2014_valadão_tese_seguindo associações sociotécnicas sob a luz da teoria do ator rede.pdf

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO - PROPAD JOSÉ DE ARIMATÉIA DIAS VALADÃO SEGUINDO ASSOCIAÇÕES SOCIOTÉCNICAS SOB A LUZ DA TEORIA DO ATOR-REDE: UMA TRADUÇÃO DA PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA PARA ROTINAS E TECNOLOGIAS SOCIAIS RECIFE 2014

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

    CENTRO DE CINCIAS SOCIAIS APLICADAS

    DEPARTAMENTO DE CINCIAS ADMINISTRATIVAS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ADMINISTRAO - PROPAD

    JOS DE ARIMATIA DIAS VALADO

    SEGUINDO ASSOCIAES SOCIOTCNICAS SOB A LUZ

    DA TEORIA DO ATOR-REDE: UMA TRADUO DA

    PEDAGOGIA DA ALTERNNCIA PARA ROTINAS E

    TECNOLOGIAS SOCIAIS

    RECIFE

    2014

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ADMINISTRAO

    CLASSIFICAO DE ACESSO A TESES E DISSERTAES

    Considerando a natureza das informaes e compromissos assumidos com suas fontes,

    o acesso a monografias do Programa de Ps-Graduao em Administrao da Universidade

    Federal de Pernambuco definido em trs graus:

    "Grau 1": livre (sem prejuzo das referncias ordinrias em citaes diretas e indiretas);

    "Grau 2": com vedao a cpias, no todo ou em parte, sendo, em consequncia, restrita a consulta em ambientes de biblioteca com sada controlada;

    "Grau 3": apenas com autorizao expressa do autor, por escrito, devendo, por isso, o texto, se confiado a bibliotecas que assegurem a restrio, ser mantido em local sob chave ou

    custdia;

    A classificao desta tese se encontra, abaixo, definida por seu autor.

    Solicita-se aos depositrios e usurios sua fiel observncia, a fim de que se preservem as

    condies ticas e operacionais da pesquisa cientfica na rea da administrao.

    Ttulo da Monografia: Seguindo associaes sociotcnicas sob a luz da teoria do ator-rede:

    uma traduo da pedagogia da alternncia para rotinas e tecnologias sociais

    Nome do Autor: Jos de Arimatia Dias Valado

    Data da aprovao: 06/03/2014

    Classificao, conforme especificao acima:

    Grau 1 X

    Grau 2

    Grau 3

    Local e data:

    Assinatura do autor

  • JOS DE ARIMATIA DIAS VALADO

    Seguindo associaes sociotcnicas sob a luz da teoria do ator-rede: uma

    traduo da pedagogia da alternncia para rotinas e tecnologias sociais

    Orientadora: Dra. Jackeline Amantino de Andrade

    Tese apresentada como requisito

    complementar para obteno do grau de

    Doutor em Administrao, rea de

    concentrao em Gesto Organizacional, do

    Programa de Ps-Graduao em

    Administrao da Universidade Federal de

    Pernambuco.

    Recife

    2014

  • Catalogao na Fonte

    Bibliotecria ngela de Ftima Correia Simes, CRB4-773

    V136s Valado, Jos de Arimatia Dias Seguindo associaes sociotcnicas sob a luz da teoria do ator-rede: uma

    traduo da pedagogia da alternncia para rotinas e tecnologias sociais /

    Jos de Arimatia Dias Valado. - Recife : O Autor, 2014.

    294 folhas : il. 30 cm.

    Orientador: Profa. Dra. Jackeline Amantino de Andrade.

    Tese (Doutorado em Administrao) Universidade Federal de Pernambuco, CCSA, 2014.

    Inclui referncias, apndices e anexos.

    1. Tecnologia social. 2. Pedagogia da alternncia. 3. Rotinas. 4.

    Mudanas. I. Andrade, Jackeline Amantino de (Orientador). II. Ttulo.

    658.4 CDD (22.ed.) UFPE (CSA 2014 021)

  • Universidade Federal de Pernambuco

    Centro de Cincias Sociais Aplicadas

    Departamento de Cincias Administrativas

    Programa de Ps-Graduao em Administrao - PROPAD

    JOS DE ARIMATIA DIAS VALADO

    Seguindo associaes sociotcnicas sob a luz da teoria do ator-rede: uma

    traduo da pedagogia da alternncia para rotinas e tecnologias sociais

    Tese submetida ao corpo docente do

    Programa de Ps-Graduao em

    Administrao da Universidade Federal de

    Pernambuco e aprovada em 06 de maro de

    2014.

    Banca Examinadora:

    _______________________________________________________________________________

    Jackeline Amantino de Andrade, Dra., UFPE (Orientadora)

    __________________________________________________________________

    Juvncio Braga de Lima, PhD., FUMEC (Examinador Externo)

    __________________________________________________________________

    Csar Augusto Tureta de Moraes, Dr., UFES (Examinador Externo)

    __________________________________________________________________

    Marcos Andr Mendes Primo, PhD., UFPE (Examinador Interno)

    ______________________________________________________________________________

    Guilherme Lima Moura, Dr., UFPE (Examinador Interno)

  • AGRADECIMENTOS

    Daniela, minha esposa, pelo amor, incentivo e apoio que me permitiu chegar at o final;

    Profa. Jackeline A. Andrade, pela dedicao, pacincia e ateno que me orientou;

    Ao Programa de Ps Graduao em Administrao (PROPAD/UFPE), pela oportunidade e

    ateno que recebi de todos durante esses anos;

    A todos os professores que contriburam para minha formao: Prof. Andr Leo, Prof.

    Guilherme Moura, Prof. Walter Moraes, Profa. Jackeline Andrade, Profa. Rezilda Oliveira,

    Profa. Dbora Dourado, Profa. Cristina Carvalho, Prof. Marcos Feitosa, Prof. Eduardo

    Lucena, Prof. Ricardo Mendona, Prof. Srgio Alves e Prof. Marcos Primo;

    Coordenao do Programa, em especial aos professores Jairo Dornellas e Walter Moraes;

    Secretaria do Programa pela ateno e apoio, em especial Irani e Tatiana;

    Dona Socorro e Dona Nilda, pelos inmeros cafs e a ateno desprendida durante o curso;

    minha famlia, em especial minha Me, pelo incentivo e apoio;

    CAPES pelo apoio financeiro;

    Aos professores da Banca, Prof. Juvncio Braga, Prof. Csar Tureta, Prof. Marcos Primo e

    Prof. Guilherme Moura, pela ateno de todos dedicada minha formao;

    A todos os doutorandos da Turma 7 e os mestrandos da Turma 16 do PROPAD, em especial

    ao Prof. Jorge Correia pelos inmeros cafs e discusses e ao Prof. Cordeiro Neto pelas

    ideias, apoio e incentivo.

    s demais turmas de discentes do PROPAD com quem convivi, em especial s Profas.

    Vernica Macrio e Luciana Almeida pelo apoio e incentivo.

    A todos da EFA Itapirema, em especial Profa. Marcia Selvatici e ao Prof. Pedro dos Santos,

    pela ateno e pelo carinho;

    Ao Renato Eberson pelo apoio;

    AEFARO, em especial ao Geraldo, Rivelino e Elisngela, pela recepo e acolhida;

    A todos da UNEFAB, em especial Iara, Myrane e Antnio Baroni.

    Ao Governo do Estado de Rondnia e todas as organizaes que se fizeram presentes durante

    a pesquisa e que, cada uma sua maneira, contribuiu para a coleta de dados.

  • A mensagem do caos, fala sobre coisas que ns podemos

    determinar, mas no podemos prever. Ou seja,

    matematicamente ns podemos determinar algo, mas to

    instvel que rapidamente desvia da previso feita pela

    equao. Isso foi algo profundo na fsica: constatar que ns

    podemos determinar algo, mas no conseguimos prev-lo.

    Michael Berry

    Fsico especialista em Teoria Quntica

  • RESUMO

    As Tecnologias Sociais (TS) tm sido consideradas solues viveis resoluo dos

    problemas sociais e econmicos das comunidades de baixa renda, principalmente, por

    envolver as prprias comunidades no desenvolvimento da tecnologia. A justificativa do

    sucesso das TS se d devido adoo, diferente dos empreendimentos tecnolgicos anteriores,

    dos processos de adequao sociotcnica que permitem o envolvimento de todos os

    interessados. Crticas, contudo, tm mostrado que as dificuldades ainda continuam ao adequar

    as TS s demandas e necessidades das comunidades atendidas. O estudo partiu da tese de que

    essas dificuldades se do, pois, as bases sociotcnicas em que se baseiam as implementaes e

    reaplicaes das TS, visando mudanas e transformaes sociais no so unicamente causas,

    mas tambm os prprios efeitos das translaes dos atores-redes envolvidos com essas TS.

    Essa argumentao foi baseada na Teoria do Ator-Rede (TAR). O caso emprico escolhido foi

    a Pedagogia da Alternncia (PA). A PA um caso muito peculiar de educao do campo no

    Brasil, tendo um nmero significativo de Centros Educativos no Pas na atualidade. O

    Governo do Estado de Rondnia, no incio de 2011, props a PA como poltica pblica a ser

    universalizada para todo o Estado. O estudo consistiu em analisar como as bases sociotcnicas

    originrias de uma TS como a PA so transladadas em rotinas geradoras de mudanas e

    transformaes sociais. Os procedimentos metodolgicos foram realizados em duas fases.

    Uma que consistiu em acompanhar a implementao da PA ao longo de sua histria, para isso

    foram realizadas anlises de documentos e entrevistas. E outra fase que consistiu em

    acompanhar a disseminao da PA no estado de Rondnia, sendo realizadas entrevistas,

    anlises documentais e observao participante. Alm de adotar a simetria generalizada como

    base epistemolgica, a anlise foi realizada por meio da identificao e acompanhamento de

    translaes. A principal concluso do estudo que a PA no se apresentou como produtos, tcnicas e/ou metodologias reaplicveis que causam transformaes sociais. Pelo contrrio, a PA fez parte das mudanas realizadas pelas associaes de atores, sendo vista

    como um conjunto de inscries definidas e implementadas por cada associao resultante de

    suas prprias translaes. No foi identificada reaplicao da PA, pois a mesma foi uma

    implementao especfica de cada associao, por mais que as inscries e nomenclaturas

    resistissem ao transladar de uma associao outra. Foi preciso considerar o implementar somente sentido de realizar, executar, por em prtica, pois cada associao realizou e dinamizou seus prprios objetivos e interesses de maneira coletiva e negociada. Os processos

    rotineiros que permitiram definir a PA foram efeitos das aes dos atores que influenciaram

    no delineamento de cada associao. Os atores, ao articularem passado e futuro, tanto para

    assegurar suas realizaes, como para alcanar seus objetivos, fossem gerais ou especficos,

    mantiveram processos rotineiros, em estados performativos e ostensivos, que possibilitaram

    um processo contnuo de mudanas, sem perder, contudo, os ordenamentos traados em suas

    redes.

    Palavras-Chave: Tecnologia Social. Pedagogia da Alternncia. Rotinas. Mudanas. Teoria

    do Ator-Rede.

