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Revista Brasileira de Aplicações de Vácuo, volume 19, n o 2, ano 2000. 33 UM ESTUDO COMPARATIVO DO EFEITO SNOEK-KÖSTER EM METAIS DE TRANSIÇÃO Juliana Maria de Albuquerque Gimenez, Rosilene de Rezende, Terlize Cristina Niemeyer, Jean Paulo Reghine China, Carlos Alberto Fonzar Pintão e Carlos Roberto Grandini Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências, Departamento de Física 17.033-360, Bauru, SP, Brasil [email protected] Odila Florêncio Universidade Federal de São Carlos, Departamento de Física 13.565-065, São Carlos, SP, Brasil Palavras-chave: anelasticidade, atrito interno, efeito Snoek Resumo Átomos de impurezas intersticiais presentes em metais de transição causam alterações significativas no comportamento anelástico, que se manifestam sob a forma de picos nos espectros de atrito interno como função do inverso da temperatura, conhecidos como Picos de Snoek. Este trabalho apresenta o estudo do comportamento ane- lástico em amostras de metais de transição, como nióbio, tântalo e molibdênio contendo átomos de elementos in- tersticiais. As amostras utilizadas foram policristais pro- duzidos através de fusão por feixe de elétrons na Rice University (USA). As medidas de atrito interno foram efetuadas utilizando-se um Pêndulo de Torção invertido operando com freqüência entre 0,1 e 10 Hz, num intervalo de temperatura compreendido entre 300 e 700 K, com taxa de aquecimento em torno de 1,0 K/min. Os resultados mostraram espectros contendo uma estrutura de relaxação que foi atribuída a um processo de relaxação devido a tensões internas provocadas por uma pequena deformação da amostra. Abstract Atoms of interstitial impurities present in transi- tion metals cause significant alterations in the anelastic behavior, which appears as peaks in the internal friction spectra, known as Snoek Peaks. This work presents the study of the anelastic behavior in samples of transition metals, as niobium, tantalum and molybdenum with atoms of interstitial elements. The samples were policrystals produced electron beam melting in the Rice University (USA). The internal friction measurements were made using an inverted torsion pendulum, oscillating with fre- quency between 0,1 and 10 Hz, in a temperature range between 300 and 700 K, with heating rate around 1,0 K/min. The results shown a relaxation structure that it was attributed to a relaxation process due to internal stress caused by a small deformation of the sample. 1. Introdução Nas últimas seis décadas, as medidas de atrito in- terno têm sido utilizadas como uma rica fonte de informa- ções a respeito do comportamento de gases difundidos intersticialmente em metais ou ligas metálicas, uma vez que, através delas, podemos obter informações a respeito de difusão, concentração de intersticiais, limite de solubili- dade, fenômenos de precipitação, interação entre interstici- ais e outras imperfeições da rede cristalina [1-3]. O interesse nesse estudo iniciou-se por volta de 1940 com o primeiro trabalho de Snoek [4], no qual pos- tulou que átomos de impurezas intersticiais reorientam-se sob a ação de uma tensão externa aplicada. Essa reorienta- ção dá origem a um pico no espectro de atrito interno como função da temperatura, que ficou conhecido como Pico de Snoek. Este trabalho mostra um estudo de relaxações anelásticas efetuado em amostras de nióbio, tântalo e mo- libdênio livres de impurezas intersticiais, através de medi- das de atrito interno e freqüência como função da tempe- ratura. Os resultados mostram uma estrutura de relaxação na região de alta temperatura, que foi atribuída a um pro- cesso de relaxação devido a tensões internas provenientes do processo de fusão da amostra. 