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Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 06P3666 Nº Convencional: JSTJ000 Relator: OLIVEIRA MENDES Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO DO PROCESSO PENAL CONTRA-ORDENAÇÃO ESTRADAL DECISÃO DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA AUTO DE NOTÍCIA PRESUNÇÕES IN DUBIO PRO REO NEGLIGÊNCIA INIBIÇÃO DE CONDUZIR PENA ACESSÓRIA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA REINCIDÊNCIA Nº do Documento: SJ200612060036663 Data do Acordão: 06-12-2006 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: ÚNICA INSTÂNCIA. Decisão: NEGADO PROVIMENTO. Sumário : I - O processamento e julgamento das infracções de natureza contra- ordenacional encontram-se submetidos no nosso ordenamento jurídico a regime autónomo e específico,qual seja o constante do DL 433/82, de 27-10 (RGCC), com as alterações introduzidas pelos DL 356/89, de 17-10, e 244/95, de 14-09, e Lei 109/01, de 24-12, sendo que, de acordo com o art. 41.º, n.º 1, de tal diploma, o CPP constitui seu direito subsidiário. II - No caso de uma contra-ordenação estradal, dado que o CEst dispõe de norma própria sobre os requisitos da decisão condenatória proferida pela autoridade administrativa, é este o regime aplicável e não o contemplado no DL 433/82. III - Obedece aos requisitos impostos pelo art. 181.º do CEst a decisão proferida pela autoridade administrativa que: - identifica o recorrente e descreve os factos imputados; - indica os meios de prova utilizados e as razões pelas quais se atribuiu valor probatório aos mesmos, concretamente ao auto de contra-ordenação, dando conta dos motivos, quer de facto quer de direito, que conduziram à graduação da coima e da sanção acessória cominadas; - refere as normas segundo as quais se puniu, encontra-se fundamentada, e contém a sanção acessória cominada. IV - O art. 170.º, n.º 3, do CEst, ao declarar que o auto de contra- ordenação faz fé em juízo,quando levantado e assinado pela autoridade ou agente da autoridade, sobre os factos presenciados pelo autuante, até prova em contrário, não acarreta qualquer presunção de culpabilidade nem envolve qualquer manipulação arbitrária do princípio in dubio pro reo, quando devidamente interpretado e aplicado, isto é, no sentido de que a fé em juízo consiste na atribuição de um reforçado valor probatório concedido a certas comprovações para factos presenciados pela autoridade ou agente da autoridade, sem que tal valor afecte o princípio da presunção de inocência e o direito de defesa (com destaque para o exercício do contraditório), tal qual se mostra consagrado no art. 32.º, n.º 1, da CRP. Page 1 of 9

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Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 06P3666Nº Convencional: JSTJ000Relator: OLIVEIRA MENDESDescritores: CONTRA-ORDENAÇÃO

APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO DO PROCESSO PENAL CONTRA-ORDENAÇÃO ESTRADAL DECISÃO DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA AUTO DE NOTÍCIA PRESUNÇÕES IN DUBIO PRO REO NEGLIGÊNCIA INIBIÇÃO DE CONDUZIR PENA ACESSÓRIA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA REINCIDÊNCIA

Nº do Documento: SJ200612060036663Data do Acordão: 06-12-2006Votação: UNANIMIDADETexto Integral: SPrivacidade: 1Meio Processual: ÚNICA INSTÂNCIA.Decisão: NEGADO PROVIMENTO.Sumário : I - O processamento e julgamento das infracções de natureza contra-