  • ABSTRACT

    Social Technologies (ST) have been regarded as impossible to solve social and economic

    problems of low-income communities solutions, mainly by engaging their communities in the

    development of technology. The justification of the success of ST is due adoption, different

    from previous technological developments, the socio-technical adequacy of procedures that

    allow the involvement of all stakeholders. However, critics have shown that difficulties still

    continue to adjust the ST the demands and needs of the communities served. The study was

    based on the assumption that such difficulties occur because the socio-technical bases on

    which to base implementations and reapplication of ST, seeking change and social

    transformation are not only causes but also the effects of own translations of actor-networks

    involved those with ST. This argument was based on the Actor -Network Theory (ANT). The

    empirical case chosen was the Pedagogy of Alternation (PA). The PA is a very peculiar case

    of rural education in Brazil, with a significant number of educational centers in the country

    today. The Government of the State of Rondnia, in early 2011, proposed the PA as a public

    policy to be universalized throughout the state. The study was to analyze how socio-technical

    bases originating from a ST as PA are translated into generating routines change and social

    transformation. The methodological procedures were performed in two stages. One that

    consisted of monitoring the implementation of PA throughout its history, for this analysis of

    documents and interviews were conducted. And another phase which consisted of monitoring

    the spread of PA in the state of Rondnia, interviews, documentary analysis and participant

    observation being made. Besides adopting the generalized symmetry as epistemological basis,

    the analysis was performed through the identification and monitoring of translations. The

    main conclusion is that the PA did not appear as "products, techniques or replicable

    methodologies" that "cause social change". Rather, the PA was part of the changes made by

    the associations of actors, being seen as a set of entries defined and implemented by each

    association resulting from their own translations. Not been identified reapplication of PA,

    because it was a specific implementation of each association, however that entries and

    classifications to resist translate an association to another. It was necessary to consider the

    'implement' only sense of 'make', 'run', 'put into practice', because each association held and

    streamlined their own goals and interests of collective and negotiated manner. The routine

    processes that ascertained the effects of PA were actions of the actors that influenced the

    design of each association. The actors, to articulate past and future, both to ensure their

    achievements, and to achieve their goals, whether general or specific, routine processes

    remained in performative and ostensive states, which enabled a continuous process of change,

    without losing, however, systems outlined in their networks.

    Keywords: Social Technology. Pedagogy of Alternation. Routines. Change. Actor-Network

    Theory.

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 Momentos da Translao. 57

    Figura 2 Rotina como Sistemas Gerativos. 63

    Figura 4 Trajetria de Anlise de Escolha do Caso de Estudo. 68

    Figura 5 Sequncia de Alternncia ou Unidade de Formao. 76

    Figura 6 Distribuio dos CEFFAs no Brasil. 77

    Figura 7 Fases da Coleta de Dados. 79

    Figura 8 Documentos Digitais Baixados do Google Pesquisa Web. 82

    Figura 9 Saturao dos Documentos de Pesquisa Google Pesquisa Web. 83

    Figura 10 Modo de Seleo e Organizao dos Dados da Primeira Fase. 84

    Figura 11 Modelo de Anlise dos Dados. 85

    Figura 12 Deslocamentos Realizados Durante a Observao Participante. 87

    Figura 13 Recorte de Notas de Campo Durante a Observao Participante. 88

    Figura 14 Coleta de Documentos da Segunda Fase da Pesquisa. 91

    Figura 15 Modelo de Coleta de Dados pelo Google Alerta. 92

    Figura 15 Modelo de Coleta de Dados pelo Google Alerta. 93

    Figura 17 Deslocamentos da Igreja Catlica e do Estado Expanso da PA. 100

    Figura 18 Influncias do Personalismo e Sillon nas Definies Iniciais da PA. 104

    Figura 19 Programas de Ao de Manuteno e Expanso da PA. 110

    Figura 20 Principais Inscries que Possibilitaram a Translao Da PA. 117

    Figura 21 Principais Problematizadores e Interessamentos de Surgimento da PA. 123

    Figura 22 Inscries que Possibilitaram o Transladar da PA. 123

    Figura 23 Relaes Entre os Diversos mbitos da Associao EFA. 130

    Figura 24 Atores Mediadores da PA. 132

    Figura 25 Relaes de Aplicao da PA. 147

    Figura 26 Relaes Relevantes na Manuteno e Expanso da PA. 153

    Figura 27 Centrais de Clculo de Manuteno e Expanso da PA. 164

    Figura 28 Objetivos e Meios da PA. 166

    Figura 29 Processo de Estabilizao da PA. 167

    Figura 31 Condio Apresentada para Implantao da PA. 177

    Figura 32 Recortes do Estatuto da AEFARO. 178

    Figura 33 EFAs Implantadas ou em Fase de Implantao em Rondnia. 182

    Figura 34 Problematizaes que Influenciam na Formao de Associaes. 202

  • Figura 35 Atores, Objetivos e Relaes Identificadas nas Associaes EFAs. 202

    Figura 36 - Principais Foras e Efeitos Identificados nas Associaes EFAs. 204

    Figura 37 Implantao do Grupo de Trabalho para Expanso da PA em Rondnia. 206

    Figura 38 Parcerias para Implantao de Centros Educativos em Rondnia. 213

    Figura 39 Envolvimento das Organizaes no Trabalho de Expanso da PA. 215

    Figura 40 Reportagens sobre a Lei Escolas Guapor do Campo. 216

    Figura 41 Mudanas no Processo de Expanso da PA. 218

    Figura 42 Diferentes Vises dos Atores Envolvidos na Expanso da PA. 221

    Figura 43 Discusses sobre PA em Rondnia e Participao do Governo do Estado. 223

    Figura 44 Deslocamento dos Principais Atores Durante a Expanso da PA. 235

    Figura 45 Indissociabilidade Entre as Relaes Associativas de Implantao da PA. 239

    Figura 46 Implantao da PA Pelas Relaes de Atores-Redes. 241

    Figura 47 Principais Atores Aliados na Implantao e Aplicao da PA. 244

    Figura 48 Movimento dos Atores na Translao da PA. 250

    Figura 49 PA como Inscries dos Atores em Busca de Alcance de Objetivos. 252

    Figura 50 Influncia das Rotinas na Evidenciao da PA. 261

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 Crticas Tecnologia Apropriada. 20

    Quadro 3 Menes da Relevncia Social da PA. 69

    Quadro 4 Instrumentos Metodolgicos da PA. 74

    Quadro 5 Processo da Alternncia em Trs Momentos. 75

    Quadro 6 Centros Familiares de Formao por Alternncia (CEFFAs/Brasil). 78

    Quadro 7 Documentos Fsicos Coletados. 81

    Quadro 8 Obteno de Dados Secundrios de Entrevistas. 83

    Quadro 9 Entrevistas Realizadas Durante a Pesquisa. 89

    Quadro 10 Estrato de um Estatuto de uma Organizao CEFFA. 96

    Quadro 11 Dilogo entre Jean Peyrat e Abb Granereau. 107

    Quadro 12 Estatuto do SCIR em 1935. 108

    Quadro 13 Designaes Organizativas que Aplicam a PA no Brasil. 172

    Quadro 13 Designaes Organizativas que Aplicam a PA no Brasil. 173

    Quadro 14 Caractersticas das EFAs Pioneiras em Rondnia. 187

    Quadro 15 Caractersticas das EFAs Implantadas Recentemente em Rondnia. 190

    Quadro 16 Caractersticas das Associaes EFAs em Implantao em Rondnia. 196

    Quadro 17 Principais Deslocamentos e Inscries Localizadas nas Associaes EFAs. 203

