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n revista

Entrevista com Rodger Franco de Rogério, dia 10 de novembro de 2009

lorena - Rodger, a música o acompanhadesde muito jovem. A produção apurou quevocê se alfabetizou para conseguir entender osfolhetos de música que eram vendidos e eraapaixonado pelas canções que tocavam no rá-dio. Ainda jovem, começou a compor, a tocarviolão e a se apresentar na noite. Mesmo tendotodo esse vínculo com a música, por que vocêresolveu fazer um curso superior de Física?

Rodger - É interessante, né, isso? Mas es-sas coisas têm a ver, eu acho. Hoje, eu mais oumenos percebo isso. Meu pai morreu, eu tinhanove anos quando ele morreu. Então eu fiqueimuito ligado à família da minha mãe, que erauma família toda de professores; minha avó eraprofessora e tinha uma irmã professora, minhamãe, professora, minha tia, professora. E eu,desde cedo, achei que ia ser professor também,faltava só escolher a matéria ... E, inicialmente,eu pensei que fosse Matemática. Eu tinha umafacilidade, gostava de estudar Matemática. E,quando entrei no segundo grau, comecei a es-tudar Física e eu balancei pro lado da Física pelacuriosidade. Não era só um raciocínio lógico. Ti-nha o fenômeno ... Entender o que estava acon-tecendo, então eu fui fisgado por esse lado aí.Agora, a música sempre me acompanhou, querdizer, por conta de não ter me profissionalizado,ter vivido de música, eu nunca me afastei. Antesde eu entrar na Universidade como estudante,eu já tocava na noite, tocava em festa. Eu pareide tocar quando recebi uma bolsa, aí fui obri-gado a parar de tocar. Eu recebia a bolsa, pa-rei de tocar em todos os lugares, menos numaboate que tinha no San Pedra Hotel chamadaSan Pedro Roof (o hotel não mais existe). Con-segui a bolsa, fiquei com a bolsa, fiquei tocandono San Pedro à noite quando um belo dia ace-dem um spot em cima de mim e, segunda-feira,quando cheguei na UFC (Universidade Federaldo Ceará), tinham tomado minha bolsa (por)queeu tava tocando. Eu achei uma grande safadeza(risos).

Joana - Rodger, você é músico, você é fí-sico, mas quando você era pequeno a gentedescobriu que você queria ser aviador. Por queesse sonho não seguiu adiante?

Rodger - Meu pai era aviador. O sonho eraesse, que meu pai era aviador e ele morreu dedesastre. Então, pra minha mãe, ela não aceita-va de forma alguma que eu fosse ser aviador.Ela fez de tudo: acendeu vela, foi pra macumbarindo), fez tudo o que tava ao alcance dela fazerra eu não entrar na Aeronáutica, não tirar rni-

~ a via, essas coisas ...

lara - Eu queria voltar um pouquinho pra suarelação com a música. Eu queria saber mesmoo início. Já foi falado que você gostava muitode ouvir rádio e aprendeu mesmo a ler porquetinha curiosidade de ler aqueles folhetos que ti-nham as letras das músicas ...

Rodger - Foi. É, eu não terminei de falarisso, né? Perdão. É que eu estava já na escola,mas .ia muito devagar e eu queria acompanhar,ler na velocidade que o cantor cantava. Entãoapressei mesmo, procurei me exercitar pra leros folhetinhos que eu comprava, com as letrasdas músicas.

lara - E como foi essa descoberta como mú-sico? Aprender a tocar ...

Rodger - Eu já tinha tentado tocar piano, emuma ocasião, ainda criança, bem criança mes-mo, mas o estilo da professora me afastou dopiano (risos); a professora não tinha uma boadidática não, eu acho, e me afastou do piano. Jána pré-adolescência, já com doze anos, eu tinhaum colega vizinho que tocava violão e eu co-nhecia algumas músicas. E ouvi o João Gilberto(cantor e compositor baiano, um dos expoentesda Bossa Nova) um dia, né? Fiquei encantadocom aquilo e quis fazer uma coisa parecida, medeu vontade, achei que podia fazer aquilo. E fuiem frente.

Victor - Além do João Gilberto, havia outrainspiração artística profissional?

Rodger - Praticamente tudo o que eu ouviaeu gostava. Nessa época ainda não existia essasdivisões de cunho intelectual da música popu-lar. Não existia o brega, não existia o classe mé-dia, não tinha isso, tudo era música brasileira. E(tocava) música americana, tocava muita músicaitaliana também, música francesa no rádio, toca-va muito. Mas tocava mais brasileira; muito Or-lando Silva (cantor de música popular brasileirafamoso entre 1930 e 1960), muito Francisco AI-ves (cantor de música popular brasileira, famo-so entre 1920 e 1950), muito Nelson Gonçalves(cantor brasileiro, segundo maior vendedor dediscos da história do Brasil). .. Depois vêm osmais modernos: Dick Farney (cantor brasileiroque iniciou a modernização da música brasileirajunto a outros, como Maysa), Lúcio Alves (can-tor e compositor brasileiro, famoso entre 1950 e1970)... Então com a música foi assim.

Tem um episódio interessante que eu fiqueiaperreando minha mãe com a ideia de comprarum violão. Ela sempre foi um pouco dura degrana porque ela é professora do Liceu (ColégioEstadual Liceu do Ceará, um dos mais tradicio-nais colégios do Estado). Então pra me sustentar

RODGER ROGÉRIO I 63

A ideia de entrevistarRodger Rogério surgiuuma noite na faculdade.Diversos colegas esta-vam ajudando a equipede produção a pensarem nomes e o dele foio mais citado. HenriqueBeltrão forneceu algunsdados e muita empolga-ção para a entrevista.

Henrique Beltrão é poe-ta, radialista e professorde Letras da UFC. Ele deuà produção as primeirasinformações sobre Rod-gero Cerveja pra come-morar o escolhido!

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Lorena, lara e Henriqueconstroem juntos o pro-grama Sem Fronteiras:Plural pela Paz, da RádioUniversitária FM 107,9.Foi para convidá-Io proprograma que fizeram aprimeira ligação. No dia,iriam chamar pessoal-mente Rodger para a Re-vista Entrevista n° 23.

Assim foi feito. No dia 24de outubro, Rodger foià Rádio. Após o progra-ma de uma hora, Lorenae lara, com exemplaresda Entrevista a postos,fizeram o convite. Convi-te aceito. Agora era darconta da enorme lista depré-entrevistados que tí-nhamos em mãos.

sozinha e tal ... Aí um dia ela disse: "Meu filho,quanto é esse violão que você quer comprar?"Eu disse: "É tanto", disse lá o preço. Ela disse:"Pois, meu filho, no fim do mês eu lhe dou,quando eu receber". Ela me deu dinheiro, eu fuicom um amigo meu que tocava pra escolher oviolão. Nessa história de escolher o violão, verse ele estava afinado direitinho ... E comprei umMétodo, um Método bem simples, e bem an-tigo, Método do Canhoto. Estou na sala lá emcasa com o Método aberto e o violão aqui, bo-tando o dedo aqui e (faz gestos de colocar osdedos nas cordas de um violão) ... Pra tentar tirarum som do violão, porque uma coisa horrível évocê tentar tirar um som do violão quando vocênunca pegou ... Minha avó entrou, disse: "Dequem é esse violão?" "É meu" "Quem lhe deu?"E eu disse: "Mãezinha" Ela entrou em casa e gri-ta: "Oh, Monavon (apelido de Dona Maria José,mãe de Rodger), por que não comprou uma gar-rafa de cachaça pro menino também?" (risos).Essa história eu nunca mais esqueci! É um pre-conceito grande com negócio de música, violãoentão ...

Lorena - E como é que sua mãe reagia nesseperíodo?

Rodger - Ela não gostou quando eu come-cei a tocar em bar, esse negócio ela não gostou.(Dizia) "Você não precisa de dinheiro, pra queque você vai tocar?"; "você precisa estudar, nãová se meter com isso" ... Ela reagiu um pouco,mas também sem muita insistência, aqui acoláum sermãozinho, sabe?

Lorena - Rodger, nessa época também, agente descobriu que você era muito apaixona-do por cinema. O Pedro Rogério, seu filho, disseque você chegava a assistir a várias sessões se-guidas do mesmo filme. O que mais o fascinavano cinema?

Rodger - Eu não sei, o cinema é encanta-mento mesmo de criança, né? O primeiro filmeque eu vi, eu fiquei encantado com aquilo. E naminha adolescência ainda não tinha televisão, agente ia pro cinema; não era só eu, a turma todaia pro cinema todo santo dia; só não ia pro ci-nema dia de segunda-feira porque a gente ia na

sala do bairro, morava aqui no (bairro) JardimAmérica, e tinha o cinema, a gente assistia lá edia de segunda-feira era folga do pessoal, nãotinha cinema dia de segunda-feira. Mas em com-pensação, sábado e domingo era futebol e cine-ma. Ou jogando ou assistindo o cinema: cinemadia de domingo de manhã, cinema domingo ànoite, cinema sábado à noite, cinema sábado àtarde ... Era muito cinema!

lara - Avançando um pouquinho ... Sobrea sua entrada na Universidade. Você chegou àUniversidade num período conturbado politica-mente no Brasil. Era o início da ditadura (dita-dura militar de 1964) e o movimento estudantilestava se organizando pra combater o regime.A gente descobriu que você chegou a ser presoporque mimeografou (mimeógrafo: aparelho decópia que precedeu a existência da fotocopiado-ra/xerox) um documento que continha um con-teúdo lá contra a ditadura. Você era envolvidocom essas organizações políticas da época?

