2007 apgeom dunascarbonatadas - ceg · 2007-09-13 · de entre os locais onde se identificaram...

15
CARDUNE //////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////CARDUNE///////

Upload: others

Post on 12-Mar-2020

5 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: 2007 APGEOM DunasCarbonatadas - CEG · 2007-09-13 · De entre os locais onde se identificaram dunas carbonatadas (Fig. 1), seleccionámos três na Estremadura, onde os eolianitos

CARDUNE

//////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////CARDUNE///////

Page 2: 2007 APGEOM DunasCarbonatadas - CEG · 2007-09-13 · De entre os locais onde se identificaram dunas carbonatadas (Fig. 1), seleccionámos três na Estremadura, onde os eolianitos

A. Ramos Pereira, M. Neves, J. Trindade, B. Borges, D. E. Angelucci, A. Monge Soares (em publicação) – Dunas carbonatadas e depósitos correlativos na Estremadura (Portugal). Variações do nível do mar e neotectónica. Publicações da Associação Portuguesa de Geomorfólogos, Vol. V, APGeom, p. 165-178.

165

Dunas carbonatadas e depósitos correlativos na Estremadura (Portugal). Variações do nível do mar e neotectónica.

Carbonate dunes and related deposits in Estremadura (Portugal). Sea-level changes and neotectonics.

A. Ramos Pereira1, M. Neves1, J. Trindade2, B. Borges3, D. E. Angelucci4, A. Monge Soares5

1 Centro de Estudos Geográficos, Universidade de Lisboa, [email protected], [email protected];

2 Centro Estudos Geográficos da Univ. Lisboa & Universidade Aberta, [email protected]; 3 Bolseiro – CarDune, Centro de Estudos Geográficos, Univ. Lisboa, [email protected];

4 Instituto Português de Arqueologia, [email protected]; 5 Instituto Tecnológico Nuclear, [email protected].

Resumo: Dando continuidade a trabalhos anteriores, apresentam-se novos dados sobre as dunas carbonatadas e sua relação com variações do nível do mar e neotectónica, obtidos no âmbito do projecto CarDune1. Seleccionaram-se três áreas de estudo na Estremadura: S. Julião, Magoito e Baralha (Arrábida), onde os eolianitos fossilizam plataformas rochosas, com ou sem depósito de praia, e paleoarribas. Complementa-se agora esta informação com levantamentos topográficos, através do uso de estação total e modelação dos dados em ArcGis. Ainda com poucos dados cronológicos (nomeadamente OSL – Optically Stimulated Luminescence) para os depósitos de praia e eolianitos sobrejacentes, os resultados que se pretendem aqui discutir revelaram: (i) um nível de praia a 20-25 m, provavelmente correspondente ao OIS (Oxigen Isotopic Stage) 6 (?); (ii) um nível de praia a 8-10 m, provavelmente Eemiano (OIS 5e), presente em S. Julião, Magoito e, talvez Baralha, sobre o qual assentam dunas carbonatadas do Holocénico e do Plistocénico médio; (iii) a fossilização do nível Eemiano e do nível dos 20-25 m pela duna holocénica carbonatada, em Magoito. Discutem-se também as principais incertezas relativas aos ambientes e à neotectónica quaternária.

Palavras-chave: Dunas carbonatadas; Quaternário, Eemiano; Neotectónica. Abstract: Carbonate dunes in Portugal are quite well known. A first bibliographic review was produced in 1985 and

two years after a geomorphologic synthesis on this subject showed the importance of these features, its diversity and significance to the understanding of the changes in the littoral landscape during the Middle Pleistocene to the Holocene. In the year 2004, a new state of the art was produced incorporating further research. Although the incertitude’s, five aeolian phases are recognized (one in Middle Pleistocene, OIS 6?; two during the Upper Pleistocene, the first one in the OIS 4-3 and the second OIS 2; two during the Holocene, one in the Boreal Atlantic and the last one circa 3000 years). Exception made to the last one, they are all related to low sea level and the carbonation related to a relative climatic amelioration, with xeric conditions. In Estremadure, carbonate dunes cover beach deposits and archaeological layers or palaeosoils. In the absence of other kind of data (namely OSL, not yet available) for the eolianites and the underlying beach deposits, the CarDune team1, in order to give a contribution to the understanding of littoral Quaternary landscape evolution, is acquiring new accurate field data, namely the altitude of underlying beach layer as well as the eolianite covered area with Total Station. The field surveys data were modelled with ArcGis. The selected sites are: S. Julião, Magoito (North of Serra de Sintra), and Baralha - Arrábida (Peninsula of Setúbal), where new outcrops were found. The results of the research done so far showed: (i) a beach level at 20-25 m, represented more frequently by an erosional platform and sometimes also by beach deposits (most of them destroyed by anthropic procedures), probably OIS 7 (?); (ii) a beach level at 8-11 m, represented by an abrasion

1 Projecto Dunas Carbonatadas como Indicadores Paleoclimáticos no Litoral Português – CarDune – POCI/CTE-GEX/59643/2004, financiando pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) e pelo Programa Operacional Ciência e Inovação 2010 (POCI 2010), co-financiado pelo fundo comunitário europeu FEDER. 1 Project Carbonate Dunes as Palaeoclimatic Records in the Littoral of Portugal – CarDune – POCI/CTE-GEX/59643/2004, financed by the Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) and Programa Operacional Ciência e Inovação 2010 (POCI 2010), co-financed by the european comunitary fund FEDER.

CARDUNE

//////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////CARDUNE///////

Page 3: 2007 APGEOM DunasCarbonatadas - CEG · 2007-09-13 · De entre os locais onde se identificaram dunas carbonatadas (Fig. 1), seleccionámos três na Estremadura, onde os eolianitos

A. Ramos Pereira, M. Neves, J. Trindade, B. Borges, D. E. Angelucci, A. Monge Soares (em publicação) – Dunas carbonatadas e depósitos correlativos na Estremadura (Portugal). Variações do nível do mar e neotectónica. Publicações da Associação Portuguesa de Geomorfólogos, Vol. V, APGeom, p. 165-178.

166

platform with or without beach deposit, present at S. Julião, Magoito and Baralha, underlying several dune generations (Holocene and Middle Pleistocene carbonate dunes), probably Eemian (OIS 5e); (iii) that the Holocene carbonate dune of Magoito fossilized the Eemian level as well as the 20-25 m level. The methodology used will be discussed as well as the results, namely those related with neotectonic and Quaternary palaeoenvironment.