    Quadro 18 Organizaes Envolvidas na Expanso da PA em Rondnia. 208

    Quadro 19 Associaes EFAs Formadas em Rondnia e a Participao do Estado. 228

    Quadro 20 Caractersticas das Aes Recentes de Implantao da PA em Rondnia. 231

    Quadro 21 Depoimentos Sobre a Mobilizao Social na Implementao da PA. 237

    Quadro 22 Depoimento sobre a Apropriao e Expanso da PA. 246

    Quadro 23 Depoimentos Sobre Apropriaes da Rotina da PA. 249

  • LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

    AEFARO Associao das Escolas Famlia Agrcola de Rondnia

    AES Associao dos Amigos do Estado do Esprito Santo

    AIMFR Associao Internacional das Casas Familiares Rurais

    ARCAFAR Associao das Casas Familiares Rurais

    AST Adequao Sociotcnica

    ATER Assistncia Tcnica e Extenso Rural

    CA Caderno da Alternncia

    CAIXA Caixa Econmica Federal

    CD Caderno Didtico

    CEB Cmara de Educao Bsica

    CEBs Comunidades Eclesiais de Base

    CEE Conselho Estadual de Educao

    CEFFA Centro Familiar de Formao por Alternncia

    CNE Conselho Nacional de Educao

    CNP Centro Pedaggico Nacional

    CNPq Conselho Nacional Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico

    CONAE Conferncia Nacional de Educao

    CONTAG Confederao dos Trabalhadores na Agricultura

    CPT Comisso Pastoral da Terra

    CR Caderno da Realidade

    EFA Escola Famlia Agrcola

    EMATER Empresa Brasileira de Assistncia Tcnica e Extenso Rural

    EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecurias

    ENEM Exame Nacional do Ensino Mdio

    GE Governo do Estado

    IDH ndice de Desenvolvimento Humano

    IFOCAP Instituto de Formao dos Dirigentes Agricultores

    INCRA Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria

    MCC Movimento Campons Corumbiara

    MDA Ministrio de Desenvolvimento Agrrio

    MEC Ministrio de Educao

    MEPES Movimento de Educao Promocional do Esprito Santo

  • MFR Maison Familiale Rurale

    MST Movimento dos Sem Terra

    ONGs Organizaes No Governamentais

    OSCIP Organizao da Sociedade Civil de Interesse Pblico

    P&D Pesquisa e Desenvolvimento

    PA Pedagogia da Alternncia

    PF Plano de Formao

    PIC Projeto de Integrao e Colonizao

    PLANAFORO Plano Agropecurio e Florestal de Rondnia

    PNLD Programa Nacional do Livro Didtico

    PROMANEJO Projeto de Apoio ao Manejo Florestal Sustentvel na Amaznia

    PRONAF Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

    PTTA Programa de Transferncia de Tecnologia Apropriada

    PUC-SP Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo

    RO Rondnia

    SEAGRI Secretaria de Estado de Agricultura

    SEDUC Secretaria de Estado de Educao

    SFR Scuolas della Famiglia Rurale

    TA Tecnologia Apropriada

    TAR Teoria do Ator-Rede

    TI Tecnologia Intermediria

    TS Tecnologia Social

    UCB Universidade Catlica de Braslia

    UEMA Universidade Estadual do Maranho

    UFBA Universidade Federal da Bahia

    UFES Universidade Federal do Esprito Santo

    UFMA Universidade Federal do Maranho

    UFMG Universidade Federal de Minas Gerais

    UFPE Universidade Federal de Pernambuco

    UFSC Universidade Federal de Santa Catarina

    UNB Universidade de Braslia

    UNEFAB Unio Nacional Escolas Famlia Agrcola

    UNMFREO Associao Nacional das Casas Familiares Rurais para Educao e Orientao

    VE Visitas de Estudo

  • SUMRIO

    1 INTRODUO 17

    1.1 Problema de Pesquisa 34

    1.2 Objetivos da Pesquisa 34

    1.2.1 Objetivo Geral 34

    1.2.2 Objetivos Especficos 34

    1.3 Justificativa 34

    1.4 Estrutura da Tese 36

    2 TEORIA DO ATOR-REDE (TAR) 39

    2.1 Consideraes iniciais sobre a TAR 39

    2.2 Irredutibilidade como ontologia dos atores-rede 44

    2.3 Simetria generalizada como epistemologia da TAR 50

    2.4 Ao como base para translao das redes de atores 54

    2.5 Rotinas e mudanas como efeitos de translaes 59

    3 DELINEAMENTO DA PESQUISA 66

    3.1 Consideraes terico-empricas sobre a pesquisa 66

    3.2 Estudo de caso 67

    3.3 Caracterizao do caso estudado 74

    3.4 Coleta e anlise dos dados 79

    3.4.1 Primeira fase: implementao da PA 80

    3.4.2 Segunda fase: reaplicao da PA 85

    4 PEDAGOGIA DA ALTERNNCIA (PA) 95

    4.1 Translaes iniciais de surgimento da PA 95

    4.1.1 Pontos de passagens obrigatrios igreja e ao Estado 95

    4.1.2 Personalismo e Sillon como interessamentos iniciais 100

    4.2 Problematizaes iniciais de formao da PA 105

    4.3 Programas de ao de definio da PA 109

  • 4.4 Inscries da PA como metodologia educativa 116

    4.5 Consideraes finais sobre a formao da PA na Frana 121

    5 TRANSLAES E ORDENAMENTOS DA PA 125

    5.1 Estratgias translativas dos atores 125

    5.1.1 Manuteno dos objetivos 126

    5.1.2 Presena e participao de aliados 131

    5.1.2.1 Atuao dos humanos 132

    5.1.2.2 Atuao dos no-humanos 137

    5.1.2.3 Programas de ao 143

    5.1.3 Resoluo das controvrsias 148

    5.1.4 Futuro das inscries 154

    5.1.4.1 Elaborao e disseminao de material didtico-pedaggico 155

    5.1.4.2 Proximidade com as Universidades 156

    5.1.4.3 Relao com as instituies pblicas 158

    5.1.4.4 Reconhecimento no mbito socioprofissional 160

    5.1.5 Centro Pedaggico 162

    5.2 Consideraes finais sobre as translaes da PA 165

    6 TRANSLAO DA PA NO ESTADO DE RONDNIA 169

    6.1 Transladar da PA no Brasil 169

    6.2 Transladar da PA no estado de Rondnia 174

    6.3 Expanso das EFAs em Rondnia 180

    6.3.1 Centros pioneiros da PA em Rondnia 183

    6.3.2 EFAs implantadas na ltima dcada no Estado 189

    6.3.3 Regies que no possuem centros educativos 195

    6.4 Consideraes finais sobre a translao da PA no estado de Rondnia 201

    7 EXPANSO DA PA NO ESTADO RONDNIA 205

    7.1 Problematizaes iniciais de expanso da PA 205

  • 7.2 Interessamentos iniciais de reaplicao da PA 207

    7.3 Definies para expanso da PA 211

    7.4 Controvrsias sobre a expanso 214

    7.5 (In)Dependncia das associaes locais em implantar a PA 222

    7.6 Novas estratgias de ao 232

    7.7 Concluso dos atores: tudo questo de mobilizao social 235

    7.8 Consideraes finais sobre a expanso da PA no estado de Rondnia 240

    8 CONSIDERAES FINAIS 251

    REFERNCIAS 271

    APNDICE A 284

    APNDICE B 287

    APNDICE C 290

    ANEXO A 291

    ANEXO B 292

    ANEXO C 293

    ANEXO D 294

  • 1 INTRODUO

    No final do sculo XIX e durante o todo sculo XX muitas crticas foram feitas ao

    modelo de desenvolvimento baseado no capital e nos desenvolvimentos tecnolgicos em larga

    escala (BOULDING, 1965; HARDIN, 1968; GEORGESCU-ROEGEN, 1986; MEADOWS et

    al, 1992; HOHDE, 1994; LEFF, 2006; BURSZTYN, 2001; BARTOLO JR; BURSZTYN,

    2001). Esse modelo acentua as diferenas entre ricos e pobres, explora alm dos limites

    aceitveis os recursos naturais e coloca em risco as garantias de sobrevivncia das geraes

    futuras (RAMOS, 1989; CAVALCANTI, 2001; FURTADO, 2004; MARTINEZ-ALIER,

    2007). Em oposio a esse modelo desenvolvimentista, cada vez mais foi sendo proposto um

    desenvolvimento sustentvel, solidrio e ambientalmente responsvel (MEBRATU, 1998;

    CAVALCANTI, 2001; SACHS, 2002, 2007; DALY, 2005; VEIGA, 2006, 2008). Os Estudos

    em Cincia e Tecnologia (MACKENZIE; WAJCMAN, 1985; BIJKER; HUGHES; PINCH,

    1987), em Filosofia da Tecnologia (MUMFORD, 1955; MITCHAM, 1989, 1995;

    HARAWAY, 1995; LATOUR, 2000, 2001; IDHE, 2004; DUSEK, 2006) e nas abordagens

    conceituais emergentes em tecnologia (TRIST, 1981; EMERY, 1972; BIJKER, 1993;

    LATOUR, 1994b; PINCH; BIJKER, 1987; ORLIKOWSKI, 2010) comearam a incorporar

    uma necessidade de responsabilidade tcnica e social aos modos atuais de produo. As

    Tecnologias Sociais (TS) foram sendo introduzidas nas discusses terico-empricas como

    solucionadoras dos problemas ocasionados pelos modelos de desenvolvimento baseados nas

    tecnologias em larga escala. Recentemente cada vez mais estudos confirmam a eficincia das

    TS em promover desenvolvimento sustentvel (DAGNINO; BRANDO; NOVAES, 2010;

    NOVAES; DIAS, 2010; THOMAS; FRESSOLI, 2010; DAGNINO, 2010; HERRERA, 2010;

    THOMAS, 2009; FONSECA, 2009).

    A emergncia do conceito de TS acontece no final do sculo XIX. Possivelmente os

    primeiros a usarem o termo TS foram os pesquisadores da Escola de Chicago, principalmente

    Small (1898) e Henderson (1901). Small (1898) na tentativa de encontrar metodologias

    apropriadas para tornar conhecveis os problemas sociais, considerava que era necessrio

    conhecer a realidade humana mais amplamente do que at ento tinha sido considerada. A

    realidade humana, para Small (1898), era composta por um cosmos formado pelo mundo

    das coisas e pelo mundo das pessoas. Por convenincia, segundo ele, a Sociologia faz a

    diviso entre esses mundos, tornando a realidade observvel pertencente, ou ao mundo das

    17

  • 18

    coisas, ou ao reino social. Ao estudar materiais, fatos ou eventos, Small (1898) entendia que

    se estava estudando fases de um fenmeno social. A compreenso desses fenmenos, todavia,

    s seria possvel por meio de um amplo conhecimento dos fatos e leis que os envolviam. As

    TS eram vistas por Small (1898) como sendo o uso desses conhecimentos para que fosse

    possvel alcanar os objetivos racionais sociais que se esperava com a Sociologia.

    Henderson (1901) entendia, por seu turno, que uma tecnologia s pode ser considerada

    como TS quando todos os elementos que dizem respeito ao bem-estar social estiverem

    envolvidos e quando todos os membros pertencentes comunidade forem afetados. Para ele

    as TS esto relacionadas (a) ou a um sistema de princpios de uma organizao ou

    comunidade, pequena ou grande, com vistas a uma finalidade; (b) ou a um sistema ou

    mecanismo adaptado, decorrentes de um grupo natural ou classe da sociedade, para promover,

    da melhor maneira possvel, todos os interesses desses em harmonia com o interesse de toda a

    comunidade ou; (c) a um mtodo de seleo de um problema, que no possvel um

    tratamento adequado por uma cincia social especfica, mas que requer a coordenao e

    cooperao de muitos ou de todos os meios disponveis pela comunidade para solucion-lo

    (HENDERSON, 1901, p. 471). A partir dessas condies, TS, para Henderson (1901, p. 472,

    traduo nossa), era conceituada como sendo

    [...] um sistema de organizao consciente e proposital de pessoas, em que cada

    organizao social, real e natural encontra seu verdadeiro lugar, e todos os fatores

    em harmonia cooperam para realizar um conjunto cada vez maior e em propores

    mais desejadas de sade, riqueza, beleza, conhecimento, sociabilidade e equidade".

    Nessa mesma poca, paralelo ao conceito de TS, estava sendo desenvolvido o conceito

    de Tecnologia Apropriada (TA). Sarovaya Gandhi foi considerado um dos propulsores do

    conceito de TA. Em 1909, conforme dito por Herrera (2010), Gandhi j defendia uma poltica

    cientfica e tecnolgica que garantisse desenvolvimento e bem estar para as pessoas. Suas

    ideias envolviam a atualizao de tcnicas locais, a adaptao da tecnologia moderna e das

    condies ambientais da ndia ao incentivo pesquisa cientfica e tecnolgica para resolver

    problemas relevantes e com resolues imediatas.

    Para Herrera (2010), Gandhi definiu que a tecnologia devia ser apropriada

    contextualmente em um enfoque integrado de desenvolvimento social, econmico e cultural.

    Esses pressupostos, a partir da repercusso dos esforos de Gandhi para melhoria das

    condies do povo indiano, se espalharam para outras regies e esferas polticas. Brando

    (2001, p. 31) destaca a esse respeito que as [...] ideias de Gandhi foram aplicadas,

    primeiramente, na Repblica Popular da China, e, depois, foram retomadas e reconstrudas,

  • 19

    no Ocidente, por Schumacher. Mas essa expanso no ocorreu de imediato. Ocasionado

    devido, principalmente, ao modelo de industrializao que se intensificou nas dcadas de

    1920 a 1950, somente na dcada de 1960 que as ideias de Gandhi se proliferam

    (BRANDO, 2001; HERRERA, 2010). Enquanto outras vertentes a consideraram como

    Tecnologias Apropriadas (TA), Schumacher a definiu como Tecnologia Intermediria (TI).

    Herrera (2010, p. 25, traduo nossa) fala a esse respeito que

    A primeira [intermediria] foi proposta por Schumacher em meados dos anos 1960.

    Refere-se a uma tecnologia que requer menos inverso de capital para cada posto de

    trabalho que a correntemente em uso. Deveria ser em pequena escala,

    descentralizada, com relevncia rural, baseada em recursos locais e de

    funcionamento e manuteno simples. Tecnologia apropriada foi usada pelos

    planejadores indianos no incio dos anos 1960 com significado, na prtica, muito

    similar ao proposto por Schumacher, de tecnologia intermediria.