ordenacional encontram-se submetidos no nosso ordenamento jurídico a regime autónomo e específico,qual seja o constante do DL 433/82, de 27-10 (RGCC), com as alterações introduzidas pelos DL 356/89, de 17-10, e 244/95, de 14-09, e Lei 109/01, de 24-12, sendo que, de acordo com o art. 41.º, n.º 1, de tal diploma, o CPP constitui seu direito subsidiário. II - No caso de uma contra-ordenação estradal, dado que o CEst dispõe de norma própria sobre os requisitos da decisão condenatória proferida pela autoridade administrativa, é este o regime aplicável e não o contemplado no DL 433/82. III - Obedece aos requisitos impostos pelo art. 181.º do CEst a decisão proferida pela autoridade administrativa que: - identifica o recorrente e descreve os factos imputados; - indica os meios de prova utilizados e as razões pelas quais se atribuiu valor probatório aos mesmos, concretamente ao auto de contra-ordenação, dando conta dos motivos, quer de facto quer de direito, que conduziram à graduação da coima e da sanção acessória cominadas; - refere as normas segundo as quais se puniu, encontra-se fundamentada, e contém a sanção acessória cominada. IV - O art. 170.º, n.º 3, do CEst, ao declarar que o auto de contra-ordenação faz fé em juízo,quando levantado e assinado pela autoridade ou agente da autoridade, sobre os factos presenciados pelo autuante, até prova em contrário, não acarreta qualquer presunção de culpabilidade nem envolve qualquer manipulação arbitrária do princípio in dubio pro reo, quando devidamente interpretado e aplicado, isto é, no sentido de que a fé em juízo consiste na atribuição de um reforçado valor probatório concedido a certas comprovações para factos presenciados pela autoridade ou agente da autoridade, sem que tal valor afecte o princípio da presunção de inocência e o direito de defesa (com destaque para o exercício do contraditório), tal qual se mostra consagrado no art. 32.º, n.º 1, da CRP.

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V - O auto de notícia é um documento que vale como documento autêntico quando levantado ou mandado levantar pela autoridade pública (art. 363.º, n.º 3, do CC), seja autoridade judiciária ou policial, e, por isso, faz prova dos factos materiais dele constantes, nos termos do art. 169.º do CPP, conquanto nunca prove a prática de um crime. VI - Não foi cometida qualquer ilegalidade na valoração e apreciação do auto de contraordenação se a autoridade policial, ao sustentar e basear parte da decisão de facto proferida no auto de contra-ordenação, mais não fez do que interpretar e aplicar o art. 170.º, n.º 3, do CEst, naquele preciso sentido: efectivamente, o sentido a atribuir à asserção exarada na decisão segundo a qual «face aos elementos existentes no processo, consideram-se provados os factos constantes do auto de contra-ordenação», não pode deixar de ser o de que, perante o teor do auto de contra-ordenação e a não dedução de oposição ao mesmo Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça Secções Criminais Número 108 - Dezembro de 2006 4 por parte do arguido, tendo em atenção a sua natureza de documento autêntico, há que considerar provados os factos materiais dele constantes. VII - Quem desenvolve uma actividade perigosa, designadamente em domínio que importa sérios riscos para a vida de outras pessoas, como é o caso da condução automóvel, deve assumir o cuidado necessário para que essa actividade se processe sem danos, para o que está obrigado ao cumprimento das regras que regulam essa mesma actividade, as quais têm em vista afastar o perigo que lhe é inerente. VIII - O condutor possuidor de licença de condução presume-se em condições de observar aquelas regras, as quais se encontram estabelecidas, em primeira linha, no CEst, pelo que ao violar a regra do art. 27.º, n.º 1, daquele diploma, agiu sem o cuidado a que estava obrigado e de que era capaz, ou seja com culpa sob a forma de negligência. IX - A suspensão da sanção acessória de inibição de conduzir depende da verificação dos pressupostos de que a lei penal geral faz depender a suspensão da execução das penas - art.141.º, n.º 1, do CEst -, sendo certo que, face ao disposto no art. 50.º, n.º 1, do CP, aquela sanção acessória só pode ser suspensa na sua execução quando o julgador se convença,face à personalidade do arguido, seu modo de Vida, comportamento global, natureza da infracção e sua adequação a essa personalidade, que o facto cometido não está de acordo com essa personalidade e foi simples acidente de percurso, esporádico, e que a ameaça da sanção é suficiente para satisfazer as necessidades de prevenção. X - Por outro lado, da conjugação do preceituado nos n.ºs 2 e 3 do art. 141.º do CEst parece resultar que o legislador quis afastar a aplicação do instituto da suspensão da execução da sanção acessória aos casos de condutor condenado, nos últimos cinco anos, duas ou mais vezes, por contra-ordenação grave. XI - Em qualquer caso, dado tratar-se de condutor reincidente - art. 143.º, n.º 1, do CEst -,condenado por duas vezes, há menos de cinco