Keywords: Carbonate dunes; Quaternary; Eemian; Neoctectonic.

1. INTRODUÇÃO As dunas carbonatadas são há muito conhecidas em Portugal. Foram os trabalhos pioneiros de Breuil &

Zbyszewski (1942), ou apenas deste último autor (Zbyszewski, 1940, 1942), de M. Feio (1949), de O.

Ribeiro (1940) de Romariz & Galopim de Carvalho (1973), em Portugal continental, e de Ferreira Soares

(1973), na Madeira e Porto Santo, que deram a conhecer estes elementos morfológicos e os depósitos

que os originam.

Uma primeira revisão bibliográfica destes trabalhos surge em 1985 (Pereira & Correia, 1985) e,

posteriormente, uma síntese geomorfológica realça a importância destas formas de relevo e depósitos

constituintes, a sua diversidade e significado, bem como a sua relevância como indicadores das variações

do nível do mar, dos ambientes e das modificações das paleopaisagens litorais (Pereira, 1987).

Pequenas monografias sobre ocorrências específicas foram divulgadas ao longo das décadas de 1980 e

1990, bem como um artigo sobre as formas e depósitos eólicos carbonatados da Madeira (Goodfriend et

al, 1996). Foi elaborada uma nova síntese dos dados disponíveis (Pereira & Angelucci, 2004) e foram

propostas cinco fases de mobilização eólica no litoral português, durante o Plistocénico médio e o

Holocénico (a primeira reconhecida poderá ser Plistocénico médio, OIS 6?; duas mobilizações durante o

Plistocénico superior, a primeira no OIS 4-3 e a segunda no OIS 2; duas durante o Holocénico, uma no

Boreal – Atlântico e a última há cerca de 3 000 anos). À excepção desta última, todas se relacionam com

níveis do mar abaixo do actual e a carbonatação com uma relativa melhoria térmica, com condições

xéricas.

Surgiu entretanto, na bibliografia de divulgação internacional, um “estado da arte” sobre esta temática,

publicada na revista Earth-Science Reviews (Brooke, 2001).

2. OBJECTIVOS DA INVESTIGAÇÃO E LOCAIS ESCOLHIDOS Esta contribuição insere-se no âmbito do Projecto Carbonate Dunes as Palaeoclimatic Records in the

Littoral of Portugal – CarDune – POCI/CTE-GEX/59643/2004. Este projecto tem como objectivos (i)

aprofundar o conhecimento sobre as dunas carbonatadas e os eolianitos portugueses; (ii) estabelecer a

possível sincronicidade da sua formação com outras regiões das latitudes médias; (iii) correlacionar os

proxy-data paleoclimáticos com os episódios de formação das dunas carbonatadas; (iv) estabelecer a

sequência cronológica dos episódios de mobilização eólica durante o Plistocénico e Holocénico.

Divulgam-se as primeiras contribuições que se inserem principalmente em três das tarefas definidas no

projecto para alcançar os objectivos anteriormente definidos, a saber: (i) a localização e dimensão

precisas, bem como a sequência estratigráfica dos eolianitos; (ii) as datações (nomeadamente por 14C,

OSL, Accelerator Mass Spectrometry – AMS) como contributo para o estabelecimento de uma base de

dados cronométrica, (iii) correlação da formação das dunas com as flutuações do nível do mar.

CARDUNE

//////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////CARDUNE///////

Page 4: 2007 APGEOM DunasCarbonatadas - CEG · 2007-09-13 · De entre os locais onde se identificaram dunas carbonatadas (Fig. 1), seleccionámos três na Estremadura, onde os eolianitos

A. Ramos Pereira, M. Neves, J. Trindade, B. Borges, D. E. Angelucci, A. Monge Soares (em publicação) – Dunas carbonatadas e depósitos correlativos na Estremadura (Portugal). Variações do nível do mar e neotectónica. Publicações da Associação Portuguesa de Geomorfólogos, Vol. V, APGeom, p. 165-178.

167

De entre os locais onde se identificaram dunas carbonatadas (Fig. 1), seleccionámos três na

Estremadura, onde os eolianitos cobrem antigos depósitos de praia e plataformas rochosas correlativas,

fossilizam níveis arqueológicos, sobre alguns dos quais possuímos já datações radiocronológicas. São

eles S. Julião, onde parece existirem duas gerações de dunas carbonatas, definidas com base no grau de

carsificação (Pereira & Correia, 1985), Magoito, onde o eolianito fossiliza um horizonte arqueológico e dois

níveis com depósito de praia (Daveau et al, 1982, Soares, 2003), e Baralha, na Arrábida, onde a duna

carbonatada fossiliza um antigo litoral rochoso, com escassos depósitos areno-conglomeráticos com

conchas marinhas.

3. METODOLOGIA UTILIZADA A equipa CarDune procedeu:

(i) ao levantamento de campo, para caracterizar a posição morfológica e estratigráfica precisa das várias

ocorrências de eolianitos e depósitos sub e supra jacentes;

(ii) ao tratamento laboratorial, com vista à caracterização textural dos eolianitos e depósitos que com eles

se relacionam;

(iii) a datações por 14C (já disponíveis);

(iv) à interpretação dos resultados.

A Estremadura portuguesa é uma região onde a neotectónica é reconhecida, quer em torno da Serra de

Sintra (Ferreira, 1984) quer na Arrábida (Pereira & Regnauld, 1994), razão por que o levantamento de

campo não se resumiu à descrição sequencial dos depósitos e seu enquadramento geomorfológico, mas,

para que os dados tivessem elevada precisão, foram referenciados com coordenadas X, Y e Z. Para tal

recorreu-se a uma estação total (Nikon DTM-502). Para a determinação da altitude e posição dos

depósitos e níveis, procedeu-se ao transporte de coordenadas Gauss – elipsóide internacional, Datum

Lisboa, a partir dos vértices geodésicos mais próximos, referindo-se as altitudes medidas ao nível médio

do mar. A precisão esperada em Z com o prisma fixo, para um intervalo de confiança de 95 %, é no

máximo de 2,6 cm em medições até 530 m de distância (Trindade et al, 2007). Os valores de precisão

obtidos permitem fazer projecções de taxas de levantamento em milhares de anos.

