manutenção de uma série de resquícios da centralização do poder e determinação do

Executivo nacional, quer no controle dos recursos públicos e na sua distribuição, quer nos

mecanismos legais como os decretos presidenciais ou medidas provisórias possibilitando

uma margem de manobra política maior para essa esfera de poder.

Sobre a atual relação executivo-legislativo o debate é bastante amplo, há os que

consideram uma manutenção excessiva do poder nas mãos do Executivo (Figueiredo e

Limongi, Diniz) e outros que consideram um grande avanço do Legislativo nos últimos

anos, com maior participação e capacidade decisória do mesmo (Abrucio, Santos,

Almeida).

QUADRO 1 – A Evolução do Sistema Político Brasileiro, as Cartas Constitucionais e os Poderes Executivo eLegislativo.

Constituição Executivo Legislativo1824–1891Monarquia Centralista

A Constituição estabelece quatro poderes:Executivo, Legislativo, Judiciário e Moderador.O Imperador exerce o Poder Moderador esanciona atos do Legislativo.

Assembléia-Geral composta pelo Senado eCâmara dos Deputados. O Imperadorescolhia os Senadores.

1891-1930República

1930-1933Governo Provisório

Congresso Constituinte elege o primeiroPresidente e vice.

Revolução de 1930. Getúlio Vargas assume oGoverno Provisório, suspende a Constituição edissolve o Congresso, o que perdura até 1934.

Congresso Nacional formado pela Câmarados Deputados e Senado Federal, amboseleitos pelo povo.

Assembléia Constituinte eleita por votosecreto em 1933 elabora nova Carta.

1934-1937República

Assembléia Constituinte eleita por voto secretoem 1933 elege Getúlio o novo Presidente.

Define-se o sistema presidencialista efederativo.

Câmara dos Deputados eleita por quatroanos com um número de deputadosproporcional a população do estado.

Senado eleito por oito anos, dois por estado.1937-1946República Autoritária

Golpe do Estado Novo interrompe a legalidadeconstitucional instalada em 1934 e apresentauma nova carta.Concentra poder nas mãos do Presidente.

Fecha Congresso, Assembléias Estaduais eCâmaras Municipais.

Sistema Judiciário subordinado diretamenteao Poder Executivo.

1946-1964 Presidente e vice eleitos pelo povo para um Restabelece a regra da Constituição de

57 Sobre a Aliança Democrática e a transição são referências importantes: Diniz (1985), Diniz e Camargo (1989), Diniz;Boschi & Lessa (1989), Sola (1995).

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República Liberal mandato de cinco anos.Estados federativos e municípios com amplaautonomia política e administrativa.

1934.

1967-1980República Autoritária

1980-1987Transição Democrática

Golpe Militar em 1964.País passa a ser governado por atosinstitucionais e decretos-lei, sem a interferênciado Congresso.Nova Carta Constitucional apresentada peloGoverno e aprovada sem discussões em 1967.

Emenda constitucional, aprovada em 1980,estabelece eleições diretas para governador.Aliança Democrática constitui novo arranjopolítico no âmbito federal.

Governo Militar assume em 1964 aPresidência do Congresso.Fechamento do Congresso em momentoscríticos.

Eleições simultâneas para Governador,Senado Federal, Câmara dos Deputados eAssembléias Estaduais.Realização da Assembléia NacionalConstituinte nos anos 1987/1988.Constituição de 1988: sistemapresidencialista, consolidação dosprincípios democráticos e defesa dosdireitos individuais e coletivos doscidadãos, fortalece a Federação.

1988 - ...República Democrática

Reafirma o sistema Presidencialista efederativo. Com Presidente eleito por quatroanos e voto popular.

Restabelece regras das Constituições de1934 e de 1946.

Fonte: Elaboração própria a partir da literatura revisada e site do Senado Federal.

Para entendermos um pouco mais o que dessa trajetória política centralizadora persiste

na lógica da relação executivo-legislativo na atualidade é preciso detalhar um pouco mais

essa relação, retomando principalmente o arcabouço político-institucional que rege a

Constituição atualmente em vigor.

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CAPÍTULO 2 - A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E A ORGANIZAÇÃO

DOS PODERES

"O paradoxo da legitimidade democrática, no Brasil,consiste portanto em que perversões do passado, isto é, víciospolíticos herdados do autoritarismo, persistem no presente,ameaçando virtudes novas como a tendência de valorizar e deviver a democracia. Do ponto de vista da consolidaçãodemocrática, a questão crucial converte-se, então, em saberse esse círculo vicioso pode, de algum modo, ser rompido. Aresposta é positiva porque as mudanças recentes na culturapolítica dos brasileiros criaram condições para isso, ou seja,criaram as bases sócio-políticas da legitimidadedemocrática." (José Álvaro Moisés, 1995)

A Constituição Brasileira de 1988 reafirma a separação de poderes como princípio

estruturante da ordem político-institucional e coroa uma tradição de quase dois séculos58,

atribuindo a tal separação um caráter de imprescindibilidade59 para a efetivação do Estado

Democrático de Direito (Moraes, 2001).

Assim, são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Poder

Legislativo, exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dos Deputados e

do Senado Federal (bicameral), o Poder Executivo, exercido pelo Presidente da República,

auxiliado pelos Ministros de Estado, e o Poder Judiciário, exercido pelos Tribunais e Juízes

Federais, dos Estados e Distrito Federal.

A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos, pelo sistema

proporcional, em cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal60, para uma

58 Como vimos, desde a Constituição de 1824 se estabeleceu os Poderes Legislativo (Assembléia Geral composta peloSenado e pela Câmara dos Deputados, com a sanção do Imperador), Executivo (Imperador e seus ministros), Judicial(juízes e jurados) e Moderador (Imperador). Para os interessados em conhecer a história das Constituições e doLegislativo em especial ver o site do Senado Federal – www.senado.gov.br.59 Atribuiu-se ao princípio da separação de poderes a condição de “cláusula pétrea”, ou seja, não passível de emenda àConstituição (Moraes, 2001).60 O número total de Deputados, bem como a representação por Estado e pelo Distrito Federal, é estabelecido por leicomplementar, proporcionalmente à população, procedendo-se aos ajustes necessários, no ano anterior às eleições, paraque nenhuma daquelas unidades da Federação tenha menos de oito ou mais de setenta Deputados (Brasil, 1988 artigo 45).

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legislatura de quatro anos. E o Senado Federal compõe-se de representantes dos Estados

e do Distrito Federal, eleitos segundo o princípio majoritário 61.

Com a CF88, o Congresso recupera poderes subtraídos pelas sucessivas reformas

constitucionais impostas pelos governos militares e autoritários, permitindo ao Congresso

contribuir de maneira mais efetiva para a formulação de políticas públicas. Dentre as

principais conquistas alcançadas estão: i) a redefinição da participação do Congresso no

processo orçamentário e no controle das finanças públicas, com possibilidades de emendas

ao orçamento e com a nomeação dos membros do Tribunal de Contas da União; ii) a

possibilidade de derrubar um veto presidencial com maioria absoluta e não mais com 2/3 da

Casa; iii) a definição de áreas de competência exclusiva do Legislativo para legislar, como

a radiodifusão e TV; iv) e a possibilidade das comissões permanentes aprovarem projetos

de lei em caráter definitivo sem a submissão do mesmo ao Plenário, permitindo maior

agilidade na tramitação de matérias.

No entanto, a CF88 ainda mantém muitos aspectos concentradores de poder no

Executivo, como herança da era autoritária, tais como: i) a capacidade de editar medidas

provisórias com força de lei (para muitos o equivalente aos decretos-lei do período militar);

ii) a prerrogativa para solicitar urgência numa votação (não significa mais o silêncio do

Congresso diante de uma proposta mas a obrigação de uma manifestação do mesmo no

tempo e hora determinados pelo Executivo); iii) o monopólio na apresentação de matérias

orçamentárias (na CF 46 estabelecia-se que a iniciativa dessas matérias era compartilhada,

no governo militar ela tornou-se monopólio do Executivo e sem votação no plenário e com

a CF 88 apenas se retoma o direito à votação); iv) no caso de não-cumprimento dos prazos

para aprovação do orçamento a autorização automática para efetuar gastos à razão de 1/12

ao mês do orçamento enviado, podendo o Executivo, portanto, ver-se livre da participação

do Legislativo (Figueiredo e Limongi, 1999: p.45).

Assim, mesmo considerando o inegável avanço da nova Carta para o processo

democrático, a CF88 dá ao Presidente da República o poder de influência na legislação,

61 Cada Estado e o DF elegem três Senadores, com mandato de oito anos. A representação de cada Estado e do DF érenovada de quatro em quatro anos, alternadamente, por um e dois terços (artigo 46).

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enfraquecendo o Poder Legislativo, seja na sua capacidade de propor matérias de interesse

público, seja na sua função regulatória.

De fato, a independência e harmonia entre os Poderes Legislativo, Executivo e

Judiciário, prevista no artigo segundo da Constituição, pressupõe um processo político-

institucional maduro o que, para muitos analistas políticos, ainda está longe de ser

alcançado no Brasil. Há, sim, um longo percurso pela frente e um tempo concreto de

maturação da proposta constitucional no âmbito institucional e na praxis política brasileira.

Nossa tradição, como vimos, sempre foi a de um Executivo que não só concentra o

poder decisório, como relega o Legislativo a uma posição periférica do ponto de vista da

gestão da política macroeconômica, além das políticas setoriais e da quase totalidade das

políticas relevantes de outras áreas. Conforme diagnostica Diniz (1995a), o que

predomina é uma visão tecnocrática da gestão econômica, conferindo todo o poder ao

chamado núcleo duro do Estado, formado em geral por economistas que vêem a

política como um fator perturbador. E se o Legislativo é o locus da política, ele é

também por dedução o locus perturbador e deve ser “controlado” enquanto tal. Ou seja,

ainda se mantém incorporada a prática decisória concentrada nas mãos dos economocratas

ou “economistas-rei”, como designa Sola, num predomínio explícito do pensamento

econômico e racional na decisão política.

A crítica de Diniz (1995a) é ainda de maior envergadura, para a autora uma

democracia presidencialista exige um equilíbrio entre os Poderes, preservando sua

independência mas também exercendo uma efetiva fiscalização das ações de cada um deles,

o que não foi garantido com a CF88, pois, apesar de ampliar os poderes do Legislativo, cria

paralelamente o instrumento das Medidas Provisórias, que têm sido amplamente utilizadas

pelo Executivo.

“Embora tendo um poder teórico, o Legislativo não tem ingerência sobre

todo um espectro de políticas que são decisivas para o País, pois que

definem seus rumos e traçam suas diretrizes” (p.2).

A análise política também tem destacado que em democracias novas, como a

brasileira, estão presentes e combinados pelo menos dois componentes perversos: um

distanciamento entre as normas e a praxis das instituições políticas; e o particularismo

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(relações não universalistas) como a patronagem e o nepotismo, os favores, os jeitinhos

e a corrupção62.

É inegável que o Brasil avançou muito nos últimos anos/décadas mas ainda existem

obstáculos concretos para a democracia, obstáculos que residem principalmente na lógica

das instituições políticas. Daí a dificuldade de processar a diversidade e incorporar a

pluralidade de interesses e valores subjacentes.

Moraes (2001) também reafirma nossa compreensão desse processo quando conclui

que

“esse caráter delegativo (e pouco representativo, por conseqüência) tem

raízes mais antigas, oriundas de uma formação histórica de forte ênfase no

Poder Executivo, da vocação eminentemente anti-representativa enquistada

na cultura política brasileira e da recorrência ao autoritarismo, o qual,

desgraçadamente, tem imprimido no desenvolvimento político nacional uma

lógica de ciclos de contração e ciclos de abertura política” (p.50).

Nesse debate, há controvérsias especialmente no que diz respeito a capacidade do

Executivo de controlar a agenda e garantir a condução de suas propostas. Muitos autores

advogam que há uma crise de governabilidade do Estado brasileiro justamente porque o

Executivo não tem sido mais capaz de garantir a aprovação de suas propostas num debate

ampliado no Legislativo para questões de interesse geral e fundamentais de continuidade do

desenvolvimento do país, como a questão tributária ou previdenciária.

Mesmo com as dificuldades para a aprovação de reformas como essas citadas, o que

alguns estudos já demonstraram é que o Executivo tem obtido relativo sucesso nesse

controle, estando longe de enfrentar uma crise de governabilidade63.

Para Figueiredo e Limongi64 (1999), o Poder Executivo no Brasil ainda exerce o papel

de principal agente articulador do Poder institucional não sendo o Congresso uma

62 O que também foi apresentado por Nunes (1997) no estudo sobre o padrão político brasileiro.63 Uma visão mais impressionista do processo político alerta para o fato de existir uma crise de governabilidade do Estadocom uma dificuldade do apoio do Congresso às propostas encabeçadas pelo Executivo. O que os dados apresentados porFigueiredo e Limongi (1999) demonstram é o contrário, uma grande aceitabilidade do Congresso das matérias doExecutivo e uma baixa participação do Legislativo na condução das propostas políticas “das leis aprovadas no período [de

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instância de veto à agenda do Executivo. Ao contrário, no Brasil o “controle exercido pelo

Executivo sobre a iniciativa legislativa cria incentivos para que parlamentares se juntem

ao governo apoiando a sua agenda” (p.9). O controle da agenda do Legislativo é exercido

pelos líderes partidários e pelo Executivo reduzindo as chances de sucesso das iniciativas

individuais dos deputados (p.10), ou seja, reduzindo as chances de propostas políticas que

não estejam sendo acordadas entre líderes e governo previamente. Assim, há uma

centralização do processo legislativo nas mãos dos líderes partidários, o que favorece o

Executivo.

“A centralização do processo legislativo funciona como um freio ao

processamento de demandas diversas que, por meio do sistema de

representação vigente no Brasil, são canalizadas para o Congresso

Nacional e têm entrada no sistema decisório nacional. O poder do

parlamentar para influenciar, direta ou indiretamente, as políticas públicas

é limitado.” (idem: p.16).

No acompanhamento do processo legislativo e na comparação com outros períodos da

história brasileira, Figueiredo e Limongi (1999) concluem que a partir da CF88, o

Executivo se constitui no principal legislador de jure e de fato. O Executivo controla a

agenda, o timing e o conteúdo dos trabalhos legislativos e a disciplina legislativa é

garantida pelo controle exercido pelos líderes partidários sobre a agenda dos

trabalhos (p.12). Da mesma forma, os partidos que participam do governo comportam-se

também como governo no Congresso, votando a favor das iniciativas patrocinadas pelo

Executivo.

O que garantiria essa relação um tanto quanto harmoniosa entre Executivo e

Legislativo seria, por um lado, o próprio padrão altamente centralizado de organização no

Congresso e, por outro, a forma de organização do apoio legislativo à agenda Executiva em

bases partidárias.

corte da pesquisa], 85,2% foram propostas pelo Executivo. [E] a probabilidade de uma proposta do Executivo serrejeitada em plenário [foi] de 0,026” (Figueiredo e Limongi (1999: pp.24).64 As contribuições de Figueiredo e Limongi destacam-se pela sistematicidade e abrangência sobre a temática. Os autoresse dedicam há pelo menos uma década no acompanhamento dos processos legislativos e têm obtido resultadosconsideráveis desse estudo apresentados numa série de artigos para discussão editados desde meados da década de 90.Ver obra que reúne uma grande quantidade dos artigos publicados – Figueiredo e Limongi (1999).

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Uma das razões que sustentam esse formato institucionalizado de atuação do

Executivo se explica pela própria fundamentação dos regimentos internos da Câmara dos

Deputados e Senado Federal que conferem amplos poderes aos líderes partidários para agir

em nome dos interesses de seus partidos, consagrando um padrão decisório centralizado

onde o que conta são os partidos. Como exemplos dessa prática estão algumas formas de

organização dos debates: como a regulação do direito à palavra - a fala não é livre e segue

critérios bastante rígidos; o fato de que nem todos os parlamentares têm os mesmos

recursos e possibilidades para propor matérias e emendas, influir no método de votação ou

determinar a pauta de trabalhos, sendo essa uma prerrogativa dos líderes partidários; o

princípio adotado para a distribuição de direitos parlamentares é partidário; os líderes

representam suas bancadas e dirigem os votos da mesma; a presidência da Mesa é do

partido majoritário; a composição das comissões técnicas obedece ao princípio da

proporcionalidade partidária, e a distribuição dos parlamentares pelas comissões é feita

pelos líderes.

Dessa forma, a disciplina partidária germina no seio do próprio Congresso e o controle

da agenda exercido pelos líderes e pelo Executivo reduz a chance de sucesso das iniciativas

individuais dos deputados, dado que os líderes são capazes de reduzir suas oportunidades.

O controle exercido pelos líderes partidários sobre a agenda dos trabalhos fornece a base

para a estruturação das bancadas, garantindo a disciplina. O Executivo passa a se

relacionar diretamente com o Colégio de Líderes, ao qual também interessa, para firmar sua

liderança institucional, reduzir as incertezas do conflito político65.

Nesse contexto, o Executivo brasileiro organiza o apoio à sua agenda legislativa em

bases partidárias, em moldes muito similares aos encontrados em regimes parlamentaristas.

O Presidente da República distribui as pastas ministeriais com o objetivo de obter o apoio

da maioria dos legisladores; e os partidos que recebem as pastas são membros do governo e

65 Para qualquer votação na CD, a probabilidade de um parlamentar qualquer votar com a liderança de seu partido é de0,894. Esses índices são suficientes para tornar as decisões do plenário previsíveis. “Isto é, sabendo-se qual é a posiçãoassumida pelos líderes, podemos prever com acerto o resultado da votação em 93,7% dos casos”, relatam Figueiredo eLimongi (1999: p.27).

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devem se comportar como tal no Congresso, votando a favor das iniciativas patrocinadas

pelo Executivo 66.

Outro fator interessante a retomar na análise dos Poderes no Brasil é que o presidente

brasileiro tem o poder exclusivo de iniciar legislação em determinadas áreas67, além de ter

o poder de forçar, unilateralmente, a apreciação de matérias em caráter de urgência

(Brasil, CF 88: art.64). Segundo os autores, essa seria uma forma de controlar e limitar a

participação dos movimentos sociais já que a solicitação de urgência impede que minorias

possam, por seu controle de veto points, “engavetar” as propostas presidenciais (1999:

p.25), pois o tempo agilizado de apresentação e tramitação das matérias não permite uma

maior articulação dos movimentos.

De outra forma, o processo de encaminhamento de projetos de lei também depende de

todo o jogo de influências partidárias existente. Assim, como o princípio adotado para a

distribuição de direitos parlamentares é partidário, nem todos os parlamentares terão o

mesmo recurso ou possibilidade para propor emendas e matérias. Serão os líderes

partidários que ditarão a pauta de discussões junto com a Mesa, que também cabe ao

partido majoritário.

Dessa maneira, a organização interna do Legislativo ainda contribui para a

preponderância do Executivo no processo legislativo e na produção legal. O papel exercido

pelo Colégio de líderes é um dos pontos-chave nessa organização, já que a aceitação ou não

de uma proposta legislativa como de caráter de urgência cabe a essa instância e o Colégio

tem se mostrado receptivo ao uso dessa forma de encaminhamento, aceitando maior

66 A mídia (Jornal O Globo) apresentou no ano de 2000 algumas reportagens denunciando o jogo político de favores entreExecutivo e Legislativo. Na reportagem do dia 30 de abril de 2000 (Domingo – O País – p.4) foi revelado: “O deputadoda base governista vota a favor de projetos de interesse do Governo no Congresso. O secretário-geral da Presidênciaanota a votação, que se transforma em dívida com o parlamentar. Quando o Orçamento chega ao Congresso, o deputadofaz sua emenda beneficiando municípios de sua base eleitoral. É a fatura da votação. O Governo então libera a verba.O deputado agrada a sua base e é reeleito. Este é o sistema básico do poder de influência do presidente sobre oCongresso Nacional, segundo a tese de doutorado do professor Carlos Pereira – New School University of New York”.67 “São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: I - fixem ou modifiquem os efetivos das ForçasArmadas; II – a) disponham sobre criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquicaou aumento de sua remuneração; b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviçospúblicos e pessoal da administração dos Territórios; c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico,provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, reforma e transferência de militares para a inatividade; d)organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União bem como normas gerais para a organização doMinistério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios; e) criação, estruturação eatribuições dos Ministérios e órgãos da administração pública.” (Brasil: 1988, art.61 parágrafo primeiro).

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número de projetos de urgência do que o desejado68. E os trabalhos das Comissões que

apresentam uma trajetória de discussão bem mais sólida, são muitas vezes prejudicados

pelo excesso de tramitações de urgência, que passam obrigatoriamente à frente nas

votações da ordem do dia. Desse modo, as propostas de urgência são recorrentemente mais

rápidas em seus processos que as demais, tendo sido amplamente utilizadas pelos Poderes

Executivo e Judiciário.

Assim, o que Figueiredo e Limongi apontam, na realidade, é para uma capacidade de

coesão e liderança dos partidos políticos, comportamento esse que sustenta a coalizão com

o governo. Essa tese contraria a percepção corrente de que os partidos seriam incapazes de

mostrar um mínimo de união nas disputas legislativas e que a Câmara dos Deputados seria

o reino do parlamentar individual. Segundo os dados da pesquisa: a) “os deputados

comportam-se de acordo com a posição tomada por seus partidos” (1999: p.81); e b) “a

atuação dos partidos políticos brasileiros em plenário segue um padrão ideológico

bastante definido” (1999: p.81 – grifos nossos).

As conclusões apresentadas a partir dos estudos de Figueiredo e Limongi convergem

também para os estudos de Abranches (1988), que aponta para a especificidade do modelo

brasileiro no conjunto das democracias, destacando o caráter de presidencialismo imperial

aqui desenvolvido, que “além de combinar a proporcionalidade, o multipartidarismo (...)

organiza o Executivo com base em grandes coalizões” (p.21). Abranches denominou o

caso brasileiro de “presidencialismo de coalizão”: “um presidencialismo baseado na

independência entre os poderes, se não na hegemonia do Executivo, e que organiza o

ministério como amplas coalizões” (p.22).

Segundo o autor, essa forma de organização dos Poderes estaria baseada numa lógica

já conhecida da República Velha, sobretudo no que diz respeito à influência dos estados no

governo federal, pela via da “política de governadores”. Ou seja, mantendo dois tipos de

coalizão historicamente constituídos: o regional (estados) e o partidário (ministérios e

68 O requerimento de urgência é acordado por líderes na reunião do Colégio e, ao ser submetido ao plenário, aprovado pormaioria simples em votação simbólica. Rejeitar um pedido de urgência ou protelar a decisão pode levar a uma paralisiado governo com perdas para os próprios parlamentares. Caberia aos parlamentares justificar por que, por exemplo, umrecurso não foi liberado e as conseqüências desse ato (Figueiredo e Limongi, 1999).

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cargos são distribuídos numa lógica proporcional aos interesses regionais e partidários,

buscando maior apoio e base governista). Ele conclui apontando que:

“Governos de coalizão têm como requisito funcional indispensável uma

instância, com força constitucional, que possa intervir nos momentos de

tensão entre o Executivo e o Legislativo, definindo parâmetros políticos

para resolução dos impasses e impedindo que as contrariedades políticas de

conjuntura levem à ruptura do regime.” (Abranches, 1988: p.31)

Nesse conjunto, podemos extrair pelo menos duas características marcantes da forma

de relação dos Poderes no Brasil construída na trajetória histórica desse Estado:

1 - A forma de relação entre o Executivo e Legislativo sempre tendeu a uma

preponderância do primeiro sob o segundo, de centralização dos trabalhos legislativos e de

estrita disciplina partidária. O Executivo domina ainda hoje o processo legislativo porque

tem o poder de agenda, agenda essa votada por um Legislativo que segue as regras

partidárias de acordo com os interesses partidários negociados com o Executivo (regra

básica de controle da patronagem).

2 – Sempre houve uma relação de troca de favores entre esses Poderes. O Executivo

forma uma base de coalizão que sustenta suas propostas políticas, oferece em troca

benefícios políticos de toda sorte – influência sobre política, cargos, nomeações de

parentes, sinecuras, prestígio, etc. O Legislativo responde com o apoio político às

propostas de governo. Uma relação que se estabelece no toma lá dá cá, que quando é

quebrada por alguma das partes significa o rompimento de um pacto e a fraqueza de uma

estratégia política de governo.

Um contraponto na literatura sobre essa questão é apresentado por Santos (1997) que,

apesar de admitir o predomínio do Executivo durante o processo legislativo de formulação

de políticas, relativiza essa relação quando o Executivo é obrigado a submeter-se a

processos de negociação com partidos e líderes parlamentares de oposição, ou quando não

com sua própria base de sustentação parlamentar, o que se tem tornado bem mais constante

nos últimos anos com o processo de democratização da política.

A contribuição de Santos é mostrar principalmente que dependendo da política em

foco haverá um processo de tomada de decisão próprio que contará com mais ou menos

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apoio social na sua negociação, não havendo uma regra única de relação entre esses

Poderes. Como Santos trabalha com estudos de caso avança numa percepção mais fina do

que seriam esses processos na atualidade, apontando para como se davam as negociações

políticas em períodos anteriores. Nesse sentido, ela conclui:

“É razoável supor também que quanto maiores e mais diversificados os

interesses envolvidos, e quanto maior a importância estratégica dos atores

em jogo – o que varia com issue area em foco – menores são as chances de

que se estabeleçam padrões de interação de natureza cooperativa entre o

Executivo e o Legislativo” (Santos, 1997: p.363).

Assim, Santos (1997) indica uma relação de conflito entre esses Poderes, onde o

consenso não é uma constante, muito ao contrário. Para Figueiredo e Limongi (1999), o

conflito existe mas é trabalhado previamente ao debate legislativo. Sabendo-se derrotado e

agindo de maneira estratégica, o Presidente se cala. O Presidente não se desgasta

publicamente apresentando uma matéria que não tem apoio popular ou que o Congresso

não sustente. A negociação política de matérias que são propostas pelo Executivo ocorre

antes de sua apresentação no Legislativo, sendo esse apenas um espaço de legitimação do

projeto já negociado.

Figueiredo e Limongi (1999) não se distanciam da análise de Santos (ou vice-versa), o

que temos é que a abordagem dos dois primeiros aponta para uma cumplicidade da relação

entre os Poderes, enquanto Santos enfatiza o conflito e disputa entre os mesmos. A

contribuição das duas abordagens é fundamental no processo de olhar a formulação de

políticas sendo, portanto, indispensáveis suas contribuições na análise da formulação e

implementação da política de saúde, quer para destacar o que há de mais estrutural na

organização dos Poderes, quer naquilo que se define nas entrelinhas da negociação política

(modelos de comportamento parlamentar e como se comportam as coalizões

interinstitucionais em cada caso).

Assim, para uma análise de como os Poderes têm respondido às demandas sociais na

área da saúde, o estudo de Santos muito contribuiu, alertando para o processo político,

explicitando interesses e atores sociais em disputa. Veremos propostas políticas do

Executivo derrubadas pelo Parlamento, associando o interesse deste e em resposta a uma

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pressão social de atores envolvidos no processo. Da mesma forma, examinaremos casos de

políticas onde a estratégia do Executivo é a negociação com os grupos de interesse.

Enfim, as regras não são claras e muito menos constantes, cada caso foi analisado

como tal, num esforço de se identificar lógicas de ação que se repetem nos diferentes casos

estudados, o uso de recursos impositivos para forçar paulatinamente a mudança, como as

Medidas Provisórias (MPs), ou a morosidade de um processo político com uma tramitação

de projeto de lei que perpassa gestões legislativas, a cooptação por votos e tantos outros

mecanismos. Essas foram pistas concretas para o nosso trabalho.

Outra contribuição significativa de Santos (1997), nesse aspecto, é propor uma

distinção entre as decisões de políticas que passam pelo Congresso e as que se encapsulam

nas burocracias (p.359). Uma decisão acordada politicamente no Congresso tem que tipo

de encaminhamento no Executivo? Ou ainda, que decisões passam pelo Congresso e que

decisões são apenas alvo de discussão da política tecnocrática? Essa é uma questão

fundamental em nosso estudo, pois, a partir desse mapeamento identificamos o que tem

sido priorizado pelos Poderes e o quanto significativa tem sido a participação dos

movimentos sociais no processo de construção das políticas públicas de saúde.

Quando pensamos na construção de uma política democrática o que temos é um

desafio na construção de uma relação entre os Poderes que sustente respostas concretas às

demandas sociais. Se as decisões são encapsuladas em burocracias, ou determinadas

por um padrão pré-estabelecido de manutenção do status quo, corremos o risco de

manter um padrão que combina democracia e prática autoritária, não construindo na

prática um modelo diferenciado e menos desigual de atenção às parcelas sociais e suas

necessidades. A pergunta chave então sugerida por Santos em seu estudo é: que

democracia pretendemos construir?

Para o caso brasileiro essa é uma questão fundamental, haja vista o fato de termos

vivido momentos esparsos e curtos de possibilidade para uma prática democrática. Além

disso, uma série de fatores têm contribuído para a centralização decisória do Poder

Executivo na sua face mais autoritária. Mas o autoritarismo do Executivo também não se

confunde com a constituição de um Estado forte e sustentado, ao contrário, a força do

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Executivo se imprime “a ferro e fogo” para a manutenção de uma elite no poder, o que não

significa a força de um Estado como nação política.

Assim, no Brasil, o principal debate, que gera controvérsias na análise dos cientistas

políticos, centra-se sobre a questão da governabilidade e o papel das instituições políticas

na consolidação das normas democráticas69. É fato que com o processo de

redemocratização as instituições políticas e os atores nelas envolvidos foram convocados a

revisitar suas práticas, rever arranjos e formas de negociação. Teve início um processo de

desmonte e reconstrução de modelos políticos dos últimos anos, que se concretiza de

forma gradativa e que, certamente, complexifica ainda mais o processo político,

tornando-o mais lento em alguns momentos ou mesmo emperrando decisões

importantes na vida política do país, como a reforma tributária ou da previdência,

adiadas nos últimos anos no debate político por falta de coalizão sustentável.

Nesse sentido, o debate acerca da governabilidade parece incidir menos no fato de que

existem regras políticas que emperram o processo, como: o sistema de governo adotado

(presidencialismo ou parlamentarismo); a forma de organização interna do Legislativo

(colégio de líderes ou iniciativa individual); ou a estrutura partidária (número de partidos e

regras de inserção); e mais na trajetória político-institucional do Estado (constituição

dos Poderes e lógica de articulação), dos recursos que um setor mobiliza (importância no

contexto do Estado e da sociedade) e dos interesses e atores presentes no debate político de

uma dada questão.

Essas são questões fundamentais para avançarmos na especificidade da análise sobre o

padrão de relação entre o Executivo e o Legislativo na saúde.

69 Ver também artigo de Almeida (2003) que apresenta uma breve revisão bibliográfica sobre os autores que trabalham atemática da governabilidade e as instituições políticas no Brasil e esclarece as principais teses que envolvem a questão.Advoga que o espaço de negociação política se ampliou nas últimas décadas e possibilitou avanços significativos para aprática democrática.

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CAPÍTULO 3 - AS POLÍTICAS DE SAÚDE NO LEGISLATIVO – 1990-2002

“Criar uma nova cultura não significa apenas fazerindividualmente descobertas originais; significa também, esobretudo, difundir criticamente verdades já descobertas, socializá-las por assim dizer; transformá-las portanto em base de ações vitais,em elemento de coordenação e de ordem intelectual e moral. O fatode que uma multidão de pessoas seja levada a pensar coerentementee de maneira unitária a realidade presente é um fato “filosófico”bem mais importante e original do que a descoberta, por parte de um“gênio”, de uma nova verdade que permaneça como patrimônio depequenos grupos intelectuais” (Antônio Gramsci, 1966)

Os estudos realizados sobre o Legislativo no Brasil indicam uma supremacia do Poder

Executivo no processo de formulação das políticas, o que se traduz num tratamento

privilegiado dos projetos que têm origem no Executivo e na demora para aprovar as leis

quando elas são propostas pelo Legislativo.

As explicações apresentadas para o desequilíbrio entre os Poderes se devem

basicamente a dois fatores: primeiro, a forma como cada Poder se posiciona no jogo

político; segundo, as regras instituídas para o encaminhamento das propostas no âmbito do

Congresso Nacional.

Sobre os Poderes, existe uma diferença fundamental no que diz respeito aos

projetos de lei que cada um deles introduz no Congresso. Enquanto o Judiciário e o

Executivo propõem leis que visam a regulamentação de políticas prioritariamente

sistêmicas e de caráter institucional, no caso do Legislativo essa postura é individual e

expressa interesses mais específicos, seja dos parlamentares ou dos grupos que

representam, sem necessariamente uma preocupação com a macro-política. Essa é

uma prática usual desse Poder, o que não quer dizer que o Legislativo também não

apresente projetos de cunho mais coletivo, a partir de uma concepção do partido, das

comissões ou dos grupos de trabalho. Mas o que a literatura aponta como forma de atuar

predominante no Legislativo, é o parlamentar que opta pelo recurso individual porque esse

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72

lhe dá maior visibilidade política diante de seu eleitorado, mesmo que seu projeto não

venha a ser aprovado70.

Tal lógica de funcionamento dos Poderes contribui para o volume excessivo de

projetos apresentados pelo Legislativo, ao mesmo tempo em que gera uma pequena adesão

a esses projetos, que tramitam por anos a fio no Congresso tendo suas discussões

constantemente adiadas71. Por outro lado, as propostas do Executivo e do Judiciário

passam por uma seleção prévia ao Congresso, chegando prontos e, por vezes,

negociados para discussão plenária. Assim, as proposições do Executivo e Judiciário

além de questões que tratam de regulações mais macro das políticas, o que reforça sua

urgência, também antecedem o debate e garantem um tempo de tramitação no Congresso

mais ágil, submetendo-lhe propostas já negociadas.

O papel exercido pelos Poderes favorece a um predomínio das propostas do Executivo

e do Judiciário como também a própria organização interna do Congresso contribui para o

papel preponderante especialmente do Executivo, que é capaz de ditar o conteúdo, o tempo

e o ritmo dos trabalhos no Congresso, utilizando-se dos recursos de urgência e de

instrumentos que pela própria natureza exigem uma tramitação mais rápida, como as

medidas provisórias72.

Sobre as regras instituídas no âmbito do Congresso Nacional, o principal aspecto a se

destacar reside no formato e encaminhamento das propostas pelo Colégio de Líderes.

O Colégio de líderes é apontado como o principal instrumento de manobra dos votos já

que decide sobre as leis em tramitação urgente (decide a maioria, 55%). Enquanto as

Comissões, que teriam o caráter terminativo e seriam o locus privilegiado para as

discussões técnicas decidem um número bastante restrito de leis (29%). Mesmo assim, em

tempo de urgência, não propiciando uma análise fundamentada e adiando a discussão de

projetos que não estão na ordem do dia (alguns projetos entram e saem aprovados em um

dia), como apresenta o trabalho de Figueiredo e Limongi (1999).

70 O que também não importa. Importa apresentar o projeto e mostrar o quanto fez para implementá-lo.71 As proposições individuais do Legislativo passam por uma seleção que aumenta ainda mais o tempo de tramitação.72 As medidas provisórias indicam uma solução de emergência para alguma questão de grande importância. Assim, suaapreciação exige rapidez e perpassa por todo processo legislativo de tramitação seqüencial. A principal crítica a esse

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73

Ou seja, o Colégio de Líderes estabelece uma relação mais direta no processo decisório

com o Executivo e Judiciário e decide a partir de negociações mais restritas o

encaminhamento dos projetos. Dessa forma, a possibilidade de intervenção de um

parlamentar individualmente é muito pequena, o que explica, por exemplo, o excessivo

número de projetos em tramitação no Congresso, com tempo longo de discussão. As regras

instituídas para o processo de negociação exigem, para se obter sucesso, uma articulação

partidária e a negociação prévia com o Poder Executivo, especialmente, visto que muitas

lideranças são também dos partidos do governo e fecham com ele nas votações.

O principal aspecto crítico desse processo é a amarração prévia ao debate político, que

se estabelece nos corredores do Legislativo, Executivo e Judiciário, sem um transparência

dos acordos e pactos que se firmam entre esses grupos. Assim, as propostas aprovadas no

Legislativo podem ficar desde o início comprometidas e manter um status quo de poder

concentrado no Executivo.

Sendo essa uma das análises propostas pela literatura que se dedica a essa questão,

partimos para a realização de um mapeamento das leis produzidas na área da saúde a fim de

verificarmos a forma de condução do processo político nessa área e observarmos o quanto e

como tem se dado a relação estabelecida entre os Poderes Executivo e Legislativo na

negociação da política de saúde. Em que medida o papel concentrador do Executivo, já

diagnosticado pela literatura especializada, exerce-se no debate político da saúde e que

prejuízos lhe traz.

Análise da Legislação em Saúde

O mapeamento da produção do Poder Legislativo revelou um universo amplo de

documentos, produzidos com diferentes propósitos e com alcance igualmente diferenciado,

expressando processos de negociação singulares. Nos doze anos apurados foram

apresentados decretos, emendas constitucionais, leis ordinárias, medidas provisórias e

recurso é que ele tem sido usado para questões nem sempre urgentes e servem mais como uma estratégia do Executivopara impor algumas políticas.

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74

resoluções versando sobre temas afins à política de saúde. Foram reunidos ao todo

setecentos e sessenta e um documentos, conforme apresentado no quadro abaixo 73.

QUADRO 2 – Quantitativo da Produção Legislativa referente ao setor saúde noperíodo de 1990-2002 – Brasil

ANOS LEIS MP DEC RSF DLG EMC DLN TOTAL1990 4 3 42 2 0 0 0 511991 3 1 34 1 0 0 0 391992 4 0 35 2 1 0 0 421993 9 12 25 1 0 0 0 471994 6 12 18 3 0 0 0 391995 7 14 31 0 1 0 0 531996 9 16 34 2 0 0 0 611997 9 41 29 2 1 0 0 821998 9 27 22 2 0 0 0 601999 9 55 24 1 0 0 0 892000 12 58 15 0 1 1 0 872001 18 24 23 0 2 1 0 682002 15 3 18 3 3 0 1 43TOTAL 114 266 (1) 350 19 9 2 1 761

Fonte: Senado Federal. Portal de Pesquisas Legislativas. Elaboração própria.(1) Uma mesma MP pode ser apresentada várias vezes no ano. Na contagem consideramos as reedições.

Para uma análise desses documentos e com o intuito de entendê-los na sua

participação mais específica no processo político da saúde realizamos uma revisão prévia

de cada documento identificando aqueles que traziam para o debate uma questão de

potencial relevância para a política. Há uma tendência em considerarmos as emendas

constitucionais e leis ordinárias como os principais documentos do Legislativo,

especialmente porque, por sua característica (tramitação seqüencial), eles se mantêm de

forma mais “definitiva” no âmbito da política, tendo demandado, a princípio, maior

negociação. Mas a revisão possibilitou perceber que muitos outros documentos, como os

decretos, medidas provisórias e resoluções, exercem também um caráter afirmativo no

processo político e precisam ser igualmente analisados. Essas modalidades têm sido

amplamente utilizadas pelo Executivo no encaminhamento de suas propostas e indica um

processo político onde ainda predomina a atuação do poder Executivo. No universo de

73 É preciso que fique claro que esse conjunto de documentos foi reunido a partir de uma busca ativa no site segundo ostermos já apresentados. É possível que existam outros documentos que não foram incluídos nesse conjunto. Contudo, oscruzamentos realizados indicam uma boa captação do universo de documentos aprovados. No anexo 1 consta a lista dedocumentos legislativos reunidos ano a ano.

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75

documentos é evidente o predomínio das MPs e DECs, que são de autoria exclusiva do

Executivo, como é possível verificar no quadro 2.

Os documentos que não apresentam a tramitação seqüencial e que são de iniciativa

exclusiva do Poder Executivo, como as medidas provisórias, são utilizados de forma

abundante (ou abusiva?), existindo casos de uma mesma medida superar a marca de

sessenta edições74. Nessas circunstâncias, foi possível mapear as MPs e identificar quando

antecediam e quando precediam uma legislação mais definitiva e considerar esse processo

na análise da política. As MPs foram analisadas na interface com as leis aprovadas (uma

vez que muitas leis são produto de reedições de medidas provisórias) e de forma

diferenciada para a análise da política de alguns governos (nesse caso apenas para uma

visão panorâmica do período em análise).

Demos especial ênfase aos documentos legislativos que tratam diretamente da questão

saúde e que levam a uma reformatação da política setorial, considerando que muitos

documentos apesar de se referirem ou incluírem a saúde não tratam de questões dessa

política, como a lei sobre a extinção de entidades da administração pública (90) e outras

nesse formato.

Sobre a origem dos documentos legislativos

A principal crítica dos estudos sobre a forma de relação entre os Poderes Executivo e

Legislativo reside no fato de que muitas leis e documentos aprovados no Congresso

Nacional são de autoria do Executivo, contribuindo para uma forma ainda concentradora

desse Poder na condução do processo político. O levantamento da produção na área da

saúde revelou também nessa área um predomínio, em todo o período analisado (1990-

2002), de políticas propostas pelo Executivo. Dos 761 documentos editados, 724 (95%)

foram de autoria do Executivo (como expresso no quadro 3). Além disso, em duas das

trinta e sete leis aprovadas e de autoria do Legislativo, o Executivo apresentou propostas de

reformulação utilizando-se especialmente do mecanismo de edição de medidas provisórias

para alterar as leis, como foi o caso da lei sobre a remoção de órgãos e tecidos

74 E em alguns casos isso significa dizer que uma medida provisória pode ter sido mantida por 60 meses, ou seja, 5 anos.

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76

(9434/199775) e da lei sobre a regulação dos Planos e Seguros Privados de Assistência à

Saúde (9656/199876); e outras duas leis foram apresentadas por Comissões Mistas num

resultado de processos de apresentação de medidas provisórias pelo Executivo e que

acabaram se tornando propostas de Comissões Mistas do Congresso, como foi o caso da lei

que dispõe sobre as disponibilidades financeiras do Fundo de Amparo do Trabalhador –

FAT (lei 8736/93) e da lei que dispõe sobre a obrigatoriedade da iodação do sal destinado

ao consumo humano (lei 9005/95).

QUADRO 3 – PRODUÇÃO LEGISLATIVAPor autoria e ano – 1990-2002

ANO Executivo Legislativo1990 51 01991 39 01992 42 01993 46 11994 39 01995 49 41996 56 51997 80 21998 56 41999 85 42000 84 32001 62 62002 35 8TOTAL 724 37

Fonte: Senado Federal. Portal de Pesquisas Legislativas. Elaboração própria.

Esse quadro geral demonstra inicialmente uma fragilidade do Legislativo frente ao

Executivo. No entanto, algumas reflexões podem se somar a essa análise.

Abrindo a produção percebemos que o predomínio do Executivo se dá especialmente

nos documentos que são de sua prerrogativa e que não apresentam tramitação seqüencial,

principalmente as MPS, DECs e leis orçamentárias. Se construímos um quadro apenas com

75 Desde a sua aprovação em 1997 foram 31 medidas provisórias com alterações e acréscimos à lei, até que em 2001 foiaprovada uma nova lei re-regulamentando a questão.76 Desde a sua aprovação em 1998, e até o término do ano de 2002, já haviam sido apresentadas 44 medidas provisóriascom alterações à lei. Para aprofundar essa discussão ver o estudo realizado por Carvalho (2003) sobre a regulamentaçãodos planos e seguros privados de assistência à saúde no Brasil. O estudo analisa o processo de regulamentação dos Planose Seguros Privados através da reconstrução do processo que culminou na aprovação da lei 9656/98, caracterização dosvários projetos em disputa e caracterização da evolução da legislação que regulamenta essa área. Além dessa referência,os trabalhos divulgados de Bahia também atualizam o debate sobre a questão, ver em especial Bahia (2001a e 2001b).

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77

as leis de tramitação seqüencial, o que percebemos é um quantitativo um pouco maior de

leis de autoria do Legislativo, como apresentamos no quadro 4.

QUADRO 4 – LEIS DE TRAMITAÇÃOSEQÜENCIAL

Por autoria e ano – 1990-2002ANO Executivo Legislativo1990 4 01991 2 01992 1 01993 3 11994 3 01995 1 41996 1 51997 3 21998 4 41999 2 42000 1 32001 5 62002 1 8TOTAL 31 37

Fonte: Senado Federal. Portal de Pesquisas Legislativas. Elaboração própria.

Considerando que as medidas provisórias, decretos e resoluções são documentos que

apresentam um tempo de vida útil, isto é, estão sujeitos a mudanças e reedições77, pode-se

concluir que esses documentos são instrumentos frágeis no processo de negociação política

e garantem por muito pouco tempo as políticas propostas pelo Executivo, que terá que

renegociá-las até que de fato consiga imprimir uma lei que determine o que tem regulado

por meio desses instrumentos.

Assim, quando analisamos a produção legislativa focando nos documentos de

tramitação seqüencial e que, portanto, exigem maturação e negociação política (tempo e

77 De acordo com a característica das MPs, elas são apresentadas pelo Presidente da República e votadas em caráter deurgência. As MPs podem vigorar por trinta dias e, se não se transformarem em lei, podem ser reeditadas até que seestabeleça a lei. As medidas provisórias apresentam a grande vantagem da rapidez na tramitação, pois contam com ocaráter de urgência. O mesmo não acontecendo para as leis e emendas constitucionais, principalmente, que podem levaranos para serem aprovadas (em alguns casos décadas, perpassando diferentes legislaturas inclusive, reiniciando discussõesa cada época e interesse). As resoluções e decretos também apresentam uma tramitação mais rápida, o que se justificamais pelo fato de lidarem com matérias de cunho objetivo e operacional. Os decretos são de competência do PoderExecutivo quando se tratam de decretos-lei (DEL), decretos (DEC) ou decretos do Conselho de Ministros (DCM), sendode competência exclusiva do Poder Legislativo os decretos legislativos (DLG) e os decretos legislativos do Congresso(DLN). Na produção legislativa pesquisada (vide Quadro 1) o quantitativo de decretos do Poder Executivo foi vinte vezessuperior aos decretos apresentados pelo Poder Legislativo.

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78

processo negociado), o que vemos, diferentemente do que aponta a literatura que estuda

essa área, é que tanto o Legislativo como o Executivo tiveram uma participação ativa nesse

processo. Olhando com um pouco mais de detalhe os trinta e sete documentos aprovados

de autoria do Legislativo e os trinta e um de autoria do Executivo, verificamos que há um

predomínio de projetos aprovados do Legislativo associados aos movimentos sociais, com

uma forte influência dos movimentos sociais também em algumas das propostas do

Executivo, como na lei orgânica da saúde78. Outro detalhe importante é que um conjunto

significativo de documentos do Executivo estiveram associados nesses anos a questões da

administração pública, organização da estrutura e alteração de leis – quatorze dos trinta e

um documentos, o que quer dizer que o Executivo não atuou de forma tão predominante

nas leis de tramitação seqüencial que não fossem de sua inteira

responsabilidade/prerrogativa.

Portanto, a tese de que o Executivo concentra poder decisório no Legislativo não se

aplica a partir da análise dessas leis, pelo menos não naquelas que passam por um

debate mais ampliado e que tratam de questões não explicitamente relacionadas a

organização do sistema público. De fato, o uso excessivo de MPs tem contribuído para

um processo decisório pouco democrático, especialmente no que diz respeito à

visibilidade da política, mas esse não tem sido o principal recurso para garantir a

desigualdade no processo decisório.

Talvez uma análise mais interessante sobre a atuação do Executivo seria pensar que o

uso desses instrumentos – MPs e DECs - serve como uma estratégia para adiar o debate

político e controlar o processo de negociação, de modo a aguardar o momento mais

propício para a aprovação de uma lei, o que Kingdom (1984) chamaria de uma “janela

de oportunidade”79. O que denotaria uma concentração decisória do Executivo frente ao

Legislativo mas com uma estratégia mais sofisticada no processo político.

78 Aqui cabe um esclarecimento metodológico. Na identificação das autorias das leis e outros documentos aprovados noLegislativo consideramos a autoria na origem do projeto, conforme aparece na tramitação no Congresso Nacional. Assim,algumas leis foram identificadas como de autoria do Executivo porque o processo legislativo teve início a partir daapresentação de uma mensagem presidencial com a proposta. Portanto, mesmo que depois tenha sido incorporada comoum projeto de autoria parlamentar, como foi o caso da Lei 8080, consideramos esta lei na origem como de autoria doExecutivo.79 Na Parte 2 da Tese apresentamos a discussão sobre processo político e um pouco da discussão proposta por Kingdom(1984).

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79

Quanto à questão da autoria dos documentos e a associação com os movimentos

sociais e grupos de interesse em geral, foi possível verificar que se mantém ainda bastante

atuante no Legislativo o movimento sanitário, numa relação estreita com esse Poder, seja

por intermédio da assessoria parlamentar, seja na própria articulação de parlamentares80

com o Conselho Nacional de Saúde (CNS) e o Executivo Saúde. Pelo menos dezoito das

trinta e sete leis aprovadas de autoria do Legislativo contaram com a efetiva participação do

movimento na sua discussão. O que também ocorreu nas leis aprovadas pelo Executivo,

onde oito das trinta e uma leis passaram por um debate ampliado, o que foi possível

verificar a partir dos documentos produzidos pelo CNS (resoluções, recomendações e

documentos produzidos), bem como na revisão da literatura que aborda a política de saúde

no Brasil81.

Há que se considerar que o movimento sanitário dos anos 90 e 2000 já não é mais o

mesmo movimento que deu origem a proposta da reforma sanitária nos anos 70/80,

mantendo velhos e incorporando novos movimentos e grupos de interesse, apenas para citar

alguns entre velhos e novos que compõem o cenário na atualidade: o movimento da

reforma psiquiátrica, dos índios, das mulheres, dos portadores do vírus HIV, dos renais

crônicos, acidentados, transplantados, hansenianos, dentre outros, compondo uma

complexa trama que multiplica demandas.

As leis aprovadas, especialmente de autoria do Legislativo, durante o período 90-2002

expressam bastante bem o quão difuso se tornou o processo político na saúde,

especialmente a partir da metade dos anos 90, numa necessidade de definição de políticas

específicas para atender as demandas dos diversos movimentos e grupos sociais, como

veremos quando abordarmos as temáticas constantes nas leis.

Outro dado interessante de análise quando detalhamos a origem dos documentos

aprovados no Legislativo está relacionado a autoria por partido e parlamentar. De fato,

tomando as trinta e sete leis aprovadas de autoria do Legislativo o que encontramos foi

80 Considerando que muitos parlamentares também fizeram parte desse movimento, por exemplo: Eduardo Jorge (PT/SP),Jandira Feghali (PcdoB/RJ), Paulo Delgado (PT/MG), Sérgio Arouca (PPS/RJ). Esses parlamentares atuaram nos anosque tomamos para análise.81 Um veículo de grande divulgação desses debates foi durante um longo período a Revista Saúde em Debate. Em outramedida e também com outro propósito os encartes do Radis/Fiocruz têm buscado acompanhar temas que circulam na

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80

um predomínio de propostas individuais dos parlamentares, tal como descrito na

literatura revisada. No entanto, essas leis estiveram diretamente associadas a

movimentos sociais organizados, sendo o parlamentar o porta-voz de uma demanda.

As leis que buscaram regular algum aspecto específico da saúde da mulher foram

propostas por parlamentares compromissados com a causa, por exemplo: as leis que

regulam a cirurgia reparadora de mama no SUS de autoria da Deputada Maria Elvira –

PMDB/MG – vice-presidente da Confederação das Mulheres do Brasil, da lei sobre a

cirurgia reparadora de mama nos Planos de saúde de autoria da Deputada Jandira Feghali –

PcdoB/RJ – da União das Mulheres do RJ, ou a lei que regulamenta o comércio de

preservativos, também de autoria da Deputada Maria Elvira – PMDB/MG.

Existem leis aprovadas que expressam bem mais interesses específicos de corporações

profissionais que interagem com o setor saúde, mesmo que ainda trazendo benefícios para a

população, como no caso da lei que institui o Dia Nacional de Combate ao Glaucoma, de

autoria do Deputado Pedro Canedo – PSDB/GO – membro do Conselho Brasileiro de

Oftalmologia.

No conjunto de leis aprovadas, destacam-se as leis de autoria dos parlamentares do

Partido dos Trabalhadores (PT) e, em específico, do Deputado Eduardo Jorge (PT/SP),

nesse caso sobretudo pela associação durante toda a década à discussão sobre a reforma do

setor saúde. Na produção, o PT liderou o quantitativo de leis aprovadas durante o período,

sendo dez no conjunto de trinta e sete, todas expressando uma composição política com os

movimentos sociais. Apenas para citar as leis mais importantes aprovadas: a lei que trata

do planejamento familiar (9263/1996), a lei sobre a remoção de órgãos e tecidos

(9434/1997), a lei sobre os genéricos (9787/1999), a emenda constitucional sobre recursos

para o setor saúde (EC29/2000) e a lei que redireciona o modelo assistencial na área da

saúde mental (10216/2001) (ver quadro 5 sobre a produção legislativa por parlamentar e

partido).

O Deputado Eduardo Jorge foi autor de quatro das dez leis aprovadas. Na realidade,

três leis e uma emenda constitucional numa discussão compatível e afinada aos interesses

agenda do Legislativo, especialmente quando em fase de tramitação final. E no site do Datasus é possível acessar

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tanto do movimento de reforma do setor saúde no seu sentido mais abrangente (ou da

macro-política) (EC 29/2000), quanto dos movimentos sociais específicos (lei do

planejamento familiar – movimento de mulheres).

QUADRO 5 – Produção Legislativa – Autoria por Partido nas leis de iniciativa do LegislativoAno Lei Autor/Partido1993 Lei 8736 – FAT Comissão Mista1995 Lei 9055 – Asbeto/Amianto

Lei 9050 – Memorial da MedicinaLei 9010 – Terminologia HanseníaseLei 9005 – Iodo

Eduardo Jorge – PT/SPEraldo Tinoco – PFL/BAElias Murad – PSDB/MGComissão Mista

1996 Lei 9313 – Medicamentos AIDSLei 9273 – Dispositivo seringasLei 9263 – Planejamento FamiliarLei 9256 – Locação de ImóveisLei 9294 – Propaganda fumo

José Sarney – PMDB/APMarcio LacerdaEduardo Jorge – PT/SPAldir Cabral – PFL/RJElias Murad e outros – PSDB/MG

1997 Lei 9434 – Remoção de órgãosLei 9431 – Infecções Hospitalares

José E.Dutra – PT/SEJutahy Magalhães – PSDB/BA

1998 Lei 9777 – Altera Código PenalLei 9695 – Crimes hediondosLei 9677 – Crimes c/saúde públicaLei 9656 – Planos Privados

Paulo Rocha e outros – PT/PASilvio Abreu – PDT/MGBenedito Domingos – PPB/DFIram Saraiva -

1999 Lei 9836 – ÍndiosLei 9832 – Embalagens metálicasLei 9797 – Cirurgia Mama SUSLei 9787 – Genéricos

Sérgio Arouca – PPS/RJMarcio Lacerda -Maria Elvira S.Ferreira – PMDB/MGEduardo Jorge – PT/SP

2000 EMC 29 – Recursos para saúdeLei 10167 – Altera lei propaganda fumoLei 9965 – Venda esteróides

Eduardo Jorge e Waldir Pires – PT/SP-BARoberto Requião – PMDB/PRNey Suassuna – PMDB/PB

2001 Lei 10289 – PróstataLei 10273 – Uso do bromatoLei 10273 – Fitas de vídeoLei 10223 – Cirurgia mama PlanosLei 10216 – Saúde MentalLei 10205 – Sangue

Telma de Souza – PT/SPValdeci Oliveira – PT/RSFernando Gonçalves – PTB/RJJandira Feghali – PcdoB/RJPaulo Delgado – PT/MGRoberto Jefferson – PTB/RJ

2002 Lei 10519 – Defesa SanitáriaLei 10516 – Carteira da MulherLei 10465 – Dia Saúde BucalLei 10456 – GlaucomaLei 10449 – Comércio PreservativosLei 10439 – Hipertensão ArterialLei 10424 – Assistência DomiciliarLei 10409 – Drogas

Jair Meneguelli – PT/SPAloysio N.Ferreira – PSDB/SPRicardo Ferraço – PPS/ESPedro Canedo – PSDB/GOMaria Elvira S. Ferreira – PMDB/MGFernando Bezerra – PTB/RNDr.Hélio – PDT/SPElias Murad – PSDB/MG

Fonte: Senado Federal. Portal de Pesquisas Legislativas. Elaboração própria.

O PSDB foi o segundo no ranking de leis aprovadas (seis ao todo) e o PMDB o

terceiro (cinco ao todo). As leis aprovadas pelos parlamentares do PSDB estiveram mais

diretamente associadas aos interesses destes, como as leis aprovadas pelo Deputado Elias

discussões polêmicas que muitas vezes estão sendo tratadas no Legislativo acompanhando a Conferência-on-line.

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82

Murad, um médico, ex-diretor do Centro de Orientação sobre drogas, professor de

Farmácia e especialista na área, que aprovou três das seis leis apresentadas pelo partido - as

leis sobre a terminologia de hanseníase (9010/1995), sobre a propaganda do fumo

(9294/1996) e de controle sobre as drogas (10409/2002).

As leis aprovadas pelos parlamentares do PMDB também demonstraram uma

associação maior com os movimentos sociais de interesse no setor saúde, como no caso da

lei de medicamentos para os portadores do vírus HIV (9313/1996), a lei que prevê a

cirurgia reparadora de mama no SUS (9797/1999) e a lei sobre o comércio de preservativos

(10449/2002).

Partidos menores e menos representados no Congresso, como o PDT, o PPS, o PPB, o

PTB e o PCdoB também contribuíram com leis na área da saúde com estreita articulação

com movimentos sociais, como a que instituiu o subsistema de saúde indígena (9836/1999)

ou a que obrigou os Planos de saúde a realizarem a cirurgia reparadora de mama

(10223/2001). Mas também desses partidos surgiram leis sem conexão com movimentos e

mais atrelados a interesses de classes ou outros não especificados – por exemplo a lei que

institui o Dia Nacional da Saúde Bucal do Deputado Ricardo Ferraço (PPS/ES), um

economista sem qualquer relação direta com o setor saúde; ou a lei que regulamenta a

assistência domiciliar no SUS do Deputado Dr.Hélio (PDT/SP), médico e membro da

Sociedade Médica.

No mapeamento das leis aprovadas e na verificação das autorias parlamentares e

partidos verificamos ainda que o PFL, apesar de contar com um número significativo de

representantes no Congresso durante o período, não foi um interlocutor na área da saúde,

tendo aprovado duas leis durante o período. As leis aprovadas denotam mais um interesse

particular do parlamentar para questões específicas para a região que representa do que um

debate atrelado aos interesses do setor saúde de uma maneira mais abrangente – como na

lei que converte em Memorial da Medicina brasileira o Memorial da Medicina, instalado na

cidade de Salvador (do Deputado Eraldo Tinoco – PFL/BA) e a que altera a lei sobre

locação de imóveis urbanos no que trata de hospitais e estabelecimentos de saúde

(Deputado Aldir Cabral – PFL/RJ).

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83

O mapeamento da produção legislativa em saúde a partir da análise da origem dos

documentos possibilitou compreender um pouco melhor o jogo político na relação

executivo-legislativo e no papel que partidos e parlamentares exercem nesse contexto.

O desenho institucional do Poder Legislativo na verdade favorece a apresentação de

projetos de lei que expressam interesses particulares dos parlamentares, que

compromissados ou não com uma formulação de política mais abrangente tendem a

representar os interesses daqueles que os elegem diretamente, mas principalmente

permanecem fiéis as suas corporações e a forma como compreendem o mundo. Assim,

muitos parlamentares advém do movimento feminista e do movimento sanitário (médicos

sanitaristas), como também das corporações profissionais da área da saúde (Sociedade

Médica, Conselho de Oftalmologia e outras), o que justifica leis bastante específicas e o

quantitativo excessivo de projetos em tramitação constante no Congresso.

Nesse período, apesar das leis aprovadas na área da saúde terem sido na sua

maioria demanda de parlamentares individuais isso não significou a expressão de

interesses particulares desses parlamentares, ao contrário, a aprovação das leis exigiu

uma ampla composição e aliança no seu processo de tramitação, o que inclusive

significou um longo tempo de tramitação dos projetos, bem como um conjunto grande

de apensações aos projetos originais.

Tempo de tramitação segundo a autoria dos documentos

O tempo de tramitação das leis e emendas aprovadas é um outro indicador importante

e sensível para análise da relação executivo-legislativo. Na revisão da literatura vimos que

o predomínio do Executivo também se exerce no fato de ter suas propostas aprovadas mais

agilmente que o Legislativo, mesmo naquelas propostas que apresentam tramitação

seqüencial, ou seja, mesmo os projetos de lei e emendas quando propostos pelo Executivo

apresentam um tempo de tramitação menor que nas propostas do Legislativo.

Esse foi um quadro que também se apresentou na discussão temática da saúde.

Tomando apenas as dezessete leis de autoria do Executivo que tratam diretamente da

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84

questão da saúde ou interferem mais diretamente na área82 e as trinta e sete leis e emenda

de autoria do Legislativo aprovadas no período 90-2002, o tempo médio de tramitação das

leis de iniciativa do Legislativo foi de quatro anos e três meses, enquanto nas leis de

iniciativa do Executivo o tempo médio foi de oito meses e dez dias.

Como falamos de médias, é preciso que foquemos nas exceções para apreendermos

processos políticos que se diferenciaram e compreendê-los em suas propostas. Nas leis de

iniciativa do Executivo o que destoa são as leis que tramitam por mais de sessenta dias (o

que pode ser verificado no quadro 6), nelas se incluem, por exemplo, a lei 8080 (LOS) e a

lei de extinção do INAMPS (Lei 8689/93), que como sabemos reuniam negociações

bastante conflituosas mesmo no interior do Executivo Saúde.

Na realidade, se considerássemos o processo de negociação de uma lei proposta pelo

Executivo, antes mesmo dela ser apresentada ao Legislativo, poderíamos visualizar tempos

de tramitação muito superiores aos que se apresentam no quadro 6. Como exemplo,

podemos citar a discussão em torno da criação da CPMF que teve início desde a entrada do

Ministro Jatene na Saúde em 1995, e se configurou como projeto de lei no ano de 1996,

quando foi amplamente debatido no interior do Governo, antes mesmo de ser apresentado

no Plenário. No Congresso tramitou por sessenta dias mas sua discussão no Executivo

ultrapassou bem mais que um ano.

A lei 8142 é outro bom exemplo, sua discussão começou a ser travada no Executivo

Saúde desde a aprovação da LOS 8080/90, foram três meses de negociação até a

apresentação de um novo projeto de lei pelo Executivo para regular a questão da

participação popular e da transferência de recursos. No Congresso o projeto tramitou em

cinco dias.

O que esses exemplos indicam é uma forma de composição do processo decisório onde

o Executivo antecede e negocia, seja com os grupos de interesse reformistas, seja com

as corporações, seja com os parlamentares individualmente, seja com a burocracia

técnica, quais serão as regras do jogo, garantindo a priori a aprovação de suas leis,

82 As 12 leis restantes são as que falam da extinção de entidades da administração pública, inclui competências para oINSS, que modifica a lei da seguridade social e outras que tratam de uma forma mais abrangente do sistema público, oque também inclui a área da saúde mas sem uma determinação específica para ela.

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85

num pacto muitas vezes pouco transparente da política desenhada. Um pacto sem

registros e envolvendo negociações com parlamentares e grupos de interesse que

muitas vezes não se realizariam num debate ampliado.

QUADRO 6 – Produção Legislativa – Leis de Tramitação Seqüencial por tempo de tramitação eautoria do Executivo – 1990-2002

Ano Lei Tempo de Tramitação1990 Lei 8080 – LOS

Lei 8142 – LOS390 dias5 dias

1991 Lei 8212 – SeguridadeLei 8246 – Pioneiras

21 dias117 dias

1993 Lei 8689 – Extinção INAMPS 90 dias1994 Lei 8918 – Comércio Bebidas 2576 dias1996 Lei 9311 – CPMF 60 dias1997 Lei 9484 – Transferência de unidade

Lei 9436 – Jornada de trabalho médico105 dias581 dias

1998 Lei 9602 – Legislação de Trânsito 40 dias1999 Lei 9782 – Vigilância 15 dias2000 Lei 9961 – ANS 22 dias2001 Lei 10332 – Genoma

Lei 10211 – Órgãos (conversão)Lei 10191 – Produtos para implementaçãoLei 10185 – Especialização Seguradoras

45 dias2 dias15 dias15 dias

2002 Lei 10507 – Agente Comunitário 162 diasFonte: Senado Federal. Portal de Pesquisas Legislativas. Elaboração própria.

Nas leis de iniciativa do Legislativo o que destoa são as leis que tramitam por menos

de 1000 dias (mais ou menos 33 meses), dentre elas destacam-se as leis de autoria das

Comissões Mista e que dispõe sobre o os recursos do FAT (2 dias) e a iodação do sal (7

dias), a lei de medicamentos para portadores do vírus HIV e doentes de AIDS (90 dias), a

lei sobre crimes hediondos (62 dias) e a lei sobre crimes contra a saúde pública (118 dias),

as leis sobre a cirurgia reparadora de mama no SUS (545 dias) e cirurgia reparadora de

mama nos Planos (350 dias) – ver quadro 7.

As leis de autoria da Comissão Mista apesar de entendidas como leis de autoria do

Legislativo funcionaram, nesses casos, como leis que afirmaram decisões propostas pelo

Executivo e que já eram objeto de regulamentação por meio de medidas provisórias ou

decretos, o que justifica sua tramitação acelerada frente as demais propostas.

No caso da lei de medicamentos, apesar da autoria do Legislativo (Senador José

Sarney), quando estudamos seu processo de negociação e detalhamos a política de AIDS no

Executivo, percebemos que foi um projeto construído em parceria com o Executivo e o

movimento social da AIDS, que se apresentou no Legislativo negociado sendo o

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86

parlamentar apenas um interlocutor que compôs com um projeto maior de governo. Sua

apresentação no Congresso Nacional se deu em caráter de urgência e por isso contou com

uma tramitação acelerada, um fato pouco comum para matérias de autoria legislativa.

A política de AIDS extrapolava a questão saúde e envolvia desde interesses

internacionais dos governos, que exigiam respostas governamentais ao problema de saúde

pública, como também das organizações não-governamentais que atuam nessa área. Ou

seja, os governos e movimentos sociais exigiam, nesse contexto, um posicionamento do

Executivo Presidência para a política de AIDS. No Brasil esse posicionamento foi

afirmado por um Executivo Saúde, comprometido com a política de atenção universal,

igualitária e integral à saúde, contando com um movimento social participativo no processo

decisório. Foi essa composição que deu agilidade a essa política sem perder de vista o

compromisso com os princípios do SUS.

Nas leis de crimes hediondos e contra a saúde pública, a questão jurídica prevaleceu e

favoreceu o processo decisório apenas ratificando questões já negociadas em outras leis,

por isso, sua tramitação foi acelerada, não esbarrando em questões de conflito relacionadas

ao setor saúde.

Nas leis de cirurgia reparadora de mama, a tramitação foi mais rápida pela capacidade

de pressão do movimento das mulheres. Como vimos no tópico sobre a origem e autoria

das leis, o movimento de mulheres se faz representar bem no Congresso, seja articulando-se

com representantes do movimento sanitário, seja atuando diretamente junto aos

parlamentares.

Vale ressaltar que com exceção das três primeiras leis citadas todas as demais

contaram com tempos muito longos de tramitação, longe de serem comparadas a qualquer

outra tramitação de uma lei de autoria do Executivo.

QUADRO 7 – Produção Legislativa – Leis de Tramitação Seqüencial por tempo de tramitação eautoria do Legislativo – 1990-2002

Ano Lei Tempo de Tramitação1993 Lei 8736 – FAT (Comissão Mista) 2 dias1995 Lei 9055 – Asbeto/Amianto

Lei 9050 – Memorial da MedicinaLei 9010 – Terminologia HanseníaseLei 9005 – Iodo (Comissão Mista)

695 dias1882 dias1684 dias7 dias

1996 Lei 9313 – Medicamentos AIDSLei 9273 – Dispositivo seringas

90 dias1877 dias

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Lei 9263 – Planejamento FamiliarLei 9256 – Locação de ImóveisLei 9294 – Propaganda fumo

1700 dias1522 dias2430 dias

1997 Lei 9434 – Remoção de órgãosLei 9431 – Infecções Hospitalares

730 dias2035 dias

1998 Lei 9777 – Altera Código PenalLei 9695 – Crimes hediondosLei 9677 – Crimes contra saúde públicaLei 9656 – Planos Privados

1208 dias62 dias118 dias1760 dias

1999 Lei 9836 – ÍndiosLei 9832 – Embalagens metálicasLei 9797 – Cirurgia Mama SUSLei 9787 – Genéricos

1945 dias3666 dias545 dias2615 dias

2000 EMC 29 – Recursos para saúdeLei 10167 – Altera lei propaganda fumoLei 9965 – Venda esteróides

2765 dias545 dias1476 dias

2001 Lei 10289 – PróstataLei 10273 – Uso do bromatoLei 10273 – Fitas de vídeoLei 10223 – Cirurgia mama PlanosLei 10216 – Saúde MentalLei 10205 – Sangue

1490 dias1460 dias2404 dias350 dias4380 dias3650 dias

2002 Lei 10519 – Defesa SanitáriaLei 10516 – Carteira da MulherLei 10465 – Dia Saúde BucalLei 10456 – GlaucomaLei 10449 – Comércio PreservativosLei 10439 – Hipertensão ArterialLei 10424 – Assistência DomiciliarLei 10409 – Drogas

1460 dias2645 dias730 dias605 dias1155 dias1095 dias1095 dias4380 dias

Fonte: Senado Federal. Portal de Pesquisas Legislativas. Elaboração própria.

A partir dessas informações podemos concluir que as matérias de autoria do Executivo

têm um tratamento diferenciado no Legislativo, garantindo uma tramitação acelerada de

suas proposições, mesmo nas leis de tramitação seqüencial. Essa prerrogativa do

Executivo se afirma principalmente porque o processo de negociação de suas

proposições antecede o debate Legislativo, em acordos não explícitos com os diversos

grupos de interesse que se apresentam numa matéria. O Executivo apenas apresenta

um projeto de lei ou de emenda quando está certo da vitória, assim pouco sabemos dos

projetos que poderiam ser apresentados e não o foram porque não seria o momento político

mais propício.

O papel preponderante do Executivo no Legislativo também se extrai da análise

sobre o tempo de tramitação das leis de autoria do Legislativo, as que obtiveram uma

tramitação mais acelerada assim o foram porque nasceram de demandas do Executivo

ou encontraram movimentos sociais que passaram a se articular mais estreitamente

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tanto com o Executivo como com o Legislativo. Nesse último caso, fica expresso que

também o Executivo é capaz de atender demandas e processá-las em políticas, não

sendo portanto uma função exclusiva do Legislativo.

Essa característica a ser explorada do Executivo permite entendê-lo tanto como um

Poder que concentra poder, por isso atua de forma autoritária, como também de um

Poder que se utiliza da sua prerrogativa decisória para encaminhar políticas e dar

mais agilidade ao processo político e não se engessar em longos e intermináveis

processos de negociação.

Nessa questão incide um dos principais debates da Ciência Política, a capacidade de

governar do Estado e decidir políticas, sem que isso signifique desconsiderar o processo

negociado com os demais Poderes, instituições governamentais e sociais. A pergunta

inerente a esse debate é: em que medida a concentração de poder também pode ser

uma estratégia para a garantia de políticas distributivas e democráticas? Essa é a

questão-chave na análise da relação executivo-legislativo.

Sobre as temáticas abordadas

É possível identificar pelo menos quatro diferentes movimentos do processo político

da saúde a partir dos documentos aprovados no Legislativo.

Um primeiro movimento83 se desenvolve no período 1990-1994, quando são

aprovadas as leis que conformam a base institucional do SUS, como a LOS 8080/90 e

8142/90 e a lei sobre a extinção do INAMPS – 8689/93. Nesse período, prevalece as leis

de autoria do Executivo numa resposta efetiva desse Poder ao movimento de reforma

sanitária e grupos de interesse associados à questão. O momento político exigia o debate

em torno da institucionalidade do SUS e os grupos e movimentos sociais somavam esforços

na definição da macro-política. Cabia ao Executivo propor as leis de regulamentação do

sistema, o que não significou a exclusão do Legislativo no debate da lei, ao contrário, o

Legislativo atuou de forma incisiva na formulação da proposta e contou com a participação

efetiva do movimento sanitário para a sua definição e defesa, como na discussão da LOS.

83 A idéia de movimentos é justamente para que não se tome os períodos como fases estanques mas que constituem umaespecificidade de acordo com o que predomina nas leis aprovadas.

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As principais leis de sustentação do SUS foram definidas nesse período apenas ficando

em aberto a questão do financiamento do setor saúde, ponto vetado na Lei Orgânica de

1990. A temática não passou desapercebida. Em 1993 o Deputado Eduardo Jorge (PT-SP)

encaminhava uma proposta de emenda constitucional prevendo a definição de recursos

mínimos para a saúde (PEC 169/93). A PEC como uma proposta do Legislativo e que

contava com o apoio do movimento de reforma seguiu tramitando no Congresso por alguns

anos, sofreu modificações e foi aprovada no ano 2000, bastante diferente do que previa

originalmente, deixando ainda em aberto pontos importantes de regulamentação da política

de financiamento do SUS.

Algumas políticas específicas já se apresentavam na agenda de discussão do

Legislativo mas não encontravam ambiente propício para sua aprovação, como o projeto de

lei do Planejamento familiar, que tramitava desde 1991, após a realização de uma CPI sobre

a esterilização em massa de mulheres no Brasil; o projeto de lei regulando a questão dos

medicamentos genéricos, também apresentado em 1991 e o projeto de lei sobre a

reformulação do modelo assistencial na área da saúde mental, em articulação com o

movimento da reforma psiquiátrica, apresentado em 1989.

Em meados da década de 90 as regras para a efetiva implementação do SUS já haviam

sido definidas e o espaço de discussão para políticas específicas se ampliou, configurando

um segundo movimento do processo político com a elaboração de leis que regulam

políticas específicas de interesse coletivo e que atendem determinados grupos sociais.

Após o ano de 1994, um conjunto de propostas de políticas específicas começaram a ser

apresentadas ou aprovadas, foi o caso da lei de medicamentos para os portadores do vírus

HIV e doentes de AIDS, a lei de órgãos, a lei do planejamento familiar e a lei do índio - no

quadro 8 reunimos as principais leis que tratam especificamente da questão da saúde,

quando acompanhadas é possível verificar a inflexão dos temas propostos nos conteúdos

das leis.

É importante somar a essa análise o fato de que foi a partir desse período que ficou

evidente a situação de crise e esgarçamento do setor saúde, como resultado da política

adotada nos primeiros anos da década, o que contribuiu para que os grupos de interesse e

movimentos sociais passassem a se articular na tentativa de garantir os direitos duramente

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conquistados, numa explícita resistência à crise. A inflexão perceptível foi a composição

de políticas mais diretamente associadas aos interesses de cada grupo social e menos pelo

direito à política de proteção à saúde tal como na origem da reforma. Definiu-se também

um diferencial das políticas específicas desenhadas nesse período, pois, não significava

mais a composição de Programas ou políticas verticais de saúde, vigorando como um

padrão da política do MS nas décadas anteriores, mas de políticas articuladas aos

movimentos sociais de base e numa estreita parceria com os técnicos do Executivo Saúde,

como foi possível verificar na política de AIDS, do Índio e da Saúde Mental, cada qual na

sua especificidade.

As políticas específicas foram apresentadas pelo Legislativo e estiveram estreitamente

associadas aos movimentos sociais. Destaca-se no conjunto o quantitativo de leis

aprovadas na área de interesse da mulher – planejamento familiar, cirurgia de mama no

SUS e nos Planos, comércio de preservativos e carteira da mulher.

QUADRO 8 – Documentos Legislativos aprovados por ano – 1990-2002

Anos Leis aprovadas

1990 Lei 8080 – Sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde.Lei 8142 – Sobre a participação da comunidade e as transferências de recursos financeiros.

1993 Lei 8689 – sobre a extinção do INAMPS e a instituição do SNA.Lei 8736 – FAT

1994 Lei 8918 – Regula comércio de bebidas

1995 Lei 9005 sobre a obrigação da iodação do salLei 9050 – memorial da MedicinaLei 9055 disciplinando uso do asbeto/amiantoLei 9010 sobre terminologia oficial da hanseníase

1996 Lei 9313 – sobre a distribuição gratuita de medicamentos de AIDSLei 9311 – institui a CPMFLei 9263 – sobre o Planejamento FamiliarLei 9273 – sobre dispositivo de segurança para o impedir a reutilização de seringasLei 9256 – sobre as locações dos imóveis urbanosLei 9294 – sobre as restrições ao uso e a propaganda de produtos fumígeros, bebidas alcóolicas,medicamentos, Terapias e defensivos agrícolas.

1997 Lei 9436 – dispõe sobre a jornada de trabalho médicoLei 9434 – dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humanoLei 9431 – dispõe sobre o Programa de controle de infecções hospitalares

1998 Lei 9777 – Altera Código PenalLei 9656 – sobre os Planos e Seguros Privados de Assistência à SaúdeLei 9695 – Crimes hediondosLei 9677 – Crimes contra a saúde públicaLei 9602 sobre legislação de trânsito

1999 Lei 9836 – acrescenta a lei 8080 o subsistema de atenção à saúde indígenaLei 9832 – proíbe o uso industrial de embalagens metálicas soldadas com liga de chumbo e estanho...Lei 9797 – sobre a obrigatoriedade da cirurgia plástica reparadora da mama nos casos de mutilação dotratamento de câncer

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Lei 9782 – define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária e cria a Agência Nacional de VigilânciaSanitáriaLei 9787 – sobre a vigilância sanitária estabelecendo o medicamento genérico

2000 EC 29 – recursos para a saúdeLei 9965 – restringe a venda de esteróidesLei 9961 – cria a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANSLei 10.167 – altera lei que dispõe sobre restrições ao uso e propaganda de produtos fumígeros, bebidasalcóolicas...