    A partir de modelos como esse proposto por Gandhi, comeou a proliferar novas

    produes terico-empricas alternativas aos modelos convencionais de tecnologia

    (THOMAS, 2009). O objetivo explcito dessas alternativas tecnolgicas tem sido responder

    problemtica de desenvolvimento comunitrio, de gerao de servios e de alternativas

    tecnoprodutivas em cenrios socioeconmicos caracterizados por situaes de pobreza ou de

    extrema pobreza. Mas foi a partir da dcada de 1960, com a proposio de Lewis Mumford de

    tcnicas democrticas que esse corpo de conhecimento se intensifica (THOMAS, 2009).

    Mumford (1964) denuncia os riscos polticos de produo em escala e prope o

    desenvolvimento de tecnologias democrticas caracterizadas pela produo em pequena

    escala. Seu argumento prope substituir tcnicas autoritrias tradicionais por tcnicas

    democrticas que possibilitasse a participao direta das populaes de baixa renda.

    As dcadas seguintes foram marcadas pela tentativa de introduzir o conceito de

    tecnologias apropriadas s discusses de Cincia e Tecnologia. Divididas at a dcada de

    1980 em vrias fases, principalmente por uma fase conhecida como tecnologias

    intermedirias, mas que em grosso modo enfatizavam a necessidade de produzir em pequenas

    escalas, com o uso de tecnologias prontas, de fcil uso, baixo custo e consumo energtico e

    que fizessem uso de intensiva mo-de-obra (THOMAS, 2009; AKUBUE, 2000; GRAEML,

    1996). As crticas, porm, deixaram claro que a implementao de tecnologias intermedirias

    e apropriadas, sem prvio questionamento da racionalidade tecnolgica ocidental dominante

    acarreta uma concepo neutra e, portanto, determinista da tecnologia como meio de mudana

    social (RYBCZYNSKI, 1980; DAGNINO; NOVAES, 2005; THOMAS, 2009).

    Em consequncia, a dcada de 1990 foi marcada pela busca de sair do problema

    conceitual das tecnologias apropriadas e instrumentalizar tecnologias alternativas. Essas

  • 20

    tecnologias deveriam estar representadas em mquinas, tcnicas e instrumentos necessrios

    que refletissem e mantivessem formas de produo social no opressoras, no manipuladoras

    e uma relao no exploratria com o meio ambiente natural (THOMAS, 2009).

    Denominadas tambm de alternativas ou, mais recentemente, de inovaes sociais

    (MARTIN; OSBERG, 2007) ou grassroots (GUPTA, SINHA; JORADIA; et al, 2003), o

    objetivo dessas tecnologias tem sido responder problemtica de desenvolvimento

    comunitrio, de gerao de servios e de alternativas tecnoprodutivas em cenrios

    caracterizados por situaes de baixo desenvolvimento econmico e social, se considerados

    os parmetros atuais de ndice de Desenvolvimento Humano (IDH) e outros ndices oficiais

    das naes.

    Esse conjunto de tecnologias, contudo, tem recebido crticas, desde sua concepo, at

    seu desenvolvimento e uso. Herrera (2010, p. 27, traduo nossa) fala nesse sentido que

    [...] a diferena principal entre tecnologia moderna e tecnologia apropriada [e demais tecnologias alternativas] que a primeira representa um conjunto completo de tecnologias coerentes, enquanto a ltima, at agora, somente uma

    variedade de diferentes solues tcnicas. A explicao que a tecnologia ocidental

    inclui um conceito integrado de desenvolvimento, enquanto as tecnologias

    apropriadas existentes refletem uma aproximao pouco sistemtica sem um

    contexto scio-econmico para dar-lhes a coerncia necessria.

    As TAs e suas derivaes foram consideradas como inseridas dentro dos padres

    tcnico-cientfico atuais no se diferenciando substancialmente das ideias fundamentadas no

    paradigma moderno. Ou seja, as TAs foram percebidas como pertencentes s concepes de

    neutralidade cientfica e determinismo tecnolgico. Pressupunha-se a cincia como uma

    incessante e interminvel busca da verdade livre de valores e a tecnologia como uma evoluo

    linear e inexorvel em busca da eficincia (DAGNINO; BRANDO; NOVAES, 2010, p.

    79). No Brasil, enquanto, por um lado, os programas oficiais de TA se enfraqueciam, como

    foi o caso do Programa de Transferncia de Tecnologias Apropriadas (PTTA), na dcada de

    1980, realizada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico

    (CNPq) (ALBUQUERQUE, 2009; FREITAS, 2012), as crticas tambm se tornavam cada

    vez mais contundentes. Garcia (1987) enumerou algumas dessas crticas oriundas de um

    Seminrio sobre tecnologias apropriadas, realizado em So Paulo, nos dias 26 e 27 de

    setembro de 1985, conforme pode ser visualizado no quadro 1.

    Quadro 1 Crticas Tecnologia Apropriada.

    Crtica Contedo

    Unidimensional

    Vocs esto complicando demais a questo; Para que esta doidura de variveis sociais, polticas e ecolgicas?; Tecnologia tecnologia - ora! - apenas um fator de produo.

    (Continua)

  • 21

    Imponente Tecnologia algo que se adquire no mercado internacional, produzida por naes mais poderosas e de maiores recursos.

    Crtica Contedo

    Inautntica Os pases subdesenvolvidos no tm capacidade para produzir uma tecnologia realmente significativa.

    Paradigmtica

    O paradigma tecnocrtico tem como objetivo central de investigao o mercado. Este visto como constitudo de inmeros agentes que realizam

    transaes exclusivamente como produtores ou consumidores. Isto implica que

    todo comportamento econmico seja visto como comportamento de mercado e

    que toda deciso econmica seja, direta ou indiretamente, uma deciso de

    mercado.

    Nominalista

    A tecnologia apropriada no existe.; Tem muitos nomes diferentes.; Vocs, adeptos da tecnologia apropriada, nem sabem o que ela - so incapazes de

    defini-la.

    Pseudorealista

    A proposta da tecnologia apropriada ingnua.; invivel e romntica. saudosista e retrgrada, pois prope um retorno s formas de vida e de produo

    tradicionais e pouco produtivas.

    Maniquesta

    Em verdade, o que se quer com a tecnologia apropriada impedir o desenvolvimento dos pases do Terceiro Mundo.; No querem que a gente chegue l.; No se quer um desenvolvimento econmico compatvel com os padres internacionais.

    Pseudoprogressista

    A tecnologia apropriada refora o gap tecnolgico entre os povos do Terceiro Mundo e as naes desenvolvidas.; Consolida a dependncia e a organizao internacional do trabalho.; Condena os pases do Terceiro Mundo a serem exportadores de produtos pouco elaborados e de baixa densidade tecnolgica.

    Fonte: Garcia (1987, p. 27-28).

    Em resposta a essas crticas, recentemente as TS tm ganhado adeses em diversas

    reas e um novo conjunto de trabalhos terico-empricos comeam a ser documentados

    (DAGNINO, BRANDO; NOVAES, 2004; DIAS; NOVAES, 2010; THOMAS; FRESSOLI,

    2010; DAGNINO, 2010; HERRERA, 2010; THOMAS, 2009; FONSECA, 2009). Esses

    trabalhos tem argumentado, principalmente, que as TS so alternativas s discusses

    anteriores por superar essa linearidade do modelo difusionista. A soluo desenvolver as TS

    por meio de uma adequao sociotcnica (NOVAES; DIAS, 2010; DAGNINO;

    BRANDO; NOVAES, 2010), aplicada com critrios suplementares aos tcnico-econmicos

    usuais e aos processos de produo e circulao de bens e servios, com otimizao de seus

    benefcios para os todos os envolvidos com essa tecnologia (DAGNINO; BRANDO;

    NOVAES, 2010). A abordagem da Adequao Sociotcnica (AST) busca transcender a viso

    esttica e normativa, de TS como produto idealizado a priori e introduzir a ideia de que a

    tecnocincia em si um processo de construo social e, portanto, poltico (DAGNINO,

    2010). As TS devem ser operacionalizadas contextualmente, sendo que seu resultado final

    depende do contexto e da interao realizada entre os atores envolvidos.

    Nesse sentido,

    (Concluso)

  • 22

    A AST pode ser entendida como um processo que busca promover uma

    adequao do conhecimento cientfico e tecnolgico (esteja ele j

    incorporada em equipamentos, insumos e formas de organizao da

    produo, ou ainda sob a forma intangvel e mesmo tcita), no apenas aos

    requisitos e finalidades de carter tcnico-econmico, como at agora tem

    sido o usual, mas ao conjunto de aspectos de natureza scio-econmica e

    ambiental que constituem a relao Cincia, Tecnologia e Sociedade. No

    contexto da preocupao com os empreendimentos solidrios, a AST teria

    ento por objetivo adequar a tecnologia convencional da empresa capitalista

    (e, inclusive, conceber alternativas) aplicando critrios suplementares aos

    tcnico-econmicos usuais a processos de produo e circulao de bens e servios em circuitos no formais, situados em reas rurais e urbanas visando

    a otimizar suas implicaes (NOVAES; DIAS, 2010, p. 145-146).

    Com a AST, as TS passaram a ser consideradas, alm de suas possibilidades

    ideolgicas, mas tambm seus processos e suas condies de operacionalidade (DAGNINO;

    BRANDO, NOVAES, 2010; NOVAES; DIAS, 2010; THOMAS; FRESSOLI, 2010;

    FREITAS, 2012). O quadro 2 mostra algumas modalidades bsicas que esto sendo aplicadas

    para realizao de intervenes tecnolgicas, considerando os pressupostos da AST para o

    desenvolvimento de TS.

    Quadro 2 Modalidades de Adequao Sociotcnica.

    Uso: O simples uso da tecnologia (mquinas, equipamentos, formas de organizao do processo de trabalho etc.)

    antes empregada (no caso de cooperativas que sucederam a empresas falidas), ou a adoo de tecnologia

    convencional, com a condio de que se altere a forma como se reparte o excedente gerado, percebida como

    suficiente.

    Apropriao: concebida como um processo que tem como condio a propriedade coletiva dos meios de

    produo (mquinas, equipamentos), implica em uma ampliao do conhecimento, por parte do trabalhador, dos

    aspectos produtivos (fases de produo, cadeia produtiva etc.), gerenciais e de concepo dos produtos e

    processos, sem que exista qualquer modificao no uso concreto que deles se faz.

    Revitalizao ou repotenciamento das mquinas e equipamentos: significa no s o aumento da vida til das

    mquinas e equipamentos, mas tambm ajustes, recondicionamento e revitalizao do maquinrio. Supe ainda a

    fertilizao das tecnologias antigas com componentes novos. Ajuste do processo de trabalho: implica a adaptao da organizao do processo de trabalho forma de

    propriedade coletiva dos meios de produo (pr-existentes ou convencionais), o questionamento da diviso

    tcnica do trabalho e a adoo progressiva do controle operrio (autogesto).

    Alternativas tecnolgicas: implica a percepo de que as modalidades anteriores, inclusive a do ajuste do

    processo de trabalho, no so suficientes para dar conta das demandas por AST dos empreendimentos

    autogestionrios, sendo necessrio o emprego de tecnologias alternativas convencional. A atividade decorrente

    desta modalidade a busca e seleo de tecnologias existentes.