Os levantamentos de campo foram modelados em ArcGis.

O tratamento laboratorial consistiu na separação por calibres, para distinguir os diferentes ambientes

deposicionais (de praia, eólicos, de vertente).

As datações de 14C foram feitas essencialmente no ITN (ex. - ICEN) e o material datado foi carvão, em

Magoito e S. Julião, e conchas de animais marinhos nos três locais. No caso da Baralha, onde foram

datadas conchas, inteiras e fragmentadas, integrantes do depósito de praia aglutinado por um cimento

carbonatado, apenas se consideram como relevantes as amostras Baralha 1 (fracção interna) e Baralha 3

(Quadro 1), que após o pré-tratamento (limpeza mecânica e reacção com HCl diluído) se encontravam

praticamente limpas, sem material aderente estranho, e, por isso, sem indícios de contaminação.

Utilizam-se no texto as datas calibradas. As datas convencionais para os concheiros de S. Julião e

Magoito foram calibradas fazendo uso do programa CALIB Rev 5.0.1 (Stuiver & Reimer, 1993) e as curvas

de calibração IntCal04 (Reimer et al, 2005) e Marine04 (Hughen et al, 2004), com ΔR= 0 ± 0 anos 14C,

para as amostras da biosfera terrestre e da biosfera marinha, respectivamente. Para as datas da Baralha

CARDUNE

//////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////CARDUNE///////

Page 5: 2007 APGEOM DunasCarbonatadas - CEG · 2007-09-13 · De entre os locais onde se identificaram dunas carbonatadas (Fig. 1), seleccionámos três na Estremadura, onde os eolianitos

A. Ramos Pereira, M. Neves, J. Trindade, B. Borges, D. E. Angelucci, A. Monge Soares (em publicação) – Dunas carbonatadas e depósitos correlativos na Estremadura (Portugal). Variações do nível do mar e neotectónica. Publicações da Associação Portuguesa de Geomorfólogos, Vol. V, APGeom, p. 165-178.

168

e da Figueira Brava, na Arrábida, utilizou-se a CalPal Library (2005), tendo-se subtraído 400 anos à data

convencional (valor aproximado do efeito reservatório oceânico).

Figura 1 – Ocorrência de dunas carbonatadas em Portugal continental (extraído de Pereira & Angelucci, 2004,

revisto).

Figure 1 – Distribution of carbonate dunes in mainland Portugal (after Pereira & Angelucci, 2004, modified).

3. OS PRINCIPAIS RESULTADOS

3.1. S. Julião Os vestígios de dunas carbonatadas cobrem, ainda hoje, parte da arriba e da vertente setentrional do

valeiro que desagua na praia de S. Julião. O corte mais interessante, que tem vindo a ser posto a

descoberto em resultado de intervenções antrópicas e de desabamentos na arriba, está esquematizado

na figura 2. É constituído por depósitos arenosos, de praia, que assentam no substrato (calcários e

margas do Albiano – Cenomaniano Inferior e Médio) arrasado e carsificado, a 8,8 m acima do nível do

mar. Este conjunto está coberto por 4,6 m de depósitos arenosos, com características diversas, quanto ao

grau ou ausência de carbonatação, estrutura e abundância de restos vegetais e conchas. O arenito

inferior (nível 3 na Fig. 2) abarranca o depósito de praia, tem uma estrutura que evidencia um fluxo areno-

aquoso, com estratificação mal definida, mas que parece ser concordante com a vertente, com

abundantes rizoconcreções, fragmentos de conchas de animais marinhos e terrestres. Este arenito, sem

estratificação dunar, parece o resultado da sedimentação de areias provenientes da vertente que o

domina, trazidas por um fluxo aquoso, que retomou não só as areias que cobriam as vertentes, mas

também um antigo depósito de praia existente num patamar a 20-30 m (Fig. 3; que se referirá

posteriormente).

CARDUNE

//////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////CARDUNE///////

Page 6: 2007 APGEOM DunasCarbonatadas - CEG · 2007-09-13 · De entre os locais onde se identificaram dunas carbonatadas (Fig. 1), seleccionámos três na Estremadura, onde os eolianitos

A. Ramos Pereira, M. Neves, J. Trindade, B. Borges, D. E. Angelucci, A. Monge Soares (em publicação) – Dunas carbonatadas e depósitos correlativos na Estremadura (Portugal). Variações do nível do mar e neotectónica. Publicações da Associação Portuguesa de Geomorfólogos, Vol. V, APGeom, p. 165-178.

169

Uma camada pouco espessa de areia eólica não consolidada separa o anterior do arenito da duna

carbonatada, com típica estrutura dunar, com estratificação entrecruzada, com 2,3 m de espessura,

localmente carsificado.

5 – arenito dunar com estratificação entrecruzada; 4 – areia fina não consolidada, eólica, sem estrutura, com nódulos de carbonato; 3 – coluvião de areia eólica consolidada, sem estratificação, com abundantes rizo-concreções, conchas de caracóis e de amêijoa, abarranca 2; 2 – depósito de praia enriquecido e endurecido por óxidos de ferro, a – areia média vermelha com estratificação, b – leito de seixos rolados, c – areia média a fina, sem estrutura, de cor ocre; 1 – substrato carsificado (calcários e margas do Albiano – Cenomaniano inferior e médio).

Figura 2 – Corte da arriba da praia de S. Julião (altitudes medidas com estação total).

Figure 2 – Cliff sequence at S. Julião beach (altitude measured by total station).

Figura 3 – Enquadramento do corte na arriba de S. Julião (descrito na Fig. 2) e do nível de praia de 20-30 m. Estão

localizados os níveis arqueológicos S. Julião A e S. Julião B, referidos no Quadro 1.

Figure 3 – Geomorphological framework of the cross-section along the cliff of S. Julião (mentioned in Fig. 2), the 20-30 m beach level and S. Julião A and S. Julião B archaeological layers, referred in Table 1.