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anos, em Contra-ordenações graves por não observância dos limites gerais de velocidade, há que afastar a aplicação do instituto em causa, por perante tal circunstancialismo ser patente a ameaça da sanção acessória não se mostrar suficiente à satisfação das necessidades de prevenção.*

* Sumário elaborado pelo Relator.Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Na sequência de auto de contra-ordenação levantado pela Guarda Nacional Republicana ao Juiz Desembargador AA, mediante decisão administrativa, foi aplicada a coima de € 180 e a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 60 dias, pela prática da contra-ordenação prevista e punível pelos artigos 27º, n.ºs 1 e 2, alínea a), 138º, n.º1 e 145º, n.º1, alínea b), do Código da Estrada. O arguido interpôs recurso. São do seguinte teor as conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada: 1. A decisão proferida pela Direcção Geral da Viação não obedece às exigências legais do artigo 58º, n.º 1, do DL 433/82. 2. Nela não são (legal e administrativamente) indicados os meios de prova que foram tidos em consideração para dar assente a factualidade. 3. A decisão administrativa é totalmente omissa relativamente à fundamentação desse juízo de prova. 4. Logo, porque não satisfaz as exigências legalmente estabelecidas, ao auto de notícia não pode ser atribuído o valor probatório que a autoridade administrativa lhe pretende atribuir. 5. Na parte dispositiva a decisão administrativa é conclusiva, ao substituir a descrição dos factos por conceitos jurídicos. 6. Do ponto de vista da fundamentação de direito, a decisão administrativa limita-se a afirmar que o arguido agiu “com negligência” porquanto “não procedeu com cuidado a que estava obrigado”. 7. Todavia, não existe a mais pequena referência a qualquer actividade capaz de consubstanciar a conclusão de que o arguido actuou de forma negligente. 8. Ora, sem a referência a matéria de facto, jamais se pode imputar a alguém uma actuação negligente, na medida em que a negligência constitui um conceito jurídico que carece de ser factualmente integrado. 9. De acordo com o artigo 75º, do Código Penal, age com negligência quem não procede com cuidado a que, segundo as circunstâncias do caso, estava obrigado e de que é capaz. 10. Deve, assim, a decisão administrativa ser declarada nula. 11. O recorrente com a presente impugnação judicial, visa atacar a decisão recorrida na parte em que foi aplicada sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 60 dias. 12. Deveria ter sido suspensa a execução da sanção acessória de inibição de conduzir que lhe foi aplicada. 13. Isto porque o impugnante é um condutor exímio, exemplar e cuidados, muito respeitador das regras estradais. 14. Para além do mais, necessita diária e constantemente da sua carta de condução para o exercício da sua actividade profissional, Juiz Desembargador, bem como necessita da sua carta de condução para a resolução das questões familiares. Qualquer situação de cumprimento da