2001 Lei 10332 – institui mecanismo de financiamento para o Programa de C&T – dentre eles Biotecnologia eGenomaLei 10289 – institui o Programa Nacional do Controle do Câncer de PróstataLei 10273 - dispõe sobre o uso do bromato de potássioLei 10273 - dispõe sobre a inserção nas fitas de vídeo mensagem p/sexo seguroLei 10223 - sobre a obrigatoriedade da cirurgia plástica reparadora de mama por planosLei 10216 – redireciona o modelo assistencial em saúde mentalLei 10211 – altera lei de órgãosLei 10205 - regulamenta artigo da CF relativo a coleta, processamento, estocagem e distribuição dosangueLei 10191 – sobre aquisição de produtos para a implementação de ações de saúdeLei 10185 – sobre a especialização das sociedades seguradoras em planos privados

2002 Lei 10519 – sobre a fiscalização da defesa sanitária animalLei 10516 – institui a carteira nacional de saúde da mulherLei 10507 - cria a profissão do agente comunitário de saúdeLei 10465 - “Dia Nacional da Saúde Bucal”Lei 10456 - “Dia Nacional de combate ao Glaucoma”Lei 10449 - sobre a comercialização de preservativos masculinosLei 10439 - “Dia Nacional de prevenção e combate a Hipertensão arterial”Lei 10424 - regulamenta a assistência domiciliar no SUSLei 10409 - prevenção, tratamento ... de produtos, substâncias ou drogas ilícitas

Fonte: Senado Federal. Portal de Pesquisas Legislativas. Elaboração própria.

Um conjunto de leis de autoria do Executivo a partir de 1994 regularam questões

também pontuais da política e que caberia apenas ao Executivo dispor, como a questão da

transferência de unidade ou a jornada de trabalho do médico. Assim, o Executivo que

regulamenta o sistema e constitui a base institucional do SUS em estreita articulação

com o movimento social e o Legislativo, dá espaço para um Executivo que padroniza

normas, seja na administração das unidades do Estado, seja nas regras para atuação

profissional, seja nas políticas intersetoriais (comércio de bebidas, legislação de trânsito),

ou ainda na forma de financiamento das políticas (CPMF e financiamento do projeto

GENOMA, este num momento mais à frente).

No período 1998-2000 configura-se um terceiro movimento concorrente ao segundo

mas com um foco diferenciado na definição das políticas específicas, onde a ênfase esteve

nas leis que regulam o mercado em saúde na sua concepção mais abrangente, onde o

Executivo passa a assumir uma participação efetiva. Surgem então, as leis que tratam das

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agências reguladoras da saúde, na área da vigilância sanitária (ANVISA - lei 9782/99) e

dos planos de saúde (ANS - Lei 9961/00).

Mesmo as leis propostas pelo Legislativo contaram com uma interferência do

Executivo, modificando, por meio das MPs, leis já aprovadas, como a lei dos Planos de

Saúde (lei 9656/98) e colaborando e subsidiando propostas de autoria do Legislativo, como

na lei dos genéricos (lei 9787/99).

As leis que tratavam de políticas específicas que estavam fundadas em pautas dos

movimentos sociais – como a EC 29, o subsistema de saúde indígena e a cirurgia

reparadora de mama no SUS – não conflitavam com a política traçada pelo governo. A EC

reforçava a política de descentralização dos recursos na ótica da transferência de

responsabilidades para estados e municípios na manutenção e sustentação das políticas de

saúde, sem aprofundar o debate sobre as fontes de recursos e a capacidade tributária dos

entes sub-nacionais de governo, deixando a discussão da Seguridade e proteção social

distanciada do debate. O subsistema de saúde indígena e a cirurgia reparadora de mama no

SUS configuravam-se como políticas específicas a serem engendradas no contexto

institucional da saúde, isto quer dizer que sua aplicação prática como política era um

processo que teria ainda um longo curso.

Um quarto movimento do processo político define-se especialmente pelo

aparecimento de leis que tratam de ações de saúde específicas sem um compromisso com a

macro-política ou com a definição de políticas específicas mais consistentes, propondo uma

regulamentação no Legislativo de ações que tradicionalmente eram reguladas e propostas

pelo Executivo. Assim, das dezessete leis aprovadas nos anos de 2001 e 2002 que tratavam

diretamente da saúde, três aprovaram a instituição de Dias Nacionais de Prevenção

(hipertensão arterial, glaucoma e saúde bucal), uma instituiu um Programa Nacional de

Saúde - Controle do Câncer de Próstata, e outra regulamentou a assistência domiciliar no

SUS (Lei 10424/02).

Leis de autoria do Legislativo aprovadas nesses anos expressam o nível de

detalhamento que chegou o processo político na discussão de saúde, como na lei que

especifica uma mensagem sobre o uso de camisinha em fitas de vídeo (Lei 10273/01), na

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lei que dispõe sobre a comercialização de preservativos masculinos de látex (Lei 10449/02)

ou na lei que institui a carteira nacional de saúde da mulher (Lei 10516/02).

Nesses anos foram aprovadas algumas leis que tramitavam há muito tempo no

Legislativo e que tinham apoio tanto de movimentos sociais quanto do Executivo Saúde,

como o caso da lei de reformulação do modelo assistencial na área da Saúde Mental (Lei

10216/01), tramitando desde 1989; e da lei sobre a coleta, processamento, estocagem,

distribuição e aplicação do sangue (Lei 10205/01), em tramitação desde 1991.

As leis de autoria do Executivo aprovadas denotaram ainda uma preocupação com o

mercado em saúde buscando regular aspectos das sociedades seguradoras nessa área, a

aquisição de produtos para implementação de ações no SUS e mecanismos de

financiamento para fomento da pesquisa em saúde.

Uma lei que merece um destaque especial é a que cria a profissão do agente

comunitário de saúde proposta pelo Executivo e aprovada após 162 dias de tramitação no

Legislativo. Trata-se de uma lei que foi amplamente discutida no Executivo, apreciada

pelo Conselho Nacional de Saúde e aprovada de acordo com as diretrizes retiradas desse

debate, foi a expressão de um processo negociado no interior do Executivo Saúde, em

estreita articulação com o Conselho Nacional de Saúde e que só foi aprovada no Legislativo

mediante os acordos estabelecidos nestes fóruns.

Sobre o Processo Decisório e o encaminhamento das leis no Executivo84

Todos os tópicos apresentados até aqui de uma certa forma permitem compreender

como se desenvolveu nesses anos o processo decisório no âmbito do Poder Legislativo.

Mas existe ainda um conjunto de informações que não se explicitam pelo quantitativo de

projetos, leis aprovadas, tempos de tramitação ou temas tratados, são informações que

revelam quem são os atores envolvidos no processo decisório e como se articulam com o

Legislativo.

Na apresentação dos temas e na discussão das autorias buscamos relacionar os

principais interesses e atores. Para um estudo mais específico do processo decisório seria

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importante analisar o processo decisório a partir das negociações efetivadas durante todo o

debate de uma lei, desde a origem do projeto até as modificações propostas e versão final

(estudos de caso). Essa não foi a proposta desse estudo que se restringiu a identificar as

escolhas políticas processadas nesse período.

Uma outra estratégia para aprofundar o processo decisório e a relação executivo-

legislativo foi a identificação e análise do encaminhamento dado pelo Executivo para as

leis aprovadas.

Tal análise denunciou uma característica interessante dessa relação: as leis de autoria

do Executivo são, na sua grande maioria 85, leis consideradas “auto-aplicáveis”, pois tratam

de questões mais abrangentes para a organização do sistema e a definição de uma macro-

política. Um exemplo: a lei que dispôs sobre a extinção do INAMPS não sofreu qualquer

regulamentação específica do Executivo, mas foram apresentadas portarias que de fato

contribuíam no desmonte dessa estrutura.

As leis de autoria do Legislativo exigem uma regulamentação do Executivo, pois

tratam de políticas específicas a serem encaminhadas e que necessitam de definição

técnica para sua sustentação. Como, por exemplo, a lei sobre a reorientação do modelo

assistencial na saúde mental define as principais diretrizes da política para a área mas,

apenas, as portarias do Executivo poderão definir critérios para a redefinição do modelo e

os instrumentos de acompanhamento dessa política.

Nesse sentido, extraímos que há uma “tecnocratização do processo decisório” e uma

divisão clara de responsabilidades entre os Poderes, onde o Legislativo exerce uma função

“política” e o Executivo uma função “técnica”, conferindo ao Executivo uma prerrogativa

decisória no processo de implementação da política, numa falsa neutralidade

científica/técnica, como se a técnica não estivesse impregnada de pressupostos políticos.

Essa diferenciação quanto às características das leis segundo a autoria expressa de fato

uma condição geral das leis. Elas normalmente versam sobre questões abrangentes da

política e buscam construir um arcabouço de sustentação para a mesma, sobre os princípios

84 No anexo 5 apresentamos um quadro-síntese das principais leis aprovadas e o encaminhamento prévio e posterior àaprovação da lei tanto no Legislativo como no Executivo e que expressa algumas discussões apresentadas nessa seção.85 Do total de 31 leis de autoria do Executivo 26 tratam da organização da estrutura, especificação de normas e recursos.

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e diretrizes de uma política e, por isso, demandam um processo mais lento de negociação,

bem como o estabelecimento de pactos com os diversos grupos envolvidos, diretamente

associados ao setor saúde e externos ao setor. Portanto, são ideais na definição de diretrizes

gerais da macro-política, como nas leis de autoria do Executivo, mas exigem detalhamento

de procedimentos quando se propõem políticas específicas, como nas leis de autoria do

Legislativo. Por isso, também nos parece bastante curioso (ou mesmo estranho) que se

definam leis que tratem de ações específicas de saúde e que cabem ao Executivo propor,

como a lei que institui o Programa Nacional de Controle do Câncer de Próstata.

Algumas leis propostas pelo Executivo (LOS 8080 e 8142, a que dispõe sobre a

vigilância sanitária, a que institui a ANS e a que cria a profissão de agente comunitário) se

assemelham ao perfil das leis propostas pelo Legislativo, especialmente pelo fato de não se

restringir a formatação de uma estrutura do sistema e definir a formatação de uma política

específica exigindo o encaminhamento de regulamentações pelo Executivo. Tratam-se das

leis que passaram por discussões ampliadas no Legislativo e que foram acompanhadas

desde a sua formulação pelos reformistas. A implementação dessas políticas pelo

Executivo sofreu variações mas todas, bem ou mal, obtiveram um encaminhamento.

As leis de autoria do Legislativo distinguem-se, pelo menos, em três grupos. Um

grupo que reúne as leis que apenas garantem legalmente uma política que já era

desenvolvida pelo Executivo e que com a lei ganha institucionalidade e maior chance

de continuidade , como foi o caso da lei de medicamentos para a AIDS, da lei sobre o

comércio de fumígeros, da lei que dispõe sobre a saúde indígena, da lei sobre a reorientação

do modelo de assistência na área da saúde mental e da lei sobre o controle do câncer de

próstata. Esses são exemplos de leis que já contavam com portarias específicas garantindo

uma política para a área e que após a aprovação da lei tiveram fortalecida a política

proposta. É importante frisar que essas políticas definidas em lei não apenas reforçaram

políticas já propostas pelo Executivo como também expressaram a determinação de uma

burocracia técnica (uma parte do Executivo Saúde) que se associou a movimentos sociais e

reformistas para lhe dar respaldo.

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96

Um segundo grupo de leis que advém de conquistas de movimentos sociais

específicos e que quando aprovadas exigiriam do Executivo uma resposta mais efetiva

às suas demandas, como foi o caso da lei do planejamento familiar, da lei dos genéricos,

da lei de órgãos, da leis sobre a cirurgia reparadora de mama no SUS e nos Planos, EC 29.

Essas leis, diferentemente do grupo anterior, não contavam com regulamentações prévias

no Executivo mas vinham sendo discutidas como propostas no Conselho Nacional de Saúde

(CNS), que funciona como um receptador das demandas sociais e um braço do Executivo.

O encaminhamento dessas leis no Executivo foi bastante variável, com exceção da lei de

genéricos e da lei de órgãos, que se tornaram políticas específicas de grande interesse no

governo FHC, as demais ainda padecem de regulamentação, com portarias que de fato não

garantem a amplitude das propostas definidas nas leis, o que na prática significa o não

cumprimento do que está disposto em lei.

E um terceiro grupo de leis que regulamentam políticas na área da saúde de

forma muito específica e que o próprio Executivo daria conta por si só de regular,

porque não se trata da configuração propriamente de uma política mas da definição

de ações específicas, por exemplo nas leis que instituem o dia nacional da hipertensão ou

do combate ao glaucoma. Nesse caso, são leis que ocupam o tempo de negociação no

Legislativo de questões de maior relevância quando bastaria ao Executivo tratá-las, como

de fato já o faz.

Diferenciando as leis de autoria do Executivo e do Legislativo e identificando suas

características foi possível perceber qual tem sido a forma de encaminhamento do

Executivo para as leis aprovadas :

- quando a lei é de autoria do Executivo e especifica questões sobre a organização

do sistema ou políticas mais voltadas para a estrutura e administração, as leis são

“auto-aplicáveis”, não exigindo regulamentação específica e incorporando

naturalmente a mudança proposta na lei;

- quando a lei é de autoria do Executivo mas prevê a definição de políticas

específicas, seu encaminhamento variará de acordo com os interesses que estão

atrelados a sua implementação, levando a novas negociações;

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97

- quando a lei é de autoria do Legislativo mas nasceu de uma demanda articulada ao

Executivo, seu encaminhamento obtém maior sucesso, estando também sujeita aos

interesses na sua implementação;

- quando a lei é de autoria do Legislativo mas não tem, a princípio, um interesse do

Executivo, seu encaminhamento pode se restringir a aspectos da lei, sem um

compromisso efetivo com a política desenhada;

- quando a lei é de autoria do Legislativo mas trata de ações que deveriam ser alvo

de regulamentação do Executivo, seu encaminhamento seguirá os parâmetros

socio-epidemiológicos que a tecnoburocracia tem como base. Não é a lei que

garante a política proposta mas o argumento técnico.

Ou seja, existem diferentes formas de encaminhamento no Executivo das políticas

aprovadas pelo Legislativo, com um diferencial de tratamento de leis que provém do

Executivo, seja como autoria, seja como interlocutor com o Legislativo. O que parece

ser uma constante é o fato do Executivo assumir o papel de filtro das políticas

propostas, onde o argumento técnico é um dos principais elementos para respaldar

uma decisão de encaminhamento, mas não o único, uma política insere-se num

complexo jogo de interesses que tem no Executivo seu principal ator.

Na prerrogativa de editar portarias que regulamentem as políticas aprovadas pelo

Legislativo, o Executivo exerce, por um lado, o importante papel de dar operacionalidade

às políticas desenhadas nas leis e, por outro, de definir de fato, e sem muito

controle/participação, as regras para essas políticas. Nesse último sentido, uma crítica

importante que tem sido feita ao Executivo refere-se às modificações que as portarias

fazem de aspectos da lei negociados em plenário e que quando modificados em portarias

passam desapercebidos. Vamos aprofundar essa questão no capítulo sobre o Executivo.

A título de síntese

Essa análise nos permitiu visualizar que apesar de existir um Executivo concentrador

de poder na relação com o Legislativo, especialmente pelo fato de editar medidas e decretos

e ter suas propostas de lei em tramitação mais acelerada, esse atuou principalmente em

questões que exigiam maior poder regulador do Executivo e que só poderiam ser

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98

apresentadas por este, como as leis orgânicas do SUS, os decretos com a mudança de

estrutura, as leis orçamentárias e outras.

De outra forma, uma parte do Executivo participou na formulação de projetos de

autoria do Legislativo mediando as discussões no Conselho Nacional de Saúde e no interior

da tecno-burocracia, no contato com os movimentos sociais (índios, genéricos, remoção de

órgãos, saúde mental). Esse não é o Executivo que concentra o poder mas aquele que

recepciona as demandas e produz a partir delas. Na relação com o Legislativo esse

Executivo apoia o processo mas não tem força para agilizar a negociação e garantir uma

proposta, por isso a tramitação dos projetos ainda é longa, na maioria dos casos.

Esse Executivo é diferente daquele que formula e aprova uma lei de autoria do

Legislativo, como foi o caso da lei de medicamentos para AIDS. O Executivo que

concentra poder decisório nesse caso está estreitamente associado ao Executivo

Presidência, mas não deixa de ser o Executivo atrelado ao setor saúde, apenas é

diferenciado porque encontrou um canal de comunicação direto com a Presidência e, por

isso, consegue determinar processos.

Assim, as propostas de autoria do Legislativo seguem o trâmite seqüencial e são

atropeladas pelas propostas de urgência do Executivo. E nas propostas do Legislativo é

possível verificar uma atrofia desse Poder no encaminhamento das demandas sociais. De

fato, esse tem sido um recurso muito mais de parlamentares individuais, o que enfraquece a

negociação de suas propostas no plenário. A forma de articulação dos parlamentares só

contribui para um círculo vicioso desse processo, já que a opção dos parlamentares é de

atuar principalmente de forma individual, mesmo que respaldados em demandas sociais ou

de grupos específicos.

Ou seja, se o Executivo concentra poder, o Legislativo usufrui dele porque pouco

contribui para uma mudança concreta no cenário de negociação no Congresso. O processo

político que tem no Legislativo o vocalizador de projetos imprime mais lentidão do que o

que o Executivo lidera, refletindo uma forma ainda pouco madura das instituições no

processo democrático.

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99

CAPÍTULO 4 - AS POLÍTICAS DE SAÚDE NO EXECUTIVO – 1990-2002

“Resta então um longo e difícil caminho a sertrilhado a partir do discurso destrutivo e intransigentetradicional, para chegar a um tipo de diálogo mais “amistosopara com a democracia”. Para os que quiserem empreenderessa jornada pode ser valioso conhecer alguns sinais deperigo, tais como os argumentos que são de fato engenhocasconcebidas especificamente para impossibilitar o diálogo e adeliberação.” (Albert Hirschman, 1992: 140).

A trajetória de constituição do setor da saúde no Brasil remonta a uma política

segmentada com setores e lógicas institucionais diferenciadas, advindas da saúde pública e

da medicina previdenciária. No processo de reforma sanitária e na implementação do SUS

na década de 90 e ainda nos dias atuais, essas lógicas se produzem, reproduzem e se

transformam compondo diferentes formas de atuar do Executivo, estando mais ou menos

afinados com a postura do Executivo Presidência da República.

Identificamos pelo menos três formas do Executivo Saúde nesses doze anos de análise

da política e que merecem um detalhamento86. Um Executivo Saúde expressão da

burocracia técnico-institucional, caracterizado tanto no modo de atuar da saúde pública

como da medicina previdenciária e que está mais ou menos afinado às propostas de reforma

instituídas com o SUS; um Executivo Saúde Reformista (chamaremos Executivo Sanitário)

que tem como principal característica aliar o discurso técnico ao ideal político de

construção do SUS e, por fim, um Executivo Saúde Presidência (chamaremos Executivo

Presidência) que coloca-se em plena harmonia com o projeto político mais geral do

governo situação e que alia discurso técnico e poder político para propor suas ações.

Nesses três Executivos temos em comum a lógica de construção da política a

partir de argumentos tecnicamente fundados e um papel atuante do Executivo federal

na condução da política, o que também é expressão de uma trajetória específica do setor

86 Na segunda parte deste estudo detalharemos como esses Executivos se apresentaram em cada gestão de governo.

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100

saúde e do próprio Estado brasileiro. Vejamos como cada um desses Executivos se

configurou e como define as ações políticas para a saúde.

O Executivo Saúde é o mais facilmente identificado e o mais enraizado na lógica

institucional dos serviços de saúde e na burocracia de uma maneira geral. Trata-se do

Executivo que se constituiu historicamente com projetos políticos para a saúde fundados

em lógicas bastante díspares de compreender a saúde – a saúde pública e a medicina

previdenciária.

A saúde pública delimitou desde seus primórdios uma trajetória voltada para a

resolução de problemas de caráter “coletivo” buscando a partir de ações abrangentes e

sistemáticas o controle de agravos à saúde da população. Essas ações estiveram desde

sempre embasadas em conhecimentos técnicos que se aperfeiçoaram no mesmo ritmo

de desenvolvimento da própria medicina 87. E o começo dessa política no Brasil

coincidiu com o interesse do Estado na construção de um país economicamente sustentado.

A economia dependia de uma mão-de-obra saudável, de ambientes saudáveis, de “produtos

saudáveis”. E a política de saúde pública implementada, desde então, visava controlar

espaços e pessoas a fim de garantir um mínimo de sustentabilidade econômica para o

Estado em formação. As políticas desenvolviam-se a partir do Estado e para o Estado,

definindo ações que deveriam ser cumpridas por todos os habitantes do país. Tratavam-se

de ações cientificamente delimitadas visando alcançar o maior controle possível sobre a

situação sanitária.

Essa lógica de atuação central e verticalizada, como hoje denominamos, aperfeiçoou-

se no desenvolvimento da saúde pública no Brasil e teve respaldo também na própria lógica

centralizadora que sustentava a política de Estado como um todo. O Ministério da Saúde,

as extintas SUCAM e Fundação SESP e a atual Fundação Nacional de Saúde, instituições

criadas no desenvolvimento da saúde pública, desenharam durante décadas, políticas que

afirmavam essa vocação “policialesca” e centralizadora do Estado.

87 De Oswaldo Cruz – ou mesmo antes - aos epidemiologistas da atualidade passaram-se algumas fases. Da teoriamiasmática, da unicausalidade das doenças, à História Natural e à construção social das doenças.

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101

Nos dias atuais, os resquícios dessa lógica institucional se afirmam nas ações de

campanha encabeçadas pelo Ministério 88 e na definição de Programas de Saúde a serem

cumpridos pelos municípios e estados. No entanto, a situação hoje é bem mais complexa

do que há cinqüenta anos ou mais. As ações verticais cumpriram um propósito de

organização sanitária que era compatível e eficaz com o tamanho da população e a

complexidade dos problemas. O próprio país limitava-se em áreas territoriais que

permitiam um maior controle da situação. Na atualidade, o alcance das políticas

verticais é bastante questionável e os problemas regionais são absolutamente

diferentes exigindo também ações e políticas diferenciadas. As ações centrais

efetivamente não alcançam as desigualdades existentes em todo o país.

A medicina previdenciária é outro segmento do setor saúde que deixou marcas

profundas na forma de organização da política de saúde brasileira. Sua história está datada

com o aparecimento das primeiras caixas de aposentadorias e pensões no início do Século

XX e constituiu-se numa política voltada para uma clientela específica da população que,

por efetuar contribuições sistemáticas e manter um vínculo de trabalho, passou a estar

beneficiada com um seguro para aposentadoria/pensão e saúde.

A política de saúde previdenciária ganhou status de política pública a partir da inserção

formal do Estado na sua gerência (anos 30), sofrendo reformulações durante todo o século,

ampliando clientela e constituindo um complexo de atenção à saúde de grande monta. As

diversas fases da medicina previdenciária, passando dos IAP’s, pelo INPS e INAMPS,

constituíram um arcabouço institucional que teve como características a definição de ações

para clientelas específicas com problemas de saúde também bastante específicos. A ênfase

estava na assistência médica propriamente dita e os recursos centralizados na definição

dessas ações. As ações da medicina previdenciária estavam reunidas nos grandes centros

urbanos, onde se localizava a maioria de sua clientela. Havia, assim, uma desigual

distribuição dos serviços de saúde pelo território nacional, favorecendo ainda mais a

centralização decisória.

88 Nos últimos anos e especialmente no governo FHC – Serra assistimos a uma intensificação dessa política comCampanhas de toda ordem – além das clássicas Campanhas Vacinais, Campanha da Catarata, Hipertensão, Diabetes,Varizes, Câncer de Colo e tantas outras.

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102

Essa pequena retomada histórica indica uma característica comum entre as

instituições de saúde: a de centralização decisória das políticas de saúde e de uso de

uma cultura tecnocrática para o enfrentamento dos problemas de saúde da população.

No entanto, os objetivos e estratégias de composição dos modelos assistenciais de cada uma

das instituições (MS e INAMPS) configurou-se de modo bastante diferenciado e quando da

unificação do sistema de saúde com a proposta SUS o enfrentamento dessas lógicas

institucionais explicitaram conflitos, como:

Conflito 1 – integrar uma lógica institucional para a composição de um modelo

assistencial único quando clientelas, objetivos e estratégias para alcançar saúde em cada

uma dessas instituições era bastante diferenciado.

Conflito 2 – descentralizar o processo decisório e os recursos quando a lógica de

ambas as instituições estava pautada na centralização, no controle de todo tipo de recurso e

na determinação das prioridades de política para todo o território.

O enfrentamento desses conflitos é ainda a grande tarefa do Executivo no processo de

implementação da política do Sistema Único de Saúde.

Em relação com o Executivo Saúde estão ainda os dois outros Executivos identificados

– o Sanitário e o Presidência.

O Executivo Sanitário se desenvolve a partir da inserção no governo, especialmente

na primeira fase da Nova República (1985/1987), com a participação de integrantes do

chamado “movimento sanitário”89, tanto no INAMPS como no MS. O Executivo Saúde e

o Executivo Sanitário se misturam e o que confere especificidade ao Executivo

Sanitário é a postura política e as propostas de reforma institucional que propõe em

estreita relação com as diretrizes da reforma sanitária.

Também o Executivo Sanitário fundamenta suas propostas em argumentos técnicos e

incorpora/apóia uma decisão política se ela está minimamente em acordo com o projeto de

reforma. Na realidade, a reforma sanitária está fundada numa crítica à dicotomia das ações

de saúde (preventivo/curativo) e na exclusão e segmentação da clientela (previdenciária/não

89 Ou como preferimos denominar “frente sanitária”. Detalharemos essa discussão na Parte 2.

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103

previdenciária), propondo a definição de prioridades para a política a partir de diagnósticos

precisos das necessidades em saúde, fundados em estudos epidemiológicos e com vistas a

um planejamento das ações de saúde a serem implementadas. Assim, esse Executivo

guarda contribuições tanto da saúde pública como da medicina previdenciária mas delimita

um novo espaço institucional para dar conta da política universal, igualitária e integral.

Nesse ponto, incide a principal característica desse Executivo: ele é reformista.

Pelo fato da reforma e seus adeptos apresentarem pontos de baixo consenso, é possível

identificar no Executivo Sanitário variações no encaminhamento das propostas. Um

exemplo concreto desse fato tem sido a diretriz da descentralização. Na Nova República

existiam divergências entre os reformistas se a reforma deveria se implementar “por cima”

ou “por baixo”, a partir do MS ou a partir dos Escritórios regionais do INAMPS. E na

década de 90, a estratégia da municipalização foi encabeçada por um grupo dos

reformistas ao mesmo tempo que outra parte do grupo tecia severas críticas à política

adotada.

O Executivo Sanitário não perde de vista a proposta de reforma mas como está

imbricado nas ações do Executivo Saúde também se encontra amarrado aos

encaminhamentos burocrático-institucionais que sustentam o setor. No decorrer dos

anos 90, o Executivo Sanitário se expressou de forma bastante pontual tendo tido um

momento de auge nos anos do governo Itamar (93/94), na rearticulação do próprio

movimento no contexto político desse governo. A atuação do Executivo Sanitário se

concretiza de forma indireta na participação nos fóruns colegiados gestores e de

participação popular, especialmente no Conselho Nacional de Saúde.

Sobre o Executivo Presidência associado ao Executivo Saúde, é possível identificar

sua atuação nos diversos momentos da política, desde a formação do Estado brasileiro.

Mas, especialmente, a partir da redemocratização, quando o setor saúde passou a ser visto

como um espaço privilegiado de poder, não só por reunir políticas que mobilizam a opinião

pública mas também porque há uma quantia considerável de recursos envolvidos com o

desenvolvimento desse setor90. Nesse sentido, há uma interferência constante da

90 Os números que expressam o tamanho desse complexo empresarial no Brasil na atualidade podem ser verificados naParte I do livro “Radiografia da Saúde”, organizado por Negri e Di Giovani (2001).

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Presidência nos projetos a serem encaminhados pelo setor e isso se expressa tanto “para o

bem como para o mal” no desenvolvimento da reforma. Nos anos FHC, o Executivo

Presidência esteve francamente aliado ao Executivo Saúde e imprimiu sua marca de forma

efetiva na política, utilizando-se igualmente do argumento técnico para convencer os pares

na definição de uma ou outra proposta, como pretendemos demonstrar.

Essas linhas iniciais sobre cada um desses Executivos atuantes no setor saúde só serão

realmente compreendidas quando olharmos para as políticas implementadas pelo Executivo

nos últimos anos. Para tanto, fizemos uma opção de análise a partir das regras

produzidas pelo Executivo para a condução da política. Reunimos o conjunto de

portarias ministeriais apresentadas durante todo o período, considerando as portarias e

resoluções dos órgãos que se colocaram como responsáveis na condução da política de

saúde num sentido mais abrangente – sistema de saúde – ações de saúde. Portanto: GM

(relativas às diretrizes para o sistema), INAMPS, SNAS/SAS, SE, SPS, DECAS (conjuntas

com a SAS). Há nessa opção um recorte que retira da análise as portarias de alguns órgãos

específicos do MS, como a vigilância sanitária (SVS e ANVISA), a FUNASA ou a ANS91.

Essas áreas têm produzido um quantitativo significativo de portarias e só não foram

analisadas por uma opção metodológica de focar nas áreas que têm historicamente

conduzido de uma forma mais abrangente as políticas de saúde. Assim, apesar de enunciar

os outros setores do MS como parte integrante da burocracia da saúde, atenho-me a falar

apenas de uma parte dessa burocracia, a que mais vem interagindo no processo político

decisório das políticas de saúde, a área da assistência à saúde92.

A análise a partir das portarias executivas

As portarias ministeriais são importantes instrumentos de regulação de políticas e

visam, principalmente, definir instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos

aprovados no Legislativo93.

91 Deve-se considerar também que algumas áreas ou órgãos surgiram muito recentemente, como a ANS, e sóapresentaram portarias nos últimos anos de corte desse estudo.92 Essa opção metodológica denuncia a fragmentação da condução da política de saúde e acaba por reafirmar essacondição. Um estudo que aprofundasse as demais regulamentações é fundamental para se avançar na análise da política.93 Na CF 88, artigo 87, define-se como competência do Ministro de Estado, além de outras atribuições, a elaboração deinstruções para execução das leis.

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Como um instrumento do Poder Executivo, as portarias existem para operacionalizar a

política, torná-la concreta, efetivar o que foi debatido no processo de construção de uma lei.

Assim, tratam de temas mais específicos e seu processo de negociação e construção tende a

ser mais ágil, pois, restringe-se a uma arena de negociação própria.

No contexto da saúde, as portarias têm assumido um papel de grande destaque, não só

pelo quantitativo de documentos apresentados nos últimos anos94, mas principalmente pelo

forte poder de indução e definição da política setorial, regulando questões fundamentais

para a organização do sistema de saúde e, em especial, para a descentralização.

Por esse motivo, também, as portarias têm sofrido severas críticas dos mais diversos

grupos que interagem com o setor saúde e, em especial dos gestores estaduais e municipais

e do Conselho Nacional de Saúde (CNS). A principal crítica apontada é que as

portarias têm desconsiderado aspectos importantes das leis, instituindo novas regras a

todo instante, modificando leis e refazendo pactos políticos, sem uma participação

ampliada dos segmentos interessados, como a Comissão Intergestores Tripartite (CIT) e o

CNS.

Assim, as portarias estariam atuando muito mais como um instrumento de

concentração do poder decisório no Ministério da Saúde, do que como instrumento para a

operacionalização da política. Tal crítica se acentuou ainda mais desde a última gestão de

governo, com o Ministro Serra (a partir de 1998), quando o número de portarias editadas

quintuplicou, gerando uma fragmentação da política e a pouca visibilidade dos rumos

tomados.

Nesse sentido, uma análise das políticas de saúde a partir das portarias editadas que

buscaram regular a organização do sistema e a assistência à saúde pode nos ajudar a

compreender melhor o papel que esse instrumento exerce nesse setor e se de fato tem

contribuído ou não para uma centralização decisória no Executivo Federal Saúde.

94 Apenas em 2002 foram apresentadas 1331 portarias, considerando apenas aquelas que tratam do sistema e organizaçãoda assistência.

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Além das portarias, existem outros mecanismos de regulação da política que são

utilizados pelo Ministério95 e que expressam as opções políticas de cada gestão podendo ser

utilizados numa análise da política, como os documentos oficiais do MS - planos de saúde,

relatórios de gestão, cartilhas de política, diagnósticos de saúde e outros. Esses

instrumentos foram analisados de acordo com a conveniência desse estudo, até mesmo

porque seu uso não se mostrou como uma constante.

As portarias da saúde – características gerais da produção

O quantitativo de portarias da saúde com o objetivo de regulamentar a política e a

organização do sistema aumentou de forma significativa a partir do ano de 1999, sendo

expressiva a participação das portarias da SAS no conjunto96, expressando o forte peso

dessa área no interior do Ministério da Saúde, como é possível verificar no quadro 9.

QUADRO 9 – PORTARIAS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE - 1990-2002ANOS GM SNAS/SAS INAMPS SE/SAS DECAS/SAS SPS/SAS TOTAL1990 46 10 2 0 0 0 581991 55 52 36 0 0 0 1431992 61 85 0 0 0 0 1461993 113 112 14 0 0 0 2391994 83 172 0 0 0 0 2551995 80 108 0 0 0 0 1881996 65 200 0 0 0 0 2651997 80 129 0 3 0 0 2121998 123 116 0 0 0 0 2391999 355 649 0 57 0 0 10612000 356 495 0 31 47 1 9302001 127 562 0 98 32 0 8192002 330 959 0 17 25 0 1331TOTAL 1874 3649 52 206 104 1 5886Fonte: Diário Oficial da União - Seção I (para o período 1990-1997). Site do Ministério da Saúde (para operíodo 1998-2002). Elaboração Própria.

Para visualizar as políticas desenhadas pelas portarias e compreender as razões para o

aumento expressivo desses documentos buscou-se reunir a produção por eixos temáticos.

Três grandes eixos tornaram-se evidentes no manuseio das portarias: o de financiamento, o

95 Machado (2002) apresenta como estratégias de regulação federal do MS adotadas no final da década de 90 além dasnormas federais e mecanismos e instrumentos financeiros, o apoio e capacidade técnica dos gestores e recursos humanospara o SUS, controle e avaliação de sistemas, serviços e práticas, financiamento de pesquisas, regulação de mercadosrelacionados à saúde, criação de estruturas de regulação da rede de serviços, dentre outros.

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de gestão e organização do sistema e da assistência e o de formulação e controle de

Programas ou ações verticais de saúde. Em cada um desses eixos foi possível

identificarmos sub-temas com atribuições específicas na regulação das políticas de saúde,

como especificaremos.

Nos doze anos de produção há uma diferença na forma de definição das políticas

inseridas em cada um dos três grandes eixos, o que também retrata o momento político-

institucional de cada governo ou gestão ministerial. Assim, a política de financiamento do

início da década de 90 é drasticamente diferente da política em meados da década 90 ou nos

anos 2000. O quantitativo de portarias apenas ganha sentido numa análise mais detalhada

das principais políticas desenhadas nesses documentos em cada período.

Nesse capítulo apresentaremos os principais movimentos dessa produção pelos três

eixos temáticos e, na Parte 2 da Tese vamos explorar com maior detalhe as principais

portarias editadas, sua relação com as políticas desenhadas no Legislativo, e a concepção de

política que as fundamenta.

Classificação das portarias nos eixos temáticos97

Financiamento

No eixo Financiamento estão inseridas as portarias que regulam a transferência de

recursos (sub-tema 1), relativas à definição e gerência de tetos financeiros98 e transferências

conforme habilitação dos estados e municípios99 e incentivos com recursos específicos para

Programas e Campanhas; e as portarias sobre os valores de tabelas e procedimentos –

remuneração para prestadores (sub-tema 2)100.

96 Além disso surgiram portarias conjuntas da SAS com outras secretarias do MS, como a SE, SPS e o Departamento deControle e Avaliação de Sistemas - DECAS.97 Para visualizar no conjunto a classificação das portarias nos eixos temáticos e as principais regulamentações em cadagestão ver o anexo 6.98 Os tetos financeiros para estados e Distrito Federal foram definidos inicialmente com relação à série histórica de gastose sofreram ajustes com a ampliação de ações e serviços, a introdução de mecanismos de financiamento per capita e dediversos incentivos vinculados, além de emendas parlamentares e outros. Para uma discussão mais detalhada dosmecanismos e instrumentos financeiros adotados especialmente ao final da década de 90 ver o artigo de Machado (2002).99 A habilitação de estados e municípios está atrelada a condições de gestão estabelecidas em Normas Operacionais daSaúde, como especificaremos a seguir.100 Ver quadro 10 no término desse tópico.

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As portarias de financiamento ocupam um lugar de destaque na política de saúde dada

a capacidade de indução das políticas pelas regras estabelecidas para o repasse dos

recursos. Essas portarias cumprem determinações dispostas nas portarias de

regulamentação do sistema onde persiste como principal estratégia a vinculação de

recursos a ações desenvolvidas. Esse tem sido um ponto de grande discórdia no processo

de reforma do setor saúde e que está diretamente associado ao processo de descentralização

da política.

No artigo 35 da LOS 8080/90 estava previsto uma série de critérios para a garantia do

repasse regular e automático dos recursos para estados e municípios (mais conhecido como

fundo a fundo), correspondente a um montante total de recursos e possibilitando a efetiva

descentralização financeira na área da saúde, com vistas a descentralização da gestão. Com

a não regulamentação do artigo e a indefinição de regras para o repasse101 foram

apresentadas novas propostas para regular a transferência de recursos. Os principais

instrumentos de regulação foram as Normas Operacionais da Saúde, sendo a primeira

Norma do SUS 102 apresentada em 1991, no contexto do governo Collor, quando se propôs o

repasse dos recursos a partir de critérios de produção dos serviços, convertendo-se os

gestores estaduais e municipais em prestadores de serviços.

Apesar de todas as críticas e debate sobre a inconstitucionalidade dessa proposta e dos

malefícios que trazia para a descentralização103, essa foi uma estratégia que se desenvolveu

no setor, tendo sido aperfeiçoada e modificada nas demais Normas apresentadas pelo MS

(NOB 93, NOB 96, NOAS 01 e 02). Nessas Normas se adotou a idéia de progressiva

habilitação dos estados e municípios para o recebimento dos recursos fundo a fundo e se

manteve atrelado o repasse de recursos a condicionalidades da gestão adquirida104.

A estratégia de repasse de recursos por metas, ações ou compromissos firmados

pelos estados e municípios junto ao Ministério da Saúde se sustentou e se sustenta

101 Apesar da tentativa de resgatar na lei 8142/90 a questão do financiamento, nesta também ficou pendente a questãosobre a transferência regular e automática dos recursos.102 A Norma não é uma invenção do SUS, existiram normas anteriores como a Norma que regulou o SUDS em 1987.103 Sobre o debate ver especialmente as edições da Revista Saúde em Debate dos anos de 1991 e 1992.104 Cada uma das Normas apresenta especificidades que não são objeto de análise neste estudo. Para uma compreensãodas políticas propostas nas Normas alguns textos servem de referência, em especial Lucchese (1996), com uma discussãomais específica para as Normas de 1991 e 1993; Levcovitz, Lima e Machado (2001), numa análise comparativa dasnormas de 1991, 1993 e 1996; e Souza (2001), com um resumo da NOAS 01.

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109

durante todos esses anos porque ainda existem dificuldades reais no processo de

descentralização política e decisória para as esferas sub-nacionais de governo, o que se

expressa em documentos oficiais e debates institucionais que tratam da questão105. Mesmo

no momento político de maior apoio ao processo de municipalização, como foi nos anos de

gestão Haddad-Mosconi-Carvalho (1993), a opção da descentralização impressa na Norma

de 1993 foi de gradativa passagem do poder para a responsabilidade para estados e

municípios. A principal justificativa pautava-se na imaturidade institucional e política dos

estados e municípios para assumir a responsabilidade na gestão dos sistemas com

perspectivas de conseqüências drásticas para a saúde da população se suas funções não

fossem cumpridas.

O outro lado dessa questão, pouco debatido ou explicitado, é o diagnóstico da

dificuldade do Executivo Saúde em construir um modo alternativo de fazer política

que não seja a forma indutora e concentradora de poder, com uma nítida herança de

gerenciar serviços, seja do modo de gerir do INAMPS ou do Ministério da Saúde pré-

SUS. As instituições que hoje compõem o MS sempre foram muito mais prestadoras de

serviço do que gestoras do sistema, o que nos faz acreditar que o gestor federal também tem

um problema de identidade, suas competências não estão claramente definidas e o papel

gestor da esfera federal ainda não foi discutido com profundidade106.

Dentro do eixo de financiamento o sub-tema que trata da transferência de recursos

ocupa um lugar central no processo de implementação das políticas, pois, é nessa área que

se exerce o poder de definir e de induzir a política. Por outro lado, como são portarias

específicas que regulam a transferência de recursos, muitas vezes, não passam por

discussões ampliadas ou mesmo mais aprofundadas sobre o que está sendo proposto,

diferente das portarias que tratam da regulamentação do sistema, onde se incluem as

Normas. Ou seja, as Normas como portarias que definem uma macro-estratégia de política

105 Ver por exemplo o documento “Descentralização das ações e serviços de saúde: a ousadia de cumprir e fazer cumprira lei” (Brasil/Ministério da Saúde, 1993).106 O artigo de Machado (2002) fornece algumas pistas de qual deveria ser o ponto de partida para uma discussão sobre opapel do MS como gestor do SUS, em especial quando especifica que o gestor federal deveria desempenhar sua funçãotendo em vista: i) assegurar o caráter nacional do SUS, garantindo em todo o país padrões que assinalem a existência deuma política nacional de saúde; ii) garantir os princípios do sistema nacionalmente, assegurando o caráter público do SUSe promover a eqüidade em saúde, levando em conta as imensas desigualdades estruturadas no país e com a realização deinvestimentos e adoção de outras providências para a melhoria de saúde da população (p.508-509).

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110

têm sido bem mais discutidas do que as portarias que regulamentam as estratégias previstas

nas Normas, tal fato possibilitou em alguns casos a mudança da estratégia acordada (como

ocorreu de forma drástica com a NOB 96). Esse tem sido um ponto de conflito entre o

gestor federal e os gestores estaduais e municipais, que reivindicam maior autonomia e o

cumprimento dos pactos estabelecidos no momento de formulação das Normas e demais

portarias de regulamentação do sistema.

Ocorre ainda que essa área do MS que trata de recursos, tetos, incentivos, valores de

tabelas e procedimentos (sub-tema 2), é ainda uma área de pouca discussão, onde os

parâmetros não estão claros ou postos sob a mesa, permitindo uma baixa intervenção dos

estados e municípios e mesmo das demais áreas do Ministério na sua formulação e

acompanhamento. Na questão específica dos valores de tabelas e procedimentos a

discussão é ainda mais difícil pois se refere a parâmetros técnicos e séries de gastos que

dificultam a compreensão desse processo.

As conseqüências mais visíveis da política de intransparência imposta nas

portarias de financiamento se explicita na relação dos estados e municípios com o

Ministério107, onde aqueles preferem manter sua parcela de recursos intocada e

garantir os recursos como prestadores de serviço e cumpridores das regras

estabelecidas. Uma posição bastante cômoda porque não exige uma revisão do quanto

gastam ou investem na saúde e mantêm a estrutura de poder já estabelecida, por isso tem

sido tão difícil fazer com que se discuta, por exemplo, tetos estaduais, porque discutir

significa rever quem ganha mais ou menos e redistribuir108.

Nessa questão insere-se ainda um debate maior sobre o financiamento do setor saúde.

Essa não é uma questão regulada nessas portarias mas que está implícita.

Primeiro, não se discute valores de tabelas e procedimentos porque esses valores não

podem ultrapassar alguns patamares, sua real revisão exigiria um incremento de gastos

107 Assim como da relação Ministério da Saúde e Legislativo, no tocante às emendas parlamentares ao orçamento da saúdee que garantem para algumas regiões e/ou estados diversos ajustes nos tetos financeiros, sem que isso esteja explicitado oumesmo negociado com os demais estados/regiões. Um estudo que se dedique a compreender apenas esta área e a formade relação executivo-legislativo a partir desse enfoque pode contribuir para uma análise mais precisa do setor saúde e dasamarras político-institucionais do projeto de reforma.

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111

neste setor, o que não tem se configurado como uma prioridade dos últimos governos.

Apenas na gestão Jatene (segunda gestão – 1995/1996) foi feita uma proposta de revisão

das tabelas, o que não teve apoio político e, portanto, não teve prosseguimento. As

revisões de tabelas processadas nos últimos anos servem bem mais como um

mecanismo de incentivo para uma política a ser implementada do que numa lógica de

mudança radical dos parâmetros estabelecidos para os procedimentos de uma

maneira geral, sem a discriminação de ações ou vínculo com Programas.

Segundo, porque a revisão de tetos financeiros e recursos para incentivos também

exige um maior aporte de recursos, é impossível discutir redistribuição se o que se propõe

redistribuir são misérias, que se diminuídas significa o sacrifício maior de uma ou outra

população, já sacrificada – nenhum secretário de saúde municipal ou estadual está disposto

a discutir seu teto quando o que já recebe não lhe garante o mínimo para sua população,

discutir o teto nessas circunstâncias corresponde a uma situação de suicídio político.

Associado a esse debate está a questão das séries históricas e dos parâmetros para a

definição dos procedimentos. A opção de se trabalhar com séries históricas de gastos e

fixar diretrizes para o repasse de recursos nessas séries também reafirma a desigualdade já

existente. As séries estão longe de expressar as necessidades e os gestores não têm outra

opção de discussão do que brigar pelo recurso mínimo para sua região. Aqui também se

expressa a força do argumento técnico, quer pelas normas que regulam e especificam a

forma de transferência do recurso, quer pelo critério que determina o valor de um

procedimento.

Como pano de fundo de toda essa questão está o pacto federativo, o projeto político de

Estado e o papel que ocupa a política social e de saúde nesse projeto – o modelo de

proteção social que se deseja constituir. As regras de repasse de recursos só poderão

ser modificadas se houver uma mudança nesse patamar de discussão. Isso nos dá

clareza para afirmar que não serão as pequenas mudanças propostas no bojo das portarias

de financiamento do MS que trarão conseqüências para a saúde da população ou para a

forma de organização do sistema. Que o fato dessas portarias terem sido muito criticadas

108 Essa discussão está também explicitada no Relatório do debate sobre a PPI da Assistência realizado em outubro de2002 na Escola Nacional de Saúde Pública onde estiveram presentes representantes do Ministério da Saúde (SAS/DDGA)

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112

nos últimos anos, especialmente pelo aumento expressivo de documentos produzidos a

partir de 1999, indica muito mais uma disputa de poder entre as três esferas de

governo do que a busca de uma estratégia para a materialização de uma melhora do

padrão da atenção à saúde 109.

Ou seja, o esforço de crítica às portarias poderia ser gasto numa análise crítica

dos parâmetros e regras criadas pelo sistema nos últimos anos, no que elas

reproduzem e o que de fato se deseja constituir como política de saúde .

Em 1998, o MS respondia por 54% dos recursos públicos em saúde. Neste mesmo ano

52,5% do total de recursos assistenciais foram transferidos “fundo a fundo”. Desde a

aprovação da EC 29, no ano 2000, estados e municípios se vêem obrigados a destinar mais

recursos para a saúde e têm um sério problema de caixa para gerenciar, porque lhes falta

recursos. Culpar o MS do não-feito e da concentração de recursos não resolve o problema

de caixa. Por outro lado, se não há uma transparência do processo decisório nas regras

sobre a transferência de recursos com a participação ativa das três esferas na definição das

regras, há uma grande possibilidade de se excluir grupos – menos articulados e/ou mais

carentes do acesso aos parcos recursos. Nesse ponto incide uma questão importante para

análise.

De fato, nos últimos anos, o quantitativo de portarias que regulam a questão do

financiamento e o repasse de recursos da esfera federal aumentou muito, sem uma

discussão prévia nas instâncias que têm a função de formular, controlar e acompanhar o

SUS (CIT e CNS)110. Essas portarias introduzem mudanças na forma de organização do

sistema que são de difícil apreensão ou percepção no momento em que são apresentadas111.

Por outro lado, como são portarias que, na sua grande maioria, atrelam incentivos de

financiamento à adoção de determinadas políticas e práticas pelos gestores estaduais e

municipais, passam a ser incorporadas por estes sem uma discussão mais coerente com os

princípios a serem construídos no SUS.

e da Secretaria Estadual de Saúde do RJ (Lima e Baptista, 2003).109 A questão do poder político atrelado ao setor saúde nos permite compreender um pouco melhor a complexidade dessesetor e como o argumento técnico sustenta uma rede de poderes dificultando a construção de uma outra política, que prezepela universalidade, integralidade e eqüidade do acesso à saúde.110 Explicitado em uma moção de desagrado do CNS frente à prática do MS (Moção 05/1999).111 Especialmente considerando a diversidade de municípios e de secretários de saúde no país.

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113

Quando realizamos a revisão das portarias de financiamento dos últimos doze anos, foi

possível verificar a importância que esse eixo tem como estratégia de regulação do sistema

durante todo o período, com um quantitativo constante de portarias – variando de 25 a 35%

do total (ver quadro 10). As inflexões perceptíveis nesse quantitativo estão relacionadas a

um aumento no número de portarias sobre valores de tabelas e procedimentos, no período

de 1991 a 1994, e na de transferência de recursos, nos anos de 1993 e 1994, e o aumento

colossal de portarias relativas à transferência de recursos e em menor número nas portarias

sobre valores de tabelas e procedimentos, a partir de 1999. As explicações para essas

variações podem ser atribuídas a:

- mudanças nos valores de tabelas e procedimentos nos anos de 1991 e 1992

associadas às regras propostas pela NOB 91, com ênfase no pagamento por

produção;

- nos anos de 1993 e 1994, tanto tabelas de procedimentos como regras de

transferência são resultado da edição da Norma Operacional Básica de 1993 e a

criação de incentivos para as condições de habilitação de estados e municípios

(como: FAM, FAE e principalmente a definição de tetos e incentivos financeiros).

- a partir de 1999 como resultado da reorganização da política proposta na Norma de

1996, reformatada a partir de 1998 (muito recurso para Programa mas também

tetos e incentivos financeiros).

A principal diferença entre os períodos e as portarias editadas esteve no quantitativo de

documentos que se produziu, denunciando o uso excessivo dessa estratégia a partir de

1999. Os gestores passaram a se ressentir com a apresentação constante de novas regras

para repasse dos recursos, o que os impossibilitava de acompanhar ou mesmo interferir nas

propostas apresentadas pelo Ministério, tendo como principal problema o fato de que essas

portarias muitas vezes rompiam pactos estabelecidos e se impunham como política (mesmo

os representantes desses gestores que acompanham esse debate mais de perto na CIT se

ressentem da forma como tem se dado o processo decisório nessa área). Como essas são

portarias que definem os recursos financeiros para estados e municípios adotou-se uma

postura pouco cooperativa – não se discute o teto financeiro dos estados; ou mesmo uma

postura condescendente – garante-se os recursos para quem cumpre as regras.

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114

QUADRO 10 – PORTARIAS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE – 1990-20021990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

1 – Financiamentoa) Transferência de recursos 10 7 11 53 48 15 31 19 16 277 233 219 250b) Tabelas e Procedimentos 7 47 44 67 41 6 22 20 52 108 74 50 98Total Financiamento 17 54 55 120 89 21 53 39 68 385 307 269 3482 – Gestãoa) Regulamentação do Sistema 4 45 12 22 21 8 8 9 18 21 65 45 24b) Organização da estrutura 11 6 5 12 12 3 13 10 1 6 12 1 1c) Regulamentação de Rotinas 2 3 22 18 26 39 56 40 38 122 77 44 96d) Habilitações 0 0 0 0 18 6 24 1 37 42 185 9 31e) Licitações/Cadastro 0 1 29 38 59 43 81 53 50 468 228 296 615Total Gestão 17 55 68 90 136 99 182 113 144 659 567 395 7673 –Programas/Dias/Campanhasa) Instituição 5 1 1 1 6 1 3 4 5 4 4 5 9b) Reformulação e controle 10 11 6 6 1 1 2 1 1 0 7 96 175Total Programas 15 12 7 7 7 2 5 5 6 4 11 101 1844 – Outras 9 22 16 22 23 66 25 55 21 13 45 54 32Total Outras 9 22 16 22 23 66 25 55 21 13 45 54 32TOTAL 58 143 146 239 255 188 265 212 239 1061 930 819 1331

Fonte: Diário Oficial da União – Seção 1 (no período de 1990 a 1997). Site do Ministério da Saúde (noperíodo de 1998 a 2002). Elaboração própria.

Gestão

No eixo gestão estão reunidas as portarias de regulamentação do sistema (sub-tema 1),

organização da estrutura (sub-tema 2), regulamentação de rotinas (sub-tema 3), habilitações

(sub-tema 4) e cadastro/licitações (sub-tema 5). São portarias que definem as regras gerais

do jogo e que por isso mesmo são mais amplamente divulgadas. Cada um dos sub-temas

tratados apresenta especificidades e merece uma análise igualmente específica.

Sub-tema 1: na regulamentação do sistema estão as portarias que definem as Normas

Operacionais, as que especificam estratégias para a descentralização, as que tratam do

planejamento e funcionamento de comissões e as que estipulam regras para o controle e

avaliação do sistema, dentre outras. Nesse conjunto, as portarias que apresentam as

Normas Operacionais têm sido as mais amplamente discutidas e as que têm gerado também

maior controvérsia.

As Normas se tornaram no processo de implementação do SUS importantes

instrumentos de regulação do sistema especialmente pelo fato de estabelecer as regras

para a transferência de recursos e imprimir um forte caráter indutor do MS, e em

especial da SAS, no processo de descentralização. Também nesse sentido se dá a

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115

principal crítica a esse instrumento: a Norma, como indutora da descentralização pelo

financiamento, fortalece uma relação tutelar do MS com as demais esferas de governo, que

se porta menos como parceiras na construção do SUS e mais como prestadoras de serviços.

Essa crítica bastante contundente especialmente à Norma de 1991 tornou-se o principal

aspecto negociado nas Normas subseqüentes, com uma clara determinação para a

construção de um processo efetivo de descentralização, o que implicaria a transferência de

recursos fundo a fundo para estados e municípios.

Mas a questão da descentralização mostrou-se bem mais complexa do que o

simples repasse do recurso. A estratégia de indução da política pelo financiamento se

respaldava numa compreensão relativa à imaturidade institucional e política de estados e

municípios para assumir a responsabilidade de gestão. Nesse sentido, a elaboração da

Norma de 1993, apesar da participação efetiva de representantes do movimento

municipalista e ardorosos defensores da descentralização com ênfase na municipalização,

também logrou definir condições de gestão de caráter progressivo para dar

encaminhamento à descentralização, assumindo a dificuldade na implementação do repasse

automático de recursos para as esferas de governo, sem ter destes um compromisso

explícito na condução da reforma. De outra forma, essa Norma estabeleceu uma relação

mais direta entre o nível federal e o municipal e estabeleceu uma condição de gestão (semi-

plena) que previa o repasse automático dos recursos fundo a fundo112.

Na mesma linha de raciocínio, buscando promover e consolidar o pleno exercício por

parte do poder público municipal e, redefinir as responsabilidades dos estados, distrito

federal e União no processo de descentralização, foi elaborada a proposta da NOB 96, que

operacionalizada a partir de 1998, após a apresentação de portarias complementares e

substitutivas dos termos da NOB113, deu início a um processo de habilitação de estados e

municípios às novas condições de gestão, que previam uma intensificação do repasse

automático de recursos. A operacionalização da NOB 96 significou em um ano o repasse

regular e automático de recursos para 5049 municípios e 2 estados (situação em dezembro

de 1998). Em dezembro de 2000, 60,7% do percentual total de recursos assistenciais era

112 Para uma comparação das NOBs e instrumentos propostos ver Levcovitz, Lima e Machado (2001).113 No capítulo 9 detalhamos a discussão sobre as mudanças implementadas na NOB 96 a partir das portarias apresentadasdesde 1997.

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116

transferido “fundo a fundo”, com 5450 municípios recebendo recursos de forma regular e

automática114.

No processo de operacionalização da NOB 96 utilizou-se como estratégia a edição de

novas portarias que não só modificavam a proposta da Norma como estabeleciam um rumo

diferenciado na implementação da política. Essas portarias não passaram pelo mesmo

processo de discussão da Norma e estabeleceram uma forma de condução da política

própria a esse período.

Voltando ao quadro 10, é possível perceber um aumento no quantitativo de portarias

relativas à regulamentação do sistema a partir de 1998. Nesse conjunto estão as portarias

que modificam a Norma e que criam regras para a descentralização. Também em outros

anos (como 1991, 1993 e 1994) as portarias de regulamentação do sistema cresceram

numericamente mas nesses anos não se observou a edição de portarias que visavam

modificar as regras estabelecidas nas Normas ou outras portarias, mas, a criação de

Comissões e outras formas de controle e avaliação para contribuir para a organização geral

do sistema de saúde.

Outro lado da questão é que as Normas, apesar de referidas à regulamentação do

sistema, na prática se ativeram a regular a descentralização da assistência à saúde, uma

parte do sistema, deixando de lado um conjunto de ações de saúde de igual importância

para a garantia do direito à saúde, como as vigilâncias. Apenas a NOB 96 buscou definir

uma proposta e incentivos para uma articulação com as demais áreas, mesmo assim, a

estratégia não obteve sucesso no processo de implementação. A radicalização da prática de

regular a descentralização da assistência à saúde e não do sistema se deu com a

apresentação das Normas Operacionais da Assistência à Saúde (NOAS 2001 e 2002), onde

se assumiu que as Normas regulavam a questão da assistência quando se estabeleceu

critérios específicos para essa política. Nesse sentido, as NOAS merecem um capítulo a

parte de análise que possa abordar os prejuízos e ganhos dessa estratégia, que parece,

à primeira vista, fortalecer a fragmentação decisória na saúde ao mesmo tempo que

reifica o poder da Secretaria de Assistência à Saúde no contexto do Ministério.

114 Dados do Ministério da Saúde – SAS e SPS apud Levcovitz, Lima e Machado (2001).

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117

Dentre as portarias da saúde, as Normas são as mais discutidas, ocupando as agendas

de reuniões das comissões intergestores, conselhos de saúde e seminários/oficinas. A

discussão das Normas possibilitou na última década um amadurecimento dos gestores

dos três níveis de governo sobre os problemas e desafios a serem enfrentados na

construção do SUS, mas, configura-se num problema quando o que é amplamente

discutido e pactuado sofre reformulações sem uma revisão da discussão prévia.

Surgindo assim novas regras que reformatam questões estabelecidas nas Normas e que não

passam por uma análise dos grupos envolvidos.

O quantitativo de novas regras passou a se expressar de forma excessiva a partir de

1998/1999 que impossibilitou o acompanhamento e, principalmente, o debate mais

sistemático sobre as questões apresentadas. Ou seja, se as Normas ainda expressam uma

tentativa de pactuar e negociar o processo político entre as esferas de governo e

representações sociais e de classe, as demais portarias servem como um instrumento de

poder valioso, onde o principal ator é ainda o gestor federal.

Sub-tema 2: as portarias de organização da estrutura definem as mudanças processadas

na estrutura do Ministério – cargos, funções e secretarias -, normalmente acompanhadas de

uma legislação no Congresso Nacional (decreto ou lei). Em alguns momentos a mudança

na estrutura significou uma transformação concreta na forma de condução da política

proposta pelo MS, em outros momentos foram mudanças incrementais apresentadas. Os

principais marcos de mudança na estrutura serão apresentados na análise da política na

Segunda parte da Tese.

Sub-tema 3: as portarias que definem a regulamentação de rotinas estão atreladas a

organização dos fluxos e práticas gerenciais do sistema. São portarias de forte

argumento técnico e que foram bastante utilizadas nos anos de gestão Jatene (1996) e

na gestão Serra/Negri (1998/2002) – dois momentos onde a gestão técnica prevaleceu.

Na gestão Jatene significou principalmente a construção de critérios para o

estabelecimento de repasse de recursos e o estabelecimento de regras explícitas para um

melhor gerenciamento do sistema, na perspectiva de habilitar o gestor estadual e municipal

no planejamento e programação das ações de saúde. Nesse período ainda era incipiente a

organização dos fluxos de informação, alimentação de banco de dados e outras rotinas que

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118

respaldam o planejamento, sendo esse um diagnóstico da equipe gestora do Ministério, que

intencionalmente passou a promover o debate para a construção de rotinas no sistema.

Na gestão Serra/Negri o enfoque esteve bem mais na normatização de procedimentos

(criação e limites) e rotinas para novas ações, programas e processos de habilitação que

foram implementados durante a gestão. O número de portarias cresceu proporcionalmente

ao número de propostas elaboradas, especialmente relativas às políticas específicas.

Também aprofundaremos as principais políticas traçadas nessas portarias nos capítulos que

abordam esses dois momentos de gestão do MS, na Parte 2.

Sub-tema 4: as portarias de habilitação surgem como produto do processo instalado pela

edição das Normas Operacionais e a definição de condições de habilitação. Quando a

destacamos das demais é possível perceber com bastante clareza o ritmo instalado no

processo de habilitação dos estados e municípios. De 1994 a 1997 as habilitações se

referiam às condições de gestão previstas na NOB 93, enquanto no período 1998-2002

referem-se às condições apresentadas na NOB 96 e NOAS. As portarias habilitam em

bloco e por isso não retratam o quantitativo de municípios e estados que alcançaram

condições de gestão em cada período.

Sub-tema 5: as portarias de cadastro/licitações referem-se a todo tipo de autorização,

credenciamento ou descredenciamento para o funcionamento de unidades e serviços -

define que hospitais estão autorizados ao tratamento da AIDS, a realizar transplantes,

cirurgias cardíacas, e outros procedimentos; quais são os Centros de Referência; credencia

centrais de captação de órgãos, além de cadastrar outros serviços.

Essas portarias cresceram muito (ver quadro 10) desde a aprovação em 1997 da lei

9434, que dispõe sobre a remoção de órgãos e tecidos, exigindo o cadastro em todo o Brasil

de Centrais de captação e hospitais para a realização dos transplantes, além da política de

incentivo na alta complexidade também a partir de 1998, levando ao cadastro de unidades

para a realização de procedimentos complexos.

Dentre as portarias do Ministério, essas são as que mais denotam o resquício de

uma função gestora advinda do antigo MS e INAMPS, que como prestadores de serviço

mantinham o controle das unidades e dos serviços ofertados.

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119

Denota ainda a concentração decisória no MS na alta complexidade , responsável

por 12,5% do gasto com assistência hospitalar no SUS 115. Numa lógica de descentralização

do sistema e na busca de uma definição clara das funções gestoras do sistema com vistas a

manter um padrão de política em todo o território nacional e respeitando os princípios

estabelecidos na CF88, é preciso que haja uma revisão sobre os benefícios de se manter

esse tipo de decisão no MS, especialmente considerando ser essa uma função redistributiva

do MS no contexto do SUS.

Programas e Ações Verticais em Saúde

O terceiro grupo de portarias especifica a instituição, reformulação e criação de

mecanismos de controle dos Programas e outras Ações verticais em saúde. Durante todo o

período surgiram portarias mantendo essa prática, o que também revela uma forma de atuar

bastante própria de instituições de origem do SUS. É possível verificar o peso atribuído a

essa política nos últimos anos do período analisado (2001 e 2002), quando muitos

Programas foram retomados e reformatados. Na definição de incentivos financeiros fica

também nítida a prioridade dessas ações no conjunto de políticas propostas, com um

conjunto expressivo de portarias que definem incentivos e transferência de recursos para

Programas – destaca-se no conjunto o Fundo de Ações Estratégicas e Compensação

(FAEC), criado em 1999 com o objetivo de financiar ações estratégicas definidas pelo

Ministério da Saúde116.

Outras portarias

Existe ainda um conjunto de portarias que tratam de temas diversos, revogando ou

anulando outras portarias, retificando dotações orçamentárias, estabelecendo a realização

de Conferências específicas e outros. São importantes mas exigiriam uma análise muito

mais pontual, com acompanhamento sistemático de cada portaria editada e modificações

propostas.

115 Ver www.saude.gov.br/sas/ddga/Documentos%20Técnicos/default.htm, disponível em 27/8/2003. ApresentaçãoFinanciamento do SUS.116 A estratégia do FAEC será aprofundada no capítulo 9.

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120

As portarias segundo a autoria

Outra forma de analisar as portarias é identificar a autoria dos documentos. No caso

trata-se de especificar se advém do Gabinete do Ministro, Secretaria de Assistência à

Saúde117, INAMPS ou Secretarias que publicam em conjunto com a SAS (o que surgiu a

partir do final da década de 90). As inflexões nas temáticas tratadas por cada um desses

órgãos também denota um momento político-institucional específico.

Nos três primeiros anos da década (90-92), o Gabinete do Ministro definia questões

para a regulamentação da transferência de recursos, organização da estrutura, Programas de

trabalho e Campanhas, numa lógica de acompanhamento e definição das políticas a serem

implementadas. A SNAS tinha como atribuição o acompanhamento, a definição das

tabelas de procedimentos e o estabelecimento de regras para o repasse de recursos. O

INAMPS, recuperando poder institucional, especialmente a partir de meados do ano de

1990, regulamentava os Sistemas de Informação ambulatorial e hospitalar, as rotinas

preconizadas para o processamento de dados, inclusive apresentando a primeira Norma

Operacional da Saúde do SUS 118. Além disso, cabia ao INAMPS toda atribuição para o

cadastro e autorização de hospitais e unidades para a realização de procedimentos. A partir

do ano de 1992, a SNAS passou a incorporar gradativamente as funções do INAMPS e,

portanto, regular as questões que estavam sob sua responsabilidade, o que constituiu um

novo formato institucional para a Secretaria de Assistência à Saúde.

Uma inflexão importante no ano de 1993 significou a retomada do Gabinete do

Ministro na condução da política, especialmente na definição das regras para a

transferência dos recursos e na regulamentação do sistema, um exemplo desse processo foi

a apresentação da nova Norma Operacional (NOB 93) pelo Gabinete e não mais pelo

INAMPS. Desde então, as portarias do Gabinete expressam uma função de regulação do

sistema, enquanto a SAS assume o papel de operacionalizar as políticas propostas, com a

definição de critérios, rotinas e outros.

A partir de 1999, o quantitativo de portarias da SAS quintuplicou por duas razões já

apresentadas: 1) os Programas e ações desenvolvidas pelo Ministério exigiram o cadastro e

117 Antes de 1993 denominada Secretaria Nacional de Assistência à Saúde (SNAS).

Page 121: 203-Tatiana Wargas Baptista

121

autorização de novas unidades, como no caso dos transplantes; 2) surgiram novos

incentivos financeiros atrelados às políticas formuladas durante o período, tanto no que diz

respeito à instituição de novos programas, como na definição de ações estratégicas (como

no caso do Fundo de Ações Estratégicas e Compensação).

Assim, apesar do papel da SAS compreender a operacionalização de políticas definidas

pelo Gabinete, essa secretaria retomou um grande poder institucional na definição de

incentivos e rotinas 119. Outras secretarias passaram também a editar portarias em parceria

com a SAS, como a Secretaria Executiva e a Secretaria de Políticas.

A subdivisão de responsabilidades nas diversas secretarias fragmenta o processo

decisório e as portarias conjuntas apenas expressam as ações combinadas. No caso das

portarias da SE/SAS, o principal alvo de regulamentação foi a área de programação e uso

dos recursos (repasse de incentivos) e a definição de procedimentos e inclusão na tabela de

procedimentos.

Uma área de amplo domínio técnico e poder institucional que passa a ter um

acompanhamento mais sistemático da Secretaria Executiva a partir de 1997/1998,

também expressando uma mudança na lógica do Ministério que passa assumir a

importância do argumento econômico e do controle estrito dos recursos alocados. E

os departamentos da SAS que passam a editar documentos, como o Deptº de Controle e

Avaliação de Sistemas (DECAS), inserem-se num momento específico da política, quando

passa a ser necessário o acompanhamento e regulamentação dos Planos de Saúde.

As portarias em destaque

As políticas implementadas em cada período/governo quando analisadas no conjunto

permitem uma compreensão abrangente da política mas não expressa a quantidade de

mudanças ou encaminhamentos processados.

118 O fato do INAMPS ser o órgão a apresentar a NOB foi contestado no período. Ver o artigo de Carvalho (2001).119 Vale lembrar que nem o Ministro, nem o Secretário Executivo eram médicos. O Secretário de Assistência à Saúde eraa principal “autoridade médica” do MS.

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122

Um quadro síntese de todo o período pode ser apresentado (quadro 11) mas veremos

nos capítulos da Parte 2 da Tese que são portarias menos conhecidas que, de fato,

expressam as mudanças processadas em cada período120.

QUADRO 11 – Desenvolvimento da Política de Saúde no Brasil – 1990-2002ANOS Ministros Principais Políticas Implementadas

1990-92 Alceni Guerra(90-91)

José Goldemberg(interino)

Adib Jatene(1992)

Jamil Haddad(1992)

Portarias específicas sobre a política de financiamento do INAMPS (tetos mensaisde AIH, critérios para aplicação da UCA)

Regulamenta a implantação do SIH/SUS e SIA/SUSNorma Operacional 01/91 – ênfase no financiamento – SIH/AIH e SIA/UCA comomecanismos exclusivos de remuneração dos serviços de saúde (inclusive públicos)

Norma Operacional 01/92 – reedição da NOB 91

1993-94 Jamil Haddad(92-93)

Saulo Pinto Moreira(interino)

Henrique Santillo(93-95)

Norma Operacional 01/93 – ênfase na descentralizaçãoPortarias sobre a transferência de recursos a partir das condições de gestão, sobreos tetos financeiros dos estados, regulamentação dos fundos de apoio a estados e

municípios

1995-96 Adib Jatene(95-96)

José Carlos Seixas(interino)

Portarias diversas para regulamentação de rotinas – planejamento e programaçãoProjeto REFORSUS

Diversos programas: PSF/PACS, suplementação alimentar, redução damortalidade infantil, comunidade solidária e outros.

Norma Operacional 01/96 – descentralização e reorganização da atenção básicaRede Integrada de Informação para a Saúde (RIPSA)

1997 Carlos C.Albuquerque(97)

Institui Programas e Dias Nacionais de Prevenção e combate a determinadasdoenças – diabetes, surdez, reumatismoPortarias de regulamentação da NOB 96

Projeto REFORSUS1998-2002 José Serra

(98-02)Barjas Negri

(2002)

Novas Portarias com a regulamentação de aspectos do processo de habilitação daNOB 96

Regulamentação do Piso da Atenção Básica (PAB) – definição do PAB fixo evariável, além de outros mecanismos de financiamento específicos para as ações de

vigilânciaProjeto VIGISUS

Definição do Fundo de Ações Estratégicas e Compensação (FAEC)Norma Operacional da Assistência à Saúde (NOAS 2001 e 2002)

Diversos Programas (instituição e reformulação): Saúde Ocular e Prevenção daCegueira, Mortalidade Materna, Medicamentos Excepcionais, Carências

Nutricionais, Saúde Bucal, Saúde da Família, Combate ao Câncer de Colo,Combate a Obesidade, Combate a Asma, Campanha Nacional de Mutirões de

Cirurgias Eletivas, Programa de Humanização no pré-natal e do Parto, Controle dadengue e outros.

Implementação do Sistema de Informação sobre Orçamentos Públicos em Saúde(SIOPS)

Fonte: Elaboração própria a partir da análise das portarias executivas editadas no período e documentosministeriais.

120 No Anexo 2 apresentamos as portarias selecionadas por ano.

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123

Constatamos a partir do quadro-síntese que:

1) as Normas assumem um papel de destaque no processo de construção e

desenvolvimento do SUS, tendo se configurado durante todo o período como a

principal estratégia para a regulamentação da política;

2) as portarias relativas à questão do financiamento perpassam todo o período e estão

também intrínsecas em outras políticas, como no Projeto REFORSUS, na

implementação do SIOPS ou mesmo na definição dos Programas de Saúde, denotando

a importância da temática;

3) no ano de 1997 há um retorno da lógica de constituição dos Programas verticais de

Saúde para a definição de ações de controle e combate específico de algumas doenças;

4) a introdução de um mecanismo de financiamento – FAEC - em 1999 com o objetivo

de desenvolver e subsidiar ações consideradas estratégicas para o governo federal,

reforça a ênfase já dada nas ações programáticas e na política de indução pelo

financiamento. Dentre as ações estratégicas estão aquelas voltadas para grupos

populacionais prioritários e para a ampliação de acesso dos usuários do SUS aos

procedimentos com grande demanda reprimida, como as cirurgias eletivas (próstata,

varizes, catarata, etc.); e novas ações programáticas, como a humanização do parto, a

triagem neonatal e a assistência ao portador de deficiência e ao portador de

transtornos decorrentes do uso de álcool e drogas121.

5) a política de assistência à saúde predomina em todo o período e mostra-se de forma

ainda mais enfática a partir de 1998/1999, acentuando a fragmentação do processo

decisório na saúde e a reafirmação do poder institucional da área da assistência. A

divisão da assistência na atenção básica e na média e alta complexidade é um outro

fator que reforça a fragmentação na condução da política, inclusive no contexto da

assistência.

121 O FAEC também destina-se a ações de alta complexidade (transplantes, AIDS, TRS, Cirurgias, etc.), define incentivospara estimular a parceria com o sistema público ou a realização de ações assistenciais e na composição da CentralNacional de Regulação da Alta Complexidade (Brasil/Ministério da Saúde, 2002b).

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124

O Conselho Nacional de Saúde

O Conselho Nacional de Saúde exerce no contexto do SUS um papel de grande

destaque tendo sido regulamentado como uma instância cuja função é formular estratégias e

controlar a execução da política de saúde (Lei 8142/90)122. Ou seja, um híbrido de

Executivo e Legislativo 123 onde cabe tanto a atribuição de proposição de políticas como a

de acompanhamento e controle das ações implementadas. Mas, de fato, a instância

Conselho, reformatada com o SUS, não é nem Executivo nem Legislativo, mas um órgão

que pretende colaborar na função executiva ao mesmo tempo que acompanhá-la/controlá-

la, sem o prejuízo das atribuições do Poder Legislativo124. Mais do que isso, como uma

instância que garante a participação da sociedade de forma paritária e tem a pretensão de

dar voz aos grupos sociais.

Essa questão é importante em nosso estudo porque o CNS exerceu durante todo o

período analisado um papel fundamental na intermediação dos interesses dos grupos sociais

e na interlocução entre o Legislativo e o Executivo, ao mesmo tempo, garantindo o debate

democrático e antecipando discussões que passaram a ser objeto de regulamentação nessas

instâncias. Dessa forma, a análise dos documentos produzidos pelo CNS expressou outros

elementos da política-institucional em cada gestão e que não se evidenciaram na análise das

portarias executivas ou dos documentos legislativos.

O universo de documentos analisado abrangeu o período de 1995 a 2002, conforme

apresentado no quadro 12. Desde o ano de 1998, recomendações e moções passaram a ser

apresentadas, e as deliberações surgiram a partir de 2001. Assim, o que antes se expressava

no conjunto de resoluções apresenta-se nesses períodos de uma forma mais nítida

122 Além do Conselho Nacional de Saúde deliberou-se na nova legislação a constituição de Conselhos nos demais níveisde governo (estaduais e municipais) definindo-se essa nova instância como um órgão colegiado, de caráter permanente edeliberativo, composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários (Lei8142/90), tendo os usuários uma participação paritária em relação aos demais segmentos.123 O Conselho Nacional de Saúde é uma instância criada no Estado brasileiro desde 1937 (Lei 378 de janeiro/1937) massua função até 1990 (DEC 99438/90), quando reestruturado no âmbito do SUS, era de um órgão técnico de caráternormativo. Seus membros eram eleitos, direta ou indiretamente, pelo Poder Executivo, o que lhe conferia uma funçãoexecutiva. Na década de 70, no contexto de formulação e consolidação do Sistema Nacional de Saúde (SNS), o Conselhoexerceu um papel atuante tendo por objetivo “examinar e propor soluções para problemas concernentes à promoção,proteção e recuperação da saúde e elaborar normas através de suas câmaras técnicas, sobre assuntos específicos a seremencaminhados à apreciação do Ministro de Estado” (www.conselho.saude.gov.br).124 A Conferência de Saúde é uma outra instância colegiada prevista no SUS que visa avaliar a situação de saúde e propordiretrizes para a formulação da política de saúde. As Conferências de Saúde (nacional, estadual, municipal) estão

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125

possibilitando perceber a capacidade de resolução do CNS frente ao MS. Isso porque

muitas resoluções apresentadas no período anterior a 1998, na verdade, expressavam mais

recomendações, moções de desagrado ou de apoio e não respaldavam de fato o processo de

formulação ou não exerciam o controle sobre as políticas acordadas.

Mesmo assim, o conjunto de documentos analisado expressa o papel atuante do CNS

no acompanhamento das principais políticas implementadas e nas propostas que estão

sendo discutidas no âmbito do Executivo em todo o período. O Conselho tem discutido

desde questões que falam da regulamentação do sistema, como uma NOB, o PAB ou os

valores de tabelas de procedimentos, até questões que se restringem a determinadas

políticas específicas – saúde da mulher, saúde do índio, saúde mental e outras.

QUADRO 12 – Documentos Publicados pelo Conselho Nacional de Saúde – 1995-2002Anos Resoluções Deliberações Recomendações Moções1995 30 - - -1996 33 - - -1997 56 - - -1998 22 - 12 031999 07 - 17 062000 09 - 08 062001 06 06 26 052002 05 09 29 05Total 168 15 92 25

Fonte: Site do Conselho Nacional de Saúde – www.conselho.saude.gov.br. Elaboração própria.

No caso das políticas específicas, o CNS tem exercido um importante papel não só no

acompanhamento das propostas mas principalmente na formulação de políticas. Nos

últimos anos, o Conselho constituiu Comissões de trabalho que acompanham e formulam

propostas em diversas áreas contribuindo de forma efetiva no seu desenvolvimento, como

no caso da discussão sobre a política de saúde mental, saúde do índio, saúde da mulher,

saúde do trabalhador e outras áreas temáticas125. As Comissões exercem um duplo papel de

interlocução, quer com os movimentos sociais que dão sustentação e reivindicam as ações

previstas para ocorrer a cada 4 anos tendo a representação dos vários segmentos sociais. Também as Conferências jáexistiam antes do SUS e foram reformatadas no contexto dessa nova política para a saúde.125 Ver anexo 3 com os principais documentos produzidos pelo Conselho ano a ano. É impressionante a quantidade dedocumentos e discussões produzidas pelas Comissões temáticas e o nível de detalhamento de algumas áreas, confundindoalgumas funções que seriam do Executivo ou do Conselho. Apenas para dar um exemplo, uma resolução de 1997determina que a SAS proceda estudos para a inclusão de procedimentos com alternativas de atendimento na área de saúde

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126

em áreas específicas, quer com o Legislativo, na assessoria parlamentar, interferindo com

documentos e subsídios para a discussão ou moções de apoio ou repúdio e outras formas de

expressão.