3.2. Magoito Em Magoito, os cortes que permitiram definir a posição estratigráfica relativa entre a duna carbonatada e

os níveis arqueológicos não são visíveis actualmente. Porém, o seu registo bibliográfico e fotográfico

mostra que o eolianito cobre um depósito de praia (areia ocre, referenciada em Pereira, 1983), sobre o

CARDUNE

//////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////CARDUNE///////

Page 7: 2007 APGEOM DunasCarbonatadas - CEG · 2007-09-13 · De entre os locais onde se identificaram dunas carbonatadas (Fig. 1), seleccionámos três na Estremadura, onde os eolianitos

A. Ramos Pereira, M. Neves, J. Trindade, B. Borges, D. E. Angelucci, A. Monge Soares (em publicação) – Dunas carbonatadas e depósitos correlativos na Estremadura (Portugal). Variações do nível do mar e neotectónica. Publicações da Associação Portuguesa de Geomorfólogos, Vol. V, APGeom, p. 165-178.

170

3

qual assenta um horizonte arqueológico (Fig. 4). A reconstituição altimétrica mostra que este nível de

praia ocorre a 8,5 m.

Por ocasião de muitas das numerosas intervenções antrópicas a que esta arriba talhada em eolianito tem

vindo a ser submetida, dada a sua instabilidade natural, o ataque pelo mar a que é sujeita em episódios

de temporal, e até da construção de um restaurante, foi posto a descoberto um corte, na parte superior de

arriba que evidenciou a seguinte sequência, da base para o topo (Soares, 2003).

- um nível de praia – “areias avermelhadas com alguns calhaus rolados” (IV), sobre o substrato de calcário

margoso albiano – cenomaniano (V na Fig. 5), cuja reconstituição altitudinal mostra encontrar-se entre

24,4 e 27,4 m;

- concheiro epipaleolítico (III);

- areia solta esbranquiçada com Helix sp. (II);

- eolianito (I).

Figura 4 – Fundos de fogueira (2a) do horizonte arqueológico (2), entre as areias ocres (1) e o arenito dunar (3).

Corte visível em 1982, Magoito. Na base do corte encontra-se material escorregado donível das areias ocres (1a) e blocos desabados de arenito dunar (3a).

Figure 4 – Archaeological layer sell midden (2), orenge beach sands (1) and the eolianite (3). Cross-section visible in 1982, Magoito. On the cross-section basis there is mataerial slided from the orange beach sands layer (1a) and fallen eolianite blocks (3a).

3.3. Forte da Baralha (Arrábida) Na fachada meridional da cadeia da Arrábida, entre Sesimbra e o Cabo Espichel, existe um patamar,

testemunhado por um conjunto de retalhos em continuidade, que se desenvolvem entre 10 e 11 m, junto

ao forte que lhe dá o nome, e cerca de 5 m junto ao Cabo Espichel (este retalho é inacessível, mesmo por

mar). A sua deformação já tinha sido reconhecida em Pereira & Regnauld (19942), acompanhando a

tendência geral de toda a cadeia, com maior levantamento para leste.

2 Este nível foi então designado nível +7 m.

CARDUNE

//////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////CARDUNE///////

Page 8: 2007 APGEOM DunasCarbonatadas - CEG · 2007-09-13 · De entre os locais onde se identificaram dunas carbonatadas (Fig. 1), seleccionámos três na Estremadura, onde os eolianitos

A. Ramos Pereira, M. Neves, J. Trindade, B. Borges, D. E. Angelucci, A. Monge Soares (em publicação) – Dunas carbonatadas e depósitos correlativos na Estremadura (Portugal). Variações do nível do mar e neotectónica. Publicações da Associação Portuguesa de Geomorfólogos, Vol. V, APGeom, p. 165-178.

171

Figura 5 – Corte posto a descoberto na sequência dos trabalhos de construção de um restaurante na praia de Magoito (Soares, 2003). I – “Duna” consolidada com estratificação entrecruzada; II – areia solta esbranquiçada com Helix sp.; III – concheiro epipaleolítico; IV – nível de praia – “areias avermelhadas com alguns calhaus rolados”; V – substrato de calcário margoso albiano-cenomaniano.

Figure 5 – Cross-section made before the contruction of a restaurant on Magoito beach (Soares, 2003). I – Cross-stratified eolianite; II – whitish sand with Helix sp.; III – epipaleolithic archaeological layer; IV – beach sand – “red sands layer with some pebbles”; V – bed-rock, Albian marly limestones.

Este litoral rochoso, hoje alcandorado, é testemunhado por uma paleoarriba, com sapa e visor bem

individualizados, em vários locais fossilizado por um arenito dunar, que pode ou não cobrir um depósito

conglomerático rolado, muito grosseiro, constituído por blocos de calcário (diâmetro médio de cerca de

60 cm) embalados em matriz arenosa, também ela muito grosseira (Fig. 6 e 7), ou acumulações esparsas

e descontínuas de areia média, com cerca de 5º de inclinação para sul.

Localmente o conjunto pode estar fossilizado por um coluvião, também com cimento carbonatado. Este

coluvião, espesso, pode estar na base interestratificado com o depósito de praia.

Figura 6 – Aspecto geral do nível da Baralha, junto ao forte (Arrábida).

Figure 6 – Panoramic view of Baralha level, close to the fort (Arrábida).

3.3. As datações 14C e as relações com os níveis arqueológicos Em S. Julião, as datações foram feitas em material proveniente de níveis arqueológicos distintos (S. Julião

A e S. Julião B, localizados na Fig. 3). Ambos se encontram na vertente norte, brigada do vale da Rª do

Falcão, o primeiro na proximidade do canal actual do rio (2 m acima dele), e o segundo a cerca de 7 m

acima do canal actual. O primeiro local foi utilizado mais cedo, circa 9 000 anos cal BP (Quadro 1),

enquanto, no segundo, as datas calibradas estão compreendidas entre 8 800 e 8 080 cal BP.

CARDUNE

//////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////CARDUNE///////

Page 9: 2007 APGEOM DunasCarbonatadas - CEG · 2007-09-13 · De entre os locais onde se identificaram dunas carbonatadas (Fig. 1), seleccionámos três na Estremadura, onde os eolianitos

A. Ramos Pereira, M. Neves, J. Trindade, B. Borges, D. E. Angelucci, A. Monge Soares (em publicação) – Dunas carbonatadas e depósitos correlativos na Estremadura (Portugal). Variações do nível do mar e neotectónica. Publicações da Associação Portuguesa de Geomorfólogos, Vol. V, APGeom, p. 165-178.