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sanção acessória de inibição de conduzir seria catastrófica. 15. Deste modo, requer a V. Ex.ªs se dignem ordenar a suspensão da execução de inibição de conduzir que foi aplicada ao impugnante. Ministério Público e arguido não se opõem a que o recurso seja decidido sem contraditório. Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Começando por delimitar o objecto do recurso, o qual nos é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, verifica-se que aquele submete à apreciação e julgamento deste Supremo Tribunal as seguintes questões (1) : a) Nulidade da decisão; b) Valoração ilegal da prova; c) Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; d) Suspensão da execução da sanção acessória. É do seguinte teor a decisão impugnada: «AUTO DE CONTRA-ORDENAÇÃO n.º 246877090 Vistos os autos cumpre decidir, nos termos do art. 181º do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei 114/94, de 3 de Maio, revisto e republicado pelo Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro e pelo Decreto-Lei n.º 265-A/2001, de 28 de Setembro, alterado pela Lei n.º 20/2002 de 21 de Agosto e revisto e republicado pelo Decreto-Lei n.º 44/2005 de 23 de Fevereiro. Assim, 1. Conforme auto de contra-ordenação n.º 246877090, levantado pela GNR o(a) arguido (a) AA, portador do Bilhete Identidade n.º 7121542, emitido por ., e do título de condução n.º C-90619, residente em RUA DA ..., ...., ... MIRA, Portugal vem acusado (a) do seguinte: No dia 2005-06-25, pelas 03:22 no local EN 109 KM 102,3 -L. POÇO FRIO-F. da Foz, conduzindo o veículo AUTOMÓVEL LIGEIRO de PASSAGEIROS, com matrícula HG praticou a seguinte infracção: circulava a velocidade de 77 km/h excedendo em 27 km/h a velocidade máxima permitida no local. Tal facto constitui contra-ordenação ao disposto no art. 27 nº 1 do CE, sancionável com coima de 120,00 Euros a 600,00 Euros, nos termos do art.27.2.a) do CE e ainda com a sanção acessória de inibição de conduzir de 1 a 12 meses por força dos artigos 138º e 145º alínea b), todos do Código da Estrada. 2. No dia 2006-01-11, foi o(a) arguido (a) notificado (a) conforme notificação postal, junto ao processo, nos termos do art. 50º do citado DL n.2 433/82 de 27 de Outubro e dos arts. 175º e 176º do Código da Estrada. O (A) arguido (a) não apresentou defesa, não se pronunciou nem efectuou o pagamento voluntário da coima. 3. A contra-ordenação pela qual o(a) arguido (a) vem acusado é classificada como grave, sendo sancionável com coima e com sanção acessória de inibição de conduzir, nos termos conjugados do art. 136º e do art. 145º, todos do Código da Estrada. 4. O auto de contra-ordenação faz fé em processo de contra-ordenação, até prova em contrário, quanto aos factos presenciados pela entidade autuante, quando levantado nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 170º do Código da Estrada, tal como, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo, quando tenha por base os elementos de prova obtidos através de aparelhos ou instrumentos

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aprovados nos termos legais e regulamentares. No caso em apreço, verifica-se que os pressupostos daquela disposição legal foram observados. 5. Face aos elementos existentes no processo, consideram-se provados os factos constantes do auto de contra-ordenação. 6. Os factos descritos e provados levam a concluir que a infracção foi praticada a título de negligência, nos termos do art. 133º do CE. 7. Nestes termos, ponderados os elementos determinantes da medida de sanção constantes nos artigo 139º do Código da Estrada (nomeadamente, o facto de o arguido ter averbado no seu registo de condutor duas contra-ordenações, tendo a execução da respectiva sanção acessória aplicada terminado há menos de 5 anos), aplico ao arguido uma coima no valor de 180 Euros ( cento e oitenta Euros ) e ainda a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 60 dias, devendo o arguido entregar o seu título de condução, no prazo e local abaixo indicados, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência, nos termos do n.º 3 do art 160º do Código da Estrada. Adverte-se ainda que: . A decisão torna-se definitiva e exequível 15 quinze) dias úteis após a sua notificação se não for nesse prazo impugnada judicialmente, considerando-se a notificação efectuada na data em que for assinado o aviso de recepção ou no terceiro dia útil após essa data, quando o aviso for assinado por pessoa diversa do arguido. . Em caso de impugnação judicial, esta deve ser dirigida ao Juiz de Direito do Tribunal da área onde se verificou a infracção, devendo conter obrigatoriamente alegações e conclusões, e deve ser entregue na entidade administrativa que proferiu a presente decisão. . A impugnação judicial da condenação no pagamento de coima tem efeito meramente devolutivo. ·O Tribunal pode decidir a impugnação judicial mediante audiência ou, caso o(a) arguido (a) e o Ministério público não se oponham, mediante simples despacho. . No caso de não impugnar judicialmente a presente decisão, deverá, no prazo de 15 (quinze) dias úteis após o termo do prazo de recurso: · Pagar a coima aplicada ou nesse mesmo prazo e desde que o valor da coima aplicada seja superior a 2 UC (Unidade de Conta), requerer o seu pagamento em prestações mensais de valor não inferior a € 50 pelo período máximo de doze meses