Rodger - Não, com nenhuma organização.Fui muito assediado pra ir pro PCdoB (PartidoComunista do Brasil), pro PC (Partido Cristão) ...Na época, pra AP, Ação Popular, que era católi-ca. Mas nunca entrei em nenhuma organização,nunca quis. Eu passei a fazer parte do que opessoal chamava pejorativamente de esquerdafestiva; que vivia de festa, vivia tocando violão,na boemia e tal.

lara - E o episódio da prisão?Rodger - Pois é, a gente tava fazendo um

espetáculo no teatro da Universidade PaschoalCarlos Magno. Num desses em particular termi-nou o show, eu fui fazer uma serenata com osamigos, bebi. Cheguei em casa já de madrugadi-nha assim ... E mal me deitei os caras chegaramlá em casa, eles estavam esperando eu chegar.Pronto, eu já fui ... Me levaram pra polícia, eu fi-quei um dia quase todo lá na delegacia, na polí-cia; depois me levaram pro 23 BC (239. Batalhãode Caçadores, do Exército Brasileiro, localizadoem Fortaleza), eu fiquei numa cela no 23 BC.Tem cela e xadrez, cela é individual, xadrez écoletivo. Então eu fui preso como elemento dealta periculosidade (risos); tinha de ficar inco-municável, eu fiquei incomunicável.

lara - Eu queria só esclarecer o seguinte:você falou que na verdade não fazia parte denenhuma organização. Então como foi essa (pri-são)? Foi um favor?

Rodger - Foi, foi. Foi uma turma de secunda-rista, ainda, lá do bairro. Um dos meninos pediu,perguntou se eu tinha chance de mimeografaralguma coisa e eu disse que tinha. Ele pediu praeu mimeografar e tinha um camarada infiltradono grupo que exigiu que ele dissesse quem ti-nha mimeografado, ele acabou dizendo e aca-bou me entregando. Os caras acharam que euera líder, porque como eu era universitário e osoutros eram secundaristas ... O problema grandefoi esse.

Thiago - Mas você chegou a ser agredido?Rodger - Não, fisicamente não. Teve um ofi-

cial do dia que uma vez ficou tirando onda comi-go, eu era cabeludo; "ei, cabeludo, tá preso porquê?" e eu calado, né? "Tá preso por quê? Tava

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fumando maconha?" E eu calado ... Ele ficouenchendo o saco, enchendo o saco e eu disseassim: "Eu esperava que os oficiais do Exérci-to Brasileiro fossem mais educados". Ele disse:"Você quer que eu jogue água e bote um fio elé-trico aí seu filho (não completa a frase) ...?" Eucalei e pronto, ficou por isso mesmo.

Pâmela - E você passou quanto tempo pre-so?

Rodger - Passei nove dias. Agora o queaconteceu foi que anos depois, eu já professorda Universidade ... Foi assim, o camarada que foime prender perguntou de quem era a foto queestava na sala. Eu disse que era do meu pai. Eleme pediu mil desculpas porque ele disse que játinha sido amigo do meu pai e tal, gostava muitodele, mas infelizmente estava fazendo o traba-lho dele, teve isso. E anos depois eu reencontreiesse camarada, a gente acabou bebendo juntosalgumas vezes, aqui na Gentilândia (bairro deFortaleza, próximo ao Campus Benfica, conhe-cido pela noite boêmia).

Joana - Rodger, e como era a dinâmica dofazer arte dentro da Universidade?

Rodger - Olha, a gente fazia dentro da Uni-versidade porque a gente vivia aqui dentro. Agente vivia aqui, era o dia todo aqui ... Pelo me-nos que eu digo aqui no Benfica, tanto que fun-cionava quase tudo no Benfica. (Nessa hora, eleexplica a localização dos campi da UFC). Entãotudo funcionava por aqui mesmo. E era isso. Agente se encontrava aqui, a gente se encontra-va em casa ... A coisa ia se movimentando, aspessoas se encontrando ... Primeiro eu conhe-ci, claro, o pessoal da Física e da Matemática,aqui acolá alguém da Medicina, da Engenharia,porque a gente fazia refeição no CEU, o Clubede Estudantes Universitários ... A Universidadeainda era pequena, a gente conhecia gente, opessoal de várias áreas, a gente convivia comesse pessoal todo. E se discutia política, con-versava sobre tudo ... E se fazia música, se faziateatro, tinha a turma que fazia teatro, tinha a tur-ma ql;le fazia música; eu sempre acompanhei opessoal que fazia teatro e, engraçado, eu nuncaachei que pudesse ser ator um dia porque atépra cantar eu reagia, eu era muito tímido, muitotímido mesmo, muito ... Isso me atrapalhou mui-to na vida. Não deixei de ser tímido não, mas jáconsigo superar.

Lorena - Rodger, voltando só um pouquinhoaqui pra música, quando você tinha 18 anos,sua mãe casou de novo com o Emanuel e vocêsdois acabaram tocando juntos numa banda: OsBossa Norte. Que lembranças você tem dessaépoca?

Rodger - Emanuel, quando ele casou coma minha mãe, ele já era músico, cantor. E elesformaram um conjunto ... Veio uma turma deSão Paulo pra cá, um rapaz do Rio e dois de SãoPaulo. Quando eles chegaram aqui, esse grupode São Paulo, esses rapazes ficaram loucos porFortaleza e não queriam mais voltar. Vieram fi-car aqui. Por coincidência, também estava pas-sando por aqui um baterista muito bom do Rio,e eles formaram um grupo com o Emanuel, meupadrasto, cantando. O rapaz do baixo, quando

C -pt. o

o grupo estava pra começar a render dinheiro,ainda ia demorar alguns dias ou meses, ele con-seguiu um emprego numa outra banda. Ficouo baixo vazio e estava já na véspera de eles es-trearem num programa na televisão e num pro-grama no rádio. Eu fui assim de (surpresa). Eu játocava violão, conseguiram um baixo pra mim eeu fiquei estudando baixo em casa. Eu aprendimuito nesse tempo. De música, aprendi muito.E comecei a tocar profissionalmente nessa épo-ca... Exatamente em 1963... Eu não lembro se foiem 1962. Em 1964, eu tirei a carteira da ordemdos músicos.

João - Rodger, nesse período de vivênciauniversitária que você comentou que passava odia lá no Benfica, período em que você estavaexperimentando a música, você tinha algumaambição de se tornar uma figura importante nocenário musical cearense?

Rodger - Não, não pensava nisso não. Músi-ca era muito a minha brincadeira. Ainda hoje euvejo assim: ainda é minha brincadeira. Eu passeia cobrar depois que o negócio começou a aper-tar, o salário do professor começou a ficar ruimdemais, aí eu comecei a cobrar, mas antes eunem pensava nisso. Eu vivia da Universidade.

Joana - E paralelamente a essa sua vivênciauniversitária, começaram a acontecer os festi-vais de música no Ceará. Conta um pouco pragente como foi isso.

Rodger - Teve três festivais que para mimforam os mais importantes: o Festival do Gruta,Grupo Universitário de Teatro e Arte, que tinhacomo presidente o (jornalista) Cláudio Perei-ra (na época, sua casa era ponto de encontrodos artistas pois morava perto do Bar do Aní-sio), que já nesse tempo era agitador cultural, eAugusto Pontes (jornalista, publicitário, filósofo,letrista, é considerado o guru dessa geração.Foi secretário de Cultura do Estado; falecido em2009) era diretor de espetáculos. Durante essefestival do Gruta, foi no final de 67, eu estava emSão Paulo. Quando eu cheguei de lá, formadopela USP, ia haver a segunda noite do festival.Eu fui e, quando cheguei lá, estava a minha mú-sica inscrita (Mundo-Mundá, de Rodger Rogérioe Augusto Pontes). O Augusto tinha inscrito amúsica minha e dele e tinha umas meninas que

"Música era muito aminha brincadeira.Ainda hoje eu vejo

assim, ainda éminha brincadeira.Eu passei a cobrar

depois que o negóciocomeçou a apertar. .. 1I

RODGER ROGÉRIO I 65

O primeiro pré-entrevis-tado foi Pedra Rogério,filho de Rodger, que es-creveu o livro: Pessoaldo Ceará: campo e habi-tus cultural na década de70, publicado pela Edito-ra da UFC no Festival deCultura Ecos de 68.

Pedra Rogério nos rece-beu em seu apartamen-to, próximo ao Iguatemi.Surpresa: quando che-gamos lá, além do entre-vistado, um cinegrafistae uma câmera nos es-peravam. A conversa iaser filmada para servir deobjeto de pesquisa prodoutorado de Pedra.

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Depois de quase duashoras de conversa dei-xamos o apartamento dePedro com três exem-plares autografados dolivro, que havia sido suadissertação de mestrado.

o trabalho de produ-ção teve como trilha asmúsicas de Rodger. Asfaixas Falando da Vidae Na ponta do Lápis fo-ram as mais ouvidas. Oproblema é que algunsmembros da equipe sóaprenderam um trechodas músicas e ficavamrepetindo o dia todo, pradesespero dos demais.

me defenderam com o Cirino (músico cearense)tocando violão. No Festival da (rádio) Assunção,eu já estava aqui, foi no final de 68. A gente jun-tou muita gente: o Fagner participou, o JorgeMello (cantor, compositor e repentista piauien-se radicado no Ceará), o Braguinha (compositorcearense). Eu acho que o Fausto Nilo estava nojúri e foi importante porque a gente vivencioumuito a rádio e a gente vivencipu muita loucuraque aconteceu na rádio. Rádio é lugar que doidogosta, porque só aparece doido em rádio. Eu co-nheci um rapaz lá que era compositor de todasas músicas. Todos os sucessos quem fez foi ele.Roberto Carlos era um impostor, Chico Buarqueera um impostor ... Aí um dia alguém perguntoupra ele: "Mas fulano, e antes de tu nascer nãotinha música não?" Aí ele disse: "Os tangos nãofui eu que fiz não ...n (risos de todos).