172

Figura 7 – Plataforma rochosa do nível do Forte da Baralha (Arrábida). A sapa na base da paleoarriba está fossilizada por eolianito com estratificação entrecruzada (seta), lâminas com inclinação máxima de 10º, e/ou por depósito conglomerático de blocos rolados numa matriz arenosa, consolidada por cimento calcário (foto à direita) que assenta directamente na plataforma rochosa e está localmente coberto pelo eolianito.

Figure 7 – Rocky platform of Forte da Baralha level (Arrábida). Paleocliff notch is fossilized by cross-stratified eolianite (arrow), with a

maximum of inclination of 10º, and/or by conglomeratic deposit of pebbles in a sandy matrix consolidated by calcareous cement (right side foto) which overlays directly the rocky platform and can be overlayed by the eolianite.

Em Magoito (Magoito 1 no Quadro 1), as datações apresentadas são também dos dois locais da arriba,

com vestígios arqueológicos anteriormente referidos, correspondentes a um concheiro epipaleolítico. As

cinco primeiras (Quadro 1) provêm do horizonte encontrado no sopé da arriba (a 8,5 m) e a da amostra

ICEN-577, obtida pela datação de conchas de Mytilus sp., do nível a 24,4-27,4 m. Este concheiro

fossilizado pela duna carbonatada evidencia uma idade compreendida entre 10 440 e 11 110 cal BP.

As datações Magoito 2 (Quadro 1) provêm de concheiros neolíticos que ocorrem na vertente norte do vale

do Rio da Mata e são claramente posteriores ao eolianito. Tem idades compreendidas entre 4 790 e

6 680 cal BP.

No que respeita à Baralha, só se consideram as amostras Baralha 1 e 3 (fracção interna), provenientes de

conchas marinhas, pelas razões já apontadas. As idades obtidas são estatisticamente idênticas,

respectivamente 36 220 cal BP e 36 869 cal BP.

A ocupação humana da Gruta da Figueira Brava (Antunes et al, 1989 e Antunes, 1990/91) foi datada com

recurso a conchas de Patella safiana (camada interna). A idade obtida foi de 32 440-35 060 cal BP.

No Quadro 1, inclui-se uma datação obtida na Gruta da Figueira Brava, que se encontra a leste do Forte

da Baralha e parece estar em continuidade morfológica com ele.

CARDUNE

//////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////CARDUNE///////

Page 10: 2007 APGEOM DunasCarbonatadas - CEG · 2007-09-13 · De entre os locais onde se identificaram dunas carbonatadas (Fig. 1), seleccionámos três na Estremadura, onde os eolianitos

A. Ramos Pereira, M. Neves, J. Trindade, B. Borges, D. E. Angelucci, A. Monge Soares (em publicação) – Dunas carbonatadas e depósitos correlativos na Estremadura (Portugal). Variações do nível do mar e neotectónica. Publicações da Associação Portuguesa de Geomorfólogos, Vol. V, APGeom, p. 165-178.

173

Quadro 1 Datas de radiocarbono disponíveis para as áreas de estudo: S. Julião, Magoito e Baralha (Arrábida).

Table 1 Available radiocarbon dating for the study sites: S. Julião, Magoito and Baralha (Arrábida).

4. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS A figura 8 sintetiza os dados geomorfológicos para os três locais estudados.

Nº da amostra Referência do Laboratório Tipo δ13C

(‰)

Data convencional BP

Data calibrada (2σ) cal BP

S. Julião B ICEN-179 madeira carbonizada -24,74 8 120 ± 100 8 700-9 320

S. Julião B ICEN-109 Cerastoderma edule +5,70 8 550 ± 70 9 010-9 380

S. Julião B ICEN-153 Cerastoderma edule -1,75 8 340 ± 45 8 730-9 030

S. Julião A ICEN-78 madeira carbonizada -24,72 7 810 ± 90 8 410-8 800

S. Julião A ICEN-151 Cerastoderma edule -0,65 7 940 ± 140 8 080-8 780

S. Julião A ICEN-73 madeira carbonizada -23,42 7 610 ± 80 8 300-8 580

S. Julião A ICEN-77 madeira carbonizada -24,12 7 580 ± 70 8 290-8 540

S. Julião A ICEN-107 Cerastoderma edule -1,23 8 130 ± 50 8 450-8 780

Magoito 1 GrN-11229 madeira carbonizada – 9 580 ± 100 10 660-11 200

Magoito 1 ICEN-52 madeira carbonizada -24,56 9 490 ± 60 10 580-11 080

Magoito 1 ICEN-80 Mytilus sp. +2,34 9 970 ± 70 10 680-11 130

Magoito 1 ICEN-81 Patella spp. +2,75 9 790 ± 120 10 440-11 090

Magoito 1 ICEN-82 Cerastoderma edule +1,33 9 910 ± 100 10 590-11 110

Magoito 1 ICEN-577 Mytilus sp. +0,54 9 880 ± 80 10 580-11 080

Magoito 2 A ICEN-425 Patella spp. +3,71 6 030 ± 80 6 280-6 630

Magoito 2 A ICEN-471 Thais haemastoma +4,05 5 970 ± 120 6 150-6 680

Magoito 2 A ICEN-427 Mytilus sp. +2,13 4 690 ± 60 4 790-5 130

Magoito 2 A ICEN-540 Mytilus sp. +0,82 4 970 ± 45 5 210-5 450

Baralha 1 (fracção intermédia) ICEN-1127

conchas marinhas de espécies diversas, muito fragmentadas e roladas

-0,52 + 3 990 25 250 - 2 650

intercepção: ca. 20 050

Baralha 1 (fracção interna) ICEN-1128

conchas marinhas de espécies diversas, muito fragmentadas e roladas

-1,69 + 1 540 31 540 - 1 290

intercepção: ca. 36 220

Baralha 2 ICEN-1129 carbonato/cimento -7,43 28 810 ± 290 27 741 ± 485

Baralha 2 (fracção interna) ICEN-1130 conchas marinhas ≈ a 1 +

cimento -4,51 + 900 25 820 - 810

intercepção: ca. 29 395

Baralha 3 (fracção interna) ICEN-1131

conchas marinhas de Mytilus sp., bem conservadas, inteiras ou pouco fragmentadas

-0,91 + 3 990 33 730 - 2 660

intercepção: ca. 36 869

Figueira Brava ICEN-387 Patella sp. +1,97 30 930 ± 700 32 440-35 060

CARDUNE

//////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////CARDUNE///////

Page 11: 2007 APGEOM DunasCarbonatadas - CEG · 2007-09-13 · De entre os locais onde se identificaram dunas carbonatadas (Fig. 1), seleccionámos três na Estremadura, onde os eolianitos

A. Ramos Pereira, M. Neves, J. Trindade, B. Borges, D. E. Angelucci, A. Monge Soares (em publicação) – Dunas carbonatadas e depósitos correlativos na Estremadura (Portugal). Variações do nível do mar e neotectónica. Publicações da Associação Portuguesa de Geomorfólogos, Vol. V, APGeom, p. 165-178.