A interlocução com o Legislativo é uma outra característica marcante do Conselho,

que tanto gera demandas de projetos de lei, como acompanha projetos em discussão no

Congresso126. Algumas das principais políticas regulamentadas nos últimos anos se

fortaleceram nas discussões no Conselho, numa relação direta com o Legislativo e com os

movimentos sociais, como a questão da política de medicamentos genéricos, discutida e

aprovada nos anos de 1997 e 1998 no Conselho e aprovada como lei no ano de 1999; outro

caso exemplar de participação do Conselho no debate legislativo está expresso na

definição da proposta de mais recursos para a saúde - EC29. Curiosamente após a

aprovação da Emenda foi o Conselho que liderou a discussão sobre a regulamentação da

nova lei e definiu as diretrizes para aplicação da EC29. No âmbito do Executivo as

diretrizes aprovadas no Conselho foram reafirmadas numa portaria de 2002 (GM 2047/02).

O Conselho exerceu seu papel de formulador frente a um Executivo inerte e pouco

interessado no encaminhamento dessa proposta127.

Mas a função propositiva ou mesmo de controle do Conselho também parece se

exercer dentro de alguns limites. A velocidade propositiva do órgão gestor tem imposto,

especialmente nos últimos cinco anos, um ritmo muito acelerado ao processo decisório e

difícil de ser acompanhado – é de se esperar que o gestor tenha esse ritmo, afinal ele

tem que responder rapidamente a problemas/necessidades que se apresentam no dia-

a-dia -, mas tal fato colabora para que o Conselho exerça um papel muitas vezes tardio na

definição de algumas propostas, o que tem se dado em questões que normalmente

demandariam uma revisão dos acordos, como na temática da transferência de recursos e

incentivos para estados e municípios.

mental. Atente-se para o fato que as políticas específicas mobilizam movimentos sociais e uma tecnoburocracia, que setornam aliados dos Conselheiros na disputa para a definição de diretrizes para as áreas.126 Em 2001 o Conselho apresenta uma deliberação (003/2001) criando um Grupo de trabalho permanente paraacompanhar projetos de lei de interesse para a saúde. Na realidade, uma prática que já se exercia no Conselho por meiodas Comissões de trabalho.127 Um exemplo do desinteresse do governo federal no encaminhamento da EC29 está expresso na moção 004 de 2001 doConselho que exige o cumprimento da CF88 e da integralidade da EC29.

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127

Nessa discussão, o Conselho se expressa em desagrado aos encaminhamentos dados

pela SAS e GM, com a publicação permanente de portarias sem a adequada participação da

CIT e CNS (moção 005/99) e recomenda que as portarias relativas à gestão e

regulamentação do SUS, que tratam de alterações na forma e montantes de repasses

financeiros e modelo assistencial, sejam discutidas e pactuadas na CIT e submetidas ao

CNS, previamente às publicações, nos termos da legislação em vigor (RC 13/99). Ou seja,

os temas de interesse dos gestores e também dos conselheiros para o acompanhamento da

política e das prioridades estabelecidas, seja regionalmente, seja na definição dos valores de

procedimentos, tabelas ou tetos, não tem sido alvo de uma discussão sistemática pelo

Conselho, que também denuncia a incipiente participação da CIT128.

Na realidade, o Conselho tem apresentado queixas constantes nos últimos anos quanto

à forma de encaminhamento do Ministério da Saúde para algumas políticas, como no caso

da regulamentação dos Planos de Saúde, que foi amplamente discutida no Conselho, num

diálogo constante do Conselho com o Legislativo; ou com relação às portarias editadas sem

aprovação do CNS, modificando pactos estabelecidos e definidos em lei.

A definição do papel e função dos Conselhos de Saúde no contexto do SUS respondia

a uma das principais reivindicações do movimento sanitário: a democratização e

transparência no processo decisório. É inegável que nos últimos doze anos se conquistou

maior transparência e participação dos diversos segmentos no processo decisório, mesmo

com todas as dificuldades enfrentadas na formação dos Conselhos; mesmo que ainda haja

conflitos sobre as funções a serem exercidas pelos conselheiros e o que cabe aos Poderes.

No documento produzido pelo Conselho no ano de 2002 sobre o desenvolvimento do

Sistema Único de Saúde (Brasil/Ministério da Saúde/Conselho Nacional de Saúde) é

interessante verificar como o CNS apresenta uma agenda de desafios que facilmente

poderiam ser tomados pelo gestor do SUS. O diagnóstico é técnico e desenvolve

argumentos técnicos como indicativos para a definição de uma política.

128 Um argumento possível para a não discussão dessa temática no Conselho poderia estar relacionada ao carátereminentemente técnico que envolve a temática dos recursos mas o fato da CIT não discutir a questão denotaria umproblema. Como esse é o ponto de vista do Conselho, seria necessário um estudo que aprofundasse como tem sido essedebate na CIT, o que não foi objeto desse estudo.

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128

Iniciamos essa seção retomando o caráter híbrido do Conselho e a importância que

essa instância assume como vocalizadora das demandas sociais. Assim, mais do que

argumentos técnicos que refutem ou afirmem as diretrizes de governo adotadas, é

fundamental que o Conselho consiga ser uma instância de contraponto ao estabelecido e

que questione a política com a perspectiva de contribuir para a construção do SUS em seus

princípios.

Nesse sentido, as discussões e encaminhamentos das políticas específicas apresentadas

pelo CNS têm contribuído de forma bastante efetiva na construção do SUS. Quanto às

discussões sobre as questões mais gerais sobre a regulamentação do sistema, a

descentralização, o financiamento e a regulação dos Planos reforça o debate e diretrizes

propostas pelo Executivo, sem uma efetiva contribuição do Conselho. Na Segunda Parte da

Tese retomaremos as contribuições do CNS durante o período.

A título de síntese

A análise das portarias executivas a partir de uma proposta de classificação nos

permitiu avançar numa compreensão da forma de atuação do Ministério da Saúde nesses

doze anos. O que percebemos da ação do MS são ainda os resquícios de uma prática

centralizadora e vertical utilizando-se de instrumentos de indução política que muito mais

submetem os níveis sub-nacionais de governo às regras do sistema do que de composição

de uma política acordada e sustentada de saúde nas diversas realidades institucionais do

país e respaldada numa prática social concreta. Essa forma de atuar se reforça e se mantém

por uma postura também de acomodação das demais esferas de governo que ainda

percebem na relação de tutela com o MS a garantia de benefícios e recursos para dar

sustentação as suas políticas locais sem uma responsabilização maior de seus orçamentos

próprios ou o compromisso com uma agenda política mais extensiva. De fato, tem sido

mais fácil criticar o Ministério pela centralização decisória e indução financeira dos

recursos do que criticar os estados e municípios no esforço para a elaboração de políticas

locais condizentes com as necessidades de suas regiões.

Mesmo assim, extraímos da análise das portarias algumas conclusões gerais que

servem como ponto de partida para uma discussão mais específica das opções políticas de

cada gestão do Ministério da Saúde nos doze anos apurados.

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129

(1) as portarias têm servido como um valioso instrumento de poder reforçando o papel

concentrador do Executivo federal que edita portarias que tanto podem validar como

desfazer pactos estabelecidos em leis ou mesmo em outras portarias;

(2) o argumento técnico mascara uma opção política dos governos na definição das

diretrizes políticas para a saúde, como no caso do financiamento onde não se discute

de forma transparente os critérios para a definição dos valores de tabelas e

procedimentos e a definição dos tetos e incentivos financeiros;

(3) há um acordo implícito entre os gestores – federal, estadual e municipal – para a não

revisão dos parâmetros pois isso significaria uma perda de recursos e um debate real

sobre as opções políticas em torno de um modelo de proteção social e a reformatação

do pacto federativo;

(4) as portarias de regulamentação do sistema são de fato portarias de regulamentação da

assistência à saúde no seu sentido estrito, o que significa que todos os mecanismos

elaborados durante os doze anos fortaleceram apenas uma área do setor saúde,

reforçando a fragmentação decisória na saúde e impedindo a construção de uma

política de fato integral em saúde;

(5) o MS ainda detém o poder de áreas e procedimentos que poderiam ser

estrategicamente repassados para estados e municípios, mesmo que de forma

gradativa e na perspectiva de desatrelar do MS a função de prestação de serviços, o

que exigiria uma revisão das funções gestoras mais contundente;

(6) o papel que o CNS exerce no contexto das políticas de saúde precisa ser amplamente

discutido. Na prática sua função no controle e formulação das políticas específicas

tem sido muito mais eficaz e benéfico para o desenho das políticas do que para o

papel que tem exercido em relação às políticas de regulamentação do sistema e de

definição de rotinas.

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130

PARTE 2 - PROCESSO DECISÓRIO E IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS

PÚBLICAS EM SAÚDE – SOBRE A ESPECIFICIDADE DO CASO BRASILEIRO

“O texto constitucional não é senão um marco no processo maisamplo de políticas travadas na arena nacional, pelo menos desde adécada de setenta. A concepção de saúde como direito de todos noBrasil não é simplesmente uma abordagem tradicional, como pareceinsinuar aquele trecho do Banco Mundial. Ela, assim como oarcabouço institucional do SUS, deriva das reivindicações postaspelo movimento sanitário desde a década de setenta, quando, nocontexto da luta pela redemocratização do país, e da construção deuma sociedade mais justa, um conjunto expressivo de intelectuais emilitantes se engajou no esforço de construir uma crítica ao entãosistema nacional de saúde, às instituições de saúde, e às práticas desaúde então hegemônicas. Crítica que alimentou o sonho de umatransformação radical da concepção de saúde predominante, dosistema de serviços e ações de saúde e de suas práticas. Foi natentativa de realizar esse sonho que foram forjados os princípios ediretrizes que mais tarde seriam acolhidos no texto da Constituição”(Ruben de Araújo Mattos, 2001: p.40-41).

O que é o SUS após quinze anos de sua instituição legal? Como se chegou a esse

cenário? O que se mantém como imagem-objetivo para o processo político e, em especial,

para os que têm poder de decisão?

As interpretações realizadas são variadas. Identificamos os que percebem a política de

saúde implementada no Brasil como um movimento de resistência aos diversos momentos

de crise do Estado e de pressão sofrida pelo ajuste global, entendendo os avanços obtidos

(mesmo os não esperados) como uma conquista num cenário político e econômico adverso

e contrário às propostas de cunho mais social (Viana, 1997; Werneck Vianna, 1997; Fleury

et ali, 2000; Draibe, 2002) ; há os que reificam os dilemas da implementação, acusando

perdas significativas para o projeto de reforma do sistema de saúde que estariam

comprometendo sua evolução (Kornis e Rocha, 1996; Faria, 1997; Rocha, 1997), e os mais

otimistas que entendem o SUS como um processo e, como tal, sendo implementado frente

às amarras institucionais, políticas, culturais e econômicas que atravessam essa política

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131

(Lucchese, 1996; Levcovitz, 1997; Almeida et ali, 1999; Levcovitz et ali, 2001; Negri,

2002), como a qualquer outra.

Nesse debate estão intrínsecos juízos de valor que determinam o rumo mais ou menos

correto para uma ação política, onde cada um advoga, a partir do seu ponto de vista129, o

melhor encaminhamento para uma questão ou decisão política. Não importa saber se uma

diretriz proposta foi ou não implementada mas porque e como foi implementada. Essa

análise permite compreender por que algumas leis se implementam e outras não no cenário

político brasileiro e amadurecer um pouco mais a noção de política e processo decisório no

Brasil, especialmente, na saúde.

Antes de avançarmos o exame do processo político é importante resgatar os valores

que estão implícitos ao debate sobre essa temática, principalmente aos pré conceitos que se

apresentam quando a discussão envolve política.

Quando nos propomos a explicar o que é política, resvalamos, quase que

invariavelmente, em um terreno ardiloso e pouco defensável em termos concretos,

sobretudo, porque há uma tendência em se relacionar fatos escabrosos dos políticos, como

atos de corrupção, troca de favores, ações em proveito próprio e tantos outros, a práticas

usuais e inerentes de qualquer política ou político.

A política, no senso comum, está associada a uma prática negativa dos políticos e

bastante distante da realidade do cidadão, que se sente impotente diante dos

acontecimentos. Como se a política não fizesse parte da vida das pessoas, apesar de

interferir de forma concreta. Nesse sentido, para a população, as decisões políticas estariam

longe de expressar suas vontades e necessidades. Essa é uma percepção que predomina no

imaginário social brasileiro mas que também se aplica a outras realidades. De fato, a

política vive uma crise, inserida num contexto maior de crise - do Estado, da economia, da

solidariedade, das relações sociais... (Nogueira, 2001). Nesse sentido, refundar a política

é também condição sine qua non para a construção de um Estado democrático,

embora a política se aplique em qualquer situação, seja na democracia ou na ditadura

(Labra, 2002).

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132

Partimos do pressuposto que a política é inerente aos Estados, às pessoas e às

instituições; uma atividade mediante a qual as pessoas fazem, preservam e corrigem as

regras gerais sob as quais vivem, sendo inseparável tanto do conflito como da cooperação,

visto que, serão mediados valores e opiniões diferentes, necessidades concorrentes e

interesses opostos. A política como o motor e o filtro das relações sociais130, pois é

praticada em todos os contextos e instituições sociais, onde todo indivíduo tem, a princípio,

um interesse em disputa no processo político.

Portanto, a construção de uma política específica demanda negociação, num jogo onde

se barganha interesses131. Nas sucessivas fases de construção de uma política, seja na

apresentação das demandas, na formulação da proposta, na sua operacionalização ou na

avaliação do feito, haverá um processo dinâmico e constante de negociação, com

interferências diversas dos atores envolvidos132.

Por ser este um processo dinâmico e constante é muito difícil determinar quando se

inicia e quando se finaliza o processo de construção de uma política. Assim, mais do que

destacar os momentos que estão presentes no processo político, é importante considerar a

articulação e sobreposição entre eles, não importando saber se uma política está na fase de

formulação, implementação ou avaliação133, mas, compreender por que e como uma

política conquistou espaço no processo decisório e por que se implementou (com ou

sem sucesso) a partir de um determinado momento.

Nesse sentido, a contribuição de Kingdom (1995) para o estudo do processo político é

esclarecedora. O autor trabalha com a idéia de fases concorrentes e “janelas de

129 Recentemente Frei Betto apresentou uma discussão a esse respeito num editorial do Jornal O GLOBO, resumindo bem:“o ponto de vista é sempre a vista de um ponto” (O Globo. 100 dias de Lula. 09/04/2003).130 A compreensão da política como um filtro das relações sociais dá subsídios para análise dos Poderes no processopolítico brasileiro. Uma hipótese importante desse estudo é que o Poder Executivo Saúde tem funcionado como um filtrodas demandas setoriais com capacidade para isolar/afunilar o processo político e manter o poder e concentração decisória.131 No aspecto mais político do termo, a negociação evoca justamente o implícito, o não-dito e a habilidade do político demediar interesses e não necessariamente explicitar seu interesse. Um sentido é aquele que vê a negociação como umprocesso de diálogo e/ou composição feito com vistas a angariar a adesão de um ator (ou conjunto de atores) a uma certaproposta. Outro sentido, um processo pelo qual se dá o confronto entre interesses em disputa, incluindo a possibilidade denão diálogo e desqualificação dos outros. Agradeço esse comentário ao Professor Ruben, atento leitor dessa Tese.132 Assumir a participação de diversos atores no processo político e valorizar todo indivíduo como um ser político empotencial não significa ignorar que existem atores com maior poder decisório que outros. Também esse é um exercício deanálise da política e do Estado na qual se insere, já que a política será mais ou menos democrática de acordo com as leisque regem esse processo no Estado.

Page 133: 203-Tatiana Wargas Baptista

133

oportunidade” para explicar a entrada de determinados temas na agenda política. Um tema

surge em determinadas circunstâncias, após uma maturação do próprio processo político e

numa situação de aparente equilíbrio - “there is no new thing under the sun” –, numa

reconfiguração de elementos compondo novas propostas. Quando se abre uma janela de

oportunidade para a apresentação da proposta, ela já está negociada, pronta para ser

apresentada para um novo round de negociações134– “When the window opens, it is too

late to work up proposals from scratch: proposals must be ready long before that.”

(p.227).

O argumento é que uma política encontra espaço para articulação na medida que um

contexto político-institucional se conforma, ou seja, quando algumas condições são

alcançadas. Se assumimos isso como um ponto de partida, é importante conhecermos o

contexto que se insere uma política – e o contexto inclui ambiente político-institucional,

padrão econômico, social e cultural, atores e instituições. A origem e dinâmica de cada

problema e de cada política precisa ser reconhecida, não tanto para saber de onde vieram as

idéias mas principalmente para compreender por que algumas demandas foram

apreendidas, como se mantiveram em determinadas circunstâncias e transformadas

concretamente em políticas.

Por isso, conhecer o papel que o Estado exerce é fundamental. Os rumos tomados

por uma política devem ser avaliados a partir da prática de negociação dos governos e suas

escolhas, tanto materiais como morais. Ou seja, da capacidade das instituições de

governo 135 (consideradas pelos analistas verdadeiras caixas-pretas) de escutar as demandas

e aderi-las e, especialmente da habilidade das instituições no desenvolvimento de um

133 A literatura tem sido até bastante unânime em apontar a pouca aplicabilidade ou funcionalidade do uso das fases para oestudo das políticas, esse recurso enrijece a análise e não possibilita compreender os meandros de um processo decisório.Ver, por exemplo, Müller e Surel (1998, pp.28-32).134 Essa é uma idéia-força na análise do papel do Executivo Saúde frente ao Legislativo à medida que o Legislativo seposiciona no processo decisório muito mais num momento de formulação, enquanto o Executivo num momento deoperacionalização das propostas acordadas. No entanto, o que o estudo demonstra é que o Legislativo incorpora, nomomento de formulação, muito mais as propostas do Executivo do que as próprias e que o Executivo é reticente, nomomento de implementação, em operacionalizar propostas que vêm do Legislativo. As janelas que se abrem para uns nãosão as mesmas para outros. Há um diagnóstico de descompasso nessa relação e os momentos de formulação eimplementação se confundem porque o Executivo exerce na prática um papel cotidiano de formulador da política,negociando e renegociando as diretrizes a serem aplicadas.135 Na definição de Walt (1996), instituições de governo são instituições públicas cujas decisões levam a leis queinterferem na vida de toda a sociedade. É o parlamento, o executivo, a burocracia, os ministros e os departamentos deEstado (p.19).

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134

projeto político de Estado. Em uma democracia, as instituições de governo são mais ou

menos sensíveis às demandas do seu eleitorado e são as características que regem o Estado

que vão permitir maior ou menor abertura e influência de indivíduos e grupos no processo

decisório, determinando processos políticos mais ou menos democráticos136.

Se o processo político fala dos pactos estabelecidos pelos Estados, esses pactos

falam de trajetórias singulares que contam a história de cada nação. Nesse sentido, a

política pública é a expressão de um conjunto de disposições, medidas e procedimentos que

traduzem a orientação política de um Estado e regulam as atividades governamentais

relacionadas às tarefas de interesse público, atuando e influindo sobre a realidade

econômica, social e ambiental.

Um processo de negociação pode envolver um número maior ou menor de sujeitos,

instituições e recursos, o que variará conforme o regime de governo, com a visão que os

governantes têm do papel do Estado no conjunto da sociedade, e com o nível de atuação

dos diferentes grupos sociais (Bobbio et ali, 1995). Para Skocpol e Amenta (1986), os

Estados devem ser analisados em sua arquitetura para que se possa desvendar como sua

lógica e estrutura afetam o processo decisório das políticas sociais tanto no âmbito político

como administrativo – “both states and their policies are made and remade in a never-

ending flow of politics, and social scientists must ask questions and seek answers in ways

that respect such historicity” (p.152).

Nesse sentido é que a análise de uma política coloca em questão o próprio Estado,

pois, revela os princípios políticos e ideológicos que norteiam sua ação, a forma de relação

estabelecida com os grupos demandantes, o papel exercido pelas instituições públicas, as

práticas de governo instituídas e outras tantas variáveis que compõem essa complexa trama

que é a construção de uma política.

Na análise de uma política é preciso indagar: quem está envolvido com o sistema

político e quem toma as decisões? (o quanto democrático é o sistema?); como as decisões

tomadas são disseminadas? (trata-se de um sistema democrático ou autoritário?); o objeto

136 Trabalhamos com a idéia da extensão da democracia de modo a permitir a participação dos interessados nasdeliberações de um corpo coletivo, mais do que a afirmação de uma democracia representativa, a construção de umademocracia social, tal como apresenta Bobbio (1987).

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135

da política visa um sistema igualitário ou desigual? (qual o projeto de Estado que norteia as

ações políticas?).

Essas são questões fundamentais quando pretendemos resgatar a importância da

política e do processo negociado para a construção de uma democracia. Trata-se de um

mapeamento preliminar das opções do Estado e dos pactos estabelecidos para a construção

das políticas. Na trajetória de cada Estado o que podemos perceber são opções singulares e

que refletem a história e dinâmica de cada sociedade e Estado.

Seguindo esse raciocínio, podemos dizer que o processo de construção e

implementação do SUS tem sido um campo fértil para análise da política, seja pela

complexidade de ações e atores que reúne, seja pelos ideais políticos propostos a partir de

seu enunciado. Na realidade, há dois momentos diferenciados do processo de negociação

dessa política de saúde: um que antecedeu a Carta Constitucional de 88 que se inseriu num

contexto de redemocratização do Estado e de aliança de grupos societais em torno a esse

projeto maior; e, outro que se constituiu especialmente a partir de 90, com a política de

saúde institucional, legalmente firmada e o começo do primeiro governo eleito pelo povo,

num contexto maior de ajuste estrutural dos países.

A implementação da política no Brasil também trouxe à tona os impasses institucionais

do novo projeto e os complicadores esperados de qualquer processo político pois entre a

apresentação de um problema, a formulação de uma política e sua implementação há um

processo a se constituir que muitas vezes não garante a efetividade/aplicabilidade de uma

política.

O enunciado da política de saúde no Brasil quando colocado em prática exigiu a

revisão de instituições, direitos e compromissos políticos de muitas partes. Assim, o

processo político tornou-se muito mais complexo do que no momento de sua formulação

com muitos e novos atores entrando em cena 137, com interesses difusos e acentuando as

137 Quem é a clientela SUS nos anos 90? Não são os trabalhadores sindicalizados ou empregados de corporações fortes,pois esses migraram para os Planos e seguros privados ou corporativos (ver a discussão de Costa (1996b) sobre a agendasindical para a saúde e o artigo de Bahia (2001) sobre o mercado de planos e seguros privados de saúde no Brasil). Nomomento de implementação legal do SUS mantiveram-se algumas corporações, como as que atuam nas políticasespecíficas: saúde mental, AIDS, mulher, índios e outras, e que garantem também de forma específica o direito à saúde.A legislação aprovada nessa década é um forte indício desse argumento, como vimos na primeira parte desse estudo.

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136

disputas corporativas abafadas pelo próprio movimento reformista (como os trabalhadores,

contribuintes e beneficiários de um modelo de proteção próprio).

Na literatura especializada, a fase de implementação de uma política é destaque

justamente na tentativa de melhor compreender porque os governos são muito melhores

para fazer a legislação do que para efetuar as mudanças desejadas.

Hogwood e Gunn (1984) diferenciam as fases da política identificando características

próprias de cada fase com o intuito de aprofundar essa discussão e delimitar “brechas de

implementação” nos processos políticos. Para os autores, a fase de formulação destaca-se

por dois aspectos importantes e decisivos para o momento de implementação. O primeiro,

a tendência da fase de constituir uma base ampliada de negociação, que tem como

conseqüência o segundo aspecto da fase, a constituição de pactos políticos pelo alto, sem

uma especificação maior da política a ser implementada, ou dos pré-requisitos que a

sustentam.

Para Hogwood e Gunn, esse é um aspecto crítico do processo político com implicações

para o momento de implementação, já que, o que contribui para uma política não ser

implementada tem a ver diretamente com a quebra do pacto inicial no momento de

formulação da política, o que geralmente ocorre pela amplitude do pacto nesta fase. Uma

política não-implementada é uma política não encaminhada, seja por falta de cooperação

dos envolvidos, ineficiência ou por qualquer outro obstáculo intransponível para o grupo

em questão.

Se o resultado da negociação no momento de formulação de uma política é o desenho

de uma política ruim, com um diagnóstico impreciso e inconsistente da realidade política e

institucional, a chance de implementação dessa política é pequena. Mesmo assim, se a

política é “boa” mas a perspectiva de execução é ruim, pela falta de capacidade técnica ou

falta de recursos, também existirão problemas na implementação. Além disso, os autores

consideram que uma política está sujeita a circunstâncias externas muito adversas e que

desfavorecem a implementação da política (como o fator má sorte), o que não está

diretamente associado ao momento prévio de formulação da política.

O momento de implementação é de intensa negociação em que se vê realmente onde se

sustentam os pactos estabelecidos. Se o momento de formulação é um momento de

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137

grandes consensos, onde tudo é possível, é no momento da implementação que se vê a real

potencialidade de uma política, quem são os atores que a apóiam e o que cada um dos

grupos disputa de interesses. Ou seja, estabelecem-se novos pactos, agora com novos

atores, muitas vezes não participantes do pacto inicial de formulação mas que são no

momento de implementação os principais agentes de transformação da política. Ou seja,

tem início um novo processo decisório, uma nova formulação da política, agora voltada

para a sua aplicabilidade mais imediata e já não mais sujeita a intervenções ampliadas dos

grupos sociais que sustentaram a proposta previamente aprovada.

Por que isso ocorre? Pelo menos três razões podem ser elencadas: 1) baixo

compromisso dos políticos com o momento de implementação aceitando que lhes cabe o

ônus da formulação, do qual prestam contas; 2) uma divisão institucionalizada entre

aqueles que formulam e os que implementam uma política, sendo estes últimos capazes de

identificar os pontos-chave da operacionalização (conhecimento técnico); 3) a própria

complexidade do processo, que demanda um conhecimento sólido e prévio das múltiplas

variáveis que influem no processo político e que por mais controladas que sejam

apresentam também um comportamento independente, não linear138.

Quando analisamos o setor saúde fica bastante claro esse movimento e o processo

decisório se conforma a todo instante no jogo político, sendo inclusive o momento de

implementação bastante rico para a análise da construção de uma política pois nele se

efetiva um outro momento de formulação.

Enfim, o processo político caracteriza-se pela complexidade e dinâmica e tratá-lo exige

uma visão ampliada do conjunto de atores, instituições e práticas construídas sócio-

historicamente pelo Estado. Os temas tratados aqui refletem apenas uma pequena parte do

debate que permeia essa área e o intuito foi apenas mapear as principais contribuições dessa

discussão para a análise proposta nesse estudo139, permitindo aprofundar na discussão

específica da política pública de saúde, focando o Brasil.

138 Para essa discussão ver Müller e Surel (1998), Meny e Thoenig (1992), Walt (1996).139 Não realizamos um estudo aprofundado das diversas correntes de pensamento sobre o processo político, o que tem sidoobjeto de outros estudos. Essa é uma área de extensa produção e o debate é bastante acirrado entre as correntes depensamento.

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138

Assim, com o intuito de compreender as escolhas políticas processadas a partir do ano

de 90, nos propusemos identificar, nas políticas propostas pelo Legislativo e pelo

Executivo, as diretrizes de governo adotadas e pensá-las criticamente em relação aos

princípios que fundamentaram a proposta SUS. A pergunta norteadora para análise de toda

essa seção é: o processo político tem se pautado por uma imagem-objetivo clara? Como

essa imagem se constituiu nos diversos momentos da política de saúde brasileira?

A construção das políticas de saúde só será bem compreendida se olharmos os

interesses e formas de articulação entre atores e instituições, além do volume de recursos

que está em jogo, tais como: informação, domínio técnico, político e financeiro, mídia e

poder de organização, concepção política e estratégica do Estado, ampliando ainda mais a

percepção sobre a construção de políticas. Não é ao acaso que Walt (1996) afirma que para

se compreender as políticas de saúde é preciso olhar poderes, atores, influências e o próprio

papel exercido pelo Estado numa dada realidade, definindo: "health policy is about process

and power ... . It is concerned with who influences whom in the making of policy, and how

that happens" (Walt, 1996: p.1).

Nessa perspectiva, julgamos também ser relevante abordar o setor saúde no Brasil

colocando em questão: i) a cultura política e econômica estabelecida historicamente - o

padrão de relação Estado-sociedade e o padrão redistributivo; ii) a cultura institucional

arraigada, leis e regras de funcionamento e como essa cultura se aplica aos Poderes (em

especial o Legislativo e o Executivo) e ao setor saúde em específico; iii) a cultura social,

no padrão de participação social, quem são os atores que participam, como explicitam suas

demandas e quem as explicita.

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139

CAPÍTULO 5 - A ESPECIFICIDADE DA REFORMA SANITÁRIA BRASILEIRA

“Direito à saúde significa a garantia, pelo Estado, de condiçõesdignas de vida e de acesso universal e igualitário às ações e serviçosde promoção, proteção e recuperação de saúde, em todos os seusníveis, a todos os habitantes do território nacional, levando aodesenvolvimento pleno do ser humano em sua individualidade. Essedireito não se materializa simplesmente pela sua formalização notexto constitucional. Há, simultaneamente, necessidade do Estadoassumir explicitamente uma política de saúde conseqüente eintegrada às demais políticas econômicas e sociais, assegurando osmeios que permitam efetivá-las. Entre outras condições, isso serágarantido mediante o controle do processo de formulação, gestão eavaliação das políticas sociais e econômicas pela população.”(Brasil. Relatório Final da VIII Conferência Nacional de Saúde,1986).

O processo político está permeado por uma série de fatores que precisam ser

considerados na análise de uma política pública, pois, será o arranjo desses fatores que

configurará um quadro de maior ou menor complexidade na implementação de uma

diretriz. Nesse sentido, as políticas de saúde140 se apresentam nesse conjunto como uma

área de grande especificidade e complexidade. Ela específica porque fala da vida de

pessoas no seu sentido mais concreto, ou seja, da capacidade de promover ações que

garantam a vida e que possibilitem o bem-estar141. Ela complexa dada a quantidade e

qualidade de recursos (humanos, materiais, financeiros e outros) que mobiliza e, por

conseqüência, os interesses políticos, sociais e econômicos que implica.

A análise do processo político de construção e implementação da política de saúde no

Brasil traz ainda à tona a especificidade desse caso, que não só preza o direito à vida, o

140 Políticas de saúde assumindo que não existe uma política de saúde a ser analisada mas várias políticas que seimplementam dentro deste setor chamado saúde.141 Lida-se com vida e morte, qualidade de vida e acesso a recursos num cenário de acelerada inovação tecnológica edesenvolvimento biomédico gerando uma alta expectativa social com relação às ações de saúde possíveis para aprevenção e o tratamento das doenças. Para Freeman e Moran (2002), esse seria um argumento de sustentação para apolítica de saúde – o que denominam a dimensão de bem-estar – considerando a proteção à saúde como um bemfundamental de todo cidadão. Outros autores, como Deppe (2003) definem a saúde como um “bem humano” de forma arealçar a especificidade dessa política.

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140

acesso universal e igualitário à saúde e mobiliza interesses e recursos, mas, especialmente

porque constitui uma rede de relações própria do setor que se sustenta nas instituições de

ensino e pesquisa (em especial da saúde coletiva, com destaque para o papel exercido pela

Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO) e pelo Centro

Brasileiro de Estudos em Saúde (CEBES), como articuladores dessa rede institucional), nas

organizações constituídas pelos gestores estaduais e municipais em estreita articulação com

o Estado (como os Conselhos de Secretários estaduais e municipais de saúde - CONASS,

CONASEMS e COSEMS142), nos espaços de discussão e geração de consensos que

acompanham e formulam políticas para o setor (como os Conselhos de Saúde, as

Conferências de Saúde e as Comissões Intergestores bipartite e tripartite (CIB e CIT)143,

nas organizações sociais ligadas a movimentos sociais específicos (como o da mulher, da

AIDS, do índio, da saúde mental e outros), num conjunto de outras organizações

representativas dos interesses dos profissionais, prestadores e produtores do setor saúde

(como as associações, federações e confederações dos trabalhadores, prestadores de

serviço, as indústrias, e outras) ou de setores em relação com a saúde (como a educação,

habitação, saneamento, ambiente e outros), compondo uma complexa articulação de

interesses que se expressam em propostas concretas para a política de saúde.

A especificidade do caso brasileiro se afirma não apenas pelo conjunto de interesses

que mobiliza mas especialmente pela capacidade de articulação e pelo projeto político-

ideológico que norteia boa parcela dos grupos envolvidos144. O projeto de reforma do setor

saúde se constitui a partir dos anos 70 como resultado de uma ampla coalizão de

142 Respectivamente, Conselho dos Secretários Estaduais de Saúde, Conselho Nacional dos Secretários Municipais deSaúde e Conselho dos Secretários Municipais de Saúde. Esses Conselhos se constituíram na década de 80, em diferentesmomentos, e tinham como proposta representar os interesses dos secretários. Com o SUS, o CONASEMS e o CONASSgarantiram assento na CIT e CNS e os COSEMS nas CIBs e CESs, participando ativamente do processo decisório.143 Os Conselhos de Saúde, as Conferências de Saúde e as Comissões Intergestores são estruturas de caráter e funçãobastante diferenciados. Os Conselhos e Conferências de Saúde são instâncias colegiadas instituídas pela Lei 8142/90 como objetivo de concretizar a diretriz do SUS de participação da comunidade, como já detalhado no capítulo 4 da Parte 1.As Comissões Intergestores são instâncias de negociação entre os gestores das três esferas do governo e foram criadascomo estratégia para coordenar o processo de elaboração da política de saúde nos três níveis. Existem dois tipos decomissões intergestores: a Tripartite, atuante no nível nacional desde 1991, formada paritariamente por representantes doMS, dos Secretários Estaduais e dos Secretários Municipais de Saúde; as Bipartites, criadas a partir da NOB 93 e formadaparitariamente por representantes do governo estadual e representantes dos Secretários Municipais de Saúde.144 Expresso no lema “Saúde, direito de todos e dever do Estado”, apresentado na Oitava Conferência Nacional de Saúde,realizada em 1986 e, ainda constantemente citado nas rodas de discussão sobre a política. O direito universal à saúde éum ponto pacífico entre os grupos que defendem a reforma.

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141

sustentação socio-política, tendo a “frente sanitária”145 como uma liderança na formulação

e disseminação das propostas, voltada para o objetivo imediato de conquista dos espaços

institucionais para transformação das políticas de saúde do país e tendo como projeto maior

a construção de uma reforma setorial de cunho democrático e anti-fascista, como uma

estratégia para a derrubada do regime militar (Levcovitz, 1997).

Desta forma, a reforma sanitária brasileira nasce num contexto político de

redemocratização do Estado e configura uma bandeira de luta que imprime a idéia da

“reforma pela saúde”146. Ou seja, a idéia de que a revolução política da saúde

provocaria outras revoluções e transformaria o próprio Estado, configurando um

autêntico Estado de Bem-Estar Social147. Essa singularidade não é da política de saúde

mas da frente que a sustentou no Brasil. No contexto das Reformas de Estado na década de

90, olhando para os países vizinhos (América Latina e Caribe) e para as experiências de

reforma do Welfare na Europa, o Brasil desponta como uma realidade que resiste na

construção de sua política de saúde148 e que não cede tão facilmente às ondas de ajuste e

reforma estrutural, mesmo sofrendo as conseqüências do movimento global de restrição

orçamentária, cortes dos gastos públicos, restrição do papel do Estado, privatização e

outras. É sobre essa especificidade que estamos nos referindo.

145 A idéia de “frente sanitária” e não de movimento ou partido sanitário, como é usado na literatura da área, foiapresentada no estudo de Levcovitz (1997) com o objetivo de reforçar o esforço de coalizão dos grupos sociais envolvidoscom a discussão de saúde nesse período e o projeto político-ideológico que dava sustentação às propostas apresentadas,tendo no Partido Comunista Brasileiro (PCB) seu principal ponto de sustentação.146 Essa foi uma idéia que predominou no debate no momento inicial da reforma, mas, mesmo assim não expressava umconsenso pois havia diferentes projetos políticos de Estado entre os grupos reformistas. Na atualidade, o movimento éainda menos coeso e a compreensão da reforma já não mais se sustenta nesse argumento revolucionário. Para aprofundaro debate sobre os reformistas no processo de construção do projeto político ver Faria (1997).147 Talvez o ideário à época fosse mais de um Estado socialista do que de bem-estar na vertente social-democrata. Nessesentido, o autêntico se refere a capacidade de garantia efetiva do bem-estar pelo Estado e não necessariamente deconformação de um Estado nos moldes welfarianos.148 Alguns exemplos podem ser tomados como referência para a análise dessa “resistência” do projeto político de reformasanitária no Brasil, como: a garantia dos medicamentos para a AIDS, usando os recursos do BIRD e não aderindo àspropostas dessa agência de políticas de saúde com ênfase na prevenção; a consolidação mesmo que a duras penas do SUS,possibilitando a construção da política em muitas regiões e soluções inovadoras frente às diversas restrições que sesomaram na década de 90, especialmente de ordem orçamentária (ver Brasil/Ministério da Saúde, 2002); a própriamobilidade desse setor que problematiza a política e ações propostas nas comissões, conselhos, conferências e congressosespecíficos (o Congresso da Abrasco realizado no ano de 2003 recebeu mais de 6 mil trabalhos para avaliação sobre temasrelativos à saúde coletiva). Isso não quer dizer que a reforma sanitária brasileira seja imune às ondas de reformaneoliberal ou que o SUS não tenha problemas, ao contrário, veremos em outro capítulo que também esse setor foipermeável e sofreu as conseqüências dessa política e que o SUS encontra dificuldades diversas para sua implementação.

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142

Nesse capítulo propomos aprofundar a discussão sobre essa temática e, para isso,

recorremos à trajetória de construção das políticas de saúde no Brasil, aos acordos firmados

e aos impasses para a implementação da reforma, mesmo antes de sua legalização em 1988.

A pergunta-base desse capítulo é: como se constituiu o processo político na saúde

desde os primórdios da reforma e o que conferiu especificidade à reforma sanitária

brasileira?

A expansão dos movimentos reformistas e as primeiras transformações na trajetória da

política de saúde no Brasil - rumo ao direito à saúde

Se quiséssemos adotar um marco inicial para a reforma sanitária brasileira poderíamos

optar pela década de 70, especialmente pela segunda metade da década, quando algumas

condições políticas e institucionais favoreceram a expressão de movimentos reformistas,

bem como o desenvolvimento de um aporte teórico para a reforma e a definição de algumas

políticas sociais de cunho mais universalista.

Nos anos 70, a "abertura lenta, gradual e segura", instalada com o início do Governo

Geisel, em 1974, significou o despertar para uma realidade política, social e institucional

insustentável149. Os dez primeiros anos de ditadura haviam priorizado a política econômica

em detrimento da área social, contribuindo na constituição de um cenário de grande

desigualdade social e desgaste político.

Em meio a crise do governo e num cenário de transformações na economia mundial150,

com conseqüências drásticas para os países periféricos, o Brasil assim como outros países

da América Latina começaram a trilhar um novo percurso político na condução dos

Estados151, com propostas de reforma abrangentes para diversos setores. A área social se

149 O uso da palavra despertar é proposital, afinal haviam se passado 6 anos de “milagre econômico”, com um crescimentoacelerado da economia. Terminado esse ciclo e afetado pelas oscilações da economia mundial, o Estado passou a contrairdívidas de empresas e a configurar um verdadeiro “salto para o caos” em poucos anos (Tavares e Assis, 1985).150 A crise mundial vinha se agravando desde 1973, com o primeiro choque do petróleo e o fim do padrão dólar (Fitoussi,1995). Os reflexos dessa crise afetaram diretamente as políticas sociais tendo como principal argumento ainsustentabilidade da política de proteção social frente à situação de crise fiscal generalizada dos Estados. Um bom textoque situa esses argumentos é o de Freeman e Moran (2002).151 Vários países da América Latina e Caribe passavam por um momento de crise política nesse período, em grande parteassociado à crise dos governos autoritários. A crise política possibilitou a expansão de movimentos sociais, dentre eles asreformas sanitárias. Para conhecer um pouco mais a trajetória de reforma sanitária na América Latina ver a publicação deFleury, Belmartino e Baris (2000) e também o trabalho de Almeida (1997).

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143

inseria nesse contexto como a mais desgastada, tendo contado com um volume de recursos

e investimento aquém do esperado e necessário para se manter um mínimo de eqüidade

social nesses países152. Havia um discurso de retomada do investimento nesses setores,

assim como, uma preocupação da própria estabilidade da condução política.

No Brasil, esse cenário, significou, no âmbito do governo Geisel, a composição de

uma política de desenvolvimento153 que tinha como meta básica, dentre outras, a

formulação de estratégias de desenvolvimento social, buscando a integração e

interdependência das políticas estatais. Diferente dos governos militares anteriores, o

governo Geisel instituía uma política de Estado que selava o compromisso da conjugação

da política econômica e social154, promovendo uma política de empregos e salários,

qualificação da mão-de-obra e constituição de programas sociais abrangentes, como a

política de saneamento, habitação e saúde.

Consoante às diretrizes políticas do II PND foi adotada a estratégia de distensão e

abertura do governo militar, com o objetivo de manter a estabilidade através da construção

de uma determinada ordem social. Desta forma, as políticas sociais e o aparato

institucional serviam de mecanismo de normatização social, conforme já ocorrido no

funcionamento do estado populista, mantendo as corporações e os interesses de classe

incluídos no funcionamento cooptativo do Estado (Draibe et alli, 1989).

Por outro lado, o processo de abertura também possibilitou a expansão e expressão

gradativa dos movimentos sociais, até então, sob forte repressão e sem espaço para

vocalização das demandas. Com o renascimento do movimento sindical operário, com a

rearticulação do movimento estudantil, com a confluência de setores representativos das

classes médias (como a Ordem de Advogados do Brasil (OAB), a Associação Brasileira de

Imprensa (ABI) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), com a

posição crítica ao regime militar assumida pela Igreja (CNBB), e tantos outros movimentos

152 No Brasil, no início da década de 70, o diagnóstico era de grande precariedade com o ressurgimento de doenças jácontroladas e a disseminação de doenças associadas à pobreza e condições sociais em geral.153 II Plano Nacional de Desenvolvimento.154 Para aprofundar numa análise da política social no Governo Geisel ver Vater (1996). Outros autores identificam oGoverno Geisel como um momento de ruptura na condução da política de Estado – Fiori (1993), Draibe (1994), WerneckVianna (1994).

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144

sociais, o Estado se viu frente a demandas concretas de reformas na condução da política

estatal.

Na saúde, esse contexto significou a possibilidade de fortalecimento e expansão da

“frente sanitária”, que estabelecia sua base de apoio em instituições acadêmicas com forte

respaldo teórico155. O debate pró-reforma já se constituía no âmbito das instituições de

ensino e pesquisa que divulgavam estudos sobre as condições sociais e de saúde, com

críticas contundentes à condução política do Estado brasileiro. Constituía-se uma

intelectualidade própria ao setor saúde que se fortalecia mediante o maior investimento em

pesquisa no Brasil e a institucionalidade de um novo campo de conhecimento – a saúde

coletiva (Ribeiro, 1991).

Os integrantes do movimento sanitário eram também, em grande parte, integrantes do

partido comunista (PCB) e aliavam o interesse de luta pela democracia e derrubada do

regime militar ao projeto de construção de um Estado redistributivo e de bem-estar, o que

pressupunha a construção de um sistema de saúde universal e igualitário.

O cenário era de exclusão de uma boa parcela da população do direito à saúde, haja

vista o fato de que apenas uma parcela da população (o contribuinte da previdência e seus

dependentes156) ter garantido, nesse momento, o direito à assistência médica prestada pelos

serviços do Instituto Nacional da Assistência Médico-Previdenciária (INAMPS) e que os

serviços de saúde, do Ministério da Saúde, das secretarias estaduais e municipais, não

absorverem a demanda de atenção gerada pelo restante da população.

Não havia de fato se constituído, até então, no Brasil, uma política de Estado cidadã no

seu sentido mais abrangente; uma cidadania substantiva que desobrigasse qualquer espécie

155 Mesmo antes do processo de abertura política já existia um movimento de incorporação de idéias críticas ao modelo deatenção à saúde conformado no Estado brasileiro. Precisamente, desde os últimos anos da década de 60, algumasinstituições acadêmicas começaram a incorporar idéias e proposições críticas e transformadoras com relação às práticas eorganização do setor saúde no Brasil, absorvendo especialmente a contribuição das ciências sociais para a saúde. Esseprimeiro movimento surgiu nos Departamentos de Medicina Preventiva das Universidades e Faculdades paulistas (USP,UNICAMP, Ribeirão Preto, Botucatu e Santa Casa) e se expressou numa série de seminários (nacionais e internacionais),numa rede de estudos em torno a uma bibliografia teórica básica, constituindo um ideário e instrumental metodológicoque passou a ser divulgado com a denominação de concepção médico-social, em oposição ao ideário tradicional da saúdepública e ao ideário racionalizador da vertente cepalina. Na década de 70, com recursos da Fundação Kellog e OPS e, apartir de 74, da FINEP, outras instituições passaram a participar ativamente desse movimento (Faria, 1997).156 Segundo dados do Anuário Estatístico do Brasil (IBGE), a população economicamente ativa em 1970 eqüivalia a 27%da população, o que significava que havia um contigente significativo da população totalmente excluído de qualquermecanismo de proteção social.

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145

de vínculo com o processo produtivo e que reconhecesse o cidadão simplesmente pelo

valor que tem como membro daquela comunidade. Prevalecia a lógica de uma “cidadania

regulada”, tão bem caracterizada por Santos (1994), onde cidadão era aquele que se

encontrava localizado em qualquer uma das ocupações reconhecidas e definidas por lei.

Portanto, a reforma do setor saúde também se inseria numa lógica maior de

reestruturação do próprio Estado e de afirmação de uma cidadania substantiva para o povo

brasileiro.

As pressões por reforma na política de saúde possibilitaram transformações concretas

na condução da política, mesmo de maneira incipiente e resgardando os interesses do

Estado autoritário. Com a instituição do Plano de Pronta Ação (PPA) em 1974, o Poder

Executivo começou a incorporar em algumas ações a noção de universalidade da atenção à

saúde. Com o Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (PIASS) no

Nordeste em 1976, o Estado assumiu uma responsabilidade da atenção à saúde em regiões

carentes. A partir de 1975, com o Sistema Nacional de Saúde (SNS), pode-se dizer que

pela primeira vez configurava-se uma política nacional de saúde no Brasil, com a tentativa

de articulação dos diversos Ministérios da área social, sob o comando do Conselho de

Desenvolvimento Social (CDS), com uma atividade planejada, integrada e controlada no

setor saúde (Luz, 1979).

O mais importante: a partir desse momento ampliava-se o debate sobre o direito à

saúde no Brasil, a começar pela própria concepção de saúde. A saúde passava a assumir

um sentido mais abrangente, sendo resultante das condições de alimentação, habitação,

educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso a

serviços de saúde, dentre outros fatores. Portanto, o direito à saúde significava a garantia,

pelo Estado, de condições dignas de vida e de acesso universal e igualitário às ações e

serviços para sua promoção, proteção e recuperação, em todos os níveis, a todos os

habitantes do território nacional157.

157 O movimento conquistava uma dimensão cada vez mais institucional no decorrer da década ampliando o debate. Em1976 apresentava-se uma primeira revista com o debate proposto para a saúde. A Revista Saúde em Debate do CentroBrasileiro de Estudos em Saúde foi apenas uma dentre outras conquistas.

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146

Nesse sentido, a proposta de reforma para a saúde era também uma proposta de

reforma do Estado, Estado esse que havia se constituído sob uma base fundada no

patrimonialismo, política de clientela, centralização decisória e exclusão social – modos de

fazer política que se reproduziam não só no âmbito de organização do setor saúde no Brasil

como em todos os demais setores158, mas que foram explicitados no debate do setor saúde,

talvez por ser este um setor que explicitava com muito mais dureza a situação de injustiça

social que havia se consolidado num determinado modo de conduzir a política.

Os cem anos de história do Brasil, contados desde a proclamação da República (1889),

haviam enraizado uma cultura política de Estado enfaticamente concentradora, seja do

poder decisório nas mãos de uma parcela pequena da sociedade (poder oligárquico), seja

dos recursos produzidos no âmbito do Estado, mantendo um grande fosso entre os grupos

sociais, as regiões, reproduzindo dessa forma uma situação de desigualdade. Assim, o

processo político também estava comprometido numa rede imbricada de poder instituído na

burocracia estatal, na organização política e partidária e na cultura social.

O ideal da reforma sanitária exigia, nesse contexto, uma revisão do modus operandi do

Estado, da lógica burocrática que concentrava poder e uma disposição social para repartir a

renda (redistribuir) e participar ativamente como cidadão da construção desse novo Estado,

agora de intenção democrática159.

Assim, um primeiro aspecto a se ressaltar da especificidade da reforma sanitária

brasileira é, portanto, o contexto político e social no qual se insere, tendo uma forte e

articulada base social de apoio, com uma perspectiva clara de transformação política

do Estado brasileiro a partir e pela saúde. Nesse momento, o processo político estava

comprometido num contexto de ditadura e de pouca capacidade de intervenção ou controle

por parte dos movimentos reformistas e da população, mas, já se estabeleciam os primeiros

canais de diálogo com interlocutores qualificados do movimento reformista.

158 Temas como patronagem, clientelismo, partidarismo e outros passaram a ser abordados no Brasil nos anos 80 e,principalmente, na década de 90. Foram referências usadas nessa revisão: Leal (1986), Santos (1997), Graham (1997).159 Desde a instituição da República, em 1891, o Estado brasileiro passou por períodos alternados de autoritarismo edemocracia, sendo que os períodos autoritários sempre se estenderam por longa data e os de democracia foram curtos. Oúltimo período autoritário foi de 1964 a 1984 com a ditadura militar. A democracia brasileira, na realidade, começou a seconsolidar muito recentemente, desde a Constituição Federal de 1988, com a garantia das eleições diretas para Presidente,Governos estaduais e municipais, Senado, Câmara dos Deputados e Assembléias Legislativas. Desde 1988 já foramrealizadas 4 eleições diretas.

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147

As instituições de ensino e pesquisa produziam não só estudos sobre o setor saúde

como também formavam cada vez mais uma intelectualidade orgânica que começaria a

atuar na burocracia e instituições de saúde. A reforma começava a se capilarizar no Estado,

seja no Executivo, seja no Legislativo160, e o ideal de construção de uma política de saúde

universal como carro chefe na efetivação de uma política mais ampla de bem-estar se

afirmava no discurso teórico da Academia e no discurso político dos movimentos

reformistas e seus representantes.

O movimento de redemocratização, ainda durante a década de 80, possibilitou uma

maior articulação entre estados e municípios e um maior equilíbrio de poder com relação a

esfera federal. Na saúde tal movimento se expressou com a constituição dos conselhos

representativos dos secretários de saúde (CONASEMS, CONASS) que passaram a se

articular na defesa de um conjunto de temas e objetivos relacionados à descentralização dos

recursos, do poder e de ações no setor saúde, influindo especialmente nos debates

legislativos.

De todos os aspectos já apresentados que afirmam a especificidade da reforma

sanitária brasileira o principal talvez seja o projeto político de Estado inerente a essa

proposta. O pacto pela democracia foi um ponto fundamental da reforma, mas, por outro

lado, constituiu-se no foco dos principais conflitos. A democracia exigia a revisão de

práticas há muito instituídas no Estado brasileiro, seja no âmbito das instituições públicas e

privadas, seja no comportamento cotidiano de cada brasileiro.

Nesse sentido, a incorporação do princípio da participação social no âmbito do SUS

configurava-se como um desafio para a reforma, conferindo-lhe maior singularidade. Pois,

após vinte anos de ditadura e no contexto de um Estado de pouca tradição democrática se

apresentava uma proposta de controle social, com expectativa de participação dos diversos

segmentos na construção efetiva da política de saúde. Experimentava-se com o SUS uma

160 No ano de 1979 foi realizado o I Simpósio de Política de Saúde na Câmara dos Deputados. O Simpósio contou com apresença de convidados externos que traziam para debate as propostas reformistas discutidas pelo movimento. Umaproposta discutida e aprovada como indicativo para a política de saúde foi o Prev-Saúde. Tal proposta significou umaprimeira tentativa mais evidente de promoção de uma política que integrasse e articulasse os setores que direta ouindiretamente estivessem envolvidos com as ações de saúde – MS, MPAS/INAMPS e as áreas de saneamento e habitação.O Simpósio aprovou a proposta e encaminhou para discussão na VII Conferência Nacional de Saúde, que seria realizadaem 1980. Na Conferência, o Prev-Saúde foi mais uma vez discutido e aprovado, tendo sido encaminhada como diretriz a

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148

política participativa dando sustentação ao movimento de redemocratização do próprio

Estado.

Na contramão de que história?

O ideal de construção de uma política de bem-estar ia de encontro a um processo mais

amplo e igualmente complexo, levado a termo no mundo, de revisão dos modelos de

proteção social adotados nos chamados países avançados e que já desenvolviam sua política

de proteção, com relativo sucesso, há pelo menos trinta ou quarenta anos (os chamados

trinta anos gloriosos dos Estados de Bem-Estar Social - EBES). A revisão desses modelos

se dava pelo argumento da insustentabilidade financeira, da ineficiência dos serviços

ofertados, da queda da qualidade na atenção e da insatisfação dos usuários frente aos

serviços ofertados161. Ou seja, nos anos 70, e mais ainda a partir dos anos 80, os Estados

que haviam construído modelos de proteção social, apontavam para a falência do projeto

político do Estado fordista e keynesiano 162 e começavam a trilhar um outro caminho rumo a

reforma mais estrutural desses Estados163.

No Brasil, esse debate não encontrou permeabilidade nos anos 70 e 80, ao contrário, os

movimentos reformistas evocavam tanto a experiência de socialismo164 como aquela

constituída pelos EBES e a possibilidade de conformação, pela primeira vez, de uma

política de proteção social abrangente no país era uma imagem-objetivo para esses grupos,

especialmente, a partir de meados dos anos 80 com o processo de transição democrática.

Tal fato se explica pelo menos por um motivo, a crítica que os países desenvolvidos faziam

a seus modelos de proteção não se adequava ao momento político dos países envolvidos

com a construção, pela primeira vez, de um modelo sólido de proteção. A

insustentabilidade financeira, a insatisfação social com relação aos serviços prestados ou

ser adotada pelo Executivo. No Executivo a proposta esbarrou em resistências da burocracia inampiana, das entidades dosegmento médico empresarial e da medicina liberal, não tendo sido adotada.161 Sobre a crise dos Welfare e as críticas em especial aos sistemas de saúde ver Almeida (1997), Werneck Vianna (1997),Costa (1996a). Internacionais: Immergut (1992), Björkman & Altenstetter (1997), Pierson (2000), Freeman e Moran(2002).162 A literatura internacional é abundante a esse respeito. Ver especialmente Rosanvallon (1995), Castel(1995), Coriat(1990 e 1991).163 O que ainda não foi finalizado. Na realidade, os países ainda não encontraram uma outra fórmula de sucesso para ocasamento da política social e econômica como foi a política Keynesiana do pós-guerra.164 O Muro de Berlim ainda não havia sido derrubado e a Perestoika não havia ocorrido. O ideal socialista ainda era umautopia que se podia apostar, pelo menos para os grupos de esquerda.

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149

mesmo a ineficiência dos sistemas não encontravam correspondência nos países virgens de

proteção, serviam, no entanto, como alertas e, principalmente como impeditivos políticos

para a negociação de um projeto de cunho realmente mais protetor.

O Brasil foi um exemplo claro disso. Sua história estava marcada por uma política

extremamente seletiva e favorável aos grupos de maior poder econômico e de barganha

política. Os curtos períodos de democracia não haviam possibilitado uma mudança no

percurso da exclusão e o processo de abertura e redemocratização do Estado surgia como

uma nova chance para a reversão desse quadro. A reforma pela saúde era um argumento

forte e que mobilizava toda a sociedade165.

A crise do Estado estava posta sobre à mesa, bem como as propostas de reforma para

os modelos adotados. Existia para os movimentos reformistas um inimigo comum, um

Estado que representava todos os males sociais 166 e que precisa ser refundado.

Nesse sentido, a especificidade do caso brasileiro se afirma não apenas pelo curso

reformista em contramão ao movimento internacional e às determinações de ajuste

econômico mas pela forma de condução da reforma e do amplo movimento social de

base que já se configurava nesse contexto167.

165 Aqui retomamos a especificidade da política pública de saúde, uma política que lida com expectativas acerca da vida eda morte, que implica conhecimento técnico e responsabilidade social e que, por tudo isso, mobiliza os mais variadosgrupos sociais e incorpora poder político.166 Existiam os bons e os maus na disputa política nesse período (anos 70/início dos 80) - uma facção de esquerda e dedireita bem definidas. Já o borramento de identidades e a incapacidade para distinguir aliados numa discussão política éum fenômeno que se inicia nos anos 80 mas, principalmente nos anos 90, configurando uma situação de resignação nuncaantes vivida, produzindo uma ação de paralisação nos movimentos sociais. Como apontou Santos (2000) numa análisesobre a questão: "a hegemonia transformou-se e passou a conviver com a alienação social, e em vez de assentar noconsenso, passou a assentar na resignação. O que existe não tem de ser aceito por ser bom. Bom ou mau, é inevitável, e énessa base que tem de se aceitar" (p.35).167 O processo de universalização e integração das políticas de saúde tem início pelo menos 7 anos antes da legalização doSUS, sendo fruto de um processo político que clamava por reforma. Em 1981, o Conselho Consultivo de Administraçãoda Saúde Previdenciária apresenta um Plano de Reorientação da Assistência à Saúde que incluía em suas propostas aimplantação das Ações Integradas de Saúde (AIS). Nesse momento se instala também o processo de coordenação inter-institucional e gestão colegiada envolvendo os Ministérios da Saúde, Previdência Social e Assistência Social e daEducação e Cultura (CIPLAN), além das comissões inter-institucionais estaduais, regionais, municipais e locais – CIS,CRIS, CIMS e CEAPS, respectivamente, constituindo um amplo contingente de técnicos nas SES e SMS envolvidos como projeto de reforma.

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150

O pacto da Seguridade Social

A especificidade da reforma sanitária brasileira também se aplica no modo como

se constituíram os pactos políticos no contexto do governo da Nova República, a partir

de 1985.

A Aliança Democrática, que dava sustentação a esse novo governo, não enfrentava

conflitos fundamentais quanto ao projeto de Estado que deveria se construir e estava

fundada num pacto entre progressistas e conservadores que viria comprometer o

encaminhamento de questões específicas na área social.

Um pacto de origem foi a divisão de responsabilidades das pastas ministeriais por

esses dois grupos, estando os mais conservadores à frente das políticas da área econômica e

os mais progressistas inseridos na área social. Essa divisão de responsabilidades na

condução política, não favoreceu o diálogo na constituição de um projeto em comum entre

esses grupos e colaborou para a permanência de uma dicotomia na condução da política

de Estado, com duas áreas independentes de atuação, uma de interesse econômico,

outra de interesse social, mantendo o status quo de poder estabelecido na área

econômica (com a elite econômica e as tradicionais oligarquias de poder intocadas). Tal

fato também fragilizou o movimento de reforma social proposto pelo próprio governo 168,

pois, a construção de políticas ampliadas para essa área implicava no comprometimento de

recursos e investimento público, num pacto efetivo entre a área econômica e social, que se

não fosse concretizado, geraria sérios prejuízos para a área social, mantendo-a na sua

condição de “pedinte” de recursos.

Num primeiro momento, esse cenário apresentava-se como um pano de fundo na

discussão da reforma da saúde e se acentuou como um problema no âmbito da Assembléia

Nacional Constituinte, especialmente a partir de 1988, no processo de votação final do

texto constitucional, quando ocorreu um rearranjo político no governo com o

fortalecimento da ala conservadora.

De toda forma, as condições para a reforma da saúde nunca estiveram tão favoráveis

como nos anos de 1985/1986. O Ministério da Saúde e o Ministério da Previdência, e,

168 Apresentado no Programa de Governo - PMDB (1985).

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neste em especial o INAMPS, foram constituídos por representantes do movimento de

reforma169 e havia um consenso, pelo menos entre os reformistas, em torno da proposta do

direito universal e igualitário à saúde. Esse consenso, no entanto, não se sustentava no

processo de negociação com outros grupos do governo, encontrando resistências mesmo no

interior do próprio MPAS.

As resistências ao projeto de universalização provinham dos trabalhadores, da

burocracia previdenciária e do segmento dos prestadores de serviço privado - cada um com

razões diferentes para se opor a reforma. Para os trabalhadores, qualquer reforma na

previdência não podia desconsiderar os direitos e benefícios garantidos a eles

historicamente, o que significava manter uma estrutura de proteção específica para o

trabalhador e outra para os cidadãos não incluídos no sistema previdenciário, ou seja, um

regime corporativo e meritocrático por um lado e assistencial por outro. Para a burocracia e

para o segmento privado, qualquer mudança na forma de condução da política significava

uma reformatação nas relações de poder, o que por si só já era uma ameaça.

Para os grupos que apoiavam a reforma sanitária, o principal problema resumia-se nos

conflitos de interesse entre os representantes do Ministério da Saúde e da

Previdência/INAMPS, nesse período, que não favoreciam a construção de um projeto único

de reforma social. A trajetória de cada um desses grupos reforçava posturas corporativas e

não enfrentava o cerne da questão – o projeto político do Estado.

Os reformistas da saúde reivindicavam a composição de um sistema de saúde único,

universal e solidário não havendo discriminações com relação à clientela – um sistema

redistributivo na saúde. Enquanto os reformistas da previdência, propunham a construção

de um setor social forte, também único, universal e redistributivo, incluindo previdência,

saúde e assistência, compondo um modelo de Seguridade Social.

O descompasso entre as propostas estava na forma como se efetivaria a construção do

direito à saúde, ou seja, como se daria a unificação e a descentralização da política de

saúde.

169 No Ministério da Saúde, como secretário-geral, Eleutério Rodrigues Neto. Na presidência do INAMPS, HésioCordeiro. Além de outros cargos e representações.

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152

Para o grupo que estava inserido no Ministério da Saúde a proposta da universalização

se concretizaria na composição de um novo Ministério da Saúde, que passaria a incluir

desde as ações de saúde exercidas pelo INAMPS/MPAS, até as ações constantes do MS,

compondo uma política unificada e descentralizada onde cada esfera de governo cumpriria

atribuições específicas de gestão da política. Assim, a reforma do sistema se daria de forma

imediata com a organização desse novo Ministério – uma “reforma pelo alto”, como ficou

denominada.

Para o grupo que representava os interesses do INAMPS, a unificação e

descentralização da saúde deveriam ser de uma forma mais gradual, considerando as fortes

resistências implantadas no interior do MPAS e o poder político que se concentrava nas

mãos do INAMPS, como instituição do MPAS. Assim, a proposta era de uma “reforma por

baixo”, com a descentralização gradativa de poder para os estados e municípios e a

passagem efetiva do INAMPS para a saúde, o que daria condições sólidas para a construção

de um modelo de proteção social, nos moldes de uma Seguridade Social.

Para os reformistas da saúde um Ministério da Saúde forte era condição fundamental

para o processo de reforma, enquanto para os reformistas da previdência a composição de

uma Seguridade Social possibilitaria a composição de um Ministério Social forte. O que

temiam os reformistas da saúde nessa proposta era de se manter uma estrutura de poder

desigual para a saúde no contexto da previdência.

As propostas desses grupos passaram por um ampliado processo de negociação no

âmbito do Estado nos primeiros anos da Nova República - apresentadas na VIII

Conferência Nacional de Saúde (1986), discutidas nas Comissões de trabalho pré-

constituintes (Comissão Nacional da Reforma Sanitária e Comissão de Reforma da

Previdência Social – 1986/87), novamente debatidas na constituinte (1987/88). Apesar do

baixo consenso que reunia a proposta da Seguridade Social, foi esse o projeto político de

Estado firmado na Constituição Federal de 1988.

Os pactos que possibilitaram o acordo em torno da Seguridade revelaram dúvidas

quanto à vitória desse projeto, pois, foi no contexto de rearticulação política do governo da

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153

Nova República170, a partir de uma articulação do Centrão na Constituinte e com o apoio

dos principais grupos conservadores, que a proposta da Seguridade foi encaminhada e

aprovada no texto constitucional, não garantindo, entretanto, uma base de financiamento

sólida para a saúde, ou a explicitação dos mecanismos para a viabilização da

descentralização e unificação do sistema, mesmo regras mínimas para a participação da

iniciativa privada, dentre outras; remetendo essas e outras questões para uma decisão

posterior, numa nova lei, num novo cenário político ...

Assim, o modelo de proteção social no Brasil se configurou, num primeiro momento,

sob bases negociadas frágeis, não garantindo de fato pactos substantivos nem para o setor

saúde e muito menos para a Seguridade. O processo político conduziu, num momento de

instabilidade, para a realização de um consenso ampliado entre áreas (saúde, previdência e

assistência) que não comungavam de um mesmo projeto político de Estado. A formulação

da Seguridade Social surgiu muito mais como uma proposta de resistência e fortalecimento

do setor social, num momento de rearranjo político-institucional das forças conservadoras

do Estado, do que num projeto político pactuado a partir dos interesses de cada um desses

setores. No entanto, o apoio expressivo dos grupos conservadores a esta proposta,

demonstrou a fragilidade política deste modelo que foi definido em linhas gerais e

imprecisas nos seus princípios elementares171.

Nesse sentido, apesar de toda base social de apoio ao projeto de reforma e do quanto já

se avançava de fato na construção da política universal de saúde, só foi possível um pacto

amplo de sustentação da reforma, com os pontos de maior conflito sendo adiados.

A especificidade da reforma se afirma mais uma vez num processo político que

aprova uma lei frente a um amplo movimento social de base (com um mesmo ideal

mas com maneiras diferentes de conquistá-lo), de apoio do Legislativo mas que não

encontra correspondência num Executivo ou na sua burocracia, deixando como

170 A Aliança Democrática, que dava sustentação ao projeto político da Nova República, revelava sinais de ruptura no anode 1987. No ano de 1988 a base política institucional do governo sofreu mudanças e na Constituinte houve umaarticulação dos grupos mais conservadores (constitui-se o Centrão) para mudar o rumo das políticas que estavam sendodesenhadas. Todo esse movimento levou a composição de pactos mais ampliados para as políticas e alianças entre gruposque num primeiro momento não negociavam, como a aliança entre o Centrão e os grupos reformistas da saúde.171 O debate constituinte e a definição da proposta da Seguridade Social foi objeto de análise da minha dissertação demestrado, os argumentos aqui apresentados expressam apenas uma síntese dos principais elementos abordados e foram

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herança um modelo político legalmente constituído, uma imagem-objetivo clara sobre

a saúde e uma série de vazios políticos e institucionais sobre os caminhos a serem

percorridos. A fase de implementação seria obrigatoriamente um longo processo de

negociação e reformulação de propostas. O risco maior era de se encontrar condições

adversas e contrárias ao projeto e que exigisse um movimento de resistência do projeto. A

luta não estava ganha.

A singularidade foi fazer um pacto para a configuração de uma política de

proteção social abrangente sem efetivamente incorporar essa política como principal

proposta da reforma. Só aos poucos os grupos tomavam a idéia da Seguridade como

uma idéia ampliada de proteção mas mesmo assim não entendiam essa proposta como

uma composição que exigisse a parceria com a previdência. Havia uma discordância

entre os grupos reformistas, que foi abafada e que cria até hoje dificuldades na

integração das políticas no interior do MS e que se materializa numa lógica de atuação

advinda do INAMPS e que persiste na SAS.

Desafios para a década de 90

Abordamos nos três tópicos anteriores alguns aspectos importantes que explicam ou

definem o caráter específico da reforma sanitária brasileira. Uma reforma que se constituiu

a partir de um projeto político-ideológico de Estado, que tinha como objetivo principal a

democracia e a transformação social tendo em vista a construção de um modelo de

proteção, conformando para tanto uma ampla e sofisticada rede de articulação entre

as instituições de ensino e pesquisa, os movimentos sociais, as corporações

profissionais e outros, na intenção explícita de formação de uma intelectualidade

orgânica para a sustentação da reforma.

Identificamos que essa frente reformista da saúde foi forte o suficiente para resistir às

investidas de ajuste estrutural das economias afirmando legalmente um projeto de

construção da proteção social universal no país, em contramão ao receituário liberal. Mas

não tão forte para garantir na negociação política interna a sustentabilidade do projeto

resgatados apenas com o intuito de retomar os pressupostos da reforma. Para aprofundar essa análise ver Faria (1997) ouBaptista (1998).

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proposto, constituindo pactos abrangentes e preservando os interesses de alguns grupos de

poder.

Assim, os anos 70 e, principalmente os anos 80, possibilitaram algumas vitórias

concretas para os grupos reformistas no que diz respeito à reconstrução do processo

democrático no Brasil, o que se expressou na CF88, e em especial no capítulo da Ordem

Social, mas os anos de ditadura e a tradição centralizadora do Estado também deixaram

heranças e muitos desafios para os novos governantes, o principal deles, era a garantia da

democracia e a construção efetiva de um projeto de reforma social, tendo como

pressupostos:

1 – o fortalecimento do Poder Legislativo, tanto na sua função de formulador de

políticas e vocalizador das demandas sociais, como na de controlador das ações do

Executivo, constituindo uma nova prática na relação com o Poder Executivo e na

forma de atuação do parlamentar, até então fundada na política da clientela e da

patronagem;

2 – o fortalecimento do pacto pelo Estado federativo e das relações

intergovernamentais garantindo o processo de descentralização decisória e a participação

efetiva dos demais entes de governo, pactuando as atribuições e competências de cada

esfera e corrigindo distorções de extrema desigualdade entre regiões, estados e municípios;

3 – o fortalecimento dos canais de participação social e a criação de estratégias para

a incorporação das demandas sociais de forma legítima no processo decisório, enfrentando

as resistências dos grupos corporativos e da cultura de clientela instituída no Estado

brasileiro;

Na saúde, a principal expressão desses desafios se resumia no enfrentamento da

situação de fragmentação institucional do setor (compor um sistema único de saúde de

fato), na caracterização de um novo papel para o Executivo Saúde capaz de garantir o

processo decisório democrático (via Legislativo, Conselhos e Conferências de Saúde) e

de fortalecer as demais esferas de governo (estados e municípios) na realização de suas

funções e atribuições como gestores do sistema.

Nos próximos capítulos abordaremos as estratégias utilizadas em cada gestão de

governo do Ministério da Saúde, no período 1990-2002, no enfrentamento desses desafios.

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CAPÍTULO 6 - O EXECUTIVO PRESIDÊNCIA NA SAÚDE – OS ANOS

COLLOR/ALCENI (1990-92)

“Nossa conclusão mais geral é que depois de um ano e meioe de uma forma aparentemente paradoxal, a política social dogoverno Collor vem se desfazendo da ambigüidade contida nosdiscursos programáticos e de sua confusa implementação inicial evem assumindo um perfil estratégico cada vez mais nítido e coerentecom o seu projeto econômico de “modernização liberal”. Umredesenho de prioridades que uma vez mais vem se impondo pelaforça dos fatos mais do que pela iniciativa inteligente dos gestoresda área social. (...) Este redesenho estratégico entretanto vemdistanciando, cada vez mais, a política social de Collor dosprincípios que ordenaram o capítulo dos direitos sociais daConstituição de 1988, e vem aproximando-a sempre mais de umavisão liberal, seletiva e focal das obrigações sociais do Estado”(José Luis Fiori, 1992: 1-2).

A principal discussão deste capítulo é que o Executivo Saúde assumiu durante os anos

Collor/Alceni uma face Executivo Presidência deixando à margem o projeto de reforma

sanitária e adequando-se muito mais ao projeto político de Estado de caráter neoliberal. As

conseqüências dessa política foram: maior concentração de poder no Executivo Federal

Saúde com a manutenção de uma relação de desigualdade com o Legislativo e com as

demais esferas de governo; a composição de uma “descentralização atomista”172, no

esvaziamento do papel dos estados, na supervalorização do papel dos municípios sem

condições para que estados e municípios assumissem de fato a posição de gestores do

sistema. Mesmo assim, o projeto de reforma (SUS) foi encaminhado e sobreviveu a esse

governo encontrando também no Executivo Saúde um ponto de apoio - numa parte desse

Executivo que estava fundado na tecnoburocracia e que havia incorporado o ideal

172 Levcovitz (1997) utiliza a expressão “modelo atomizado” para designar o estabelecimento de uma forma de gestão dosistema descentralizada para as SMS que dispensa a participação das SES, induzindo a uma lógica de organização do SUSbaseada na concepção de sistemas municipais isolados, sem a articulação e a integração indispensáveis à organização derede(s) regionalizada(s) e hierarquizada(s) de serviços. É também neste sentido que utilizamos aqui a denominação“descentralização atomista”, para expressar uma forma de descentralização imposta a partir desse período.

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157

reformista, um Executivo Saúde reformista e que não aderia ao projeto político de Estado

desenhado pelo governo Collor.

Para sustentarmos essa discussão enfocamos algumas questões: como se expressou o

projeto político de Estado no governo Collor/Executivo Presidência? Como o Executivo

Presidência atuou na definição das políticas de saúde a partir do Legislativo e do Executivo

Saúde? Como se deu a associação entre o Executivo Presidência e o Executivo Saúde?

Quem é o Executivo Saúde que encaminha a reforma e que estratégias utiliza?

Vamos considerar algumas diretrizes políticas definidas durante esse governo, tanto

pelo Executivo como pelo Legislativo, como dispositivos para análise das políticas

implementadas. Nos anexos 1, 2 e 3 verificam-se as principais políticas propostas por esses

dois Poderes e pelo Conselho Nacional de Saúde para todo o período de análise da Tese.

O que proponho apresentar é um exercício de análise sobre o processo político

considerando-o como um processo dinâmico e complexo, onde há uma sobreposição de

fases173 e onde a negociação se efetiva em fóruns nem sempre formais. O projeto político

do Estado é um norteador para essa análise pois serão os pactos que sustentam esse projeto,

com a identificação dos princípios e dos grupos que apoiam, que nos permitirá dizer como

se insere a discussão da saúde e que respaldo encontra para encaminhar um projeto de

reforma. Nesse cenário, o Executivo Presidência da República exerce o papel protagonista

indicando as diretrizes de políticas a serem adotadas, atuando como um filtro também das

políticas de saúde. Os pactos estabelecidos no contexto de um governo a partir de uma

coalizão político-institucional específica se renovam frente às novas realidades que se

constituem. A saúde por ser um setor que mobiliza interesses econômicos e institucionais

diversos e que gera grande expectativa social constitui-se como um setor de grande apelo

político, o que é chave para compreender as mudanças processadas nos últimos anos na

implementação do SUS.

173 Nesse sentido, a opção por apresentar uma análise do processo político na saúde por governo é apenas um recursoacadêmico/didático-pedagógico que visa identificar os principais fundamentos do pacto político em cada gestão.

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158

Compondo o cenário – O projeto político de Estado no governo Collor

O Governo Collor iniciou seu mandato, em março de 1990, com a tarefa de promulgar

as leis regulamentadoras e implementar as políticas propostas na CF88. Mas, na verdade,

foi adotado um pacote econômico austero onde confiscava a poupança e achatava salários,

contendo a demanda e afinado às determinações de ajuste propostas pelos países credores,

na lógica do receituário neoliberal proposto no Consenso de Washington174. Optou pela

política de estabilização de preços e pelo desenho de uma proposta estratégica única de

governo, condicionando a política social aos ditames da política econômica, num primeiro

indicativo de que a política protetora não faria parte do programa político do novo governo

(Fiori, 1992).

Durante o ano de 1990 os Ministérios foram reorganizados, bem como recompostas as

coligações políticas e representações partidárias no Congresso Nacional. O primeiro ano de

governo introduziu mudanças na área econômica e institucional do Estado, concentrou e

racionalizou atividades, permitindo uma coordenação mais centralizada de todas as áreas

ligadas à infra-estrutura e economia (Fiori, 1992), não avançou na conformação de políticas

para a área social, não se encarregando, ao menos, de criar o Ministério Único da

Seguridade Social, como havia sido proposto na CF88 (Faria, 1997).

Na realidade, o descaso com a área social não se resumiu apenas na não

implementação de políticas já previstas no texto constitucional de 1988, mas também na

formulação de políticas contraproducentes para o setor, como a lei 8028 (de 12 de abril de

1990) que determinou a (re)vinculação do Ministério da Previdência Social (MPAS) ao

Ministério do Trabalho (MT), compondo o Ministério do Trabalho e da Previdência Social

(MTPS). Tal ação desfigurou a proposta de constituição de um sistema de Seguridade

Social conforme acordado na Constituição e reafirmou o legado getuliano na condução de

políticas na área social no Brasil (Carbone, 1994), ou seja, reafirmando a política de

clientela e a patronagem com benefícios para aqueles grupos sociais reconhecidos e

legitimados pelo Estado, pelo vínculo de trabalho que lhes cabia – ao estilo “cidadania

174 O Consenso de Washington como um programa de estabilização e reforma econômica, escrito por John Williamson eapresentado num seminário internacional na década de 90, propôs três fases para a conformação do ajuste econômico deum Estado: 1 - A estabilização macroeconômica (revisão das relações fiscais, restruturação dos sistemas de previdência

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159

regulada” (Santos, 1994) – num passo atrás na construção da tão esperada cidadania

substantiva, leitmotiv da redemocratização.

Com a (re)incorporação da Previdência no Ministério do Trabalho, saúde e previdência

passaram a apenas estar ligadas pela questão financeira de repasse dos recursos para o

INAMPS, recursos estes ainda alocados na pasta da previdência. A passagem do INAMPS

para o Ministério da Saúde ainda na gestão Seigo/Sarney175 acentuou ainda mais a situação

de fragilidade da saúde frente à previdência. Não havia qualquer compromisso legal ou

institucional que de fato garantisse o repasse dos recursos da previdência para a saúde;

deixava-se mais uma vez em aberto o pacto para o financiamento da política de saúde176,

que se configurou como motivo de conflito durante toda a década 90 e ainda persiste como

problema nos dias de hoje177.