Lorena - Em 1972, foi gravado o antológicodisco Meu corpo minha embalagem todo gas-to na viagem, mais conhecido como Pessoaldo Ceará, do qual você participou juntamentecom outros artistas, entre eles Téti e Ednardo.Como é que o Rodger de hoje, passados qua-se 40 anos dessa caminhada artística, olha paraaqueles jovens que foram para São Paulo gravarum disco numa época em que a música era cen-surada e o país estava fervilhando tanto políticaquanto culturalmente?

Rodger - Olha, os meninos, o Ednardo, oBelchior, o Fagner, a Amelinha ... A vontade de-les era muito grande, de ser artista, de ser reco-nhecido nacionalmente. Isso daí dá uma força àcaminhada grande. Eu, como já era professor,eu não tinha essa vontade toda porque eu fica-va em dúvida se eu ia querer largar minha vidaacadêmica pra tentar (a música} ... Inclusive, eutentei, teve um momento que eu pedi suspen-são de contrato e fui pra São Paulo só fazer mú-sica. Fiquei um ano e meio lá, mas depois deum tempo eu senti falta. O mundo, as relaçõescom as gravadoras, com os donos das casas no-turnas, esse negócio de cobrar cachê, isso tudopra mim era muito complicado. Aí eu acabavaficando mesmo nas pilastras da Universidade,porque eu via que eu ia ter uma dificuldadegrande de ganhar dinheiro por conta de não sa-ber lidar com isso, por eu não ter me preparadopara isso. Diferente dos meninos. O Fagner foiainda moleque. Ele tinha uns parentes, foi dife-rente. Então, às vezes, as pessoas perguntam:"Mas por que você não ficou lá?" Eu digo: "Aca-

bei querendo voltar mesmo". Outra coisa é SãoPaulo. São Paulo é uma cidade que tem seus en-cantos, como toda cidade tem, mas é meio durolá, sair de casa em São Paulo pra fazer algumacoisa é barra pesada.

Victor - Houve um deslumbramento da suaparte quando você começou a ficar em evidên-cia?

Rodger - Eu nunca fiquei muito em evidên-cia não. Eu sempre me escondi por causa da ti-midez ... Eu cantava à força. Hoje eu canto comvontade, mas na época eu cantava à força, eucantava porque tinha de cantar.

lara - A gente descobriu que a Elis Regina,em uma ocasião, convidou você pra ir à casadela e pediu que você levasse o violão pra mos-trar suas composições e, quando chegou lá,você não levou o violão ...

Victor - Você se arrepende de não ter levadoo violão?

Rodger - Rapaz, às vezes sim, eu podia terlevado o violão, podia ter mostrado as músicas,precisava nem cantar porque a Téti foi comigoe ela cantava, né? Mas não levei, encabuladodemais. E ela foi muito legal, recebeu a gentemuito bem, muito animada, muito alegre. Foimuito legal.

lara - Por que essa geração do Ceará dessaépoca foi pra São Paulo? Em busca de quê?

Rodger - É porque naquela época você sópodia viver de música se fosse pra lá. Pra viverde música aqui era uma coisa muito cruel, erapra ser muito pobre. Os músicos aqui do Cea-rá eram muito pobres na época. Hoje não. Hojechega aí na classe média, mas na época músicoera gente que ganhava muito pouco. O pessoaldas latas - piston, trombone, saxofone - ia prasbandas militares pra ter um salariozinho, ia sersoldado, sargento ... No início, era muito cruelser músico aqui. Então tinha de ir pro Rio e praSão Paulo mesmo, onde estavam as radiadoras,como diz Augusto lá na música do carneiro: "Euvou pra voltar em revistas coloridas, eu vou pravoltar em vídeo tapes" (música Carneiro, de Ed-nardo e Augusto Pontes).

João - Mas você é otimista quanto ao cená-rio da música do Ceará hoje?

Rodger - Eu sou, sou ... Eu sou otimista nogeral (sorrindo). Eu acho que nós estamos vi-vendo o melhor momento. Aqui no Ceará estáum paraíso. Tem os percalços do dia-a-dia, opessoal fala muito em violência, mas, se a gen-

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te for olhar o lado bom, é bom demais, rapaz,morar aqui!

Victor - Dá pra viver de música hoje em diaaqui no Ceará?

Rodger - Dá, dá. Muita gente vive ... Princi-palmente porque agora tem escola superior,porque aí já é um patamar mais elevado, um ní-vel social também, não só cultural.

Victor - Rodger, você disse que preferia seesconder, né? Como era sua relação com essesque estavam mais sob a luz dos holofotes?

Rodger - Minha relação com eles sempre foimuito boa. A gente se trata como irmão quandose encontra. Agora a relação entre eles não éboa (risos). Quando eu estou com um, (ele) ficafalando do outro, mas são todos pessoas muitolegais. Todos três (refere-se a Fagner, Ednardoe Belchior). Amelinha também. O Fagner é umcamarada muito generoso, o Ednardo também.

Thiago - Mas esse conflito entre eles é devi-do à fama?

Rodger - Eu já tentei entender, mas não con-segui entender não ... (risos)

Pâmela - Como era o contato de vocês comos outros músicos fora desse grupo cearense?

Rodger - Era bom, mas eu não conheci mui-ta gente. Eu conheci, en passant, Raul Seixas,conheci Ivan Lins, conheci Gonzaguinha, mastudo muito rapidamente, não tinha muitos con-tatos; Moraes (More ira) , que era parceiro doFausto (Nilo). ..

Lorena - No livro Pessoal do Ceará: Habituse Campo musical na década de 70, que foi feitopelo Pedro (Rogério, filho de Rodger), o FaustoNilo diz que a música Bye, bye baiáo é uma re-ferência a Humberto Teixeira (compositor) e, emrelação à Bossa Nova, ele diz: "Rodger tem umcomponente de Bossa Nova que envenena mui-to esta tradição e transforma em outra coisa".Como era esse processo de ressignificação?Esse processo de estar bebendo na fonte, masestar ressignificando aquela música?

Rodger - Olha, eu nunca analisei ... Mas éporque eram meus interesses, na verdade, sãoos meus interesses. Porque a grande beleza daBossa Nova são as harmonias, que são bem tra-balhadas, diferente da harmonia que se fazia an-teriormente, que às vezes a música ficava muitoenfeitada, mas era uma coisa que já era sem no-vidade. Você ouvia e já vinha adivinhando o queé que vinha na sequência. A Bossa Nova, não.Ela fugiu disso completamente, entortou a mú-sica, deu umas torcidas, e isso me encantava.É tanto que, quando eu faço qualquer músicaque não seja Bossa Nova, qualquer que seja ogênero que eu esteja trabalhando no momento,essa coisa da harmonia está presente sempre.Em tudo que eu vou fazer tem isso.

lara - Na verdade, a gente queria saber emquê o Pessoal do Ceará se inspirava. Porque sãocomposições muito múltiplas ... Quem vocês ou-viam?

Rodger - É um caleidoscópio mesmo. Agente conhecia as músicas pelo rádio, entãotudo que tocava no rádio a gente ouvia, tudo,até a gente começar a ter condições de comprardisco, porque disco era um objeto muito caro

11( ... ) Um belo diaacendem um spotem cima de mime, segunda-feira,

quando cheguei naUFC, tinham tomado

minha bolsa (por)que eu tava tocando.

Eu achei isso umagrande safadeza"

também, era mais caro que o livro ... Então eramuito rádio mesmo. Ninguém tinha facilidadede gravar do rádio, não existia gravador portátil.Era tudo complicado. Inclusive, não tinha revis-ta com cifra, estas revistas com as harmoniasque ajudam muito pra quem tá aprendendo ... Agente tinha de batalhar pra tirar de ouvido, ouvirmuitas vezes. Agora, ao mesmo tempo, isso foibom porque a gente se educou mais. A genteacaba educando mais o ouvido porque tem dedar atenção àquilo, eu espero, né?

Lorena - Rodger, vocês ficaram conhecidoscomo Pessoal do Ceará mais por acaso; numprograma que vocês estavam participando vo-cês ficaram com esse rótulo Pessoal do Ceará.À época, vocês se sentiam representando o pes-soal do Ceará?

Rodger - Nesse primeiro programa eu nãoestava. Nesse, estava o Petrúcio (Maia, músicoe compositor já falecido), o Belchior e o Cirino. Enenhum dos três são do disco. O apresentador,não decorando o nome dos três, disse: "Aquié o pessoal do Ceará", por conta que a genteutilizava muito esse termo "pessoal". A gentenão dizia "turma", dizia "pessoal". Ele chamoutambém Pessoal do Ceará e foi ficando. A gentereagiu um pouco. Inclusive a gente exigiu queo nome do disco fosse aquele, que era uma ho-menagem ao Augusto (Pontes). Eles botaramsem-vergonha mente na capa, onde tem de apu-rar a vista pra ler, aí você abre assim (faz gestosimitando abrir um LP) e tem Pessoal do Ceará.Mas eu acho que eles estavam certos, porque éum gancho de marketing grande. Agora, se eume sentia representante ... Não me sentia nãorepresentando o Ceará. Eu achava que a turma(representava) um pouco, a turma toda, agoraeu, particularmente, não, porque era muita res-ponsabilidade.