2. Parte Experimental As amostras policristalinas de nióbio, tântalo e molibdênio foram produzidas através de fusão por feixe de elétrons na Rice University (Houston, TX., USA), conten- do 99,99 % de pureza. As amostras foram recebidas na forma de barras cilíndricas com cerca 5 mm de diâmetro por 200 mm de comprimento. Para serem utilizadas em medidas de atrito interno no pêndulo de torção, foi neces- sário submeter as amostras a trabalhos mecânicos a frio, atingindo dimensões finais de 2 mm de diâmetro por 50 mm de comprimento. Este trabalho foi responsável pelo surgimento de tensões internas, que podem ser removidas efetuando-se um tratamento térmico do tipo recozimento. Essas amostras não contêm quantidade significa- tiva de elementos dissolvidos intersticialmente na matriz metálica (em solução sólida) e foram medidas da maneira como foram recebidas, após atingir as dimensões finais desejadas. Existem várias técnicas que podem ser utilizadas no estudo de relaxações anelásticas, cada qual adequada para um tipo de imperfeição a ser estudada. Por exemplo,

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Revista Brasileira de Aplicaes de Vcuo, volume 19, no 2, ano 2000.33UM ESTUDO COMPARATIVO DO EFEITO SNOEK-KSTER EM METAIS DE TRANSIOJuliana Maria de Albuquerque Gimenez, Rosilene de Rezende, Terlize Cristina Niemeyer, Jean Paulo Reghine China, CarlosAlberto Fonzar Pinto e Carlos Roberto GrandiniUniversidade Estadual Paulista, Faculdade de Cincias, Departamento de Fsica17.033-360, Bauru, SP, [email protected] FlorncioUniversidade Federal de So Carlos,Departamento de Fsica13.565-065, So Carlos, SP, BrasilPalavras-chave: anelasticidade, atrito interno, efeito SnoekResumotomosdeimpurezasintersticiaispresentesemmetaisdetransiocausamalteraessignificativasnocomportamento anelstico, que se manifestam sob a formadepicosnosespectrosdeatritointernocomofunodoinverso da temperatura, conhecidos como Picos de Snoek.Estetrabalhoapresentaoestudodocomportamentoane-lsticoemamostrasdemetaisdetransio,comonibio,tntaloemolibdniocontendotomosdeelementosin-tersticiais.Asamostrasutilizadasforampolicristaispro-duzidosatravsdefusoporfeixedeeltronsnaRiceUniversity(USA).Asmedidasdeatritointernoforamefetuadasutilizando-seumPndulodeToroinvertidooperando com freqncia entre 0,1 e 10 Hz,num intervalode temperatura compreendido entre 300 e 700 K, com taxadeaquecimentoemtornode1,0K/min.Osresultadosmostraram espectros contendo uma estrutura de relaxaoquefoiatribudaaumprocessoderelaxaodevidoatenses internas provocadas por uma pequena deformaoda amostra.AbstractAtomsofinterstitialimpuritiespresentintransi-tionmetalscausesignificantalterationsintheanelasticbehavior,whichappearsaspeaksintheinternalfrictionspectra,knownasSnoekPeaks.Thisworkpresentsthestudyoftheanelasticbehaviorinsamplesoftransitionmetals, as niobium, tantalumandmolybdenumwithatomsofinterstitialelements.ThesampleswerepolicrystalsproducedelectronbeammeltingintheRiceUniversity(USA).Theinternalfrictionmeasurementsweremadeusinganinvertedtorsionpendulum,oscillatingwithfre-quencybetween0,1and10Hz,inatemperaturerangebetween300and700K,withheatingratearound1,0K/min. The results shown a relaxation structure that it wasattributedtoarelaxationprocessduetointernalstresscaused by a small deformation of the sample.1. IntroduoNas ltimas seis dcadas, asmedidasdeatritoin-terno tm sido utilizadas como uma ricafonte