De fato, os três primeiros anos da década de 90 foram de retração dos recursos federais

para a saúde, com um gasto total do governo federal inferior aos valores obtidos nos

últimos anos da década de 80, considerando ainda que já havia ocorrido uma queda no

orçamento federal da saúde nesses anos em comparação com o início da década178. Os

recursos da Seguridade vinham sendo corroídos pelos atrasos deliberados dos repasses num

momento de alta inflação (índices superiores a 1.000% ao ano) não possibilitando folgas de

receita e levando a cortes constantes nas políticas de saúde e de assistência, os chamados

pública e outros); 2 - As “reformas estruturais” (liberação financeira e comercial, desregulação dos mercados eprivatização das estatais); e 3 - A retomada dos investimentos e do crescimento econômico (Fiori, 1995).175 Dias antes da posse do governo Collor, a partir do Decreto 99060, como uma estratégia política com o objetivo degarantir a unificação da saúde e o encaminhamento da reforma proposta. O uso do decreto é expressivo do momentopolítico de instabilidade, pois, não haveria tempo e muito menos apoio político para a aprovação de uma lei. Assim, apressão política foi feita no Executivo Presidência que tinha como prerrogativa o fato de poder editar decretos e inseri-losna ordem do dia.176 Já que também na ANC esse foi um ponto que não se garantiu na negociação do texto constitucional. O máximo quese conseguiu foi se firmar nas disposições transitórias da Constituição a previsão de um mínimo de 30% dos recursos doOSS para a saúde. O principal argumento para a não vinculação de uma fonte de recurso para a saúde era o fato de queisto engessava o orçamento e dificultava o manejo dos recursos. Outras indefinições da CF88 no texto da saúdecontribuíram igualmente para um processo controverso de implementação do SUS, como na questão da regulação daassistência suplementar e do mercado de insumos. Nos capítulos subseqüentes teremos chance de aprofundar essasquestões.177 Durante todos esses anos do processo de implementação do SUS reproduz-se o lamento do recurso não alocado nasaúde – os 30% da seguridade que nunca foram aplicados. Uma emenda constitucional foi proposta visando reverter aquestão do financiamento (originalmente a PEC 169 de Eduardo Jorge) mas as negociações levaram a uma outra proposta(EC 29) que ainda não garante o que de fato vinha se propondo (30%). Nos últimos anos se começa a insistir novamentenessa proposta o que tem sido apresentado de forma mais enfática desde 2002.178 Nesses anos a contrapartida de estados e municípios não configurava uma mudança na composição do orçamento, oque significa dizer que ocorreu, de fato, uma perda real no orçamento geral da saúde.

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“núcleos frágeis”179 da Seguridade Social (Lessa et alli, 1997, p.68), preservando os níveis

de recursos para a previdência social.

O caminho encontrado pelos reformistas da saúde no contexto de parcos recursos foi

dar continuidade ao debate setorial da saúde, resistindo às investidas neoliberais impostas

pelo novo governo. Os reformistas haviam perdido seus principais interlocutores nos

aparatos institucionais do Estado, mantendo-se atuantes ainda no debate político mais geral

nas negociações diretas com os parlamentares. Deram continuidade nesse período ao

projeto de formulação da Lei Orgânica da Saúde, movimento já iniciado em 1989180,

assessorando181 os debates realizados no Congresso Nacional durante todo o ano de 90.

O Executivo Presidência na Saúde

O principal debate a partir da aprovação da CF88 era a regulamentação do SUS, o que

significava avançar na operacionalização da proposta e estabelecer novos pactos para o

momento de implementação. Os principais pontos em aberto e que reuniam maior ou

menor conflito entre os grupos reformistas, os prestadores de serviço e as burocracias da

saúde e do INAMPS durante esse período eram: 1) a unificação e integração do sistema; 2)

179 A contraposição núcleo duro/núcleo frágil serve para compreender a diferença política de barganha dos setores quecompõem a seguridade social. A previdência social, como um setor cujo encargo são aposentadorias e pensões, tem a seufavor o compromisso no repasse de recursos e fontes bem estabelecidas de sustentação. Já a saúde e a assistência não têma obrigação de um benefício estabelecido e tão claro com o cidadão contribuinte e sobrevivem na carência de recursos, oque as faz serem politicamente frágeis na negociação financeira. Na prática o que ocorre é que a previdência não podedeixar de pagar um benefício, mas a saúde pode fechar uma emergência hospitalar ou simplesmente reduzir a carga deatendimento. São estas as escolhas recorrentemente feitas quando se define um orçamento e que demonstram qual aprioridade política de um dado governo.180 A proposta original da lei 8080 foi apresentada em mensagem presidencial em 26/07/1989 (MSG 360/1989 – doPresidente da República - José Sarney e Ministro Seigo Tsuzuki). Essa mensagem foi transformada em Projeto de Lei (PL3110/89) em 1989 e depois em 90 (PLC 50/90). Foi encaminhada para discussão no Congresso Nacional um ano após amensagem presidencial e tramitou dois meses até a apresentação da sua versão final. O adiamento da discussão legaldemonstrou uma fragilidade do Legislativo frente ao Executivo no encaminhamento da proposta política, denunciandoainda um Legislativo mais interessado em resguardar seus próprios interesses do que em formular políticas de interessemaior da sociedade e do próprio Estado (pois adiar o debate significava garantir a discussão política num cenário quepoderia ser mais favorável aos interesses de cada facção política e que poderia render frutos políticos como cargos nogoverno e outros); demonstrou também a fragilidade dos grupos reformistas, pois, mesmo com toda coalizão social einstitucional que lhes dava sustento nesse período para o encaminhamento da reforma, a coalizão não foi suficiente paragarantir a regulamentação das políticas; demonstrou a dinamicidade e complexidade do processo político na saúde cominteresses que atuavam nos bastidores do Legislativo e principalmente do Executivo.181 Desde a aprovação da CF88, em 05 de outubro de 1988, os reformistas, que já haviam participado ativamente doprocesso constituinte, deram continuidade ao debate sobre a regulamentação da saúde, com propostas de encaminhamentopara o projeto de lei a ser definido, buscando incorporar questões vencidas na Constituinte, como o financiamento e aregulação do setor privado. Destacou-se o grupo do NESP/UNB que atuava inclusive na assessoria parlamentar. O prazode 6 meses para apresentação e aprovação da lei era o argumento-chefe como pressão para o debate. A Revista do Cebesserviu como um importante veículo de difusão desse debate para todo o âmbito acadêmico com destaque para os textos de

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a descentralização político-administrativa e o comando único; 3) o financiamento do setor

saúde e a transferência de recursos; 4) a participação popular; e 5) a regulação do setor

privado.

Em junho de 1990, a Mesa Diretora do Senado despachava o Projeto de lei para a

Comissão de Assuntos Sociais (CAS), onde o mesmo deveria ser apreciado e finalmente

aprovado, o que de fato ocorreu em agosto desse ano, sem qualquer mudança no projeto

inicialmente proposto182. Assim, o Legislativo afirmava o compromisso com a CF88, com

o SUS e com todo o movimento que lhe dava sustento.

A lei foi encaminhada para sanção presidencial e aprovada com vetos em setembro de

1990. Com esse ato do Presidente da República deu-se o primeiro indício de que o

Executivo Presidência seria bem mais atuante na definição do rumo das políticas de saúde a

partir de então e que o pacto dos grupos reformistas (representados ou não no Executivo

Saúde) com o Legislativo não seria suficiente para garantir a reforma.

No âmbito do governo Collor houve um afastamento dos grupos reformistas no

processo de negociação no Executivo Saúde, restando no Executivo os reformistas que

compunham a tecnoburocracia. Com a apresentação dos vetos à LOS pelo Presidente da

República e com os atos executivos que antecederam e se seguiram a LOS compunha-se

um quadro político que demonstrava uma clara associação de interesses dos dirigentes

do Executivo Saúde com o projeto político do Executivo Presidência.

Um primeiro conjunto de políticas analisado para respaldar essa compreensão, foram

as portarias ministeriais editadas, antes da LOS e que retrocediam negociações já efetivadas

na gestão Seigo 183. As portarias restabeleciam o poder do INAMPS no interior da estrutura

Rodrigues Neto (1988), Rosas e Bernardes (1988) e Nitão (1989), que apresentam propostas específicas paraencaminhamento do processo legislativo. Ver Saúde em Debate – números 21, 23, 24 e 30.182 Um projeto desenhado durante todo o ano de 1989 e que teve a participação do Executivo Saúde durante todo oprocesso. A gestão Seigo/Sarney mantinha uma estreita aliança com os grupos reformistas e encabeçava o processo dereforma.183 Gostaria de ressaltar uma característica da portaria executiva. A portaria por ser um instrumento mais flexível e não seconstituir numa lei pode a qualquer tempo ser modificada. Se, por um lado esse é um instrumento que dá agilidade aogestor, por outro, pode se constituir numa estratégia política centralizadora ao mesmo tempo que frágil na garantia deimplementação de uma política, pois está susceptível ao momento político, haja vista esse caso. Quando a quantidade deportarias é ainda maior, como no final da década de 90, a visibilidade da política se perde pois não se sabe ao certo queportarias estão de fato vigorando, ou quais foram as substituídas. Nesse momento, a análise foi mais simples porque onúmero restrito de portarias assim permitia a análise. Essa é uma discussão-mestre de todo o trabalho.

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do MS e constituíam a base para uma política de financiamento que ia de encontro com a

proposta política apresentada no projeto inicial da LOS.

As portarias apresentadas no governo Seigo previam a imediata transferência de

recursos para estados via INAMPS (GM 124/90), bem como a extinção dos escritórios

regionais (GM 125/90). Os primeiros atos normativos da gestão Alceni foram as portarias

que implementavam o rumo inverso para a organização da estrutura do INAMPS e para a

transferência de recursos e poder – restaurou uma portaria de 1988 mantendo as

coordenadorias técnicas do INAMPS (GM 259), manteve a administração do INAMPS na

SNAS (GM 489) e deu início a política de financiamento com o SIH e SIA, deixando a

cargo do INAMPS sua implementação.

Por outro lado, as medidas possibilitaram reafirmar a postura de centralização

decisória do Executivo federal frente às políticas de saúde não rompendo com a lógica

tradicional das suas instituições de origem – o INAMPS, o MS, a SUCAM, a FSESP.

Os vetos à lei também serviram como argumento de análise da política pois não só

incidiram sobre questões críticas ao processo de operacionalização da reforma como

demonstraram um projeto do Executivo Saúde mais afinado ao Executivo

Presidência. Os vetos incidiram sobre:

1) a regulação da participação popular prevendo a organização das Conferências de

Saúde e Conselhos de Saúde (artigo 11) – com estruturas que possibilitariam um processo

participativo na formulação da política de saúde e no controle do Executivo, numa

estratégia fundamental no processo de democratização do Estado e que era pilar da

reforma;

2) os prazos para pagamento a prestadores – estipulado para ser realizado no tempo

máximo de 30 dias (artigo 24 – parágrafo 3) – uma medida que firmava o compromisso

com os prestadores no recebimento dos recursos evitando atrasos e possibilitando uma

programação dos recursos, o que incidiria na qualidade dos serviços prestados;

3) a instalação de Plano de Cargos Carreira e Salários (PCCS), pisos salariais e

integração dos Hospitais Universitários ao SUS (artigo 27 – incisos II e III e artigo 29) –

prevendo uma política de cargos, carreira e salários única para todo o sistema, de modo a

promover uma maior integração do mesmo;

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163

4) a política de financiamento no que tange aos recursos (artigo 32 – parágrafo 1,

incisos 4 e 6), a gestão financeira – com a transferência regular e automática e a

programação de recursos (artigo 33 – incisos 2 e 3), e o percentual de recursos da

Seguridade, dos estados e municípios (artigo 35 – incisos 3, 4 e 5) – com a garantia da

descentralização dos recursos para estados e municípios, além de determinar percentuais da

Seguridade e demais esferas de governo no financiamento do sistema;

5) a organização do Ministério (com a subordinação do INAMPS ao MS), órgãos afins

e incorporações (SUCAM, SESP, LBA e outras), com transferência de servidores, PCCS,

parcela de recursos municipais e estaduais (artigos 39, 40, 44, 48, 49, 51 e 53) – firmando

uma proposta de integração de todos os órgãos responsáveis na produção de saúde.

O debate sobre os rumos da reforma foi retomado após os vetos. Os grupos

reformistas que acompanhavam a tramitação da lei (neste incluído personagens do

Legislativo) rapidamente posicionaram-se contrários aos vetos184. Na análise sobre o jogo

político e sobre as relações de força no Congresso percebeu-se que a chance de derrubada

dos vetos no Congresso era praticamente impossível pois exigiria pelo menos a maioria

mais um da Casa no apoio à lei (art.66 – parágrafo 44 – Regimento), num momento político

de grande fragilidade – início de governo, alianças partidárias e troca de cargos que

garantiam maior número de parlamentares com o governo. Transparecia a fragilidade do

Legislativo frente ao Executivo, haja vista o fato de que uma lei negociada no período

superior a um ano (sem considerar todo o processo anterior a LOS e à própria CF) sofria

vetos em pontos cruciais de sua proposta; e, ainda, a fragilidade da proposta política para o

setor saúde no novo contexto de governo e do próprio Legislativo – já não mais garantindo

a coalizão política que havia firmado o pacto do SUS - a diferença entre a CF88 e a LOS é

que a primeira realizou um pacto pelo alto e a LOS um pacto para operacionalizar.

De setembro a dezembro deste ano transcorreram novas negociações com o Executivo,

sob pressão dos grupos reformistas e do Legislativo. Nesse contexto, foi apresentado,

também a partir de uma mensagem presidencial (MSG 897/1990), uma proposta de

recuperação de alguns dos tópicos vetados na lei anterior. A mensagem apresentada em 13

de dezembro de 1990 foi transformada em projeto de lei, aprovada e sancionada pelo

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Presidente da República em 18 de dezembro de 1990, num tempo recorde de tramitação

para uma lei – Lei 8142/1990.

O que possibilitou a tramitação recorde da lei 8142 foram os temas negociados e

incorporados na nova lei. Nos dois meses de negociação junto ao Executivo (setembro a

dezembro), anteriores a apresentação da nova lei ao Congresso185, foram apresentados os

motivos para os vetos e os motivos para a proposta original, buscando-se argumentos legais

para a sustentação de cada proposta186. O Executivo Presidência foi irredutível (e

competente) na defesa de alguns vetos e a negociação com os reformistas se

estabeleceu em pontos que de fato não comprometeriam o projeto político traçado por

este governo, assim como não tencionavam os interesses dos reformistas. Nesse

sentido, duas questões foram retomadas: a participação popular e a regulamentação para a

efetivação da transferência de recursos para estados e municípios.

No tocante à participação popular se garantiu a definição do texto proposto na lei,

enquanto a questão dos recursos (financiamento, repasses e contrapartidas) ficou restrita às

determinações de regras para o recebimento dos recursos, apontando para uma nova

regulamentação. Sobre essa regulamentação nada se concretizou, mesmo porque esta

questão não estava posta em negociação em nenhum momento.

Os pontos que foram resgatados também eram os que mais interessavam ao

movimento. E os demais pontos de veto, por serem muito controversos ou de baixo

consenso, foram deixados de lado, como, por exemplo, a isonomia salarial e a integração

institucional, o percentual de recursos da Seguridade. A grande perda foi realmente com

relação ao financiamento e às regras de repasse dos recursos – transferência fundo a fundo

e que seriam também alvo de regulamentação pelas portarias executivas. Essa perda foi

diagnosticada pelos grupos reformistas que não tiveram êxito na correlação de forças com o

Executivo para a manutenção das propostas previamente firmadas.

184 A Revista Saúde em Debate, do CEBES, foi um importante veículo de divulgação das críticas aos vetos.185 Toda negociação se dá previamente ao debate no Legislativo, pelo menos para as matérias de interesse do Executivoporque as do Legislativo não têm outra forma do que se apresentar ao Plenário em forma de projeto. Isso explica porque aquantidade de projetos apresentados pelo Legislativo ser tão maior que o Executivo e a quantidade de matérias doExecutivo ser muito maior em termos de aprovação do que em relação ao Legislativo.186 Vide exposição de motivos do Presidente na Saúde em Debate n.30.

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Na análise do encaminhamento dessas leis no Executivo foi possível destacar algumas

especificidades da relação executivo-legislativo. O que o Legislativo aprovou não

garantiu a implementação da política no Executivo mas o que o Legislativo não versou

possibilitou um grande espaço de manobra do Executivo. Senão vejamos: a LOS 8080

reafirmou os princípios e diretrizes do sistema, definiu competências e atribuições dos

governos, regulamentou os principais aspectos da política mas não afirmou as estratégias

para a organização, encaminhamento e financiamento da política, dando ampla margem de

manobra ao Executivo, que encaminhou a política de acordo com os seus interesses mais

imediatos – o que também ocorreu em cada governo subseqüente.

No Executivo Saúde, após a edição da lei, foram apresentados mais um elenco

significativo de atos normativos que visavam fixar as diretrizes da política de

financiamento e que reforçavam uma postura de centralização dos recursos na esfera

federal, como a GM 1481, de 31/12/1990, autorizando o INAMPS a regular a questão do

repasse de recursos, numa estratégia de validar o poder institucional do INAMPS para

normatizar a política de financiamento.

Sobre a portaria 1481, Carvalho (2001)187 ilumina um pouco mais a análise do

momento político. A portaria foi feita autorizando o INAMPS a regular a questão do

repasse de recursos porque já havia sido feita uma portaria de edição da NOB91 assinada

pelo INAMPS e que foi cancelada pois o INAMPS não podia normatizar o SUS, sendo esta

uma atribuição do Ministério. A partir dessa portaria, o INAMPS retomava o poder

institucional de normatizar a política de financiamento e poderia editar a Norma

Operacional da Saúde em 1991. Para Carvalho esse foi o primeiro golpe no processo

político de construção do SUS, já que o critério populacional previsto na Lei 8080 foi

desconsiderado e se vinculou o pagamento por produção e o caráter convenial,

desconsiderando a competência e responsabilidade dos níveis gestores (Carvalho, 2001).

Esse autor ainda aponta para o fato de que a incorporação pela SNAS das ações do ex-

INAMPS, na verdade, indicava um primeiro passo na manutenção da estrutura do INAMPS

no interior do MS.

187 Para um detalhamento ainda maior do processo ver Carvalho (2002).

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No ano de 1991, outras portarias foram apresentadas compondo toda a estratégia para a

política de financiamento da nova gestão Executiva da saúde, com a NOB91 e as portarias

da SNAS 15, 16, 17, 18, 19 e 20 – estas sobre critérios para aplicação da unidade de

cobertura ambulatorial, quantidade de AIH a ser distribuída e outras mais (ver anexo 2).

A normatização proposta pelo Executivo, com a NOB91 e demais portarias, para a

política de financiamento sofreu severas críticas dos grupos reformistas, por algumas

razões:

1 – Porque retomava como atribuição do INAMPS a competência para formular e

implementar a política de financiamento para a assistência à saúde mantendo o poder

institucional e político dessa instância, que passava a reunir maior poder que as demais

instâncias do MS, acentuando a disputa institucional e a fragmentação decisória (porque

reunia mais recurso e definia políticas de maior visibilidade) (Santos, 1991; Carvalho,

2001);

2 – Porque as medidas propostas para o repasse dos recursos restringiam-se à parcela

da assistência propriamente dita (internações e ambulatório) não considerando as ações de

saúde propostas pelas vigilâncias e outras áreas, o que denunciava uma opção pela

fragmentação do processo decisório e pelo encaminhamento da política de assistência,

afirmando o poder decisório do INAMPS no interior do MS e isolando a assistência à saúde

das demais políticas (Cordeiro, 1991);

3 – Porque recentralizava o financiamento desconsiderando as propostas de reforma

que previam a definição de uma política de financiamento com a descentralização

automática e direta dos recursos para estados e municípios, a partir de um conjunto de

critérios especificados e que visavam a distribuição eqüitativa de recursos, e instituía o

pagamento por produção dos serviços (Santos L., 1991; Santos N., 1991).

4 – Porque as medidas propostas eram ilegais. Desde a Constituição de 1988, com a

apresentação do conceito de sistema único, a União, os estados, o distrito federal e os

municípios passaram a ter igual responsabilidade pelas ações e serviços de saúde. Com as

portarias executivas recuperou-se a competência do INAMPS de coordenar esses serviços,

o que não lhe cabia (Santos, 1991).

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5 – Porque persistia uma concepção fragmentada do orçamento da saúde com normas

que se referiam ao orçamento do INAMPS e que não explicitavam os critérios referentes ao

conjunto do orçamento do MS (Cordeiro, 1991);

6 – Porque se estabelecia um processo de descentralização, a partir dos “convênios

municipalização”, que retirava de cena os estados, que não deviam mais intermediar a

relação entre a União e os municípios, contrariando mais uma vez o projeto de construção

de um sistema de co-responsabilidades das três esferas de governo 188.

Enfim, o fato de manter o poder decisório sob atribuição do INAMPS, reforçar uma

prática política de fragmentação decisória sem considerar as demais áreas de atuação do

MS e suas políticas, dando especial ênfase às políticas assistenciais tradicionalmente

executadas pelo INAMPS e constituindo uma relação com os gestores como prestadores de

serviço, não possibilitou um amadurecimento dos gestores estaduais e municipais no

processo de gestão da saúde (com a incorporação da função gestora), ao contrário, manteve

uma prática centralizadora do Executivo Saúde federal no processo decisório da política e

na sua forma de indução, com o INAMPS à frente desse Executivo. Com essa política

também se afirmava mais uma vez o privilegiamento das políticas assistenciais frente

as demais políticas de saúde não avançando na construção de uma nova concepção de

saúde e, muito menos, na reformatação das práticas de atenção à saúde.

O estabelecimento de “convênios de municipalização”, numa relação direta da União

com os municípios, como previsto na NOB 91, induziu a organização do SUS baseada na

concepção de sistemas municipais isolados, sem a articulação e a integração necessárias à

organização de rede(s) regionalizada(s) e hierarquizada(s) de serviços (Levcovitz, 1997).

Sobre essa questão - os convênios de municipalização – não havia um consenso que

criticasse ou analisasse mais profundamente essa medida pois essa foi uma estratégia de

governo que associou interesses tanto da Presidência189 como dos municípios, tendo adesão

também dos reformistas da saúde que viam no município a principal estratégia para a

188 Esse argumento não é bem desse período, apenas parte dele como o que está relacionado ao sistema de co-responsabilidade. A questão dos convênios é uma avaliação a posteriori feita por Levcovitz (1997).189 Um traço característico do período Collor era a permeabilidade dos programas federais aos interesses clientelistasatendendo especialmente às demandas municipalistas.

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garantia do processo democrático e da reforma sanitária190. Como relata Levcovitz (1997),

“essa lógica respondia, simultaneamente, a uma reação das SMS ao relacionamento

privilegiado com o INAMPS de que dispunham as SES desde a implantação do SUDS e,

principalmente, à decisão política do governo Collor de buscar isolar os governadores, em

sua maioria situados na oposição ao Presidente da República. O “convênios de

municipalização” eram os únicos componentes de toda a “nova política de financiamento”

operados fora da SNAS/INAMPS, sendo sua negociação encaminhada diretamente pelo

Gabinete do Ministro Alceni Guerra e pela Secretaria Executiva, em estreita articulação

com o Palácio do Planalto” (p.160). Mesmo atualmente essa não é uma questão

consensual, sendo uma análise restrita de alguns atores/gestores do setor saúde.

Nessa trajetória política extraímos mais um argumento de que a direção do Executivo

Saúde estava diretamente associada ao Executivo Presidência e distante de uma

discussão mais refletida sobre as estratégias políticas na implementação da reforma.

Nesse sentido, sob o argumento de constituir uma direcionalidade da política nacional

a ser implementada, o Executivo Saúde exerceu uma função reguladora do sistema

que mais fragmentou do que integrou as políticas de saúde, mantendo uma postura

centralizadora e pouco participativa, utilizando-se de instrumentos normativos

(portarias, normas) que lhe davam agilidade decisória ao mesmo tempo que promovia

a intransparência da política e impunha decisões políticas não acordadas com os

grupos de interesse da reforma.

O Executivo Presidência no Legislativo

No Legislativo o Executivo Presidência exerceu um papel contundente na definição

das políticas de saúde, o que se concretizou em situações menos expressivas do debate mas

também significativas para a análise de todo processo, como os decretos.

Os decretos apresentados nos anos Collor trataram do adiamento da Conferência

Nacional de Saúde, da composição do Conselho Nacional de Saúde, da instituição da

190 O movimento municipalista no Brasil se fortalece nos anos 80 no contexto de luta pela redemocratização do Estado,tendo na saúde um conjunto significativo de adeptos. Em 1988 se constituiu o Conselho Nacional de SecretáriosMunicipais de Saúde como resultado de um amplo processo de construção desse movimento.

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169

Fundação Nacional de Saúde, das condições para assistência à saúde das populações

indígenas e da definição da estrutura regimental do Ministério (muitos decretos sobre a

questão orçamentária).

Com exceção do decreto que tratou da assistência à saúde aos povos indígenas, os

demais seriam de fato objeto de regulamentação exclusiva da Presidência e deveriam ser

apresentados por decreto. Contudo, é interessante notar que essa estrutura decisória

composta no Legislativo, e prevista na CF88, não facilita o diálogo entre os Poderes. No

caso em análise, as propostas de políticas apresentadas nesses documentos feriam em vários

aspectos a regulamentação aprovada pelo próprio Legislativo com a LOS. No entanto,

esses decretos não sofreram interferência do Legislativo e possibilitaram afirmar uma

lógica política contraditória ao que aprovaram. A função de controle a ser exercida pelo

Legislativo foi, no mínimo, falha nesse caso. Por outro lado, o conteúdo dos decretos não

passaram por um processo de discussão ampliado com os setores envolvidos no Executivo,

foram decisões acordadas na cúpula de poder do Executivo Saúde - Executivo Presidência e

sujeitos a negociações mais fisiológicas com o próprio Legislativo, no estabelecimento de

cargos e troca de favores entre esses Poderes.

Os decretos enunciam uma forma de atuar bastante específica do Poder Executivo, seja

na relação com o Poder Legislativo, seja como Poder da Presidência frente aos demais

setores do governo no Brasil. Como os decretos não passam por discussões ampliadas, já

que se inserem na ordem do dia, o Legislativo tem uma chance pequena de intervir em

determinações dessa natureza e temas que são de interesse de toda a sociedade são

compreendidos como temas de menor importância para o legislador (o que para esse grupo

também tem servido de argumento pois não o compromete e ainda tem chance de

estabelecer relações de clientela nos bastidores do Poder) – que esquece sua função de

exercer controle sobre os atos do Executivo. O que passa pelo crivo do Legislativo é de sua

responsabilidade mas nem todas as propostas têm o mesmo tratamento no processo

legislativo.

As questões de maior conflito para o Executivo passam pelo longo processo de

discussão e formulação da lei, exigindo ampla negociação e tempo de maturação da

proposta, como se esperasse o momento propício para ser aprovada. Vimos que o tempo de

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170

tramitação de uma lei é em média de oito meses e dez dias quando são de autoria do

Executivo, enquanto as leis propostas pelo Legislativo apresentaram um tempo médio de

tramitação de quatro anos e três meses. A tramitação tende a ser longa porque é adiada

para que se vote decretos, medidas provisórias e outras medidas e matérias de urgência na

ordem do dia, atropelando movimentos mais reflexivos das leis, especialmente aquelas que

não têm o respaldo do Executivo.

Com o recurso do decreto, o Executivo Presidência nos anos Collor definiu alguns

encaminhamentos para as políticas de saúde:

- adiou o debate da IX Conferência Nacional de Saúde por duas vezes – sob o

argumento de recursos escassos e desconsiderando a determinação para a realização

de uma Conferência a cada quatro anos;

- definiu a estrutura regimental do MS – mantendo a fragmentação institucional e

estruturas de poder centralizadas (vide organograma do MS proposto no decreto

109/1991 e implementado como política – Figura 1);

- regulamentou a organização e atribuição do Conselho Nacional de Saúde – antes

mesmo da aprovação da LOS;

- instituiu a Fundação Nacional de Saúde – afirmando uma separação da tradicional

saúde pública no interior do MS.

Que papel o Legislativo exerceu nessas políticas propostas senão de legitimá-las? O

que esses fatos indicam é ainda uma alta concentração decisória do Executivo na política de

saúde, perpassando as decisões do Legislativo e regulando apenas aquilo que lhe é

interessante, especialmente a partir do encaminhamento no Executivo, que nesses casos

tiveram forte influência da Presidência. Ou seja, todo o processo de negociação que

sustentou e garantiu tanto o texto constitucional como a LOS não foram suficientes para

garantir o encaminhamento no Executivo da política tal como foi concebida. O Executivo

liderou o processo de implementação da política recompondo interesses e

renegociando estratégias no interior da tecnoburocracia, não se importando

necessariamente em cumprir os pactos estabelecidos com os grupos representados no

Congresso Nacional.

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171

Figura 1: ESTRUTURA REGIMENTAL DO MINISTÉRIO DA SAÚDE –

DECRETO 109/1991

MINISTÉRIO DA SAÚDE

Órgão de Assistência Direta e Imediataao Ministro:Gabinete

Órgão Colegiado: Entidades vinculadas:

Órgãos setoriais:Consultoria jurídicaSecretaria Geral de AdministraçãoSecretaria de Controle Interno

Órgãos regionais:

Secretaria Nacional deVigilância Sanitária:Dept.Técnico-AdministrativoDept.Técnico-Operacional

Órgãos específicos:

Secretaria Nacional deAssistência à Saúde:Dept.Programas de SaúdeDept.Sistematização deNormasDept.SUSINCA

Conselho Nacional deSaúde

SuperintendênciasFederais de Saúde

Autarquias:INANINAMPS

Fundações públicas:FIOCRUZPioneiras SociaisFNS

Sociedades de economiamista:Hospital Nossa Sra. daConceiçãoHospital FêminaHospital Cristo Redentor

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172

Nesse ponto é importante resgatar a lógica do processo político e o que constitui o

momento de formulação e de implementação de uma política. Na formulação, os interesses

em jogo estão ampliados e muitas vezes descolados da realidade institucional de um setor.

Na implementação, os conflitos se acentuam e os nós críticos de uma proposta se

explicitam. Dessa forma, é muito mais fácil propor do que implementar (Hogwood, 1984).

Reside o problema no fato de que há um descompromisso do Legislador na criação das leis

– característico do caso brasileiro – porque não será ele o implementador, ao mesmo tempo,

é ele que ganhará visibilidade política e social por ter proposto uma lei que agrada

socialmente, mesmo que não se aplique institucionalmente.

Por outro lado, também cabe no processo político antecipar conflitos e enfrentar

dificuldades. As leis podem servir como “puxadoras” de reformas, instigando o debate

político e efetivamente forçando a mudança de cenários. Esse também é o papel do

Legislativo.

Por último, o papel do Legislativo não se esgota no processo de formulação, ele

também é responsável pela fiscalização e controle dos atos do Poder Executivo, bem como

pode convocar Ministros para prestar informações e esclarecimentos sobre questões da

política (Brasil, 1988, art.49). Ou seja, o Legislativo exerce papel fundamental de

articulador da política e também atua na sua implementação. Nesse último sentido, o papel

que o Legislativo exerceu nesses anos não condiz com a expectativa aqui desenhada.

Mas o Executivo manteve uma postura que pouco contribuiu para uma relação mais

profícua com o Legislativo, reforçando o caráter concentrador e decisório do Executivo

frente a um Legislativo que legitima as ações e barganha interesses reforçando uma

estrutura corporativa e cristalizada de poder.

O Executivo Saúde que faz a reforma

O outro lado desse debate revelou uma parte da tecnoburocracia no Executivo Saúde

que apostava na reforma e que participava na elaboração dos atos executivos de modo a

garantir contribuições para o encaminhamento do SUS – um Executivo Saúde atuante e que

incorporava a perspectiva do projeto político-ideológico desenhado na CF88 e LOS,

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173

associado aos dilemas e impasses que o processo de implementação e o contexto político-

institucional por si só apresentavam.

Esse grupo entendia que a opção por manter o INAMPS, com a sua estrutura formal

por algum tempo, garantiria os recursos transferidos para essa instância porque seria uma

estrutura ainda vinculada à previdência, ainda que com a perda da sua autonomia e com a

transferência para a saúde.

Da mesma forma, a estratégia de criação da Secretaria Nacional de Assistência à Saúde

(SNAS) foi realizada com o objetivo de acumular as funções da assistência do MS e do

INAMPS e associar essas áreas, numa expectativa de utilizar a experiência do INAMPS no

encaminhamento de políticas. Ou seja, fortalecer o MS com o Know-how técnico e

institucional do INAMPS. A idéia da NOB91 surgiu desse processo mas acabou sendo

concebida pela área financeira, sem a participação do grupo técnico que a idealizou.

Contudo, havia uma reivindicação dos gestores na construção de um mecanismo de

controle e reajuste dos valores repassados para os hospitais, o que levou a proposta da AIH

pública, contemplada na NOB91191.

Assim, a implantação do Sistema de Informações Hospitalares (SIH-SUS), para todos

os hospitais do país, constituía um banco de dados universal sobre as internações

financiadas com recursos públicos que possibilitaria um maior controle dos prestadores

(perfil do atendimento, fraudes, gastos) além de produzir informações para o planejamento

e a programação de todo o sistema de saúde192, avançando no fortalecimento do SUS. Na

mesma intenção, mas com problemas para adequação à especificidade dos serviços

ambulatoriais, implantou-se o Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA-SUS). Com

esses dois Sistemas foi possível uniformizar tabelas de valores dos sistemas de

remuneração, entre unidades públicas e privadas, datas de pagamento e instituir critérios

explícitos na definição dos valores alocados a cada estado, atendendo às reivindicações do

191 Dados obtidos em entrevista realizada em 1998 com uma representante do Ministério da Saúde e que participou daconstrução da NOB91. As entrevistas realizadas no ano de 1998 com alguns personagens-chave no processo de reformada saúde nos seus diversos segmentos e representações inserem-se num projeto de pesquisa coordenado pela prof.CéliaAlmeida na ENSP/FIOCRUZ e da qual participei como pesquisadora assistente. Como pesquisadora realizei asentrevistas e incorporei as informações nelas processadas.192 Levcovitz e Yamamoto (1989) apresentam uma síntese dos problemas na organização da rede hospitalar pública atéesse ano e as vantagens na implantação do SAMHPS/AIH nesses hospitais, especialmente como gerador de informaçõespara avaliação e como instrumento de financiamento dos hospitais públicos.

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174

CONASS e CONASEMS e avançando efetivamente na construção de alguns mecanismos

para a implementação da política de atenção universal (Médici, 1991; Levcovitz, 1997).

Num cenário do possível e não do desejável, visto que esses instrumentos se inseriam

numa lógica de repasse de recursos por produção submetendo os gestores à situação de

prestadores de serviço, o que não era o esperado com o SUS, essas medidas foram

importantes para o reconhecimento dos problemas a serem enfrentados para a constituição

da política e possibilitava a formação de uma base primeira de informações para a reforma.

Nesse sentido, destaca-se no conjunto de portarias editadas nesses anos aquelas

referentes à instituição do Sistema de Planejamento e Programação (GM 712/91 e

GM2291/91) e as que tratam sobre a regulamentação e sistemática do gerenciamento e

planejamento (GM 1180/91 e GM 2290/91).

Além das ações de caráter sistêmico, foram definidas políticas para áreas específicas e

que mantinham uma lógica de encaminhamento institucionalizada no Ministério da Saúde,

com a criação de novos Programas (Programa de prevenção e controle da cárie) e a

reformatação de outros (Programa de Diabetes). Também foram definidas ações voltadas

para a promoção à saúde, como o controle da propaganda de tabaco – num momento de

incentivo à definição de políticas de combate ao tabaco nos países em desenvolvimento,

estratégia difundida pelo Banco Mundial como um mecanismo eficaz no controle de

algumas doenças (World Bank, 1989).

Mudanças no cenário

No ano de 1992, o Ministro da Saúde, Alceni Guerra, foi destituído do cargo após um

episódio farto de denúncias de fraudes e superfaturamentos nas compras do Ministério

assumindo interinamente, por menos de dois meses, José Goldemberg, até a nomeação de

Adib Jatene, que permaneceu no Ministério no período de fevereiro a outubro desse ano 193.

Dias antes da posse de Jatene foi editada a segunda NOB do SUS, sendo de fato uma

reedição da primeira Norma com pequenas atualizações (denominada NOB92). O fato

interessante dessa Norma foi, que mesmo tendo sido apenas reeditada, ela foi discutida

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175

previamente de forma mais ampliada no interior do MS, já incorporando a participação de

representantes do CONASS e CONASEMS, num movimento de reação dos técnicos da

SNAS/INAMPS, com o apoio do Presidente do INAMPS, ao processo político em curso.

O principal fruto dessa articulação foi a apresentação da Portaria GM 1180 em julho de

1991, estabelecendo um fórum de negociação entre a SNAS/INAMPS, o CONASS e o

CONASEMS – constituindo a primeira versão da Comissão Intergestores Tripartite (CIT)

(Lucchese , 1996; Levcovitz, 1997). Curioso é o fato de estar apenas a SNAS

representando o MS nessa Comissão, denunciando o poder do INAMPS nesse período e

que política realmente importava na saúde.

Por outro lado, definia-se uma preocupação dos reformistas na articulação do MS com

os gestores estaduais e municipais, visando aprofundar o pacto com estados e incluir os

demais gestores no processo decisório.

Com a entrada de Jatene, o Executivo Saúde encontrou um maior espaço para a defesa

do projeto reformista e antigos interlocutores194 retornaram aos postos de direção do MS e

do INAMPS. No curto período de gestão dois fatos merecem destaque:

Primeiro, a insistente preocupação do Ministro com a questão do financiamento do

setor buscando acompanhar, por um lado, o debate sobre a constitucionalidade das fontes

(como na questão do COFINS) e o aporte de recursos destinado ao setor e, por outro, o

pagamento aos prestadores com vistas ao reajuste das tabelas de procedimentos. O que foi

resgatado de forma bastante contundente na sua segunda gestão em 1995/1996;

Segundo, a realização em agosto de 1992 da IX Conferência Nacional de Saúde com o

tema proposto desde 1990 - Saúde: a municipalização é o caminho. A Conferência

realizada no clima de efervescência do “Fora Collor” vinha reafirmar o pacto de 88 em pró

do SUS e clamava pelo “cumpra-se a lei”; fortaleceu o movimento municipalista frente a

um CONASS esvaziado e com baixa capacidade propositiva.

Assim, o que esses fatos explicitam é uma situação de fragilidade política do

Executivo Presidência já nessa fase (1991/1992) e do rompimento da relação de

193 Uma gestão de 7 meses que, segundo Levcovitz (1997), não produziu alterações significativas na lógica políticaanterior mas recuperou a imagem pública de honestidade na condução do SUS.194 Quadros técnicos que haviam participado das AIS e da formulação e implementação do SUDS.

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associação direta entre o Executivo Saúde e o Executivo Presidência, especialmente

com a saída de Alceni Guerra. O impeachment de Collor e a entrada de Itamar na

Presidência apenas acentuava ainda mais o processo de inflexão na condução das políticas

de saúde.

Principais argumentos do capítulo

A partir da análise do processo político que subsidiou as leis (o que inclui toda a

produção legislativa – decretos, medidas provisórias e outros) e portarias apresentadas, é

possível tecer alguns comentários sobre o Executivo Presidência na sua relação com o

Executivo Saúde nesse período:

(1) O Executivo Presidência assumiu um papel de intermediação dos interesses do

setor saúde e determinou um novo rumo para as políticas a serem implementadas porque

fez alianças com os núcleos de poder institucional que não apoiavam o projeto reformista

para a saúde e a proteção social. A opção por um projeto político de Estado neoliberal

exigiu cortes e contenção dos gastos públicos numa diretriz contrária à proposta de

universalização da saúde e de extensão da proteção social, rompendo com o pacto

redistributivo previsto na CF88.

(2) Algumas estratégias foram utilizadas pelo Executivo Presidência para se obter

sucesso no controle das políticas de saúde – a composição de um quadro dirigente no

Executivo Saúde que seguia sua cartilha política garantindo uma associação direta da

Presidência com a Saúde; e a intervenção no Legislativo controlando as negociações em

torno da regulamentação do SUS, apresentando propostas sobre a estrutura, organização e

encaminhamento das políticas. Na relação com o Legislativo, o Executivo exerceu toda a

prerrogativa de poder que a CF88 lhe confere, utilizando-se dos instrumentos que lhe são

próprios.

(3) Nas políticas de saúde implementadas, o Executivo Presidência determinou:

- a revinculação do Ministério da Previdência ao Ministério do Trabalho e rompeu com

a lógica da Seguridade Social, não garantindo de fato os recursos da Seguridade que

iriam para a saúde e muito menos o pacto de solidariedade entre os três setores nela

incluídos – saúde, previdência e assistência;

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Articulado ao Executivo Saúde, compôs:

- uma política de financiamento que manteve uma lógica centralizadora dos recursos no

governo federal, ao mesmo tempo em que não definiu mecanismos de repasse dos

recursos da Seguridade para a saúde;

- uma política institucional centralizada no INAMPS, com ênfase na assistência à

saúde, atendendo aos interesses dos prestadores de serviço privado e não contribuindo

para a reformatação do modelo assistencial;

- uma política de descentralização numa relação direta com os municípios, atendendo

aos interesses dos prefeitos e não definindo atribuições para os estados, atomizando o

processo político e fortalecendo as antigas práticas de clientela e patronagem

institucionalizadas no Estado brasileiro.

Nessa última proposta, a grande herança deixada para o SUS foi uma lei (LOS) que

avançou na regulamentação da política de saúde sem determinar/pactuar questões

fundamentais para o processo de implementação, como a questão do comando único e da

descentralização. A LOS afirma uma descentralização político-administrativa do SUS com

ênfase na municipalização e numa forma de organização regionalizada e hierarquizada da

rede de serviços, exigindo uma maior cooperação entre os entes de governo, sem apontar

caminhos para uma prática de cooperação concertada entre essas três esferas de governo.

Neste sentido Levcovitz (1997) analisa o período como um retrocesso no processo de

construção do pacto federativo e da descentralização na saúde - “A autonomia política dos

municípios e a ausência de hierarquia destes com relação aos estados e à União estimula

fortemente a municipalização do sistema, mas a organização regionalizada e

hierarquizada da rede de serviços, na situação específica do Brasil, exige a prática

permanente da pactuação e da negociação entre as esferas de governo que caracterizam o

federalismo” (Levcovitz, 1997: p. 150).

O problema que incide nessa questão é que com a estratégia convenial, o MS acabou

por acirrar a concorrência entre os municípios quando o esperado era se avançar na

cooperação e compartilhamento de responsabilidades para algumas ações, regionalizando

serviços e construindo uma rede de sistemas e serviços. Para que o gestor estadual ou

municipal atue cooperativamente é necessário a criação de regras que estimulem a

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cooperação e não a competição. Se a regra criada foi a produção de serviços e não a

articulação institucional ou a cooperação reforça-se uma lógica de concentração do poder

nas mãos daqueles que já detêm o poder, ou seja, os municípios com estrutura física,

humana e financeira para a produção de serviços.

Entendendo-se que o setor saúde é um setor que mobiliza poder e atua como um filtro

das relações sociais, porque recepciona demandas e as encaminha conforme os interesses

nela implicados, pende na balança os interesses dos grupos mais poderosos e daqueles que

conseguem, mesmo que a duras penas, fazer se representar, seja pelos movimentos sociais,

seja pelas corporações.

As portarias que deram encaminhamento à política não enfrentaram essa questão e acentuaram

ainda mais a relação de tensão entre os níveis de governo, favorecendo uma municipalização

inconseqüente e fragilizando o papel dos estados.

(4) Na relação entre o Executivo e o Legislativo, ocorreu uma predominância do

Executivo na condução do processo político e um certo alijamento do Legislativo do

processo decisório propriamente dito, pois, chegavam-lhe questões previamente discutidas

e elaboradas pelos grupos de interesse (como já ocorrera na ANC 87/88), considerando que

também participavam desses grupos alguns personagens do Legislativo.

Como uma proposta que exige coalizão política, o Legislativo exerceu o papel

simplório de legitimar decisões já acordadas em outros fóruns – o que se passou no

contexto de maior aproximação entre reformistas e legisladores (como na gestão Seigo).

Assim é que no Legislativo a discussão passou por quatro discussões no plenário e uma

única emenda apresentada teve parecer contrário do relator Almir Gabriel, que assumia

desde a Constituinte o papel de interlocutor da saúde no Legislativo. A fragilidade desse

Poder ficou comprovada frente aos vetos do Presidente à LOS e a capacidade de retomar os

pontos de veto numa outra lei.

(5) O Executivo Presidência assumiu um papel de filtro das políticas, intermediador do

processo decisório, assumindo um franco interesse na condução da política de saúde, nesse

momento com o intuito explícito de conter o processo reformista e a expansão da política

protetora, numa lógica inversa que incentivava a constituição do mínimo em saúde,

coerente com o pacto liberal do projeto de Estado conformado pelo governo Collor, que

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179

buscava consolidar relações diretas entre a União e os municípios.

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CAPÍTULO 7 - O EXECUTIVO SANITÁRIO RETOMA O EXECUTIVO SAÚDE –

OS ANOS ITAMAR (1993-94)

“A descentralização é um processo amplo de redistribuiçãode poderes, responsabilidades e competências, de cima para baixo,que se inicia no nível federal do SUS (essência histórica docentralismo), passa pelo nível estadual (estadualizando), pelo nívelmunicipal (municipalizando) e termina no nível de cadaestabelecimento prestador de serviços, com autonomia gerencial(comunitarizando). Se a redistribuição é de cima para baixo, a lutae esforço para o seu equacionamento, redefinição de papéis,mecanismos de transferências, etc. é inexoravelmente (epenosamente) de baixo para cima – apesar de ser obrigaçãoConstitucional, Legal e dos discursos constitucionalistas dosdirigentes federais (boa parte sinceros)” (Nelson Rodrigues dosSantos, 1993).

A análise dos anos Itamar revelou uma reaproximação do Executivo Presidência e

Executivo Saúde do projeto político-ideológico da reforma na sua vertente mais sanitária e

que valorizava a política de descentralização com ênfase na municipalização do sistema e

dos serviços de saúde.

Diferente do Executivo Saúde Sanitário que encaminhava a reforma no contexto dos

anos Collor, o Executivo que se conformou é um Executivo Sanitário que incorporava um

segmento dos grupos reformistas e que tinha uma base de sustentação no movimento

municipalista que se expandiu a partir de 88 e se articulou melhor no contexto do governo

Collor, pela associação de interesses que se configurou nesse período.

O principal problema relacionado nesse período consistiu no desenvolvimento da

estratégia da descentralização sem o necessário enfrentamento dos dilemas que

atravessavam essa estratégia: a unificação do sistema X à fragmentação das políticas; a

organização da rede regionalizada e hierarquizada de saúde X o comando único do sistema.

Os riscos da política de descentralização atomizada, com a ênfase no município não foram

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superados, ao contrário, a estratégia tendeu a favorecer os municípios e criou uma situação

ainda mais complexa na implementação da reforma.

Além disso, esse período foi de parcos recursos comprometendo as estratégias

adotadas pela nova gestão. A problemática do financiamento, adiada nas rodas de debate

dos reformistas e pouco negociada no contexto do Executivo nos primeiros anos de

implementação da reforma, ganhou contornos nítidos no final do período passando a ser

identificada como O problema fundamental a ser resolvido195. Um outro indicador da

importância dada ao tema nesta época foi a quantidade de textos que surgiram com análises

sobre o financiamento do setor saúde, comparações internacionais e tantos outros.

Paralelamente vieram a expansão e fortalecimento da área de economia da saúde no

Brasil196 e as primeiras críticas mais contundentes ao uso dos recursos e a introdução de

conceitos como o de custo-efetividade, eficácia e mesmo eqüidade num movimento que

novamente deixava para segundo plano discussões mais conflitivas da reforma.

Para abordarmos essa discussão apresentamos algumas questões: Quem é o Executivo

Sanitário que se configura e se associa nesse período com o Executivo Saúde? Que

correspondências existem entre o Executivo Saúde e o Executivo Sanitário? Como se

expressa em políticas cada um desses Executivos? Qual o papel do Executivo Presidência

durante o período?

Quem é o Executivo Sanitário- Quem é o Executivo Saúde

A saída de Alceni Guerra do Ministério da Saúde, em janeiro de 1992, e a entrada de

Adib Jatene já havia formado um quadro favorável ao restabelecimento do diálogo entre os

195 O debate em torno do artigo 35 vetado na LOS é um exemplo disso levando a uma discussão distorcida sobre a questãodo financiamento, até porque o problema não estava apenas na forma de repasse mas também no pacto desfeito dopercentual da seguridade e do quanto estados e municípios deveriam aplicar de recursos – essas questões bem menosfáceis de negociar com os grupos de interesse da reforma.196 A área de Economia da Saúde, como uma área do conhecimento, ganha expressão no Brasil na década de 90. Oprimeiro grupo de pesquisa nessa área foi fundado em 1987, no Departamento de Administração e Planejamento emSaúde da ENSP/FIOCRUZ. Em 1992 e 1993 outros dois grupos se constituíram, um no IMS/UERJ e outro na UFMS,respectivamente. No ano de 1999 outros dois grupos se formaram na FSP/USP e UECE. Sendo esses os grupos hojeatuantes e cadastrados no diretório do CNPq. O primeiro Encontro Nacional de Economia da Saúde foi realizado no anode 1993 (Médici et al (1994) e os primeiros textos foram produzidos também nessa década, ver Piola e Vianna (1995). Adiscussão de financiamento do setor saúde passou a estar mais associada a essa área desde então. Em 1989, o BancoMundial divulgava um relatório propositivo sobre a saúde do adulto no Brasil apontando a importância de açõespreventivas em algumas áreas críticas para o adulto. Já em 1993, o Banco apresenta o Relatório “Investindo em Saúde”,ofertando idéias e relatando experiências de êxito na saúde (World Bank, 1989 e Banco Mundial, 1993).

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reformistas e o Executivo Saúde. Com o impeachment de Collor e a recomposição política

do governo Itamar firmava-se novamente a aliança pela reforma do setor saúde, com

especial ênfase à diretriz da descentralização na vertente municipalista. O Executivo

Presidência portava-se nesse momento favorável à reforma e permitia que essa área

voltasse a encaminhar suas propostas num curso “natural” ou mais “independente”. Ou

seja, o projeto político do Executivo Presidência não colidia, a princípio, com o projeto

político desenhado para o setor saúde e a associação Executivo Saúde – Executivo

Presidência revelava-se mais favorável à reforma197.

Ainda no ano de 1992, o Ministro Jatene foi substituído por Jamil Haddad198, um

antigo aliado da “Frente Sanitária”, e a gerência da Secretaria Nacional de Assistência à

Saúde (SNAS/INAMPS) foi designada a Carlos Mosconi, que havia sido relator da

subcomissão Saúde, Seguridade e Meio Ambiente na ANC e um forte aliado ao projeto

reformista. A seu lado na SNAS, como diretor do Departamento do SUS e do

Departamento de Controle e Avaliação do INAMPS, estava um representante da frente e

também do movimento municipalista, Gilson Carvalho, que assumiu a SAS em janeiro de

1994. A nova composição de governo favorecia o debate para a estratégia da reforma na

vertente da descentralização-municipalização, designando ao município o papel principal

na democratização do processo em saúde. Esse enfoque aprofundava, de um certo modo, a

política municipalista implementada no governo Collor, com os “convênios

municipalização”, tendo o diferencial do compromisso com uma efetiva descentralização

197 É importante que fique claro que o projeto político de Estado é um norteador para a condução das políticas públicas desaúde e, portanto, não é possível desconsiderar o papel do Executivo Presidência nessa relação. Ou seja, é condição daanálise assumir que o setor saúde não é um setor isolado e que se insere num projeto maior do Estado. O que por vezesacontece é uma maior aderência ou não do projeto reformista ao projeto de Estado, dependendo do projeto que se desenha.Esse é o argumento que sustenta toda análise até aqui realizada. Uma prova da atuação do Executivo Presidência tambémnesse período foi a quantidade de decretos, medidas e outros recursos que se utiliza no Legislativo, em número bem maiordo que no governo anterior, o que não significou necessariamente a construção de políticas contraditórias ao ideal dereforma. O Executivo Presidência atuou em favor da reforma nesse período.198 De março de 1990 (início do Governo Collor) a dezembro de 1994 (fim do governo Itamar) foram ao todo 6 ministros(sendo dois interinos). O período de maior mudança foi o ano de 1992 que contou com três ministros – Alceni Guerra(primeiros dias de janeiro). José Goldemberg (interino nos meses de janeiro/fevereiro), Adib Jatene (fevereiro a outubro) eJamil Haddad (outubro/92 a agosto/93). Ver quadro 11 – Primeira Parte da Tese. No site do Ministério da Saúde(www.saude.gov.br) está disponível toda relação de Ministros que já ocuparam a pasta da saúde desde a criação doMinistério em 1953.

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da política, com a transferência de poder decisório (administrativo, financeiro e técnico)199

para os municípios.

A principal diferença desse novo Executivo Sanitário para o Executivo Saúde, que já

se encontrava no MS, era a concepção estratégica sobre a reforma e que estava nas rodas de

debate da saúde desde os idos da reforma nos anos 70/80 e que havia se explicitado na

Nova República com a implantação do SUDS. Assim, o Executivo Sanitário apostava

numa estratégia de “descentralização pelo alto”, encabeçada pelo Ministério e

implementada pelos municípios, principais executores do projeto reformista, apostando na

democratização do processo decisório na composição da municipalização.

O Executivo Saúde, advindo especialmente da tecnoburocracia do INAMPS,

compartilhava da estratégia da “descentralização por baixo”, com a gradativa e progressiva

passagem de poder para os estados, reforçando o caráter da regionalização e valorizando a

experiência acumulada das políticas implementadas até aquele instante via MS e INAMPS.

O ponto em comum entre os dois grupos era ainda o pacto pelo SUS, mas, os conflitos de

interesse e de estratégia entre eles perpassava há muito tempo o debate da política.

Na composição da nova equipe ministerial em 1993 o Executivo Saúde não logrou

tanto sucesso na defesa de suas propostas e prevaleceu a postura do Executivo Sanitário.

As políticas de saúde implementadas

A partir de 1993, iniciou-se um conjunto de debates internos e participativos com

objetivo de pensar estratégias para o processo de descentralização, seguindo as diretrizes

encaminhadas pela IX Conferência de Saúde, realizada no ano anterior, que havia

apresentado no documento “A municipalização é o caminho: a ousadia de cumprir e fazer

cumprir a lei”, alguns desafios a serem enfrentados no processo de reforma.

199 A principal crítica à política de descentralização efetivada no governo Collor foi o fato dela tratar os gestores estaduaise municipais como prestadores de serviço não descentralizando de fato o poder decisório para esses níveis de governo.Daí surge o debate desconcentraçãoXdescentralização. Para muitos analistas, o que o governo Collor propôs comopolítica foi uma desconcentração de atribuições gestoras, com a transferência de funções e tarefas de um nívelhierarquicamente superior para outro inferior, e não a descentralização, com a redefinição da estrutura de poder no sistemagovernamental, que se realiza através do remanejamento de competências decisórias e executivas, assim como dosrecursos para financiá-las. Um texto de Müller Neto (1991) sistematiza as definições correntes de descentralização eantecipa uma análise que vigorará nos anos subseqüentes.

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184

Foi com o intuito de aprofundar a temática que se constituiu o Grupo Especial para a

Descentralização (GED) no âmbito do Ministério da Saúde200, regulamentado numa

portaria de março de 1993 (GM279). O grupo integrava as distintas áreas e órgãos do

Ministério (SE, SAS/INAMPS, SVS, SAG, FNS, CEME e FIOCRUZ) contando ainda com

a participação de integrantes do CONASS e CONASEMS. Os representantes, na sua

maioria, advinham da frente sanitária e um quantitativo bastante expressivo se posicionava

favorável à discussão da descentralização na vertente municipalista, com destaque para

antigos atores do movimento municipalista: Gilson de Cássia M. Carvalho e Flávio de

Andrade Goulart (SAS/INAMPS), os consultores Mozart de Oliveira Jr. e Maria Luiza

Jaeger (CONASS e CONASEMS).

O GED avançou no sentido de um diagnóstico sobre a complexidade e os desafios da

implementação do SUS, em especial no tocante à descentralização. Os pontos críticos

identificados foram:

“1) necessidade de corrigir distorções da série histórica como base de

cálculo do teto financeiro; 2) necessidade de estabelecer requisitos para a

gestão municipal de AIH; 3) necessidade de uma sistemática de

compensação de AIH´s interestadual e intermunicipal; 4) necessidade de

reorganização da esfera federal; 5) ausência de uma política de

investimentos” (Brasil/MS, 1993: p.6).

Por trás do diagnóstico, as questões-chave e de conflito da reforma já transpareciam,

mesmo que ainda não enunciadas dessa forma: a fragmentação institucional dos órgãos

gestores do SUS, a manutenção de regras (como o cálculo de valores das tabelas e a política

de investimento) que consolidavam a iniqüidade herdada do antigo sistema e o isolamento

dos municípios na condução da política (Levcovitz, 1997).

Essas eram questões que precisavam ser aprofundadas mas que encontravam várias

resistências: da tecnoburocracia das instituições que compunham o SUS e que atuavam

corporativamente; dos profissionais de saúde frente às indefinições sobre a política de

cargos, carreira e salários, assim como, mudanças no processo de trabalho; dos prestadores

200 A partir de novembro de 1992 e no CNS a partir janeiro de 1993.

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185

de serviço arrochados pela falta de investimentos no setor e pelo “desfinanciamento” dos

serviços; dos próprios gestores que entendiam a reforma como uma via de mão única (do

gestor federal para os estados e municípios) desobrigando-se na efetiva construção de

mecanismos para o fortalecimento da capacidade de gestão, o que demandava assumir

responsabilidades e prestar contas.

Enfrentar os dilemas da implementação do SUS era afirmar o pacto de

responsabilidade das três esferas de governo na construção desse sistema, um pacto não tão

fácil de operacionalizar frente aos interesses corporativos e clientelistas de muitos estados e

municípios, que começava também a transparecer no processo de implementação com o

diagnóstico de incapacidade técnica, política e institucional dessas esferas para assumir a

gestão de um sistema local201.

Entre o SUS ideal e o SUS real havia um longo processo de maturação e negociação a

se desenvolver. No GED se explicitaram conflitos e se chegou a um consenso na

construção de uma política gradativa de descentralização das ações de saúde para estados e

municípios.

O Ministério da Saúde editou o documento “Descentralização dos Serviços de Saúde -

a ousadia de cumprir e fazer cumprir a lei” (Brasil, 1993), onde apresentou e aprofundou as

propostas debatidas no GED e uma nova Norma Operacional Básica para o setor, que

passava a nortear a política de descentralização da assistência à saúde a partir desse ano.

A NOB e todo seu processo de construção possibilitou uma reciclagem do movimento

pró-reforma e uma maior mobilização político-ideológica para a implantação do SUS,

tendo o Ministério da Saúde exercido um papel fundamental no apoio e divulgação das

propostas202.

A NOB 93 (GM 545 de 20/05/93) veio com o intuito de investir na estratégia da

descentralização, criando um embrião para eliminar a forma de pagamento por produção e

201 Os quase 5.000 municípios existentes nesse ano e os 26 estados apresentavam características muito diferentes.Ressalta-se a heterogeneidade das regiões - as diferenças na capacidade institucional, no amadurecimento político e social,na cultura local para o desenvolvimento de políticas de cunho democrático e de efetiva responsabilidade dos políticoslocais.202 Uma descrição acerca da construção da NOB 93 e a análise das estratégias utilizadas nesse período está em Lucchese(1996).

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186

recuperar a trajetória de reforma traçada para o setor na LOS. Dentre as principais medidas

adotadas na nova Norma estavam:

1 - o reconhecimento da necessidade de estratégias de transição, estabelecendo

condições de gestão para estados e municípios (incipiente, parcial e semi-plena para as

SMS e parcial e semi-plena para as SES (MS, 1993), assumindo uma flexibilidade do

processo de municipalização;

2 – o reconhecimento da necessidade de estratégias de transição baseada na negociação

entre as esferas de governo, com a instituição das Comissões Intergestores Bipartites (CIB)

- um fórum integrado por representantes da SES e das SMS com a função de promover um

processo negociado entre estados e municípios, assim como já se constituía na CIT desde

1991;

3 - a previsão de mecanismos de transferência direta e automática dos recursos do

Fundo Nacional de Saúde para os fundos estaduais e municipais especificando uma relação

com a condição de gestão assumida pelos estados e municípios, visando romper

gradativamente com a lógica convenial do modelo adotado pela NOB 91.

Durante o ano de 1993 a estratégia proposta começava a ser implementada com novas

portarias regulando o processo, como a Instrução Normativa n.1, de 23 de setembro de

1993, disciplinando os fluxos e conteúdos dos processos de habilitação de municípios e

estados às novas condições previstas na NOB 93. Persistiam ainda alguns entraves para a

implementação da proposta como a inexistente regulamentação sobre a forma de repasse de

recursos, em aberto desde a LOS.

A proposta de repasse automático do teto financeiro global para as SMS/SES em

gestão semi-plena não poderia ser implementada até que se regulamentasse a política para a

transferência de recursos. Assim, a gestão semi-plena significava na prática, pelo menos

até que se efetivasse a regulamentação, a incorporação de responsabilidades e atribuições

pelos gestores estaduais e municipais e a não garantia do repasse dos recursos na lógica do

teto financeiro global (orçamento global). Tal situação desestimulou, a princípio, a

solicitação de habilitação dos estados e municípios para essa modalidade de gestão. Em

dezembro de 1994 apenas 24 municípios estavam habilitados na condição de gestão semi-

plena, conforme demonstra o quadro abaixo.

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QUADRO 13 – EVOLUÇÃO DA CONDIÇÃO DE GESTÃO MUNICIPAL DOSISTEMA DE SAÚDE

NÚMERO DE MUNICÍPIOS HABILITADOS CONFORME NOB 93Posição em dezembro de 1994

Regiões Incipiente Parcial SemiplenaNorte 20 11 0Nordeste 595 26 7Sudeste 724 248 13Sul 373 192 4C.Oeste 124 60 0Brasil 1836 537 24

Fonte: SAS/MS apud Levcovitz (1997)

No ano de 1994 começou uma articulação no MS para a edição de uma nova Norma

que aprofundasse a NOB 93 e implementasse com maior vigor a tão desejada gestão

plena 203, não mais pagando por produção e só fundo a fundo, com um recurso único por

quociente populacional, segundo as leis 8080 e 8142. O anteprojeto foi aprovado pela

equipe técnica do MS e pela CIT mas quando chegou ao Ministério da Fazenda204 o projeto

não foi aprovado, pois, demandava um aporte a mais de recursos (Carvalho, 2001 e 2002).

Nessa época, o Ministro Henrique Santillo tomou outro caminho reajustando a tabela

de serviços básicos em 128%, o que só foi percebido como maior gasto após um tempo,

gerando mal-estar no governo bem a posteriori. O aumento da tabela foi seguido de

inadimplência no pagamento aos prestadores, por absoluta falta de recursos no caixa da

saúde e levou à realização de empréstimos junto ao Fundo de Amparo ao Trabalhador

(FAT)205. A partir daí começou a se ventilar a necessidade de uma fonte mais estável de

recursos para a saúde, surgindo como medida paleativa, nesse contexto, a CPMF,

especialmente com a entrada do Ministro Jatene no ano de 1995.

O movimento de pressão para a política de repasse “fundo a fundo” levou à elaboração

de novas políticas nessa área e que tiveram o Executivo Sanitário como vocalizador.

Associado ao Executivo Presidência na medida em que isso não significasse a mudança de

patamares de recursos.

203 O problema da gestão plena é que isso exigia uma integração de fato dos recursos de outras áreas e não só daassistência, o que era um motivo de tensão interna no MS. A NOB 93 só apresentava uma proposta para adescentralização da assistência e por isso deveria manter a denominação semi-plena para a condição de gestão.204 O então Ministro Fernando Henrique Cardoso.205 Sobre o período ver Carvalho 2001.

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188

Em agosto de 1994 foi editado pelo Executivo e aprovado no Legislativo o decreto

1232 (30/08/94) que possibilitava finalmente a transferência automática de recursos para

estados e municípios, permitindo o encaminhamento e a implementação da NOB93. Esse

decreto além de reforçar o parâmetro do critério populacional, até o estabelecimento dos

critérios do art.35, reforçou o papel dos planos de saúde (com a aprovação das bipartites e o

caráter da regionalização, com o necessário investimento de estados e municípios), como

instrumento para comprometer os gestores estaduais e municipais na implementação da

política proposta206.

A partir do decreto 1232 foi possível implementar a estratégia “fundo a fundo” e ao

final do ano de 1994 o MS apresentava duas portarias com o objetivo de operacionalizar a

política traçada nesse decreto – a portaria GM 1827 (31/10/94) que determinava que a SAS

passasse a definir os tetos financeiros dos estados relativos ao custeio das atividades

ambulatoriais e hospitalares e a portaria da SAS 199 (de 03/11/1994) que regulamentava a

transferência de recursos a partir das condições de gestão da NOB 93.

Outras portarias, nesse mesmo ano, normatizaram a transferência de recursos conforme

previsto na NOB93, como: a GM 892 (de 03/05/94), regulando os fatores de apoio a

estados e municípios (FAE e FAM); a portaria 118 da SAS (de 14/07/94), com a definição

dos requisitos para a aprovação dos programas regionalizados para efeito de habilitação ao

valor adicional do FAM; e a portaria do gabinete (GM 1553 de 24/08/1994), que

condiciona a transferência dos recursos à previsão expressa no Plano estadual ou municipal.

Além disso, a portaria GM 1834 de 31/10/1994 rescindiu de vez os convênios de

municipalização promovidos desde a NOB91. As condições para habilitação de estados e

municípios se configurou no final do ano de 1994, possibilitando ao próximo governo a

implementação da estratégia.

206 O decreto foi elaborado conforme orientação do TCU a partir de uma solicitação do Secretário Carlos Mosconi. Suasprincipais conquistas foram: 1) definir que os repasses financeiros da União a estados e municípios seriam feitosindependentemente do procedimento convenial ou similar; 2) reafirmar a necessidade do estabelecimento de critérios,valores e parâmetros de cobertura assistencial para a transferência de recursos e sair do critério de repasse por simplessérie histórica de produção; 3) reafirmar o entendimento de que enquanto não fosse regulamentado o artigo 35 prevaleciao quociente populacional; 4) reafirmar as exigências para repasse, como fundo de saúde, plano, percentuais de recursos aserem aplicados, conselhos e relatórios de gestão; 5) tratar do ressarcimento dos Planos de Saúde privados. (Carvalho,2002: 160).

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189

Nesse sentido, há na regulamentação aprovada pelo Legislativo (decreto 1232) e

portarias do Executivo uma grande concordância de estratégias de políticas o que constitui,

diferente do período anterior, uma relação aparentemente menos conflitiva entre esses dois

Poderes, o que não quer dizer que seja menos negociada ou que não haja um tensionamento

das propostas.

Os conflitos certamente existiam, pois, políticas propostas não lograram sair do papel,

mesmo com toda regulamentação que lhes dava sustento, como as que definiam a

transferência direta e automática dos recursos do FNS para os fundos estaduais e

municipais referentes aos eventuais saldos não utilizados no pagamento dos faturamentos

do SIH e do SIA/SUS e ao FAE e FAM, dispensando a celebração de convênio (Levcovitz,

1997: p.173), o que configura exemplos típicos de portarias que não se implementaram.

Uma das explicações para sua não implementação está associada à conjuntura adversa do

financiamento setorial nesse período, com poucos recursos disponíveis.

A adesão dos municípios e estados à política proposta ficou condicionada à resolução

da regulamentação das transferências de recursos, solucionada apenas na metade do ano de

1994 e normatizada pelo MS no correr do ano, retardou de uma forma geral o processo de

habilitação de estados e municípios. De qualquer forma, os municípios foram bem mais

receptivos à proposta do que os estados, e no final do ano de 1994 quase 2400 municípios

estavam habilitados em alguma das condições de gestão, enquanto apenas um terço dos

estados havia se habilitado, sendo quatro à condição semiplena e cinco à parcial (Levcovitz,

1997).

A estratégia atraía o interesse dos gestores municipais, principais atores no processo de

construção da proposta, que vislumbravam o aporte de recursos para a constituição da

política de saúde local identificando o setor saúde como um valioso instrumento de política,

dado os recursos institucionais e econômicos que mobiliza.

Os estados não viram na NOB93 um estímulo, ao contrário. Primeiro, porque a

formulação dos requisitos para habilitação se adequavam bem aos municípios mas não tão

bem aos estados, pois, a estratégia não foi pensada com o objetivo de atender a estes;

segundo, a não-implementação de recursos fundo a fundo não trazia qualquer outro atrativo

financeiro para os estados, apenas somavam-se responsabilidades; terceiro, a ausência de

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190

mecanismos de organização da rede regionalizada e hierarquizada não avançava na

definição das atribuições do estados, que ficavam sem uma função definida no sistema

(Levcovitz, 1997).

Com todos os avanços conquistados com a NOB93 ainda persistiam problemas no

processo de implementação da reforma e na estratégia utilizada pela Norma. As críticas

mais contundentes feitas a NOB93 eram:

1 - A estratégia proposta para a descentralização mantinha a ênfase nas atividades da

SNAS/INAMPS, portanto, da política estrita de assistência à saúde. A NOB 93 não

conseguiu romper com a lógica fragmentada das políticas de saúde, não incorporando as

ações da FNS, SNVS, CEME e INAN. O principal argumento que justificava a política,

ainda fragmentada foi enunciado no contexto do GED com a explícita resistência dos

demais órgãos do MS na composição de uma política mais unificadora.

2 - A permanência de alguns elementos da política anterior (nas condições incipiente e

parcial), como o repasse de recursos associado à prestação de serviços com a segmentação

dos recursos pela assistência ambulatorial e hospitalar (a semi-plena recebia um teto que

reunia o montante hospitalar e ambulatorial), não favoreceu o enfrentamento da iniqüidade

do sistema e a construção de um modelo baseado na integralidade da atenção e

progressividade dos cuidados ao paciente (Levcovitz, 1997: p.177).

3 – A manutenção das séries históricas para o repasse de recursos persistiu numa estratégia

que não enfrentava a iniqüidade interregional e a ineficiência alocativa dos recursos.

Assim, a estratégia da NOB 93 desenhada pelo Executivo Sanitário de ênfase

municipalista significou, por um lado, a definição de políticas que atendiam aos ideais e

pressupostos desse grupo (com incentivos à municipalização), mas, por outro, uma

adequação a uma realidade institucional de difícil desmonte, altamente concentradora de

poder no Executivo federal, por isso, de baixa capacidade institucional dos estados e

municípios (sendo um processo negociado e gradativo em condições de gestão),

fragmentada nas instituições responsáveis pelas políticas de saúde (sendo a NOB apenas da

assistência), com instrumentos de regulação, controle e avaliação inexistentes (daí a

manutenção de mecanismos de pagamento ainda atrelados ao controle estrito da prestação

de serviços e a incapacidade para revisar os parâmetros de tabelas).

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Ou seja, o Executivo Sanitário se defronta com uma realidade política e

institucional bem mais complexa e vê no processo de implementação os desafios para a

construção do projeto político-ideológico firmado na CF88 e Leis orgânicas.

O debate das políticas de saúde no Legislativo

Coerente com a concepção “municipalista”, o MS engajou-se na tarefa de extinção do

INAMPS e propôs ao Legislativo uma lei sobre a extinção do órgão207 e a criação do

Sistema Nacional de Auditoria. Com a aprovação de uma lei regulando a questão

encerrava-se de vez o debate sobre a permanência ou não do INAMPS como uma estrutura

decisória.

O debate interno para a desmontagem do INAMPS não era nada consensual. Se de um

lado, o INAMPS era a expressão de uma política centralizadora do Estado e expressão da

prática de privilegiamento (Arouca, 1993), sendo por isso alvo de crítica, por outro, era a

única instituição federal condutora de um processo de transformação da política setorial e o

risco de sua desmontagem podia significar a perda da liderança política e técnica no MS

(Saraiva Felipe, 1988; Levcovitz, 1997).

Por trás desse debate, tencionavam o Executivo Sanitário e o Executivo Saúde, e, a

questão que diferenciava os reformistas – advindos da previdência e da saúde na polêmica

questão sobre a descentralização “por baixo ou pelo alto”.

Colocavam-se publicamente contra a extinção as entidades de representação dos

prestadores privados de serviços, que alertavam para os riscos de perda de recursos

originários da Previdência Social, e os grupos conservadores e corporativos de funcionários

da autarquia, apoiados por parlamentares com interesses clientelistas.

De fato, a extinção do INAMPS trouxe para o processo de implementação do SUS

pelo menos três ordens de problemas:

Primeiro, a perda de instrumentos que davam agilidade à gestão da autarquia e que na

administração direta se perderam, por exemplo, na área jurídica.

207 A mensagem presidencial é de 27 de abril de 1993 e transformada em projeto de lei. O projeto tramitou no Congressopor 3 meses - Lei 8689/1993.

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Segundo, a criação do Sistema Nacional de Auditoria (DEC 1105 de 06/04/94) como

uma concessão política a partir da pressão do grupo conservador-centralista dos “auditores”

do INAMPS208 e não como uma política estratégica prevista na LOS e no decreto de

extinção do INAMPS.

Terceiro, a indefinição sobre a transferência de recursos antes atrelados ao INAMPS

para o MS e a indefinição sobre o financiamento do setor saúde. A desvinculação da

assistência médica da previdência, com a passagem do INAMPS para a saúde, já havia

fragilizado no início da década (90) o poder de barganha do INAMPS. Na partilha do

Orçamento da Seguridade Social e com a extinção do órgão e a supressão dos recursos

oriundos das folhas de salários, a partir de 93, quando o Ministério da Previdência vinculou

esses recursos exclusivamente à previdência209 (ver tabela 1), a saúde ficou à procura de

recursos para sustentar as políticas desenhadas, o que foi agravado com o aumento do valor

de tabela em 1994210.

Por outro lado, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que deveria estabelecer um

percentual de 30% dos recursos da Seguridade Social para a saúde, não o fez, e a saída foi

solicitar empréstimos junto ao FAT211, o que comprometeu parcelas crescentes dos

orçamentos do MS nos anos subseqüentes. Em 1993 e 1994 foram também apresentados

decretos declarando o estado de calamidade pública da saúde e que serviam de argumento

para os empréstimos solicitados212.

208 Foi nesse período que surgiram na imprensa várias denúncias de fraude no sistema de saúde e que em muitos casos nãoexpressavam de fato uma fraude, mas, um erro no preenchimento dos procedimentos. A estratégia da denúncia na mídiafoi utilizada pelos auditores como forma de pressionar a criação do SNA e mantê-los na administração federal, poistemiam a transferência para estados. Esse fato contribuiu para desmoralizar a imagem do SUS e como argumento para ouso “mais efetivo” dos recursos, num momento seguinte (Levcovitz, 1997).209 Numa ação conjunta do Ministro Antônio Britto na Previdência e do Ministro Fernando Henrique Cardoso noMinistério da Economia.210 A partir desse ano iniciou-se um processo gradativo de substituição de fontes no financiamento da saúde. A retirada dafonte de contribuições dos trabalhadores e empresários elevou, não proporcionalmente, a fonte do fundo de estabilizaçãofiscal. A partir de 1997, a CPMF tornou-se uma fonte importante. Ver tabela 1.211 Durante o ano de 1993 o Presidente da República apresentou 5 medidas provisórias com solicitação de recursos para asaúde junto ao FAT. No final desse ano (novembro) o Congresso Nacional elabora um Projeto de Lei de Conversão, apartir de uma Comissão Mista, sobre a questão regulamentando os empréstimos junto ao FAT numa lei, dando maiorpoder decisório ao processo.

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Tabela 1 – Ministério da Saúde: distribuição percentual das fontes de financiamento, 1993/19981993 1994 1995 1996 1997 1998

Recursos Ordinários 8,9 1,0 3,1 0,2 1,0 10,8Títulos Resp.Tesouro Nacional 15,1 1,6 2,6 3,3 2,8 0,5Operações Crédito Internas – Moeda 2,6 0,0 7,6 8,2 0,0 0,0Operações Crédito Externas – Moeda 0,5 1,2 1,1 0,9 0,5 1,1Recursos Diretamente Arrecadados 1,0 2,1 2,4 2,5 2,4 2,6Contribuições Sociais 67,4 54,5 69,2 63,3 73,0 71,0Contrib. Social Lucro PJ 10,7 12,9 20,2 20,8 19,3 8,0Contrib. Social p/Financiamento Seguridade Social 25,1 34,0 49,1 42,5 25,9 26,0Contrib. Empr. E Trabalhadores p/Seguridade Social 31,6 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0Contrib.Provisória sobre a Movimentação Financeira 0,0 0,0 0,0 0,0 27,8 37,0FINSOCIAL – Recuperação Depósitos Judiciais 0,0 7,6 0,0 0,0 0,0 0,0Fundo de Estabilização Fiscal 0,0 36,8 11,9 17,7 19,5 13,3Demais Fontes 4,4 2,8 1,9 3,9 0,8 0,9TOTAL 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0Fonte: SIAFI/SIDOR. Apud Piola e Biasoto Jr. (2001).

À instabilidade dos recursos associou-se a reforma monetária de 1994 (Plano Real) que

levou a uma defasagem dos valores dos preços dos serviços pagos pelo MS (uma perda de

27%) (Levcovitz, 1997: 184) e poucos recursos financeiros de sobrevivência para os

prestadores de serviço213.

No contexto da crise surgiu a proposta de constituição do Grupo de Trabalho

Interministerial MF/MS/SEPLAN-PR para Racionalização dos gastos com saúde e

melhoria do atendimento à população (DEC 000000 de 1994214), onde se falava pela

primeira vez em ressarcimento ao SUS pelos Planos Privados de Saúde. A concepção

central do documento divulgada pelo grupo apresentava como problema central do SUS,

incompetência gerencial e desperdício dos recursos – “a questão do financiamento, muito

em evidência, não pode ser analisada independentemente da discussão da eficiência e

eficácia do gasto. Os recursos são poucos, mas pode-se dizer que, na grande maioria dos

casos, gasta-se mal” (Grupo de trabalho interministerial, 1994), fortalecendo uma tese que

começava a se afirmar na área econômica de governo, com um argumento técnico de

grande respaldo, de que a saúde gastava mal seus recursos, portanto, bastava se criar

212 “É interessante que não é a situação de saúde, nem o SUS, que são declarados como em Estado de calamidade, senãoexclusivamente “o setor hospitalar do SUS “, como alerta Carvalho (2002: p.98).213 Num cenário de inflação a correção monetária e as aplicações financeiras podem se tornar a saída para algunsempresários, a partir do Plano Real e do controle inflacionário esse recurso não pôde ser utilizado. Além disso algumasnegociações travadas entre o MF e o MS para o reajuste de tabelas e o aumento do aporte de recursos financeiros para asaúde foram desfeitos levando a disputas entre os dois grupos e brigas judiciais (Carvalho, 2002).214 Esse decreto foi assinado pelo Presidente da República e o Secretário de Planejamento. Para publicação no DiárioOficial foi incluído o nome do Secretário da Assistência à Saúde, Gilson Carvalho. Um relato do período está na Tese doentão Secretário (Carvalho, 2002: 136).