Pâmela - Rodger, o disco Meu corpo minhaembalagem todo gasto na viagem rendeu umaprojeção grande a vocês, principalmente Ednar-do, você e a Téti, e logo depois você e a Téti

RODGER ROGÉRIO I 67

Cuidamos de levantar omáximo de informaçõespossíveis sobre o entre-vistado. Agradecimentoespecial ao Acervo daRádio Universitária, ondetivemos contato com asmúsicas de Rodger, e aJoão Ernesto, que nosemprestou um materialsobre o Massafeira.

Foram tardes inteiras nasala da produção da Rá-dio Universitária cons-truindo a pauta. Terialugar mais adequado?Qualquer dúvida, tínha-mos na mesma sala acompanhia do jornalistaNelson Augusto, que,por sinal, é amigo deRodger.

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Nelson contou que come-çou a atuar como locutorna rádio por incentivode Rodger, na época di-retor. Hoje, Nelson Au-gusto é voz constantena programação com osprogramas 8rasileirinho,Frequência Beatles, Pes-soal do Ceará, Disco daSemana e Programaçãodo Ouvinte.

Leovigilda Bezerra, coor-denadora de programa-ção da Rádio Universitá-ria, dividiu conosco algu-mas lembranças da épo-ca em que Rodger eradiretor. Naquele tempo,ela era bolsista. Todos naRádio falaram com sau-dade do programa Ano-tações do Professor

gravaram um 2º LP, Chão Sagrado, que já nãofoi tão lembrado assim. Por que você acha queisso aconteceu?

Rodger - São alguns fatores. Eu acho que omais importante, talvez, é que o som do disconão é bom. O resultado final do som do discoé muito agudo. Em segundo lugar, o produtordo disco, que morreu agora recentemente, meuamigo Valter Silva, estava de alguma maneirapleiteando a diretoria artística da gravadora,que era de um rapaz que eu não lembro o nomedele. Eu acho que, de alguma forma, ele perce-beu isso e boicotou a produção do cara que se-ria a provável concorrência dele nas próximasdiretorias. Mas realmente a produção do discoestá muito ruim, as músicas são muito legais, asvozes estão bem, o instrumental está muito lin-do. A Téti diz que está muito gasguita no disco.

Vinícius - Rodger, O Pessoal do Ceará fezfama nacional, houve até uma incredulidadeaqui em Fortaleza por essa fama que estava fa-lando especificamente do sotaque, da culturacearense. Eu queria saber se o senhor acha queainda hoje é difícil nordestino fazer fama nacio-nal da forma como vocês fizeram com o Pessoaldo Ceará.

Rodger - Olha, as coisas mudam sempre,mas tem uma inércia, demora. A mudança de-mora a se efetivar. Eu acho que é diferente, nãoé a mesma coisa, principalmente porque vocêhoje tem muitos caminhos pra se tornar conhe-cido, a Internet é um deles. Se bem que eu nãovejo o pessoal utilizando tanto, mas é um ca-minho e independe das grandes empresas. Naépoca da gente, eram as grandes empresas. Ouvocê entrava pra uma grande empresa ou vocênão sobrevivia ... SA., Philips, Odeon foi viran-do Continental, foi virando WEA, Sony. Quemnão estava nessas empresas estava marginali-zado do processo. Hoje em dia não é bem as-sim, você consegue não estar à margem e ficarfora das empresas. Muitos artistas estão viven-do sem as empresas. Então mudou muito nesteaspecto.

Agora, com relação ao preconceito, eu achoque é menos, principalmente por causa dasinformações. Na época, as pessoas achavamque o Ceará era o fim do mundo, que não ti-nha nada no Ceará. Teve uma ocasião que umcolega meu, Josué (Mendes Filho, professor do

departamento de Física da UFC) eu acho queatualmente ele é chefe de departamento, ele émuito gozador, muito iconoclasta. A gente es-tava assistindo a uma aula de Introdução à Me-cânica Quântica lá na USP e tinha uma matériaque era da pós-graduação e, naquele semestre,tinha passado a ser de graduação pra Física,mas continuou pra pós-graduação pra Eletrô-nica. A turma tinha gente da pós da Eletrônicae da graduação e da pós-graduação da Física.Essa era uma aula que a gente participava mui-to, a aula era discussão de algumas questões,sempre, toda aula era a discussão de algumasquestões. Um dia, a gente saindo pra pegar oônibus, saindo da sala de aula, um dos rapazesficou curioso pra saber de onde a gente era, oque a gente fazia. Ele puxou conversa com o Jo-sué e eu fiquei do lado ouvindo e ele queria sa-ber de onde a gente era e o Josué não dizia. Eusei que uma hora ele entendeu que a gente erado Ceará (e disse): "Ah, vocês são do Ceará?!"."Somos". "E tem Física no Ceará?" (risos de to-dos). E o Josué respondeu: "Tem não, baixinho,a gente faz o vestibular lá e vem fazer o quartoano aqui". Quer dizer, mudou muito. Hoje todomundo sabe que tem Física no Ceará.

Vinícius - O senhor parece estender os con-ceitos da Física à dinâmica social. O senhor achaque isso está presente ainda hoje no estudo daFísica, na forma como a Física é ensinada?

Rodger - Não, na forma como a Física é en-sinada, não. A Física, aliás, é ensinada de umjeito que é um milagre a gente evoluir porque ...O livro que se adota no Brasil todo praticamen-te, aqui inclusive, é o mesmo livro de quando euentrei em 64. Quer dizer, é um livro que mudade capa, aqui, acolá acrescenta um comentáriosobre alguma coisa, alguma novidade que jáestá na boca do povo, mas é um livro que temos mesmos paradigmas. Não mudou muito, nãomudou praticamente nada de lá pra cá. Entãonão acho que a Física seja bem ensinada nãonesse contexto aí. Claro que têm muitos bonsprofessores, é inegável, sim, gente que tanto écompetente, sabe, entende o que ensina, comosabe ensinar, sabe tratar os estudantes, a gentetem muito isso. Mas a forma como (é feita) adistribuição das cadeiras, ninguém estuda His-tória ... Porque a Física, inicialmente, a Física ea Matemática eram estudadas nas faculdadesde Filosofia, o estudante tinha de estudar umpouco de Filosofia. Com a guerra (referência àSegunda Guerra Mundial, 1939 - 1945), a visãoé mais ou menos essa, depois da guerra, coma bomba, principalmente, com a bomba atômi-ca, os militares viram que os físicos eram muitoimportantes pra eles pra estarem junto com osfilósofos (risos). Então tiraram a Física, a Mate-mática, a Química, tiraram de dentro da escolade Filosofia, separaram. Quer dizer, vocês ficampensando só nisso, não precisa pensar noutracoisa. Você fica pensando só no fenômeno enão se preocupa com mais nada e isso é umpouco alienante, eu acho. Não que o ensino deFísica vá mudar, mas ajuda, né? O ensino de Fí-sica podia ser mais interessante, até mais huma-no mesmo, mais perto das humanidades.

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ara - Falando de você como professor ... A- a emia é conhecida como um ambiente mui-

:: mal. Carrega dois lados, ao mesmo tempo'" ue tem um pensamento avançado, é rnui-

~or'l1al. Eu queria saber como era você como, fessor. Você até falou que, quando era bol-

ta, chegou a perder a bolsa por que estava seesentando. Como você era visto pelos cole-

as por ser um artista?Rodger - Sofri um pouco. Principalmente na

SP (Universidade de São Paulo). Porque eue formei em 67 e a Universidade (UFC) man-

a um convênio. A primeira turma de Físicarrnou-se em Brasília, a segunda turma formou-

se na PUC (Pontifícia Universidade Católica) do=l o (de Janeiro) e a minha turma, que foi a ter-e ra, formou-se na USP. Eu não gostei da USP.

O ambiente da USP é muito mais formal do queo daqui. Eu morei no CRUSP (Condomínio Resi-dencial Universitário da USP), de lá eu gostava.

uando eu terminei o mestrado, eu tive chancee voltar pra USP como professor. Tive chan-

ce de ir pro Rio de Janeiro também, mas meuorientador, que era muito meu amigo, não meaconselhou a ir nem pra Manaus nem pro Riode Janeiro. Ele disse que eu fosse pra USP, quea ser mais bem tratado lá. E eu acabei indo praUSP de novo, achando que a situação de profes-sor era diferente, mas senti também preconcei-to. Tinha preconceito de ser nordestino e o pre-conceito de ser artista. Paulista tem preconceitocom nordestino. Senti isso muito lá. Eles achamque a gente vai pra lá tomar o lugar deles. Decerta forma ... (risos de todos)

João - O que me chamou atenção no co-meço quando você falou da sua professora depiano é que você disse que talvez por conta delavocê não tenha seguido, dado continuidade aocurso. Eu queria saber se a sua metodologia, asua didática com seus alunos, se era diferenteda maioria dos professores. A produção apurouque até com seus filhos você era mais liberal,quando eles não queriam ir para a escola vocêpermitia ...

Rodger - É, eu tive várias fases. Passei maisde trinta anos dando aula. No começo, a preo-cupação era focar no que eu ia fazer, pra nãoter insegurança, não demonstrar insegurança ...Esse negócio de ser mais liberal, de ser maisflexível, isso aí eu acho que vem de criança, euacho que eu sempre fui assim; talvez da edu-cação da minha mãe, não sei ... Agora eu tiveárias fases, teve uma fase que é interessante,

Que me chamou atenção, era uma fase que euachava que o tempo era muito pouco pra dartantas informações que eu queria dar pros es-

dantes (nesse momento ele explica o sistemae avaliação da época). Então, na prova, a in-=nação que a pessoa ia precisar já estava, de

e-ta forma, escondida no texto; normalmentecs abalhos pra casa eram coisas que eu não ti-

a falado em classe, e a prova ... Uma vez tinharapaz que me conhecia, eu terminei de dar

a aula e ele me acompanhou. Ele me contou:: es ava conversando com o pessoal que ti-

e' o o curso comigo, perguntou como eua e e disse que o rapaz disse: "Não, ele é

um sujeito legal e tal, agora é o seguinte: ele dáumas aulas, uns trabalhos e umas provas; umacoisa não tem nada a ver com a outra" (risos). Aíeu: "Rapaz, pois não é que é mesmo (risos). Eupreciso mudar um pouco esse negócio ...",

Vinicius - Rodger, o senhor disse que pau-lista tem preconceito com nordestino e já dis-se que era muito duro morar em São Paulo. Osenhor era, ao mesmo tempo, um cearense fa-zendo música em São Paulo. Qual a imagem damúsica cearense que o senhor tentou levar praSão Paulo?