    Incorporao de conhecimento cientfico-tecnolgico existente: resulta do esgotamento do processo

    sistemtico de busca de tecnologias alternativas e da percepo de que necessria a incorporao produo de

    conhecimento cientfico-tecnolgico existente (intangvel, no embutido nos meios de produo), ou o

    desenvolvimento, a partir dele, de novos processos produtivos ou meios de produo, para satisfazer as

    demandas por AST. Atividades associadas a esta modalidade so processos de inovao de tipo incremental,

    isolados ou em conjunto com centros de P&D ou universidades.

    Incorporao de conhecimento cientfico-tecnolgico novo: resulta do esgotamento do processo de inovao

    incremental em funo da inexistncia de conhecimento suscetvel de ser incorporado a processos ou meios de

    produo para atender s demandas por AST. Atividades associadas a esta modalidade so processos de

    inovao de tipo radical que tendem a demandar o concurso de centros de P&D ou universidades e que implicam

    na explorao da fronteira do conhecimento.

    Fonte: Freitas (2012, p. 113) baseado em Dagnino, Brando e Novaes (2004, p. 37-40).

    Os pressupostos tericos e as modalidades de AST passam a permitir duas

    possibilidades bsicas para as TS diferentes do que ocorreu com as experincias anteriores. A

  • 23

    primeira prtica, pois trata da operacionalizao de aes de fomento, planejamento,

    capacitao e desenvolvimento de solues aos problemas sociais, tcnicos, polticos,

    econmicos e ambientais. Isso para todos os envolvidos, tanto os gestores das polticas sociais

    e de Cincia e Tecnologia, como para pesquisadores, professores, alunos, tcnicos,

    trabalhadores e demais envolvidos com os empreendimentos solidrios (DAGNINO, 2010).

    A segunda conceitual,

    [...] a AST pode ser entendida como um processo inverso ao da construo, em que

    um artefato tecnolgico sofreria um processo de adequao aos interesses polticos

    de grupos sociais relevantes distintos daqueles que o originaram. Definido como um

    processo, e no como um resultado (uma tecnologia desincorporada ou incorporada

    em algum artefato) a ser obtido tal como concebia o movimento de Tecnologia

    Apropriada (TA), a AST substitui a idealizao tpica do laboratrio pela prtica

    concreta dos movimentos sociais (NOVAES; DIAS, 2010, p. 144).

    Com a introduo da AST nos estudos em TS, a dualidade entre o social e o

    tecnolgico foi superada na medida em que presumvel que comunidades, organizaes,

    materiais, tcnicas, profissionais, governos e outros atores aceitam, rejeitam e transformam as

    prprias TS nas quais desenvolvem ou fazem uso. A partir dessa abordagem ficou evidente

    tambm nas discusses terico-empricas que da mesma forma que o tcnico socialmente

    construdo o social tecnicamente conformado. As conexes se formam tanto pela atuao do

    tcnico como pelo social, em consequncia, a adjetivao sociotcnica no meramente uma

    combinao ntima de fatores sociais e tcnicos (BIJKER, 1993), ela a prpria unidade de

    anlise dos estudos empricos sobre TS.

    A partir da introduo da AST, tem sido evidenciado que as TS so geradoras de

    solues viveis s comunidades atendidas (THOMAS, 2009; THOMAS, FRESSOLI, 2010).

    Primeiro ao problema social. As TS so viveis, pois possibilitam novas articulaes no

    campo da Cincia e Tecnologia, integrando inovao e desenvolvimento na gerao de novos

    comportamentos diante das demandas sociais. Segundo ao problema cognitivo. Com as TS, as

    conceituaes originais de excluso so abandonadas e passa-se a conceb-las como sistemas

    tecnolgicos orientados gerao de dinmicas de incluso, com vias resoluo de

    problemas sociais e ambientais (THOMAS, 2009, p. 46). Terceiro, no plano terico-

    conceitual. Conceitualmente as TS superam as limitaes de concepes lineares, em termos

    de transferncia e difuso, mediante a percepo de dinmicas de integrao em sistemas

    sociotcnicos e processos de ressignificao de tecnologias (THOMAS; FRESSOLI, 2010).

    Quarto, no plano socioeconmico. As TS geram ganhos econmicos, por meio de incluso,

    emprego, integrao de sistemas de servios, educao e outros meios que originam novas

    possibilidades e oportunidades aos padres produtivos atuais. E, por ltimo, no plano poltico-

  • 24

    institucional. A realizao de experincias com base em TS supe tambm vantagens

    polticas: resoluo de problemas de incluso, seleo de objetivos e beneficirios e,

    legitimao e visibilidade da ao governamental (THOMAS; FRESSOLI, 2010, p. 226).

    Por outro lado, como nos modelos anteriores, continua no sendo fcil desenvolver e

    implementar TS. Muitos dos desenvolvimentos tecnolgicos baseados em TS so

    descontinuados ou geram significativos efeitos no desejados. Casos como o programa de

    biodigestores na ndia, nos meados da dcada de 1960 e os coletores de nvoa no Chile, no

    fim da dcada de 1980, so somente duas experincias que ficaram marcadas na literatura

    como exemplos mal sucedidos de implantao de TS. So vrios os fatores que levam as TS a

    falharem. No mbito poltico-institucional, os servios comunidade atendida so

    privatizados; no mbito socio-institucional h inexistncia de estrutura local permanente para

    a tomada de decises e gesto da tecnologia; no mbito sociocultural h desconfiana da

    populao pela tecnologia implementada, bem como h impedimento devido tabus

    religiosos e pelo sistema de diviso social do trabalho onde a tecnologia foi adotada e, dentre

    outros; no mbito socioeconmico, h problemas de conflitos de direito de propriedade e de

    atribuio do preo da matria-prima necessria para os processos da tecnologia (THOMAS,

    2009).

    A pergunta que tm sido feita por que as TS fracassam se, diferentemente dos

    tradicionais desenvolvedores de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), os principais envolvidos

    com essas tecnologias so os movimentos sociais, cooperativas populares, Organizaes No

    Governamentais (ONGs), unidades pblicas de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), divises

    governamentais, organismos descentralizados e empresas pblicas? (THOMAS, 2009, p. 27).

    A resposta que mais comumente tem sido discutida a de que, apesar de sinalizar integraes

    de diversos setores da sociedade, inclusive com a presena das prprias comunidades, as

    organizaes envolvidas ainda se limitam a reunir, organizar, articular e integrar um

    conjunto de instituies com o propsito de contribuir para a promoo do desenvolvimento

    sustentvel mediante a difuso e a reaplicao em larga escala de TS (SANTOS, 2008, p.

    22).

    Ao basear na difuso e reaplicao, as implementaes das TS tm sido realizadas em

    trs fases bsicas (OTTERLOO, 2009): a adoo de TS como polticas pblicas; a

    apropriao das TS por parte das comunidades e; o desenvolvimento de novas TS. A

    definio de TS compreendendo um conjunto de produtos, tcnicas e metodologias

    reaplicveis, desenvolvidas em interao com a comunidade e que reapresentam efetivas

    solues de transformao social (DAGNINO; BRANDO; NOVAES, 2010) refora esses

  • 25

    passos. Se, por um lado, essa definio mostra os avanos que as TS representam face s

    formas anteriores de tecnologia, principalmente ao considerar a participao das

    comunidades, por outro lado, mostra suas limitaes conceituais por focar em um simples

    conjunto de tcnicas e metodologias (OTTERLOO, 2009; DAGNINO, 2010).

    O principal entrave para promoo das TS continua sendo sua proximidade conceitual

    com a perspectiva difusionista, apesar de suas crticas aos modelos de TA. No seu

    desenvolvimento, continua havendo uma fase de criao, da qual s se torna conhecida

    quando h um reconhecimento da inovao que a gerou, seja de uma empresa, rgo

    governamental ou iniciativa comunitria, mas ficando evidente que h um macro-ator

    (LATOUR, 2000) que detm a responsabilidade da descoberta (SERRES, 1996) e dita

    como ela deve ser reaplicada. Uma fase de transporte, que compreende a definio de quem

    sero os representantes intermedirios dessa tecnologia, ou como disse Callon (1986), quem

    sero seus porta-vozes e que garantiro sua manuteno, disseminao e originalidade (caixa-

    preta). E por ltimo o emprego pelos usurios ou consumidores dessa tecnologia, que em

    consequncia de sua aplicabilidade tcnica, tm seu uso definidor e condicionador das aes

    desses usurios. s comunidades usurias resta sua aplicao ou, quando muito, a

    readequao sua realidade, sendo teis para validar a eficincia dessa tecnologia e permitir

    que sua difuso continue.

    Com isso, so vrias as perguntas que tm sido levantadas e que ainda continuam sem

    respostas com relao aos estudos em TS (THOMAS, 2009, p. 59). Por exemplo, como uma

    TS se torna uma soluo tecnolgica adequada aos problemas sociais nas localidades onde

    implantada? Como seus riscos, disfunes e efeitos no desejados so superados? Como a TS

    articulada em seus processos rotineiros e nas dinmicas locais em que desenvolvida? Que

    capacidades locais so requeridas para seu desenvolvimento? Como usurios finais

    (movimentos sociais, ONGs, cooperativas populares, organizaes de base, governos e

    outros) tornam-se participantes do seu processo de implementao? Como o sistema

    cientfico e tecnolgico local aportam solues para seus resultados satisfatrios? Como

    recursos humanos cientficos e tecnolgicos, altamente qualificados e disponveis se

    relacionam na gerao de inovaes em sua continuidade em diferentes localidades? Como

    ela avaliada e administrada? Como possibilita a gerao de novas estratgias de

    desenvolvimento?

    Esta tese levanta uma hiptese sobre as dificuldades que os estudos em TS ainda tm

    para responder perguntas como essas. Apesar de se basear em AST, os estudos em TS faltam

    assumir os atores como eles devem ser ontologicamente considerados na perspectiva

  • 26

    sociotcnica, ou seja, como atores-redes. A origem da AST advm dos estudos baseados nos

    conceitos de sistemas tecnolgicos, de Thomas Hughes, de ator-rede, associada a Michael

    Callon, Bruno Latour e John Law e de construtivismo social da tecnologia, dos socilogos da

    tecnologia Wiebe Bijker e Trevor Pinch, mas pouco ainda se consideram as bases ontolgicas

    e epistemolgicas da Teoria do Ator-Rede para definio e caracterizao das TS.

    A Teoria do Ator-Rede (TAR) uma abordagem terico-metodolgica que trata das

    demandas empricas e conceituais dos estudos em tecnologia. O seu emprego tem sido uma

    das maneiras mais efetivas de resolver a dicotomia entre o determinismo tecnolgico e o

    construtivismo social. A TAR concorda com a afirmao do construtivismo social de que os

    sistemas sociotcnicos so desenvolvidos por meio de negociaes entre as pessoas,

    instituies e organizaes, mas faz um argumento adicional de que os artefatos so parte

    destas negociaes tambm (LATOUR, 1992). Isso no quer dizer que as mquinas pensam

    como as pessoas e tomam decises por elas, mas muitas vezes interferem com iguais

    possibilidades nos cursos dos acontecimentos cotidianos, sendo ambos atuantes e com papis,

    muitas vezes, comparveis nas relaes sociotcnicas.