174

4.1. Um nível do Plistocénico médio (325 ka BP?) O nível desenvolvido entre 20-30 m está presente em S. Julião e em Magoito, no primeiro lugar

testemunhado por uma rechã bem desenvolvida coberta por depósito de praia, (hoje quase

completamente destruído por acção antrópica) e por um depósito conservado em Magoito, a 24-27 m, por

detrás do restaurante. Na Arrábida existe também uma rechã, de forte declive entre 20 e 60 m, muito

dissecada, coberta por depósitos coluvio-eólicos, cuja correlação com as anteriores é duvidosa. Para

nenhum dos locais estudados se possui qualquer elemento de datação seguro, mas apenas o seu

enquadramento geomorfológico.

4.2. O nível Eemiano (125 ka BP - OIS 5e?) Acima do nível do mar actual, o primeiro patamar rochoso ocorre a diferentes altitudes ao Norte da Serra

de Sintra e na Arrábida, com uma diferença de cerca de 2 m. A primeira questão a colocar é se serão

contemporâneos. Esta suposição é legítima dada a sua posição geomorfológica. Atendendo a que o nível

do mar acima do actual foi atingido no Eemiano, há cerca de 125 000 anos e que, de acordo com Cuffey &

Marshall (2000), este nível poderia ter alcançado 5 m ± 0,5, estaríamos na presença de uma taxa de

levantamento diferenciada, de 3 mm por século em S. Julião e Magoito e 4 mm na Baralha.

As datações disponíveis até ao momento, claramente insuficientes, não datam directamente nem os

depósitos de praia, nem os eolianitos, tão somente depósitos que com eles se relacionam,

nomeadamente níveis arqueológicos. A excepção ocorre na Baralha.

4.3. O nível da Baralha (Arrábida) No nível da Baralha, junto ao forte, foram efectuadas diversas datações em conchas embaladas em areia

grosseira consolidada por cimento calcário, o qual foi também datado. A amostra Baralha 3 (Quadro 1) era

constituída exclusivamente por valvas de Mytilus sp. roladas e inteiras.

Esta amostra e a de Baralha 1 (fracção interna) são as únicas que não evidenciam contaminação, como já

se referiu, e são estatisticamente idênticas – circa 36 000 cal BP.

Esta idade levanta vários problemas. Como compreender a formação de um depósito de praia, hoje a 10-

11 m, quando há cerca de 36 000 anos o nível do mar estaria muito abaixo do actual, a uma profundidade

aproximadamente de -50 m? Foi colocada a hipótese de estas conchas terem sido trazidas para a praia

por aves marinhas e, assim sendo, poderiam ser muito mais recentes do que o depósito em que se

encontram. Hipótese que não podemos confirmar nem desmentir, embora nos pareça pouco provável.

Outra hipótese se pode colocar: as conchas serem testemunho de um concheiro. Porém, o estado das

conchas, inteiras, roladas e sem marcas de manipulação (ao contrário do que sucedia em Figueira Brava),

leva-nos a considerar também esta hipótese pouco plausível. A oriente do Forte da Baralha, num retalho

testemunho do mesmo nível, no interior da gruta da Figueira Brava, foi obtida a idade 32 440 - 35 060 cal

BP (idade não calibrada 14C – 30 930 ± 700 BP; Antunes et al, 1989), proveniente da datação da fauna

malacológica do conglomerado do “terraço marinho de 5-8 m” (designação atribuída ao nível da Baralha;

Zbyszewski & Teixeira, 1949 e Zbyszewski, 1958). Aí os restos animais revelam claramente terem sido

usados pelo Homo neanderthalensis.

CARDUNE

//////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////CARDUNE///////

Page 12: 2007 APGEOM DunasCarbonatadas - CEG · 2007-09-13 · De entre os locais onde se identificaram dunas carbonatadas (Fig. 1), seleccionámos três na Estremadura, onde os eolianitos

A. Ramos Pereira, M. Neves; J. Trindade; B. Borges; D. E. Angelucci; A. Monge Soares (em publicação) – Dunas carbonatadas e depósitos correlativos na Estremadura (Portugal). Variações do nível do mar e neotectónica. Publicações da Associação Portuguesa de Geomorfólogos, Volume V, APGeom, Lisboa, 2007, p. 165-178.

175

Figura 8 – Perfis esquemáticos dos três locais estudados. S. Julião: – ocorrência de eolianitos; Magoito: p – depósitos de praia, – níveis epipaleolíticos, – cobertura da

paleoarriba por eolianito; Arrábida (Baralha): 1 – depósito conglomerático de praia, carbonatado, 2 – eolianito, 3 – coluvião.

Figure 8 – Geomorphological sketch integrating data from the three studied sites. S. Julião: – eolianites; Magoito: p – beach deposits, – epipaleolithic layers, – paleocliff fossilized by eolianite; Arrábida (Baralha): 1 – carbonate conglomeratic beach deposit, 2 – eolianite, 3 – colluvium.

CARDUNE

//////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////CARDUNE///////

Page 13: 2007 APGEOM DunasCarbonatadas - CEG · 2007-09-13 · De entre os locais onde se identificaram dunas carbonatadas (Fig. 1), seleccionámos três na Estremadura, onde os eolianitos

A. Ramos Pereira, M. Neves, J. Trindade, B. Borges, D. E. Angelucci, A. Monge Soares (em publicação) – Dunas carbonatadas e depósitos correlativos na Estremadura (Portugal). Variações do nível do mar e neotectónica. Publicações da Associação Portuguesa de Geomorfólogos, Vol. V, APGeom, p. 165-178.