Rodger - Nós nos preocupamos em nãoparecer aquele estigma do cearense que estáfugindo da seca, de flagelado, de retirante. Agente procurou não associar a nossa imagem aisso. A nossa imagem era o que nós éramos:classe média de Fortaleza, morávamos na capi-tal ... Nossa música era urbana. Aqui ou acolá ti-nha uma temática do sertão, do campo, porquealguns vieram do campo, mas nós fazíamos amúsica urbana. Era alguém da cidade olhandopro campo. Teve uma ocasião no primeiro dis-co ... A gente era muito amigo do Aldemir Mar-tins (artista plástico e escultor cearense faleci-do em 2006), a gente frequentava o ateliê dele,sempre que tinha alguma coisa ele convidavaa gente. Pedimos pro Aldemir fazer a capa doprimeiro disco, ele tinha uma foto bonita de ummeninozinho puxando um burro na caatinga. OAldemir fez um desenho na capa e botou umafoto de 3x4 minha, uma da Téti e outra do Ed-nardo (risos). Aí o Ednardo: "Neguim (apelidode Rodger), né isso daí não". Eu disse: "Né issodaí mesmo não, agora como é que a gente vaifalar pra ele?" "A gente diz que foi o pessoal dagravadora que não quis passar" (todos riem). Euestou contando isso pela primeira vez. E foi as-sim que foi feito, nós dissemos que o pessoal dagravadora tinha dito que não era essa a imagemque queria passar da gente, mas deixa que foi agente mesmo porque a gente não podia se sujarcom o Aldemir, né?

Vinicius - Rodger, nessa questão de parce-rias, o senhor, o Ednardo e a Téti ...

Rodger - Senhor não (risos de todos).Vinicius - Você, o Ednardo e a Téti gravaram

juntos o disco Meu corpo, minha embalagemtodo gasto na viagem. E esse disco foi reedita-do várias vezes. Numa dessas reedições, ficou

RODGER ROGÉRIO I 69

A segunda pré-entrevistafoi com Vânia, esposade Rodger. Ela nos re-cebeu no apartamentoda família, próximo aoMucuripe, e nos ajudoua esclarecer muitas datasque ainda estavam con-fusas. Rodger não estavaem casa.

Vânia nos contou tarn-bem que a mãe de Rod-ger ainda era viva e deu otelefone dela. Ao final dapré-entrevista, ela pediuao filho do casal, Rami,que nos acompanhasseaté o carro. Ele foi muitosimpático: "Vocês têmque vir aqui de novo en-trevistar o papai!".

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Dona Monavon, na mes-ma noite, recebeu a liga-ção de lara: "Eu tava as-sistindo a novela, minhafilha!". Ela não podia nosreceber, porque a casaestaria cheia devido aodia de Finados próximo.Lúcida e disposta, MariaJosé tem 89 anos.

Era sábado de manhãquando fomos à casa deRogério Franco, irmão deRodger. A casa não negaa relação do moradorcom a música. Discos, fo-tos e instrumentos musi-cais espalhados por todocanto. A esposa, Genilda,e o pequeno filho acom-panharam a entrevista.

sendo chamado Ednardo e o Pessoal do Ceará.O senhor acha que isso desprestigiou um poucoseu trabalho e o da Téti?

Rodger - Com toda certeza! Mas eu nuncareclamei não. O Ednardo me explicou que foiuma questão da gravadora (risos de todos). Agravadora que quis fazer daquele jeito, ele nãoteve nada a ver com isso. Eu acreditei. Mas tudobem, no final das contas, quem está lá batalhan-do é ele, não sou eu.

Joana - Nessa mesma época, você viajavatanto por conta das aulas como por conta davida artística. A gente até descobriu que na épo-ca que estava sendo gravado o disco do Massa-feira (Festival que aconteceu em 1979, no The-atro José de Alencar, e reuniu várias formas deexpressão artística: música, teatro, filme etc.,além de vários artistas. É o festival popular maisconhecido do Ceará do período) você estava nacoordenação musical e tinha de ficar vindo praFortaleza por causa da Universidade. Eu queriasaber como você conciliava o pai, o professor eo músico.

Rodger - Esse momento aí foi difícil. Difícil,difícil, difícil pra eu equilibrar isso. Os meninosforam com a gente, o Pedro e a Daniela foramcom a gente. E aí se esbaldaram no hotel lá.

Joana - Conta mais pra gente (sobre) a difi-culdade desse momento.

Rodger - Eu estava dando um curso, a dis-. ciplina de Eletromagnetismo, que já é perto dofinal do curso. Então exigia sim, exigia que eutivesse ... Era uma turma pequena, com cinco,seis alunos. A facilidade era essa. Eu podia levaras provas, corrigir as provas. Corrigia prova noavião. Preparei aula no avião. Eu tive de fazerumas três, quatro viagens nesse intervalo de al-guns meses de cá pra lá e de lá pra cá. Eu apro-veitei também porque eu tinha feito um jinglepara uma empresa ... Eu tinha passagens pra irpro Rio (de Janeiro) pra fazer essas gravaçõese eu utilizei essas passagens, utilizei passagensda gravadora. Então eu pude ir, sim, ao Rio por

IINós nospreocupamos em

não parecer aqueleestigma do cearenseque está fugindo daseca, de flagelado,

de retirante. Agente procurou não

associar a nossaimagem a isso"

conta disso. Mas foi complicado, não fo simplesnão.

Thiago - Você pensou em algum momentoabandonar alguma carreira, a de músico ou a defísico?

Rodger - Não. A de música, de certa forma,eu abandonei. A carreira mesmo ... Eu fiquei nacaminhada (risos de todos, inclusive dele mes-mo, porque ele não gosta de dizer carreira, pre-fere caminhada). A de físico eu pensei em dei-xar, mas foi um momento em que eu vi que avida, pra mim, fora da Universidade ia ser muitodifícil. Eu ainda tinha um amigo em São Paulo, agente jogava futebol na casa dele, o Plínio Mar-cos (já falecido), ele era ator e teatrólogo tam-bém. E, quando ele descobriu que eu era profes-sor de Física, ficava botando minhoca na minhacabeça, deixou de me tratar pelo nome e passoua me chamar de cantor. "Cantor!", assim bempejorativo. Ele dizia: "Cantor, o povo brasileiropagou teus estudos pra tu ser professor, não foipra tu cantar não". Ficava me azucrinando. Issotambém teve um pesozinho. Eu voltei, porqueia ter uma reclassificação e o pessoal começoua escrever pra mim: "Você não é louco de nãovoltar. Você volta, passa seis meses aqui, rece-be seis meses e depois vai embora de novo". Aínessa eu vim e cadê que eu queria mais voltarpra São Paulo? Nem teve a reclassificação nemnada, e eu fiquei (a reclassificação a que ele serefere era um plano de cargos e salários).

João - Nesse cenário misto de música, Físi-ca, vida acadêmica e arte, o que você acha quetransmitiu mais aos seus filhos? Qual caminhoeles tendem mais a seguir? Você tentou privile-giar alguma coisa pra eles?

Rodger - Não, não. Meus filhos com a Tétiresolveram ser o que eles quiseram ser na vida.Eu não interferi em nada e acho que a Téti tam-bém não. Já meus filhos com a Vânia, a Vâniatenta interferir. Eu digo: "Vânia, o professor aquisou eu, deixa eu cuidar disso". Mas ela não dei-xa não. Ela quer cuidar. Ela é muito responsável,eu sou mais irresponsável.

Joana - Os seus filhos com a Téti nasceramno meio de toda aquela movimentação do Pes-soal do Ceará mesmo. Seus filhos com a Vânianasceram pós-ditadura, pós-Massafeira. Qual adiferença do pai de antes para o pai de agora?

Rodger - Muita não. Acho que agora eu te-nho mais tempo de estar mais presente, estarmais dentro de casa e tal. A grande diferença éessa. Que agora eu estou mais dentro de casa,não sou mais farrista. Aqui e acolá a gente fazuma farrinha (ri) ...

Joana - Porque o Pedro contou pra genteque, quando ele não queria ir pra escola, eratranquilo pra você. E ele explicou pra gente que,na época, você e a Téti eram meio contra as ins-tituições ...

Rodger - Tudo que era oficial era danoso.Joana - Isso mudou agora?Rodger - Mudou, né? Mudou muito. É como

eu disse, o mundo está muito melhor e o Brasil,inclusive. Melhorou tudo. A vida das pessoas ...Tem muita coisa do meu tempo da Universi-dade, do meu tempo de universitário, que dá

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saudade, mas era um aperreio muito grande. Agente não podia se juntar, ficava com medo. Sechegava uma pessoa que a gente não conhecia,

cava perguntando quem era essa pessoa. En-tão era um clima muito ruim de viver, muito ten-so, qualquer coisinha você se assustava. Hoje émuito melhor. Quer dizer, a gente ainda não estánuma democracia monetária, mas pelo menosessa democracia política já é um alento grande.Você, hoje, pode ser amigo de um militar. Anti-gamente você ser amigo de um militar era umproblema. Ave Maria! Não sei como os militaresaguentavam. Antigamente, quando eu era ga-roto, todo militar era obrigado a andar fardadona rua. Nessa época, eles só usavam a farda noquartel. Na rua, eram civis mesmo, porque elessentiam a hostilidade da população.