. Entregar o título de condução na Delegação de Viação da sua área de residência, sob pena de incorrer na prática de crime de desobediência. ·O pagamento da coima em prestações pode, ainda, ser requerido até ao envio do processo a tribunal para execução. · A falta de pagamento de alguma das prestações implica o imediato vencimento das demais. Liquidem-se as custas em conformidade com o art. 185.2 do Código da Estrada, as quais são no montante de 44,50 Euros ( quarenta e quatro Euros e cinquenta centimos )

.Notifique-se nos termos dos art. 46.2 e 47.2 do DL 433/82 de 27 de Outubro.».

Nulidade da decisão

Alega o recorrente que a decisão impugnada enferma de nulidade por o juízo de prova não haver sido objecto de fundamentação, nem sequer terem sido

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indicados os meios em que se suportou. Decidindo, dir-se-á. O processamento e julgamento das infracções de natureza contra-ordenacional encontram-se submetidos no nosso ordenamento jurídico a regime autónomo e específico, qual seja o constante do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas), com as alterações introduzidas pelos Decretos-Lei n.ºs 356/89, de 17 de Outubro e 244/95, de 14 de Setembro e Lei n.º 109/01, de 24 de Dezembro, sendo que de acordo com o artigo 41º, n.º1 de tal diploma, o Código de Processo Penal constitui seu direito subsidiário. Sucede que no caso vertente estamos perante uma contra-ordenação estradal, sendo que o Código da Estrada dispõe de norma própria sobre os requisitos da decisão condenatória proferida pela autoridade administrativa, pelo que é este o regime aplicável e não o contemplado no DL 433/82. De acordo com o disposto no artigo 181º, do Código da Estrada, certo é que: «1. A decisão que aplica a coima ou de sanção acessória, deve conter:

a) A identificação dos arguidos;

b) A descrição dos factos imputados, das provas e das circunstâncias relevantes para a decisão;

c) A indicação das normas violadas;

d) A coima e a sanção acessória;

e) A condenação em custas;

2. Da decisão deve ainda constar que:

a) A condenação se torna definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada por escrito, constando de alegações e de conclusões, no prazo de 15 dias úteis após o seu conhecimento e junto da autoridade administrativa que aplicou a coima;

b) Em caso de impugnação judicial, o tribunal pode decidir mediante audiência ou, caso o arguido e o Ministério Público não se oponham, mediante simples despacho. 3. A decisão deve ainda conter:

a) A ordem de pagamento da coima e das custas no prazo máximo de 15 dias úteis após a decisão se tornar definitiva;

b) A indicação de que, no prazo referido na alínea anterior, pode requerer o pagamento da coima em prestações, nos termos do disposto no artigo 183º. 4. Não tendo o arguido exercido o direito de defesa, a fundamentação a que se refere a alínea b) do n.º 1 pode ser feita por simples remição para o auto de notícia.»