176

Propomos, por isso, uma outra interpretação que não deixa de levantar também algumas dificuldades.

Com efeito, não são conhecidas, no pormenor, no espaço e no tempo, as taxas de levantamento do

continente. Com base nos dados disponíveis, Cabral (1993 e 1995) estranhava taxas de levantamento no

litoral português da ordem de 0,1-0,2 mm/ano, por ser um valor elevado. Mas esta estimativa respeita ao

conjunto do litoral português, onde certamente há diferenciação nos diversos compartimentos tectónicos,

e numa janela temporal alargada (Quaternário).

Pouco se conhece sobre o nível do mar, na plataforma continental antes do último máximo glaciário, em

que se terá situado a 120-130 m de profundidade. Admitindo um nível a cerca de -50 m há cerca de

36 000 anos, o mar situar-se-ia aproximadamente a 1,1 km a sul da linha de costa actual. A taxa de

levantamento tectónico seria da ordem de 1,7 mm/ano, valor desconhecido em Portugal. Chamamos a

atenção para a deformação longitudinal do nível da Baralha, já anteriormente reconhecido (Pereira &

Regnauld, 1994; o nível da Baralha foi então descrito como o nível de +7 m) e para os vestígios “frescos”

de neotectónica (Fig. 9).

Na área submersa, foram reconhecidos mais dois níveis, um a -20 m e outro a -7 m (Equipa ERLIDES,

1992), evidenciados por níveis rochosos, com arriba localmente com sapa e depósitos grosseiros. Estes

testemunhos não parecem estar deformados o que implicaria uma deformação tectónica mais marcada,

num período de tempo mais curto, inferior a 36 000 anos. Contudo, dada a posição dos retalhos

submersos, esta observação não pode ser rigorosa.

Figura 9 – Plano de falha delimitando internamente um retalho do nível

da Baralha (à esquerda) e um plano de desligamento visto de cima e que separa retalhos contíguos do mesmo nível não visíveis na foto (à direita).

Figure 9 – Thrust fault marking inland limit of Baralha level (left) and overview of a strike-slip plan creating two contigous elements of the Baralha level (right).

NOTA FINAL No caso do nível da Baralha, dada a ausência de contaminação nas conchas datadas, os dados

disponíveis merecem uma atenção especial e a prossecução da investigação, por apontarem para uma

CARDUNE

//////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////CARDUNE///////

Page 14: 2007 APGEOM DunasCarbonatadas - CEG · 2007-09-13 · De entre os locais onde se identificaram dunas carbonatadas (Fig. 1), seleccionámos três na Estremadura, onde os eolianitos

A. Ramos Pereira, M. Neves, J. Trindade, B. Borges, D. E. Angelucci, A. Monge Soares (em publicação) – Dunas carbonatadas e depósitos correlativos na Estremadura (Portugal). Variações do nível do mar e neotectónica. Publicações da Associação Portuguesa de Geomorfólogos, Vol. V, APGeom, p. 165-178.

177

taxa de levantamento tectónico muito elevada para uma margem passiva, apesar de possuir vestígios de

neotectónica.

No caso de S. Julião, as datações por 14C e por OSL permitirão confirmar as conclusões apresentadas.

No que respeita a Magoito, importa salientar que o nível arqueológico fossiliza dois níveis de praia,

separados por quase 20 m de altura, ambos fossilizados pela duna carbonatada. Sabemos que esta é

posterior a cerca de 10 000 anos e que sobre a duna carbonatada existem ocupações neolíticas com pelo

menos 6 600 anos. Estes dados permitem concluir que a carbonatação da duna de Magoito se efectuou

num período de tempo inferior a 3 400 anos.

BIBLIOGRAFIA Antunes, M. Telles (1990/91) – O Homem da Gruta da Figueira Brava (ca. 30 000 BP). Contexto ecológico, alimentação,

canibalismo. Memórias da Academia das Ciências de Lisboa (Classe Ciências), 31: 487-536.

Antunes, M. T.; Cabral, J. M. Peixoto; Cardoso, J. L.; Pais, J.; Soares, A. Monge (1989) – Paleolítico médio e superior em Portugal:

datas 14C, estado actual dos conhecimentos, síntese e discussão. Ciências da Terra (UNL), 10: 127-138.

Breuil, H. & Zbyszewski, G. (1942) – Contribution à l’étude des industries paléolithiques du Portugal et leurs rapports avec la géologie

du Quaternaire. Comunicações Serviços Geológicos de Portugal, 23 (1).

Brooke, B. (2001) – The distribution of carbonate eolianite. Earth-Science Reviews, 55 (1-2): 135-164.

Cabral, J. M. L. C. (1993) – Neotectónica de Portugal Continental. Dissertação de Doutoramento, Faculdade de Ciências da

Universidade de Lisboa, 435p.

Cabral, J. M. L. C. (1995) – Neotectónica em Portugal Continental. Memórias do Instituto Geológico e Mineiro, 31.

CalPal Library (2005) – http://www.calpal-online.de.

Cuffey, Kurt M. & Marshall, Shawn J. (2000) – Substantial contribution to sea-level rise during the last interglacial from the Greenland

ice sheet. Nature, 404: 591-594.

Daveau, S.; Pereira, A. Ramos; Zbyszewski, G. (1982) – Datation au C14 du site archéologique de la plage de Magoito (Portugal)

scellé par une dune consolidée. CLIO – Revista de História da Faculdade de Letras, 4: 133-136.

Dias, J. M. Alveirinho; Rodrigues, A.; Magalhães, F. (1997) – Evolução da linha de costa, em Portugal, desde o último máximo

glaciário até à actualidade: síntese dos conhecimentos. Estudos do Quaternário, 1: 53-66.

Equipa ERLIDES (1992) – Découverte d'un niveau marin submergé le long de la chaîne de l'Arrábida. Finisterra, 53-54: 183-186.

Feio, M. (1949) – O litoral ao norte do Cabo de S. Vicente. In Notas Geomorfológicas, III-V, Imprensa Moderna, Porto: 35-56.

Ferreira, A. B. (1984) – Découverte d’un littoral a 250 mètres sur le piémont occidental de la Serra de Sintra. Finisterra, 37: 83-127.