Lorena - Rodger, em meados da década de80, você se separou da Téti. Além de maridoe mulher, vocês também eram parceiros, che-garam a gravar juntos ... Isso afetou de algummodo sua vida artística?

Rodger - Não, a vida artística não. A gentepassou a tocar menos juntos. Aqui e acolá agente ainda toca juntos, a gente fez um showna Praça do Ferreira esse ano. No ano passado,(a gente) fez um aqui na Concha (Acústica), nãoeu e ela, mas nós estávamos no show, tava eu,tava ela, e a gente cantou uma música juntos,passando um pro outro e tal (pausa). A minhavida não, mas a dela, sim, ela ficou menos atu-ante, né? Ficou menos atuante, eu acho (pausalonga). Mas é isso.

Vinicius - Rodger, o senhor participou dafundação da Hádio Universitária da UFC, em1981, chegando até a ocupar um cargo de dire-toria. Qual a importância que o senhor acha quea rádio teve naquele período pra divulgação dacultura cearense?

Rodger - Rapaz, uma importância grande foifora da Universidade, porque o rádio cearenseera tido como coisa de segunda categoria, inclu-sive dentro da escola de Comunicação. (Telefo-ne toca. "É o jeito né esse negócio!") A radiofo-nia cearense sofreu uma edificação, se reergueucom a Rádio Universitária. Eu lembro que tinhaum colega que estava fazendo doutorado naInglaterra e, quando ele chegou, eu disse: "Ra-paz, você soube? A gente montou uma rádio naUniversidade". E ele disse: "Soube e não gostei.Universidade não é pra ter rádio não". Quer dizer,é por conta do preconceito com o rádio, e ele éum veículo maravilhoso, sensacional mesmo;se duvidar, é melhor que a televisão. E quebroumuitos preconceitos na Universidade. O profes-sor Martins Filho (fundador e primeiro reitor daUniversidade Federal do Ceará) foi contra a rá-dio; ele, com toda a visão dele, me disse umavez que a única coisa boa que essa rádio fez foireativar a Concha Acústica, que estava há dezanos sem ser utilizada. Mas ela fez muita coi-sa boa e faz ainda. Hoje têm muitas rádios quenem ela, que tem um leque cultural maior, não ésimplesmente comercial. Inicialmente, ela seriafocalizada em Fortaleza, o Ceará, o Nordeste, oBrasil, as Américas e o mundo. A gente tentaria,nessa proporção aí, dar mais ênfase a Fortaleza,

depois ao Ceará ... E isso se refletia na programa-ção. Teve época que a gente teve programas so-bre vários países, foram coisas que acabaram seperdendo pelo meio do caminho. Hoje não temesse elenco cultural na programação, mas dealguma maneira ainda há um pouco disso tam-bém, não se desvencilhou disso totalmente não.

Vinicius - Você, como um dos fundadores, jádisse que a Rádio tem certo continuísmo em re-lação à grade de programação que tinha desdea época da sua fundação, em 1981, e como vocêvê isso? Você vê isso de uma forma positiva, ofato de a Rádio ter continuado um pouco comessa grade, não ter procurado uma renovação?

Rodger - Vamos dizer esse confronto da tra-dição com a mudança, isso a gente não conse-gue regular muito. Não adianta você querer queuma coisa seja de um jeito quando ela não vaiser daquele jeito. O Fausto Nilo, por exemplo,me disse que deixou de pensar no Dragão doMar (Centro Cultural Dragão do Mar, inaugura-do em 1999, na Praia de Iracema, na capital),porque toda vida que ele ia pro Dragão do Mar,ele via uma modificação que não era pra ser fei-ta. Ele disse que ficava nervoso, ficava doente,ia lá, reclamava: "Rapaz, isso não era pra ser as-sim". Até que ele disse: "Rapaz, não adianta, né?Com o tempo ele vai mudar mesmo". Então nãoadianta ficar sofrendo por isso.

Essa história da mudança é sempre benéfi-ca, né? Agora (pausa) alguma tradição tambémé benéfica, tem os princípios ... Quando umamudança muda os paradigmas, é que você vêumas coisas mais revolucionárias, mas a Rádionão passou por nenhuma revolução, ela vemmudando coisas aos poucos, os paradigmas sãomais ou menos os mesmos: foca r na nordestini-dade, focar no Brasil, focar nas Américas, focarem Fortaleza ... Mantém isso um pouco. E têmuns debates sobre a vida da cidade, sobre a vidado País, que isso era uma coisa que o Marcon-des (Rosa, professor, ex-pró-reitor de extensãoda UFC) tomava conta, era ele que estimulavaesse negócio do debate. E o rádio (rádio-deba-te, programa da Rádio Universitária) continua,o Agostinho (Gásson, professor do Curso deComunicação Social da UFC) r que é ex-diretor,ele continua mantendo aquele debate mais oumenos meio dia, uma hora da tarde. Então eu

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Rogério nos mostrou fo-tos de artistas cearensesda geração de Rodgere nos contou episódiosdas aventuras boêmiasdo irmão. A diferença deidade entre os irmãos éde 22 anos. Talvez porisso Rogério Franco con-sidere Rodger um pai.

Tínhamos uma conver-sa marcada com Téti,ex-mulher e parceira deRodger. Infelizmente, nodia anterior à data com-binada, ela sofreu umacidente doméstico eteve de ser hospitalizada.A equipe de produçãodesejou melhoras e agra-deceu a disponibilidade.

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Pré-entrevistas encerra-das, hora de escrever apauta. Mãos à obra! Ofim de semana prolon-gado foi gasto em frenteao computador e perpas-sado por viagens e pelamudança da Lorena. Ufa!Quase que não sai ...

Antes da entrevista, Lo-rena dá as dicas: elenão gosta que se utilizeo termo carreira, preferecaminhada ou trajetória;além disso, fala devagar ecostuma pensar um pou-co antes de responder.

acho que está bem, a Rádio está bem, têm umascoisas que eu não concordo, mas também nãovou lá reclamar não (riso).

lara - A gente conversou com algumas pes-soas lá da Rádio e a primeira lembrança que elestêm da sua participação, da fundação, da primei-ra diretoria, é de um programa chamado Ano-tações do Professor. Como era esse programa?

Rodger - Ah! Eu me lembro muito. Acabeicomeçando a fazer um livro que eu nunca ter-minei. Mas era um programa de difusão cien-tífica, que não se restringia à Física, porque euestava sempre lendo alguma coisa sobre outrasáreas que eu pudesse fazer uma reflexão. Masera muito Física, porque (o programa) era diário.Eu não escrevia diariamente porque eu fazia unsblocos de reprise ... Eu escrevia uma página so-bre o que tivesse algum gancho pras pessoas seinteressarem. Eu gostava muito de fazer, muitagente comentava mesmo, ainda hoje tem genteque pergunta por esse programa não sei quan-tos anos depois.

lara - Por que você se afastou da rádio?Rodger - Eu não queria que a Rádio fosse

como determinados feudos dentro da Univer-sidade. A Universidade tem os feudos. A CasaAmarela (Casa Amarela Eusélio de Oliveira, es-paço cultural da UFC que é referência em audio-visual no Ceará) é um feudo. Eu sou muito ami-go do Wolney (Oliveira, diretor da Casa Amare-la), fui muito amigo do pai dele também, masé um feudo, passou de pai pra filho. Talvez eleaté seja a pessoa mais indicada mesmo, mas eufico assim ... O teatro da Universidade tambémé um 'negócio' aquilo ali ... É o Edilson (Soares,ex-diretor do Teatro Universitário), foi o Edilsona vida toda ... O Edilson saiu mas a pessoa quecomanda ... É complicado. Sei lá! Não é uma coi-sa transparente. A rádio não, e eu acho que ficamelhor assim.

Thiago - Você fez o Curso de Artes Dramá-ticas da UFC (CAD) com objetivo de escreverpeças. Mas você acabou conseguindo controlarsua timidez a partir disso. Isso era também seuobjetivo, controlar a timidez, ou foi uma conse-quência?

Rodger - Não, não. Foi uma consequênciaque foi maravilhosa! Hoje eu não quero sair dopalco mais. Foi muito bom, me fez muito bem.Eu aconselho todas as pessoas a fazerem teatro,mesmo que não vão ser atores, porque é mui-to legal até pra gente mesmo. E ser ator é umamaravilha!

Joana - Rodger, a Vânia, sua esposa, contouque logo na sua apresentação de conclusão do

CAD você foi convidado pra fazer cinema. Comoé que foi isso?

Rodger - Foi. Eu recebi dois prêmios. Fuiconsiderado revelação. Nós apresentamos apeça (Geração Trianon) lá em Alagoas, em Ara-piraca (município do interior), e nós vencemosum bocado de prêmios. Melhor direção ... A di-reção foi do João Falcão, que é um camaradaque sabe tirar do ator. Eu lembro que tinha co-legas que eu não botava fé, e ele conseguia queeles estivessem muito bem na peça. Eu fiz doispersonagens nessa peça, e um grande elogioque eu recebi foi quando dois rapazes, pedindoautógrafos, disseram que só faltava o do aleija-dinho, eu fazia um manco. Aí disseram: "É esseaí". E eles: "Quer bem dizer que o cantor é omesmo aleijadinho?". E isso foi um elogio ma-ravilhoso. E me chamaram pra um teste. Não,o primeiro não fiz teste, o primeiro me chamou.Mas eu quase não fazia nada, não dava nenhu-ma palavra. Era um curtíssimo tipo 10 minutos,sobre um conto do professor Moreira Campos(contista cearense já falecido), O Preso, e eufiz essa participação. A moça que fez fotografianesse filme viu e, quando ela foi fazer um fil-me dela, ela me convidou pra um teste. Eu fizo protagonista do filme. É um filme muito bemfeitinho.