Deste modo, curemos de saber se a decisão condenatória proferida pela autoridade administrativa obedece ou não aos requisitos impostos pelo artigo 181º, do Código da Estrada, designadamente se nela se descreveram os factos e as provas e se se mostra ou não devidamente fundamentada. Do exame e análise daquela decisão, que atrás transcrevemos, decorre que o ora recorrente se encontra identificado, sendo que ali se encontram descritos os factos imputados, bem como as provas obtidas (2) e, bem assim, as normas segundo as quais se puniu. Por outro lado, a decisão proferida encontra-se fundamentada, para além de que contém a sanção acessória cominada. Com efeito, na decisão indicaram-se os meios de prova utilizados e as razões pelas quais se atribuiu valor probatório aos mesmos, concretamente ao auto de contra-ordenação, tendo-se dado conta dos motivos, quer de facto quer de direito, que conduziram à graduação da coima e da sanção acessória

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cominadas (3) . Nesta conformidade, é inequívoco que a decisão proferida pela autoridade administrativa não enferma de nulidade por falta de indicação dos meios de prova e explicitação dos respectivos juízos de valoração e apreciação.

Valoração ilegal da prova

Relativamente ao valor probatório atribuído ao auto de contra-ordenação, que o recorrente considera ilegal, começar-se-á por assinalar que o artigo 170º, n.º 3, do Código da Estrada, ao declarar que aquele auto faz fé em juízo, quando levantada e assinado pela autoridade ou agente da autoridade, sobre os factos presenciados pelo autuante, até prova em contrário, não acarreta qualquer presunção de culpabilidade nem envolve qualquer manipulação arbitrária do princípio do in dubio pro reo, quando devidamente interpretado e aplicado, tal qual o entendemos e fazemos, isto é, no sentido de que a fé em juízo consiste na atribuição de um reforçado valor probatório concedido a certas comprovações para factos presenciados pela autoridade ou agente da autoridade, sem que tal valor afecte o princípio da presunção de inocência e o direito de defesa (com destaque para o exercício do contraditório), tal qual se mostra consagrado na Constituição da República Portuguesa – artigo 32º, n.º1. Como referiu o ora relator no acórdão da Relação de Coimbra de 26 de Março de 2003 (4), o auto de notícia é um documento que vale como documento autêntico quando levantado ou mandado levantar pela autoridade pública (artigo 363º, n.º 3, do Código Civil), seja autoridade judiciária ou autoridade policial, e, por isso, faz prova dos factos materiais dele constantes, nos termos do artigo 169º, do Código de Processo Penal, conquanto nunca prove a prática de um crime (5) .

Ora, a autoridade policial ao sustentar e basear parte da decisão de facto proferida no auto de contra-ordenação, mais não fez que interpretar e aplicar o artigo 170º, n.º 3, do Código da Estrada, naquele preciso sentido. Efectivamente, o sentido a atribuir à asserção exarada na decisão segundo a qual face aos elementos existentes no processo, consideram-se provados os factos constantes do auto de contra-ordenação, não pode deixar de ser o de que, perante o teor do auto de contra-ordenação e a não dedução de qualquer oposição ao mesmo por parte do arguido, tendo em atenção a sua natureza de documento autêntico, há que considerar provados os factos materiais dele constantes. Não foi pois cometida ilegalidade alguma na valoração e apreciação feitas ao auto de contra-ordenação.

Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada

No que concerne a este vício que o recorrente indirectamente argúi, ao invocar a falta matéria de facto ou de suporte factual para a fundamentação da decisão de direito na parte em que se considerou haver o recorrente actuado com negligência, dir-se-á. De acordo com o artigo 15º, do Código Penal, age com negligência quem não procede com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz. No caso vertente a questão da ocorrência daquela forma de culpa terá de ser considerada num contexto específico qual seja o da condução automóvel, actividade reconhecidamente perigosa, para a qual o recorrente se presume habilitado, enquanto possuidor de licença de condução e, portanto, em

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condições de observar as regras ou normas que a regulam, as quais se encontram estabelecidas, em primeira linha, no Código da Estrada. Certo é que quem desenvolve uma actividade perigosa, designadamente em domínio que importa sérios riscos para a vida de outras pessoas, como é o caso da condução automóvel, deve assumir o cuidado necessário para que essa actividade se processo sem danos, para o que está obrigado ao cumprimento das regras ou normas que regulam essa mesma actividade, as quais têm em vista afastar o perigo inerente à própria actividade. O condutor encartado ou possuidor de licença de condução presume-se, como se deixou consignado, em condições de observar aquelas regras ou normas. Assim sendo, certo é que o recorrente ao violar a regra do artigo 27º, n.º1, do Código da Estrada, agiu sem o cuidado a que estava obrigado e de que era capaz, ou seja, com negligência.