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194

mecanismos de controle, avaliação e apuração dos problemas para uma melhora efetiva do

setor. Essas idéias, já difundidas no Relatório do Banco Mundial de 1993 e com grande

espaço no debate da Economia da Saúde no Brasil e no debate setorial.

A questão do subfinanciamento foi deixada de lado e os representantes do MS

protestaram veemente com relação a essa síntese (Levcovitz, 1997: p.186). Um indício de

que a relação do Executivo Sanitário com o Executivo Presidência (e o projeto de

Estado que lhe embasava) começava a estremecer e não era tão harmoniosa como

parecia à primeira vista.

Que Estado é esse afinal que de um lado rompe o pacto de sustentabilidade do

orçamento do MS não garantindo na LDO o mínimo de recurso previsto em negociações

sobre a política de proteção, inclusa a saúde, e de outro apóia a política de empréstimos

junto ao FAT, que a médio e longo prazo traria prejuízos para o orçamento do setor?

Assim, é questionável também a associação entre o Executivo Presidência e o Executivo

Saúde nesse período quando o poder de barganha não significou exatamente uma política

sustentada, especialmente no que tange ao suporte orçamentário-financeiro da política de

saúde.

Retomando as políticas encaminhadas no Legislativo o que se apreende desses dois

anos (1993-1994) é uma mudança de foco nas temáticas regulamentadas. Se no período

anterior o enfoque estava na regulamentação de base do sistema, com uma articulação

grande com os grupos reformistas, nesses anos, o Legislativo atendeu mais a uma

demanda “encomenda” do Executivo, onde se sobressaíram os interesses corporativos,

como na questão dos auditores.

O Executivo Saúde encaminha políticas específicas

Mesmo não tendo o foco das atenções sobre o encaminhamento da reforma e a política

de descentralização, o Executivo Saúde deu continuidade à implementação das políticas

setoriais constituindo um diálogo com diversos grupos de interesse da saúde215.

215 Movimentos sociais e outros grupos que se expressam com poder de influenciar a definição de políticas específicas enem sempre tão facilmente apreendidas no debate político da macro-política de saúde, mas, que podem se expressar comgrande visibilidade num dado contexto, como a política de AIDS.

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Dentre as políticas implementadas no ano de 1993, a que alcançou grande destaque

frente as demais, foi a política de DST/AIDS, com uma portaria definindo o regimento do

Comitê Diretivo de Pesquisa (GM 588 de 01/06/1993) e outra apresentando os critérios

para participação no Projeto de controle da AIDS (GM 622 de 04/06/1993). A partir desse

ano a responsabilidade pelo Projeto DST/AIDS foi designada à SAS (GM 1011 de

20/08/1993), um forte indício de que essa seria uma política a ser priorizada, visto que, a

SAS liderava o processo de tomada de decisão e reunia poder institucional.

Em 1992, uma portaria da SNAS (PT 291 de 17/06/1992) já incluía e normatizava no

SIH/SUS os procedimentos referentes ao tratamento da AIDS, desde então, muitas portarias

passaram a autorizar o tratamento da AIDS em hospitais, o que aumentou bastante a partir

de 1993/94. Outras portarias foram editadas no ano de 1994 avançando na regulamentação

da política. A política de controle da AIDS no Brasil se estabeleceu em 1985 a partir da

portaria GM 236 de 02 de maio, que definiu as diretrizes para o Programa de Controle da

SIDA ou AIDS.

Em 1994 foi determinado, numa Resolução do Senado Federal (RSF 021 de 28/02/94),

o primeiro crédito externo junto ao BIRD para financiamento do Projeto de controle do

DST/AIDS (mais conhecido como AIDS I216). No contexto internacional essa política

começava a ganhar contornos mais nítidos e um grande espaço político no processo de

negociação. A política de combate à AIDS definia-se nesse período como uma prioridade

de política a ser adotada pelos governos onde o eixo principal de atuação da política deveria

ser a prevenção, conforme determinações e oferta de idéias do Banco Mundial217. No

Relatório do Banco Mundial de 1993, com o subtítulo Investindo em Saúde “o Banco

reconhecia a importância da AIDS, caracterizando-a como um dos grandes desafios para o

futuro” (Banco Mundial, 1993: p.35-36).

No Brasil, a política traçada desde seus primórdios não parecia se adequar ao pacote de

ações preventivas de controle da epidemia, ao contrário, as ações propostas desde o início

216 No valor de U$ 160.000. Junto com o empréstimo realizado no ano de 1998, de valor um pouco superior a esse, oBrasil obtinha um dos maiores empréstimos para projetos de controle da AIDS no mundo com recursos do Banco (Mattoset ali, 2001).217 O uso do termo é proposital e refere-se a tese de Mattos (2000) sobre a estratégia do Banco Mundial de ofertar, alémdos empréstimos, idéias sobre quais seriam as políticas mais adequadas pelos governos no controle de epidemias, como aAIDS.

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196

estiveram fortemente associadas ao tratamento da AIDS, como vimos nas portarias

apresentadas desde o ano de 1992218. Mais do que isso, o que se constituiu durante esses

anos foi a estruturação de uma estratégia acordada entre os técnicos do Executivo

Saúde e os grupos associados ao debate da AIDS para a construção de uma política

específica para a AIDS no Brasil, que não só afirmava o compromisso constitucional

da atenção universal, integral e equânime como também buscava a integração com os

demais setores da saúde e do Estado (com ações que extrapolavam a área da assistência,

propriamente dita, estabelecendo parcerias com outras áreas, como a educação).

A especificidade dessa política foi assim resumida por Mattos et ali (2001):

“A resposta a AIDS no Brasil é muito anterior ao primeiro projeto

financiado pelo Banco Mundial. Desde sua origem, ela foi marcada por

dois eixos fundamentais: a participação e a demanda dos movimentos

sociais organizados em torno da AIDS; e a contribuição de técnicos

compromissados com a construção de um sistema de saúde que assegurasse

o direito universal da saúde. A ação conjunta desses dois eixos permitiu que

o primeiro empréstimo do Banco fosse apropriado, sem que com isso, o

governo se afastasse das suas pretensões universalistas219. Pelo contrário, o

governo brasileiro pôde lançar as bases do que se tornaria um inovador

programa e distribuição gratuita de medicamentos anti-retrovirais para os

pacientes com AIDS. O governo já havia decidido antes de iniciar as

negociações com o Banco, de iniciar a aquisição para distribuição gratuita

de medicamentos para a AIDS. Como reconhecido num documento

publicado pelo Ministério” (p.125) – um documento do ano de 1992.

218 Os dados apresentados por Mattos et ali (2001) mostram que um pouco mais de 40% dos recursos do crédito foramaplicados no componente mais diretamente ligado à prevenção, enquanto “cerca de 34% dos recursos eram dedicados aserviços de tratamento e os demais voltados para o desenvolvimento institucional, para a vigilância, a pesquisa e aavaliação” (p.125).219 O que tornou o desenho dessa política um fato inédito no cenário internacional servindo como um caso exemplar para adiscussão das políticas em outros países. Inédito especialmente porque não seguiu o receituário de medidas preventivaspara o controle da doença e afirmou a importância do tratamento e do cuidar.

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197

Mais recentemente, o Ministério (2002) editou um documento sobre a experiência do

Programa Brasileiro de AIDS, retomando as estratégias adotadas desde o final da década de

80 e de forma intensiva a partir dos anos 90 nessa área –

“Em 1991, o governo brasileiro, atendendo às reivindicações de setores da

sociedade civil, iniciou a distribuição da zidovudina (AZT) para as milhares

de pessoas vivendo com HIV/AIDS com indicação de tratamento no país”

(p.8) (...) “paralelamente ao desenvolvimento da política de distribuição

universal de medicamentos anti-retrovirais, o Ministério da Saúde do Brasil

precisou garantir o acompanhamento médico-hospitalar das pessoas com

AIDS (...) as alternativas assistenciais criadas a partir de 1993 mostram

custos econômicos e sociais significativamente menores que o atendimento

hospitalar convencional” (Brasil/MS, 2002: 17).

Afora a política de AIDS, que certamente foi a melhor desenhada nesse período,

algumas portarias enunciavam questões-problema da saúde que precisam ser enfrentadas,

como a situação da mortalidade materna. No ano de 1994, além de uma portaria

declarando a mortalidade materna como um dos problemas prioritários de saúde pública no

país (GM 663 de 22/03/94), foi constituída a Comissão Nacional de Mortalidade Materna

(GM 773 de 07/04/94). Também nessa política havia por trás um forte movimento social

(além da própria UNICEF) que agia como interlocutor no debate da política específica da

mulher e da criança – o movimento das mulheres. Uma expressão da forte presença e

atuação desse grupo esteve atrelada ao processo legislativo do Projeto de lei sobre o

planejamento familiar (a lei sobre a esterilização cirúrgica, como é mais conhecida), em

tramitação desde 1991 no Congresso Nacional.

O Sistema Nacional de Vigilância Sanitária também foi constituído nesses anos (GM

1302/93 e GM 441/94), alguns programas e dias começaram a ser aplicados como política:

Dia Nacional do Mal de Alzheimer, adesão do Brasil ao Dia Mundial da Saúde Mental, Dia

Nacional de luta contra doenças reumáticas e o Programa Nacional de Controle das

Deficiências de Vitamina A. A importância de cada uma dessas políticas no debate

maior da macro-política era de afirmação de um espaço no processo político do MS,

tendo maior ou menor sucesso de acordo com as propostas e grupos afiliados.

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198

No caso da saúde mental, a adesão ao dia mundial da saúde mental refletia também

uma conquista do movimento de reforma psiquiátrica na discussão em pró de um modelo

de saúde moderno, tal como foi aplicado nos países que haviam passado pela reforma,

significando o apoio à desospitalização e desinstitucionalização da loucura. No ano de

1992 a II Conferência Nacional de Saúde Mental já havia firmado o compromisso do MS

na construção do modelo anti-manicomial e a lei Paulo Delgado encontrava-se em

tramitação no Congresso Nacional desde 1989. Dessa política se extrai um exemplo de

articulação e atuação entre movimento social, Poder Legislativo e Poder Executivo.

O movimento de reforma psiquiátrica no Brasil não só acompanhou e interviu em todo

o processo de discussão da reforma sanitária, como foi pioneiro na discussão sobre a

reestruturação do modelo assistencial apresentando propostas inovadoras para a atenção

nessa área, implementando mudanças concretas na organização da assistência.

Durante a década de 80 e 90 uma série de novos dispositivos de atenção foram criados

(centros de atenção, pensões protegidas, lares assistidos, hospitais-dia e tantos outros),

regulamentados pelo Ministério da Saúde através de portarias diversas. A tramitação da lei

no Congresso servia como um importante dispositivo para a discussão mobilizando

diversos segmentos sociais que se posicionavam a favor e contra a lei. O resultado desse

processo era que a discussão alimentava o processo de reforma nas instituições de saúde e a

gradativa substituição do modelo 220.

Há ainda nesse período a composição de uma Comissão com a finalidade de propor

uma regulamentação dos Planos de Saúde (SE 7 de 03/02/1994), num primeiro indício de

preocupação com essa temática.

A realização das Conferências temáticas é uma outra marca do período – foram

realizadas as Conferências de Saúde Bucal, Recursos Humanos, Saúde do Trabalhador e

Saúde dos Povos indígenas – mesmo num cenário de parcos recursos e restrição

orçamentária. Assim, o argumento da crise financeira não serviu nessa gestão como

220 Em 1992 foi realizado um debate no Auditório da UERJ intitulado “Loucura, direito de todos, dever do Estado” ondese colocou em discussão a lei Paulo Delgado e as propostas de mudança no modelo assistencial. Nessa época a principalresistência ao projeto vinha dos familiares dos doentes mentais (como se designavam) mas, que também mostravam-sesensíveis à proposta de mudança, frente às atrocidades da assistência prestada a essa clientela. Apesar das divergências,esses grupos se fortaleciam na defesa de um projeto de qualidade para a área de saúde mental.

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estratégia para adiar o debate, como havia ocorrido para a realização da IX Conferência

Nacional de Saúde, no governo anterior.

Ainda nesse período é importante destacar o começo do processo de

institucionalização dos Programas de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e Saúde da

Família (PSF) como uma estratégia para avançar na implementação do SUS 221 ou “na

organização do SUS e na municipalização da saúde”, como enuncia o documento do

Ministério de 1994 (Brasil/MS, 1994).

A proposta surgia como conseqüência do grande sucesso (melhora dos indicadores de

saúde) da experiência do PACS em algumas regiões do Nordeste do Brasil, que desde 1991

experimentavam um novo formato na composição do modelo assistencial, mais adequado à

realidade local e próximo aos problemas de cada região e indivíduo. Uma estratégia que

previa a composição de um novo modelo de atenção à saúde que priorizasse as ações de

proteção e promoção à saúde dos indivíduos e família em contraposição ao modelo

tradicional, centrado na doença e no hospital.

A estratégia adotada a partir de 1994222 firmou-se num contexto de alarde quanto aos

excluídos no Estado brasileiro, tendo como meta atender os trinta e dois milhões de

brasileiros identificados pelo Mapa da Fome do IPEA (Brasil/MS, 1994) e garantir

minimamente a atenção à saúde a essas populações. Assim, o PACS/PSF se fortaleceu num

contexto que visava atender prioritariamente um grupo específico da população brasileira

compondo mecanismos para a operacionalização dos Programas que se adequavam à idéia

inicial de se restringir a uma determinada população.

Principais argumentos do capítulo

São quatro os principais argumentos apresentados neste capítulo:

(1) O Executivo Sanitário encontrou durante os anos Itamar um maior espaço para

articulação liderando o processo de formulação e implementação das políticas de saúde no

221 Em 25/03/1994 foi editada uma portaria do Gabinete do Ministro criando códigos e estabelecendo condições decobrança para o PSF e PACS.222 Mesmo enunciado pelo Ministro como um Programa a se dar prioridade pelo governo, seu orçamento era irrisórionesse período e se constituía apenas como mais um Programa dentro da FUNASA contando com uma equipe contratadade forma precária pelo UNICEF e PNUD.

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período. A expectativa desse Executivo era de “fazer cumprir a lei” como se bastasse a

vontade política dos dirigentes federais. Mas o diagnóstico setorial revelou obstáculos de

muitas ordens que exigiam a composição de estratégias. O resultado foi a construção de

uma política para a operacionalização do SUS que assumia o caráter gradual e progressivo,

o que ficou impresso na estratégia da NOB93;

(2) O Executivo Saúde manteve-se também atuante no interior do Ministério

constituindo bases para políticas específicas (como a da AIDS, da mulher, da saúde mental)

e garantindo aspectos da reforma que não estavam na ordem do debate macro-institucional;

(3) O Executivo Presidência adotou uma postura dúbia com relação ao projeto para a

saúde. Se, de um lado, possibilitou a expansão do movimento de reforma e a construção de

estratégias institucionais para o desenvolvimento da mesma, por outro, não garantiu uma

sustentação financeira para os projetos desenhados, ao contrário, deu início a um processo

de crítica contundente a forma como eram alocados e gastos os recursos da saúde passando

a sustentar a tese da racionalização dos gastos.

(4) Na relação Executivo-Legislativo predominou novamente o Executivo tendo o

Legislativo atuado em questões pontuais de interesses do primeiro.

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CAPÍTULO 8 - O EXECUTIVO SAÚDE TEM A SUA VEZ - OS PRIMEIROS

ANOS FHC E A GESTÃO JATENE (1995-1996)

“A tradicional separação da esfera “política”, a cargo dosintelectuais orgânicos da “frente sanitária”, de parlamentares erepresentantes de entidades setoriais ou dos titulares dos cargos máximosdos órgãos federais, estaduais ou municipais e das responsabilidades“técnicas”, delegadas às equipes de planejamento e administração deserviços, encontra-se plenamente superada na conjuntura atual. Amudança é visível no próprio perfil e no comportamento dos dirigentesdos órgãos públicos. Seja o Ministro da Saúde ou o “primeiro escalão”do MS, sejam os Secretários Estaduais e Municipais, cargostradicionalmente ocupados por médicos de renome ou parlamentares (ouex-parlamentares ou candidatos), demonstram um amplo domínio dostermos, fluxos e instrumentos que, nos anos pregressos, eram depropriedade exclusiva de seus adjuntos e das assessorias técnicas”(Eduardo Levcovitz, 1997: p.197).

O Executivo Saúde apresentou-se novamente à frente das políticas de saúde a partir de

1995, possibilitando um retorno da discussão técnica no encaminhamento da reforma. A

SAS encabeçou a condução da política e reafirmou o poder institucional e decisório dessa

secretaria em relação às demais. A estratégia de condução foi ao estilo INAMPS, com uma

tendência à racionalidade técnica e normatização pari passu da política, com o diferencial

do componente da negociação e construção de estratégias para a aproximação e

compromisso dos demais níveis gestores. Um processo negociado que não dispensou a

relação com os demais gestores buscando qualificá-los para o debate.

Nesse período havia uma grande preocupação na retomada do papel dos estados na

condução da política como um todo e buscou-se o enfrentamento de questões de origem da

reforma, como o financiamento do setor saúde (a briga pela CPMF...) e a descentralização.

A reforma foi conduzida com técnica e tendo como imagem-objetivo a operacionalização

dos princípios do SUS, enfrentando os dilemas diagnosticados na condução da política até

aquele instante. Esse cenário favoreceu o encaminhamento de propostas legais de grupos

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de interesse específicos do setor saúde (mulher, AIDS) e a aprovação de recursos externos

para investimento na rede de atenção (REFORSUS).

O outro lado dessa moeda foi um Executivo Presidência que, a princípio, não

comprometeu o encaminhamento das estratégias políticas desenhadas pelo Executivo Saúde

mas que aos poucos constituiu barreiras efetivas para a garantia das políticas desenhadas,

em especial, na questão do financiamento, o que teria reflexos mais efetivos nos anos

seguintes.

Esse capítulo apresenta as políticas implementadas no setor saúde durante a gestão

Adib Jatene (95-96) apontando indícios para a análise de que esse foi um período técnico-

operacional da reforma e que também, por isso, constituiu bases concretas para o

desenvolvimento do SUS. Além disso, configura um quadro de exame sobre as demais

políticas traçadas e os principais grupos de interesse, especialmente, em duas políticas

específicas que lograram a aprovação de leis no Congresso Nacional – a lei de

medicamentos da AIDS e a lei do planejamento familiar. Por fim, aborda a questão da

gestão Jatene no contexto do governo FHC e como o Executivo Presidência começa a

delinear, ao final do ano de 1996, um projeto político mais específico para o setor saúde,

que tem como resultado a saída de Jatene do MS.

Uma estratégia mais “duradoura”

O retorno de Adib Jatene para o MS, no contexto do governo FHC, levou a um

diagnóstico positivo para a política de saúde. A pessoa Jatene inspirava confiança e sua

gestão no governo Collor já havia demonstrado seu compromisso com o projeto SUS. O

novo Ministro compôs sua equipe com liberdade de indicação buscando atores técnico-

políticos com vasta experiência na gestão do órgão, conformando uma equipe bastante

próxima àquela constituída durante sua gestão no governo Collor e recuperando

personagens que haviam participado ativamente da construção político-ideológica e

teórico-conceitual do SUS 223 (Levcovitz, 1997).

223 Essas são categorias criadas por Levcovitz (1997) para explicitar as diversas fases de construção da política de saúde eque explicitam o objetivo mais fundamental de cada fase da política.

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A “nova” gestão assumia o MS com a missão de operacionalizar o SUS tendo como

premissa “o respeito ao trabalho conduzido pelos Ministros antecessores” (Levcovitz,

1997: p.189). Nessa perspectiva, definiu orientações gerais que norteariam todo o trabalho

do Ministério, buscando a avaliação dos avanços produzidos, com o estímulo à

continuidade das iniciativas previstas na NOB 01/93; o cumprimento das determinações

legais relativas ao SUS com abertura às críticas e sugestões oriundas de todos os segmentos

interessados; a unidade de ação da equipe dirigente do MS; o máximo empenho no uso

eficiente dos recursos disponíveis e prioridade para formulação de alternativas que

assegurassem incremento do aporte federal ao financiamento do SUS; a parceria com o

CONASS e CONASEMS na implementação da descentralização, reafirmando o papel do

MS como gestor federal do SUS (idem: p.189-190).

O cenário político era favorável ao projeto estratégico da nova gestão, com um

CONASEMS fortalecido pela crescente experiência que acumulava desde a NOB93 e com

um CONASS que retomava o debate com novos governadores e secretariado (em muitos

casos ex-integrantes da “frente sanitária”). O novo projeto indicava a adoção de uma

“concepção federal e federativa do processo de construção do SUS” (idem: p.190), que

significava afirmar o papel do gestor federal na condução da macro-política de saúde e a

definição das atribuições e competências específicas dos estados e municípios, retomando a

importância do papel dos estados na composição da política de descentralização da saúde,

qualificando o papel dos municípios.

As estratégias processadas para o alcance do projeto foram diversificadas, desde

mudanças na estrutura de organização e realização da CIT ou a definição de rotinas para a

organização de fluxos de AIH, passando por estratégias que levariam a uma reformulação

na condução da política, como a negociação de recursos financeiros, internamente (com os

Ministérios da Fazenda e Planejamento) e externamente (com o Banco Mundial), como

requisito para o desenvolvimento do SUS (investimento e custeio), a revisão da lógica e dos

valores das tabelas de procedimentos dos Sistemas de Informação ambulatorial e hospitalar,

até a definição de uma política mais incisiva para a descentralização e desenvolvimento do

projeto de reforma, com a elaboração de uma nova Norma Operacional Básica para a saúde.

Todas estratégias que faziam parte de um mesmo projeto político e que tinha um forte

respaldo no argumento técnico.

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204

A Reforma técnica

No ano de 1995 o primeiro passo rumo à operacionalização da reforma foi a promoção

de uma discussão ampliada, liderada pela SAS/MS, sobre os problemas enfrentados pelos

gestores de saúde na implementação da proposta política, com vistas a um detalhamento da

situação dos estados e municípios na condução da gestão local224. Buscou-se identificar o

uso de ferramentas de planejamento e programação pelos gestores e a prática do controle e

avaliação, tendo como premissa a percepção de que havia uma grande dificuldade dos

gestores em lidar com esses instrumentais e, ainda, uma grande diversidade entre estados e

municípios na sua utilização e conhecimento.

O diagnóstico permitiu um primeiro mapeamento, a partir de dados obtidos nas

secretarias (relatórios discutidos e aprovados pelas CIBs e COSEMS), dos modelos de

gestão da assistência adotados em cada estado, que foram agrupados pelo MS segundo

algumas características: municipalizado com ênfase na regionalização, atomizado,

descentralizado por nível de hierarquia, descentralizado por partilha e centralizado225. O

diagnóstico demonstrou um conjunto ainda grande de estados com modelos de gestão

centralizados (53,8%) e poucos estados com o modelo municipalizado com ênfase na

regionalização (11% - 3 estados – Paraná, Minas Gerais e Tocantins), o que demonstrava

um longo caminho a ser percorrido em termos de descentralização, já que apenas uma

224 Sobre o processo ver Levcovitz (1997) – “A deliberação inicial foi de que não se faria nenhuma intervençãotransformadora sem as CIB´s. A estratégia formulada foi a realização de uma seqüência de reuniões macrorregionais daSAS/MS, e representantes do CONASS e do CONASEMS, com as CIB´s. Nesses eventos, a busca da formulação daconcepção “federativa” do SUS e a introdução das exigências de fortalecimento do instrumental de gestão –programação, controle e avaliação – deveriam sempre partir do caso concreto da relação SES-SMS em cada estado.Assim, a concepção “federativa” deveria surgir como conclusão do diagnóstico de cada situação real, e nunca deveriaser apresentada ex ante como uma imposição da instância de pactuação – CIT – ou do órgão de direção – MS –nacionais do SUS. A implantação do instrumental técnico-operacional necessário surgiria então como um conjunto decompromissos pactuados na CIB, e não como exigência do nível federal” (p.203).225 As características de cada modelo são: (1) Modelo municipalizado com ênfase na regionalização – a gestão do sistemaé descentralizada para as SMS, a gerência dos serviços localizados no município pela SMS, apresenta forte participaçãoda SES na coordenação intermunicipal (nível regional) e se estabelece o mecanismo de referência da clientela entremunicípios de forma acordada entre as SMS, com intermediação da SES. (2) Modelo atomizado – a gestão do sistema édescentralizada para as SMS e a gerência dos serviços localizados no município pela SMS. Há uma frágil coordenação daSES nas relações intermunicipais e o relacionamento da SMS se efetiva de forma direta com prestadores de serviçoslocalizados em outros municípios. (3) Modelo descentralizado por nível de hierarquia – a gerência de unidades públicasde maior complexidade é feita pela SES, bem como, a gestão do sistema de referência intermunicipal, a gestão de redebásica e hospitais de menor complexidade é feita pela SMS e ocorre uma parceria entre SES e SMS para co-gestão dosistema, segundo nível de complexidade dos serviços. (4) Modelo descentralizado por partilha – com baixo grau demunicipalização da gestão do sistema e partilha entre SES e SMS de gerência de unidades, segundo interesses recíprocose sem critérios explícitos. (5) modelo centralizado – gestão do sistema pela SES e o município sendo considerado apenasum prestador de serviços. (Levcovitz, 1997: p.207).

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pequena parcela de estados indicava ter avançado na concepção da regionalização e

hierarquização da assistência.

Nesse contexto, a SAS/MS adotou um conjunto de atos normativos com o objetivo de

propiciar às SES e SMS um amplo arsenal de mecanismos para implementação das funções

de planejamento, controle e avaliação. Assim, a principal característica das portarias da

SAS no ano de 1995 foi a ênfase na transferência de responsabilidades para os estados, com

uma organização das rotinas de recursos (financeiro e insumos), já revelando uma

estratégia pelo fato de definir as competências e atribuições dos estados no processo de

descentralização.

As principais portarias importantes apresentadas foram: a que estabeleceu como

responsabilidade exclusiva dos órgãos gestores estaduais do SUS ou município em gestão

semi-plena, a operação do programa de validação e consolidação das AIH’s (PT/SAS 10 de

21/02/1995); a que estabeleceu que os tetos financeiros de cada estado seriam

determinados, no quadrimestre março/junho de 95, bimestralmente, a partir de estudos

técnicos efetivados no âmbito da CIT, e comunicados administrativamente pela SAS às

SES e CIBs (PT/SAS 15 de 02/03/1995), como uma revisão à forma de se calcular os tetos

estaduais e numa tentativa de reverter o padrão de iniqüidade226.

Ainda na linha técnica para a composição do instrumental para o planejamento,

programação, controle e avaliação foram apresentadas as portarias da SAS – a PT 52 (de

22/06/95) que implantava o programa de gestão financeira de AIH, a PT 74 (de 24/07/95)

que estabelecia condições para revisão dos tetos financeiros dos estados (hospitalar e

ambulatorial) e a PT 75 (de 24/07/95) que determinava os prazos e fluxos para

operacionalização de alterações de valores do teto financeiro de municípios em condições

de gestão semi-plena.

As propostas para pactuação de novos compromissos com os gestores estaduais e

municipais levou a uma nova rodada de encontros e negociação, tendo ampla participação

os integrantes e representações dos três níveis de governo (CONASS, CONASEMS e MS).

226 Ver também outras portarias importantes como: SAS 30 de 24/04, SAS 33 de 04/05, SAS 46 de 12/06, SAS 51 de21/06, SAS 58 de 30/06/1995.

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Do MS estiveram representados a SAS, SE e GM. Segundo Levcovitz (1997), as demais

secretarias e órgãos posicionavam-se distantes do debate, apesar de solicitadas a participar.

Do debate surgiram uma série de estratégias “técnico-operacionais” que reafirmavam a

condução da política até aquele instante, com estímulo à habilitação dos municípios nas

condições da NOB93, em especial quanto à gestão semi-plena; implantação dos tetos

financeiros globais estaduais, como limites efetivos de despesas cobertas pelo MS; edição

de ato normativo que associava a indução de construção dos modelos de gestão indicados

pelas CIBs e o desenvolvimento das funções de planejamento, controle e avaliação ao

aporte de recursos financeiros federais; desenvolvimento dos compromissos para a

implantação da programação físico-financeira integrada como mecanismo fundamental para

a alocação de recursos; o estabelecimento de calendário regular de auditorias nos

estabelecimentos ambulatoriais e hospitalares e a inversão do fluxo administrativo previsto

pelo SIH/SUS (idem, p.215).

O objetivo principal relatado no estudo de Levcovitz227(1997) era sensibilizar para a

discussão dos riscos previstos da concepção “municipalista” que retirava de cena os

estados. Era importante, portanto, mobilizar e fortalecer as CIBs e chamar os gestores

municipais e estaduais para o debate.

Outra estratégia adotada pela nova equipe para promoção de uma aproximação com os

gestores estaduais e municipais e demais órgãos e Secretarias do MS realizou-se na forma

de organização, apoio e encaminhamento da CIT.

As mudanças foram de toda ordem e levaram a uma conseqüente ampliação do debate.

A partir de 1995 todos os titulares das Secretarias e Fundações do MS deveriam/poderiam

participar da Comissão228 e a representação municipal e estadual passou a incorporar, cada

um deles, cinco representantes, garantindo a representação de cada região do país. A pauta

foi ampliada (não se discutia mais apenas a assistência) e a coordenação assumida pelo

Secretário Executivo do MS. O local tornou-se mais propício à discussão, amplo, com

227 Gostaria de ressaltar que o uso, até excessivo, da análise de Levcovitz (1997) sobre esse período se justifica porque elefoi um importante ator, do período, pois exerceu o cargo de Secretário da Assistência à Saúde durante toda a gestãoJatene, sendo o principal formulador das políticas aqui apresentadas. Seu relato na tese de doutorado de dezembro de1997 esclarece e serve nesse estudo como uma confirmação da análise indiciária realizada a partir dos documentos.228 Não participaram efetivamente mantendo-se SAS e SE com constância.

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recurso para o registro das reuniões. Como desafio foi proposto que a CIT discutisse e

enfrentasse os dilemas sobre os requisitos técnico-operacionais da construção do SUS

(idem: p.191).

Um efeito desse processo foi a criação de Câmaras Técnicas no CONASS –

Epidemiologia, Planejamento e Gestão, RH, VISA, Ass.Farmacêutica –, a partir desse

período, buscando a compreensão dos temas apresentados em reuniões e uma melhor

qualificação técnica para o debate.

Outro indicativo de mudança e do peso da questão técnica nessa gestão, foi a

importância que a temática da qualidade alcançou, o que também se evidenciou na

produção normativa do MS. No ano de 1995, constituiu-se um Programa de Garantia e

Aprimoramento da Qualidade em Saúde (GM 1107 de 14/06/1995) e se associou a questão

da qualidade às políticas específicas – como a da vigilância sanitária, com a busca de uma

normatização dos serviços para o estabelecimento de padrões de qualidade e substâncias

(GM 2543 de 14/12/1995), com o Programa Nacional de controle de qualidade externo em

sorologia para unidades hemoterápicas (GM 1840 de 13/09/1996) e com o Programa

Nacional de Controle da Qualidade dos Medicamentos Hemoderivados de uso humano

(GM 2419 de 17/12/1996). Além de normas técnicas sobre o funcionamento de serviços

(endoscopia, hemoterápicos, terapia renal)229.

Apreende-se daqui também um esforço dos dirigentes na integração das políticas –

como a da vigilância sanitária e a da assistência – enfrentando a situação de fragmentação

institucional há muito diagnosticada e pouco modificada.

Todas essas medidas foram estratégias que, na avaliação de Levcovitz (1997), tinham

o “caráter tático e conjuntural” e que “visavam à eliminação das distorções mais críticas e

ao fortalecimento da capacidade de gestão dos três níveis de governo” - numa referência

especialmente às políticas que apresentamos no início da sessão. Paralelamente a elas, “o

229 No ano de 1995 tem início o processo de reformulação da Secretaria de Vigilância Sanitária (SVS) e começam a sercriadas normas técnicas para um maior controle do setor. Até 1999 esse processo levou à transformação da Secretaria emautarquia especial. Nos anos de 1996, 1997 e 1998, especialmente nas áreas de serviços e de medicamentos, tornou-sepública a situação de fragilidade e precariedade do modelo de regulação e controle sanitário no Brasil (expressos em casoscomo o da Clínica Genoveva no RJ e do Centro de Hemodiálise em Caruaru-PE). Uma análise específica da política devigilância sanitária no Brasil pode ser apreendida no trabalho de Lucchese (2001).

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208

MS buscou, em negociação com o CONASS e o CONASEMS, formular, também, uma

estratégia de alcance mais duradouro” (p.217).

A estratégia de governo para a constituição de uma base para a reforma, do que foi

compreendido como de “caráter mais duradouro”, foi o traçado de três políticas – a

elaboração da NOB96, a formulação e contratação do Projeto de Reforço à Reorganização

do SUS – REFORSUS e a revisão da lógica e dos valores das tabelas do SIH e SIA/SUS

(idem: p.219).

A NOB96 como uma estratégia para a descentralização e a reorientação do modelo

assistencial. O REFORSUS com a perspectiva de recuperação e adequação da capacidade

operativa da rede do SUS, sob os aspectos gerencial e assistencial. A revisão das tabelas

com o objetivo de unificar a segmentação por tipo de assistência, como uma forma de

reverter o padrão de iniqüidade na alocação dos recursos assistenciais e avançar na

integralidade da atenção à saúde.

O objetivo dessas políticas fundavam-se claramente em quatro movimentos dessa

gestão (que tinha ainda a expectativa de crescimento das bases de financiamento do

sistema): (Levcovitz, 1997: p.217/218):

radicalização da descentralização do SUS – intensificando a NOB93, com funções

estaduais e federais claramente definidas e indutora de uma regionalização e hierarquização

dos serviços;

completa mudança na lógica de alocação dos recursos financeiros – recuperando

funções de programação, controle e avaliação como instrumental indutor da recuperação do

comando do sistema pelos gestores públicos;

estímulo à mudança no modelo de atenção – com prioridade para a reorganização do

nível de atenção básica, com a expansão do Programa de Saúde da Família – PSF;

recuperação da capacidade operacional e melhoria da qualidade das unidades

assistenciais.

Das três estratégias, a de revisão da lógica e dos valores de tabelas foi a que menos

avançou, tendo ocorrido apenas uma recomposição linear de 25% nos valores de todos os

procedimentos remunerados pelo SUS (expresso nas portarias do CNS 175 e GM 2277 e

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209

2321, no ano de 1995). Vamos nos deter nas outras duas estratégias empreendidas com

maior sucesso – REFORSUS e NOB - para compreender a reforma proposta nessa gestão.

Reforçando o SUS

O diagnóstico realizado sobre as condições físicas das unidades prestadoras de serviço

de saúde levou à constituição de uma estratégia para a captação de recursos para a saúde,

garantindo o seu uso no investimento e recuperação dos serviços de saúde. O Projeto

REFORSUS se apresentou nessa lógica e obteve crédito junto ao BIRD e ao BID para a

implementação do projeto. O Projeto foi negociado pelo MS com o Banco Mundial, o BID

e os Ministérios da Fazenda e do Planejamento desde meados de 1995, visava reforçar o

processo de implantação do SUS e agilizar as iniciativas técnico-operacionais necessárias à

superação de obstáculos identificados na rede de atenção à saúde. “No curto e médio

prazos, as prioridades estavam voltadas para a recuperação e adequação da capacidade

operativa da rede do SUS, sob os aspectos gerencial e assistencial” (Levcovitz, 1997:

p.231).

Foi apresentado ao CN e aprovado por Resolução Federal (RSF 63) em 28 de agosto

de 1996.

O desenvolvimento do Projeto se deu a partir de dois componentes. Componente I –

modalidade de financiamento a atividades de recuperação física (obras e reformas),

reequipamento e capacitação gerencial e Componente II – desenvolvimento institucional,

estudos e pesquisas para ampliação da capacidade de formulação de políticas dos gestores,

implantação de sistemas de informações e avaliação e melhoria contínua da qualidade.

(idem: p.231).

O Projeto REFORSUS conquistado durante essa gestão teve continuidade nos anos

seguintes compondo novas estratégias e objetivos, como no caso do VIGISUS, numa

política específica da vigilância epidemiológica.

Uma nova Norma para a saúde

A discussão em torno a uma nova Norma teve início no ano de 1995, a partir de um

diagnóstico objetivo sobre o estágio alcançado pelo processo de descentralização político-

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210

administrativa até 1994. A proposta teve origem na SAS mas foi profundamente debatida e

consensualizada na CIT, sendo desenhada pelo MS, CONASS e CONASEMS.

A Norma passou pelo crivo do CNS (cinco reuniões ordinárias e duas extraordinárias),

que aprovou preliminarmente o texto em agosto de 1996 (GM 1742 de 30/08/1996).

Passou pela discussão da CIT (oito ordinárias e algumas extraordinárias) e após a discussão

foi publicada em diário oficial pelo MS na data de abertura da X CNS, para ser apreciada

pelo fórum e retornar ao Conselho e CIT. Após a apreciação da X CNS e mais algumas

reuniões foi aprovada e publicada em portaria (GM 2203 de 05/11/1996).

As principais propostas e mudanças introduzidas com a nova Norma estavam

associadas230: 1 - a definição de mecanismos específicos e próprios de transferências

regulares e automáticas de recursos para as SMS e SES; 2 - a indução na reorientação do

modelo assistencial do SUS, priorizando a atenção básica e dando incentivos à implantação

do PACS/PSF; e 3 - a ênfase na lógica de alocação dos recursos baseada na consolidação da

capacidade gestora, através do instrumental da programação integrada e do controle e

avaliação (Levcovitz, 1997: p.222/223).

A proposta 1 avançava na construção do SUS tanto nos municípios como nos estados

e incidiu exatamente nos pontos críticos e diagnosticados até esse momento. Para as SMS,

a definição de mecanismos específicos de transferências regulares e automáticas de

recursos do FNS para os fundos municipais, como o Piso Assistencial Básico (PAB) e o

Teto Financeiro Global dos Municípios (TFGM) e a definição de condições de gestão na

perspectiva de tornar plena a responsabilidade do município, seja na atenção básica (gestão

plena da atenção básica), seja no sistema como um todo (gestão plena do sistema), garantia

de fato uma maior autonomia para os municípios na gestão dos recursos atrelados à sua

condição de gestão, constituindo elementos para uma prática mais planejada, como

esperava o MS. De outra forma, a estratégia também possibilitava que os municípios

buscassem uma maior articulação entre os setores pois previa uma integração do sistema, já

que o teto passava a incorporar a sistemática de valores relativos às ações da FNS e da

SNVS (com tetos de epidemiologia e controle de doenças e de vigilância sanitária); ou seja,

230 No anexo 6 apresento um quadro comparativo entre as NOBs e NOAS.

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211

avançava na integração do sistema e na política de repasse de recursos de forma

automática, buscando constituir um gestor.

Para as SES, a definição de mecanismos próprios de transferências regulares e

automáticas – como a Fração Assistencial Especializada (FAE), o Teto Financeiro Global

do Estado (TFGE) e o Índice de Valorização de Resultados (IVR), todos concebidos para

financiar atribuições específicas sem competir com as SMS -, possibilitaram especificar

para as SES suas atribuições e gerar incentivos para a sua adesão às condições de gestão

(avançada e plena), numa estratégia para a recuperação desse nível gestor no sistema.

A proposta 2 avançava especialmente na intenção de garantir a toda população

brasileira os procedimentos mínimos em saúde, o acesso a uma rede de atenção básica231,

assumindo a heterogeneidade dos municípios brasileiros e a efetiva carência de serviços de

saúde em vários deles. Nesse sentido, os incentivos financeiros específicos para a adoção

pelos municípios dos Programas de Saúde da Família e Agentes Comunitários de Saúde

afirmava a intenção de reorientação do modelo assistencial e uma preocupação explícita

com a atenção básica.

A proposta 3 avançou na construção de mecanismos gerenciais para o planejamento e

a programação em saúde de forma concertada entre estados e municípios, adotando-se

como ferramenta a Programação Pactuada e Integrada (PPI), apresentada no contexto da

NOB96.

A principal crítica à NOB nesse período foi a questão do Piso Assistencial Básico –

com a acusação de restrição e focalização política, associando-a diretamente à proposta de

cesta básica do BM (1993) e de uma política para pobres. A crítica foi diluída com o

debate e a explicitação com a garantia de que o acesso aos demais níveis de complexidade

estaria preservado. A discussão surgiu na CIT e retornou no debate da X CNS.

A NOB também sofreu resistências de outros órgãos do governo – como a oposição da

Casa Civil, do Ministério da Fazenda, do Planejamento e da Reforma do Estado (MARE).

231 Entende-se por atenção básica as ações e procedimentos realizados por profissionais de nível médio e superiorincluídos nas atribuições dos agentes comunitários de saúde e equipes de saúde da família, que podem ser enumeradoscomo: consulta médica de adulto, de criança e de adolescente, pequenas cirurgias, consulta de ginecologia e obstetrícia,consulta de odontologia, exames de patologia clínica e radiologia, visitas domiciliares, ações de vigilânciaepidemiológica, vacinação e outros atos não médicos.” (Brasil/MS, 1996).

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212

No contexto, o MARE participou ativamente do debate e apresentou propostas de mudança

ao texto original da NOB, que não foram incorporadas. O principal embate estava na

questão dos recursos necessários para dar sustentação à proposta, o que de fato não foi

garantido pelo MS no processo de negociação da NOB. Ao contrário, nesse processo

começaram a surgir as evidências de que o governo FHC não apoiava o projeto de

reforma da saúde tal como ele exigia.

O projeto de intenções da NOB96 foi aprovado antes da saída de Jatene e de sua

equipe, mas, não teve implementação imediata. Teve início uma recomposição de poder

no MS/Presidência, com um novo projeto político para a saúde em conformação. Uma

série de indefinições na NOB96232 possibilitaram a sua não-implementação nos anos

seguintes, deixando ainda margens para uma mudança nos pactos estabelecidos.

Em busca de mais recursos para a saúde

Para dar sustentação às políticas chamadas de “alcance mais duradouro”, a gestão

Jatene tomou como pressuposto, dentre outros já apresentados, a necessidade de se garantir

fontes estáveis e suficientes de recursos (como também estava previsto no Programa de

Governo do Presidente FHC) para a saúde.

O diagnóstico realizado no início da gestão demonstrou a urgente necessidade de se

alcançar tal objetivo - a equipe “defrontou-se com a incapacidade financeira de adotar as

medidas formuladas para enfrentar a acelerada degradação da qualidade dos serviços

oferecidos à população, em decorrência do longo período de sub-remuneração dos

prestadores públicos e privados”(Levcovitz, 1997: p.192). Nesse momento, começou a

via crucis do Ministro na garantia de recursos para a saúde.

O argumento da CPMF nasceu a partir de um processo interno no MS, com

negociações com os Ministérios externos. A proposta gerou grande desgaste na relação do

MS com o MF e Casa Civil. Foi o próprio Ministro Jatene que iniciou as negociações no

232 Tais como: definição acerca dos prazos e fluxos da PPI, o cadastro de unidades assistenciais e o banco de dadosnacionais, o elenco de procedimentos do PAB, o FAE, IVR, FIDEPS, PBVS, TFECD, sobre as condições de gestão(fatores) e outras regulamentações.

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213

Congresso para a criação da fonte transitória para a saúde233. A tramitação no Congresso

foi cercada de conflitos e serviu para demonstrar que o projeto político de governo,

enunciado em Campanha, favorável ao SUS, não era tão sólido como poderia parecer num

primeiro momento. Na primeira pressão do MS na garantia de uma fonte de recurso mais

sólida para a saúde (e nem tão sólida assim), o governo recuava e mostrava a sua face mais

“econômica”.

Depois da lei aprovada (lei 9311/96) uma quantidade de requisições foram

apresentadas no Congresso solicitando informações sobre a arrecadação e o destino dos

recursos. Desde sua aprovação foram editadas três leis, quinze medidas provisórias e uma

emenda constitucional prorrogando e alterando prazos para o seu término e sua

regulamentação. A aprovação da CPMF criou um verdadeiro teto de vidro para a saúde que

passou a ser cobrada em triplo – pelo governo, pelos legisladores, pela população – e deu

margens a críticas sobre a forma de condução da política, que começou a ser acusada de

mau gerenciamento e não necessariamente de insuficiência de recursos (para a população

ficou a imagem que o dinheiro da CPMF não vai para a saúde). Para o SUS, ficou a

evidência da necessidade de um debate com argumentos mais contundentes sobre a

necessidade de fontes estáveis de financiamento para a saúde, enfrentando de fato a

questão. Por outro lado, todo processo deixou claro que era necessário a construção de uma

política cada vez mais transparente sobre o uso dos recursos, afirmando a política de

controle e avaliação proposta.

Desse episódio se tira ainda a força do Executivo Saúde no encaminhamento de

sua proposta no Legislativo, com sua aprovação efetivada no Congresso após dois

meses de tramitação. Mesmo que isso tenha significado a saída de Jatene do MS e o

esfacelamento da equipe e do projeto por eles desenhado.

233 Nessa ocasião foi apresentado um documento do Ministério denominado “Subsídios à votação da CPMF” queapresentava em linhas gerais as políticas definidas pelo MS, o volume de recursos recebido, o que o MS fazia pela saúdeda população, para a combater às fraudes, o que não havia feito por falta de recursos e as conseqüências para a saúde dapopulação. O documento expunha as razões para a escolha da CPMF e como os recursos seriam utilizados (Brasil/MS,1996).

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214

O Executivo Saúde e o Legislativo

No âmbito do Legislativo, o Executivo Saúde logrou sucesso com três leis que tinham

como principal argumento a questão técnica.

A primeira, sobre a obrigação da iodação do sal, apresentada como um projeto de lei

de conversão pela Comissão Mista do CN, após mais de um ano de sucessivas edições de

medidas provisórias regulamentando a questão (5 MPs nos anos de 94 e 95). O projeto foi

aprovado em sete dias (Lei 9005 de 03/1995) legitimando uma questão já normatizada pelo

MS antes mesmo da lei, com a constituição do Programa Nacional de Controle dos

Distúrbios por Deficiência do Iodo (GM 2165) em dezembro de 1994. Tratava-se de uma

lei que respondia a uma demanda explícita do Executivo Saúde (inclusive do Executivo

anterior à gestão Jatene) e que teve forte poder de pressão no CN234. O principal argumento

nessa política foi a questão do bócio endêmico e a medida simples de utilização do iodo do

sal como principal estratégia no combate/controle à doença. Encaixa-se no argumento de

uma política custo-efetiva e de alcance abrangente e alta eficácia.

A segunda, a lei disciplinando a extração, utilização, comercialização e transporte do

asbeto/amianto (Lei 9055/95), que se insere na lógica anterior, onde prevalece o debate

técnico. Essa lei esbarrou em maior resistência no CN tendo tramitado por um período

superior à primeira, foram dois anos entre a apresentação e edição final. Não é uma lei

própria da saúde e por isso não dependia apenas dela os argumentos235. As resistências

estavam associadas especialmente ao forte lobbie das indústrias e sofreu alguns vetos na

sua proposta original.

A terceira, a lei sobre as restrições ao uso e propaganda de produtos fumígeros,

bebidas alcóolicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas. A proposta já tramitava

no Congresso desde 1989. No ano de 1994, o MS já pressionava por medidas na área, com

a publicação da portaria GM 2169, de 29/12/1994, obrigando as empresas tabageiras a

inserir nas duas faces da embalagem advertências quanto aos malefícios do cigarro. A

briga com a indústria de tabaco foi incorporada com mais força na gestão Jatene, sendo ele

234 Após a edição da lei, o Ministério ainda editou uma portaria em 1996 (GM 1299 de 27/06/96) com a regulação dealguns aspectos do Programa.

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215

o principal vocalizador da política (especialmente pela sua profissão de médico e

especialidade – cirurgião cardíaco). No ano de 1996 a lei 9294 (15/07/1996) foi finalmente

aprovada. Não foi uma lei consensual, gerou mesmo entre os que lhe eram favoráveis

algumas críticas, com a apresentação de substitutivos e novos projetos visando seu

aprimoramento236. Vale também ressaltar, que a estratégia de combate ao tabaco tinha

grande divulgação, como uma política a ser adotada pelos governos e muito bem aceita

pelos organismos de apoio internacional, o que serviu de forte argumento nesse período.

Por outro lado, era uma medida eficaz no controle de algumas doenças e que encontrava

mais do que argumentos técnicos para sua implementação.

Outros atos do Executivo no Legislativo demonstram um pouco mais a forma de

condução desta gestão no MS.

O decreto que regulamenta o Sistema Nacional de Auditoria (DEC 1651 de 28/09/95),

buscando a composição de um sistema diferenciado com o que havia sido criado por força

do lobbie dos auditores, em 1994, e imprimindo a lógica do controle e avaliação proposto

no contexto dessa gestão. Assim, a nova regulamentação do SNA determinou que cada

nível de governo deveria constituir o respectivo órgão de controle, avaliação e auditoria,

definindo sua estrutura, recursos e metodologia de trabalho. A função do órgão seria desde

a definição de instrumentos para a realização das ações de controle, avaliação e auditoria,

até a consolidação das informações necessárias, a análise dos resultados obtidos nas ações

de auditoria e a proposição de medidas corretivas (interagindo com outras áreas de

administração), com vistas ao pleno exercício do gestor em suas atribuições. Esses

procedimentos possibilitariam ao gestor um controle e uma avaliação dos serviços e

determinariam a autorização e ordenação dos pagamentos (a lógica do planejador e do uso

racional dos recursos).

Outro decreto de destaque foi o que criou a Comissão para o Plano de erradicação do

Aedes (DEC 1934 de 18/06/1996). O Executivo regulamentou o decretou no mesmo mês

235 Na realidade uma característica da lei anterior, assim como da próxima. Mas dentre as três é a que mais depende deoutros setores.236 Um exemplo é o substitutivo da então deputada Marina Silva (PT-AC), militante da questão ambiental.

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216

(GM 1298) e o CNS teve uma participação ativa 237 na discussão da política. Uma fala de

Jatene (1999) sobre a questão esclarece a estratégia da época:

“Quando estivemos no Ministério da Saúde, propusemos um programa para

erradicar o aedes aegypti em 2.400 municípios brasileiros. Fomos à

Organização Panamericana da Saúde e conseguimos o apoio da entidade

para um programa contra a dengue, que abrangesse a América do Sul, além

da América Central e da América do Norte, que também começaram a ter

problemas com a doença. Levada ao Presidente da República e a seu

Ministério, a proposta transformou-se em projeto de governo. Criou-se, por

decreto, a Comissão Executiva Nacional de Erradicação da Dengue. A

proposta previa, para março de 97, o lançamento de uma campanha

nacional que iria ser deflagrada no mesmo dia nos cerca de 2.400

municípios, onde havia registros da presença do mosquito transmissor.

Prevíamos uma verdadeira operação de guerra ao inseto, para evitar a

anunciada, e concretizada, volta da epidemia. Já estamos em 98, e a

campanha que deveria estender-se por três anos resumiu-se a uma atuação

pontual. Esperava-se a ocorrência e casos nos municípios para, só então,

socorrê-los, ao invés de se partir para a erradicação total do mosquito. O

programa previa gastos da ordem de R$ 4 bilhões, significativa parte dos

quais deveria provir da CPMF” (p.58).

Políticas específicas

Algumas políticas específicas encaminhadas durante essa gestão merecem uma seção a

parte, especialmente, porque ilustram muito bem as opções do Executivo na condução da

política de saúde, como é o caso da AIDS e do Planejamento Familiar.

O ano de 1996 foi bastante atípico no que diz respeito às leis aprovadas no Legislativo,

especialmente, porque foram leis com forte posicionamento social, como a de

medicamentos para os portadores do HIV e doentes de AIDS e a de planejamento familiar.

237 A Comissão Técnica do CNS elabora proposta e aprova o Plano do MS - ver resoluções 160 e 165 de 1995 e 182 de1996.

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217

No caso da lei de planejamento familiar, a tramitação vinha de longa data – desde

1991, com a solicitação de uma CPI para averiguar a esterilização em massa de mulheres.

A CPI foi instalada e apresentou como produto final uma proposta de regulação da política

de planejamento familiar. Essa lei teve uma tramitação demorada, sofreu um veto

presidencial que foi derrubado pelo Congresso, afirmando uma posição no

encaminhamento dessa política. No Executivo não foi uma lei que se implementou na sua

totalidade, restringindo-se bem mais a regular o processo de esterilização e bem menos a

construir uma política ampliada de planejamento familiar.

O Ministro Jatene foi criticado em Plenário justamente por essa postura, acusado de

incentivar a esterilização nos serviços ao invés de investir no planejamento. Esse processo

político já se instalava antes mesmo de 91, desde a implantação do PAISM em 1986,

arrastou-se na ANC no interior da Comissão da Família e só alcançou maior espaço no

debate político após o processo de negociação das bases da reforma sanitária. O

movimento das mulheres foi o principal grupo de pressão nesse contexto, gerou

documentos e acompanhou todo o debate. Foi nesse contexto que ela foi possível de ser

regulamentada e apesar da idéia de planejamento familiar era de fato uma lei contra a

esterilização em massa de mulheres e isso passou a ser bem regulado pelo Executivo Saúde.

A lei dos medicamentos para AIDS nasceu no Executivo Saúde em estreita articulação

com o movimento social. Nesse período, já se avançava na política de DST/AIDS por

conta dos incentivos do projeto AIDS I, com financiamento do BIRD e dos recursos (não

poucos) do MS para assistência a esse grupo. Mesmo antes da Lei sobre medicamentos

para a AIDS uma portaria já orientava e organizava o acesso à distribuição destes

medicamentos específicos em todo país. (PT 21 de 21/03/1995).

Além de toda base institucional já formada no Ministério desde 1991 com regimento

de pesquisa, hospitais para atendimento, suporte na SAS para o projeto e outros já vistos, a

lei vinha afirmar a política do MS nessa área e garantir o direito integral aos portadores do

vírus e doentes da AIDS. Esse foi o único projeto de lei que constituiu uma base de

sustentação no decorrer dos anos no Executivo, destacando-se dos demais. A tramitação no

Congresso do Projeto também foi bastante ágil (um pouco mais de quatro meses), tendo

sido implementada em caráter de urgência.

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218

E por que essa política específica foi aprimorada frente às demais?

As razões apresentadas no capítulo anterior também se adequam bem aqui. A política

da AIDS tem um forte apelo social (atinge a todas as classes e grupos sociais), conta com

um movimento social de base articulado nacional (tendo no Conselho Nacional de Saúde

um ator de grande expressão) e internacionalmente, encontrando na situação brasileira um

Executivo disposto a garantir o direito integral à saúde para esse grupo. Não que esse

mesmo Executivo não esteja disposto a garantir para os demais, no entanto, as prioridades

parecem ter se definido pela capacidade de barganha e pressão dos grupos associado a

mecanismos de captação dos recursos, que no caso se implementaram via convênio com o

Banco Mundial. Não se atendeu às solicitações de ajuste na política e se configurou na

segunda metade da década de 90 como uma política específica de grande poder político na

gestão Serra.

Um novo cenário para a saúde e o Executivo Presidência mais atuante

Os últimos meses da gestão Jatene foram de grande desgaste político com a cúpula do

Governo, tanto, pela negociação da NOB96, quanto, pela aprovação da CPMF e ainda pela

aprovação da lei de medicamentos para a AIDS. O Governo dava sinais de que não mais

apoiava incondicionalmente as ações do Ministério e tornava-se cada vez mais explícito o

projeto político-econômico traçado pelo Governo FHC, de ajuste e corte neoliberal (Fiori,

1997) em franca colisão com o projeto de reforma do setor saúde e de configuração de uma

política de proteção social. A saída de Jatene em novembro de 1996 refletia esse novo

cenário.

Principais argumentos do capítulo

Três grandes questões se apresentam na análise do processo político nesse período:

(1) O Executivo Saúde constituiu-se como um Executivo técnico, definiu diretrizes e

procedimentos que visavam a construção de uma base institucional nas três esferas de

governo de modo a possibilitar um maior planejamento, controle e avaliação das políticas a

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219

serem implementadas. O Ministro Jatene 238 foi a principal expressão dessa imagem

utilizando-se no debate político de argumentos técnicos para fundamentar suas propostas, o

que ocorreu desde a defesa de mais recursos para a saúde até a política de medicamentos

para a AIDS;

(2) O Executivo Presidência durante todo o período não concretizou o apoio necessário

para o desenvolvimento das políticas propostas pelo Executivo Saúde, ao contrário, o

processo de negociação das principais propostas – NOB96, revisão da tabela,

financiamento e algumas políticas específicas – foi marcado pelo conflito e uma insistente

cobrança da Presidência na racionalização e uso eficiente dos recursos;

(3) Na relação Executivo-Legislativo se estabeleceu uma parceria tendo o Conselho

Nacional de Saúde efetuado um papel importante na intermediação do debate. O Executivo

atuou mais diretamente no apoio a políticas específicas como resposta às demandas dos

movimentos sociais e também que encontravam um forte apelo técnico.

238 A afirmação da postura técnica era enunciada pelo próprio Ministro e criticada por alguns afeitos ao debate. Carvalho(2002) retoma o posicionamento do Ministro Jatene frente às discussões da Reforma Constitucional em 1995 quandohavia uma proposta de mudança no texto constitucional da saúde.

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220

CAPÍTULO 9 - NOVAMENTE O EXECUTIVO PRESIDÊNCIA – A SAÚDE

COMO VITRINE DA POLÍTICA (1997-2002)

“O atendimento à saúde é direito de todos, e o nosso papelé prover as condições para garantir esse direito,independentemente da condição social de cada um. É nessecontexto que situo, na linha de pensamento do PresidenteFernando Henrique, princípios e idéias que nortearão a ação doMinistério da Saúde. É correta a orientação constitucional queconsagra a universalidade do atendimento à saúde. Atendimentoa toda a população e atendimento que deve ser integral , unindo aatenção preventiva e a curativa. É preciso garantir que todas aspessoas que não disponham de informação e de dinheiro tenhamacesso a esse direito. Não podemos entrar no século XXI semcumpri-lo de forma decente.” (Serra, 1998 - grifos nossos).

Neste capítulo analisaremos a estratégia política do governo FHC de constituir na

política nacional de saúde, a partir de 1997, uma política de visibilidade239, recompondo a

proposta de reforma do setor saúde no bojo da reforma administrativa do Estado e

utilizando como argumentos os princípios do SUS. A estratégia tornou-se ainda mais

evidente com a entrada de José Serra no Ministério da Saúde no ano de 1998 e a intenção

de fazê-lo candidato à Presidência da República nas eleições de 2002.

Associada à discussão da reforma administrativa estava a questão da Reforma do

Estado e as propostas específicas para a saúde defendidas pelo Ministério da Reforma

(MARE240), divulgadas desde 1995. De fato, as mudanças implementadas na saúde no

período 1997-2002 não lograram alcançar a proposta de reforma administrativa proposta

pelo MARE, mas, incorporaram algumas de suas “idéias” deixando heranças para o

processo político democrático que se efetivava neste setor, especialmente, no que diz

239 Na Campanha Presidencial de 1994 o candidato FHC apresentou 5 eixos prioritários para desenvolvimento durante agestão de Governo, dentre eles a Saúde. O ano de 1997 foi enunciado como o “ano da saúde”. Donde se depreende teriamaior investimento, senão financeiro, político.240 A reforma da administração pública era uma prioridade para o Governo desde o início da gestão FHC quando seconstituiu o MARE e se instituiu a Câmara de Reforma do Estado, presidida pelo Ministro-Chefe da Casa Civil, ClóvisCarvalho, e composta por diversos membros, dentre eles o Ministro Bresser Pereira (MARE) e o Ministro José Serra(nesta época no Ministério do Planejamento e Orçamento).

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221

respeito à transparência decisória, à relação intergestores e à integração das políticas intra-

setoriais, reafirmando uma face concentradora de poder no Executivo Saúde, numa aliança

mais estreita com o Executivo Presidência.

Em outra perspectiva, os avanços obtidos no setor saúde durante o período 1997-2002

foram a expressão de um arcabouço institucional e social, sustentado por um Executivo

Saúde comprometido com os princípios constitucionais e os ideais da reforma sanitária, não

tão articulado ao projeto político de Estado para a saúde desenhado pelo Executivo

Presidência.

O Executivo Presidência encontrou nesses anos um Executivo Saúde muito mais

fortalecido do que no início da década de 90, atuante na tecnoburocracia do Ministério e,

principalmente, disposto a dar continuidade a um projeto claro de operacionalização da

reforma, com um diagnóstico concreto de suas mazelas e das possíveis alternativas a serem

tomadas, com forte respaldo técnico e compromisso no desenho de estratégias custo-

efetivas, racionais como garantidoras dos princípios constitucionais. Esse grupo foi o que

deu encaminhamento à operacionalização da NOB96 e definiu a estratégia da

regionalização com vistas à ampliação do acesso (na atenção básica, na média e alta

complexidade), tal como desenhado na NOAS 2001 (e reafirmado na NOAS 2002).

As políticas definidas por esse Executivo Saúde foram capturadas num cenário de

poucas possibilidades, tanto no que diz respeito ao suporte político-institucional para as

ações desenhadas quanto na garantia de recursos que dessem sustentabilidade aos projetos.

As políticas priorizadas precisavam estar, de alguma forma, atreladas ao projeto maior do

Executivo Presidência, o que significou a composição de políticas muito mais sob a ótica

da expressão política do que da necessidade de saúde. Nesse sentido, as políticas

implementadas, no ritmo vertical e campanhista, contribuíram na composição de uma

imagem positiva da gestão Serra, principalmente as que tiveram forte impacto na melhora

efetiva da população, garantindo o acesso a determinados serviços, como foi o caso das

ações propostas nos mutirões de cirurgias eletivas (catarata, varizes, próstata, retinopatia

diabética) ou nas campanhas nacionais para o controle ou combate a algumas doenças

(câncer de colo uterino, hipertensão e diabetes). A estratégia reforçou da mesma forma a

tendência para o desenho de múltiplas políticas contribuindo para a fragmentação excessiva

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222

do sistema e um difícil acompanhamento, seja do gestor, seja dos legisladores, juristas,

conselheiros ou da população, na execução das políticas e no desenvolvimento do direito

universal e integral à saúde.

Assim, o Executivo Presidência incorporado numa parte do Executivo Saúde, aquele

que definia a direcionalidade das políticas - mais precisamente o Ministro da Saúde – José

Serra, o Secretário Executivo - Barjas Negri e o Chefe de Gabinete do Ministro – Otávio

Mercadante -, intermediou as propostas a partir do forte argumento, técnico, da

sustentabilidade financeira e do poder político e social que carregavam, alcançando um

status tanto no cenário brasileiro como no internacional. Nessa linha, colheu também os

frutos da lei de medicamentos para a AIDS (aprovada em 1996) e aprovou a lei dos

genéricos (1999).

Além disso, o Executivo Saúde associado ao Executivo Presidência avançou na

complementação jurídico-institucional de pontos em aberto desde a CF88241, na questão dos

Planos Privados de Saúde (1998) e do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (1999),

propondo ainda a criação das Agências reguladoras autônomas (ANS e ANVISA) numa

estratégia maior do Executivo Presidência na regulação dos mercados em geral242.

Tal estratégia introduziu no debate do setor saúde uma mudança de foco: da questão

do direito à saúde para a do direito do consumidor, o que, por um lado, enfraqueceu o

processo de construção de uma cultura do direito e uma postura pró-ativa da população na

cobrança e no controle de um Estado cumpridor de suas leis243; por outro lado, possibilitou

ao cidadão um canal direto para a mediação de suas demandas e/ou necessidades, num

241 Havia também o interesse dos reformistas nessa regulamentação, mas, estes ainda não haviam conseguido até omomento definir a legislação. No caso dos planos, o debate era intenso e esteve presente no CNS e na tecnoburocraciaanos antes da aprovação da lei. No caso da vigilância sanitária, havia um conjunto de leis que regulavam aspectos da áreamas nenhuma definição mais abrangente.242 Foi criado nesse período as agências de regulação de energia, telecomunicações, petróleo, respectivamente: ANAEL,ANATEL, ANP, ANA. “Diferem, contudo, em relação à natureza das ações regulatórias. As agências dos setores decomunicação e energia voltaram-se à formação e diversificação dos mercados, enquanto que as da saúde surgiram apartir da expectativa de constituição de mecanismos estatais de fiscalização e controle de preços mais potentes .” (Bahia,2001: 338).243 Não se resumia à possibilidade de recorrer à justiça numa situação abusiva, mas, na conformação de um processodecisório democrático que favoreceria a priori o cidadão, ou seja, antes que a situação de abuso se conformasse. Aproposta de constituição dos Conselhos de Saúde era justamente com o objetivo de criar um canal permanente de diálogoentre gestores, prestadores, profissionais e usuários possibilitando o efetivo controle sobre as ações desenvolvidas peloEstado, garantindo o direito firmado legalmente.

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223

cenário de grande abuso das seguradoras e planos de saúde e indústrias de insumos244,

determinando a constituição de mecanismos legais para a exigência de seus direitos245.

Outra conseqüência de todo o processo foi a incorporação de uma lógica de mercado

que segmentou a discussão a respeito da regulação do setor saúde, tendo o setor privado

uma independência e autonomia frente ao órgão de regulação público – o MS.

No caso dos Planos de Saúde a constituição de uma agência autônoma significou a

definição de princípios próprios/particulares para esse setor que não se assemelhavam em

nada aos princípios enunciados no SUS, ao contrário, a regulamentação ainda persiste na

atualidade com muitas incoerências e injustiças que penalizam o consumidor desses

serviços, mais do que isso prejudicam a saúde dos associados. O MS se posiciona frente a

esses problemas delegando à ANS o poder de decisão, mas a Agência falha nesse

processo246 e a saída dos associados é recorrer ao Ministério Público e à Justiça, na lógica

do direito do consumidor e não do direito à saúde – do direito individual e não do direito

coletivo. Ou seja, a omissão do MS nesse processo, em primeiro lugar, e a

fragilidade/comprometimento político-institucional da ANS, em segundo lugar, reforça um

mercado voraz e pouco preocupado com a saúde de seus associados, deixando-os à sorte, e

compondo, de fato, um mercado “desregulado”. No mínimo incoerente quando se afirma

na Constituição que a “saúde é direito de todos e dever do Estado”.

No caso da ANVISA, a autonomia decisória e a agilidade administrativa do órgão são

avaliadas como pontos positivos no processo de regulação dessa área. As críticas que se

apresentam são com relação à incipiente construção de uma política integrada e sistêmica –

federal, estadual e municipal - com um projeto de desenvolvimento explícito para o Sistema

Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS) (Lucchese, 2001). A capacidade de uma Agência

federal regular essa área em todo o território nacional é pequena e o que se avançou na

construção dos sistemas de vigilância estadual e municipal é insuficiente possibilitando que

244 O cenário era de total laissez-faire. No caso dos planos: mudança nos valores de mensalidades, restrição doatendimento, cobranças indevidas etc. (Bahia, 2001a). Na área de insumos: total descontrole do mercado produtivo,aprovação de produtos sem a devida análise técnica, medicamentos falsificados ou adulterados, empresas produtoras ouatacadistas clandestinas ou fraudulentas e outros procedimentos indevidos (Lucchese, 2001).245 O código de defesa do consumidor foi o principal ganho nesse sentido.246 São muitos os lobbies e o poder de pressão deles é grande, seja no Congresso, seja diretamente na Agência. Para lidarcom os lobbies e regular um mercado tão corporativo e economicamente forte é preciso uma postura contundente do órgãopúblico, e a Agência não cumpre esse papel, ao contrário, ela está fragilizada nesse processo.

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224

persista uma situação de descontrole sobre a área. Por outro lado, a própria ANVISA

reproduz uma forma de regulação que favorece a manutenção dos benefícios do capital

privado em detrimento do interesse públicos, especialmente pela falta de vontade política e

de investimento na criação de normas e regras que avancem na definição de parâmetros e

protocolos clínicos. A desarticulação da vigilância sanitária da política de assistência nos

últimos anos apenas reforçou uma política de uso indiscriminado dos recursos tecnológicos,

insumos e serviços, gerou demanda, sobrecarregou o orçamento público em saúde e não

produziu necessariamente saúde, muito menos combateu as doenças.

1997 – “O Ano da Saúde”

A saída de Jatene do MS, no ano de 1996, denotava uma mudança a ser implementada

na condução da política nacional de saúde no governo FHC. A indicação do médico Carlos

César Albuquerque para assumir o cargo parecia uma estratégia para a manutenção de um

médico, não político, e principalmente técnico, na condução da pasta, num perfil

correspondente ao de Jatene mas sem a trajetória técnico-institucional deste no debate da

reforma da saúde247. Nesse ano compunha-se uma equipe ministerial de primeiro escalão

que daria um tom mais afinado às teses econômicas do projeto de Governo. A Secretaria

Executiva foi designada a Barjas Negri, um economista da “confiança” do Presidente e que

tinha a missão de constituir uma racionalidade econômica para o setor, usando os mesmos

argumentos já conhecidos e também incorporados pelos reformistas: “combater fraudes,

evitar o desperdício e garantir políticas custo-efetivas” (mas talvez agora levadas ao

extremo da ação). Assim, compunha-se a associação mais direta entre o Executivo

Presidência e o Executivo Saúde nesse ano. Uma relação que viria se estreitar ainda

mais nos próximos anos, com a entrada de Serra em 1998 (era como se ocorresse um

preâmbulo para a gestão deste).

O interesse do Governo na saúde não era necessariamente para a definição de uma

política de contenção de custos e ajuste econômico, o interesse maior era constituir na

saúde um espaço privilegiado de atuação política, um modelo de gestão (talvez porque

247 Como o próprio Jatene relatou na X Conferência de Saúde, aquela era a quarta Conferência da qual participava.

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225

achassem que seria mais fácil implementar pelo tanto que já havia avançado), uma vitrine

da política de Governo.

Na posse do Ministro Albuquerque, o Presidente FHC explicitava sua intenção de que

o ano de 1997 fosse “o ano da saúde”, com uma grande reforma administrativa do SUS,

deixando indicações do projeto político para o setor. Resumindo a fala de FHC, Bresser

Pereira (1997) retoma os princípios dessa reforma:

“Esta reforma implica na efetiva municipalização da saúde pública através

do fortalecimento do sistema de atendimento básico municipal, que será a

porta de entrada obrigatória na rede hospitalar, e da transferência para os

municípios do controle dos serviços prestados pelos hospitais e

ambulatórios especializados. Para isto, a estratégia consiste em distribuir

aos municípios os recursos da União disponíveis para a saúde na

proporção do seu número de habitantes, ao invés de distribuí-los na

proporção dos leitos hospitalares existentes no município, como hoje ocorre.

Dessa forma será possível às autoridades de saúde locais e a seus

respectivos conselhos municipais de saúde assumirem a responsabilidade da

saúde de seus munícipes. O controle será realizado a partir da demanda,

representada pelas autoridades municipais, e não pela oferta constituída

pelos hospitais” (p.22 – grifos nossos).

Em documentos do Ministério a estratégia da municipalização foi afirmada –

“municipalizar é prioridade. É o melhor meio para modificar radicalmente a qualidade do

atendimento de saúde” (MS/Brasil, 1998: p.3)248 – e a prioridade para as ações de

promoção da saúde e de prevenção das doenças enfatizadas, tendo como medidas a

constituição do Piso da Atenção Básica (PAB) e o estímulo a implantação dos Programas

de Saúde da Família e Agentes Comunitários (PSF/PACS) e os Consórcios Intermunicipais

– “porque contribuem efetivamente para a mudança do modelo de assistência à saúde no

Brasil” (idem: p.3).

248 Os estados retornam a uma posição secundária no debate. A municipalização tinha um forte argumento neoliberal.

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226

Enfim, nenhuma das propostas apresentadas pareciam colidir com as propostas

desenhadas e divulgadas em documentos oficiais da gestão anterior, ou do que havia sido

estabelecido com a NOB 96. As mudanças foram de fato incrementais e, especialmente,

na forma/lógica proposta para algumas estratégias desenhadas, como o PAB. Essas

mudanças em alguns aspectos foram bastante nocivas ao processo de operacionalização do

SUS nos seus princípios fundamentais, no que pese a integralidade e a eqüidade.

A base da Reforma Administrativa estava fundada numa proposta elaborada pelo

MARE e já bastante combatida pelo Executivo Saúde na gestão Jatene, no momento de

elaboração da NOB96249. Com o início da nova gestão havia novamente um espaço aberto

para a discussão da proposta MARE e um grande temor dos grupos reformistas da saúde

(incluso aqueles inseridos na tecnoburocracia do Executivo Saúde) da implantação da

reforma administrativa nos termos propostos pelo MARE.

Uma resolução do Conselho Nacional de Saúde, apresentada nos primeiros dias da

nova gestão Ministerial (RS 207 de 27/01/97), expressou bem o momento numa solicitação

“ao Governo Federal que não adote [adotasse] nenhuma proposta de

mudança (Reforma Administrativa) sem o prévio debate no CNS e na

sociedade, suspendendo a aplicação da proposta de reforma na saúde para

que o CNS, no uso de suas atribuições legais e no prazo de 180 dias, se

pronuncie a respeito” (CNS, RS 207/1997).

A Reforma Administrativa da Saúde proposta pelo MARE

Bresser Pereira (1997) relata uma parceria entre o MS, CNS e o MARE na composição

da proposta da NOB96, o que estaria expresso na estratégia do “Piso de Atendimento

Básico (PAB)”. Na NOB96 a proposta é de composição de um Piso Assistencial Básico.

Na regulamentação proposta a partir de 1997 a referência é Piso de Atenção Básica. O

249 Levcovitz (1997) refere-se a esse momento como de convencimento do MARE acerca das propostas da saúde:“Durante vários meses, técnicos do MARE foram deslocados para acompanhar dirigentes do MS e assessores do Ministroda Saúde, com o propósito de “aprender tudo sobre o SUS”. Estes técnicos eram substituídos tão logo a equipe do MS osconvencia dos equívocos das propostas do MARE” (p.224). Já Bresser Pereira (1998) relata ter encontrado MS e no CNSum ambiente favorável às propostas do MARE, associando a NOB 96 como um exemplo dessa parceria – “Depois deintensa colaboração entre os dois Ministérios, em que a participação do Secretário Executivo José Carlos Seixas e doSecretário de Assistência à Saúde, Eduardo Levcovitz, foi decisiva, em novembro de 1996 foi assinada pelo Ministro AdibJatene a NOB 96” (p.7).

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227

que diferencia cada um dos termos está diretamente associado à questão de níveis de

complexidade. Na NOB original a intenção era inovar na discussão sobre o que

deveria constar numa assistência básica à população, independente de estar ou não no

rol de procedimentos previstos na atenção básica ou primária (apesar destes termos serem

diferentes), ou seja, rompia-se com a lógica piramidal dos três níveis de complexidade e

previa-se o uso de tecnologias de acordo com o que se estabeleceria de piso assistencial

básico. Quando a proposta passou a ser associada a atendimento básico ou atenção

básica, houve uma intenção explícita de se tomar como ponto de partida o que já está

tradicionalmente definido nesse nível de atenção, restringindo o conjunto de

procedimentos a serem cobertos.

Nesse sentido, o objetivo da estratégia de composição de um Piso de Atendimento

Básico era

“a permissão de que os municípios e os Conselhos Municipais de Saúde

montassem um “sistema de entrada e triagem”, para encaminhamento dos

pacientes aos hospitais, e credenciassem de forma competitiva os hospitais e

ambulatórios especializados do próprio município, bem como os dos

municípios vizinhos” (Bresser Pereira, 1997: p.7 – grifos nossos).

A Reforma administrativa proposta pelo MARE trazia como objetivo garantir um

melhor atendimento ao cidadão através de um controle mais adequado do sistema, visando

possibilitar menores custos e melhor qualidade dos serviços pagos pelo Estado (idem: p.8).

Dentre os pressupostos da reforma administrativa a ênfase estava na idéia da

“competição administrada”, que segundo Bresser era um mecanismo utilizado com sucesso

no Sistema Inglês. Para isso, propunha uma separação operacional entre o Subsistema de

Entrada e Controle – “para solução de problemas mais simples em nível do indivíduo e da

família” -, e o Subsistema de Referência Ambulatorial e Hospitalar, o que permitiria o

surgimento de um mecanismo de competição administrada altamente saudável, envolvendo

Entrada e Controle entre si (competição pela qualidade, resolubilidade, efetividade,

integralidade e continuidade) e entre ambulatórios e hospitais de referência (competição

pela qualidade, redução de custos e desempenho entre outros) (idem: p.11).

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228

O Subsistema de Referência atenderia os pacientes cujos problemas não tivessem sido

resolvidos no nível do Subsistema de Entrada e Controle. Esse último permitiria uma

melhor qualidade do atendimento, como uma nova racionalidade da ação médica,

combatendo o desperdício, o abuso de procedimentos de alto custo e o combate às fraudes

(idem: p.14)

A Reforma proposta pelo MARE e incorporada pelo novo Ministério, a partir de 1997,

envolvia uma proposta de reforma administrativa na área da compra ou demanda de

serviços hospitalares e ambulatoriais, numa releitura (segundo a proposta uma nova vida e

força aos propósitos dos princípios) dos princípios da descentralização, integralidade,

eqüidade e eficiência do SUS. Com o intuito explícito de não abranger todo o SUS “mas

uma das partes fundamentais do mesmo – e certamente a mais cara -: a assistência

ambulatorial e hospitalar” (idem: p.14).

A estratégia como um todo da reforma resumia-se em três propostas: Proposta 1 –

constituir um processo decisivo e rápido de descentralização, com ênfase na

municipalização; Proposta 2 – montar um Sistema de Atendimento de Saúde integrado,

hierarquizado e regionalizado, a partir da base municipal. O Sistema seria subdividido num

Subsistema de Entrada e Controle (unidades ou postos de saúde municipais e/ou médicos

de saúde da família) e num Subsistema de Referência Ambulatorial e Hospitalar

(ambulatórios e hospitais credenciados, que poderão ser estatais, públicos não estatais

(filantrópicos) ou privados e que poderão estar dentro ou fora do município); Proposta 3 –

constituir um Sistema de Informações Gerenciais em Saúde, possibilitando um maior

controle e avaliação dos serviços prestados.