Joana - Como é que foi pra você começara fazer a mesma arte que tanto lhe fascinavaquando você era jovem?

Rodger - Uma delícia (sorri)! Uma delícia,quer me ver satisfeito, me chame pra um negó-cio de cinema, pra um set de cinema. Oh coisaboa! Porque eu faço com facilidade, tá enten-dendo? Eu decoro aquele negócio (texto) comcerta facilidade e tenho facilidade de encontraro jeito do personagem rapidamente. E o cinemaé muito você (fazer) isso, você ensaia na hora defazer, né? Você vai ensaiando e, enquanto vocêvai ensaiando suas falas, o pessoal vai ensaian-do movimentação de câmera, iluminação, entãonaquele intervalo de alguns minutos que você(equipe técnica do filme) passa fazendo esseensaio, eu vou encontrando como é o jeitão domeu personagem e como ele dirá aquelas falas.Eu tenho facilidade de encontrar rápido isso e,no momento da filmagem, eu estou com ele noponto. Muito raro eu pedir pra fazer de novo,achar que tem de fazer de novo. E eu gosto, gos-to muito.

Victor - Rodger, você atualmente está noelenco do Area O (primeira parceria cinema-tográfica Ceará-Hol/ywood; tem direção deGerson Sanginitto e aborda a aparição de ex-traterrestres em Ouixeramobim e Ouixadá, mu-nicípios localizados na Mesorregião dos SertõesCeerenses), uma produção internacional. Qual adiferença pra você de atuar em um filme curta-metragem de dez minutos, que você mencio-nou, e numa superprodução internacional comoessa?

Rodger - A felicidade é a mesma, agora, cla-ro, uma coisa que lhe dá mais visibilidade, vocêfica com mais esperança, o indicativo é que lhetraga mais atividade cinematográfica, mas euquero fazer sempre. Então, um filme que dá

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mais visibilidade lhe dá mais chance, né? Eu nãoquero sair do Ceará, não quero ir pra São Paulo,Rio de Janeiro, Flórida (risos) ... Não quero não,mas pra eu ir fazer um filme, eu vou e volto.

lara - Eu fico me perguntando o que é que televou com quase 40 anos, eu acho (ele retifica:"45'7, de seguir essa outra arte que é o teatro,que, enfim, leva ao cinema ...

Rodger - Então, na época, eu estava escre-vendo muito, mas só escrevia Física, só escre-via Física, só escrevia Física. Um dia, eu esta-va corrigindo provas, deitado numa rede lá emcasa, com a Rádio Universitária ligada, quandoanunciaram que ia ter essa seleção pro CAD.Eu fiquei pensando: "Rapaz, eu devia fazer essenegócio pra conhecer teatro melhor e tal, pordentro, quem sabe eu poderia me dedicar a es-crever pra teatro ...", Pensei assim: "Eu vou láver como é". Só que conheci o ofício de ator,a paixão foi grande, me esqueci do dramaturgocompletamente.

Pâmela - Você acabou de dizer que escre-via muito, e a Vânia nos falou que você tem umlivro de Física escrito e também um de poesia,mas não lançou. Não tem nenhuma pretensão(de publicá-Ias)?

Rodger - O de Física, sim. Eu estou deixandoessa passagem de tempo que é pra eu ter certe-za do que eu quero fazer. Eu comecei a fazer issohá uns 20 anos (faz sinal estalando os dedos), eupasso anos sem pegar, agora eu estou com von-tade de pegar de novo. E eu refiz umas duas ve-zes, a ideia muda, depois eu digo: "Não, aquelaoutra ideia tava melhor", eu volto e tal. Entãoeu quero fazer uma coisa, não que seja definiti-va, mas esteja bem atualizada, com o mais novoque se está fazendo na Física hoje, estou tendode ler mais esses artigos da fronteira da ciênciamesmo. Estudei ... Estudei não profundamente,mas estudei a Teoria das Cordas, que é uma teo-ria interessantíssima, o autor trata as partículas,as mesmas partículas de energia, ele trata comose fosse uma corda de instrumento pulsando,e isso foi feito já com o átomo. Então eu queroestudar mais pra que tenha alguma coisa disso,tentar explicar melhor o que é isso com palavrasque todo mundo entende.

Pâmela - Depois de dois LPs gravados, vocêsó gravou o primeiro disco solo em 2004, na Fei-ra da Música. Por que essa demora tão grandedo segundo pro outro?

Rodger - É porque eu não ia atrás (riso). Eunão ia atrás de fazer. Esse daí foi feito numa lou-cura tremenda porque o Ivan Ferraro, que pro-duz a Feira da Música, tinha pretensão de todoano gravar um disco. Num determinado ano, elegravou um disco com Lúcio Ricardo, que é umgrande cantor que a gente tem aqui, composi-tor também, e eles fizeram, tentando fazer umacoisa comercial, fizeram o Lúcio Ricardo cantan-do Jovem Guarda e, no outro ano, ele resolveufazer comigo. Foi uma loucura, porque não en-saiamos nada pra fazer esse disco. Eu escreviumas partituras, levei pra uma reunião, e a gentemal pegou no violão; foi assim, como diz AroldoAraújo (instrumentista, compositor e arranjadorcearense), foi um disco feito com emoção (riso).

"Paulista tempreconceito com

nordestino. Senti issomuito lá. Eles achamque a gente vai pra látomar o lugar deles.

De certa forma ... "Se você prestar atenção, têm algumas músicasque deram trabalho pra terminar e ninguém sa-bia como terminar, repetia, repetia ... (risos)

lara - E você gostou do resultado?Rodger - Gostei, da minha performance não,

porque eu estava muito rouco, estava muitorouco mesmo, a voz estava muito fora, uma di-ficuldade total ... E, na época, eu não me achavacantor ainda, hoje, eu me acho cantor (risos). Eupensei até em não deixar sair o disco, sabe, masos meninos insistiram e tal, (disseram) que tavabom, que tava bom, que tava bom, eu deixei.Tá bom, não tá ruim não, mas minha voz estavameio prejudicada. Hoje eu faria dez vezes me-lhor.

Pâmela - Em uma entrevista que você deuhá um tempo atrás, você contou que, com asucessão de perda de amigos, você passou ater mais reflexões espiritualistas. Também dis-se que, quando você começou a estudar Física,você deixou de acreditar em Deus, mas depoisde algum tempo, voltou a ter essa relação .

Rodger - Uma crença mais verdadeira .Pâmela - Então como é essa sua espiritua-

lidade?Rodger - É, realmente, quando eu entrei pra

Física, eu cortei com a Igreja, eu não fui maispra Igreja, deixei de pensar em Deus, virei ma-terialista. Mas, quando essa coisa começou, foimais ou menos com 38 anos, eu comecei a lerFísica muito, a refletir muito. Com uns 40, 41anos, eu comecei a pensar na ideia de Deus denovo, mas não foi assim: "Booml Mudei", foiaos poucos. Primeiro, eu fiquei numa fase es-tranha, acreditando em Deus de novo. Não mereconhecia bem, mas ainda ontem eu tive umpressentimento de que eu entendi esse negóciode Deus, certo? Claro que não é um senhor debarba vigiando todo mundo, isso não existe ...Mas a própria entidade, o próprio universo, nósmesmos, todas as coisas ... Eu estou ensaiandouma peça agora sobre a Rússia ainda no tempodos czares. A gente está assistindo aos filmestambém, lendo muito pra entender a situaçãoda Rússia na época, e uma das meninas falan-do que passou um filme russo sobre a guerra:o cara sofre feito um louco, o protagonista dofilme sofre muito, e ela comentou que muitojudeu deixou de crer em Deus por conta de:"Como é que Deus deixa acontecer aquilo?".

RODGER ROGÉRIO I 73

Agora era a hora de es-colher o local para en-trevista. As meninasqueriam um espaço quefosse simbólico para avida de Rodger. Pra quemelhor que o TheatroJosé de Alencar, ondeaconteceram tantos fes-tivais e ele, agora, ensaiauma peça?

Convidamos Arihel Mar-reiro para fazer a fotogra-fia. Joana se comunicoucom ele via Twitter paraconfirmar a data e o local.Como não se podia usarluz no foyer do teatro,buscamos alguém que játivesse experiência.

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Fim de ano em Fortale-za é conhecido por serquente. Quando che-gamos, às 14 horas, nofoyer do Theatro, quenão tem ar-condiciona-do, sentimos todo o pesode nossa escolha.

Gravadores prontos. Ca-dernos de anotações nasmãos. Água não podiadevido ao local. CadêRodger? O entrevistadochegou após 50 minutosde espera. Deu para re-laxar e ficar nervoso dezvezes!

/

Eu digo: "Mas Deus não se mete nessas coisasnão" (riso). "Tu acha que Deus vai se meter nis-so, pô? Não vai se meter nisso ...rt Se mete não.É coisa dos homens!

João - Mas esse retorno à espiritualidade foitambém um retorno à Igreja, à religião?

Rodger - Não. Quando pensei em voltar prauma religião, eu experimentei a Umbanda porconta de ser uma coisa brasileira, e é muito in-teressante a Umbanda, você fala com o santo,diferente do Candomblé. No Candomblé, vocênão fala com o santo, na Umbanda você falacom o santo, bebe cachaça com o santo, é omaior barato (risos).