    A TAR evidencia que

    [...] o novo hbrido social e prticas materiais so restritas e ativadas por prticas

    hbridas igualmente pr-existentes. Isso significa que novas prticas implicam em

    teorias e verses do social e do mundo material que podem ser diferentes daqueles

    que existiam antes. No entanto, por causa do cenrio de prticas existentes, tais

    diferenas tendem a ser limitadas e o mundo sentido na verdade constitudo como slido e obturado. A Teoria Ator-Rede no relativista, mas tambm no

    realista. Desconstruo sempre possvel, mas, dado o cenrio de prticas

    existentes, tambm muito difcil. Conhecimento social e tecnolgico, mundo social

    e seu contexto material, so todos obturados realmente translocal, desde que eles j carreguem de um lugar para outro as texturas da prtica (LAW; SINGLETON,

    2000, p. 766, traduo nossa).

    Os atores no so, na TAR, entidades absolutas e facilmente distinguveis a princpio.

    O ator um conjunto heterogneo de elementos (animados e inanimados, naturais ou sociais)

    que se relacionam de modo diverso, durante um perodo de tempo suficientemente longo, e

    que so responsveis pela transformao (incorporao de novos elementos, excluso ou

    redefinio de outros, reorientao das relaes) ou consolidao da rede por eles

    conformada (DAGNINO; BRANDO; NOVAES, 2010, p. 89). Nas palavras de Latour

    (1992, p. 175-176, traduo nossa), a TAR mostra que

    a prpria sociedade que deve ser repensada de alto a baixo, uma vez que devem

    ser adicionada a ela os fatos e os artefatos que compem grande parte dos nossos

    laos sociais. [...] a coisa coletiva, [...] muito cheia de seres humanos para se

    parecer com as velhas tecnologias, mas muito cheia de no-humanos para se

  • 27

    parecer com as teorias sociais do passado. As massas esto em nossas tradicionais

    teorias sociais e no na tecnologia supostamente fria, eficiente e desumana.

    A observao emprica, caso a caso, dos interesses, negociaes, controvrsias e

    estratgias, associados aos elementos humanos, assim como dos aspectos relativos aos demais

    elementos no humanos e de sua correspondente resistncia e fora relativa, como sugere a

    TAR, o ponto de partida para entender a dinmica dos agrupamentos organizativos em que

    as consideraes sociolgicas e tcnicas esto inextricavelmente ligadas (DAGNINO;

    BRANDO; NOVAES, 2010). Para entender as transformaes sociais preciso

    desconsiderar os pressupostos causais de que so as mudanas oriundas das organizaes que

    podem levar a gerao de novas tecnologias ou, por outro lado, de que so as aplicaes

    tecnolgicas organizacionais que provocam mudanas sociais. A mudana deve ser

    analisada como um processo translativo e no difusionista.

    Na conceituao de translao, as TS ajudam a compor as relaes entre os programas

    de ao em curso pelas interaes de atores-redes. So as relaes que do suporte para que

    programas de aes possam ser desenvolvidos entre diversos atores envolvidos em

    associaes ou substituies, como disse Latour (2001), e no simples processos de

    transferncia e reaplicao de tecnologias. Conceitualmente esses programas so sries de

    objetivos, passos e intenes que podem ser descritos por um ator, ou vrios atores atuando

    em processos organizativos e transformativos (LATOUR, 2001, p. 205). Diferente dos

    modelos difusionistas, a translao deixa incerta os resultados finais dos programas de ao

    em curso. Ela simplesmente indica [...] deslocamento, tendncia, inveno, criao de um

    vnculo que no existia e que, at certo ponto, modifica os dois originais (LATOUR, 2001, p.

    206).

    A translao, diferente de entender as transformaes atribudas s TS como objetos

    fixos que podem ser simplesmente transmitidos e reaplicados (JUSTESEN; MOURITSEN,

    2011), prev que a mudana no ocorre linearmente, nem previsivelmente, ela est

    exatamente onde ocorre o desvio costumeiro das prticas que se movem ao longo do tempo

    e espao pelas interaes de uma multiplicidade de atores (ALCOUFFE; BERLAND;

    LEVANT, 2008). As prticas organizacionais possibilitam que mudanas sejam

    materializadas e significadas em rotinas cotidianas, enquanto essas mesmas rotinas continuam

    participando das transformaes em curso na organizao.

    Nesse sentido, esta tese levanta outra hiptese. Os estudos em TS apesar de se

    posicionarem terico-conceitualmente baseados em AST, faltam reconsiderarem

    epistemologicamente os estudos envolvendo as organizaes, focando simetricamente nas

  • 28

    relaes que originam os constantes processos de organizar e no nas virtuais estruturas

    sociais estveis e presumivelmente duradouras. Apesar das organizaes hoje serem vistas

    como fenmenos complexos e com mltiplas possibilidades de anlise, a maioria dos estudos

    que as envolvem continua abordando facetas isoladas ou descontextualizadas do todo que

    compe as redes organizacionais. Joerges e Czarniawska (1998) afirmam nesse sentido que

    apesar de uma concordncia, quase que geral, de que qualquer organizao um misto de

    dimenses simblica, poltica, material, ou at mesmo prtica, muitas pesquisas realizadas

    tm abordado somente algum ou alguns desses aspectos.

    Os estudos organizacionais, como um todo, tm se concentrado muito nos aspectos

    estruturais e pouco tm sido a nfase nos aspectos relacionais que dinamizam as redes que

    compe as organizaes. A ideia de que as pessoas esto localizadas em micro espaos e so

    influenciadas e determinadas por macro estruturas ao mesmo tempo em que podem

    influenci-las (ALCADIPANI; TURRETA, 2009, p. 653), conforme debate que tem sido

    travado entre estrutura e agncia, superada quando analisada pela translao. Nessa

    perspectiva, h a possibilidade de sair do mundo nico e mgico de estruturas e sistemas

    como argumentou Andrade (2004b, p. 11), e empregar os conceitos da TAR para suscitar

    novas perspectivas de anlises e novas formas de entender o cotidiano organizacional. Nesse

    sentido,

    Ao invs de privilegiar macro ou micro anlises, agncia ou estrutura, humanos ou

    no-humanos, a idia iniciar a anlise sem noes pr-estabelecidas nos processos

    construtivos. A TAR pode contribuir com os estudos organizacionais,

    fundamentalmente, por no considerar organizaes como entidades relativamente

    estveis que possuem fronteiras claras, mas sim como o arranjo de redes

    heterogneas que esto em constante processo de alterao, mudana e estabilizao.

    Dessa forma, as organizaes passam a ser vistas como resultados parciais que

    precisam ser explicados de maneira emprica, destacando que ao invs de estudar

    pessoas e estruturas sociais nas organizaes, fundamental compreend-las como

    um conjunto de eventos e processos que no seguem, necessariamente, nenhuma

    lgica comum (ALCADIPANI; TURETA, 2009, p. 659).

    A TAR oferece a possibilidade de analisar organizaes como complexas e instveis,

    sem assumir como certo a existncia de fronteiras claras, permitindo focar no constante

    processo de organizar (ALCADIPANI; TURETA, 2009, p. 659). Isso implica dizer que

    estruturas organizacionais nunca so idnticas e cada uma construda constantemente em

    contextos locais e especficos. De modo geral, no existe um sistema macrossocial, por um

    lado, nem um conjunto de partes microssociais, por outro (LAW, 1992, p. 2), o que existe, de

    fato, so redes heterogneas formadas por padres diversos que envolvem simultaneamente

    sociedade, organizaes, agentes e mquinas. Law (1992) chama ateno para o fato de que as

  • 29

    organizaes so processos estveis unicamente momentneos, sendo a TAR til para

    perceber como padres so gerados e como efeitos organizacionais ocorrem.

    Reposicionando as organizaes como efeitos precrios e provisrios, pela perspectiva

    da TAR, os artefatos e mquinas, at ento negligenciados nas anlises de gerao dos

    padres e efeitos organizacionais, se tornam de significativa relevncia nos estudos

    sociotcnicos. Uma das caractersticas principais dos artefatos ter papel chave nas aes que

    definem o desenvolvimento das rotinas organizacionais (FELDMAN; PENTLAND, 2003;

    PENTLAND; FELDMAN, 2005; DDADDERIO, 2008, 2011), j que as rotinas so

    consequncias diretas dos repetitivos e reconhecveis padres oriundos de aes

    interdependentes realizadas pelos diversos atores em rede (PENTLAND; FELDMAN, 2008,

    p. 236). Os artefatos so relevantes de serem considerados, pois agem tanto na emergncia

    como na persistncia das rotinas e, em consequncia, na desestabilizao ou na manuteno

    dos padres de aes (DDADDERIO, 2011). Em outras palavras, ao reconceituar a discusso

    sociotcnica a partir da TAR, os artefatos atuam ajudando na definio de pontos de

    passagem obrigatrios (CALLON, 1986) possibilitando ou restringindo transformaes

    sociais, performando ou estabilizando aes de outros atores (PENTLAND; FELDMAN,

    2008, DDADDERIO, 2011).

    Em consequncia, uma TS no uma realizao humana nem um artefato tcnico. Por

    um lado, est claro, conforme j discutiu a AST, que as mesmas no so hardwares, que

    dizem respeito unicamente ao emprego de mquinas nas atividades produtivas

    (ORLIKOWSKI, 1991) na melhoria das condies dos padres tcnico-econmicos atuais.

    Por outro lado, a tecnologia que participa do processo transformativo da organizao no

    eminentemente social. No possvel considerar a tecnologia e ignorar a agncia humana ou,

    por outro lado, focar nas interaes sociais e ignorar a tecnologia (VOLKOFF; STRONG;

    ELMES, 2007). Para Barley (1990), do mesmo modo que uma mudana na perspectiva social

    pode ser restringida pelas condies materiais da tecnologia, as limitaes tecnolgicas

    podem resultar em foras sociais que continuaro a permitir essa mudana. nesse sentido

    que essa tese sugere, a partir dos pressupostos ontolgicos e epistemolgicos da TAR, superar

    limitaes conceituais lineares em termos de transferncia e difuso por meio de integraes

    dinmicas entre atores-redes permitindo ressignificar os aspectos tericos e empricos das TS.

    Como se d, em consequncia desses pressupostos, a implementao e reaplicao de

    TS? Essa pergunta relevante na medida em que, ao se basear na TAR, no se tm,

    linearmente, implementao e reaplicao de TS na gerao de mudanas. Para compreender

    as transformaes h que reconfigurar a relao entre tecnologia e organizao de maneira a

  • 30

    examinar o processo de negociao em que os diferentes atores trabalham para inscrever uns

    aos outros como aliados por meio dos quais seus interesses so trasladados e se tornam

    alinhados (LAW, 1992 apud VOLKOF; STRONG; ELMES, 2007, p. 834). A prpria

    mudana um efeito, pois as inter-relaes entre pessoas, ferramentas, tarefas e forma

    organizacional, ao mesmo tempo em que compe um sistema sociotcnico (EMERY, 1972;

    TRIST, 1981) interligam, organizao e tecnologia (PENTLAND; FELDMAN, 2007), na

    constituio e caracterizao das mudanas organizacionais. nesse sentido que o presente

    estudo parte da tese de que as bases sociotcnicas (pacotes de adequao) em que se baseiam

    as implementaes e reaplicaes das TS, visando mudanas e transformaes sociais so,

    como os prprios atores envolvidos nessas implementaes e reaplicaes, no unicamente

    causas, mas tambm os prprios efeitos das translaes dos atores-redes.