O carro-chefe de toda estratégia era a proposta 2, de constituição dos dois Subsistemas,

onde o Subsistema de Entrada e Controle seria o norteador da política. A idéia consistia

em: o MS definiria as diretrizes e conteúdos mínimos do Subsistema de Entrada e Controle

e submeteria aos Conselhos (CONASS, CONASEMS e CNS) a proposta. A partir daí se

estabeleceria um cronograma de implantação, com vistas a acelerar a municipalização. Os

recursos para instalação e manutenção desse subsistema deveriam ser oriundos dos

Tesouros municipais e os recursos federais e estaduais seriam destinados à educação

continuada, investimentos e remuneração adicional por desempenho, de acordo com

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229

avaliações de indicadores epidemiológicos, sanitários e gerenciais (como, por ex: redução

da mortalidade infantil).

Os municípios organizariam o Subsistema de Entrada e Controle de acordo com a base

populacional e geográfica, definida segundo as diretrizes gerais do MS e ajustada às

especificidades regionais e estaduais. A proposta era de adscrição da clientela às unidades

locais e aos médicos de saúde da família, vinculados à Prefeitura. O acesso aos

ambulatórios e hospitais deveria se dar pelo encaminhamento de um médico desse

subsistema de Entrada e os instrumentos de encaminhamento eram os formulários de

atendimento ambulatorial e as AIH’s. As AIH’s seriam distribuídas às SES e SMS de

acordo com o número de residentes no estado/município e o perfil epidemiológico local. O

papel dos estados seria de orientação e controle dos dois subsistemas.

O Subsistema de Referência Hospitalar proporcionaria um ambiente de competição

entre os hospitais, já que não estariam relacionados ao Subsistema de Entrada. E o

Subsistema de Entrada credenciaria e contrataria serviços dos hospitais estatais, que mesmo

tendo preferência frente aos demais, competiriam em condições de igualdade nos termos de

qualidade e custo dos serviços, com os hospitais públicos não estatais e mesmo com os

hospitais privados.

Assim, a assistência básica definia-se como a estratégia mestra dessa proposta e os

hospitais e ambulatórios estariam submetidos a uma nova lógica concorrencial do

mercado. E Bresser justificava sua proposta dessa forma:

“Observe-se que esta proposta de reforma não se concentra no fomento da

oferta de serviços de saúde, por meio da construção e equipamento de novos

hospitais e ambulatórios públicos ao nível do Subsistema de Referência

Ambulatorial e Hospitalar. Em contrapartida serão necessários

substanciais investimentos estatais em postos ou unidades de saúde do

Subsistema de Entrada e Controle de cada município. Isto não significa que

construir e equipar hospitais públicos não seja importante; simplesmente

não é prioritária no momento” (idem: p.19).

Os hospitais estatais deveriam, em princípio, serem transformados em organizações

sociais – “entidades públicas não-estatais de direito privado com autorização legislativa

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230

para celebrar contratos de gestão com o poder executivo e assim participar do orçamento

federal, estadual ou municipal” (idem: p.19/20).

A proposta de constituição de organizações sociais circulou amplamente no ano de

1997 – com algumas iniciativas frustadas e muita crítica pelos diversos grupos da saúde250.

Da mesma forma a proposta de competição administrada encontrou barreiras nos grupos

atentos à reforma, revertendo em propostas que exigiam a qualificação dos gestores e a

efetiva regulamentação da política proposta na NOB96 para os municípios e estados

gerirem o sistema. Gilson Cantarino, em debate no V Congresso de Saúde Coletiva da

Abrasco (1997), acusava o Ministério da Saúde de falhar na regulamentação da política

para a efetiva implementação da proposta:

“faltam definições essenciais do próprio Ministério, para que os gestores

municipais se habilitem a gerenciar a saúde. As indefinições engessam a

ação dos gestores municipais, emperram a descentralização e em

conseqüência atrasam a implantação definitiva do SUS” (Radis, 1997: p.18)

A proposta do MARE foi desqualificada no V Congresso – “O Plano Diretor proposto

pelo Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE) parece desconhecer

totalmente a Reforma da Saúde, em curso há cerca de 15 anos e que teve na Constituição de

88 a confirmação de que a saúde deve ser vista como uma política social mais ampla e que

envolve outras áreas. A análise do PDRAE revela que o Governo está tendo uma visão

reduzida da crise na saúde, sem um enfoque sistêmico para estabelecer estratégias de

mudança do modelo assistencial” (Radis, 1997: p.31).

Todo debate nesses anos possibilitou uma resistência às propostas do MARE mas

foram incorporadas algumas idéias na discussão sobre a operacionalização da

reforma, por exemplo, no que concerne à ênfase no que foi denominado Subsistema de

Entrada e Controle (um paralelo com a atenção básica), à contratação de serviços

ambulatoriais e hospitalares e os mecanismos de introdução de uma lógica mais

250 O Executivo encaminhou para o Congresso uma medida provisória no ano de 1997 (MP 1591/97) regulamentando omodelo das organizações sociais. A medida foi aprovada e republicada durante todo o ano até ser transformada em lei em1998 (lei 9637/98).

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231

competitiva nesse mercado. As experiências de novas modalidades de gestão e

contratação de serviços começaram a ser testadas no cenário do SUS 251.

Sobre as mudanças

O ano de 1997 não representou o “ano da saúde”, no avanço do projeto SUS, mas,

foi o ano da saúde na forma de reorganização do cenário político-institucional para a

condução da reforma. A partir de 1998, foram constituídas as bases para a

organização de uma política racional-econômica.

Começando pela mudança da estrutura ministerial, com o decreto 2284 de 24/07/1997

e um quantitativo expressivo de portarias252 reorganizando as Secretarias e suas funções. O

decreto afirmou uma condução das políticas de atenção à saúde de caráter mais

fragmentado, apesar de enunciar a mudança como uma estratégia para maior

articulação. Instituiu a Secretaria de Políticas de Saúde (SPS), responsável por coordenar

as ações de formulação da política de saúde e de sua avaliação no âmbito do SUS e a

Secretaria de Projetos Especiais de Saúde (SPES), com o intuito de promover a articulação

intersetorial na esfera federal e coordenar a execução de planos, programas e projetos

especiais de saúde. Essas Secretarias passavam a incorporar as ações que teriam um caráter

mais estratégico e prioritário no Ministério, mantendo-se ainda a SAS nessa estrutura (Ver

na Figura 2 a estrutura do MS no ano de 1997).

Na condução da política duas características foram marcantes nesse ano. A primeira

no encaminhamento da NOB96 e a segunda na definição de algumas políticas em áreas

específicas com o recurso a estratégias de caráter vertical (ao estilo campanhista).

251 Ver: Machado (1999) para uma revisão das novas modalidades de gerência adotadas em hospitais do município do Riode Janeiro e uma discussão mais geral dessas propostas no bojo da Reforma do Estado; o artigo de Ribeiro, Costa e Silva(2001) com dados da pesquisa ‘Reforma do Estado e Setor Saúde’ em parceria da ENSP (FIOCRUZ), NEPP (UNICAMP)e UFPE, analisando a flexibilização da gestão pública e a inovação organizacional nos hospitais estatais dos níveis degoverno federal, estadual e municipal das Regiões Metropolitanas do Rio de Janeiro e São Paulo.252 GM 128 (21/02), com a subordinação da assessoria técnica do GM à Subsecretaria de Planejamento e Orçamento; GM721 de 23/05, com a subordinação da assessoria técnica gerencial do GM à SPS e Avaliação; GM 741 de 23/05, definindocompetências para a SPES; GM 750 de 06/06, com a subordinação da Coordenação Geral de Desenvolvimento Científicoe Tecnológico da Secretaria de Vigilância Sanitária à SPS e de Avaliação; GM 822 de 25/06, determinado que ficamsubordinadas à SE a unidade de gerência do REFORSUS e a gerência geral do Projeto Nordeste; GM 983 de 17/07, queatribui competências à SPS e Avaliação; e GM 1047 de 01/08, que dispõe que as ações de educação e saúde passem a sercoordenadas pelo Comitê de Educação em Saúde.

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232

Figura 2 - ESTRUTURA REGIMENTAL DO MINISTÉRIO DA SAÚDE –DECRETO 2284/1997

MINISTÉRIO DA SAÚDE

Órgão de Assistência Direta e Imediataao Ministro:GabineteSecretaria Executiva

Órgão Colegiado: Entidades vinculadas:

Órgãos setoriais:Consultoria jurídicaSecretaria Geral de AdministraçãoSecretaria de Controle Interno

Secretaria de VigilânciaSanitária

Órgãos específicos:

Secretaria de Assistência àSaúde

Conselho Nacional deSaúde

Autarquias:INAN

Fundações públicas:FIOCRUZPioneiras SociaisFNS - DATASUS

Sociedades deeconomia mista:Hospital Nossa Sra. daConceiçãoHospital FêminaHospital CristoRedentor

Secretaria de Políticas deSaúde e Avaliação

Secretaria de ProjetosEspeciais de Saúde

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233

Primeiros passos na operacionalização da NOB96

Com relação à NOB96, três portarias foram responsáveis pelo encaminhamento da

política nesse ano:

• A instrução normativa IN nº1 de 15/05/97, regulamentando os conteúdos, instrumentos

e fluxos do processo de habilitação dos municípios segundo a NOB96.

• As portarias GM 1882 e 1893, ambas de 18/12/1997, com alterações acerca do PAB e

sua composição, sobre os valores financeiros a serem praticados para pagamento dos

procedimentos ambulatoriais do grupo assistência básica.

A portaria GM 1882 que estabeleceu o PAB e sua composição tornou sem efeito

alguns itens da NOB96, tais como:

1 - o que define o PAB e o incentivo aos Programas de Saúde da Família e Agentes

Comunitários (item 12.1.1 e 12.1.2);

2 - o que define o Piso Básico de Vigilância Sanitária (PBVS) (13.1.1);

3 - o que estabelece as prerrogativas, em todas as condições de gestão (de estados e

municípios), no que tange a transferência, regular e automática, dos recursos

correspondentes ao PBVS (15.1.3b, 15.2.3c, 16.3.3b, 16.4.3c);

4 - o que determina os instrumentos para comprovação do cumprimento dos requisitos

para habilitação ao conjunto das condições de gestão de estados e municípios (17.5);

5 - o que autoriza a CIB a estabelecer fatores diferenciados de ajuste para os

municípios habilitados que apresentam gastos per capita em ações de atenção básica

superiores ao valor per capita nacional único (17.12);

6 - o que estabelece que o valor per capita nacional único é aplicado a todos os

municípios, habilitados ou não nos termos da NOB e que nos municípios não habilitados, o

valor do PAB é limitado ao montante do valor per capita nacional multiplicado pela

população e pago por produção de serviço (17.13).

Com a nulidade desses itens ficava em aberto o acordo em torno: da definição do PAB

e dos incentivos aos Programas de SF e ACS; da definição do PBVS e dos recursos

regulares e automáticos para essa área; dos instrumentos para habilitação; da autonomia da

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234

CIB para avaliar casos que apresentassem gastos per capita em valores superiores ao piso; e

do que estabelece valor per capita nacional único para os municípios. Nessa ação do

Executivo apresentavam-se três ordens de problemas: 1 – o destino a ser dado ao

PAB como estratégia-mestre da política proposta; 2 – a forma de articulação da

política de assistência à saúde com a de vigilância sanitária; e 3 – o espaço decisório

dos demais gestores. Além disso, deixava em aberto pontos fundamentais da política

proposta originalmente possibilitando no ano de 1998 um novo acordo para esses

itens253.

Políticas específicas

Quanto às políticas específicas de caráter vertical definidas no ano de 1997, estas

restringiram-se à instituição de alguns programas/dias específicos para algumas doenças e

conformando uma estratégia de constituição de uma política de visibilidade do MS e ênfase

no discurso preventivo, o que se intensificaria nos próximos anos com o diferencial de atuar

em áreas de “demandas reprimidas” alcançando um destaque ainda maior na política. Só

em 1997 foram quatro diferentes ações propostas nesse sentido: o Dia Nacional do

Diabetes (GM 391 de 04/04/97), o Dia Nacional de Luta do Paciente Reumático (GM 1245

de 03/09/97), o Programa “Saúde na Escola” (GM 1094 de 05/09/97) e o Dia Nacional de

Prevenção e combate à surdez (GM 1661 de 07/11/97).

Noutra vertente de políticas, bastante diferente da direção executiva do Ministério

(política vertical e de visibilidade nacional) mas não contraditória 254, estabeleciam-se pelo

Executivo Saúde o encaminhamento das diretrizes propostas para algumas áreas, como a

DST/AIDS e a Saúde da Mulher. Na política da AIDS se avançou na regulamentação para

orientação do uso de medicamentos, num Guia de condutas terapêuticas em HIV/AIDS

(GM 874), em resposta à legislação de 1996, que havia aprovado a distribuição gratuita de

medicamentos.

253 O fato da NOB96 ter sido aprovada sem a definição de algumas diretrizes possibilitou inúmeras modificações no textooriginal, sem um pacto efetivo na CIT e CNS.254 Tanto a Saúde da Mulher como o Programa de DST/AIDS foram apresentados no documento de gestão do MinistroCarlos Albuquerque como ações prioritárias a serem desenvolvidas, tendo como ênfase a prevenção. Na área de saúde damulher as principais ações elencadas foram: assistência ao pré-natal, parto e pós-parto, planejamento familiar e combateao câncer de colo do útero. No Programa de DST/AIDS: pré-natal para portadoras do vírus, distribuição de preservativose controle da sífilis congênita.

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235

Na política de Saúde da Mulher se avançou numa primeira regulamentação acerca da

esterilização cirúrgica, com a inclusão desse procedimento na tabela do SIH/SUS e da ficha

de notificação compulsória para o controle das esterilizações realizadas, em resposta

também à legislação aprovada em 1996 (lei 9263/96) que dispunha sobre o planejamento

familiar tendo como principal questão a regulação da prática de esterilização no Brasil.

Dois pontos não abordados no documento do Ministério mas de fato encaminhados como

política pelo Executivo 255.

A análise da produção de documentos do Conselho Nacional de Saúde e do Legislativo

nesse ano dão mais algumas pistas sobre o momento político da saúde.

A participação do Conselho Nacional de Saúde

No CNS as temáticas abordadas demonstram uma grande mobilidade da discussão de

saúde nesse ano e a participação já ativa do Conselho na sua função propositiva,

especialmente.

O Conselho inaugura o ano com uma resolução que expressava o temor na forma de

condução da política com a entrada do novo Ministro e no bojo da discussão sobre a

Reforma do Estado, solicitando respeito em relação ao Conselho e a seu papel legal na

apreciação das propostas para o setor (RS 207 de 27/01/1997).

Em relação às políticas específicas as temáticas foram variadas: a normatização e

regulamentação dos casos de aborto legal, a normatização para a realização de pesquisas

que envolvem seres humanos, a regulamentação dos planos de saúde, a implementação da

política de medicamentos genéricos e a inclusão de alternativas assistenciais na área de

saúde mental. Todas questões que se apresentavam no debate há algum tempo e que nesse

ano começavam a se definir com encaminhamentos próprios. Nos anos seguintes quase

todas as propostas já estariam incorporadas no bojo da política nacional.

255 Nenhuma das ações consideradas “prioritárias” no documento ministerial. Vale também ressaltar que a traduçãodessas portarias em ações concretas na assistência pública é variável. No caso dos medicamentos da AIDS a portariaavançou no estabelecimento de critérios para o uso de medicamentos e logrou sucesso na sua aplicação. No caso daportaria sobre a esterilização cirúrgica essa é uma prática ainda incipiente, são poucas as pessoas que conhecem a lei,poucos os serviços que garantem o acesso ao procedimento e muitos os que ainda lucram com a prática privada e nãonotificada dessa ação. São exemplos de casos que merecem estudos à parte para o acompanhamento do processo políticoe das variáveis que contam no momento de implementação.

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236

No ano de 1997, a questão da regulamentação dos planos de saúde surgia com mais

intensidade e o Conselho se posicionou em protesto à maneira como a direção do MS

tratava a temática (RS 238 de 05/06/1997). No Legislativo tramitava um projeto de lei

desde agosto de 1993 e no Executivo, em 1994, havia se constituído uma Comissão para

propor a regulamentação, o que não se expressou em documentos. No ano de 1995, o CNS

aprovava, com alterações, o anteprojeto de lei do MS dispondo sobre o ressarcimento ao

SUS pelos planos de saúde.

Na questão dos planos e em outras tantas, o Conselho exerceu um papel de interlocutor

ativo com as propostas encaminhadas no Legislativo. Nesse sentido, esteve atento, no ano

de 1997, à proposta de regulamentação da profissão de agente comunitário de saúde e

solicitou que o projeto de lei tivesse a tramitação suspensa até que se chegasse a um perfil

desse profissional pelo MS e CIT e a aprovação do CNS. Assim, a regulamentação visaria

atender a uma necessidade do MS e dos gestores estaduais e municipais e poderia ser

melhor incorporada pelo sistema.

Assim, na relação Executivo-Legislativo, o CNS tem exercido um importante

papel de interlocutor/intermediador das propostas atuando em favor dos interesses do

setor saúde, seja dos gestores, prestadores de serviço e profissionais de saúde, seja da

sociedade (a partir da representação dos usuários) frente a esse setor. Nessa

intermediação exerce um papel privilegiado na recepção de demandas. Essa intermediação

falha quando o Executivo ou o Legislativo resolvem por outros meios definir suas

propostas e não submetê-las ao debate ampliado, como os decretos e medidas provisórias

no caso do Executivo, as emendas parlamentares e os inúmeros projetos de lei no caso do

Legislativo.

O Legislativo no ano da saúde

As leis e Resolução Federal aprovadas nesse ano (as leis selecionadas e a resolução

foram aprovadas nos dois primeiros meses do ano) são ainda reflexo do processo político

liderado nos anos anteriores, especialmente, da gestão Jatene:

- Autorização de um novo crédito junto ao BIRD para o projeto REFORSUS (RSF 006 de

28/01/1997), o que possibilitaria a continuidade do projeto desenhado na gestão anterior,

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237

de investimento na recuperação e adequação da capacidade operativa da rede do SUS, sob

os aspectos gerencial e assistencial;

- Aprovação da lei sobre controle das infecções hospitalares (Lei 9431 de 06/01/97) e da lei

sobre a retirada compulsória de órgãos (Lei 9434 de 04/02/97), ambas de interesse do

Executivo Saúde.

A tramitação de cada uma das leis esclarece um pouco mais o interesse do Executivo

Saúde (o reformista e não necessariamente o Presidência) na aprovação das leis.

A lei sobre controle das infecções hospitalares teve um processo longo, com um tempo

de espera entre sua apresentação em 1991 para a volta da discussão em 1996, quando o

Ministério passou a dar uma ênfase grande à política de qualidade na assistência, com ações

incisivas no controle e avaliação dos serviços prestados. Em 1993, o Ministério já havia

tomado como iniciativa a formação de uma Comissão Nacional de Controle da Infecção

Hospitalar, indicando uma atenção com o tema. De outra forma, essa lei apresentava, com

o processo de tramitação no legislativo, doze artigos, com os vetos presidenciais ficou com

cinco artigos. A lei dispõe sobre o que é a proposta de controle da infecção hospitalar e

sobre a necessidade de instituição de Comissões nos hospitais.

A lei sobre a doação de órgãos foi apresentada no ano de 1995, no contexto da gestão

Jatene que demonstrou um interesse específico com a questão. Trata-se de uma lei

negociada por um Executivo Saúde, num primeiro momento, de argumento e base técnica,

que encontrou um embate maior com a sociedade, especialmente, após sua aprovação. O

longo tempo de tramitação reuniu tempo de parada nos anos de 95 para 96 e em 1996. A

intermediação da gestão Albuquerque no processo foi a revisão de alguns aspectos da lei,

como a questão da compulsoriedade. O recurso utilizado foi a edição de muitas MPs até a

edição de uma outra lei substitutiva a essa. Foram ao todo: um decreto, trinta e três

medidas provisórias com alterações da lei e finalmente uma nova lei (lei 10.211), aprovada

em 2001. O debate sobre a compulsoriedade foi a questão mais polêmica, encontrando

resistências principalmente da sociedade.

O processo legislativo apresentou ainda um enorme conjunto de outros projetos sobre a

questão – ao todo doze. Em 1997 foi apresentado um decreto (DEC 2268/97) prevendo o

estabelecimento de uma unidade própria de coordenação do Sistema Nacional de

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238

Transplantes (SNT) no MS. A Coordenação Nacional do SNT foi implantada no âmbito da

SAS no ano de 1998 e passou a ser responsável, desde então, pela normatização e

regulamentação dos procedimentos relativos à captação, alocação e distribuição de órgãos.

Assim, um quantitativo grande de portarias da SAS a partir desse ano (1998)256 passou a

tratar da questão, regulamentando as Centrais de Transplantes, autorizando a implantação

de Banco de órgãos e dispondo sobre as regras para o registro de doadores (MS, 2002).

A Gestão Serra/Negri – instala-se um novo ciclo na política nacional de saúde

O ano de 1998 foi um ano importante no cenário nacional, especialmente, em razão

das eleições presidenciais. O então Presidente Fernando Henrique apresentava-se para

reeleição e os Ministérios deveriam cumprir minimamente suas metas no desenvolvimento

das ações propostas no Programa de governo de 1995-1998 ou, pelo menos, indicar o

esforço do governo no desenho das políticas.

A saúde havia estado na mídia de forma intensa nos anos de 1996 e 1997, não

exatamente pelas boas ações desenvolvidas e resultados obtidos, mas, pela situação caótica

de sucateamento da assistência, especialmente em alguns hospitais, numa conseqüência do

achatamento das tabelas de procedimentos, “desfinanciamento” do setor e descontrole por

parte da vigilância sanitária nos anos anteriores257. A entrada de Carlos Albuquerque no

Ministério da Saúde em 1997 e a definição deste ano como o “ano da saúde” já havia

afirmado uma intenção de mudança no encaminhamento da política nacional de saúde.

Essa intenção se concretizou num projeto explícito de inflexão em março de 1998, com a

passagem do MS para o economista José Serra, ex-Ministro do Planejamento e Orçamento,

que havia se posicionado como Ministro contra a aprovação da CPMF, além de ter

256 As portarias da SAS que tratam da gestão no tocante à licitação, cadastro, credenciamento e outras formas deautorização, aumentaram 8 vezes de 1997 para 1998, expressando a entrada dessa política no contexto da SAS e dopróprio SUS, que até então não havia definido uma política específica nessa área.257 Apesar do investimento político, institucional e até financeiro no desenvolvimento de uma política de controle eavaliação, principalmente, durante os anos de 1995/1996 isso não foi suficiente para evitar a situação crítica da assistênciafrente aos anos de ausência de investimento e falta de padrão ou controle. Além disso, o próprio processo deuniversalização e a garantia de uma política integral ampliou o quantitativo geral de serviços conferindo-lhes tambémmaior complexidade, o que passou a exigir uma nova concepção de gestão. Casos como o das clínicas de diálise emCaruaru-PE e da clínica geriátrica Santa Genoveva-RJ ocorreram num cenário de transformações do próprio sistema. Porfim, especialmente no ano de 1996 começou um processo de desgaste político do Ministro Jatene tendo a mídia dedicadoum amplo espaço para divulgação das mazelas do SUS.

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239

participado da Comissão da Reforma do Estado com a oportunidade de acompanhar o

debate da NOB96258.

A entrada de Serra no MS significou a ocupação, pela primeira vez, de um

economista no mais alto comando do Minstério e a substituição de uma lógica técnica

da saúde pela lógica técnica da economia. Os números epidemiológicos se associavam

pela primeira vez aos números da economia. A imagem que se vendia era da racionalidade

no uso dos recursos, do definitivo combate à fraude e de ações de saúde que garantissem o

acesso aos serviços pela população mais carente.

No discurso de posse (1998) José Serra assumiu o compromisso na continuidade

da reforma e reafirmou os princípios do SUS, mas, de uma forma contraditória

denunciando o projeto político que se desenhava para a saúde a partir dessa gestão,

como expresso na frase de abertura deste capítulo:

“O atendimento à saúde é direito de todos, e o nosso papel é prover as

condições para garantir esse direito, independentemente da condição social

de cada um. É nesse contexto que situo, na linha de pensamento do

Presidente Fernando Henrique, princípios e idéias que nortearão a ação do

Ministério da Saúde. É correta a orientação constitucional que consagra a

universalidade do atendimento à saúde. Atendimento a toda a população e

atendimento que deve ser integral , unindo a atenção preventiva e a

curativa. É preciso garantir que todas as pessoas que não disponham de

informação e de dinheiro tenham acesso a esse direito. Não podemos

entrar no século XXI sem cumpri-lo de forma decente.” (Serra, 1998 - grifos

nossos).

Ou seja, o projeto para a saúde definia-se como o atendimento à população carente, o

pobre e desassistido.

Serra adotou uma postura de reivindicar fontes estáveis e regulares para o setor, ao

mesmo tempo que reafirmou a importância do combate às fraudes e o maior controle na

258 Além disso pessoa de confiança do Presidente e nome forte na sucessão presidencial de 2002.

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240

aplicação dos recursos – “a saúde precisa de mais recursos e precisa utilizar melhor os

recursos disponíveis” (Serra, 1998).

Como estratégias de governo a serem priorizadas definiu: garantir um funcionamento

melhor dos serviços, descentralizar a execução dos serviços, desenvolver um projeto de

capacitação operacional de governos sub-nacionais e do próprio governo federal, avançar e

flexibilizar métodos de funcionamento do atendimento, priorizar o PSF e o atendimento à

mulher, investir na formação de recursos humanos, dentre outros. Em todas as medidas a

ênfase na moralização da saúde, na profissionalização da gerência dos hospitais e

secretarias, na diminuição das filas e na atuação de caráter preventivo utilizando-se do

velho jargão “é melhor prevenir do que remediar”.

As principais características de todo o período são de afirmação do projeto de

constituição de uma cesta básica de atendimento à saúde, com resistências da

tecnoburocracia da saúde e reformistas na incorporação da proposta do MARE de

formação de um Subsistema de Entrada e Controle. O resultado de todo processo é a

intensa fragmentação das políticas dificultando uma direcionalidade e composição de

um sistema único de saúde, e a regulação do mercado em saúde (de serviços e

insumos) de forma autônoma à direção do SUS, levando a uma acentuação do

argumento para a garantia dos direitos do consumidor e enfraquecendo a noção de

“direito à saúde”. O Ministério da Saúde deixou de ser o “Ministério do SUS” para

ser principalmente setorial, fragmentado em políticas diversas (medicamentos

genéricos, saúde supletiva, vigilância sanitária, atenção básica, média e alta complexidade,

políticas específicas...) com vantagens e desvantagens que serão apresentadas a seguir.

Em outro aspecto, o Executivo Saúde que prevalece nesse período assume uma postura

concentradora de poder e em estreita articulação com o Executivo Presidência atuando de

forma incisiva na condução da reforma.

A “cesta básica” do SUS: a estratégia de descentralização na Gestão Serra/Negri

As políticas desenvolvidas no setor saúde no período 1998-2002 indicam a

conformação de pelo menos dois momentos diferenciados na forma de condução do

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241

processo político259. Um primeiro que se desenvolveu durante os anos de 1998 a 2000,

quando prevaleceu a implementação dos dispositivos normativos contidos na NOB96 e o

fortalecimento da política de atenção básica; um segundo entre 2001 e 2002, quando a

ênfase se deslocou para a composição da estratégia de regionalização da assistência à saúde

no contexto das mudanças normativas apresentadas com a NOAS 2001.

Apesar da diferenciação de dois momentos eles compõem um mesmo argumento

político e se complementam como estratégias, tendo uma base de sustentação tanto no

Executivo Saúde associado ao Executivo Presidência, como no Executivo Saúde que

defendia os princípios da reforma sanitária.

Momento 1: A ênfase na atenção básica - 1998/2000

O ano de 1998 (antes mesmo da mudança ministerial) começou com a apresentação de

uma série de portarias que visavam a regulamentação da NOB96 e a definição do PAB (o

que teve início nos últimos meses de 1997), constituindo mudanças na NOB e na

concepção do Piso.

Essas mudanças se resumiam260 (ver também quadro 14 com algumas portarias

editadas nesse período261):

1 – numa transformação do conceito original do PAB, que deixou de ser um Piso de

Assistência Básica e passou a ser um Piso de Atenção Básica, tendo uma parte fixa

(assistência e vigilância sanitária, inicialmente) e uma parte variável de incentivos;

2 – na revisão do valor definido para o PAB, de R$ 12,00 para R$ 10,00 habitante/ano,

implicando numa perda real de recursos para os municípios (valores subestimados porque

tomavam como base de cálculo o ano de 1996) e a quebra do pacto estabelecido no

processo de negociação da NOB96;

259 No Relatório da SAS de 2002 (Brasil/MS, 2002) está explicitado a conformação desses dois momentos nodesenvolvimento da política de descentralização da assistência. Nossa proposta é entender a conformação dos momentoscomo uma estratégia do MS, pois, nesses anos o que se fortalece é a assistência à saúde e a descentralização dessa área é aprincipal política desenvolvida.260 Ver também Carvalho (2002). Especialmente o item “NOB-98” – O pacote da novas portarias do MS (p.207-213).261 Foram editadas outras portarias que acrescentaram ou modificaram algumas determinações apresentadas nessasportarias. No conjunto, essas portarias, juntamente com as apresentadas em dezembro de 1997, foram as que definiram aestratégia política a partir de 1998.

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242

3 – na definição de que o PAB representava um recurso exclusivamente de custeio,

possibilitando implicações jurídicas posteriores no seu uso para despesas de investimento;

4 – no conceito da parte variável do PAB atrelado aos incentivos definidos a partir de

critérios técnicos específicos de cada programa, o que acabaria por tirar da negociação da

CIT a função de aprovar os critérios para o pagamento desses incentivos;

5 – na suspensão do PAB daqueles municípios que não alimentassem os Bancos de

dados nacionais, quando o acesso a esses bancos ainda não se constituía numa realidade na

maior parte dos municípios;

6 – na definição de prazos e outras regras para o repasse dos recursos e habilitações

sem fechar um acordo na CIT e CNS;

7 – na composição de uma estratégia indutora e pouco flexível na formatação dos

Programas de Agentes Comunitários de Saúde e Saúde da Família.

QUADRO 14 - Mudanças na NOB96 – Portarias do Ministério da Saúde no ano de 1998Portaria Mudança na concepção originalInstrução Normativa n1 de 02/01/1998 –Regulamenta conteúdos, instrumentos efluxos do processo de habilitação àsnovas condições de gestão criadas naNOB96.

Incorpora a portaria GM 1882/97, que torna sem efeito alguns itens daNOB96 (o que define o PAB e o incentivo ao PACS/PSF, o que defineo PBVS, o que estabelece as prerrogativas em todas as condições degestão correspondente ao PBVS, o que determina os instrumentos paracomprovação dos requisitos para habilitação, o que autoriza a CIB aestabelecer fatores diferenciados de ajuste, o que estabelece valor percapita único) e substitui a IN nº1/1997. Especifica os requisitos para ahabilitação prevista na NOB96 com uma sistematização dosdocumentos no anexo.

GM 59 de 16/01/1998 – Definemecanismos para o repasse de recursosque compõem a parte fixa e variável doPAB para municípios e estados.

Define a abertura de uma conta diferenciada para o recebimento doPAB onde cada parcela do PAB, fixa ou variável, conta com umlançamento em separado que identifique claramente seus objetivos.Nesse sentido, compromete o gestor no uso dos recursos para a atençãobásica da forma especificada. Trata-se de um mecanismo de indução erecentralização do processo decisório, já que retira a autonomia dogestor na identificação de prioridades.

GM 2090 de 02/1998 - Alteradispositivo que fixa o valor per capitanacional para cálculo da parte fixa doPAB.

Modifica item 17.13 da NOB96 que previa o repasse para osmunicípios não habilitados do valor per capita nacional multiplicadopela população e pago por produção de serviço.

GM 2091 de 02/1998 - Alteradispositivo que estabelece o PAB e suacomposição.

Rompe com a idéia original de um elenco de procedimentos e ações deassistência básica tal como proposto e aprovado pela CIT e CNS.Deixa de ser um Piso de Assistência Básica e passa a ser um Piso deAtenção Básica. Estabelece o valor de R$ 10,00 habitante/ano para oPAB quando o valor pleiteado era de R$ 12,00 habitante/ano. Defineque o PAB representa um recurso exclusivamente de custeio, o que

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levaria a implicações jurídicas caso os municípios usassem o recursopara despesas de investimento. Define que os procedimentos básicosda vigilância sanitária comporão a parte fixa do PAB, com nenhumaperspectiva de recursos novos para a vigilância.

GM 2100 de 02/1998 – Publicaprocedimentos e valores do PACS ePSF constantes na tabela SIA/SUS.

Estabelece uma tabela de transição dos procedimentos dessesprogramas.

GM 2101 de 02/1998 - Estabelecemetas físicas e financeiras dos estadosreferentes ao incentivo ao PACS e PSF.

Fecha a possibilidade de regulamentação de propostas de práticassimilares do PACS/PSF, visto que define a composição das equipes edetalha o que deve ser considerado para efeito de remuneração. Nãoestabelece critérios de repasse, apesar de já ter revogado em outraportaria o critério previsto na NOB96.

GM 2121 de 03/1998 - Define osrecursos federais destinados no ano de1998, por estado e DF, à atenção básica,assistência ambulatorial de média e altacomplexidade e a assistência hospitalare implanta o PAB.

Define os recursos federais destinados às ações e serviços de saúde –teto da assistência - sem estabelecer as competências para as trêsesferas de governo.

SAS 82 de 07/1998 – Estabelece aobrigatoriedade com relação aos dadosde alimentação do SIAB para atransferência de recursos do PAB erequisito para a liberação do pagamentodos incentivos ao PACS e PSF.

Despreza a realidade dos municípios na implantação dos Sistemas deInformação. Nem o MS, nem os estados, apresentavam estruturatécnica para implantar os Sistemas em todos os municípios brasileirosno prazo estipulado pela portaria. Pelo texto, somente o municípioseria penalizado.

GM 3295 de 11/1998 – Apresenta oManual para a organização da atençãobásica.

Modifica a portaria que estabelece o PAB e define que a utilização dosrecursos do PAB pode ser para qualquer categoria de despesa constantedos Planos de Saúde e aprovadas no orçamento, desde queexclusivamente na atenção básica.

Fonte: Elaboração própria a partir das portarias e NOB96.

Essas portarias não passaram por um processo ampliado de discussão como

ocorreu na elaboração da NOB96 e modificaram pontos fundamentais propostos na

Norma262, como a definição do PAB e sua sistemática de composição com vistas à

integralidade da atenção. Elas acabaram por transgredir o debate ampliado e instituir uma

política de caráter bem mais focalizado, como temiam os grupos no debate sobre a NOB e

como pretendia o MARE em sua proposta original para a Norma.

Conforme relata Carvalho (2002),

“as decisões foram unilaterais em meio a negociações (...). Alguns pontos

acordados, vários por acordar. O Ministro da Saúde rompe esse acordo e

262 Uma prática que tornou bem mais comum durante essa gestão. O aumento brutal no número de portarias editadas apartir de 1998 dificultou não só um debate mais ampliado com a CIT e o CNS das políticas propostas como impediu umacompanhamento mais sistemático da política.

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vai ao Palácio do Planalto, com o aval do Presidente, assinar oficialmente

as portarias, com todas as alterações (...). Depois da cerimônia, dá-se

conhecimento à CIT do teor das portarias a que ninguém tinha tido acesso.

Considera-se aprovado o pacote baseado em reunião anterior da CIT, em

que não tinha havido consenso no que diz respeito a pontos principais e

essenciais!” (p.208).

Assim, para alguns atores que presenciaram esse processo a implementação da NOB96

determinava mudanças não acordadas com os demais gestores do SUS.

O Ministério da Saúde assumiu nesse processo uma postura incisiva que não

favoreceu o diálogo e a decisão compartilhada com a CIT e o CNS. Nesse sentido,

acentuou uma forma de condução da política concentradora de poder e que tinha uma

intenção explícita no desenvolvimento de uma determinada política.

A apresentação dessas portarias definiu com bastante nitidez a estratégia a ser

priorizada a partir de 1998, qual seja: intensificar a adesão dos municípios à condição

de gestão plena da atenção básica e nela a estratégia de Saúde da Família (1998),

segundo critérios e normas bastante específicos.

Assim, dentre as políticas apresentadas na NOB96 a que se apresenta de forma

mais contundente é a política de atenção básica. Não a estratégia desenhada e

negociada em 1996, mas, uma estratégia que limitava procedimentos, determinava a

forma de condução da política no nível local e recentralizava o poder decisório do

gestor federal. Um modelo que se aproximava da concepção de “cesta básica” de

atendimento, questionado no processo de negociação da NOB96, e descartado pelo

compromisso assumido na gestão Jatene com o projeto SUS e a integralidade da

atenção.

A principal crítica feita à NOB96 era com relação à semelhança da proposta do Piso

Assistencial Básico com a idéia de “pacote básico” ou “pacote mínimo” divulgado no

Relatório do Banco Mundial de 1993. No debate para a aprovação da NOB as dúvidas

foram sanadas mediante o argumento de que não se tratava da definição de uma restrição da

atenção mas de uma estratégia que visava garantir que todos os municípios

implementassem de fato um rol de procedimentos básicos e essenciais para a saúde da

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população263, sem que isso significasse o abandono das demais áreas, ao contrário como

uma estratégia que tinha o intuito de garantir o acesso aos demais níveis de atenção (como

uma porta de entrada, utilizando-se da referência). No entanto, a NOB96 foi aprovada num

momento de fragilidade política da gestão Jatene e não logrou garantir no texto final a

definição dos dispositivos que dariam sustentação à proposta. Com a saída de Jatene

passaram-se alguns meses de indefinição e estados e municípios aguardavam as novas

regras para habilitação conforme a NOB96264. As regras que começavam a ser

apresentadas no final do ano de 1997 indicavam uma mudança radical na concepção

original da proposta.

A ênfase na política de atenção básica se expressou especialmente pelo quantitativo de

recursos financeiros (fixo e variável) que passaram a induzir (serviam como incentivo) os

gestores na adesão ao projeto. Os estados e, principalmente os municípios, viram na

atenção básica a oportunidade de captar recursos de forma direta e automática nos seus

fundos, mesmo que isso significasse a obrigatoriedade de uso desses recursos nas ações a

que se destinavam os montantes. Investir em saúde, investir na atenção básica, investir nas

populações mais carentes, com mais recursos e ainda repassados diretamente era uma ótima

oportunidade política para os gestores municipais. Tanto no bom como no mal sentido da

política.

No bom sentido, possibilitou que municípios interessados em implementar o SUS

garantissem recursos mínimos para isso, sem uma disputa maior por recursos nos

orçamentos municipais, muitas vezes “magros” e com poucas sobras para investimento. Ou

seja, a estratégia vinha facilitar o desenvolvimento do SUS em muitas localidades, quando

já existia um compromisso prévio com o SUS.

No mal sentido, a habilitação na gestão básica serviu para muitos municípios apenas

como uma estratégia política para captar recursos que passaram a ser alocados na atenção

263 Esse debate foi feito na X Conferência Nacional de Saúde em 1996, mas já se apresentava nas discussões regionais noprocesso de construção da proposta durante todo o ano de 1996.264 Havia nesse momento a impossibilidade de habilitar os municípios conforme a NOB93.

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246

básica sem o compromisso com a qualidade ou efetividade das ações, no entanto, criando

uma imagem de “obra realizada”265.

O resultado concreto de todo o processo de implementação da NOB96 a partir das

definições de 1997/1998 foi um aumento estrondoso nas habilitações durante o ano de

1998, especialmente para a condição de gestão plena da atenção básica (GPAB). Foram

habilitados 4553 municípios nessa condição (GPAB), com diferenças entre as regiões,

enquanto na condição de gestão plena do sistema municipal (GPSM) foram habilitados 450

municípios (ver quadro 15 com a porcentagem de municípios habilitados por região de

acordo com os diferentes estágios de gestão dos municípios e o quadro 16 num comparativo

da porcentagem de municípios habilitados de acordo com a NOB93 e com a NOB96).

QUADRO 15 - Porcentagem de municípios habilitados por região de acordo com os diferentes estágios degestão dos municípios (1998)

Plena da Atenção Básica Plena do SistemaMunicipal

TotalRegiões/Gestão

Nº total demunicípios

Nº % Nº % %Norte 449 336 74,8 36 8 82,8Nordeste 1787 1482 82,9 97 5,4 88,3Centro-Oeste 445 424 95,2 19 4,2 99,4Sudeste 1666 1283 77 257 15,4 92,4Sul 1159 1028 88,6 41 3,5 92,1TOTAL BRASIL 5506 4553 82,6 450 8 90,6

Fonte: Coordenação de Implementação da Descentralização/SPS Posição: 29/10/1998

QUADRO 16 - Porcentagem de municípios habilitados por região de acordo com os diferentes estágios degestão dos municípios (Comparativo, 1996–1998)

% Habilitados % Habilitados Total % BrasilRegiões/Gestão

Nº total demunicípios

(1996)

Nº total demunicípios

(1998)

Incipientee Parcial

1996

GPAB1998

Semi-Plena1996

GPSM1998

1996 1998

Norte 398 449 10,7 74,8 1,25 8 12,3 82,8Nordeste 1559 1787 57 82,9 2 5,4 59 88,3Centro-Oeste 428 445 54,5 95,2 2 4,2 57 99,4Sudeste 1533 1666 67 77 5 15,4 72 92,4Sul 1058 1159 71 88,6 1,7 3,5 73 92,1TOTAL BRASIL 4976 5507 59 82,6 3 8 62 90,6

Fonte: Costa & Mendes (1997); MS. Coordenação de Implementação da Descentralização/SPS (situação de29/10/98).

265 O PSF é um exemplo desse processo. Muitas equipes se constituíram a partir de unidades que pertenciam avereadores, associações comunitárias e outras situações tendo sofrido modificações para se adequar ao Programa masmantendo-se vinculado a esses grupos, ainda mais grave, mantendo a prática da clientela e o descompromisso efetivo como SUS.

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247

A estratégia favorecia a adesão dos municípios à GPAB mas não propriamente para a

gestão plena que acumulava mais responsabilidades do que prerrogativas.

Ressalta-se que essa estratégia priorizou e fortaleceu o processo de habilitação dos

municípios, enquanto os estados foram deixados à margem da discussão. A habilitação

dos estados nas condições de gestão avançada e plena foi condizente com o investimento

político desenhado. No final do ano de 1998 dos vinte e seis estados da federação apenas

um estado estava habilitado na condição de gestão avançada (Distrito Federal) e um na

condição de gestão plena (Alagoas). A proposta original da NOB96 previa uma

participação ativa dos estados na construção dos pactos entre os municípios para uma

programação integrada dos recursos assistenciais (a Programação Pactuada e

Integrada), com as mudanças na NOB esvaziou-se o pacto e o papel dos estados. Mais

uma vez essa esfera de governo saía da cena de negociação não explicitando o quanto

estaria disposta a investir – financeira e tecnicamente - nos seus municípios para a

construção e desenvolvimento do SUS. Um problema crônico do processo de

descentralização e que mais uma vez era adiado.

A ênfase na atenção básica também não significou a adoção de uma política de atenção

singular e específica a cada realidade desse país ou a autonomia decisória do gestor local.

A estratégia a ser adotada deveria ser o PSF/PACS como uma política de “reorientação do

modelo assistencial”. Ou seja, a entrada no sistema deveria se dar gradativamente a partir

do PSF/ PACS que teria a função de garantir o atendimento básico à população (fundado na

prática de um médico generalista266) e encaminhar, conforme a necessidade, para

atendimentos de média e alta complexidade.

No Relatório de gestão da SAS a estratégia foi assim apresentada:

“no princípio, a proposta de Saúde da Família era tratada no plano

conceitual e operacional como um “programa” na concepção tradicional,

não sendo ainda formalmente reconhecida pelo Ministério como uma

estratégia para mudar a Atenção Básica no país. Era preciso dar um

tratamento diferenciado para a equipe condutora da Saúde da Família.

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248

Para atingir esse objetivo, a equipe desenvolveu um Plano de Ações

Estratégicas para o período de 1999 a 2002, com o objetivo de massificar a

implantação e ampliação do PSF no Brasil.” (idem, p.14).

Em 1999, a Coordenação do PSF foi transformada em Coordenação da Atenção

Básica. Afinal, o PSF era a principal política da atenção básica267.

Para algumas localidades esse foi um modelo que atendeu aos interesses dos gestores

porque significava a captação de recursos, a possibilidade de atendimento a sua população e

os primeiros passos na gestão de um sistema. Para outros, especialmente as regiões

metropolitanas, muitos problemas se apresentaram nessa concepção, com resistências de

todas as partes268 (profissionais, usuários, prestadores, políticos, ...).

Em março de 1998 eram 1.843 equipes de saúde da família implantadas em todo país.

Em fevereiro de 2000269 eram 5.463 equipes em todo Brasil, um aumento de 196%

(Brasil/MS/SAS, 2002: p.13) (ver quadro 17 a evolução da implantação do PACS/PSF de

1998 a 2000). Fora os incentivos previstos na NOB 96 somaram-se em 1998 uma elevação

de até 53% no valor dos incentivos. Em 1999 uma nova proposta de incentivo foi

desenhada, desta vez valorizando a cobertura populacional, o que possibilitou só no mês de

janeiro de 2000 a habilitação de 518 novas equipes de saúde da família.

QUADRO 17 – Evolução da implantação do PACS/PSF de 1998 a 2000.Março de

1998Fevereiro de

2000Variação

PercentualNúmero de equipes de saúde da família 1.843 5.463 +196%Número de municípios com PSF implantado 649 1.997 +207%Número de Agentes Comunitários de Saúde 58.460 116.029 +98%Número de municípios com PACS implantado 2.488 4136 +66%Pólos de Capacitação 10 21 +110%

266 Alguns estudos têm indicado os problemas que se apresentam nessa proposta e os desafios encontrados naoperacionalização do PSF. Ver o estudo de Souza (2001) sobre a inserção dos médicos no PSF.267 Para aprofundar a estratégia estruturada pelo MS a partir de 1998, ver o artigo da coordenadora do Deptº de AtençãoBásica da SPS/MS Heloíza Machado de Souza (2002).268 Algumas pesquisas foram realizadas, nesse período, sob encomenda do Ministério da Saúde, para uma avaliação doprocesso de implementação do PSF. A pesquisa coordenada pela prof. Ana Luiza D´Ávila Viana (2002) com resultadoscomparativos do processo de implantação do PSF nos grandes municípios constituindo indicadores de monitoramento daimplantação do Programa. Outra, coordenada pela prof. Sarah Escorel Moraes (2002) com uma abordagem sobre osfatores facilitadores e implementadores da implementação do PSF em 10 grandes centros urbanos. O estudo coordenadopor Dain (2002) numa análise da reestruturação dos modelos assistenciais em grandes cidades a partir das estratégias definanciamento e dos padrões de custo. Os resultados dessas pesquisas possibilitam extrair informações sobre a situação deimplementação dessa política e os desafios que enfrenta nos grandes centros urbanos.269 A condução das ações de atenção básica e do PSF esteve sob a responsabilidade da SAS até fevereiro de 2000. Apartir daí a atribuição foi para a Secretaria de Políticas.

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249

Fonte: Brasil/MS/SAS (2002: 13).

Em que pese os problemas acima indicados na concepção de toda essa estratégia é

também inegável que a ênfase na atenção básica trouxe benefícios para o processo de

implementação do SUS.

Em termos de gestão e organização do sistema de saúde os principais pontos

positivos desse processo, foram: 1) a introdução da lógica per capita na política de atenção

básica, rompendo com a lógica de pagamento por prestação de serviço; 2) o aumento

expressivo de transferências fundo a fundo, também em virtude da lógica per capita e das

habilitações dos municípios em gestão plena da atenção básica (GPAB); 3) a adesão dos

municípios à proposta de assumirem a posição de gestores do sistema; 4) a transferência de

responsabilidades, atribuições e recursos do nível federal para estados e municípios

(Brasil/MS/SAS, 2002). No quadro 18 é possível verificar alguns indicadores que

demonstram a evolução da descentralização no período 1997-2000.

Na ótica da universalização do direito à saúde , os principais pontos positivos foram:

1) a expansão da estratégia de SF e ACS, possibilitando o acesso à saúde em localidades e

comunidades sem qualquer tipo de assistência; e 2) a implantação de experiências

inovadoras renovando o próprio SUS.

QUADRO 18 – Indicadores de evolução da descentralização no SUS. Posição final em cada exercício.1997-2000.

Indicador/Ano Dez/97 Dez/98 Dez/99 Dez/00Nº de estados em GASE - 1 4 4Nº de estados em GPSE - 1 3 4Nº de municípios em GPAB - 4.600 4.854 4.927Nº de municípios em GPSM 144 (parcial ou

semiplena)449 496 523

Nº de municípios recebendo recursosfundo a fundo

144 5.049 5.350 5.450

Nº de estados recebendo recursos fundo afundo

- 2 7 8

% da população residente nos municípiosque recebem recursos fundo a fundo

17,3% 89,9% 99,26% 99,72%

% do total de recursos assistenciaistransferidos fundo a fundo

24,1% 52,5% 58,1% 63,2%

Fonte: Brasil/MS. NOAS 01/2001.

Mas para cada um dos benefícios podemos associar alguns problemas:

1) Apesar da lógica per capita os recursos mantiveram-se atrelados a uma forma

específica de gasto, não possibilitando uma flexibilidade no uso dos recursos. Por

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250

outro lado, o elenco de procedimentos mínimo do PAB foi restrito, apresentando

baixa capacidade de resolução dos problemas mais freqüentes da população. A

própria definição do PAB levou a uma restrição do elenco de procedimentos. A

alocação dos recursos permaneceu muito vinculada à oferta e à capacidade

instalada reforçando a concentração de recursos nas áreas mais desenvolvidas.

2) As transferências fundo a fundo não significaram uma maior autonomia dos

gestores municipais na definição das políticas de acordo com as prioridades

locais. O processo de habilitação dos municípios se efetivou de uma forma

cartorial, sem garantir a capacidade gestora do município para assumir a

responsabilidade. No caso da gestão básica tal fato não assegurou qualidade e

efetividade da atenção. E no caso da gestão plena não assegurou a inserção e o

papel do município como referência numa rede regional. A relação gestor federal

– gestores estaduais e municipais se baseou numa relação de tutela, por um lado

reforçado pelo gestor federal numa característica de sua prática centralizadora, por

outro pelos gestores estaduais e municipais que se acostumaram mais a receber do

que a compartilhar.

3) A expansão da estratégia de SF e ACS se implementou sem um compromisso

efetivo dos gestores no seu desenvolvimento mas como uma forma de captar

recursos o que não garantiu qualidade ou efetividade das ações, ao contrário,

apenas contribuiu para uma política de visibilidade do MS sem uma mudança

concreta no quadro de saúde da população.

4) As experiências inovadoras foram tomadas como vitrine para as políticas quando

o que as fez inovadoras teve muito mais a ver com a situação específica de cada

experiência e gestão do que necessariamente com as possibilidades que se criaram

no novo modelo.

5) A adesão dos municípios à GPAB foi uma adesão induzida a partir de recursos

financeiros e sem uma preocupação efetiva com a construção de um sistema

integral, ao contrário, fragmentou ainda mais a política, intensificou o embate

entre a atenção básica e a média e a alta complexidade (o que se acentou ainda

mais a partir da NOAS) e se aproximou do modelo de Entrada e Controle

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251

proposto pelo MARE. Com o argumento de se garantir minimamente a atenção

básica, essa política não garantiu e não fortaleceu uma estratégia de integração das

ações e responsabilização dos gestores. Os municípios e estados não

incorporaram a função do monitoramento e avaliação contínua de desempenho;

queriam o recurso e não necessariamente a política.

6) A transferência de responsabilidades, atribuições e recursos se efetuou de forma

induzida e controlada pelo gestor federal, o que comprometeu a divisão de

responsabilidades entre estados e municípios. A PPI não foi de fato

implementada comprometendo o planejamento e a organização funcional do

sistema .

7) Os processos de habilitação e transferência fundo a fundo estacionaram após as

habilitações de 98, sendo residuais em 99, especialmente pela falta de incentivo.

A tendência foi manter a situação de GPAB, pois, não incorporava

responsabilidades e comprometia-se com o mínimo. A GPSM exigia um

compromisso maior do gestor e uma disposição para alocar recursos de todas as

ordens.

Todos esses problemas foram, de certa forma, diagnosticados pela SAS

(Brasil/MS/SAS, 2002a) numa análise sobre o processo de habilitação dos municípios

(especialmente) e a expansão do acesso à saúde. O Executivo Saúde que tinha como meta a

implementação do SUS se articulou na composição de novas estratégias para dar

continuidade a reforma.

Momento 2: A ênfase na regionalização – 2001/2002

Diante dos problemas identificados teve início a discussão em torno a construção de

uma nova Norma para a saúde, com o objetivo de enfrentar os dilemas da

descentralização270. A principal crítica ao processo centrava-se na forma como a

descentralização havia afirmado uma autonomia dos municípios frente aos estados,

270 De acordo com o Relatório da SAS (Brasil/MS/SAS, 2001a) a discussão foi liderada pela SAS e acompanhada pela SE,SPS, CIT e CNS, principalmente.

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252

relacionando-se diretamente com a esfera federal271 - “O padrão de descentralização

autonomista redundou em importantes conflitos de competência e numa tendência à

fragmentação do sistema, comprometendo os vínculos de solidariedade e o

compartilhamento de responsabilidades na gestão” (Brasil/MS/SAS, 2002a: 24).

Associado à questão da descentralização e buscando reforçar o papel dos estados foi

atrelada a discussão sobre a alocação eqüitativa de recursos e definiu-se como objetivo

geral da nova Norma: “promover maior eqüidade na alocação de recursos e no acesso à

população às ações e serviços de saúde em todos os níveis de atenção” (Brasil/MS/SAS,

2002a: 33). Como macro estratégia foi definida a regionalização, apontada como

fundamental para o aprimoramento do processo de descentralização272.

Retomava-se com a NOAS a discussão sobre a importância da regionalização no

desenvolvimento de uma política de saúde mais justa na distribuição dos recursos e

partia-se da ênfase na construção de estratégias para a garantia da integralidade da

atenção e não mais restringindo a discussão à atenção básica.

A proposta da regionalização, apesar de se tratar de uma diretriz legalmente firmada no

texto constitucional e na Lei Orgânica da Saúde, apresentou-se no momento de

implementação da reforma como uma proposta controvertida, não se expressando como

uma diretriz consensual. A principal tensão advinha dos reformistas associados à vertente

municipalista que temiam a regionalização como um mecanismo de cerceamento da

autonomia decisória dos municípios. No debate da NOB93, esse grupo assim se expressou:

“a regionalização não pode ser entendida como a criação de uma instância

intermediária com autonomia e relacionamento direto com as esferas

estadual e federal e sim como uma articulação e mobilização municipal que

leva em consideração características geográficas, fluxo de demanda, perfil

271 Essa era uma crítica conhecida sobre o processo de descentralização e já havia sido apresentada na discussão daNOB96, que inclusive buscou mecanismos para a garantia de uma maior participação dos estados no processo com aproposta da PPI, não tendo obtido tanto sucesso na implementação.272 A nova Norma se propôs a criar instrumentos para o processo de descentralização da assistência à saúde propriamentedita e não de toda a área da saúde (VISA, epidemiologia e controle das doenças) por isso, foi denominada NormaOperacional da Assistência à Saúde (NOAS) e não Norma Operacional Básica (NOB). Essa é uma informação importantepara se compreender o período e a estratégia desenhada porque pela primeira vez assumia-se numa Norma a fragmentaçãoinstitucional na condução das políticas de saúde. O poder da SAS aumentou bastante a partir do ano 2000 quando aresponsabilidade pela condução do processo de descentralização retornou da SPS para a SAS.

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253

epidemiológico, oferta de serviços e, acima de tudo, a vontade política

expressa pelos diversos municípios de se consorciar ou estabelecer

qualquer outra relação de caráter cooperativo. Sendo assim, também não

pode ser um pré-requisito para a descentralização” (Brasil/MS, 1993:

p.5/6 – grifos nossos).

Tal postura não favoreceu a associação entre os municípios e muito menos a

articulação com os estados. Ao contrário, os incentivos criados na NOB93 fortaleceram

uma posição autonomista (ou atomista) dos municípios, isolando-os do processo decisório e

esvaziando o papel dos estados.

No debate da NOB96 retomou-se a discussão acerca da regionalização e os malefícios

gerados pela descentralização atomista assumida pelos municípios. Como estratégia para a

reversão desse modelo desenhou-se a proposta da Programação Pactuada e Integrada

(PPI)273 numa forma de compor uma rede regionalizada e hierarquizada a partir do processo

de negociação e pactuação entre municípios e estados. Mas, na implementação da NOB96

a proposta da PPI também não se estruturou como o esperado, no entanto, serviu como

ponto de partida para a discussão da NOAS.

Com a NOAS a proposta da regionalização foi fortalecida, como uma articulação

necessária para a garantia do acesso à saúde nos diversos municípios e estados do

país. Ou seja, a NOAS vinha propor o estabelecimento de mecanismos de articulação entre

estados e municípios e criou uma série de instrumentos que obrigavam essa articulação,

condicionando os recursos federais ao desenho da proposta. Nesse sentido, a NOAS foi

incisiva e concentradora de poder institucional esbarrando em resistências dos estados e

municípios na sua adesão.

Destarte a forma de condução desse processo político, o que a NOAS trazia para

debate era a importância de uma articulação entre os municípios e estados para a construção

273 Guarda semelhança com a POI – Programação Orçamentária Integrada - instituída no processo das Ações Integradasde Saúde e que também tinha por objetivo criar mecanismos para programação e orçamentação dos recursos para saúde deforma integrada, ou seja, na concepção de uma instrumento integrador da política de recursos do INAMPS (MPAS) e dosserviços estaduais e municipais (MS).

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254

do que chamou sistemas funcionais de saúde274, otimizando os recursos de cada município,

identificando carências de outros, distribuindo e pactuando os recursos entre os municípios

de uma mesma região e ainda entre as regiões. Uma prática que remetia à solidariedade

de gestão entre os municípios e os estados e não a concorrência entre eles.

Os eixos propostos na NOAS eram:

a) De ampliação da atenção básica

i. Com adoção de um PAB ampliado abarcando um conjunto maior de

procedimentos (cobertura para o primeiro nível da média complexidade) e

possibilitando o repasse automático de um volume maior de recursos,

intensificando a estratégia anterior de substituição da modalidade de

pagamento por prestação;

ii. Da garantia do primeiro nível de referência intermunicipal e a qualificação

de regiões/microrregiões275 na assistência à saúde;

iii. Da organização da média complexidade ambulatorial e hospitalar com o

compromisso dos gestores no processo de Programação Pactuada e

Integrada (PPI) de assegurar o acesso da população aos serviços de média

complexidade não disponíveis em seu município de residência;

iv. Da garantia do acesso de toda a população brasileira aos serviços de alta

complexidade.

b) De fortalecimento da capacidade de gestão do SUS

i. Com a implementação da PPI, com a especificação e programação dos

recursos disponíveis, exercendo o gestor estadual o papel coordenador e

mediador;

274 Segundo a NOAS 2001, os sistemas funcionais de saúde expressam “redes articuladas e cooperativas de atenção,referidas a territórios delimitados e a populações definidas, dotadas de mecanismos de comunicação e fluxos de inter-relacionamento que garantam o acesso dos usuários às ações e serviços de níveis de complexidade necessários para aresolução de seus problemas de saúde, otimizando os recursos disponíveis” (Brasil/MS/SAS, 2001a: 15).275 “O conceito de região de saúde adotado na NOAS é bastante amplo, uma vez que esta definição deve ser feita noâmbito de cada UF, de acordo com as características do estado (demográfica, epidemiológica, entre outras), asprioridades de atenção identificadas e o modelo de regionalização adotado. Algumas UF podem apresentar macro emicrorregiões de saúde; outras apenas regiões de saúde, ou regiões e microrregiões.” (Brasil/MS/SAS, 2002a: 16)

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255

ii. Da garantia de acesso da população referenciada entre municípios;

iii. Do fortalecimento da regulação, controle e avaliação do SUS.

c) Da revisão dos critérios de habilitação de municípios e estados, bem como da

criação de critérios para desabilitação.

Nesse sentido, a estratégia de regionalização se resumia: da elaboração do Plano

Diretor de Regionalização (PDR), com a tarefa de conformar os sistemas de atenção

funcionais e resolutivos, utilizando-se principalmente da ferramenta da PPI e definindo um

Plano Diretor de Investimentos (PDI); do fortalecimento das capacidades gestoras do SUS,

por meio da instrumentalização dos gestores estaduais e municipais para o desenvolvimento

de funções como planejamento/programação, regulação, controle e avaliação, incluindo

instrumentos de consolidação de compromissos entre os gestores; da atualização dos

critérios e do processo de habilitação de estados e municípios, visando superar o caráter

cartorial desse processo e torná-lo coerente com o conjunto de mudanças propostas

(Brasil/MS/SAS, 2002a: 15-16).

Nesse tipo de regionalização, incentivado com a NOAS, a PPI assumiu uma função de

destaque, pois, seria a partir de uma programação físico-financeira integrada que se

alcançaria a reorganização do modelo de atenção e gestão do SUS. A PPI tomaria como

princípio a integralidade das ações e buscaria garantir o princípio da eqüidade,

contemplando a alocação de recursos e explicitando a distribuição de competências entre as

três esferas de governo de forma a garantir o acesso da população a ações e serviços de

saúde no próprio município ou em outros municípios que passariam a ofertar o serviço

através de encaminhamento formalizado e pactuado intergestores (Brasil/MS/SAS, 2002a:

36-37).

A grande inflexão proposta era a composição de uma política integrada e

articulada entre os municípios e estados, o que colocou em evidência as distorções nos

modelos de gestão das secretarias (partilhas de gestão inadequadas e competição entre

estado e municípios) e as insuficiências dos processos de programação integrada e da

atuação das áreas de controle e avaliação em alguns estados e municípios habilitados.

Com essa proposta o Executivo Saúde tinha a nítida intenção de fortalecer

estados e municípios nas funções gestoras (planejamento, programação, regulação,

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256

controle e avaliação), o que na avaliação da SAS demarcou “uma inflexão nas concepções e

na formulação de um novo padrão de descentralização, buscando reorientar o modelo

subjacente nas normas anteriores, resgatando o papel coordenador dos Estados e

possibilitando a solução dos conflitos suscitados pelo padrão autonomista dos municípios

até então vigente” (Brasil/MS/SAS, 2002a: 24).

Por outro lado, a estratégia da regionalização foi desenhada pelo Executivo Saúde

federal, com uma participação incipiente dos demais níveis gestores, e definiu regras e

incentivos para a política de assistência à saúde de forma condicionada à

regionalização. O conflito em torno da proposta foi desconsiderado e a política

definida 276. O que obviamente só favoreceu o aparecimento de críticas e a resistência

dos gestores estaduais e municipais na implementação da proposta277.

Durante o ano de 2001 quando estados e municípios iniciaram o processo de

implementação das diretrizes apresentadas na NOAS 2001278 tornou-se evidente os

conflitos e dificuldades na adesão dos estados e municípios à proposta. O principal conflito

era

“estabelecer o comando único sobre os prestadores de serviços ao SUS e

assegurar a totalidade da gestão municipal nas sedes dos módulos

assistenciais279, bem como da fragilidade para explicitação dos mecanismos

necessários à efetivação da gestão estadual para as referências

intermunicipais” (Brasil/MS/SAS, 2002: 27).

De acordo com o MS (Brasil/MS/SAS, 2001a), em outubro de 2001, vinte e dois dos

vinte e sete estados haviam elaborado um primeiro esboço do Plano Diretor de

276 A normatização da NOAS se deu com a aprovação da Norma (GM 95 de 01/2001), da Agenda Nacional de Saúde (GM239 de 03/2001) – onde foram firmados os compromissos e metas dos gestores -, dos objetivos gerais do processo de PPIda assistência (GM 483 de 04/2001), e da aprovação dos indicadores a serem pactuados pelos estados e municípios (GM723 de 05/2001).277 As críticas estão expressas em artigos (ver especialmente o debate a respeito das Normas e a crítica a NOAS na RevistaCiência e Saúde Coletiva volume 6, nº2, 2001) Teses (Carvalho, 2002) e na fala corrente de representantes da CIT, doCNS, gestores e outros grupos.278 De acordo com o Relatório da SAS (Brasil/MS/SAS, 2002) houve um esforço conjunto da SAS e SPS noacompanhamento e apoio a estados e municípios em todo o processo.279 De acordo com a NOAS um módulo assistencial consiste no módulo territorial com resolubilidade correspondente aoprimeiro nível de referência, constituído por um ou mais municípios, com área de abrangência mínima a ser estabelecidapara cada UF, em regulamentação específica. Atrelava a condição de módulo assistencial a um município-sede habilitadoem GPSM.

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257

Regionalização da Assistência, para uma primeira análise do MS. Os municípios ainda não

haviam se habilitado nas condições propostas.

Diante das dificuldades do processo de implementação da NOAS foram identificados

os principais impasses e sugerida uma revisão das bases normativas da NOAS, o que levou

a edição da NOAS 01/2002. As principais mudanças introduzidas com a nova Norma

foram:

1 – Alteração na regra do comando único sobre os prestadores admitindo-se a

existência de módulos assistenciais em município sede habilitado em GPAB-A e não

apenas em GPSM.

2 – Alteração em alguns dispositivos das referências intermunicipais no sentido de

fortalecer o papel do estado na gestão da referências.

As mudanças propostas com a NOAS 2002 resultaram num movimento dos estados na

conclusão dos seus Planos de Regionalização. Em agosto de 2002, doze estados estavam

habilitados na condição de gestão plena do sistema estadual e quatorze estados na condição

de gestão avançada. Quanto aos municípios, a habilitação foi praticamente nula com quatro

municípios em gestão plena do sistema e quatro em plena da atenção básica, o que

correspondia a 0,59% dos municípios (Brasil/MS/SAS, 2002b).

De acordo com esses dados, concluímos que a estratégia desenhada com a NOAS

apesar de ter produzido uma série de modificações nos estados e municípios com

vistas à implementação do projeto de regionalização, não repercutiu em situações

concretas no modelo assistencial e no processo de descentralização até o final do ano

de 2002. O fato dos estados terem avançado na construção de Planos de

Regionalização trouxe elementos para uma mudança posterior no encaminhamento

da descentralização.

Nesta linha de argumentação, a SAS apresentou alguns pontos positivos de todo o

processo de formulação e implementação da NOAS iniciado em 2000, tais como

(Brasil/MS/SAS, 2002b):

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258

1 – A ampliação do PAB – o que reforçou a tendência à superação da lógica de

financiamento baseada na oferta preexistente de serviços e a expansão dos mecanismos de

pré-pagamento;

2 – A retomada do debate sobre a regionalização representando um estímulo

importante à formulação conjunta de políticas de saúde em diversos estados e o

planejamento integrado entre os gestores;

3 – O desenho da estratégia baseado na capacidade de articulação dos municípios pelos

estados possibilitando a organização interna das SES e um estímulo à reformulação de sua

atuação nas áreas de planejamento, programação, controle e avaliação;

4 – A adoção da estratégia condicionou a habilitação dos municípios a uma avaliação

mais detalhada pelo gestor estadual e diminuiu o peso relativo da vontade própria do gestor

municipal na iniciativa de se enquadrar nas novas modalidades de gestão, ou seja o

município passou a não a ter tarefa solitária de decidir o encaminhamento da política.

Apesar do incipiente avanço da NOAS é fato de que a partir desses anos instituiu-

se uma nova forma no processo de condução da política de descentralização da

assistência à saúde, com os estados sendo chamados a assumir o papel coordenador da

política (o que não quer dizer também que tenham assumido). Talvez esse seja o principal

aspecto a se ressaltar de todo esse processo. Ou seja, o foco desloca-se da descentralização

municipalista para a descentralização estadualista.

Por outro lado, essa discussão de forte argumento técnico e fundada nos princípios

e diretrizes do SUS mascara algumas situações-problema para o próprio

desenvolvimento do SUS.

Primeiro, com a definição de uma estratégia para a descentralização da assistência

à saúde que desconsidera as demais áreas da política de saúde (como as vigilâncias) e

fragmenta a política de saúde, acentuando-e uma competição intrasetorial por

recursos, onde obviamente a área assistencial é favorecida. Além disso, nos estados e

municípios essa situação torna-se chave, pois, é ainda mais precária a situação das demais

áreas.

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259

Segundo, a adoção de uma programação pactuada e integrada com tetos máximos

estabelecidos por estado não avança numa discussão sobre o investimento desejável e

compatível com as necessidades de saúde, ao contrário, reproduz uma lógica perversa

de alocar recursos escassos. Naturaliza os valores estabelecidos nas séries históricas de

gasto, na definição dos valores de procedimentos, nas tabelas280 e assume que o teto

financeiro estabelecido é inquestionável.

Terceiro, a utilização da PPI como um instrumento para a programação nessa

lógica exposta não favorece nem o pacto nem a integração pois o gestor não tem

garantias de sustentação de sua política local se abre mão do escasso recurso que lhe

cabe . Se toda negociação é feita sobre tetos máximos, que na verdade são mínimos, como

o gestor pode abrir mão de qualquer recurso em solidariedade ou cooperação com o outro?

Também por esse motivo, não se discute os tetos estaduais, porque os estados não abrem

mão do mínimo que lhes cabe.

Quarto, se não se discute o teto dos estados se reproduz a prática de alocação de

recursos para os estados que já apresentam capacidade instalada. O recurso é

repassado não para apoiar o desenvolvimento de outras regiões e mantém a ineqüidade em

saúde281.

Quinto, se os tetos correspondem a valores financeiros mínimos, o que se financia

com esses recursos é o custeio dos serviços. Donde se conclui que não há uma política

de investimento desenhada.

Sexto, o gestor federal queria também induzir com essa política uma maior

participação orçamentária de estados e municípios na saúde. Mas a participação

orçamentária sem uma revisão tributária que desse sustentação a essas esferas de

governo significou uma restrição de recursos para a saúde .

280 O MS com o intuito de contribuir no processo da PPI desenvolveu um instrumento informatizado (SISPPI) quepossibilita aos gestores estaduais e municipais uma maior dinâmica na programação dos recursos assistenciais. Se, porum lado, o instrumento agiliza a prática de programação, por outro distancia o gestor de uma crítica aos dados.281 Os dados do Relatório da SAS relativo ao período 1998-2001 (Brasil/MS/SAS, 2001b) demonstram uma redução dadesigualdade entre os tetos financeiros dos estados nesses anos quando comparado ao ano de 1994 e ao período anteriorao SUS (década de 80), mas também indicam que essa redução foi resultado da aplicação de novos recursos obtidos peloMinistério da Saúde, não tendo significado remanejamento de recursos entre estados (p.48). Ou seja, foram aplicadosnovos recursos mas esses condicionados a ações estratégicas pré-definidas pelo Ministério, como veremos a seguir.

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260

Sétimo, a NOAS previa uma integração entre estados e municípios para a programação

de seus recursos além de uma integração da própria rede de serviços quando a lógica da

atenção básica não era compatível com a lógica da média e alta complexidade, a começar

pelo financiamento. Não se constituiu uma rede de sistemas e serviços porque as regras

que induziam a organização dos subsistemas de atenção induziam a fragmentação.

Ou seja, a definição de referências e contra-referências extrapolava a simples prática de

programação e pactuação de recursos, mas, a uma mudança maior na lógica do sistema.

Por todos os motivos elencados acima, a estratégia que é enunciada como uma forma

para se “garantir a promoção de maior eqüidade na alocação dos recursos e o acesso da

população às ações e serviços de saúde” acaba se conformando muito mais como uma cesta

básica de atenção, afirmando os patamares de saúde estabelecidos nas regiões.

Se, de um lado, havia um Executivo Saúde interessado em implementar o SUS e

que adotou essa estratégia como uma alternativa possível no cenário de escassez de

recursos, aprofundando o debate sobre o papel dos estados e a necessidade de maior

participação política, institucional e financeira dos estados e municípios no processo

da reforma. De outro, havia um Executivo Saúde atrelado aos interesses do Executivo

Presidência que definiu regras bastante rígidas para o financiamento da saúde

priorizando as áreas que trariam um retorno político imediato para a gestão de

governo.

Nesse cenário, se adotou uma postura indutora que não facilitou o diálogo e se abusou

dos recursos normativos.

Organizando o acesso e fragmentando as políticas

As Normas não expressam o conjunto de ações implementadas na área da assistência à

saúde nesses anos, outras políticas foram desenhadas e um quantitativo enorme de portarias

apresentado. A concentração decisória e o uso excessivo de portarias como instrumento de

indução das políticas tornaram-se características da gestão Serra/Negri. Como já

abordamos na primeira Parte desse estudo houve um crescimento real do quantitativo de

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261

portarias editadas a partir de 1998, acelerado a partir de 1999282, especialmente na definição

de valores de tabelas e procedimentos, regulamentação do sistema e regulamentação de

rotinas para os serviços e áreas específicas.

O quantitativo excessivo de portarias passou a dificultar bastante o processo de

acompanhamento da política, levando a uma baixa visualização da mesma (possível nos

anos anteriores) e acentuando a fragmentação institucional.

A fragmentação se expressa não apenas no uso excessivo de portarias, mas na forma

como o Ministério se estruturou, com o fortalecimento da área da assistência à saúde e na

composição de multiestratégias no interior da assistência, como também na instituição das

agências reguladoras, que serão abordadas numa seção à parte desse capítulo.

Com respeito à estrutura ministerial, desde 1997 (DEC 2284/97) já havia se

instituído uma composição segmentada de secretarias que discutiam aspectos relativos a

assistência à saúde (SAS, SPS e SPES). Em 1998, um novo decreto (2477/98) reafirmou a

lógica de fragmentação no interior da própria SAS com a instituição de três departamentos:

assistência e serviços de saúde, análise da produção de serviços de saúde e saúde

suplementar, além do INCA. Assim, a SAS abrangia um campo de atuação que englobava,

além dos atendimentos de média e alta complexidades, as ações de atenção básica,

incluindo os Programas de Saúde da Família (PSF) e de Agentes Comunitários de Saúde

(PACS) e a Regulação dos Planos e Seguros Privados de Saúde (Brasil/MS, 2002: p.6).

No ano 2000, após um longo período de discussão, foi realizada uma nova mudança na

estrutura do Ministério (DEC 3.496/00) que possibilitou: i) a transferência das ações

relativas ao PACS/PSF da SAS para a SPS; ii) a transferência do Programa de Garantia e

Aprimoramento da Qualidade em Saúde (acreditação), da Coordenação de áreas técnicas

(portador de deficiência, idoso, saúde mental, acidentes, violências e saúde ocular), da

282 No exercício de leitura das portarias muitas vezes fica difícil apreender a mudança proposta com o instrumento, como,o significado ou impacto de um aumento no valor de um procedimento, mas, de fato para o gestor estadual e municipalsão essas mudanças imperceptíveis apresentadas em portarias que possibilitam mudanças concretas no cenário da gestão.Nesse sentido, cada uma das portarias enunciadas e seus instrumentos propostos significou um esforço enorme deadequação dos milhares de gestores municipais e dezenas de gestores estaduais a cada proposta. Quando uma portariapropunha uma alteração sobre algo já regulado, num espaço de tempo curto, apenas significava para o gestor o recomeçono esforço para se adequar a mais nova norma. A partir desse ano, os gestores perderam muito mais tempo tentandocompreender o que estava sendo proposto, buscando se adequar do que discutir uma estratégia que fosse mais cabível asua realidade. Essa foi a principal queixa vocalizada nesse período.

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262

Coordenação e acompanhamento da PPI, da implementação da política de descentralização

da assistência, da Coordenação do processo de habilitação e cooperação técnica aos estados

e municípios da SPS para a SAS.

A discussão sobre a estrutura também possibilitou a conformação da proposta de

constituição da Agência Nacional de Saúde Suplementar, como uma instância reguladora

da assistência suplementar, em atenção a lei aprovada no ano 2000.

Nesse conjunto, a SAS afirmou uma posição de destaque na condução das políticas de

saúde, tendo liderado num primeiro momento a política de atenção básica e, a partir de

2000, concentrado esforços na política de assistência à saúde na média e alta complexidade,

o que também reforçou a tendência à fragmentação institucional com duas áreas distintas

definindo as regras da assistência 283 a partir desse período.

Para uma visualização das mudanças de estrutura realizadas nesses anos ver Figura 3.

283 Num debate sobre a PPI realizado em outubro de 2002 na Escola Nacional de Saúde Pública foram explicitados osimpasses da fragmentação institucional do Ministério e a dificuldade de articular a atenção básica com a média e altacomplexidade (Ver o Relatório do debate - Lima e Baptista, 2003).

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263

Figura 3 – ESTRUTURA REGIMENTAL DO MINISTÉRIO DA SAÚDE - ANO

2002

Gabinete

Órgão Colegiado:Conselho Nacionalde Saúde

Entidades vinculadas:

Órgãos específicos:

Secretaria de Gestão deInvestimentos em Saúde :Diretoria de ProjetosDiretoria de Investimentosem Saúde

Autarquias:ANVISAANS

Fundações públicas:FIOCRUZFUNASA

Sociedades de economiamista:Hospital Nossa Sra.daConceiçãoHospital FêminaHospital Cristo Redentor

MINISTÉRIO DA SAÚDE

Órgão de Assistência Direta eImediata ao Ministro:

Secretaria ExecutivaSubsecretaria de AssuntosAdministrativosSubsecretaria de Planejamento eOrçamentoDATASUSDiretoria Executiva do FundoNacional de SaúdeUnidades descentralizadasDept de Programas Estratégicos emSaúde

Secretaria de Políticasde Saúde:Dept.de Atenção BásicaDept.de AçõesProgramáticas eEstratégicasDept.de Ciência eTecnologia em Saúde

Secretaria de Assistênciaà Saúde:Dept.de Sistemas e RedesAssistenciaisDept.Descentralização daGestão da AssistênciaDept.Controle e Avaliaçãode SistemasINCA

Dept.Nacional de Auditoria doSUS

Consultoria Jurídica

Centro Nacional dePromoção da Qualidade eProteção ao Usuário doSUS- PRÓ-SAÚDE

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264

Multiestratégias e a fragmentação das políticas no interior da SAS

A estratégia de ampliação da oferta e facilitação do acesso a um conjunto de ações

específicas, realizadas a partir de redes assistenciais, configurou-se como uma política de

expressão na gestão Serra/Negri, e liderada pela SAS.

Em 1999, o MS criou o Fundo de Ações Estratégicas e de Compensação (GM 531/99)

com o objetivo “de garantir o financiamento pelo gestor federal, de procedimentos de alta

complexidade em pacientes com referência interestadual ou procedimentos decorrentes de

ações consideradas estratégicas pelo MS” (Brasil/MS/SAS, 2002b: 50), como: a prevenção

do Câncer de Colo de Útero ou do acesso a ações que apresentavam grande demanda

reprimida (cirurgias eletivas de catarata, próstata, varizes, etc.).