deinforma-esarespeitodocomportamentodegasesdifundidosintersticialmenteemmetaisouligasmetlicas,umavezque,atravsdelas,podemosobterinformaesarespeitode difuso, concentrao de intersticiais, limite de solubili-dade, fenmenos de precipitao, interao entre interstici-ais e outras imperfeies da rede cristalina [1-3].Ointeressenesseestudoiniciou-seporvoltade1940comoprimeirotrabalhodeSnoek[4],noqualpos-tulouquetomosdeimpurezasintersticiaisreorientam-sesob a ao de uma tenso externa aplicada. Essa reorienta-odorigemaumpiconoespectrodeatritointernocomofunodatemperatura,queficouconhecidocomoPico de Snoek.Estetrabalhomostraumestudoderelaxaesanelsticasefetuadoemamostrasdenibio,tntaloemo-libdniolivresdeimpurezasintersticiais,atravsdemedi-dasdeatritointernoefreqnciacomofunodatempe-ratura.Osresultadosmostramumaestruturaderelaxaonaregiodealtatemperatura,quefoiatribudaaumpro-cessoderelaxaodevidoatensesinternasprovenientesdo processo de fuso da amostra.2. Parte ExperimentalAsamostraspolicristalinasdenibio,tntaloemolibdnio foram produzidas atravs de fuso por feixe deeltronsnaRiceUniversity(Houston,TX.,USA),conten-do99,99%depureza.Asamostrasforamrecebidasnaformadebarrascilndricascomcerca5mmdedimetropor200mmdecomprimento.Paraseremutilizadasemmedidasdeatritointernonopndulodetoro,foineces-sriosubmeterasamostrasatrabalhosmecnicosafrio,atingindodimensesfinaisde2mmdedimetropor50mmdecomprimento.Estetrabalhofoiresponsvelpelosurgimentodetensesinternas,quepodemserremovidasefetuando-se um tratamento trmico do tipo recozimento.Essasamostrasnocontmquantidadesignifica-tivadeelementosdissolvidosintersticialmentenamatrizmetlica(emsoluoslida)eforammedidasdamaneiracomoforamrecebidas,apsatingirasdimensesfinaisdesejadas.Existemvriastcnicasquepodemserutilizadasnoestudoderelaxaesanelsticas,cadaqualadequadaparaumtipodeimperfeioaserestudada.Porexemplo,Revista Brasileira de Aplicaes de Vcuo, volume 19, no 2, ano 2000.34utiliza-sealtafreqncia(Pulso-EcoUltrassnico)paraseobterinformaesarespeitodelinhasdediscordnciaoudefeitospontuaisebaixafreqncia(PndulodeToro),para investigar intersticiais.Oprincpiodemedidadoatritointernomuitosimples:aamostracolocadaavibraremseumodofun-damental (vibraes livres ou foradas), que causa adissi-pao de energia sob a forma de calor, devido a existnciadeatritointerno.Essadissipaodeenergiapodeserme-didadiretaouindiretamente.NocasodoPndulodeTor-o,essadissipaodeenergiaporciclomedidaatravsdodecrementologartmicoque,amenosdeumacons-tante, o prprio atrito interno da amostra [5].Osespectrosdeatritointernoefreqnciacomofunodatemperaturaforamobtidosutilizando-seumPndulo de Toro invertido [6] com freqncia de oscila-o entre 1,0 e 10 Hz na faixa de temperatura compreendi-daentre300e700K.Asmedidasforamefetuadasaque-cendoasamostras,comtaxaemtornode1,0K/minevcuo da ordem de 10-5 mbar. Os dados relativos ao amor-tecimentodaamplitudedeoscilaoforamcoletadosau-tomaticamente,utilizando-seumfeixedelaserrefletidoporumespelhocolocadosobreoeixodopnduloeatin-gindo dois fotodiodos conectados a um microcomputador.3. Resultados e DiscussoAs curvas de atrito interno e freqncia funo datemperatura para a amostra de nibio medida com freqn-cia de oscilao de 1,4 e 9,1 Hz, so mostradas na figura 1.Podemosobservarqueosespectrosderelaxaoapresen-tamumaestruturaderelaxaonaregiodealtatempera-tura,aparentementetrmicamenteativada(porquestestcnicas,nofoipossvelcompletaropico,emfunodamxima temperatura atingida pelo sistemaser700K). Talestrutura caracterstica de uma amostra deformada e comtensesinternas,oriundasdoprocessodepreparaodaamostra [7]. Ascurvasdeatritointernoefreqnciaparaaamostra de tntalo, medida com freqncia de 2,8 