    Para uma verificao emprica dessa tese, foi escolhida a Pedagogia da Alternncia

    (PA). A PA um caso de TS que trata de educao formal bsica para filhos de agricultores

    familiares e que tm contribudo na conceituao de educao do campo no Brasil (Anexo A).

    A PA baseia-se na formao de jovens rurais por meio do envolvimento e participao das

    famlias, preparando-os para permanecer na propriedade familiar e promover melhorias,

    principalmente, nos aspectos gerenciais e produtivos das atividades agrcolas

    (BARRIONUEVO, 2004). Ela conhecida por fazer uma sincronia entre a escola e o

    trabalho, permitindo que o jovem continue estudando sem precisar se desvincular da realidade

    familiar, auxiliando nas atividades da famlia com sua participao e envolvimento. Dentre os

    objetivos da PA est o desenvolvimento da realidade socioprofissional do jovem, a promoo

    do desenvolvimento tecnolgico, econmico e sociocultural da famlia do aluno, e

    consequente da comunidade, propiciando-lhe condies de fixar-se ao seu meio (GNOATTO

    et al, 2006). Alm disso, sua aplicao visa oferecer aos jovens uma formao que lhes

    permita descobrir a sua vocao e desenvolver um projeto profissional ou projeto de vida,

    juntamente com suas famlias e nas comunidades em que vivem, abrindo as possibilidades de

    insero profissional e atuao empreendedora, agindo como agentes de transformao de seu

    meio socioprofissional (FONSECA, 2008).

    Para Nascimento (2005), a PA possui trs objetivos formativos que podem ser

    caracterizados como: 1) uma formao tcnica e prtica voltada para a aprendizagem da

    agricultura; 2) uma formao geral ou integral que compreende a assimilao dos

    conhecimentos tericos globais e, principalmente, locais e; 3) uma formao humana centrada

    em valores cristos. Pedagogicamente, a PA um processo de ensino-aprendizagem que

    acontece em espaos diferenciados e alternados. O primeiro o espao familiar e a

  • 31

    comunidade de origem (realidade); em segundo, a escola onde o educando partilha os

    diversos saberes que possui com os outros atores e reflete sobre eles em bases cientficas

    (reflexo). (PALITOT, 2007, p. 18). Estes perodos alternados variam de aplicao para

    aplicao, onde trabalho e experincias sociais do meio integram o currculo, constituindo os

    contedos vivenciais bsicos da ao educativa.

    A PA aplicada, geralmente, por uma organizao educativa composta pelas famlias,

    profissionais e outros agentes comunitrios. No Brasil, as organizaes que trabalham com a

    PA so conhecidas como Centros Familiares de Formao por Alternncia (CEFFAs). Esses

    Centros possuem uma proposta especfica de formao de jovens rurais, baseando-se em

    quatro princpios. Primeiro, uma associao responsvel pelo processo educativo liderado

    pelas prprias famlias; segundo, com uma misso de oferecer uma formao integral aos

    jovens tanto profissional e intelectual, quanto social, poltico, cultural, espiritual e humano;

    terceiro, com uma preocupao com o desenvolvimento local e; por ltimo, aplicar a

    metodologia pedaggica especfica da PA ao fazer a alternncia entre o meio

    socioprofissional e o Centro Educativo.

    Puig Calv (2006, p. 57) define os CEFFAs como sendo uma associao de famlias,

    pessoas e instituies, que buscam solucionar uma problemtica comum de evoluo e

    desenvolvimento local por meio de atividades de formao, principalmente de jovens, porm

    sem excluir os adultos. E, em consequncia, para Puig Calv (2006, p. 64), o propsito geral

    da organizao conseguir a promoo e o desenvolvimento sustentvel das pessoas e de

    seu prprio meio social, a curto, mdio e longo prazo, por meio de atividades de formao

    integral, principalmente adolescentes, mas tambm de jovens e adultos.

    Essa definio e esse propsito evidenciam os quatros pilares, como so chamados na

    literatura sobre os CEFFAs, essenciais na constituio da organizao. Para Puig Calv

    (2006) h, na constituio da organizao, uma necessidade de participao, baseada na

    associao de famlias e que alie tambm as comunidades, instituies locais, profissionais e

    outros agentes de promoo ambiental, envolvendo todos na gesto e no desenvolvimento da

    organizao. H tambm a necessidade de uma formao integral das pessoas e que

    possibilite-as para um projeto de vida e de melhorias das condies locais. Alm disso, deve

    estar voltada para o desenvolvimento local por meio de atividades de educao de jovens e

    adultos, tornando-os atores do progresso de seu prprio ambiente. E, ainda, que trabalhe a

    metodologia prpria da Pedagogia da Alternncia, sempre com uma interao entre educao

    escolar e ambiente socioprofissional.

  • 32

    O surgimento dessa TS data da dcada de 1930, na Vila de Lot-et-Garonne, na Frana,

    por iniciativa de um grupo de agricultores que buscavam educao para seus filhos e

    melhorias produtivas para suas propriedades familiares (BURGHGRAVE, 2003).

    [...] para entendermos o processo melhor temos de voltar na histria e compreender

    o contexto em que nasceu e cresceu a experincia na Frana no perodo entre-guerra.

    O mundo rural vivia uma situao extremamente difcil e a crise era geral. O xodo

    j era realidade e os jovens no encontravam nenhuma perspectiva de permanncia

    digna no campo, no dispondo inclusive de nenhuma escola ou formao adaptada a

    sua situao familiar e profissional. Insatisfeitos com esta situao, um pequeno

    grupo de agricultores, com a ajuda do cura local, encontrou uma alternativa

    educacional que motivasse os jovens a permanecer no meio, oferecendo-lhes a

    oportunidade de se preparar melhor para o exerccio de sua profisso na propriedade

    familiar, sem negligenciar todavia os outros aspectos da vida [...] (BURGHGRAVE,

    2003, p. 16).

    Os agricultores articularam um itinerrio para os jovens, de maneira que eles

    permaneciam uma semana na Casa Paroquial, aprendendo contedos formais, ticos e

    religiosos com o Proco e trs semanas na propriedade familiar, aprendendo com a famlia

    sobre as atividades da agricultura e da participao comunitria (UNEFAB, 2005). Essa

    experincia iniciada na Vila de Lot-et-Garonne continuou sendo aperfeioada, transferindo-se

    em 1937 para Lauzun, na Frana. Em poucos anos, j existiam mais de 50 Centros aplicando

    essa metodologia na Frana. Os agricultores, por meio de uma associao de famlias,

    implantavam os Centros educativos, buscavam recursos para manuteno das despesas nos

    perodos em que os jovens permaneciam no centro escolar e definiam sobre a continuidade de

    sua formao, inclusive sobre os aspectos legais de reconhecimento junto ao sistema de

    ensino francs.

    Ocasionado, principalmente, pelas ausncias de polticas pblicas para promoo das

    mudanas sociais, tcnicas e produtivas nas diversas regies em que os agricultores se

    mobilizaram em torno da sua implantao, essa experincia educativa e organizativa se

    expandiu rapidamente para outros pases. Primeiro foi na Itlia, logo aps o trmino da

    Segunda Guerra Mundial, onde o modelo da PA foi visto como uma alternativa democrtica e

    vivel para ajudar na reconstruo scio-poltica das comunidades no Ps-Guerra

    (NOSELLA, 1977). Logo em seguida, na dcada de 1960, se expande para a frica,

    primeiramente no Senegal, em uma realidade marcada pelo patriarcalismo, a ausncia de

    educao bsica e tcnicas agropecurias muito incipientes se comparadas realidade

    europeia. Na final da dcada de 1960, a PA j podia ser vista tambm em outros pases

    europeus, como a Espanha, e na Amrica Latina, como Argentina e Brasil (GARCIA-

    MARRIRODRIGA, 2002). As realidades onde os Centros de aplicao da PA foram

  • 33

    instalados eram marcadas pela pouca infraestrutura bsica, ausncia de ensino regular e baixas

    condies socioeconmicas das famlias agricultoras. Em casos como o Brasil, havia uma

    forte mobilizao popular, principalmente a partir das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs)

    e outras articulaes comunitrias no campo.

    Hoje no mundo existem aproximadamente 1200 Centros, espalhados por quase todos

    os continentes1. No Brasil, conhecidos como Centros Familiares de Formao por Alternncia

    (CEFFAs), o primeiro Centro foi fundado em 1968, no Esprito Santo, se espalhando

    rapidamente por todo o territrio nacional (UNEFAB, 2010). Hoje so 2682 em

    funcionamento no Pas. Inclusive Estados novos e mais distantes do Esprito Santo, onde se

    iniciou o primeiro Centro, tambm tm a PA sendo aplicada.

    Em Rondnia so sete Centros em funcionamento, quatro desses iniciados no final da

    dcada de 1980 e incio de 1990 e que por muito tempo permaneceram sendo os nicos a

    aplicarem a PA no Estado. Por ser um Estado novo, se comparado a estados de outras regies

    do Brasil, principalmente aos estados do Nordeste, Sul e Sudeste, seu desenvolvimento mais

    significativo se d somente a partir do sculo XX, baseando-se na extrao do ltex e de

    madeiras, na garimpagem de ouro e cassiterita e na agropecuria com uso intensivo de

    recursos naturais. Para desenvolvimento dessas atividades houve um povoamento

    desordenado por meio, principalmente, de famlias de outros Estados sem condies

    econmicas, formando uma zona rural sem infraestrutura, baixas condies econmicas, altas

    concentraes de doenas tropicais e quase inexistncia de educao formal (OLIVEIRA,

    2001).

    Recentemente tem crescido o nmero de Centros com aplicao da PA no Estado. A

    partir de 2010 o nmero passa de quatro para sete e a nova gesto do Governo do Estado

    veiculou, logo aps vencer o pleito eleitoral de 2010, que haveria uma poltica de incentivo

    expanso da PA como forma de melhorar e universalizar a educao do campo e promover

    desenvolvimento sustentvel. Isso implicou questionar como foi o processo de implementao

    da PA para que ela se tornasse uma TS vivel melhoria das condies de vida das

    comunidades envolvidas e/ou atendidas e como se d seu processo de reaplicao, como o

    caso que est ocorrendo no estado de Rondnia.

    Essas questes definiram a PA como o caso emprico a ser estudado. Alm de fazer

    uma investigao das translaes da PA desde sua origem, foi realizada uma observao

    participante para acompanhar como tm se dado a expanso da PA em todo o estado de

    1 http://www.mfr.asso.fr/pages/accueil.aspx

    2 Resultado de uma pesquisa encomendada pela SECADI/MEC em 2013.

  • 34

    Rondnia. O principal propsito foi analisar como as bases sociotcnicas originrias de uma

    TS como a PA so transladadas em rotinas geradoras de mudanas e transformaes sociais,

    baseando-se na tese de que, ao invs de ser promotora de transformaes sociais, a PA

    tambm um efeito direto das prprias atuaes rotineiras dos atores envolvidos em redes

    associativas (sociotcnicas) e que definem seus prprios meios translativos.