Como um recurso federal extra-teto o MS passou a dispor de instrumentos que lhe

possibilitavam financiar e priorizar ações consideradas estratégicas, o que num primeiro

momento foi interpretado pelos gestores estaduais e municipais como uma estratégia de

“recentralização” dos recursos da assistência (Brasil/MS/SAS, 2002b: 51).

Como o FAEC contou com novos recursos federais 284 seu processo de implementação

foi facilitado possibilitando a superação das resistências de estados e municípios, que

passaram a vislumbrar a incorporação de novos montantes em seus orçamentos. A

estratégia do FAEC foi tão bem sucedida que num segundo momento (a partir de 2001)

novas ações estratégicas foram contempladas, bem como o financiamento da assistência de

alta complexidade, com o objetivo de coordenar a referência interestadual de pacientes que

necessitavam de assistência hospitalar de alta complexidade285.

Quatro grandes blocos de ações foram financiados com esse recurso (Brasil/MS/SAS,

2002b: 51-52):

1 – Ações assistenciais estratégicas – voltadas para grupos populacionais prioritários e

para a ampliação de acesso dos usuários do SUS aos procedimentos de grande demanda

reprimida, definidas em função de políticas de saúde estabelecidas pelo MS – campanhas

284 Alguns recursos também retirados dos tetos estaduais em comum acordo com esses gestores e aprovação da CIT, comono caso dos medicamentos excepcionais.285 A primeira dotação do FAEC em 1999 foi de R$ 105 milhões (1,23% dos tetos) e em 2002 os recursos já totalizavamR$ 2,19 bilhões (19,08% dos recursos disponibilizados nos tetos).

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265

de cirurgias eletivas, transplantes, cirurgias para correção de deformidades craniofaciais,

medicamentos excepcionais, kit para carga viral para diagnóstico da AIDS, reagentes para

diagnóstico da AIDS, gastroplastia, diagnóstico do Câncer de Colo Uterino, incentivo para

alta do paciente curado com tuberculose e terapia renal substitutiva.

2 – Incentivos – como o INTEGRASUS para os hospitais filantrópicos, o incentivo

para os estados e municípios para a descentralização das unidades assistenciais da

FUNASA e o incentivo para a assistência hospitalar às populações indígenas.

3 – Novas Ações Programáticas – novos procedimentos incluídos no SUS e que após a

consolidação de um perfil de gasto incorporado aos “tetos” dos estados e DF –

Humanização do Parto, Triagem Neonatal, Assistência ao portador de deficiência física e

assistência ao portador de transtornos decorrente do uso de álcool e drogas.

4 – Central Nacional de Regulação da Alta Complexidade – financiamento de

procedimentos de alta complexidade para usuários do SUS, realizados em pacientes

provenientes de outros estados que não dispõem desses serviços.

Além do FAEC, a SAS adotou macro-estratégias com o objetivo de ampliar a atenção

à saúde e o acesso da população brasileira aos serviços, como:

- A administração das Tabelas de Remuneração de procedimentos com a concessão de

reajustes não lineares e a inclusão de novos procedimentos;

- Organização de Redes Assistenciais e à hierarquização de serviços, nas seguintes áreas:

urgência e emergência, neurocirurgia, UTI, assistência a queimados, assistência obstétrica,

assistência oncológica, assistência às pessoas com transtornos mentais, atenção aos

transtornos decorrentes do uso de álcool e outras drogas, assistência à pessoa portadora de

deficiência, assistência à saúde do idoso, atenção à saúde do trabalhador, gastroplastia,

deformidades crânio-faciais, cirurgia cardíaca, assistência oftamológica e assistência

nefrológica.

- Regulação da assistência – definição conceitual de regulação e adoção de mecanismos

normativos e operacionais e de financiamento destinados à implementação das Centrais de

Regulação.

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266

- Redução de demandas reprimidas – desenvolvimento de campanhas e mutirões com o

objetivo de incrementar a oferta em áreas específicas da assistência e reduzir demanda

reprimida - mutirões nacionais, mutirões loco-regionais e campanha “quem ouve bem

aprende melhor”.

- Organização do Sistema Nacional de Transplantes – organização e implantação do Sistema

e normatização das atividades.

- Ampliação da Assistência Farmacêutica - gerenciamento do Programa de Medicamentos

Excepcionais e Inclusão de novos medicamentos.

- Intervenção em Áreas Assistenciais Específicas – como o Programa Nacional de Triagem

Neonatal, Programa de Assistência Ventilatória Não-invasiva a Pacientes Portadores de

Distrofia Muscular Progressiva, Atendimento aos Portadores de Deficiências Mentais e

Autismo, Assistência aos Portadores da Doença de Alzheimer, Assistência à Dor e

Cuidados Paliativos, Programa Nacional de Controle do Tabagismo, Trauma e Violência e

Tratamento Cirúrgico para pacientes com Epilepsia.

No contexto dessas estratégias algumas políticas específicas ficaram mais fortalecidas,

como a da Saúde de Mulher, a política de Transplantes, a política de AIDS e da Saúde

Mental. Políticas essas que vinham desde os anos 80, com exceção da política de

transplantes, construindo um desenho institucional, técnico e político de sustentação.

O fator em análise de toda essa estratégia é compreender porque se adotou

mecanismos de indução federal para determinadas políticas, ou melhor, por que a opção

não foi uma mudança nos patamares gerais dos tetos estaduais. Como foram definidas as

ações estratégicas? Eram estratégicas para quem?

Algumas inferências podem ser extraídas a partir da análise da política de saúde até

aqui.

Primeiro, há um diagnóstico divulgado nos últimos anos de que os gestores estaduais e

municipais carecem de competência técnica, institucional e política para o desenho e

implementação de suas políticas, o que reforça o papel indutor/concentrador do MS.

Segundo, persiste uma lógica de que os gestores estaduais e municipais só

amadurecerão suas competências se encontrarem incentivos financeiros para tanto.

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267

Terceiro, os anos de concentração decisória do MS e as culturas institucionais

arraigadas pela prática do INAMPS dificultam uma análise crítica do próprio gestor federal

sobre o papel que deveria exercer nesse sistema.

Quarto, cada gestão e governo tem clareza do que considera estratégico investir. No

caso da gestão Serra/Negri/FHC era estratégico financiar ações que tivessem grande e

rápido impacto na saúde da população, a exemplo das Campanhas, mutirões e áreas de alta

complexidade ou áreas que se sustentavam em movimentos sociais de base (como a política

de AIDS e a Saúde da Mulher).

De qualquer forma, é inegável que as ações propostas nesses anos possibilitaram o

acesso a determinados serviços e gerou impactos em parcelas da população. Mas o

problema da estratégia foi que se gerou novos impasses no processo de

descentralização e organização do sistema, desde a fragmentação do financiamento

(parcelas variáveis do PAB, parcelas na forma de subtetos para média e alta

complexidade, FAEC, internação hospitalar), a redução da capacidade decisória dos

níveis estaduais e municipais frente a fragmentação das políticas e condicionalidades

imposta pelo gestor federal, até o privilegiamento de áreas em detrimento de outras

sem uma crítica mais contundente da forma que se tem produzido saúde e combatido

a doença nesse sistema.

A regulação do mercado em saúde

Um outro aspecto da fragmentação decisória instalado no setor saúde nessa gestão

refere-se ao encaminhamento dado para a regulação da vigilância sanitária (mercado de

bens e serviços) e do mercado privado de planos e seguros de saúde, com a criação das

agências nacionais de regulação – ANVISA e ANS, nos anos 1999 e 2000.

O processo de institucionalização dessas Agências insere-se em histórias próprias de

cada uma dessas áreas e merecem ser retomadas para uma compreensão mais consistente

desse momento político.

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268

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária

A história da vigilância sanitária no Brasil remete a tempos longínquos (século XVIII)

a partir da necessidade do Estado de controlar algumas doenças que prejudicavam a saúde

da população e interferiam diretamente no desenvolvimento do país. Ainda no século XIX,

foram criadas diversas estruturas institucionais de serviços para controlar e fiscalizar o

espaço público, a produção, as pessoas e as doenças, tais como a Diretoria Nacional de

Saúde Pública, os Distritos Sanitários Marítimos e o Serviço do Porto. Desde então, as

ações de vigilância tornaram-se cada vez mais complexas286 e o campo de atuação bem

mais amplo.

No ano de 1976, no contexto de reestruturação da política de saúde do Governo Geisel,

foi criada a Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária, num reconhecimento da relevância

do setor para a saúde. No entanto, ainda mantinha-se uma prática centralizadora no

governo federal e voltada para a produção.

No processo de discussão da reforma sanitária (especialmente nos anos 80) começou a

se delinear um novo conceito e prática para a vigilância sanitária com o objetivo de definir

o papel do Estado na proteção à saúde da população, frente aos interesses do mercado, um

conceito que passou a incorporar as questões relacionadas ao meio ambiente, aos serviços

de saúde e ao ambiente profissional.

O principal argumento para a reforma era a situação caótica de total descontrole do

Estado, sobre os produtos e serviços disponíveis no mercado e acessíveis à população,

gerando situações de risco e mortes.

Com a aprovação do SUS na CF88 e da Lei Orgânica da Saúde em 1990 (Lei 8080/90)

imprime-se uma nova definição para a vigilância sanitária - “ um conjunto de ações capaz

de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários

decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de

serviços de interesse da saúde, abrangendo: I - o controle de bens de consumo que direta

ou indiretamente se relacionem com a saúde, compreendidas todas as etapas e processos,

286 Especialmente no início do século XX, nos períodos que incluem as grandes guerras mundiais, com as descobertas noscampos da bacteriologia e terapêutica (Ver Lucchese, 2001 e também a Revista Tema nº23 de 2002).

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269

da produção ao consumo; II – o controle da prestação de serviços que se relacionam

direta ou indiretamente com a saúde” (art. 6º inciso 1º).

Nos anos 90 foram produzidas287 regulamentações com vistas a estruturar o Sistema

Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS) e encaminhar o processo de descentralização para

os estados e municípios e criar regras para o mercado de bens e serviços, como expresso no

quadro 19.

QUADRO 19 – Portarias do Gabinete do Ministro da Saúde com regulamentação na área de atuação da VigilânciaSanitária – 1990-2002

GM 1302/93 e 441/94 Cria a Comissão Nacional de Vigilância Sanitária.GM 527/93 Constitui a Comissão Nacional de Controle da Infecção Hospitalar.GM 1565/94 Define o SNVS e sua abrangência, esclarecendo a competência das três esferas de governo e

estabelecendo as bases para a descentralização da execução em serviços e ações de vigilânciaem saúde no âmbito do SUS (1).

GM 2543/95 Institui no âmbito da Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária, do Grupo Técnico-Científico,com o objetivo de contribuir para a normatização dos serviços, bem como para oestabelecimento de padrões de qualidade e substâncias e produtos nas medicinas nãoconvencionais.

GM 1840/96 Cria o Programa de Qualidade Externo em Sorologia para unidades hemoterápicas.GM 2009/96 Estabelece normas para coleta, processamento e transfusão de sangue, componentes e

derivados.GM 2419/96 Cria o Programa de Qualidade dos Medicamentos Hemoderivados.GM 3916/98 Estabelece a Política Nacional de Medicamentos.Fonte: Elaboração própria a partir das Portarias do Gabinete do Ministro, da SAS e SE.(1) Apesar da definição do SNVS nessa portaria a estrutura ministerial mantinha a Secretaria Nacional da Vigilância

Sanitária.

Essas regulamentações do Executivo foram acompanhadas em alguns casos de Leis

específicas, geradas num amplo processo de discussão com o Executivo, Legislativo e a

sociedade, como apresentado no quadro 20.

QUADRO 20 – Legislação relativa a área da Vigilância Sanitária aprovada no período 1990-2002Lei 9294/96 e Lei10167/00

Dispõe sobre as restrições ao uso e propaganda de produtos fumígeros, bebidas alcóolicas,medicamentos, terapias e defensivos agrícolas.

Lei 9431/97 Dispõe sobre o Programa de Controle das Infecções Hospitalares.Lei 9782/99 Define o SNVS e cria a ANVISA.Lei 9787/99 Estabelece os medicamentos genéricos.Lei 9965/00 Restringe a venda de esteróides ou peptídeos anabolizantes.Lei 10205/01 Regulamenta o parágrafo 4º do artigo 199 da CF, relativo a coleta, processamento, estocagem,

distribuição e aplicação do sangue.

287 Atenta-se para o fato de que algumas gestões do MS estiveram mais determinadas a regular a área do que outras. Osprimeiros passos rumo à regulamentação tornaram-se mais efetivos a partir de 1993 e um grande impulso na definiçãotécnica foi dado na gestão Jatene. No final da década de 90, ocorreu uma inflexão do projeto a partir da criação daANVISA, que passou a editar a regulamentação para a área. Nesse estudo, não realizamos um levantamento dessaregulamentação.

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270

Lei 10409/01 Dispõe sobre a prevenção, o tratamento, a fiscalização, o controle e a repressão a produção, ouso e ao tráfico ilícitos de produtos, substâncias ou drogas ilícitas que causem a dependênciafísica ou psíquica.

Fonte: Elaboração própria a partir da legislação disponível no site do Senado Federal. OBS: Não estão incluídas asmedidas provisórias e decretos.

No entanto, a principal inflexão no desenvolvimento da política de vigilância sanitária

no Brasil se deu no processo de reforma administrativa ao final da década de 90, com a

reestruturação do órgão federal e de um sistema de vigilância sanitária. Foi aprovada a Lei

9782/99 definindo o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária e criando a Agência

Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)288.

A ANVISA é uma autarquia sob regime especial vinculada ao Ministério da Saúde que

incorporou as competências da antiga Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária, bem

como a coordenação do Sistema Nacional de Vigilância, do Programa Nacional de Sangue

e Hemoderivados e do Programa de Prevenção e Controle de Infecções Hospitalares.

Desde sua criação, a ANVISA tem cumprido o papel de avançar na definição de regras

para o mercado de bens e serviços, assim como, no processo de descentralização das ações

para os estados e municípios, esbarrando em dificuldades do ponto de vista político, com

críticas e resistências quanto à constituição de uma agência autônoma; do ponto de vista

institucional, para a formação de uma identidade organizacional; e do ponto de vista

técnico, na incapacidade para regular e com estruturas deficientes nos estados e municípios.

Nesse sentido, persiste ainda um conjunto de desafios a serem enfrentados pelo Estado

na garantia da proteção à saúde da população, a começar pelo enfrentamento dos interesses

econômicos e políticos que impedem a eficácia da vigilância em todo o território nacional.

Embora os avanços obtidos na regulação desse setor desde a instituição da

ANVISA é importante perceber que ainda persistem distorções nessa regulação que

favorecem o setor privado sem o compromisso com a política pública, porque carece

uma definição do Estado da política pública de saúde que se quer imprimir.

288 No ano de 1998 foram aprovadas MPs antecipando essa estrutura, quando o projeto de lei foi apresentado noCongresso no ano de 1999 sua tramitação foi rápida, apenas 15 dias. A lei é de autoria do Presidente da República esofreu modificações a partir de 36 MPs apresentadas após a sua publicação.

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271

As regras para o mercado estão “frouxas” porque o Estado, aqui representado pelo

Executivo Saúde, não tem sido eficiente na formulação de regras explícitas sobre a saúde

que se deseja produzir, destinando nesses últimos anos essa função a uma Agência

autônoma delegou-lhe uma atribuição que não é da sua competência cumprir. Tal fato se

expressa na forma como o Executivo Saúde reforçou a lógica segmentada do sistema.

Outro fator que está presente na discussão sobre a vigilância, apresentada na literatura

da área, diz respeito à questão dos parâmetros clínicos e regras a serem adotadas para o uso

das tecnologias de um modo geral. As regras propostas pela vigilância estão longe de

compor uma política integrada com a assistência, não se avançou numa avaliação

sobre o risco sanitário, não se investiu em pesquisa em saúde voltada para a avaliação

tecnológica, não se investiu na capacidade de suas instituições científicas e tecnológicas

na defesa dos interesses do país e da sociedade. Ao contrário, a literatura denuncia a

reprodução de parâmetros internacionais, o consumo de produtos globais e a não

adoção de uma política pública de saúde genuinamente brasileira 289. Por isso, o que

extraímos dessa política é a opção política de não se enfrentar os interesses políticos e

econômicos, mantendo as elites na condução das diretrizes de saúde .

O principal reflexo desse cenário é a acentuação de uma lógica individualista que se

respalda no código do direito do consumidor, que recorre à justiça para garantir a defesa de

seus direitos. O único recurso frente a um Estado que falha na regulação do mercado290.

A Agência Nacional de Saúde Suplementar

Desde a CF88 existia um vazio legal que regulamentasse a prática dos planos e seguros

de saúde no Brasil291. Durante os anos 90 intensificaram-se as denúncias e processos

judiciais contra os planos e seguradoras de saúde que não obedeciam a qualquer padrão de

289 Ver também Lucchese (2001) e a Revista Tema n.23 (2002).290 É importante também ressaltar que essa é uma análise feita sobre as diretrizes gerais dessa política, a partir daregulamentação proposta pelo Gabinete do Ministro da Saúde e dos textos de discussão da área. A ANVISA desde 1999produziu uma regulamentação própria que precisa ser devidamente pesquisada para uma compreensão mais específica dosavanços obtidos na área também em termos de regulação desse mercado.291 No Congresso Nacional tramitavam, desde 1989, 18 projetos de lei sobre o assunto, mas o debate somente seaprofundou em 1994 a partir da aprovação do projeto de lei do Senador Iram Saraiva.

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272

funcionamento292. O debate em torno de uma regulamentação para área vinha motivada

pela necessidade de intervir sobre as relações selvagens de competição de um mercado

emergente e autônomo (Bahia, 2001).

Algumas discussões começaram a ser encaminhadas, de forma mais sistemática, no

contexto do Executivo Saúde no ano de 1994, quando foi instituída uma Comissão para

propor a regulamentação dessa área (SE 7/94) e com vistas a acompanhar o debate

legislativo. No CNS o debate tornou-se presente desde 1995 na discussão sobre o

ressarcimento ao SUS (CNS 167/95) e na proposta de regulamentação em 1997 (CNS

238/97).

O processo de negociação do projeto de lei para a regulação dos planos levou quatro

anos e dez meses (1993-1998) e apenas em 1998 foi aprovada a Lei 9656, o que só foi

possível mediante o acordo entre as duas casas legislativas e o Executivo. Segundo Bahia

(2001): “Sob as luzes desenhou-se a resistência das empresas médicas e seguradoras às

ampliações de cobertura e as ameaças de quebra das operadoras de menor porte face às

exigências de demonstração de solvência. O que se discutia era o acerto da dose da

regulação governamental, o peso da mão do Estado sobre o mercado” (Bahia, 2001: 337).

O ponto de acordo foi que o papel do Ministério da Saúde seria o de co-regulador da

assistência suplementar e não apenas mais de assessoria à Superintendência de Seguros

Privados (SUSEP) do Ministério da Fazenda (Brasil/MS/SAS, 2002b: 207). Assim, a

coordenação do processo ficaria vinculada à área da saúde numa ação mais efetiva do

Estado a ser protagonizada pelo MS.

A lei sofreu alterações antes mesmo de começar a vigorar e durante o período de 1998-

2002 já haviam sido apresentadas 44 medidas provisórias com alterações à lei. A primeira

medida foi apresentada imediatamente após a sua aprovação.

Ainda para Bahia, “as sombras ocultaram as características menos divulgadas da

assistência médica suplementar: a estratificação interna, as fronteiras entre subsistemas

assistenciais e seus mandamentos ético-financeiros, incluindo a inequívoca face social do

292 “O seguro saúde e as seguradoras estavam sujeitas a registro, controle e fiscalização por parte da SUSEP. Ascooperativas e medicinas de grupo consideravam-se auto-reguladas e as autogestões, por sua vez, seguiam asorientações de suas próprias empresas mantenedoras.” (Melo, 2003: 358).

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273

mercado de planos privados de saúde. Preservaram ainda as influentes coalizões de

interesses que suportam tais regras de auto-regulamentação e, sobretudo, um processo

decisório pautado pela inversão das relações entre o poder legislativo e executivo” (2001:

337).

Com a criação do Departamento de Saúde Suplementar, no contexto da SAS, no início

de 1998, teve início o processo de regulamentação mais efetiva dessa área pelo SUS. Sob a

batuta desse Departamento foi instituído o Sistema de Fiscalização das Operadoras de

Planos e Seguros Privados de Assistência à Saúde (GM 3693/98) e proposta a fiscalização

dos planos e seguros (GM 1149/99).

De acordo com a SAS (Brasil/MS/SAS, 2002b: 207), os principais avanços obtidos na

área a partir dessa estruturação foram: a instalação da Câmara de Saúde Suplementar

(CSS) e do Conselho de Saúde Suplementar (CONSU), como instâncias de “controle

social”; a garantia de cobertura nos casos de doenças ou lesões preexistentes e a instituição

da cobertura parcial temporária e o agravo; o estabelecimento de limites de valores entre as

faixas etárias nas tabelas dos planos; a padronização dos critérios e produtos de assistência

suplementar à saúde por meio da uniformização do entendimento dos planos; a divulgação

da lei e a colaboração ativa do Departamento no assessoramento técnico aos legisladores

para as alterações das MPs.

Já os analistas dessa área (Bahia, 2001a e 2001b) discutem os avanços obtidos

apontando especialmente para o recuo do governo no que se refere às ampliações de

cobertura, cedendo às pressões das grandes seguradoras e entidades de defesa do

consumidor293.

Em dezembro de 1999, o Departamento foi extinto com a criação da ANS (Lei

9961/2000294). O debate em torno à lei foi controvertido e alvo de acirradas disputas

interburocráticas entre o MS e o MF (Bahia, 2001), com um forte interesse do Executivo

Presidência na sua aprovação.

293 Um livro editado pelo MS e ANS no ano de 2002 apresenta diferentes aspectos (estrutura, evolução e perspectivas) doprocesso de regulação na saúde no Brasil e em comparação com outros países, mas não avança numa análise maiscontundente dos problemas a serem enfrentados nesse setor no contexto do SUS (Brasil/MS/ANS, 2002).294 O projeto de lei é de autoria da Presidência da República e tramitou 22dias no Congresso.

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274

Com a criação da ANS obteve-se maior autonomia para a regulação do setor e, por

outro, um distanciamento efetivo dessa área do contexto de regulação do próprio SUS.

As regras que regem a lógica do direito do consumidor assumido pela ANS colidem com os

princípios enunciados no SUS, em especial a universalidade do atendimento, a eqüidade e a

integralidade. Mas não existiria, como princípio, incompatibilidade na associação entre o

direito do consumidor e o direito do cidadão se o Estado assumisse seu papel de regular a

política.

Mas também na conformação dessa estratégia, assim como da ANVISA, o Estado

fez uma opção de delegar a uma instância autônoma a decisão política de mediar os

conflitos e interesses que permeiam esse setor, desresponsabilizando-se dessa tarefa.

Um dos resultados do estudo de Melo (2003) é que existe uma dificuldade do próprio

quadro dirigente do MS, como dos gestores estaduais e municipais, para incorporar os

assuntos do mercado de saúde suplementar.

O resultado mais factível desse processo é a manutenção de uma situação de injustiça

social, onde uma parcela da população295 não tem garantido nem o direito de cidadania nem

o de cidadão, recorrendo ao Ministério Público e à Justiça na garantia de seus direitos. Tal

conjuntura sobrecarrega o Estado, que é demandado a responder a situações específicas,

mantém uma estrutura de poder das elites empresariais da saúde e não constitui um cenário

favorável ao desenvolvimento do SUS e da saúde no Brasil.

O Executivo Saúde reformista e o Executivo Saúde associado ao Executivo

Presidência têm desconsiderado a importância de uma regulação efetiva desse setor mas por

motivos diferentes. O Executivo Saúde reformista (que quer o SUS) nega a assistência

médica supletiva porque, na realidade, não aceita sua existência. Há um purismo dos

reformistas na reificação do SUS e na crítica à escolha de parcelas sociais para essa

modalidade de assistência 296. O objetivo dos reformistas é fortalecer o SUS. Já o

Executivo Saúde associado ao Executivo Presidência assume uma postura liberal com

295 Há uma estimativa de 40 milhões de associados à assistência médica supletiva, numa variação enorme entre asmodalidades de planos e cobertura. Na última década ocorreu uma expansão dos pequenos planos que atendem a umapopulação de classe baixa e que tem a opção de um pacote mínimo de serviços e de qualidade bastante questionável.296 Vide o debate sobre o ressarcimento ao SUS e sobre a isenção fiscal para segurados.

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275

relação a esse mercado porque não tem interesse nesse controle, porque está diretamente

associado a um projeto político de Estado que mantém o poder das elites.

De qualquer forma, essas são mais do que conclusões desse trabalho, são inferências

acerca de um processo político que merece ser aprofundado e minimamente discutido com

os grupos envolvidos nessa questão – gestores públicos, prestadores de serviço,

profissionais de saúde, usuários, seguradoras, políticos e empresários da saúde em geral.

Encaminhamentos das Políticas de Saúde no Legislativo

No Legislativo as leis aprovadas nesse período (1998-2002) compõem um quadro

híbrido onde é possível perceber dois movimentos. No período 1998-2000 com a definição

de leis que regulam o mercado em saúde, com uma forte atuação do Executivo na

proposição. No período 2001-2002 num conjunto expressivo de leis que tratam de ações de

saúde específicas e que vinham sendo objeto de regulamentação do Executivo297.

Nesse movimento, há uma inflexão no encaminhamento da política de saúde no

Legislativo, bem mais afinado aos interesses do Executivo Saúde associado ao Executivo

Presidência. Apenas para retomar o cenário, as principais leis aprovadas nesse período

podem ser observadas no quadro 21.

QUADRO 21 – Legislação aprovada no período 1998-2002 por classificaçãoClassificação Documento legislativoRegula o mercado emsaúde

Lei 9656/98 – Dispõe sobre os Planos e Seguros Privados de Assistência à Saúde.Lei 9782/99 - Define o SNVS e cria a ANVISA.Lei 9961/00 – Cria a ANS.Lei 10185/01 – Dispõe sobre a especialização das sociedades seguradoras em planos privadosde assistência à saúde.Lei 10223/01 – Altera a lei 9656 para dispor sobre a obrigatoriedade da cirurgia reparadora demama por Planos e Seguros privados de saúde.Lei 10237/01 – Dispõe sobre a inserção nas fitas de vídeo que especifica a mensagem: “façasexo seguro. Use camisinha”.Lei 10409/02 – Dispõe sobre a prevenção, o tratamento, a fiscalização, o controle e a repressãoa produção, ao uso e ao tráfico ilícitos de produtos, substâncias, ou drogas ilícitas que causemdependência física ou psíquica.Lei 10449/02 – Dispõe sobre a comercialização de preservativos masculinos de latex.

Políticas específicasassociado amovimentos sociais.

Lei 9797/99 – sobre a cirurgia reparadora de mama no SUS.Lei 9836/99- institui o subsistema de saúde indígenaLei 10216/01 – Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornosmentais e redireciona o modelo assistencial.

297 Os movimentos são apenas um recurso de análise, na verdade existem leis sobre a regulação do mercado em todo operíodo. No capítulo 3 já abordamos essa discussão.

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276

Política Ministerial DEC 3189/99 – diretrizes para o exercício da atividade de agente comunitário.DEC 03745/01 – Institui o Programa de Interiorização do Trabalho em Saúde.Lei 10191/01 – Dispõe sobre a aquisição de produtos para a implementação de ações de saúdeno âmbito do Ministério da saúde.Lei 10424/02 – Regulamenta a Assistência Domiciliar no SUS.Lei 10507/02 – Cria a profissão de agente comunitário de saúde.Lei 10516/02 – Institui a Carteira Nacional de Saúde da Mulher.DEC 4436/02 – Cria no âmbito do MS, a Comissão Nacional de Bioética em Saúde.DEC4481/02 – Dispõe sobre os critérios para definição dos hospitais estratégicos no âmbito doSUS.DEC 00/00 – grupo de trabalho para propor desenvolvimento de C&T para o setor saúde. Lei10332/01 – Institui mecanismo de financiamento para o Programa o Programa de fomento apesquisa em saúde, para o Programa GENOMA e outros.

Leis que regulam açõesdo Executivo

Lei 10289/01 – Institui o Programa Nacional de Controle do Câncer de Próstata.Lei 10439/02 – Institui o Dia Nacional de Prevenção e combate a Hipertensão Arterial.Lei 10456/02 – Institui o Dia Nacional de combate ao Glaucoma.Lei 10465/02 – Institui o Dia Nacional da Saúde Bucal.

Recursos para a saúde RSF 0086/98 – recursos do BIRD VIGISUS.RSF 0085/98 – recursos do BIRD para AIDS IIEC 29/00 – Assegura recursos mínimos para o financiamento das ações e serviços públicos desaúde.RSF 0038/02 – Autoriza crédito externo junto a Marubeni Corporation para financiamento deequipamentos do Projeto Hemodiálise no âmbito do REFORSUS.RSF 0039/02 - Autoriza crédito externo junto ao Japan Bank para financiamento deequipamentos do Projeto Hemodiálise no âmbito do REFORSUS.RSF 0063/02 - Autoriza crédito externo junto ao Japan Bank para financiamento deequipamentos do Projeto Hemodiálise no âmbito do REFORSUS.

Mudanças em leis Lei 10211 de 23/03/2001 – Altera a lei 9434/97 sobre a remoção de órgãos e tecidos.Lei 10.167/00 – altera lei 9294/96 – sobre fumígeros...

Fonte: Elaboração própria a partir do site do Senado Federal.

Principais argumentos do Capítulo

Esse longo capítulo da gestão Albuquerque/Serra/Negri298 pode ser expresso em alguns

argumentos-chave:

(1) A partir de 1997 teve início um processo de inflexão na condução da política

nacional de saúde, com o fortalecimento da lógica econômica e uma concepção de “cesta

básica” de atenção à saúde;

(2) As principais estratégias utilizadas pela nova gestão levaram a acentuação da

fragmentação institucional (na estrutura, na forma de organização das políticas de

298 Barjas Negri assume a função de Ministro da Saúde no ano de 2002 com o objetivo de possibilitar a candidatura deSerra à Presidência. Não há nenhuma mudança político-institucional na saúde com essa passagem, ao contrário, apenas amanutenção de uma diretriz política de governo. Na realidade, dos 3 ministros, Albuquerque, Serra e Negri, este foi oúnico que esteve presente durante todo o período e que contribuiu de forma contundente na organização da estratégiapolítica para esses anos.

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assistência à saúde, na regulação do mercado) e a concentração decisória, especialmente na

cúpula do poder institucional (Ministro, Gabinete e Secretaria Executiva);

(3) A prioridade esteve, num primeiro momento, na organização da política de

assistência à saúde voltada para a atenção básica, reforçando uma política de “visibilidade”

da gestão; e num segundo momento, os esforços foram canalizados para a construção de

estratégias de regionalização, sem uma crítica à política de financiamento do setor e a

necessidade de investimentos em saúde;

(4) Foram desenhadas ações estratégicas que acentuaram a concentração decisória no

nível federal, ao mesmo tempo em que denotou uma forma de fazer política que não

necessariamente esteve atrelada ao compromisso com o acesso e garantia da saúde, mas que

viu na estratégia um ótimo mecanismo político;

(5) Os estados e municípios reforçaram a estratégia adotada pelo Executivo federal

porque viram nesse modelo a possibilidade de captação de recursos, mas não assumiram

compromissos ou responsabilidades, tornando-se críticos a qualquer movimento mais

contundente nesse sentido;

(6) O mercado em saúde seguiu desregulado porque as Agências carecem de uma

definição política do Estado do projeto a ser construído na saúde;

(7) O CNS foi um importante interlocutor durante o período intervindo de forma mais

expressiva nas políticas específicas e com pouco espaço de atuação nas macropolíticas do

sistema;

(8) Por trás de toda essa estratégia política também resistia um Executivo Saúde

interessado em encaminhar a reforma sanitária e que se utilizou desses instrumentos para

lhe dar operacionalidade.

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PARTE 3 - CONSIDERAÇÕES FINAIS - EM DEFESA DE UMA POLÍTICA

PÚBLICA DE SAÚDE BRASILEIRA299

“Defender a política é criar condições para a afirmaçãode um projeto democrático radical, que realize a democracia pelaraiz. Só a política pode criar aquela dose de ”sentido comum” quecosture os interesses e valores particulares uns nos outros,superando-os a partir de alguma equivalência superior. Sempolítica, não temos como ultrapassar a explicitação individualizadadas demandas de cada grupo e aproveitar o que existe nestasdemandas, de energia produtora de vida comunitária” (MarcoAurélio Nogueira, 2001: 131).

A intenção original desse estudo era conhecer e aprofundar a relação executivo-

legislativo no processo decisório da saúde no Brasil. O contato com a produção desses

Poderes e, especialmente, com a lógica de construção e encaminhamento das políticas no

Brasil, imprimiu uma mudança de enfoque no objeto de estudo. Abandonei a idéia de

investigar a relação dos Poderes e aprofundei a análise da política de saúde a partir do que

apreendi da produção e do que havia incorporado de crítica aos Poderes.

Essa inflexão se processou porque surgiram na análise do material empírico, indícios

de que há uma trama de interesses não explicitada sobre a forma e encaminhamento do

processo político na saúde, que subsidia e mantém o mesmo padrão de concentração de

poder, que beneficia as velhas elites do Estado brasileiro, que se fortalece na relação com

estados e municípios e domina os espaços de articulação com a sociedade, no Legislativo e

no Judiciário.

Nossa hipótese geral era de que o projeto reformista do setor saúde, de caráter e

concepção transformadora, não havia conseguido imprimir nos últimos doze anos uma

mudança concreta no padrão político estabelecido no Estado no que se refere à saúde, pois,

299 Esse título foi inspirado no livro de Marco Aurélio Nogueira (2001) “Em defesa da política”, onde o autor faz umaanálise brilhante sobre os dilemas da política e o porquê de sua defesa. Para o autor, a política é uma “forma de ampliar asmargens de liberdade, interferir nas decisões coletivas e reconstruir os fundamentos da vida comum” (p.7).

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279

as desigualdades persistem e os esforços dos reformistas acabam por fortalecer o projeto

político da elite brasileira para esse setor, mesmo com fortes resistências a ele.

Uma elite que se constituiu e se sustentou na trajetória do Estado brasileiro.

Um Estado federalista de caráter oligárquico, patrimonialista e excludente, que se

utilizou da concentração decisória no Poder Executivo e do argumento técnico para

neutralizar o processo político e bloquear o amadurecimento da sociedade civil.

Um Executivo de base tecnocrática e fundado na lógica econômica, compondo um

“núcleo duro” de poder mediador e racionalizador dos conflitos e interesses.

Um Executivo que desenvolveu uma relação com o Legislativo de “simbiose”, na troca

de favores e benesses para os mesmos grupos, não garantindo uma intervenção mais efetiva

do Legislativo na representação dos interesses da sociedade como um todo.

Na centralização decisória no governo federal com uma forma de negociação

segmentada com estados e municípios fragilizando a lógica federativa e a atuação dessas

esferas de governo.

Esse Estado e sua elite não foram desconsiderados pelos reformistas da saúde, ao

contrário, o processo de crítica ao modelo de saúde instituído no Estado brasileiro nasceu

no contexto de crise do Estado nos anos 70, a partir de um olhar contundente dos

intelectuais do setor saúde (advindos das instituições de ensino e pesquisa) sobre o regime

militar, suas origens, com um projeto claro de construção de um Estado redistributivo e de

bem-estar.

No que se refere ao modelo de saúde, as principais críticas incidiam na forma como se

constituiu o empresariamento da medicina e de que maneira esse modelo garantiu o direito

à saúde como um benefício para uma pequena parcela da população.

A bandeira de luta passou a ser o direito universal e irrestrito à saúde para toda

população brasileira, como um direito de cidadania e não como um direito regulado pela

inserção no mercado de trabalho.

Os princípios ideológicos afirmados nesse processo foram reafirmados legalmente

(CF88) como princípios políticos a serem institucionalizados, na construção de um novo

cenário para a saúde no Brasil. Os portadores desse enunciado passaram a participar

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ativamente das decisões políticas e técnicas na burocracia institucional do Estado, agora

também permeada por outros interesses, que não apenas dos representantes das velhas e

poderosas elites, mas, daqueles que acreditavam na construção de uma outra realidade – a

democracia.

Essa nova burocracia possibilitou um jogo diferenciado no processo político da saúde.

No entanto, os reformistas do setor saúde optaram pela definição de uma trajetória isolada

para o desenvolvimento da reforma, certos de que era possível transformar o padrão

político brasileiro numa mobilização pela saúde para todos (a idéia de que a revolução se

faria pela saúde).

Nesse sentido, os obstáculos identificados no processo de implementação do SUS se

explicam por questões bastante específicas da saúde – a concentração decisória no

Executivo federal (o INAMPS como principal vilão, a SAS na versão mais recente), a

fragmentação das políticas como uma herança do modelo dicotômico instalado com a saúde

pública e a medicina previdenciária, a incapacidade de gestão dos estados e municípios e a

incipiente participação social -, com estratégias que visam combater esses obstáculos sem

aprofundá-los na suas origens.

Paralelamente, deu-se continuidade ao projeto político de Estado conformado pelas

elites. O mercado tornou-se mais liberal nos anos 90 (reflexo do neoliberalismo e da

globalização, numa adesão do Estado brasileiro ao ajuste estrutural) e a concentração

decisória e de renda mantida nesse grupo (basta ver os dados divulgados pelo IBGE (2003)

sobre o crescimento e a distribuição de renda no Brasil no século XX).

Na saúde esse projeto se expressou na forma de relação do Executivo Presidência com

o Executivo Saúde nas diferentes gestões de governo. Dos anos Collor, passando pelo

governo Itamar e FHC, em maior ou menor grau, o Executivo Presidência assumiu um

papel de intermediação dos interesses do setor saúde, constituindo obstáculos efetivos ao

desenvolvimento do SUS, mas, com uma forte resistência da tecnoburocracia reformista e

do movimento social para manutenção de seus princípios.

Nos doze anos o Executivo Presidência em associação com o Executivo Saúde, definiu

uma política de financiamento que manteve a lógica centralizada dos recursos no governo

federal; restringiu a discussão do financiamento à questão do custeio dos serviços sem uma

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281

perspectiva para uma política de investimento condizente com o projeto político desenhado

com o SUS; manteve a política institucional liderada pelo INAMPS e depois na SAS, com

ênfase na assistência à saúde, atendendo aos interesses dos prestadores de serviço privado e

indústrias do setor, não contribuindo para a reformatação do modelo assistencial; fortaleceu

a relação direta com os municípios, atendendo aos interesses dos prefeitos e não definindo

atribuições para os estados, atomizando o processo político e mantendo antigas práticas de

clientela e patronagem institucionalizadas no Estado brasileiro.

As estratégias de expansão do acesso à saúde, bem como, as regras de regulação do

mercado privado em saúde foram estabelecidas sem a explicitação das prioridades pelo

Estado e num processo decisório que favoreceu a excessiva fragmentação da política,

trazendo benefícios para os grupos de maior poder político e institucional.

Por outro lado, a resistência efetiva dos reformistas ao projeto neoliberal das elites se

deu a cada nova investida desses governos.

Nos anos Collor, o projeto SUS sobreviveu no modo como o Executivo Saúde

encaminhou a reforma, seja no debate legislativo na definição das leis orgânicas da saúde,

associado à frente sanitária, na garantia dos princípios do SUS, seja com mudanças

pontuais nas regras instituídas pela NOB91.

No governo Itamar, numa associação mais estreita do Executivo Presidência com o

projeto da saúde e no fortalecimento de um Executivo Sanitário que imprimiu um ritmo

operativo à reforma frente a um cenário de racionalização e parcos recursos.

Na gestão Jatene, na composição de uma reforma técnica liderada pelo Executivo

Saúde e que constituiu as bases operacionais para o sistema, num contexto de explícita

tensão com o Executivo Presidência na disputa por mais recursos para a saúde e no apoio à

política de descentralização (NOB96).

Na gestão Serra/Negri, na atuação de um Executivo Saúde que se utilizou das

estratégias do Executivo Presidência, na definição de uma política de visibilidade, para

encaminhar a reforma e ampliar o acesso à saúde.

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Assim, há uma tensão constante entre reformistas e Executivo Presidência na

composição de estratégias para o setor saúde, o que revela a existência de projetos políticos

diferenciados para esse setor.

Na explicitação dos executivos atuantes no debate da saúde – Executivo Presidência,

Executivo Saúde e Executivo Sanitário – iluminamos os interesses que se apresentam em

disputa nessa discussão. Percebemos que há os interesses de uma cúpula de Estado, dos

reformistas que advém das burocracias da saúde e dos reformistas que construíram um ideal

de sistema.

Esse jogo de interesses também apontou para uma trama complexa na relação desses

executivos com o Legislativo, os representantes de estados e municípios e os movimentos

sociais, revelando um outro conjunto de interesses.

Na análise das leis e regulamentações do setor saúde evidenciaram-se os problemas

associados à lógica do Estado brasileiro e à forma como estabelece sua relação com os

diversos grupos até aqui descritos.

Na relação com o Legislativo, o Executivo exerce o papel de principal agente do poder

institucional no âmbito do Estado, controlando a agenda, o timing da discussão no

Legislativo e estabelecendo uma relação de troca com esse Poder.

Essa troca favorece o predomínio das propostas do Executivo – com mais leis

aprovadas, num tempo mais ágil e com a garantia da implementação da política que propõe,

especialmente, porque são leis sistêmicas e que encontram respaldo na tecnoburocracia.

Enquanto as leis de autoria do Legislativo seguem trâmites longos, sem a garantia de sua

implementação, porque devem passar pela avaliação e encaminhamento dos técnicos da

saúde, no que denominamos tecnocratização do processo decisório.

As estratégias adotadas por cada Poder no processo de negociação das leis também é

diferenciada. O Executivo negocia suas propostas antes mesmo da apresentação no debate

Legislativo, estabelecendo acordos com as bases partidárias, grupos de interesse e

burocracia executiva. Seu poder de negociação é grande e envolve pactos que extrapolam o

âmbito legislativo. Como as propostas chegam negociadas no Legislativo, suas chances de

entrada e aceitação são maiores, especialmente, quando comparadas às propostas que

advém deste.

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283

O Legislativo, por representar interesses de grupos, movimentos sociais, interesses

regionais e particulares tende a apresentar um número bem superior de propostas para

debate e que, muitas vezes, não mobilizam o interesse dos parlamentares. O que se verifica

é que as leis de autoria do Legislativo conseguem ser aprovadas se contam com o apoio do

Executivo e/ou se mobilizam grupos de parlamentares, como expressão de uma articulação

com movimentos sociais, atrelados ou não à tecnoburocracia da saúde. As leis que tratam

de questões “individuais” (a maioria) seguem trâmites demorados e, na maior parte das

vezes, não são aprovadas.

A variável constante é o fato do Executivo atuar como um filtro das políticas propostas

no Legislativo tendo como principal instrumento o argumento técnico. O Executivo não só

concentra poder institucional e político, mas, principalmente concentra poder técnico.

Nesse sentido, o Estado brasileiro foi extremamente eficiente nos seus últimos

cinqüenta/sessenta anos (considerando-se, especialmente, a partir de Getúlio) na construção

e desenvolvimento de um arcabouço institucional de base técnico-científica que confere

impessoalidade, eficiência e (a impressão de) neutralidade política aos “donos do poder”.

Essa também é a estratégia do Executivo no processo decisório no interior do MS, com

um diferencial, o Executivo que atua como filtro das políticas de saúde e demandas sociais

se expressa de distintas maneiras, em diferentes “executivos saúde”. Todos com um

aspecto em comum: o uso do argumento técnico para convencer grupos e pares no

processo decisório.

A análise das portarias evidenciou que esse instrumento se configura como um

elemento de controle e poder decisório pelo gestor federal, que induz a política,

principalmente, a partir das regras de financiamento. Na definição dessas regras há uma

série de critérios técnicos pouco debatidos e explicitados.

Essa concentração decisória se justifica pela imaturidade técnica e institucional de

estados e municípios para assumir as condições de gestão mas se mantém porque esses

mesmos estados e municípios não se comprometem numa discussão mais efetiva sobre as

prerrogativas e responsabilidades do processo de descentralização. Aprofundar a

descentralização, significa rever o padrão político estabelecido com estados e municípios,

no que concentram de poder e na forma como distribuem recursos e priorizam a política.

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284

Por trás desse debate, o conflito fundamental da política de saúde com respeito a

questão do financiamento e do aporte de recursos que cada esfera de governo deve aplicar.

Mais do que isso, o projeto político pactuado de Estado e sua sustentabilidade.

Mas não se avança numa discussão sobre o projeto de Estado e a política de saúde

enquanto não se explicitar os interesses de uma parcela dominante no setor saúde.

Na análise da produção, durante todos esses anos, tornou-se importante observar que

não transpareciam no processo decisório da saúde os interesses do setor privado, quer dos

prestadores de serviço, das indústrias de medicamentos, de equipamentos e outras, quer das

instituições de ensino. O complexo industrial da saúde não se mostrou no debate sobre o

processo de implementação do SUS.

Mas o complexo e os interesses que ele alimenta sempre estiveram lá. Desde a

Constituinte de 1987/88, os representantes do setor privado apoiavam o SUS. Não

apresentavam resistências quanto à universalização do sistema e a integralidade das ações,

mas resistiam na regulamentação do setor privado, nas regras da descentralização e na

política de financiamento.

Para os grupos de interesse do setor privado, as propostas da reforma sanitária não

afetavam diretamente seus interesses, ao contrário, a defesa da universalização se tornou

uma valiosa estratégia de promoção do setor privado, tanto do setor contratado, quanto do

autônomo. Para o setor contratado, a universalização significou o aumento da demanda e,

portanto, aumento da produção de serviços. Para o setor privado autônomo, a

universalização significou a saída de muitos usuários do serviço público e o aumento da

demanda por serviços particulares.

Por isso, na Constituinte, interessava discutir as formas de relação público-privado,

mas, não os princípios ou estratégias da reforma, ou seja, interessava apenas garantir a

presença do setor privado no sistema público e permitir a autonomia do setor privado no

mercado. Nesse sentido, a questão da universalização era um ponto pacífico e mais do que

consensual, enquanto que as demais questões da política de saúde encontravam resistências

dos grupos de interesse (Faria, 1997: 68).

Em 1988 já estava clara a estratégia política adotada pelo setor privado. O SUS como

um demandante potencial de serviços, tecnologias e insumos não colidia com os interesses

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285

privados, ao contrário, fortalecia-os. A expansão do SUS é o que mais desejava o setor

produtivo do complexo da saúde, especialmente se esse setor não se apresentasse regulado,

se não existissem regras de controle dessa produção.

É nesse sentido que ressaltamos que o SUS não é um projeto que colide com os

interesses das elites do Estado brasileiro mas que pode, ao contrário, fortalecer ainda mais o

poder desse grupo, principalmente não se definindo a base para a sustentação dessa política

pública.

O principal obstáculo ao SUS nesses doze anos foi a indefinição de um projeto político

de Estado que incluísse a saúde, na perspectiva de um Estado forte capaz de exercer o seu

papel regulador e com regras explícitas para o mercado em geral, e do mercado de saúde

em particular.

O Estado sem regras para o mercado, sem um desenho de política pública é o Estado

que alimenta a elite e os interesses mais imediatos do capital. Essa é a principal marca da

trajetória do Estado brasileiro desde sua origem.

Romper o “círculo vicioso da elite no poder” é estabelecer um novo pacto entre Estado

e sociedade no Brasil, na definição de um projeto político que atenda aos interesses

públicos, na defesa de uma política pública de saúde.

Um Estado que defenda os interesses públicos não é necessariamente um Estado que

assume a responsabilidade de toda e qualquer produção (não é a estatização de serviços).

No contexto do capitalismo, significa dizer, que é possível investir no capital privado sem

que isso seja contraditório ao interesse público; de que o diálogo com esse setor deve ser

fortalecido numa estratégia de maior controle do Estado sobre essa produção.

Nessa abordagem, esbarramos numa questão importante no processo de reforma

sanitária no Brasil. Esse foi um projeto liderado por uma “frente” explicitamente associada

a um projeto de Estado socialista. Propor o diálogo com o capital (os setores que assim

expressavam o interesse do capital) não era uma possibilidade de negociação para esse

grupo. A estratégia adotada foi buscar isolar o setor privado e produtivo do debate e

restringir o acesso ao processo decisório. Por isso, o complexo da saúde não transparece na

análise do material, apesar de estar lá.

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286

Quem mediou os interesses do complexo da saúde foi o Executivo Saúde, que fundado

na tecnoburocracia de Estado esteve submetido às regras estabelecidas pelo Executivo

Presidência e o projeto político que lhe dava sustentação. O Executivo Saúde de intenção

reformista encontrou nesse cenário um espaço restrito de atuação, onde o principal apoio

foi o argumento técnico possibilitando a composição de políticas específicas mas uma baixa

interferência na macropolítica, de interesse direto do Executivo Presidência.

Na negociação da macropolítica estavam os interesses de estados e municípios, do

Legislativo (que expressa os interesses regionais) e dos setores produtivos associados ao

setor saúde. Nas políticas específicas, o Executivo Saúde encontrava fortes aliados no

movimento social e um canal direto de pressão no Executivo Presidência e nos grupos de

interesse associados ao complexo produtivo da saúde (A AIDS é o melhor exemplo), tendo

a seu favor a razão técnica.

O Executivo Sanitário, por outro lado, ateve-se ao debate da macropolítica e

posicionou-se como uma resistência ao projeto neoliberal na saúde, mas, sua capacidade de

transformação do cenário da saúde manteve-se restrita. Na composição de estratégias para

superação dos obstáculos do SUS utilizou-se de velhos argumentos clamando pela

descentralização sem enfrentar a origem dos problemas e muitas vezes fortalecendo o poder

de alguns grupos. Na relação com o complexo da saúde manteve-se crítico, num temor

acerca do “empresariamento da saúde”300 no Brasil, com resistências explícitas a qualquer

forma de investimento que incida sobre o setor não-estatal.

Nessa trama de interesses e negociações os mais fortalecidos ainda são os grupos

dominantes que sustentam a elite brasileira. Os reformistas ao radicalizarem a crítica ao

complexo (não dialogar) se afastam de uma discussão substantiva sobre a necessidade de

300 A compreensão do setor saúde como um setor econômico e que produz riqueza, por isso, possibilita a sustentação deuma política de bem-estar, revela um lado da discussão sobre a política de saúde até os anos 90 não muito abordado noBrasil, que assumiu no âmbito da reforma sanitária um discurso crítico e contundente com relação ao empresariamento damedicina e o crescimento do setor privado, gerando uma verdadeira aversão, pelo menos num primeiro momento, àdiscussão econômica da saúde. Esse debate se constitui num contexto específico do Estado brasileiro, onde o setorprivado havia se expandido às custas do Estado e atuava no mercado sem qualquer forma de regulação específica, gerandogastos excessivos, construindo um modelo de saúde hospitalocêntrico e caro, reproduzindo fraudes e outros mecanismosde extorsão do dinheiro público. Sobre o período, ver Cordeiro (1980 e 1984) e a discussão que apresenta sobre aconformação do complexo médico-industrial que tinha como características: o rápido processo de assalariamento dosmédicos e demais profissionais; o crescimento exponencial de estabelecimentos privados de caráter lucrativo, emdetrimento do filantrópico e beneficente; a subordinação da prática médica aos processos de introdução de novas

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uma regulação efetiva sobre o mesmo e acabam fortalecendo ainda mais o poder dominante

da elite no complexo.

O movimento social na busca por seus próprios meios para garantir os direitos de

cidadania acaba por defender o direito de parcelas/grupos sociais e atua como um lobbie

corporativo que, de fato, não rompe com o padrão estabelecido e igualmente fortalece um

setor privado que desregulado usufrui das benesses desse sistema.

Os gestores de saúde presos numa trama de disputa de recursos e poder acirram a

competição entre as esferas de governo e reproduzem a política estabelecida, mantendo os

poderes locais e nacionais.

A democratização do processo decisório torna-se uma falácia porque representantes e

representados apenas fazem parte de uma rede de legitimação de um processo decisório que

não permite o diálogo.

Mas se esse jogo de interesses fosse mediado por um Estado Nacional com vistas a

conformação do que Gadelha (2003) denomina “complexo industrial de bem-estar”, com a

articulação dos interesses de saúde e os interesses empresariais, poderia se alcançar uma

alavanca potencial de inovação e desenvolvimento da economia nacional, pois, estaria se

associando um setor de forte mobilidade econômica com a construção sustentada da

política de saúde, gerando retorno político, social e institucional para o Estado. Essa é bem

mais do que uma proposição, é uma afirmação da necessidade de se compreender o setor

saúde como um setor econômico, que mobiliza poder e interesses diversos, atuando como

um filtro das relações sociais.

A defesa de uma política pública de saúde brasileira é a afirmação de um projeto

político de Estado, onde a saúde se insere como peça fundamental de sustentação e em

estreita aliança com a política econômica e demais políticas de Estado, numa afirmação do

projeto de proteção social tal como foi desenhado na Constituição Federal de 1988 e

idealizado por um grupo que apostava na democracia política e na capacidade do Estado

brasileiro de construção de um novo Estado.

tecnologias em equipamentos e medicamentos; e a constituição de uma ideologia empresarial liberal (anti-estatista) nosetor saúde.

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ANEXOS

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ANEXOS

ANEXO 1 - Poder Legislativo – Documentos aprovados (1990-2002)

ANO Leis Ordinárias Temas4 Lei 8080 – Sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da

saúde.Lei 8142 – Sobre a participação da comunidade e as transferências de recursosfinanceiros.Lei 8099 – Inclui competências do INSS na área do trabalho.Lei 8029 – Sobre a extinção e dissolução de entidades da adm.pública.

Medidas Provisórias Temas3 Regulam a mesma ação que será contemplada na lei 8099.

Decretos Temas42 31 créditos suplementares para MS e OSS

2 decretos - um convoca e outro adia a realização da IX CNS1 decreto sobre a organização e atribuição do Conselho Nacional de Saúde1 decreto vinculando o INAMPS ao MS7 decretos com temas ligados a atividades de saúde pública, cargos e empregos.

Resoluções do SF Temas

1990

2 Autoriza município a elevar dívida.Autoriza operação de crédito junto ao Banco Mundial.

ANO Leis Ordinárias Temas3 Lei 8370 – Sobre créditos especiais para o MS e SS

Lei 8246 – Autoriza instituir o serviço autônomo “Associação das PioneirasSociais”Lei 8212 – Sobre a organização da Seguridade Social.

Medidas Provisórias Temas1 Remuneração dos funcionários civis e militares.

Decretos Temas34 19 sobre créditos suplementares para MS e OSS

1 sobre a Associação Pioneiras Sociais que depois vira lei 82461 sobre o adiamento da Nona Conferência1 sobre competência do Ministro para homologar decisões do CNS1 sobre a saúde das populações indígenas1 institui a Fundação Nacional de Saúde1 sobre a estrutura regimental do Ministério da Saúde9 sobre assuntos diversos de projetos, orçamentos, cargos... (dentre eles:Projeto “ Minha Gente”).

Resoluções SF Temas

1991

1 Institui o Sistema Integrado de Saúde – SIS

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ANO Leis Ordinárias Temas4 3 leis sobre créditos suplementares em favor do Ministério da Saúde

Uma lei alterando artigo da Lei 8212 – Seguridade Social.Decretos Temas

35 29 sobre créditos suplementares3 sobre Quadro oficial na marinha1 decreto com a convocação da Nona Conferência de Saúde1 decreto alterando composição do CNS1 decreto revogando outro de ano anterior.

Resoluções SF Temas2 Autoriza elevar limite de endividamento no Sergipe

Modifica resolução anterior.Decreto Legislativo Lei Delegada – principais temas

1992

1 Aprova texto da OIT sobre a segurança e saúde dos trabalhadores e o meioambiente.

ANO Leis ordinárias Temas9 4 Leis sobre créditos suplementares em favor do MS, uma delas com recursos

de empréstimo FAT.3 Leis com alterações nas leis que regem a Seguridade Social1 Lei sobre multa de tributo lançadoLei 8689 – sobre a extinção do INAMPS e a instituição do SNA.

Medida Provisória Temas12 Versam sobre créditos suplementares, multa de tributo lançado, revogam

medidas provisórias anteriores.Uma MP atribui competência ao Ministro da Saúde para praticar atos adreferendum da junta deliberativa do FNS

Decretos Temas25 17 sobre créditos suplementares

1 declara estado de calamidade pública do setor hospitalar do SUS1 dispõe sobre a transferência de cargos de confiança dentro do MS1 reorganiza o FNS de acordo com as diretrizes da lei 8080 e 81425 com temas diversos sobre capitão-mar, funcionamento de cursos, indenizaçãopara assistência médico-hospitalar ao militar e outros.

Resolução SF Resoluções do Senado – principais temas

1993

1 Autoriza a retificação da resolução que autoriza elevar dívida no Sergipe.

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303

ANO Leis Ordinárias Temas6 3 Leis sobre créditos extraordinários em favor do MS

2 sobre a padronização, fiscalização e criação da Comissão Intersetorial deBebidas1 atribui competência ao Ministro da Saúde para praticar atos ad referendum dajunta deliberativa do FNS

Medidas Provisórias Temas12 7 sobre créditos extraordinários

3 sobre a iodação obrigatória do sal1 alterando dispositivos da lei sobre bebidas1 sobre atos ad referendum do Ministro

Decretos Temas18 1 altera composição do CNS

3 sobre a transferência de cargos de confiança3 sobre medidas para a racionalização dos gastos em saúde1 sobre o Sistema Nacional de Auditoria1 declara estado de calamidade do setor de assistência à saúde1 institui o Programa Nacional de Descentralização do Governo Federal8 com temas afins, sobre créditos suplementares, sobre as ações de proteçãoambiental, saúde e apoio as atividades para as comunidades indígenas

Resoluções SF Temas

1994

3 Autoriza créditos externos para o financiamento parcial do projeto açõesbásicas de saúde no Ceará (2).Autoriza crédito junto ao BIRD para financiamento do Projeto de Controle deDST/AIDS.

ANO Leis Ordinárias Temas7 2 leis sobre créditos suplementares em favor do MS

Lei 9005 sobre a obrigação da iodação do salLei 9055 disciplinando uso do asbeto/amiantoLei 9010 sobre terminologia oficial da hanseníaseDuas leis diversas - conversão de prédio em memorial, veda destinação derecursos públicos as instituições que especifica

Medidas Provisórias Temas14 12 alterações de leis diversas

2 sobre a iodação do salDecretos Temas

31 23 sobre créditos suplementares1 convoca Décima Conferência1 regulamenta Sistema Nacional de Auditoria1 autoriza médicos sem fronteiras no BrasilOutras sobre composição do CNS, proteção ambiental e outras

Decreto Legislativo Temas

1995

1 Aprova texto sobre cooperação e intercâmbio de tecnologia de saúde – Brasil -Paraguai.

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ANO Leis Ordinárias Temas9 3 Leis sobre créditos

Lei 9313 - sobre a distribuição gratuita de medicamentos de AIDSLei 9311 - institui a CPMFLei 9263 - sobre o Planejamento FamiliarLei 9273 - sobre dispositivo de segurança para o impedir a reutilização deseringasLei 9256 - sobre as locações dos imóveis urbanosLei 9292 – sobre as restrições ao uso e a propaganda de produtos fumígeros,bebidas alcóolicas, medicamentos, Terapias e defensivos agrícolas.

Medidas Provisórias Temas16 Todas com alterações nas leis 8.019 ou 8.212/8.213 (legislação do FAT,

Seguridade Social e Planos de benefícios da Previdência Social)Decretos Temas

34 23 sobre créditos1 altera período de realização da Décima Conferência1 dispõe sobre a organização e atribuições do CNS1 Cria Comissão Executiva Nacional e Consultiva de Avaliação eAcompanhamento do Plano Diretor de Erradicação do Aedes.8 diversos – associação beneficente, indenização para militar, declara utilidadepública.

Resoluções SF Temas

1996

2 Autoriza crédito externo junto ao BIRD para o projeto REFORSUSAutoriza ao gov.Espírito Santo a contratar operação de crédito

ANO Leis Ordinárias Temas9 3 sobre créditos

1 altera legislação tributária federal1 Altera dispositivos das leis 8.212 e 8.2131 dispõe sobre a jornada de trabalho médicoLei 9434 – dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humanoLei 9431 – dispõe sobre o Programa de controle de infecções hospitalares

Medidas Provisórias Temas41 As MPV são relativas a organização da Presidência e Ministérios, sobre a

criação do Programa Nacional de Publicização, alterando as leis 8.212 e 8.213,sobre o parcelamento de dívidas oriundas de contribuições sociais

Decretos Temas29 18 sobre créditos suplementares

1 altera estrutura regimental do Ministério da Saúde3 regulamentações de leis – sobre bebidas, sobre asbeto, sobre remoção deórgãos, tecidos e partes do corpo humano7 diversos

Resoluções SF Temas2 Autoriza crédito externo junto ao BIRD para o projeto REFORSUS

Autoriza financiamento com empresa estrangeira destinado as organizaçõesmilitares de saúde

Decretos Legislativo Temas

1997

1 Aprova texto de cooperação em matéria de quarentena e saúde animal

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ANO Leis Ordinárias Temas9 3 Leis sobre código penal, crime hediondo, crime contra a saúde pública

1 Lei alterando dispositivos das leis 8212 e 82131 sobre crédito suplementarLei 9656 – sobre os Planos e Seguros Privados de Assistência à Saúde1 sobre a organização da Presidência e dos MinistériosLei 9602 sobre legislação de trânsitoLei 9637 sobre a qualificação de entidades como organizações sociais, a criaçãodo Programa Nacional de Publicização

Medidas Provisórias Temas27 MPV 1.791 – define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, cria a Agência

Nacional de Vigilância Sanitária8 medidas alterando dispositivos da lei de planos e seguros privadosAs demais medidas tratam da qualificação de entidades como organizaçõessociais, sobre a organização da Presidência e dos Ministérios, sobre a lei deremoção de órgãos

Decretos Temas22 14 sobre créditos suplementares

8 sobre dotações orçamentárias, vagas no corpo da marinha, convenção da OIT,Abrasco como utilidade pública e estrutura regimental do MS (Datasus no SUSe não mais na FNS)

Resoluções SF Temas

1998

2 Autoriza crédito externo junto ao BIRD para financiamento parcial doVIGISUSAutoriza crédito para financiamento parcial o projeto de controle da AIDS –AIDS II

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306

ANO Leis Ordinárias Temas9 3 leis sobre créditos suplementares

Lei 9836 – acrescenta a lei 8080 o subsistema de atenção à saúde indígenaLei 9832 – proíbe o uso industrial de embalagens metálicas soldadas com ligade chumbo e estanho...Lei 9797 – sobre a obrigatoriedade da cirurgia plástica reparadora da mama noscasos de mutilação do tratamento de câncerLei 9790 – sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privadoLei 9782 – define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária e cria a AgênciaNacional de Vigilância SanitáriaLei 9787 – sobre a vigilância sanitária estabelecendo o medicamento genérico

Medidas Provisórias Temas55 As MPV tratam de alterações no dispositivo da lei sobre planos e seguros de

saúde, sobre o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, sobre a aquisição deprodutos para a implementação de ações de saúde no âmbito do MS, sobre a leide remoção de órgãos e outros.

Decretos Temas24 2 Decreto modifica fontes de recursos aprovada na Lei Orçamentária de 99

1 fixa diretrizes para o exercício de Agente Comunitário de SaúdeDEC 3156 – sobre as condições para a prestação de assistência à saúde dospovos indígenasDEC 3029 – aprova regulamento da Agência Nacional de Vigilância SanitáriaDEC 3181 – regulamenta medicamentos genéricos

Resoluções SF Temas

1999

1 Autoriza crédito externo junto ao BIRD

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307

ANO Leis Ordinárias Temas12 8 leis sobre créditos suplementares

1 lei sobre prestação voluntária de serviçosLei 9965 – restringe a venda de esteróidesLei 9961 – cria a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANSLei 10.167 – altera lei que dispõe sobre restrições ao uso e propaganda deprodutos fumígeros, bebidas alcóolicas...

Medidas Provisórias Temas58 As MPV tratam de alterações no dispositivo da lei sobre planos e seguros de

saúde, sobre o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, sobre a aquisição deprodutos para a implementação de ações de saúde no âmbito do MS, sobre a leide remoção de órgãos e outros.

Decretos Temas15 Dois decretos convocam a XI CNS

Cria grupo de trabalho com a finalidade de propor Programa deDesenvolvimento Científico e Tecnológico para o setor saúde e o respectivomodelo de financiamentoAprova o regulamento da ANSSobre medidas especiais relacionadas com o registro de medicamentosgenéricos

Resoluções SF Temas1 Aprova texto do acordo de cooperação Brasil-Rússia para a proteção da saúde

animalEmendas Temas

2000

1 Altera artigos da CF e assegura os recursos mínimos para o financiamento dasações e serviços públicos de saúde

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ANO Leis Ordinárias Temas18 Sete leis sobre créditos

Lei 10332 institui mecanismo de financiamento para o Programa de C&T –dentre eles Biotecnologia e GenomaLei 10289 institui o Programa Nacional do Controle do Câncer de PróstataLei 10273 dispõe sobre o uso do bromato de potássioLei 10273 dispõe sobre a inserção nas fitas de vídeo mensagem p/sexo seguroLei 10223 sobre a obrigatoriedade da cirurgia plástica reparadora de mama porplanosLei 10216 redireciona o modelo assistencial em saúde mentalLei 10211 altera lei de órgãosLei 10205 regulamenta artigo da CF relativo a coleta, processamento,estocagem e distribuição do sangueLei 10191 sobre aquisição de produtos para a implementação de ações de saúdeLei 10185 sobre a especialização das sociedades seguradoras em planosprivados

Medidas Provisórias Temas24 Relativas ao Programa “Bolsa-alimentação”, sobre os planos privados de saúde,

sobre a ANVS, sobre a remoção de órgãos e tecidos e sobre a aquisição deprodutos para a implementação de ações de saúde.

Decretos Temas23 13 sobre créditos

Nova organização do CONSUSobre coleta, processamento ... sangueOrganização dos empregos públicosSobre o Fundo Nacional de SaúdeAprova Regulamento do Programa Bolsa-AlimentaçãoRemanejamento de funções comissionadasRotulagem de alimentos geneticamente modificadosAprova estrutura regimentalInstitui o Programa de Interiorização do Trabalho em Saúde

Decretos Legislativo Temas2 Emendas a constituição da Organização Mundial de Saúde

Autoriza serviço de radiodifusão comunitária no RNEmendas Temas

2001

1 Emenda 34 com nova redação para a alínea C do inciso XVI do artigo 37 da CF

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ANO Leis Ordinárias Temas15 Seis sobre crédito

Lei 10519 sobre a fiscalização da defesa sanitária animalLei 10516 institui a carteira nacional de saúde da mulherLei 10507 cria a profissão do agente comunitário de saúdeLei 10465 “Dia Nacional da Saúde Bucal”Lei 10456 “Dia Nacional de combate ao Glaucoma”Lei 10449 sobre a comercialização de preservativos masculinosLei 10439 “Dia Nacional de prevenção e combate a Hipertensão arterial”Lei 10424 regulamenta a assistência domiciliar no SUSLei 10409 prevenção, tratamento ... de produtos, substâncias ou drogas ilícitas

Medidas Provisórias Temas3 Sobre concessão de aposentadoria especial ao cooperado

Sobre a criação da carreira de supervisão do sistema de saúdeSobre os Sistemas Nacionais de Epidemiologia, de Saúde Ambiental e de saúdeindígena. Cria a Agência Federal de Prevenção e controle de doenças.

Decretos Temas18 Oito sobre crédito

Critérios para definição de hospitais estratégicos no âmbito do SUSCria Comissão Nacional de Bioética em SaúdeSobre remanejamento de funções comissionadas para o MS e FUNASACooperação técnica nas áreas de veterinária e saúde pública animalCertificado para entidade beneficenteAprova estrutura regimental do MSInstitui mecanismo de financiamento para o programa de biotecnologia erecursos genéticos e para o programa de fomento a pesquisa em saúdeNova redação ao regulamento que dispõe sobre a padronização de bebidas

Resoluções SF Temas3 Crédito externo para financiamento de equipamentos do Projeto hemodiálise no

âmbito do REFORSUSDecretos Legislativo Temas

2002

2 Aprova associação comunitária e autoriza radiodifusão comunitáriaDecreto Legislativo

do CongressoTemas

1 Autoriza recursos para aquisição de equipamentos e instalações para unidades

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ANEXO 2 - Poder Executivo – Portarias selecionadas (1990-2002)

ANO Portarias selecionadas1990 Sarney - Seigo Tsuzuki – Edmur Pastorello – Jader Barbalho

GM 124 de 09/03/90 – dispõe sobre a imediata transferência de recursos para estados via INAMPS.GM 125 de 09/03/1990 – dispõe sobre a extinção dos escritórios regionais do INAMPS.

Collor – Alceni Guerra – Ricardo AkelGM 259 de 20/03/1990 – Restaura portaria de 1988 do extinto MPAS mantendo coordenadorias técnicas até aefetiva implantação do SUS.GM 489 de 09/04/1990 – “dispõe sobre a administração do INAMPS, até que sua estrutura seja adequada àimplantação completa do SUS” , cabendo ao Secretário Nacional da Assistência à Saúde a presidência doINAMPS.GM 719 de 28/05/1990 – resolve que “o acesso dos usuários aos serviços de promoção, proteção erecuperação de saúde, públicos ou privados, integrantes do SUS, independe de apresentação de documentaçãoespecial”GM 731 de 29/05/1990 – “obriga as empresas produtoras de cigarro e semelhantes, a inserir nas embalagensadvertência sobre os riscos do seu consumo à saúde, recomenda a sua restrição, estabelece normas à suavenda e revoga a portaria 490/88”GM 780 de 19/06/1990 – Institui o Programa Nacional de incentivo ao aleitamento maternoGM 896 de 01/07/1990 – incumbe o INAMPS de implantar o SIH/SUS e SIA/SUS.GM 1007 de 26/07/1990 – institui o Programa de desregulamentação no âmbito do MSINAMPS Resolução 227 de 27/07/1990 – regulamenta a implantação do SIH-SUS.INAMPS Resolução 228 de 01/08/1990 – regulamenta a implantação do Sistema de Informação AmbulatorialSIA/SUS.GM 1050 de 09/10/1990 – estabelece medidas advertindo os malefícios do fumo à saúde, dispõe sobrepublicidade, proíbe ou extingue o seu consumo.GM 1437 de 16/12/1990 – Cria Programa Nacional de Controle da CárieSNAS 12 de 17/12/1990 – determina regras para repasse de recursos ambulatoriais até a implantação doSIA/SUS.GM 1481 de 31/12/1990 – “enquanto não for regulamentada a aplicação dos critérios previstos no Art.35 daLei 8080 de 19 de setembro de 1990, será utilizado exclusivamente o critério populacional ficando oINAMPS, incumbido de implantar a nova política de financiamento do SUS para 1991, dentro dos recursosfinanceiros alocados ao seu orçamento para aplicação nos serviços de saúde”.

ANO Portarias selecionadas1991 GM 12 de 08/01/1991 – incumbe a SNAS a coordenação de todos os planos, projetos, programas e ações de

assistência à saúde, desenvolvidas pelas seguintes entidades integrantes do MS: INAMPS, FPS, INAN,CEMEINAMPS Resolução 258 de 07/01/1991 – aprova Norma Operacional Básica 01/91 – que trata da novapolítica de financiamento do SUS para 1991.SNAS 15 de 08/01/1991 – Define ascensão automática do IVH dos hospitais integrantes do SIH-SUS epróprios do INAMPS e MS para nivelar valores e extinguir os índices a partir de setembro de 91, quandopassarão a constituir a nova tabela única e universal do SIH-SUS.SNAS 16 de 08/01/1991 – extingue tabela de remuneração que regulamentem qualquer tipo de pagamentohospitalar e implanta SIH/SUS com tabela única de remuneração pela assistência à saúde em nível hospitalar.SNAS 17 de 08/01/1991 – extingue tabela de remuneração que regulamentem qualquer tipo de pagamentoambulatorial e implanta o SIA/SUS.SNAS 18 de 08/01/1991 – implanta como parte do Sistema de Informações de Órteses, Próteses e Materiaisespeciais do SUS, tabela única de produtos e preços para utilização desses materiais em clientela do SUS, anível hospitalar, de forma universal, independente de natureza jurídica e do tipo de vínculo que mantenham

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com o SUS.SNAS 19 de 08/01/1991 – define a quantidade de AIH a ser distribuída mensalmente para cada estado daFederação.SNAS 20 de 08/01/1991 – estabelece critérios para aplicação da UCA nas transferências de recursos SUS aosestados, DF e municípios.GM 712 de 04/06/1991 – institui Sistema de Planejamento e Programação no âmbito do MS.GM 895 de 20/06/1991 – Institui Dia Nacional do DiabetesSNAS 81 de 05/07/1991 – oficializa a implantação dos Sistemas Integrados de Procedimentos de AltaComplexidade.GM 1180 de 22/07/1991 – cria Comissão Técnica com o objetivo de discutir e elaborar propostas para aimplantação e operacionalização do SUS, incluindo as questões de gerenciamento e financiamento do SUSGM 2290 de 13/12/1991 – institui procedimentos e mecanismos para regulamentar a sistemática deplanejamento para o SUS.GM 2291 de 13/12/1991 – institui Sistema Setorial de Planejamento e Programação.

ANO Portarias selecionadas1992 SNAS 234 de 07/02/1992 – Reedição da NOB

GM 187 de 27/02/1992 – Regimento Interno do CNSGM 869 de 12/08/1992 – Portaria Interministerial (Trabalho e Saúde) – proíbe exigência de teste HIV nosexames periódicos.GM 1992 – Institui Programa de Controle e eliminação da Hanseníase

ANO Portarias selecionadas1993 GM 279 de 12/03/1993 – Constitui Grupo Especial para a Descentralização – GED.

GM 545 de 20/05/1993 – estabelece normas e procedimentos do processo de descentralização da gestão dasações e serviços de saúde, através da Norma Operacional Básica – SUS 01/93.GM 527 de 11/05/1993 – Comissão Nacional de Controle da Infecção Hospitalar.GM 579 de 31/05/1993 – Grupo Executivo da Reforma Administrativa do Ministério da Saúde – GERAS.GM 588 de 01/06/1993 – Aprova Regimento do Comitê Diretivo de Pesquisa – Projeto de ControleDST/AIDS.GM 622 de 04/06/1993 – Estabelece critérios para participação no Projeto de controle DST/AIDSGM 799 de 20/07/1993 – institui a linha de atuação “Atendimento aos desnutridos e às gestantes de risconutricional” integrante do Plano de Combate à fome e à miséria.GM 1.011 de 20/08/1993 – subordina ao Secretário de Assistência à Saúde, o Projeto AIDS e Controle dasDoenças Sexualmente Transmissíveis.GM 1131 de 20/09/1993 – Estabelece Comissão Executiva para Plano Emergencial de Ação para o setorsaúdeInstrução Normativa n.1 de 23/09/1993 – disciplina os fluxos e conteúdos dos processos de habilitação demunicípios e estados às novas condições previstas na NOB SUS 01/93.GM 1286 de 26/10/1993 – Dispõe sobre a explicitação de cláusulas necessárias nos contratos de prestação deserviços entre o Estado, o DF e o município e pessoas naturais e pessoas jurídicas de direito privado de finslucrativos, sem fins lucrativos ou filantrópicos participantes, complementarmente do SUSGM 1302 de 27/10/1993 – Cria Comissão Nacional de Vigilância Sanitária

ANO Portarias selecionadas1994 GM 203 de 26/01/1994 – estabelece minuta padrão de convênios a serem celebrados com estados e

municípios com vistas à habilitação à gestão descentralizada das ações e serviços de saúde.SE 7 de 03/02/1994 – Composição da Comissão que tem como finalidade propor regulamentação dos Planosde SaúdeGM 441 de 17/02/1994 – Cria Comissão Nacional de Vigilância Sanitária.GM 663 de 22/03/1994 – Declara Mortalidade Materna como um dos problemas prioritários de saúde públicae pede solução.

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GM 692 de 25/03/1994 – Cria códigos e estabelece condições de cobrança para o Programa Saúde da Famíliae do Programa de Agentes Comunitários de Saúde.GM 773 de 07/04/1994 – Cria Comissão Nacional de Mortalidade Materna.GM 891 de 03/05/1994 – Institui Dia Nacional de Luta contra doenças reumáticasGM 892 de 03/05/1994 – sobre a transferência de recursos previstos na NOB 93 – FAE e FAM.GM 944 de 12/05/1994 – estabelece normas gerais sobre a participação preferencial de entidades filantrópicase entidades sem fins lucrativos o SUS e define o regime de parcerias entre o Poder Público e essas entidades.PT 78 (SAS) de 13/05/1994 – estabelece que as Comissões bipartite formulem documentação sobreatribuições.PT 118 (SAS) de 14/07/1994 – Define requisitos para a aprovação dos programas regionalizadosdesenvolvidos em sistema de associativismos, para efeito de habilitação ao valor adicional do FAM, nostermos da portaria 892 de 03/05/94.GM 1377 de 26/07/1994 Resolve ampliar o PISUS (Programa de Interiorização do SUS) para os municípiosda região NE, em todos os seus estados.PT 130 (SAS) de 03/08/1994 – estabelece diretrizes e normas para implantação de tratamento em hospital-diaao paciente com doença/aids.GM 1553 de 24/08/1994 – Condiciona as transferências de recursos financeiros para investimentos destinadosà recuperação e expansão da rede assistencial do SUS à previsão expressa do investimento no Plano de SaúdeEstadual ou Municipal.GM 1565 de 26/08/1994 – Define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária e sua abrangência, esclarece acompetência das três esferas de governo e estabelece as bases para a descentralização da execução de serviçose ações de vigilância em saúde no âmbito do SUS.GM 1694 de 23/09/1994 – Dia Nacional do Mal de AlzheimerGM 1695 de 23/09/1994 – Estabelece normas gerais sobre a participação preferencial de entidadesfilantrópicas e entidades sem fins lucrativos no SUS e define o regime de parceria entre o Poder Público eessas entidades.GM 1720 de 04/10/1994 – Adesão do Brasil ao Dia Mundial da Saúde MentalGM 1827 de 31/10/1994 – Determina que a SAS defina os tetos financeiros de cada estado relativos aocusteio das atividades ambulatoriais e hospitalares e elabore as normas complementares para a aplicação destaportaria.GM 1834 de 31/10/1994 – Rescinde os convênios de municipalização da NOB 01/91 e 01/92, revoga PT 203de 26/01/1994.PT/SAS 199 de 03/11/1994 – Regulamenta transferência de recursos a partir das condições de gestão da NOBGM 1851 de 07/11/1994 – Plano de Assistência Pré-escolarGM 1884 de 11/11/1994 – Normas destinadas ao exame e aprovação dos Projetos Físicos de estabelecimentosassistenciais em saúde.01/93.GM 2160 de 29/12/1994 – Institui o Programa Nacional de Controle das Deficiências de Vitamina A.