Suspensão da execução da sanção acessória

Sob a alegação de que é um condutor exímio, exemplar, cuidadoso e muito respeitador das regras estradais, e de que necessita da carta de condução, quer para a sua actividade profissional quer para a resolução de questões da sua vida familiar, entende o recorrente dever ser suspensa na sua execução a sanção acessória de inibição de conduzir. A suspensão da sanção acessória de inibição de conduzir depende da verificação dos pressupostos de que a lei penal geral faz depender a suspensão da execução das penas – artigo 141º, n.º1, do Código da Estrada –, sendo certo ser nosso entendimento, face ao disposto no artigo 50º, n.º1, do Código Penal, que a aquela sanção acessória só pode ser suspensa na sua execução quando o julgador se convença, face à personalidade do arguido, seu modo de vida, comportamento global, natureza da infracção e sua adequação a essa personalidade, que o facto cometido não está de acordo com essa personalidade e foi simples acidente de percurso, esporádico, e que a ameaça da sanção é suficiente para satisfazer as necessidades de prevenção.Por outro lado, estabelece o n.º 2 do artigo 141º que se o infractor não tiver sido condenado, nos últimos cinco anos, pela prática de crime rodoviário ou de qualquer contra-ordenação grave ou muito grave, a suspensão pode ser determinada pelo período de seis meses a um ano, sendo que o n.º 3 do mesmo artigo dispõe que a suspensão pode ainda ser determinada, pelo período de um a dois anos, se o infractor, nos últimos cinco anos, tiver praticado apenas uma contra-ordenação grave, devendo neste caso, ser condicionada, singular ou cumulativamente: a) À prestação de caução de boa conduta; b) Ao cumprimento do dever de frequência de acções de formação, quando se trate de sanção acessória de inibição de conduzir; c) Ao cumprimento de deveres específicos previstos noutros diplomas legais. Da interpretação conjugada destes preceitos parece resultar que o legislador quis afastar a aplicação do instituto da suspensão da execução da sanção acessória aos casos de condutor condenado, nos últimos cinco anos, duas ou mais vezes por contra-ordenação grave. Em qualquer caso, sendo certo estarmos perante condutor reincidente – artigo 143º, n.º 1, do Código da Estrada –, condenado por duas vezes, há menos de cinco anos, em contra-ordenações graves por não observância dos limites gerais de velocidade, há que afastar a aplicação do instituto em causa, por perante tal circunstancialismo ser patente a ameaça da sanção acessória não se mostrar suficiente à satisfação das necessidades de prevenção.

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Termos em que se acorda negar provimento ao recurso. Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 6 UC. Lisboa, 6 de Dezembro de 2006 Oliveira Mendes (relator)

Henriques Gaspar

Armindo Monteiro

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(1) - As conclusões formuladas na motivação delimitam o objecto do recurso, visto que os poderes de cognição do tribunal superior se circunscrevem às questões ali afloradas, salvo as de conhecimento oficioso. (2) - Com efeito, na decisão fez-se menção expressa ao auto de notícia e ao registo individual de condutor do arguido. (3) - Certo é que no caso vertente, ex vi n.º 4 do artigo 181º, a fundamentação da decisão poderia ter sido feita por simples remição para o auto de notícia, posto que o ora recorrente não deduziu qualquer defesa. (4) - CJ, XVIII, II, 39. (5) - Cf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 49.

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