    1.1 Problema de Pesquisa

    A principal questo que norteou a pesquisa foi: como as bases sociotcnicas

    originrias de uma Tecnologia Social como a Pedagogia da Alternncia transladam em rotinas

    consideradas geradoras de mudanas e transformaes sociais?

    1.2 Objetivos da Pesquisa

    1.2.1 Objetivo Geral

    Analisar como as bases sociotcnicas originrias de uma Tecnologia Social como a

    Pedagogia da Alternncia transladam em rotinas consideradas geradoras de mudanas e

    transformaes sociais.

    1.2.2 Objetivos Especficos

    (1) Investigar as bases sociotcnicas de formao da Pedagogia da Alternncia na Frana;

    (2) Examinar as translaes de formao das rotinas da Pedagogia da Alternncia na

    Frana;

    (3) Examinar as translaes de expanso da Pedagogia da Alternncia;

    (4) Investigar as bases sociotcnicas de formao e translao da Pedagogia da

    Alternncia no estado de Rondnia;

    (5) Analisar as translaes de expanso da Pedagogia da Alternncia no estado de

    Rondnia;

    1.3 Justificativa

    Espera-se com esse trabalho, contribuir teoricamente, dentre outras correntes, com a

    TAR. A TAR, apesar de presente nos estudos organizacionais, pouco explorada no Brasil e

    principalmente nos estudos organizacionais brasileiros (ANDRADE, 2004b; ALCADIPANI;

  • 35

    TURETA, 2009). Do mesmo modo, o aprofundamento em reas diretamente relacionadas

    cincia e tecnologia pode trazer significativas contribuies para a rea das organizaes, de

    modo geral e, em especial, para os estudos que vm sendo desenvolvidos no Programa de

    Ps-Graduao em Administrao da UFPE.

    Com relao aos estudos voltados para TS, a diversificao de temas e conceitos, por

    si s, j justifica um aprofundamento terico mais consistente para discutir as bases da TS.

    Muitos so os conceitos e muitas so as inter-relaes entre eles, mas pouco se sabe sobre

    suas efetivas contribuies para trabalhos empricos. Brando (2001, p. 34) mostra como

    dispersos esto os conceitos ao tratarem de uma viso tecnolgica alternativa s vises

    tradicionais:

    Tecnologia alternativa, tecnologia utpica, tecnologia intermediria, tecnologia

    adequada, tecnologia socialmente apropriada, tecnologia ambientalmente

    apropriada, tecnologia adaptada ao meio ambiente, tecnologia correta, tecnologia

    ecolgica, tecnologia limpa, tecnologia no-violenta, tecnologia no-agressiva ou

    suave, tecnologia branda, tecnologia doce, tecnologia racional, tecnologia humana,

    tecnologia de auto-ajuda, tecnologia progressiva, tecnologia popular, tecnologia do

    povo, tecnologia orientada para o povo, tecnologia orientada para a sociedade,

    tecnologia democrtica, tecnologia comunitria, tecnologia de vila, tecnologia

    radical, tecnologia emancipadora, tecnologia libertria, tecnologia liberatria,

    tecnologia de baixo custo, tecnologia da escassez, tecnologia adaptativa, tecnologia

    de sobrevivncia e tecnologia poupadora de capital.

    Do mesmo modo, a opo por uma perspectiva tecnocientfica se apresenta como um

    esforo vlido para capturar a multidimensionalidade das diversas e complexas possibilidades

    de pesquisa em que as tecnologias e rotinas esto inseridas hoje nos estudos organizacionais.

    possvel dizer que as TS abrangem essa diversidade de perspectivas e, consequentemente,

    demarca um relevante campo conceitual estudado. Mas, por outro lado, esses campos

    conceituais esto ligados gerao de habilidades e resoluo de problemas para dficits

    pontuais e especficos. H uma necessidade hoje de superar essas limitaes de concepes

    lineares em termos de "transferncia e difuso", principalmente mediante a percepo de

    dinmicas de integrao em sistemas sociotcnicos e processos de redefinio de tecnologias

    (THOMAS; FRESSOLI, 2010) como se pretende nesta tese.

    No se pode negar tambm que o desenvolvimento de estudos na rea da presente tese

    implica, muito alm do social obviamente, em entender tambm mais apropriadamente

    aspectos tanto econmicos como produtivos e tcnicos, j que ser possvel estudar com mais

    propriedade as associaes que as organizaes tm naturalmente formado. Alm do mais, a

    tese pode contribuir com as pesquisas na rea dos estudos organizacionais, contribuindo para

    o redirecionamento das pesquisas at ento focadas nas diversas caixas-pretas (tecnologia,

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    sociedade, organizaes e outras) para as suas inter-relaes, associaes e composies que

    so continuamente formadas.

    Para Neder e Thomas (2010), focar na anlise sociotcnica constitui, na atualidade, um

    dos principais temas que podem significativamente contribuir para o avano do entendimento

    da TS como campo cientfico, j que, conforme dito por Bijker (1993, p.125), a abordagem

    sociotcnica, [...] no meramente uma combinao ntima de fatores sociais e tcnicos,

    algo sui generis. Conjuntos sociotcnicos, em vez de artefatos tcnicos ou instituies sociais,

    tornam-se nossa unidade de anlise. E processos sociotcnicos constituem os padres

    discernidos pelos nossos conceitos tericos.

    Complementarmente, a literatura tem destacado uma grande demanda por estudos que

    abordem a TS. Mas, por outro lado, conforme ressaltado por Neder e Thomas (2010), um dos

    maiores obstculos associados ao desenvolvimento de ferramentas tericas com relao a TS

    a ausncia de anlises empricas. A maioria das informaes sobre TS vem de fontes de

    livros, guias de recursos disponveis por grupos de trabalhos especializados ou, simplesmente,

    por meio de estoques de experincias. Assim, a presente tese pode suscitar novas discusses

    sobre o desenvolvimento de teorias acerca da TS no Brasil.

    Do mesmo modo, a escolha emprica torna-se relevante pela peculiaridade do caso

    escolhido. A disseminao da PA, desde os pases de primeiro mundo, como Itlia e Portugal,

    na Europa, passando pelos emergentes, como Brasil e Argentina, na Amrica Latina, a pases

    notadamente pobres, como Ruanda e Senegal, na frica, pode indicar uma universalidade da

    proposta, o que fortalece a escolha dessa iniciativa de TS para anlise. No caracterizando

    uma iniciativa que atende satisfatoriamente somente a espaos especficos, mas universalizada

    em diferentes contextos.

    1.4 Estrutura da Tese

    Alm dessa introduo, a tese composta por mais seis captulos e as consideraes

    finais. No captulo 2 apresentada a TAR e suas principais bases ontolgicas e

    epistemolgicas. Inicialmente feita uma discusso ampla sobre as origens e posicionamentos

    da TAR, apresentando a irredutibilidade como sua ontologia e a simetria generalizada como

    base epistemolgica, destacando as implicaes desses posicionamentos para pesquisas

    empricas. apresentado tambm os conceitos de ao, translao, rotinas e mudanas e

    como eles esto, em uma anlise pela TAR, imbricados. O destaque desse captulo a nfase

    na necessidade de reposicionar o conceito de mudana para alm do que normalmente

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    presumido nos estudos organizacionais. A translao assumida como um conceito basilar

    para compreender a mudana organizacional.

    No captulo 3 apresentado o delineamento da pesquisa. Evidencia que a pesquisa foi

    baseada em um estudo de caso. Mostra os critrios que foram adotados para a escolha da PA

    como caso intrnseco da pesquisa e detalha os principais aspectos e caractersticas dessa TS.

    Alm disso, mostra que os procedimentos foram realizados em duas fases de coleta e anlise

    dos dados e que as anlises foram realizadas por meio do acompanhamento das translaes

    identificadas, tanto nos documentos, como nas entrevistas e observao participante

    realizadas.

    No captulo 4 delineado sobre a origem da PA. Primeiro mostrado como so

    colocados pontos de passagens obrigatrios Igreja e ao Estado na definio das primeiras

    evidncias da PA. Mostra tambm como movimentos de grandes amplitudes na poca como

    personalismo e o movimento de Sillon corroboraram as translaes especficas da PA,

    revelando como aspectos micro e macro das relaes esto diretamente imbricados. So

    destacados tambm os principais atores que participaram das primeiras translaes e como

    programas de ao foram definidos para que houvesse a materialidade da PA. O captulo

    termina evidenciando como h uma mobilizao em torno da PA que a torna uma tecnologia

    aparentemente fechada e sua translao para outras regies e pases parece se tornar possvel.

    No captulo 5 so mostrados os ordenamentos necessrios para que a PA fosse

    amplamente conhecida. Quatro estratgias so identificadas resultantes da atuao dos atores-

    rede. Uma primeira que assegura a manuteno dos objetivos; uma segunda que permite a

    presena e participao de muitos aliados, tanto humanos como no-humanos e que possibilita

    a realizao de programas de ao; uma terceira estratgia que assegura que controvrsias

    sejam resolvidas e; uma ltima que assegura o futuro das inscries e que perpetua as

    caractersticas aparentemente definidoras da PA.

    No captulo 6 so apresentadas as translaes que definiram a PA no Estado de

    Rondnia. So destacadas as principais condues da PA ao longo da dcada de 1990 e como

    os atores, por um lado, estiveram imbricados em manter a PA e, por outro, foram mantidos

    vinculados sua execuo. So abordados sobre os projetos de expanso e como a PA vai se

    constituindo como a prpria mudana por onde sua implementao, ou iniciativa de

    implementao, acontece. Alm de uma filosofia de mudana, muitos so os atores

    constituintes e constitudos nas suas translaes ao longo das dcadas desde seus primeiros

    registros no Estado. A PA s pode ser vista como uma construo das prprias associaes de

    atores, por mais que ela parea universalizada.

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    O captulo 7 mostra como a aplicao da PA uma questo de mobilizao social,

    como consideram os prprios atores envolvidos nas associaes estudadas. Ao relatar as

    mobilizaes que esto, na atualidade, transladando a PA, evidencia-se como a PA est

    inserida em associaes mais amplas e que faz dela muito mais um efeito das transformaes

    ocorridas do que uma tecnologia transformadora. O captulo mostra ainda como a PA

    translada como um conjunto relacional de atores e no por definio e interesse de um nico

    ator, como pressups, no princpio, o Governo do Estado.

    Na sequncia so feitas as consideraes finais, analisando o transladar da PA, tanto

    no que diz respeito sua implementao, como reaplicao. Mostra que no caso estudado,

    esses elementos no esto dissociados, pois a PA uma construo a partir de associaes e

    redes especficas, precisando ser considerada somente nessa rede, pois inexistiu em todos os

    momentos e lugares analisados uma tecnologia autnoma e independente, como pressuposto

    existir ao analisar uma TS. A PA um elemento da rede de atores (re)significada a todo

    momento. mostrado tambm como, ao disc