ANO Portarias selecionadas1995 GM 2165 de 29/12/1994 – Substitui o título do Programa de Controle do Bócio Endêmico para Programa

Nacional de Controle dos Distúrbios por Deficiência de Iodo.GM 2169 de 29/12/1994 – Obriga empresas tabageiras a inserir na duas faces maiores da embalagem dosprodutos de tabaco ... advertências com mensagens rotativas, falando claramente sobre os diversos malefíciosdecorrentes do seu uso. (Santilo)GM 79 de 30/01/1995 – Delega competência ao Escritório de Representação do MS no Estado do RJ, emcaráter excepcional, para recuperar capacidade assistencial das unidades ambulatoriais e hospitalares daSAS/MS e do ex-INAMPS, visando agilizar processo de municipalização e plena implantação do SUS no RJ(Jatene).GM 175 de 15/02/1995 – Cria Comissão Intraministerial composta pelas diversas áreas do MS que tem sobsua responsabilidade a implementação da política de saúde, com o objetivo de formular a proposta do MSpara subsidiar o grupo de trabalho intersetorial.PT/SAS 10 de 21/02/1995 – Estabelece que a operação do programa de validação e consolidação das AIH´spassa a ser responsabilidade exclusiva dos órgãos gestores estaduais do SUS ou município em gestão semi-plena. (Dadá).PT/SAS 15 de 02/03/1995 – Os tetos financeiros de cada estado para o quadrimestre março-junho de 1995

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serão estabelecidos bimestralmente, a partir de estudos técnicos efetivados no âmbito da CIT, e comunicadosadministrativamente pela SAS ás SES e CIB´s.PT/SAS 21 de 21/03/1995 – Orienta e organiza o acesso a distribuição dos medicamentos para aids.GM 1107 de 14/06/1995 – Cria Programa de Garantia e Aprimoramento da Qualidade em SaúdePT/SAS 52 de 22/06/1995 – Implanta o Programa de Gestão financeira de AIH.GM 1692 de 14/09/1995 – Institui o IVH-E (Índice de Valorização dos hospitais de emergência)GM 2543 de 14/12/1995 – Institui no âmbito da Secretaria de Vigilância Sanitária, o Grupo AssessorTécnico-Científico, com o objetivo de contribuir para a normatização dos serviços, bem como para oestabelecimento de padrões de qualidade e substâncias e produtos nas medicinas não convencionais.

ANO Portarias selecionadas1996 GM 942 de 09/05/1996 – Constitui no âmbito da SAS a Unidade de Gerência do Projeto “ REFORSUS”

GM 1298 de 27/06/1996 – Institui o Plano de Erradicação do Aedes AegyptiGM 1299 de 27/06/1996 – Propõe regulações do Programa Nacional de Controle dos Distúrbios pordeficiência do iodo.GM 1301 de 27/06/1996 – Grupo de normatização para elaboração de normas técnicas para o funcionamentodos serviços de endoscopia.GM 1742 de 30/08/1996 – Aprova preliminarmente o texto da NOB do SUS, na forma deliberada peloConselho Nacional de Saúde, a qual constitui instrumento imprescindível à viabilização da atenção integral àsaúde da população.GM 1840 de 13/09/1996 – Cria o Programa Nacional de Controle de Qualidade Externo em Sorologia paraUnidades Hemoterápicas – PNCQES - , ao qual estão sujeitos todos os serviços de hemoterapia, públicos eprivados, em todo território nacional.GM 2009 de 04/10/1996 – Complementa os termos da Portaria 1376 de 19/11/1993, que aprova normastécnicas para coleta, processamento e transfusão de sangue, componentes e derivados.GM 2042 de 11/10/1996 – Estabelece o Regulamento técnico para o funcionamento dos serviços de terapiarenal substitutiva e as normas para cadastramento desses estabelecimentos junto ao SUS.GM 2043 de 11/10/1996 – Determina a implantação da Autorização de procedimentos ambulatoriais de altacomplexidade/custo – APAC, instrumento específico para autorização, cobrança e informações gerenciais dosprocedimentos de alta complexidade/custo e do fornecimento de medicamentos excepcionais, realizados pelasunidades prestadoras de serviços cadastradas no SIA/SUS.GM 2179 e GM 2183 de 01/11/1996 – Extingue a Coordenação de Materno-Infantil e Cria a Coordenação daSaúde da Mulher e Saúde da Criança e do Adolescente.GM 2203 de 05/11/1996 – Aprova a NOB 01/96, a qual redefine o modelo de gestão do SUS, constituindo,por conseguinte, instrumento imprescindível à viabilização da atenção integral à saúde da população e aodisciplinamento das relações entre as três esferas de gestão do sistema.GM 2419 de 17/12/1996 – Cria o Programa Nacional de Controle da Qualidade dos MedicamentosHemoderivados de uso humano (PNCQMH).GM 2335 e GM 2390 de 4/12 e 11/12/1996 – Institui a Rede Integrada de Informação para a Saúde (RIPSA).

ANO Portarias selecionadas1997 GM 128 de 21/02/1997 – Subordina a Assessoria Técnica do GM à Coordenação Geral de Planejamento da

Subsecretaria de Planejamento e Orçamento.GM 391 de 04/04/1997 – Dia Nacional do DiabetesPT/SAS 57 de 22/04/1997 – Delega às SES e SMS, dependendo das competências e prerrogativascompatíveis com o nível de gestão, o credenciamento das unidades hospitalares para realização deprocedimentos de videolaparoscopia.GM 557 de 25/04/1997 – Institui o Conselho de Gestão das Unidades Federais Próprias na cidade do RJ.GM 598 de 02/05/1997 – Torna obrigatório, no âmbito da Administração Direta e das entidades vinculadas esupervisionadas do MS, a auditoria prévia em todos os processos de tomadas de preços e concorrênciaspúblicas, antes de sua homologação.IN nº1 de 15/05/1997 – Regulamenta os conteúdos, instrumentos e fluxos do processo de habilitação dosmunicípios, de estados e do DF às novas condições de gestão criadas pela NOB SUS 01/96.

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GM 721 de 23/05/1997 – Subordina a Assessoria Técnica Gerencial do Gabinete do Ministro à SPS eAvaliação.GM 741 de 23/05/1997 – Atribui a Secretaria de Projetos Especiais de Saúde – SPES algumas competências.GM 750 de 06/06/1997 – Subordina a Coordenação Geral de Desenvolvimento Científico e Tecnológico daSecretaria de Vigilância Sanitária à SPS e de Avaliação.GM 817 de 12/06/1997 – Aprova Plano de Trabalho referente à participação do MS no desenvolvimento decampanhas comunitárias educativas, relacionadas ao Programa Brasil em Ação, através do Ministério doPlanejamento e Orçamento.GM 822 de 25/06/1997 – Ficam subordinadas à SE a Unidade de gerência do Projeto REFORSUS e agerência geral do Projeto Nordeste.GM 862 de 03/07/1997 – Cria a Comissão Gestora de Recursos – COGER, com a finalidade de deliberarsobre a prioridade de investimentos e alocação eficiente de recursos.GM 874 de 03/07/1997 – Publica Guia de Condutas Terapêuticas em HIV/DST, para orientar uso demedicamentos.GM 875 de 03/07/1997 – Cria Comitê Estratégico de Reestruturação e Qualidade do MS – CEREQ, com oobjetivo de proceder a reestruturação estratégica e melhoria da gestão dos órgãos e entidades do MS.GM 983 de 17/07/1997 – Atribui competências à SPS e de avaliação.PT/SAS 97 de 30/07/1997 – Concede prioridade para Órteses e Próteses às pessoas portadoras de talidomida.GM 1047 de 01/08/1997 – Resolve que as ações de educação em saúde realizadas no âmbito do MS passam aser coordenadas pelo Comitê de Educação em Saúde.GM 1180 de 19/08/1997 – Aprova a Parte I da Segunda edição da Farmacopéia Homeopática Brasileira, queentra em vigor e passa a ser obrigatória em todo território nacional.PT/SAS 113 de 04/09/1997 – Regula as relações entre o SUS e os serviços privados contratados deassistência à saúde, resolvendo classificar duas categorias de internamento – eletivo e deurgência/emergência. O internamento eletivo só poderá ser efetuado mediante apresentação de laudopreviamente autorizado e/ou AIH.GM 1245 de 03/09/1997 – Dia Nacional de Luta do Paciente ReumáticoGM 1094 de 05/09/1997 – Estabelece um conjunto de atividades sob a denominação de “Saúde na Escola”com o objetivo de tornar acessíveis aos educadores os conhecimentos básicos na área de saúde, nutrição ...GM 1660 de 06/11/1997 – Institui o Programa de Farmácia BásicaGM 1661 de 07/11/1997 – Dia Nacional de Prevenção e combate à surdezPT/SAS 144 de 20/11/1997 – Inclui no grupo de procedimentos laqueadura tubária/inclui ficha de notificaçãocompulsória.

ANO Portarias selecionadas1998 GM 59 de 16/01/1998 – Define mecanismos para o repasse dos recursos que compõem as partes fixa e

variáveis do PAB para municípios e estadosGM 2090 de 02/1998 – Altera dispositivo que fixa o valor per capita nacional para cálculo da parte fixa doPABGM 2091 de 02/1998 – Altera dispositivo que estabelece o PAB e sua composiçãoGM 2096 de 02/1998 – Altera dispositivo que estabelece o montante de recursos do Teto Financeiro daAssistênciaGM 2100 de 02/1998 – Publica procedimentos e valores do PACS e PSF constantes da tabela do SIA/SUSGM 2101 de 02/1998 – Estabelece as metas físicas e financeiras dos estados referentes ao incentivo ao PACSe PSFGM 2109 de 02/1998 – Estabelece normas para credenciamento das Centrais de Notificações, Captação eDistribuição de Órgãos e autorização para estabelecimentosGM 2121 de 03/1998 – Define recursos federais destinados no ano de 1998, por estado e DF, à atençãobásica, ass.ambulatorial de média e alta complexidade e ass.hospitalar.GM 2203 de 03/1998 – Reedição da Norma Operacional Básica NOB-SUS 01/96GM 2283 de 03/1998 – Estabelece critérios e requisitos para a qualificação dos municípios ao incentivo àsações básicas de vigilância sanitáriaGM 2432 de 03/1998 – Fica instituído sob a coordenação da Secretaria Executiva o Programa deModernização Gerencial e Reequipamento da Rede HospitalarPT/SAS 35 de 03/1998 – Define valores praticados diferencialmente pelas SES/MS habilitadas de acordo

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com a NOB 01/96 para remuneração dos procedimentos de atenção básica da Tabela de Procedimentos doSAI/SUSGM 2816 de 05/1998 – Determina que no Programa de Digitação de Autorizações de Internação Hospitalarseja implantada crítica visando o pagamento do percentual máximo de cesáreasGM 2832 de 06/1998 – Cria Grupo Executivo de Ação Estratégica na Área HospitalarGM 2892 de 06/1998 – Dispõe sobre a gestão dos Hospitais Universitários no SUSGM 2923 de 06/1998 – Institui o Programa de Apoio à implantação dos Sistemas Estaduais de ReferênciaHospitalar para atendimento de Urgência e EmergênciaGM 2971 de 06/1998 – Redefine os tetos financeiros com recursos federais para a assistência à saúde e para aoperacionalização da descentralização das Unidades assistenciais da FUNASA e do MSGM 3016 de 06/1998 – Institui o Programa de Apoio à implantação dos Sistemas Estaduais de ReferênciaHospitalar para atendimento da Gestante de Alto RiscoGM 3040 de 06/1998 – Institui o Programa Nacional de Combate ao Câncer de Colo Uterino.PT/SAS 82 de 07/1998 – Estabelece a obrigatoriedade com relação aos dados de alimentação do SIAB, para atransferência de recursos do PAB e requisito para a liberação do pagamento dos incentivos ao PACS e ao PSFGM 3408 de 08/1998 – Dispõe sobre o Programa Nacional de Avaliação dos Serviços HospitalaresGM 3409 de 08/1998 – Institui a Câmara Nacional de Compensação de Procedimentos Hospitalares de AltaComplexidade, para tratamento de pacientes que requerem assistência de serviços cadastrados no SUS paraalta complexidade não ofertados em seus municípios de residência.GM 3693 de 09/1998 – Institui o Sistema de Fiscalização das Operadoras de Planos e Seguros Privados deAssistência à Saúde ...GM 3845 eGM 3926 – Extinção das gerências estaduais do MSGM 3901 – Estabelece novas metas físicas e financeiras para os estados e o DF – PACS e PSFGM 3906 – Altera os valores anuais da parte fixa do PABGM 3916 – Aprova a Política Nacional de MedicamentosGM 3947 – RIPSA aprova atributos comuns a serem adotados obrigatoriamente, por todos os sistemas e basede dados do MS.

ANO Portarias selecionadas1999 GM 91 de 01/1999 – Estabelece rotinas complementares ao processo de habilitação dos municípios à gestão

plena do sistema municipal e define estratégia permanente de avaliação das gestões estaduais eacompanhamento das Comissões Intergestores Bipartite – CIB.GM 144 de 02/1999 – Dia Nacional de Combate a ObesidadePT/SAS 48 de 02/1999 – Inclui procedimentos da Tabela do SIH/SUS – laqueaduraPT/SAS 55 de 02/1999 – Dispõe sobre a rotina do tratamento fora de domicílio no SUS, com inclusão deprocedimentos específicos na tabelaPT/SAS 61 de 03/1999 – Estabelece que os efeitos financeiros da qualificação de municípios aos incentivosdos Programas de SF e ACS passem a vigorar a partir da competência seguinte ao mês de entrada daDeclaração de Incentivo no MSPT/SAS 81 de 03/1999 – Designa o Comitê Técnico de análise e aprovação dos Projetos de Pólos deCapacitação, Formação e Educação Permanente para pessoal de Saúde da Família.PT/SAS 85 de 03/1999 – Estabelece a obrigatoriedade do preenchimento do módulo informações sobreprocedimentos de esterilizaçãoGM 176 de 03/1999 – Estabelece critérios e requisitos para a qualificação dos municípios e estados aoincentivo à assistência farmacêutica básica e define valores a serem transferidos.GM 254 e 03/1999 – Determina que os gestores do SUS, estaduais e do DF, elaborem programação anual demedicamentos excepcionaisGM 279 de 04/1999 – Institui Campanha Nacional de Mutirões de Cirurgias EletivasGM 280 de 04/1999 – Torna obrigatório nos hospitais públicos, contratados ou conveniados com o SUS, aviabilização de meios que permitam a presença do acompanhante de pacientes maiores de 60 anos.GM 479 de 04/1999 – Cria mecanismos para a implantação dos Sistemas Estaduais de Referência Hospitalarem Atendimento de Urgências e EmergênciasGM 531 de 04/1999 – Define os recursos federais destinados ao financiamento das ações e serviços de saúde,que compõem o Teto Financeiro da Assistência à Saúde dos estados e do DF, integrado por recursos para

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Atenção Básica e para Assistência Ambulatorial, de média e alta complexidade e hospitalar.GM 662 de 05/1999 – Institui Comissão Técnica no âmbito deste Ministério com o objetivo de orientar aexecução do Projeto de Reestruturação e Modernização Gerencial dos Hospitais Filantrópicos vinculados aoSUSGM 710 de 06/1999 – Política Nacional de alimentação e nutriçãoGM 716 de 06/1999 – Plano Nacional de Promoção da Alimentação adequadaGM 776 de 06/1999 – Dia Nacional de Combate a AsmaGM 832 de 06/1999 – Regulamenta processo de acompanhamento aos maiores de 60 anos.GM 1077 de 08/1999 – Cria o Programa para aquisição dos medicamentos essenciais para a área de saúdemental.GM 1073 de 08/1999 – PDVGM 1128 de 08/1999 – Determina que os valores da parte fixa do PAB, do incentivo para ações básicas devigilância sanitária e do incentivo de assistência farmacêutica básica, serão atualizados considerando odisposto na Resolução do IBGEGM 1149 de 08/1999 – Fiscalização de Planos e seguros de saúdeGM 1163 de 08/1999 – Saúde do ÍndioGM 1329 de 11/1999 – Estabelece como critério para a definição do valor do incentivo financeiro ao PSF, acobertura populacional das equipes de saúde da família num determinado municípioGM 1350 de 11/1999 – Incentivos financeiros ao PSFGM 1395 de 11/1999 – Política Nacional do Idoso

ANO Portarias selecionadas2000 PT SE/SAS 03 de 02/2000 – Qualificar os municípios, a receberem mensalmente os incentivos de atenção

básica aos povos indígenas, destinados às ações e procedimentos de assistência básica de saúdeGM 123 de 02/2000 – Transfere atividades da SPS para a SASGM 124 de 02/2000 – Que as atividades relativas às ações de atenção básica serão coordenadas pela SPSGM 317 de 03/2000 – Determina a continuidade da primeira etapa da Campanha Nacional de CirurgiasEletivas – CatarataGM 358 de 03/2000 – Cartão SUSGM 368 de 04/2000 – Institui Campanha Nacional de Redução da Cegueira decorrente de RetinopatiaDiabéticaGM 396 de 04/2000 – Aprovar Manual do SIH e SIAGM 397 de 04/2000 – Transfere atividades da SPS para a SASGm 443 de 04/2000 – Comissão Rede Interagencial RIPSAGM 466 de 05/2000 – Estabelece como competência dos estados e DF a definição do limite máximo decesáreasGM 569 de 06/2000 – Institui o Programa de Humanização no Pré-natal e nascimentoGM 582 de 06/2000 – Institui Centros Colaboradores para a Qualidade da Gestão e Assistência HospitalarGM 693 de 07/2000 – Aprova Norma de Orientação para a implantação do Método CanguruGM 799 de 07/2000 – Institui o Programa Permanente de Organização e Acompanhamento das AçõesAssistenciais em Saúde MentalGM 827 de 07/2000 – Comissão Técnica REFORSUSGM 852 de 07/2000 – Determina a continuidade da primeira etapa da Campanha Nacional de CirurgiasEletivas – PróstataGM 891 de 08/2000 – Comissão XI CNSGM 901 de 08/2000 – Cria no âmbito do Sistema Nacional de Transplantes, a Central Nacional deNotificação, Captação e Distribuição de ÓrgãosGM 902 de 08/2000 – Cria no âmbito do Sistema Único de Saúde - Banco de OlhosGM 903 de 08/2000 – Cria no âmbito do Sistema Único de Saúde - Bancos de Sangue de Cordão Umbilical ePlacentárioGM 904 de 08/2000 – Cria no âmbito do Sistema Único de Saúde - Bancos de tecidos ósteo ...GM 905 de 08/2000 – Estabelece a obrigatoriedade da existência e efetivo funcionamento de Comissão Intra-hospitalar de Transplantes para cadastramento de Unidades de Tratamento IntensivoGM 964 de 08/2000 – Determina a continuidade da primeira etapa da Campanha Nacional de CirurgiasEletivas – Varizes

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GM 992 de 09/2000 – Institui Comissão Gestão DST/AIDSGM 1041 de 09/2000 – Redução da Mortalidade Infantil e MaternaGM 1147 de 10/2000 – Reorganização dos Núcleos Estaduais do MSGM 1183 de 10/2000 – Cria o Registro Nacional de Doadores de Órgãos e Tecidos

ANO Portarias selecionadas2001 GM 17 de 01/2001 – Institui o Cadastro Nacional de Usuários do SUS, que passa a compor o banco de dados

do SUSGM 95 de 01/2001 – Aprova a Norma Operacional da Assistência à Saúde, que amplia responsabilidades dosmunicípios na atenção básica, define o processo de regionalização da assistência, cria mecanismos para ofortalecimento da capacidade de gestão do SUS e procede à atualização dos critérios de habilitação deestados e municípios.GM 132 de 01/2001 – Define que, para os procedimentos estratégicos e de alta complexidade, custeados peloFundo de Ações Estratégicas e Compensação, é de competência dos gestores estaduais, municipais e do DF,de acordo com as prerrogativas compatíveis com o nível de gestãoGM 217 de 02/2001 – Constitui o Comitê de Condução da Implantação do Cartão Nacional de Saúde noâmbito do MS, com vistas a garantir a articulação das diferentes áreas do MS com interfaces e/ouresponsabilidades do projeto.GM 227 de 02/2001 – Aprova as orientações, normas e critérios gerais do Programa de Interiorização doTrabalho em Saúde com vistas à operacionalização do referido programa.GM 235 de 02/2001 – Estabelece diretrizes para a reorganização da atenção aos segmentos populacionaisexpostos e portadores de hipertensão arterial e diabetes mellitusGM 239 de 03/2001 – Aprova a Agenda Nacional de Saúde para o ano 2001GM 483 de 04/2001 – Estabelece os objetivos gerais do processo de PPI da assistênciaGM 544 de 04/2001 – Aprova as recomendações para orientar os convênios de investimentos no processo deregionalização da assistência à saúdeGM 604 de 04/2001 – Cria o incentivo de integração ao SUS – INTEGRASUSGM 696 de 05/2001 – Institui o Centro Nacional de Monitoração de Medicamentos sediado na Unidade deFarmacovigilância da ANVISAGM 723 de 05/2001 – Aprova a relação de indicadores a serem pactuados no ano 2001 pelos estados emunicípiosGM 737 de 05/2001 – Aprova a Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por acidentes eviolênciasPT/SAS 202 de 06/2001 – Estabelece diretrizes para a implantação, desenvolvimento, sustentação eavaliação de iniciativas de humanização nos hospitais do SUSPT/SAS 210 de 06/2001 – Institui o Comitê Técnico Assessor para o desenvolvimento do Programa Nacionalde Humanização da Assistência Hospitalar de que trata a portaria GM 881/2001GM 822 de 06/2001 – Institui o Programa Nacional de Triagem NeonatalGM 843 de 06/2001 – Inclui nas áreas de atuação da SAS a área técnica de assistência aos portadores detranstornos decorrentes do uso de álcool e outras drogasGM 918 de 06/2001 – Constitui o Comitê Nacional de Pesquisa em DST/HIV/AIDS, com a finalidade deassessorar a implementação da política nacional neste campoGM 922 de 06/2001 – Institui Grupo de Trabalho para assuntos internacionais em saúde e ambienteGM 971 de 07/2001 – Altera redação da portaria 1077/99, que trata da implantação do Programa paraaquisição dos medicamentos excepcionais para a área da saúde mentalGM 975 de 07/2001 – Define em R$ 6,00 o valor per capita nacional para o financiamento do conjunto deserviços de que trata o item 7 do capitulo 1.3 da NOAS 2001GM 1063 de 07/2001 – Campanha Quem ouve bem aprende melhorGM 1158 de 08/2001 – Estabelece componentes para avaliação da atenção básica dos municípios pleiteantesà habitação segundo a NOAS 2001GM 1413 de 08/2001 – Institui o Programa Nacional de Incentivo à parceria entre os Hospitais filantrópicose sem fins lucrativos e o SUSGM 1419 de 08/2001 – Fixa, para o ano 2001, o limite financeiro nacional destinado à assistênciaambulatorial e hospitalar de média e alta complexidadeGM 1531 de 09/2001 – Institui o Programa de Assistência Ventilatória não invasiva a pacientes portadores de

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distrofia muscular progressivaGM 1534 de 09/2001 – Exclui procedimentos da NOAS 2001GM 1559 de 09/2001 – Cria o Programa Nacional de Implantação/Implementação de Bancos de OlhosGM 1845 de 10/2001 – Estabelece que os estados, incluído o DF, que enviarem até 31/10/01, adocumentação relativa à implementação da NOAS 01/2001, de acordo com a regulamentação vigente, terãoprioridade na alocação de recursos de investimento do Ministério da Saúde, identificados para apoio àestruturação dos módulos assistenciaisGM 2009 de 10/2001 – Institui o Serviço de Atendimento ao Cidadão/Usuário do SUS – SAC/SUSGM 2080 de 11/2001 – Estabelece que as unidades federadas que desejarem aderir ao Pacto para redução dastaxas de cesarianas já poderão fazê-loGM 2103 de 11/2001 – Estabelece que, a partir da competência 01/2002, será realizado encontro de contasentre o valor repassado e o efetivamente produzido pelos estados e/ou municípios em gestão plena dosistema, e estados não habilitadosGM 2215 de 12/2001 – Redefine os critérios de avaliação da atenção básica dos municípios pleiteantes àhabilitação segundo a NOAS 2001GM 2309 de 12/2001 – Institui, no âmbito da SAS, a Central Nacional de Regulação de Alta Complexidade,com o objetivo de coordenar a referência interestadual de pacientes que necessitem de assistência hospitalarde alta complexidade

ANO Portarias selecionadas2002 GM 16 de 01/2002 – Aprova Plano de reorganização da atenção à HAS e diabetes mellitus

GM 19 de 01/2002 – Instituio Programa Nacional de Assistência a dor e cuidados paliativosGM 129 de 01/2002 – Prorroga prazo para entrega de PDR acompanhados de PPI e PDI, bem comorelatórios de avaliação dos municípios habilitados a gestão plena do sistema municipal pela NOB 96,adequados aos novos requisitos da NOAS 2001GM 251 de 01/2002 – Estabelece diretrizes e normas para a assistência hospitalar em psiquiatria, reclassificaos hospitais psiquiátricos, define e estrutura, a porta de entrada para as internações psiquiátricas na rede doSUS e dá outras providênciasPT/SAS 729 de 10/2002 – Estabelecer os indicadores de avaliação, bem como os requisitos básicos a seremcontemplados no Plano de Controle, Regulação e Avaliação da Assistência, visando a implementação daorganização e do funcionamento dos componentes do planejamento, controle, regulação e avaliaçãoassistencial dos estados e municípios habilitados, ou que vierem a ser habilitados, na gestão plena do sistemapela NOAS 01/2002.PT/SAS 970 de 12/2002 – Aprova e institui o Sistema de Informações em saúde para os acidentes eviolências/causas externas desenvolvido pela SAS.

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ANEXO 3 - Conselho Nacional De Saúde – documentos selecionados

ANO Documentos selecionados1995 RS 159 de 17/07/1995 – Aprova a Política proposta no Plano de Apoio a Desospitalização, com condições.

RS 160 de 24/07/1995 – Cria Comissão Técnica para analisar e acompanhar a implantação do Plano Nacionalde Ações de Controle do Dengue.RS 165 de 09/10/1995 – Recomenda elaboração de um Projeto de Erradicação do Aedes aegypti e aimplementação imediata do Plano de Intensificação das Ações de Controle do Dengue, da Fundação Nacionalde Saúde.RS 167 de 06/11/1995 – Aprova, com alterações, o anteprojeto de lei do MS, dispondo sobre ressarcimento aoSUS pelos Planos Privados de Assistência à Saúde.RS 168 de 06/11/1995 – Formaliza os dispositivos das Portarias GM 272/95 e SAS 15/95 e aprova o índice devalorização de emergência conforme a portaria GM 1692/95, que o instituiu.RS 174 de 06/12/1995 – Estabelece que a CIT reveja a questão do pagamento diferenciado na tabela SIH/SUS,entre parto normal e parto cesáreo.RS 175 de 24/11/1995 – Aprova recomposição diferenciada nos valores dos procedimentos das tabelas SIA eSIH/SUS.

1996 RS 182 de 26/04/1996 – Aprova na íntegra o Plano Diretor de Erradicação do Aedes aegypti do Brasil.RS 184 de 26/04/1996 – Cria comissão de conselheiros para, no prazo de 30 dias, analisar e emitir parecersobre o projeto de regulamentação de planos e seguros privados de saúde e solicitar que o Congresso Nacionalo considere.RS 195 de 16/10/1996 – Aprova a Norma Operacional Básica 01/96.RS 196 de 16/10/1996 – Aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo sereshumanos.RS 204 de 18/11/1996 – Constitui Comissão integrada por conselheiros representantes dos profissionais desaúde, de cada Conselho de Classe dos Profissionais de Saúde, da Abrasco, da Abem e da Secretaria de EnsinoSuperior do MEC, para analisar e emitir parecer, a ser apreciado pelo CNS, sobre a necessidade social deabertura dos 596 processos de autorização de novos cursos de graduação de profissionais de saúde.

1997 RS 207 de 27/01/1997 – Solicita ao Governo Federal que não adote nenhuma proposta de mudança (ReformaAdministrativa) sem o prévio debate no CNS e na sociedade, suspendendo a aplicação da proposta de reformana saúde para que o CNS, no uso de suas atribuições legais e nos prazo de 180 dias, se pronuncie a respeito.Solicita ainda ao Ministro da Saúde e ao Ministro da Administração Federal e Reforma do Estado paraapoiarem o trabalho da comissão especial estabelecida pelo CNS, para a matéria.RS 208 de 27/01/1997 – Solicita ao Ministério da Saúde que a CIT formule uma proposta contendo o perfilbásico de responsabilidades dos Agentes Comunitários de Saúde, a inserção dos mesmos no SUS, exigênciasmínimas de recrutamento e da capacitação e condições básicas de trabalho, empregos e supervisão. Após aaprovação na Tripartite, a proposta deverá ser apresentada ao CNS, para deliberação. Solicita ao CongressoNacional que suspenda a tramitação dos projetos de lei sobre a regulamentação da “Profissão de AgenteComunitário de Saúde”.RS 210 de 27/01/1997 – Determina que a SAS/MS proceda aos estudos necessários para a inclusão dealternativas de atendimento tais como: pensões protegidas e lares abrigados, na tabela do SIA/SUSRS 227 de 23/09/1997 – Aprova a realização de oficina de trabalho promovida pelo Conselho Nacional deSaúde e da Secretaria de Vigilância Sanitária do MS com objetivo de discutir a implementação da política demedicamentos genéricos.RS 238 de 05/06/1997 – Sobre a regulamentação dos Planos e Seguros Privados de Assistência à Saúde –protesto com relação a maneira com que a direção do MS vem tratando a questão da regulamentaçãoRS 251 de 23/09/1997 – Aprova normas de pesquisa envolvendo seres humanos para a área temática depesquisa com novos fármacos, medicamentos, vacinas e testes diagnósticos.RS 257 de 01/10/1997 – Solicita que o MS revise periodicamente, após consulta aos principais usuários, asbases de informações de saúde, para permitir aos usuários uma análise mais apurada das políticas setoriais e dosserviços de saúde.RS 258 de 06/11/1997 – Solicita ao MS, que proceda a normatização e regulamentação do atendimento nos

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casos de aborto legal pelo SUS.1998 RS 269 de 01/04/1998 – Aprova o teto máximo do Piso Assistencial Básico – PAB da NOB 01/96

RS 272 de 05/02/1998 – Retoma o programa de apoio à desospitalização e investiga as razões de suaparalização; aprova a convocação da Conferência Nacional de Saúde Mental para novembro de 1999; aprova aproposta de recomendação da CNRP relativa aos procedimentos de serviços de residência protegida; aprova aredução de leitos e determina à Comissão que desenvolva estudos técnicos e operacionais;RS 280 de 07/05/1998 – Estabelece como objeto da Política de Medicamentos Genéricos, integrada à PolíticaNacional de Medicamentos, a promoção da disponibilidade do medicamento genérico no mercado brasileiro e oseu acesso às diferentes camadas da população. Define o medicamento genérico. Aprova as diretrizes daPolítica de Medicamentos Genéricos e estabelece os instrumentos e mecanismos para sua implementação.RS 281 de 02/07/1998 – Propõe a incorporação de parâmetros para garantir recursos para a saúde, dentro doOSS.RC 27 de 03/09/98 – Transparência de recursos Fundo a Fundo destinado às ações e serviços de saúde deEstados, Distrito Federal e Municípios.

1999 RC 001 de 06/05/1999 – Recomenda a suspensão das Portarias GM 531 e SAS 184 e conjuntas 01 e 04, quetratam de critérios e revisões de tetos e subtetos, incentivos e desincentivos assistenciais de estados emunicípios.RC 002 de 10/06/1999 – Recomenda um maior aclaramento dos papéis das três esferas de gestão do SUS e aretomada da interlocução da CITRS 292 de 08/07/1999 – Norma complementar à Resolução CNS 196/96, referente à área específica sobrepesquisas em seres humanos, coordenadas do exterior ou com participação estrangeira e as que envolvamremessa de material biológico para o exterior.RC 013 de 02/09/1999 – Recomenda que as portarias relativas a gestão e regulamentação do SUS que tratam dealterações na forma e montantes de repasses financeiros e modelo assistencial sejam discutidas e pactuadas naCIT e submetidas ao CNS, previamente às publicações, nos termos da legislação em vigor.Moção 005/99 de 09/09/99 – desagrado face a permanência de publicação de portarias acerca de diretrizes degastos de saúde, sem a adequada participação da CIT e CNSMoção 006/99 de 02/12/99 – apelo à Bancada do PFL que se posicionou contra a vinculação de recursosdestinados à área da saúde

2000 RS 307 de 07/12/2000 – Apoia a iniciativa do MS, através da SAS e em discussão na CIT, de promover aregionalização dos serviços e da atenção à saúde como estratégia necessária à organização do sistema econsolidação de sua descentralização.Moção 001 de 06/04/2000 – A favor da inclusão na Lei orçamentária da suplementação de recursos quepossibilitem a manutenção do SUS; pela reanálise das equalizações relativas aos repasses para os estados, e afavor da retomada da tramitação da PEC 86-A, estabelecendo vinculação Constitucional de recursos para asaúde.Moção 002 de 11/05/2000 – manifestar apoio a ANS, manifestar-se a favor de uma CPI sobre os Planos ereafirmar a necessidade do controle social sobre a ANS.

2001 RS 308 de 08/03/2001 – Solicita urgência ao Presidência da República para projeto de lei sobre saneamentoRC 08/03/2001 – Recomenda a SAS e demais instâncias do MS a estreita observância às recomendações da XICNS na fixação de suas diretrizes, objetivos e metas assistenciais para que a proposta de parâmetrosassistenciais inclua todos os aspectos das ações de saúde desenvolvidas e sejam evitados objetivos e metascontraditórios e uso inapropriado dos recursos.RS 311 de 05/04/2001 – Promove debate para formular, avaliar e elaborar normas de políticas demedicamentos.Deliberação 001/2001 de 08/03/2001 – Cria Comissão de Saúde Suplementar a influenciar na legislaçãopertinente no sentido de conquistar e assegurar novos direitos ou alterar dispositivos contrários ou prejudiciaisaos usuários do setor de saúde suplementar.Deliberação 003/2001 de 08/03/2001 – Cria Grupo de trabalho permanente para acompanhar Projetos de lei deinteresse para a saúde.Moção 002 de 08/03/2001 – solicitar a retirada de urgência do Projeto de Lei sobre o saneamento e sugerirmaior debate sobre a questão.Moção 004 de 06/09/2001 – exigir do governo federal o cumprimento da CF e da integralidade da EC 29;reativar o movimento social em defesa da saúde e implementação da EC 29.

2002 RS 314 de 07/03/2002 – Aprova manifestação do CNS com pedido de urgência para o PLC sobre política desaúde do trabalhador.

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RS 316 de 04/04/2002 – Aprova diretrizes para aplicação da EC 29 (Base de cálculo, recursos mínimos a seremaplicados em saúde, ações e serviços públicos de saúde, instrumentos de acompanhamento, fiscalização econtrole)RS 317 de 09/05/2002 – Solicita recondução da política de combate a dengue.RS 318 de 05/09/2002 – Aprova portarias GM 251/2002 e SAS 77/2002 relativo à política de saúde mentalDeliberação 003/2002 de 07/02/2002 – Reativar o Grupo de Trabalho do CNS visando atualizar, no que julgarpertinente, a proposta da SAS/MS de Parâmetros Assistenciais, em substituição ao disposto na Portaria 3046 de1982, do MPAS.Deliberação 008/2002 de 04/04/2002 – Aprovar preliminarmente a aplicação dos parâmetros propostos pelaSAS/MS, de forma vinculada ao cumprimento de alguns quesitos.

O CNS tem Comissões de trabalho temáticas que acompanham a discussão das

políticas específicas, como: índio, saúde da mulher, AIDS, reforma psiquiátrica, portadores

de patologias e deficiências, saúde do trabalhador, alimentação e nutrição, aedes, recursos

humanos, C&T, trauma e violência.

O movimento de mulheres se insere em algumas dessas comissões – mulher,

portadores de patologias e deficiências.

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ANEXO 4 - Dicionario de termos do Poder Legislativo

Conforme a Constituição Federal de 1988 (art.59), o processo legislativo compreende

a elaboração de: emendas constitucionais, leis complementares, leis ordinárias, leis

delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções. Cada qual apresenta sua

função no conjunto de regulações do Estado.

Emendas Constitucionais (EMC) – deve ser subscrita, no mínimo, por 1/3 dos

deputados, ou nos termos do art.60 da CF, por aquelas pessoas autorizadas. A PEC será

submetida a dois turnos de discussão e votação, com interstício de cinco sessões. Será

aprovada na Câmara a proposta que obtiver, em ambos os turnos, 3/5 dos votos dos

membros da casa, em votação nominal. O Poder Legislativo não pode apreciar emenda à

Constituição que proponha a abolição da Federação, do voto direto, secreto, universal e

periódico, da separação dos Poderes e dos direitos e garantias individuais.

Leis Ordinárias (LEI) e Complementares (LCP) – são de “iniciativa de qualquer

membro ou comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso

Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais

Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos” (CF 1988 – art.61).

Leis complementares – dispõem sobre a elaboração, redação, alteração e

consolidação das leis. São aprovadas por maioria absoluta.

Leis Delegadas (LDL) – “são elaboradas pelo Presidente da República, que deverá

solicitar a delegação ao Congresso Nacional” (art.68). “A delegação ao Presidente da

República terá a forma de resolução do Congresso Nacional, que especificará seu conteúdo

e os termos de seu exercício” (art.68 – inciso 2).

Decretos Legislativos (DLG) – destina-se a “regular as matérias de exclusiva

competência do Poder Legislativo, sem a sanção do Presidente da República”. (Regimento

Interno da Câmara dos Deputados – art.109 – II).

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Decretos (DEC) – “Compete privativamente ao Presidente da República sancionar,

promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel

execução” (CF 1988, art.84 – inciso IV).

Resoluções (RSF/RCN/RCD/RRC) – destina-se a regular, com eficácia de lei

ordinária, matéria de competência privativa da Câmara, de caráter político, processual,

legislativo ou administrativo, ou quando deva a Casa pronunciar-se sobre assuntos

constantes do Regimento Interno da Câmara, sem a sanção presidencial. (Regimento

Interno da Câmara dos Deputados – art.109 – III). Ver acima lei delegada que torna-se

resolução.

Medidas Provisórias (MP) – é uma das atribuições do Presidente da República

“editar medidas provisórias com força de lei, nos termos do art.62” (CF 1988 – art.84 –

XXVI). E de acordo com este artigo, o Presidente da República poderá adotar medidas

provisórias “em caso de relevância e urgência devendo submetê-las de imediato ao

Congresso Nacional, que, estando em recesso, será convocado extraordinariamente para se

reunir no prazo de cinco dias” (CF 1988 – art.62).

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ANEXO 5 – Síntese das Principais Leis aprovadas da Saúde (1990-2002)

ORIGEM E TRAMITAÇÃO DAS LEIS SELECIONADAS DA SAÚDE (1990-2002)ANOS LEIS ORIGEM/AUTORIA TRAMITAÇÃO Atores Relevância/Impacto Legislativo Ministério da Saúde1990 Lei 8080 –

LOS – Dispõesobre ascondições paraa promoção,proteção erecuperação dasaúde.

Presidência daRepública –J.SARNEY (MSG07/1989)

07/1989 a 08/19901ano1m

ExecutivoPresidência

ExecutivoSanitário

Executivo Saúde

Burocracia Inamps

Social – direito àsaúde

Institucional -mudança da lógicaassistencial, revisãoda práticatecnoburocrática

Político – embateentre grupos –prestadores/produto-res/profissionais

Econômico – pactopelo maiorinvestimento, buscada eficiência dasações

DEC 99060/90 – vinculaINAMPSLei 8142/90 – LOSLei 8689/93 – extingueINAMPSLei 9311/96 – CMPFLei 9313/96 – AIDSLei 9656/98 – PlanosLei 9782/99 – VigilânciaLei 9797/99 – MamaLei 9836/99 – ÍndioEC 29/00 – Recursos MínimosLei 10216/01 – S.MentalLei 10424/02 – Ass.Domiciliar

Portarias 1990 –estrutura INAMPS/MSGM 279/93 – GEDIN 1/93 – disciplinahabilitaçãoNOB 91/92/93/96CNS 195/96 – AprovaNOBIN 1/1997 –regulamenta NOB 96IN 1/98 – regulamentafluxosGM/98 – s/PAB erepasses(59/84/2090/2091/2096/2203/2283/3901/3906)CNS 269/98 – Aprovateto PABNOAS 01GM 17/01 – CadastroNacional de Usuários doSUSNOAS 02GM 2209/02 – SISAUD

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ANOS LEIS ORIGEM/AUTORIA TRAMITAÇÃO Atores Relevância/Impacto Legislativo Ministério da Saúde1990 Lei 8142 –

LOS – Dispõesobre aparticipação dacomunidade eastransferênciasde recursosfinanceiros.

Presidência daRepública –F.COLLOR (MSG13/12/1990)

14/12 a 18/12/905d

MovimentoSanitário

ExecutivoSanitário

ExecutivoPresidência

Executivo Saúde

Burocracia Inamps

Social – participaçãosocial, descentralizadecisão, controlesocial

Institucional –organização deinstânciascolegiadas, revisãodas práticastecnoburocráticas

Político –transparência nagestão, descentralizapoder e amplianegociação

Econômico –descentralizarecursos, visibilidade

DEC 99045/90 – Convoca a IXCNSDEC 99438/90 – Dispõe sobreo CNSDEC 99445/90 – Adia a IXCNSDEC 0000/91 – Adia a IX CNSDEC 0000/91 – Delegacompetência ao Ministro parahomologar decisões doConselhoDEC 0000/92 – Convoca a IXCNSDEC 0571/92 – Alteracomposição do Conselho8689/93 – extingue INAMPS ecria SNADEC 806/93 – Reorganiza FNSDEC 1353/94 – Alteracomposição do ConselhoDEC 1232/94 – forma repasseFNSDEC 1448/95 – Dispões/ConselhoDEC 1727/95 – Convoca a XCNSLei 9311/96 – CPMFDEC 1841/96 – Altera períododa X CNSEC 29/00 – recursosDEC 0000 – Convoca XI CNSDEC 3964/01 – FNSDEC 3964/01 – FNS

PT Financiamento/90NOB/91, NOB 92GM 1553/94 –TransferênciasGM 1827/94 – SASdetermina tetos estados

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1993 Lei 8689 –Extinção doINAMPS

Presidência daRepública –I.FRANCO (MSG27/04/1993)

24/06 a 27/07/933m

ExecutivoSanitário

Executivo Saúde

BurocraciaINAMPS

Social – reformasanitária

Institucional –revisão das práticastecnoburocráticas

Político – disputapela espaçoinstitucional

GM 125/90 (Seigo) –extinção escritóriosGM 259/90 (Alceni) –restaura coordenadoriase GM 489/90 – mantémadministração na SNAS

ANOS LEIS ORIGEM/AUTORIA TRAMITAÇÃO Atores Relevância/Impacto Legislativo Ministério da Saúde1995 Lei 9005 - Iodo Comissão Mista – PL

Conversão09/03 a 16/03/19957d

Executivo Saúde

Setor Industrial

VigilânciaSanitária

Social – impacto nasaúde

Institucional –construção demecanismos decontrole

Político – definiçãode regras para omercado

Econômico – altaeficiência, custo-benefício

3 MPVs/942 MPVs/95(anteriores)

GM 2165/94 –Programa Nacional deControleGM 1229/96 –Regulações noPrograma

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327

Lei 9294 de15/07/1996 –Dispõe sobre asrestrições aouso epropoganda deprodutosfumígeros,bebidasalcoolicas,medicamentos....

Câmara dosDeputados – PL4556/89 – DeputadoElias Murad – PSDB-MG

14/12/1989 a15/07/1996 – 6anos e 8m

Executivo Saúde

Setor Industrial

Social – impacto nasaúde

Institucional –construção demecanismos decontrole

Político – definiçãode regras para omercado

Econômico – altaeficiência, custo-benefício

Lei 10167 – altera lei GM 731/90 – obrigaempresas embalagens deadvertênciaGM 1050/90 – medidasadvertindo malefíciosdo fumoGM 2169/94 – obrigaadvertência naembalagem

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ANOS LEIS ORIGEM/AUTORIA TRAMITAÇÃO Atores Relevância/Impacto Legislativo Ministério da Saúde1996 Lei 9263 –

Planejamentofamiliar

Câmara dosDeputados - PL209/1991 – DeputadoEduardo Jorge – PT-SP

03/91 a 11/954anos8m

Movimento dasMulheres

Executivo Saúde

CNS

Social – cidadania,saúde integral

Institucional –rearticulação da políticade saúde da mulher

Político – posturacidadã, informação eacesso a meios paraplanejar vida sexual.Quebra prática declientela e práticaeugenista.

Econômico –reorientação dosrecursos

CNS 205/96 – Plano deTrabalhoSAS 144/97 – incluiprocedimento/ficha denotificaçãoSAS 48/99 – revoga aanterior, incluiprocedimentos, regulaesterilização, obriganotificação.CNS 297/99 - Comissão

Lei 9311 –CPMF

Presidência daRepública –F.H.CARDOSO(MSG 22/08/1996)

09/96 a 22/10/962m

Executivo Saúde

M.Fazenda

ExecutivoPresidência

Social – reveladescrédito da sociedadena política de saúde

Institucional – se afirmacomo condição para acontinuidade dareforma, o que nãoocorre

Político – reanimadebate sobre o pactosocial

Econômico - deveria darmais fôlego financeiropara o setor, o que nãoaconteceu

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329

ANOS LEIS ORIGEM/AUTORIA TRAMITAÇÃO Atores Relevância/Impacto Legislativo Ministério da Saúde1996 Lei 9313 –

MedicamentosAIDS

Senado Federal - PLS158/1996 – SenadorJosé Sarney – PMDB-AP.

07/1996 a 10/19963m

Movimento AIDS

Executivo Saúde

IndústriaFarmacêutica

Social – garantia dodireito, mesmo querestrito

Institucional –fortalecimento de umaárea

Político – afirmação deprincípios, exemplo parao mundo

Econômico – recursosinternacionais

RSF 21/94 – crédito BIRDRSF 85/98 – crédito BIRD

GM 1992 – autorizaçõespara tratamento daAIDS em hospitaisGM/MS/MT 869/92 –proíbe exigência de testenos exames periódicosGM 588/93 –Regimento do ComitêDiretivo de PesquisaGM 622/93 – Critériospara participação noProjeto DST/AIDSGM 1011/93 –subordina a SAS oProjeto DST/AIDSGM 1993 – autorizamhospitais e laboratóriosGM 1993 – PlanoOperativo e ComitêConsultivo DST/AIDSSAS 130/94 –estabelece diretrizes enormas para tratamentoem hospital-diaSAS – recomendaçõesComissão NacionalSAS 21/95 – organizaacesso a distribuição demedicamentosGM 874/97 – Guia decondutas terapêuticasp/uso medicamentos.

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ANOS LEIS ORIGEM/AUTORIA TRAMITAÇÃO Atores Relevância/Impacto Legislativo Ministério da SaúdeLei 9431 –InfecçõesHospitalares

Senado Federal – PLS138/1991 – SenadorJutahy Magalhães –PSDB-BA

05/91 a 12/965anos7m

Executivo Saúde

Prestadores

Profissionais

Social – impacto na saúde

Institucional – reorienta práticase modelos

Político – define regras mínimaspara o mercado de saúde econdutas profissionais

Econômico – política de altaeficiência

Lei 9782 –VigilânciaSanitária

GM527/93 – ComissãoNacional de Controle daInfecção Hospitalar

1997

Lei 9434 –Órgãos

Senado Federal – PLS6/1995 – Senador JoséEduardo Dutra – PT-SE

02/96 a 01/97)2anos

Executivo Saúde

Prestadores

Social – saúde

Institucional – regula prática eestabelece normas

DEC 2268/97 –Regulamenta lei3 MPVs/9813 MPVs/9914 MPVs/00 –AcrescemLei 10211/01 –Altera

GM 901/00 – SistemaNacional deTransplantes e Centralde NotificaçãoGMs/00 – Dispões/BancosGM 905/00 – obrigaComissão Intra-hospitalar p/cadastro deunidadesPortarias de cadastro eautorização.

1998 Lei 9656 –Planos

Senado Federal – PLS93/1993 – SenadorIram Saraiva

08/93 a 06/984anos10m

Executivo Saúde

Privado autoSeguradoras

CNS

Social – regula Planos de saúde,garante direito do consumidor

Institucional – regulamentamercado

Político – embate comseguradoras, estabelecimento deregras mínimas

Econômico – divide efetivamentea clientela entre Planos e SUS;ressarcimento

8 MPVs/9814 MPVs/9914 MPVs/008 MPVs/01Alteram

SE 7/94 – Comissãop/propor regulamentaCNS 238/97 –S/regulamentaçãoGM 3693/98 – Sistemade Fiscalização dePlanos e SegurosGM 1149/99 – Sistemade FiscalizaçãoCNS 001/01 – Comissãop/acompanhar einfluenciar mudanças

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ANOS LEIS ORIGEM/AUTORIA TRAMITAÇÃO Atores Relevância/Impacto Legislativo Ministério da Saúde1999 Lei 9782 –

VigilânciaPresidência daRepública –F.H.CARDOSO -(MSG 30/12/1998)

05/01 a 20/01/9915d

Executivo Saúde

Prestadores

Ind.Farma

Ind.Equipa

CNS

Social – definição de umapolítica de vigilância – direito àsaúde

Institucional – novo arranjoinstitucional – criação daAgência; regras para o mercado.

Político – disputas com ossetores diretamente envolvidos

Econômico – captação derecursos, regras para obtenção deprodutos/equipos

DEC 3029/99 –aprovaregulamentoANVISA12 MPVs/9913 MPVs/009 MPVs/01Alteram

GM 1302/93 –Comissão NacionalGM 441/94 – ComissãoGM 1565/94 – DefineSistema NacionalGM 2543/95 – Grupoassessor técnico paraestabelecer padrõesCNS 311/01 – Promoverdebate s/Pol Nacional deMedicamentos

Lei 9787 –Genéricos

Câmara dosDeputados – PL2022/1991 – DeputadoEduardo Jorge – PT-SP.

17/10/91 a23/11/9823/11/98 28/01/997anos – parado2m – tr

CNS

ExecutivoSanitário

Executivo Saúde

Ind.Farma

Social – acesso a medicamentos,garantia do direito à saúde

Institucional – certificação eregras para o mercado degenéricos. Começo para areformatação de uma PolíticaNacional de Medicamentos.

Político – regras para a industriafarmacêutica

Econômico – economia paraconsumidores

DEC 3181/99 –Regulamenta leiDEC 3675/00 –Medidas especiaisrelacionadas aoregistro

CNS 227/97 – Oficinap/discutir política degenéricosCNS 280/98 – DiretrizesPolítica Nacional deMedicamentosGenéricosGM 3916/98 – PolíticaNacional deMedicamentosCNS 311/01 – Promoverdebate s/Pol Nacional deMedicamentos

Lei 9797 –Cirurgia deMama - SUS

Câmara dosDeputados – PL3769/1997 – DeputadaMaria Elvira

03/99 a 04/991ano5m parado1m

Movimento dasMulheres

Executivo Saúde

CNS

Social – direito integral à saúde

Institucional – definição derotinas

Lei 10223/01 -Planos

CNS 205/96 – Plano deTrabalho

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ANOS LEIS ORIGEM/AUTORIA TRAMITAÇÃO Atores Relevância/Impacto Legislativo Ministério da Saúde1999 Lei 9836 – Índio Câmara dos Deputados –

PL 4681/1994 –Deputado Sérgio Arouca– PPS-RJ

(PL 06/1994)10/1997 a 09/19993anos4m parado2anos

Movimento Sanitário

Movimento dosÍndios

CNS

Executivo Saúde

Social – direito integral àsaúde

Institucional – arranjo dapolítica institucional para

Político –

Econômico -

DEC 023/91, DEC564/92, DEC 1141/94,DEC 000/94 – s/açõescomunidade índiosDEC 3156/99 – dispõecondições e alteraDECs anterioresMPV 33/02 – SistemasNacionais deEpidemiologia, SaúdeAmbiental e SaúdeIndígena. AgênciaFederal de Prevenção eControle de Doenças –APEC

CNS 198/96 – Plano de TrabalhoGM 1163/99 – Saúde do ÍndioCNS 293/99 - ComissãoSAS 03/00 – qualifica municípiosp/receber incentivo

2000 Lei 9961 – ANS Presidência da República– F.H.CARDOSO -MSG 30/12/1999

04/01 a 25/01/200022d

Executivo Saúde

Privado autoSeguradoras

CNS

Social - garante direito doconsumidor

Institucional – novaestrutura, segmentacondução da política desaúde

Político – embate comseguradoras,estabelecimento de regrasmínimas; embate internocom duas direções para apolítica de saúde

Econômico – divideefetivamente a clientelaentre Planos e SUS;ressarcimento

3 MPVs/99 – criam aANSDEC 3327/00 –regulamento da ANS

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ANOS LEIS ORIGEM/AUTORIA TRAMITAÇÃO Atores Relevância/Impacto Legislativo Ministério da Saúde2000 EMC 29 –

RecursosCâmara dosDeputados – PEC169/1993 – DeputadosEduardo Jorge – PT-SP e Waldir Pires –PT-BA

07/1993 a 09/20007anos7m

Ministério daFazenda

ExecutivoPresidência

MovimentoSanitário

Executivo Saúde

CNS

Social – garantia derecursos mínimos para asaúde, compromisso detodos os níveis degoverno. Novo pacto.

Institucional – rearranjodos governos parafinanciar ações de saúde

Político – embates entregovernos, disputa derecursos, reformatributária eresponsabilidade fiscal

Econômico –sustentabilidade daproposta

CNS 316/02 – Aprovadiretrizes p/aplicaçãoGM 2047/02 – DiretrizesOperacionais p/EC 29

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ANOS LEIS ORIGEM/AUTORIA TRAMITAÇÃO Atores Relevância/Impacto Legislativo Ministério da SaúdeLei 10216 –Saúde Mental

Câmara dos Deputados –PL/1989 – DeputadoPaulo Delgado – PT-MG

1989 a 06/04/200112anos

Movimento reformapsiquiátrica

Prestadores

Movimento deFamiliares

Executivo Saúde

CNS

Social – direito à saúde

Institucional –reformulação do modeloassistencial e práticas

Político – resistências dasfamílias, dos profissionaise embate com prestadores

GM 144/90 – Recursos para aCampanha de Saúde MentalGM 423/90 atribui a SNAScontrole da Campanha Nacional deSMGM 777/90 – Reformula Programade TrabalhoGM 974/90 – suspendeprocedimentosGM 1285/90 – aprova cronogramade trabalhoGM 1427/90 – reformulação doProgramaGm 343/91 – reformulação deCmpanhaGM 1957/91 – reformula PlanoGM 1992 – Convoca II CNSMGM 1720/94 – Adesão ao DiaMundial da Saúde MentalCNS 159/95 – Aprova Plano deDesospitalizaçãoCNS 194/96 – Plano ReformaCNS 272/98 – Retoma ProgramaCNS 298/99 - ComissãoGM 799/00 – Programa deOrganização e Acompanhamentodas Ações AssistenciaisGM 251/02 – normas e diretrizesGM 1467/02 – Comissão deAnálise e acompanhamento

2001

Lei 10223 –Cirurgia demama – Planos

Câmara dos Deputados –PL/2000 – DeputadaJandira Feghali – PC doB-RJ

24/05/00 a 15/05/0111m20d

Movimento dasMulheres

Planos e Seguradoras

ANS

CNS

Social – direito integral àsaúde, inclusive nasuplementar

Institucional – regulaçãopela ANS

Político – força domovimento social dasmulheres

Lei 9797/99 - SUS CNS 205/96 – Plano de Trabalho

Fonte: Documentos Legislativos (1990-2002). Elaboração própria.

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ANEXO 6 - Classificação das Portarias Executivas e Principais políticas implementadas – 1990-2002

Temas Sub-temas Aspectos da regulamentação Principais regulamentações em cada gestãoTransferência derecursos

• Definição e gerência de tetosfinanceiros – mudança no teto edefinição de valores• Transferências conformehabilitação de estados e municípios• Recursos para Programas eCampanhas• Calendário de pagamentos

1990 – 1992Implanta o SIH/SUS e SIA/SUS. FIDEPS.Define valores de UCA, cotas mensais de AIH.1993 – 1994Estabelece cotas mensais de AIH, UCA/RCA para estados e altera valor do FIDEPS.Define FAE e FAM.1995 – 1996Institui o IVH-E.1997 –2002Altera teto em função da condição de gestão plena. Altera teto de municípios em outrascircunstâncias. Redefine tetos para rotina e campanha. Aumento significativo no número deportarias a partir de 1999.Acresce valores ao teto financeiro de um município.Qualifica e desqualifica um município para o recebimento de recursos.Define que procedimentos serão financiados com os recursos do FAEC.Inclui e exclui municípios para a realização de procedimentos e recebimento de recursos deCampanhas.Concede e retira FIDEPS.Altera valor do recurso financeiro referente à parte fixa do PAB.

Financiamento

Tabelas eProcedimentos

• Inclusão ou exclusão deprocedimentos• Modificação no valor doprocedimento• Modificação nas tabelas

1990 – 1992Publica tabelas dos SIH, SIA e de órteses e próteses.1993 – 1994Inclui e modifica procedimentos.1995 – 1996Altera forma de cobrança, extingue e cria códigos de procedimentos.1997 – 2002Inclui procedimentos e modifica tabelas – especialmente com a instituição de novosProgramas e Ações atreladas a alguns incentivos financeiros.Publica valores e procedimentos do PACS e PSF.Exclui procedimentos da NOAS 01/01.

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Temas Sub-temas Aspectos da regulamentação Principais regulamentações em cada gestãoGestão Regulamentação do

Sistema• Normas Operacionais einstruções normativas• Planejamento e Comissões• Controle do sistema• Regras para a descentralização

1990 – 1992Aprova NOB 91 e NOB 92.1993 – 1994Aprova NOB 93 e IN 1 – estipula fluxos e conteúdos dos processos de habilitação.Grupo Especial para a Descentralização.Rescinde os convênios de municipalização da NOB 91 e 92.Regulamenta transferência de recursos a partir das condições de gestão.1995 – 1996Projeto REFORSUSAprova NOB 96.1997 – 2002Regulamenta os conteúdos, instrumentos e fluxos do processo de habilitação previsto na NOB96.Cria Comissão Gestora de Recursos – deliberar sobre a prioridade de investimentos e alocaçãoeficiente de recursos.Implanta o PAB e define os mecanismos para o repasse dos recursos que compõem a parte fixae variável do PAB. Fixa o valor máximo do PAB.Estabelece as metas físicas e financeiras dos estados referentes aos incentivos do PACS e PSF.Institui o Sistema de Fiscalização das Operadoras de Planos e Seguros Privados.Institui Cadastro Nacional de Usuários do SUS.Aprova a NOAS 01/2001.Aprova a Agenda Nacional de Saúde para o ano 2001.Estabelece os objetivos gerais do processo de PPI da assistência. Aprova relação deindicadores a serem pactuados.Fixa para o ano de 2001 o limite financeiro nacional destinado à assistência ambulatorial ehospitalar.Aprova NOAS 01/2002.Aprova diretrizes operacionais para a aplicação da EC29/00.

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Organização daEstrutura

• Definição de áreas, secretariase coordenações• Extinção de órgãos ousecretarias• Cargos e funções –distribuição

1990 – 1992INAMPS assume papel de destaque na condução da política de financiamento.1993 – 1994FNS coordena finanças do INAMPS.SAS assume a função de definição dos tetos financeiros.1995 – 1996Constitui Unidade de Gerência do REFORSUS.Institui a Rede Integrada de Informação em Saúde (RIPSA)1997 – 2002Modificações em 1997 nas atribuições e competências das Secretarias.Transfere atividades da Secretaria de Políticas para a SAS.Estabelece que as ações de atenção básica serão coordenadas pela Secretaria de Políticas.

Gestão

Regulamentação deRotinas

• Organização dos fluxos epráticas gerenciais• Definição de critérios e regraspara recursos e organização dosistema• Organização dos fluxos deinformação

1990 – 1992Diretrizes para apresentação de AIH para processamento no DATAPREVINAMPS define regras e normas.1993 – 1994Altera sistemática de apresentação de AIH, modifica rotinas.1995 – 1996Banco de Dados da AIH, definição de fluxo e novos modelos.Orienta e organiza o acesso a distribuição dos medicamentos para AIDS.Implanta o Programa de gestão financeira de AIH.Constitui Grupo Assessor Técnico-Científico com o objetivo de contribuir para a normatizaçãodos serviços e o estabelecimento de padrões de Qualidade.Implantação da APAC.Regulamento técnico para funcionamento de serviços e Programa Nacional de Controle daQualidade.1997 – 2002Implanta formulários APAC.Define cronograma.Estabelece a descentralização do processamento de AIH. Altera sistemática.Estabelece requisitos para credenciamento de hospitais.Estabelece modificações nas normas de financiamento de Programas e Projetos.Aprova o Manual do Sistema de Informações Hospitalares e Ambulatoriais.Estabelece a obrigatoriedade com relação aos dados de alimentação do SIAB.Institui Central Nacional de Regulação de Alta Complexidade.

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Temas Sub-temas Aspectos da regulamentação Principais regulamentações em cada gestãoHabilitações • Habilitação dos estados e

municípios nas condições degestão previstas nas NormasOperacionais

1993 – 1994Enquadramento dos municípios em condições de gestão.1995 – 1996Aprova lista de municípios habilitados nas condições da NOB 93.1997 – 2002Habilita municípios na Gestão Plena da Atenção Básica.

Gestão

Licitações/Cadastro • Autorização e credenciamentode unidades, serviços ouprocedimentos• Descredenciamento deunidades, serviços e procedimentos• Licitações para a realização deações

1990 – 1992INAMPS autoriza, classifica e define serviços.1993 – 1994Sobressai o cadastro de Centro de Referência e Laboratório para atender AIDS.1995 – 1996Sobressai o cadastro de unidades para atendimento de AIDS.1997 – 2002Aumento significativo no cadastro de unidades especialmente para atender às novas políticasdesenhadas na alta complexidade – tratamento intensivo, transplantes, neurocirurgia, cirurgiascardíacas, gestantes de alto risco, urgência e emergência, etc.

Instituição • Instituição de Programas ouAções verticais em saúde

1993 – 1994Institui Dias especiais para o controle de algumas doenças.1995 – 1996Institui Plano de Erradicação do Aedes.1997 – 2002Institui Dias especiais e Campanhas Nacionais (cirurgias eletivas).Institui Programas – na área de referência hospitalar, urgência e emergência e Programas deControle e combate a algumas doenças – hepatites virais, glaucoma, dengue, etc. Políticasespecíficas: usuários de álcool e drogas, portador de deficiência, gestante de alto risco, doentesrenais, saúde do idoso, saúde do índio, saúde mental, etc.

Programas

Reformulação econtrole

• Reformulação de Programasou Ações• Criação de mecanismos decontrole para a realização dosProgramas e Ações verticais

1990 – 1992Ênfase na reformulação de Programas1993 – 1994Plano Operativo DST/AIDS1995 – 1996Normas para o Programa Nacional de DST/AIDS.Regula ações do Programa Nacional de Controle dos Distúrbios por deficiência do Iodo.

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Temas Sub-temas Aspectos da regulamentação Principais regulamentações em cada gestãoOutras Temas diversos • Dotações orçamentárias –

especialmente modificações• Conferências de Saúde – geral etemáticas• Revoga e anula portarias

1990 – 1992Convoca IX CNS.1993 – 1994Convoca algumas Conferências Temáticas (SB, RH, Povos Indígenas e ST)1995 – 1996Quantitativo expressivo de portarias que alteram o quadro de detalhamento da despesa.Convoca X CNS.Despacho de recursos do BIRD para o REFORSUS.1997 2002Convoca XI CNS.

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Políticas Específicas propostas nos documentos Legislativos, do Conselho Nacional de Saúde e pelo Ministério da Saúde por gestão ministerial – 1990-2002Anos Políticas específicas aprovadas pelo

LegislativoPolíticas específicas discutidas pelo Conselho

Nacional de SaúdePolíticas específicas regulamentadas pelo

Ministério da Saúde1990 – 1992 Incentivo ao aleitamento materno

Controle da CárieControle das empresas de tabaco

1993 – 1994 Política de AIDSPolítica da Vigilância SanitáriaControle das Deficiências de Vitamina A

1995 – 1996 Asbeto/AmiantoAIDS – medicamentosPlanejamento FamiliarPropaganda de fumo, bebidas alcóolicas emedicamentos

Erradicação do AedesSaúde MentalSaúde do ÍndioSaúde da Mulher

Controle dos Distúrbios por Deficiência do IodoErradicação do AedesSaúde da Mulher, Criança e Adolescente

1997 - 2002 Remoção de órgãosInfecções HospitalaresSaúde do ÍndioCirurgia de mamaSaúde MentalControle do Câncer de PróstataSaúde BucalCombate ao GlaucomaCombate à Hipertensão

Saúde MentalPolítica de medicamentos – inclui genéricosAborto LegalSaneamentoSaúde do ÍndioPortadores de HanseníaseSaúde do TrabalhadorAIDSAsbeto/AmiantoTabaco

Política de AIDSGestante de Alto RiscoCombate ao Câncer do Colo UterinoCampanhas de Cirurgias EletivasPolítica do IdosoPolítica de TransplantesRedução da Mortalidade Infantil e Materna –Humanização do Pré-natal e nascimentoCombate ao GlaucomaControle das Hepatites ViraisControle do DengueSaúde MentalSaúde do TrabalhadorPortadores de Doenças RenaisPortadora de Deficiência

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ANEXO 7 – Normas Operacionais da Saúde (NOB 91, NOB 93, NOB 96, NOAS 2001/2002)

NORMAS OPERACIONAIS DA SAÚDE – COMPARATIVO DOS PRINCIPAIS ASPECTOS

NOB 01/91 e 01/92 NOB 01/93 NOB 01/96 NOAS 01/01 e NOAS 01/02Instrumento Resolução INAMPS 273 e

Portaria da SNAS 234Portaria GM 545 Portaria GM 2203 Portaria GM 95

Portaria GM 373Data da publicação 17.07.1991

07.02.199220.05.1993 05.11.1996 26.01.2001

27.02.2002Apresentação Secretário da SNAS/INAMPS –

Ricardo AkelMinistro da Saúde –

Jamil HaddadMinistro da Saúde –

Adib JateneMinistro da Saúde –

José SerraObjetivo Geral Implantar política de financiamento

com o intuito de normalizar osrecursos financeiros, automáticos eregulares para a cobertura daassistência à saúde, aos estados, DFe municípios.

Disciplinar o processo dedescentralização da gestão dasações e serviços de saúde naperspectiva de construção do SUS edefinir procedimentos einstrumentos operacionais quevisam ampliar e aprimorar ascondições de gestão, com o sentidode efetivar o comando único doSUS nas três esferas de governo.

Promover e consolidar o plenoexercício, por parte do poderpúblico municipal e do DF, dafunção de gestor da atenção à saúdedos seus munícipes, com aconseqüente redefinição dasresponsabilidades dos estados, DF eda União, avançando naconsolidação dos princípios doSUS.

Promover maior eqüidade naalocação de recursos e no acesso dapopulação às ações e serviços desaúde em todos os níveis deatenção.

PrincipaisInterlocutores naformulação da Norma

INAMPS/SNAS, CONASS eCONASEMS

SAS/INAMPS CONASEMS,CONASS,

CNSIX Conferência Nacional de Saúde

SAS, CONASEMS, CONASS,CIT, CNS.

Prorrogada por recomendação da XConferência Nacional de Saúde.

SAS, CONASS, CONASEMS, CITe CNS.

Coordenação doSistema e fluxodecisório

O INAMPS define as regras para apolítica de financiamento e assumea coordenação do sistema no quetange a essa política. A Norma nãoespecifica competências de cadaesfera de governo ou qualquer outradiretriz que não esteja atrelada aofinanciamento.

O gerenciamento do processo dedescentralização no SUS tem comoeixo a prática do planejamentointegrado em cada esfera degoverno e como foros denegociação e deliberação asComissões Intergestores e osConselhos de Saúde. Nacional: CITe CNS

A direção do SUS, em cada esferade governo é composta pelo órgãosetorial do poder executivo e pelorespectivo Conselho de Saúde. Oprocesso de articulação entre osgestores, nos diferentes níveis doSistema, ocorre, preferencialmente,em dois colegiados de negociação:a CIT e a CIB.

Estabelece o processo deregionalização como estratégia dehierarquização dos serviços desaúde numa lógica de planejamentointegrado de maneira a conformarsistemas funcionais de saúde.Implica:- na elaboração do PDR –responsabilidade das SES e DF e

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Estadual: CIB e CESMunicipal: CMS.

Ênfase no Pacto Federativo e nopapel dos estados.Programação Pactuada e Integradacomo um instrumento essencial dereorganização do modelo deatenção e da gestão do SUS, dealocação dos recursos e deexplicitação do pacto estabelecidoentre as três esferas de governo.

aprovado nas CIB e CES;- no fortalecimento dascapacidades gestoras do SUS;- na atualização dos critérios edo processo de habilitação.

O MS assume a coordenação doprocesso de programação daassistência à saúde em âmbitonacional. E estabelece que cabe àsSES a coordenação da PPI noâmbito do estado.

Organização da gestãodescentralizada daassistência

A Norma restringe-se a definir apolítica de financiamento do SUS enão se propõe a avançar naorganização da gestãodescentralizada da assistência.

Institui condições de gestão paraestados e municípios, que passam aassumir responsabilidades deacordo com suas realidadespolíticas, sanitárias e capacidadeinstitucional e operacional.Cumprem requisitos diferenciadosde acordo com o nível de gestão,assim como recebem incentivosfinanceiros compatíveis com acondição assumida.Condições de Gestão:Municípios: incipiente, parcial esemiplena.Estados: parcial e semiplena.Institui as Comissões Intergestores(CIT* e CIB) como foros denegociação e deliberação entre oMS, os estados e municípios.

Reformula as condições de gestãodos estados e municípios propostana Norma anterior.Enfatiza a importância do processode negociação entre as esferas degoverno, cria mecanismosinstitucionais e incentivos para anegociação, afirmando o papel dosestados como principaisarticuladores. Estabelece a PPI.Condições de Gestão:Municípios: plena da atençãobásica e plena do sistema.Estados: avançada do sistema ouplena do sistema.

Revisa os critérios de habilitação nosentido de promover aresponsabilização dos gestores, deforma compatível com a condiçãode gestão assumida, e induz aintegração dos sistemas municipais,sob a coordenação do nívelestadual.Exigência de alimentação regulardo SIOPS e de adequaçãofinanceira da receita própria deacordo com o definido na EC29.Estabelece critérios dedesabilitação.Condições de Gestão:Municípios: plena da atençãobásica ampliada e plena do sistema.Estados: avançada do sistema eplena do sistema.

Fortalece o instrumento PPI.

Propostas paraAlocação de recursos

Adota o instrumento convenialcomo forma de transferência derecursos do INAMPS para osestados, DF e municípios e introduz

Remuneração por produção deserviços apresentados através dosSistemas de Informações daassistência ambulatorial e

Responsabilização das três esferasno financiamento da saúde.As transferências, regulares oueventuais, da União para estados,

A PPI, aprovada pela CIB, norteia aalocação de recursos federais daassistência entre municípios pelogestor estadual, resultando na

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a lógica de remuneração porserviços no pagamento dasatividades hospitalares eambulatoriais – AIH e UCA tantopara o setor público quanto para oprivado.Define requisitos básicos para atransferência de recursos federaispara os municípios, tais como:criação dos Conselhos e Fundosmunicipais, apresentação de Planos,Programação e Orçamentação daSaúde, Relatório de Gestão,contrapartida de recursos eComissão para elaboração doPCCS.

hospitalar, segundo habilitaçãomunicipal e estadual.Estabelece tetos financeiros paraestados e municípios habilitados.Estabelece incentivos financeirospara a descentralização: o FAE eFAM - fatores de apoio aos estadose municípios, repassados paraaqueles enquadrados nas condiçõesde gestão.

Remete a definição dofinanciamento de ações devigilância em saúde e outras paranormas complementares.

DF e municípios, estãocondicionadas à contrapartidadestes níveis de governo.Os recursos de investimento sãoalocados pelo MS, mediante aapresentação pela SES daprogramação de prioridades deinvestimentos, negociada na CIB eaprovada no CES.Os recursos de custeio da esferafederal, destinados às ações eserviços de saúde, configuram:- o Teto Financeiro Global,definido com base na PPI.- O Teto Financeiro Global doEstado é constituído da soma dosTetos da Assistência, da VigilânciaSanitária e da Epidemiologia econtrole das doenças.Duas modalidades de repasse dosrecursos de custeio:1 - Transferências regulares fundo afundo:* PAB fixo e PAB variável:incentivo ao PSF e PACS, e outros.FAE, TFAM, TFAE, IVR, PBVS,IVISA, ações de Epidemiologia econtrole das doenças.2 - Remuneração por serviçosproduzidos: internações,procedimentos ambulatoriais de altocusto, transitória por serviçoproduzido, FIDEPS e IVH-E,convênio.

definição de limites financeirosclaros para todos os municípios doestado, independente de suacondição de habilitação.- O limite financeiro daassistência por município é limitemáximo de recursos federais;- O limite é definido a partir daaplicação de critérios e parâmetrosde programação ambulatorial ehospitalar, respeitando o limitefinanceiro estadual e a definição dereferências intermunicipais;- Os municípios habilitados nacondição de gestão plena do sistemarecebem diretamente os recursos noFMS;- O limite está sujeito àreprogramação em função darevisão periódica da PPI,coordenada pelo gestor estadual.

Acompanhamento,controle e avaliação

A avaliação técnica e financeira doSUS em todo o território nacionalpassa a ser efetuada e coordenadapelo MS e INAMPS, em

Para cada condição de gestãoestabelece requisitos paraenquadramento e permanência nasituação. Não estabelece na Norma

As ações de auditoria analítica eoperacional constituemresponsabilidades das três esferasgestoras. Ênfase no aprimoramento

O fortalecimento das funções decontrole e avaliação dos gestores doSUS deve se dar principalmente nasseguintes dimensões: avaliação da

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cooperação técnica com os estados,DF e municípios.São instrumentos deacompanhamento, controle eavaliação: os Conselhos de Saúde,os Fundos de Saúde, os ConsórciosAdministrativos Intermunicipais, osRelatórios de Gestão, aProgramação e Orçamentação daSaúde, os Planos de aplicação dosFundos de Saúde e a Prestação decontas dos Fundos.

os instrumentos paraacompanhamento, controle eavaliação.

dos Bancos de dados cominformações de saúde e cadastro deunidades prestadoras de serviços.Não especifica instrumentos.

organização do sistema e do modelode gestão, relação com osprestadores de serviço, qualidade daassistência e satisfação dos usuáriose resultados e impacto sobre asaúde da população.O controle e a avaliação dosprestadores de serviçoscompreende:- o cadastro e conhecimentoglobal dos estabelecimentoslocalizados no território;- a condução de processos decompra e contratualização deserviços de acordo com asnecessidades identificadas e regraslegais;- o acompanhamento dofaturamento, quantidade equalidade dos serviços prestados;- acompanhamento dosorçamentos públicos em saúde,análise da coerência entre aprogramação, a produção e ofaturamento.- A regulação da assistência- Avaliação da qualidade daatenção- Avaliação dos resultados daatenção e do impacto na saúde.

Indica a necessidade mas nãoapresenta instrumentos.

Conflitos - A política de financiamento nãopreviu uma programação integradaentre as três esferas de governo;- A política de financiamentoretirou a autonomia dos estados e

- O CONASS apresentouresistência inicial quanto aos tetosfinanceiros para assistênciahospitalar;- A carência de recursos do setor

- A ênfase da política nacionalna assistência básica.- A Norma foi aprovada sem umconjunto de dispositivos necessáriosao encaminhamento da proposta tal

- Apesar do relato de negociação daproposta com a CIT e CNS, essasinstâncias demonstraraminsatisfação na forma de conduçãodo processo, denunciando uma

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municípios na gestão dos recursos;- A política de financiamento tratouespecificamente dos recursosadvindos do INAMPS;- As diretrizes políticas ignoraramas ações em VE e VISA.

dificultou o repasse de recursosrelativos ao FAM e FAE.

como foi acordada.- A Norma foi aprovada nummomento de fragilidade da gestãoJatene.

concentração decisória da SAS.

Observações Esta Norma foi acompanhada de 6portarias que já pré-definiam apolítica de financiamento. Todasdeliberadas pela secretaria doINAMPS.

O decreto nº1232 de 1994 definiu aoperacionalização dos critérios paraa definição dos valores a seremtransferidos para estados emunicípios.

A Norma foi modificada por outrasportarias a partir de 1997 e 1998.Muitos instrumentos previstos naproposta original foram distorcidose outros não implementados.As transferências de recursos fundoa fundo reduzindoprogressivamente a remuneraçãopor serviços e ampliando astransferências de caráter globalpermitem uma maior autonomia dosestados e municípios na gestão dosrecursos.

A NOAS assume o compromisso deregular a assistência à saúdemarcando um diferencial para asdemais, que apesar de regularemapenas a assistência inseriampropostas para a vigilância e ocontrole às doenças.

Em 27/02/2002 o Ministro BarjasNegri apresenta uma nova portariaestabelecendo a NOAS 01/2002 queteve por objetivo assegurar amanutenção das diretrizesorganizativas definidas pela NOAS-SUS 01/01 e oferecer as alternativasnecessárias à superação dasdificuldades e impasses oriundos dadinâmica concreta de suaimplementação.

Fonte: MS. Normas Operacionais Básicas de 1991, 1993 e 1996. Normas Operacionais da Assistência à Saúde 2001 e 2002. Elaboração própria.* A CIT existia na realidade mesmo antes da sua institucionalização na NOB93, como uma instância que reunia a representação do MS, CONASS eCONASEMS desde 1991.