Goodfriend, G. A.; Cameron, R. A. D.; Cook, L. M.; Courty, M.-A.; Fedoroff, N.; Livett, E.; Tallis, J. (1996) – The Quaternary eolian

sequence of Madeira: stratigraphy, chronology and paleoenvironmental interpretation. Palaeogeography,

Palaeoclimatology, Palaeoecology, 120 (2): 195-234.

Hughen, K. A.; Baillie, M. G. L.; Bard, E.; Bayliss, A.; Beck, J. W.; Bertrand, C.; Blackwell, P. G.; Buck, C. E.; Burr, G.; Cutler, K. B.;

Damon, P. E.; Edwards, R. L.; Fairbanks, R. G.; Friedrich, M.; Guilderson, T. P.; Kromer, B.; McCormac, F. G.; Manning, S.;

Bronk Ramsey, C.; Reimer, P. J.; Reimer, R.W.; Remmele, S.; Southon, J. R.; Stuiver, M.; Talamo, S.; Taylor, F. W.; van

der Plicht, J.; Weyhenmeyer, C. E. (2004) – Radiocarbon, 46 (3): 1059-1086.

Pereira, A. Ramos (1983) – Enquadramento geomorfológico de um sítio datado por 14C na praia de Magoito (concelho de Sintra).

Actas da IV Reunion do Grupo Español de Trabajo del Quaternário, Galiza: 551-553 (também incluído em Aspectos da

Evolução Geomorfológica Quaternária de Portugal. Centro de Estudos Geográficos, Linha de Acção de Geografia Física,

18: 35-47.

Pereira, A. Ramos (1987) – Acumulações arenosas eólicas consolidadas do Litoral do Alentejo e Algarve Ocidental. Centro de

Estudos Geográficos, Linha de Acção de Geografia Física, 27, Lisboa.

CARDUNE

//////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////CARDUNE///////

Page 15: 2007 APGEOM DunasCarbonatadas - CEG · 2007-09-13 · De entre os locais onde se identificaram dunas carbonatadas (Fig. 1), seleccionámos três na Estremadura, onde os eolianitos

A. Ramos Pereira, M. Neves, J. Trindade, B. Borges, D. E. Angelucci, A. Monge Soares (em publicação) – Dunas carbonatadas e depósitos correlativos na Estremadura (Portugal). Variações do nível do mar e neotectónica. Publicações da Associação Portuguesa de Geomorfólogos, Vol. V, APGeom, p. 165-178.

178

Pereira, A. Ramos & Correia, E. Borges (1985) – Dunas consolidadas de Portugal. Análise da bibliografia e algumas reflexões.

Centro de Estudos Geográficos, Linha de Acção de Geografia Física, 22, Lisboa.

Pereira, A. Ramos & Regnauld, H. (1994) – Litorais quaternários (emersos e submerso) na extremidade sudoeste da Arrábida

(Portugal). Contribuições para a Geomorfologia e Dinâmicas Litorais em Portugal. Centro de Estudos Geográficos, Linha

de Acção de Geografia Física, 35: 55-73.

Pereira, A. Ramos & Angelucci, D. E. (2004) – Formações dunares no litoral português, do final do Plistocénico e inícios do

Holocénico, como indicadores paleoclimáticos e paleogeográficos. In Tavares, A. A.; Tavares, M. J. Ferro; Cardoso, J.

(Eds) – Evolução geohistórica do litoral português e fenómenos correlativos. Univ. Aberta, Lisboa: 221-256.

Psuty, N. P. & Moreira, M. E. (2000) – Holocene sedimentation and sea level rise in the Sado Estuary, Portugal. Journal of Coastal

Research, 16 (1): 125-138.

Reimer, P. J.; Baillie, M. G. L.; Bard, E.; Bayliss, A.; Beck, J. W.; Bertrand, C. J. H.; Blackwell, P. G.; Buck, C. E.; Burr, G. S.; Cutler,

K. B.; Damon, P. E.; Edwards, R. L.; Fairbanks, R.; Friedrich, M.; Guilderson, T. P.; Hogg, A. G.; Hughen, K. A.; Kromer, B.;

McCormac, G.; Manning, S.; Ramsey, C. B.; Reimer, R. W.; Remmele, S.; Southon, J. R.; Stuiver, M.; Talamo, S.; Taylor,

F. W.; van der Plicht, J.; Weyhenmeyer, C.E. (2005) – IntCal04 Terrestrial Radiocarbon Age Calibration, 0-26 cal kyr BP.

Radiocarbon, 46 (3): 1029-1058.

Ribeiro, O. (1940) – Remarques sur la morphologie de la région de Sintra et Cascais. Rev. Géog. des Pyrénées et du Sud-Ouest, XI

(3-4): 203-218.

Romariz, C. & Galopim de Carvalho, A. M. (1973) – Dunas consolidadas da região de Sines-Porto Covo. Finisterra, 15: 109-112.

Soares, A. F. (1973) – A formação eolianítica da Ilha de Porto Santo. Memórias e Notícias, 17: 47-88.

Soares, A. Monge (2003) – A duna de Magoito revisitada. Revista Portuguesa de Arqueologia, 6 (1): 83-100.

Stuiver, M. & Reimer, P. J. (1993) – Extended 14C Data Base and Revised CALIB 3.0 14C Age Calibration. Radiocarbon, 35 (1):

215-230.

Trindade, J.; Pereira, A. Ramos; Neves, M.; Borges, B.; Paixão, R. (em publicação) – Monitorização da morfodinâmica de praias com

DGPS e Estação Total. Comparação de resultados. Publicações da Associação Portuguesa de Geomorfólogos, 5.

Zbyszewski, G. (1940) – Contribution à l’étude du littoral quaternaire au Portugal. Publicações Museu Laboratório Mineralogia

Geologia Faculdade Ciências do Porto, 15.

Zbyszewski, G. (1942) – La classification du Paléolithique ancien et la chronologie du Quaternaire en Portugal. Boletim Sociedade

Geológica de Portugal, 2: 1-111.

Zbyszewski, G. (1958) – Le Quaternaire du Portugal. Boletim Sociedade Geológica de Portugal, 13 (1-2).

Zbyszewski, G. & Teixeira, C. (1949) – Le niveau quaternaire marin de 5-8 mètres au Portugal. Boletim da Sociedade Geológica de

Portugal, 8: 1-13.

CARDUNE

//////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////CARDUNE///////