Vinicius - O senhor disse que deixou deacreditar em Deus depois de ter uma leituramais aprofundada da Física. Como foi que essaleitura mais aprofundada o levou a acreditar emDeus?

Rodger - As reflexões sobre como as coisasaconteciam no universo, foi isso. E não foi assimuma luz não, porque às vezes as pessoas dizemque tem uma luz, que veem Deus. Foi um traba-lho, ·um processo. A ideia começou a chegar. ..Será que tem esse negócio de inteligência uni-versal? Eu li Jung (psiquiatra suíço, fundador dapsicologia analítica), Jung fala no inconscientecoletivo, que existe um inconsciente coletivo.Se nós temos um inconsciente coletivo, querdizer, todos nós levamos mais ou menos o mes-mo inconsciente, nós temos uma memória queé coletiva, então devem existir outras coisas co-letivas. Deve ter uma mente universal. .. Entãofoi mais ou menos por aí, não sei se eu estoume fazendo entender. Eu fui num processo. Lipouco sobre religião, sobre Deus eu li muitopouco. Li mais sobre Física mesmo. Li o Jung,li o Freud ... Mas acho que mais mesmo sobreo Jung. O Jung vai mais fundo no negócio. Eo Freud era muito medroso, tinha medo de es-crever sobre as ideias dele, pedia mil desculpas.

João - Você acha que esse tipo de reflexãoque o levou a pensar de novo em Deus é impor-tante? E, se for, está presente nas universidadesem que se ensina Física?

Rodger - Não. Aliás, totalmente fora do De-partamento de Física, mas em algumas universi-dades, sim. Tem universidade que faz, inclusive,experiência com oração e tal. Eu levo a sério,aqui, o pessoal não ... Tem uma corrente da Fí-sica agora que é bem na fronteira, não são pou-cos, mas é minoria, que está pensando o mun-do através dessa mente universal, levando emconta que existe uma inteligência no Universoe, como todas as coisas pulsam, você conse-gue as coisas com suas pulsações, com o seupensamento, com o seu sentimento, com a suaemoção. O que nós estamos vivendo agora éresultado do que nós pensamos antes, as coi-sas só acontecem quando são imaginadas, táentendendo? Tem uma área da Física que estáindo por aí e que pra chegar em Deus é bempertinho, é um passozinho de nada. O pessoalda Física aqui é totalmente contra isso aqui, jáconversei com eles, totalmente ... E não quernem ouvir falar, né? Foram convidados pra as-sistir a um filme que abordava esse assunto,

e todos desancaram o filme, "não vale nada,são uns doidos, não sei o que e tal". Mas têm,e são físicos importantes, não são gente bobanão. Todos os momentos em que a Física deusalto foi pouca gente que estava fazendo aquiloe o resto da comunidade não estava nem (aí)...Muitos não sabiam nem o que eles (os que es-tudam) estavam dizendo ou estudando. QuandoEinstein fez a teoria da relatividade, que ao mes-mo tempo estava todo mundo fazendo Mecâni-ca Quântica, construindo a Mecânica Quântica,a grande maioria dos físicos não acreditava nemque existisse átomo. Então eu acho que as coi-sas sempre são assim ... Se essa linha de pensa-mento vingar, é uma história que se repete, querdizer, a maioria das pessoas não queria nemouvir falar nisso, outras que ouviam falar nãoqueriam saber disso, achavam que isso era umagrande canastrice ... E pode não ser! E isso batecom algumas coisas, porque têm umas coisas,rapaz, que eu pensei na vida, que aconteceramcomigo que é impressionante, parece coisa demilagre.

lara - Tipo o quê?Rodger - Tipo a Rádio (Universitária). Quan-

do eu era estudante, eu soube, não sei por in-termédio de quem, não sei como, que a Uni-versidade tinha ganhado um canal de rádio, eufiquei exultante, eu só me imaginava dentro dadiscoteca dessa rádio. Essa rádio nunca apare-ceu, pois um dia eu fiz a rádio (riso). A Universi-dade acabou tendo a rádio e não só teve a rádio,como eu fui um dos fundadores, quer dizer, issoé uma coisa do pensamento forte, do sonho ...De querer fazer uma coisa que é tão forte queacaba atraindo.

Lorena - Falando em coisas difíceis (deacontecerem) ... Você acabou de musicar um po-ema (Jaguaribe: Memória das Águas) do Lucia-no Maia que tem mil versos. O Augusto Pontesdisse que tem mais de mil versos ... Como é quefoi esse processo? Muita gente achava que eraimpossível. ..

Rodger - É, logo quando eu conheci esse li-vro do Luciano na década de 80, eu me encanteicom o poema, eu achei um poema tão bonito,que é um poema só, tem vários subtítulos, masé uma coisa que vai correndo como o rio mes-mo e eu pensei em musicar no teatro. Falei comAugusto Pontes, mas passou e ninguém feznada. Até que um dia o Augusto perguntou seeu ainda tinha vontade fazer, foi anos depois ...Eu disse: "Eu tinha". (Augusto Pontes): "Não,porque tem uma oportunidade, tem uma verba,é possível fazer isso aí". Pronto, eu comecei amusicar, e ele ficou, de certa forma, coordenan-do esse negócio. Ele me enchia o saco. Tododia, sete horas da manhã, ele telefonava pramim: "Alguma novidade?" (Risos). Todo santodia, não passava das sete, quando não era sete,era um pouco antes. (Simula diálogo) "Novida-de?"; "Ô, tem novidade!"; "Fez o quê?"; "Fiz taltrecho"; "E aí, novidade?" ... Todo dia, todo dia,todo dia até que eu consegui fazer todinho, fuifazendo e fiz a música como o poema, vai mu-dando de tom, vai mudando de ritmo, de gêne-ro, vai correndo, não para.

REVISTA ENTREVISTA 174

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(ara - Eu queria mudar um pouquinho de as-sunto, mas sobre uma coisa que eu acho que agente não podia deixar de tocar nesta entrevis-a. Você é conhecido como um homem que tem

muitos amigos e muitos desses amigos foramfeitos nas noites de boemia. Numa das letras doDedé Evangelista que você musicou, Falandoda Vida, diz: "Se a morte vier me encontrar, elasabe que estou entre amigos, falando da vida ebebendo num bar". Eu queria saber se ainda éassim.

Rodger - O bar ainda é uma grande institui-ção! Eu ainda encontro a maioria dos amigosem bar, mas eu não frequento mais todos osbares. Não sou mais diarista, né (risos)? Não porcausa da idade não, porque a idade ainda dá prabeber bastante (risos), é por querer fazer outrascoisas, atrapalha muito. A gente acaba no ou-tro dia, o dia fica curto. Por exemplo, quando euvou cantar, eu prefiro cantar sem beber, quandoeu vou compor, eu prefiro compor sem beber,tá entendendo? As pessoas acham que a gentebebe e fica mais inspirado, mas eu prefiro fazersem beber. Quando eu vou fazer show, eu prefi-ro não beber. Às vezes eu bebo, mas eu prefironão beber, é melhor quando eu não bebo, sabe,você fica mais senhor da situação, viaja menos.

Victor - Então se a morte quiser te pegaragora, onde é que ela vai te encontrar?

Rodger - Rapaz, a morte não vem atrás demim tão cedo (risos). Eu não quero conversacom ela tão cedo. Eu tenho muita coisa pra fa-zer.

(ara - Então falando dessas muitas coisas, agente queria ir pra pergunta final. A sua esposa,Vânia, e o seu irmão, Rogério Franco, nos dis-seram ... Definiram você como uma pessoa queestá sempre se reinventando. Engraçado queos dois definiram com as mesmas palavras emmomentos diferentes: "Não, o Rodger é umapessoa que está sempre se reinventando". Agente quer saber: hoje, depois de participar doPessoal do Ceará, gravar vários filmes, atuar emteatro, compor, ensinar Física, musicar um poe-ma de mais de mil versos, o que o Rodger aindaquer realizar pela vida?

Rodger - Bom, quero continuar sendo ator,quero continuar cantando e quero continuarcompondo. Têm algumas coisas na música queeu espero fazer, que é escrever uma peça comorquestra, pelo menos uma, né? Esse trabalhocom o Luciano (Ma ia) é um musical, mas eu pre-tendo fazer outros musicais; com a experiênciaque eu tenho desse (musical) fazer uma coisaonde eu expresse bem a minha musicalidade ...E fazer filme também, eu tenho dois roteiros jáhá tempos que eu escrevi e eu estou deixandoenvelhecer ... Os roteiros envelhecem, eu não(risos). Então eu estou deixando ali pra ver seeu continuo com o mesmo entusiasmo, porque,às vezes, a gente se entusiasma com uma coisa,depois vai ver, passa um tempo, e a gente achameio bobo, então eu quero fazer isso. Fazer unsfilmes também, mas não quero virar diretor não,sabe, quero continuar ator. Eu gosto de ser ator,gosto de cantar, gosto de estar no palco.

"Rapaz, a morte nãovem atrás de mimtão cedo (risos). Eu

-nao quero conversacom ela tão cedo.

Eu tenho muita coisapra fazer"

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Durante a entrevista, ato-res ensaiavam uma peçano pátio do teatro. Acantoria " ... Comeu pãona casa do João" chega-va aos nossos ouvidose, junto ao barulho dosônibus na rua, dificultavaentender o que Rodgerdizia.

No meio da entrevista, ocelular de Rodger tocouduas vezes: "Oi, Vani-nha". diz ele carinhosocom a esposa. "Ainda tôaqui conversando comos meninos".