e 9,0 Hz,somostradas nafigura2.Nessecaso,aestruturaderela-xaobemmaisclaraepercebemosquesetratadeumprocessoderelaxaotermicamenteativado,isto,deslo-ca-separaaregiodealtatemperaturacomoaumentodafreqncia.Aamplitudedopicotambmaumentacomoaumento da freqncia.Umcomportamentosemelhanteobservadonascurvasdeatritointernoefreqnciaparaaamostrademolibdnio,medida comfreqncia de 3,5e11,2Hz,queso apresentadas nafigura 3. Nesse caso, alm dacaracte-rstica de deslocar-se para a regio de alta temperatura comoaumentodafreqncia,observamosumaumentodesco-munal na amplitude do pico com o aumento da freqncia.Fazendoumaanlisedetodososresultadosapre-sentados,ficaumasuspeitaqueopicoderelaxaoen-contrado na regio de alta temperatura seja devido aopro-cessoderelaxaodeSnek-Kster.Esteprocessoderelaxaodevidoamostraconterumacertataxadedeformao, provavelmente oriunda do processo de prepa-rao da amostra.300 400 500 600 7000,000,020,040,060,080,10 f = 1,4 HzQ-1T (K)0.960.981.00Nibiof / fo f = 9,1 Hz0,960,981,00Figura 1 Atrito interno e freqncia como funo datemperatura para a amostra de nibio.Paraverificarestasuspeita,analisamosospicosapresentados,fazendoumaregressoatravsdomtododassubtraessucessivas,usandoomdulopeakfittingdo software Microcal Origin. Tal procedimentoconsisti-r nomelhor ajuste de um pico do tipo Debye, que defi-nido pela expresso:onde:Q-1maalturadopico;EaenergiadeativaoeTm a temperatura do pico.Os parmetros de relaxao referente a este proces-so so:Material Freqncia(Hz)Temperaturado pico (K)Energia deAtivao (eV)Nb 1,4 635,4 1,20Ta 2,8 605,8 1,259,0 641,2 1,25Mo 3,5 649,7 1,40Comparandonossosresultadoscomosapresenta-dosnaliteratura[8-10],paraesteprocessoderelaxao,encontramosumacongrunciamuitoboa,dentrodeumerro de 10%.1]1

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T T kEh Q Qmm1 1sec1 1Revista Brasileira de Aplicaes de Vcuo, volume 19, no 2, ano 2000.350,000,020,040,060,080,10 f=9,0 HzTntaloQ-1300 400 500 600 700 f=2,8 HzT (K)0,920,961,00f / foFigura2Atritointernoefreqnciacomofunodatemperatura para a amostra de tntalo.4. ConclusesNsestudamosporintermdiodemedidasdere-laxaesanelsticas,amostrasdenibio,tntaloemo-libdniosemapresenadeelementosintersticiaisnama-trizmetlica,daformacomoforamrecebidasdoprocessode fuso.Osresultadosmostraramespectroscontendoumaestrutura de relaxao na regio de alta temperatura que foiatribudaaumprocessoderelaxaodevidoatensesinternasprovocadasporumapequenadeformaodaamostra, provavelmente proveniente do processo de prepa-raodasamostras(processoderelaxaoSnek-Kster),cujaenergiadeativaode1,20eVparaNb,1,25eVpara Ta e1,45 eV para Mo.5. AgradecimentosOsautoresagradecemaoProf.Dr.JosRobertoGonalvesdaSilvapelacessodasamostrasdenibio,tntalo e molibdnio e ao CNPq, FAPESP e FUNDUNESPpelo suporte financeiro.300 400 500 600 7000,000,020,040,060,080,10Molibdnio f = 3,5 HzQ-1T (K)0,961,001,041,08f / fo f = 11,2 HzFigura3Atritointernoefreqnciacomofunodatemperatura para a amostra de molibdnio.6. Referncias 1B. S. Berry, Acta Metall. 10, 271 (1962). 2C. A. Wert, J. Phys. Chem. Solids 31, 1771 (1970). 3Z. C. Szkopiak, J. Physique 32, C21 (1971). 4J. L. Snoek, Physica 8, 711 (1941). 5A.S.NowickandB.S.Berry,AnelasticRelaxationinCrystalline Solids, Academic Press, New York, 1972. 6C.R.Grandini;R.M.F.Scalvi;A.R.G.Oliveira;O.Florncio;H.TejimaeJ.A.R.Jordo,RevistaBrasileirade Fsica Aplicada e Instrumentao 10, 133 (1995). 7C. A. Wert, J. Appl. Phys. 60, 1888 (1986). 8M. Weller, J. de Physique 46, C1071 (1985). 9L.Hollang;M.Hommel;A.Seeger,Phys.Stat.Sol.(a) 160, 326 (1997).10Q. F. Fang, M. Weller and J. Diehl, Phys. Stat. Sol. (a)156, 331 (1996).