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1 HISTÓRIA E AUTONOMIA DA MADEIRA SECRETARIA REGIONAL DE EDUCAÇÃO

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E AUTONOMIA DA MADEIRA SECRETARIA REGIONAL DE EDUCAÇÃO 1 HISTÓRIA E AUTONOMIA DA MADEIRA 2 COORDENAÇÃO COLABORAÇÃO FUNCHAL. MAIO DE 2001 Alberto Vieira 3 FOTOGRAFIAS Secretaria Regional da Educação Coordenação: Alberto Vieira AUTORES TIRAGEM ISBN: IMPRESSÃO CAPA TÍTULO 4 1ª Edição EDIÇÃO APRESENTAÇÃO Funchal. 01.07.2001 5 6 -AECONOMIA 1 - O CONHECIMENTO DO ARQUIPÉLAGO 5 - A SOCIEDADE MADEIRENSE 2 -AADMINISTRAÇÃO 3 - A IGREJA, ASSISTÊNCIA E CULTURA 4. A ARTE 6

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    HISTRIA E AUTONOMIA DA MADEIRA

    SECRETARIA REGIONAL DE EDUCAO

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    HISTRIA E AUTONOMIA DA MADEIRA

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    HISTRIA E AUTONOMIA DA MADEIRA

    COORDENAO Alberto Vieira COLABORAO Abel Soares Fernandes Emanuel Janes Gabriel Pita

    FUNCHAL. MAIO DE 2001

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    TTULO Histria e Autonomia da Madeira 1 Edio Setembro de 2001 AUTORES Coordenao: Alberto Vieira Colaborao: Abel Soares Fernandes, Emanuel Janes, Gabriel Pita EDIO Secretaria Regional da Educao TIRAGEM 5000 exemplares FOTOGRAFIAS Museu de Protographia Vicentes Arquivo do Dirio de Notcias(Funchal) Duarte Gomes CAPA IMPRESSO Deposito Legal ISBN:

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    APRESENTAO

    O presente volume de Histria e Autonomia da Madeira no pretende ser uma Histria da Madeira em que o leitor encontra tudo o que se procura saber sobre o passa-do remoto e recente do arquiplago. Esta seria uma tarefa para largos anos e vrios vo-lumes. Aquilo que nos moveu, em pouco mais de nove meses de trabalho de pesquisa e escrita, foi apenas o objectivo de reunir num s volume o fundamental sobre a Histria e a Autonomia da Madeira, dando a todos a possibilidade e facilidade da sua descoberta. Destinando-se o presente volume a apoiar o ensino a sua apresentao obedeceu a determinados princpios e a uma apresentao formal em que se valoriza os fundamentos histricos e ilustraes. Por outro lado so fornecidas orientaes no sentido do aprofun-damento dos temas, atravs de uma orientao bibliogrfica, da chamada de ateno para novos testemunhos (como o caso dos museus, toponmia, edifcios, monumentos e bustos), e da possibilidade de recurso a novos meios como a Internet. Tudo isto foi fei-to, no numa perspectiva de livro nico, mas sim de uma orientao e abertura de cami-nhos para uma aturada reflexo. O livro est dividido em duas partes: Na primeira sob o ttulo Construo e Afirmao do Arquiplago da Madeira pretende-se apresentar uma viso global da His-tria do arquiplago de acordo com as sete unidades temticas enunciadas; a segunda parte, com o ttulo A Luta e a Afirmao da Autonomia visa dar relevo a Histria da Autonomia da Madeira no contexto da Histria Contempornea. A forma de exposio dos temas foi pensada no sentido de permitir uma leitura dinmica e didctica, e ao mesmo tempo transmitir a ideia de uma Histria viva, que se espelha nos espaos museolgicos, como nos monumentos, edifcios, esttuas, bustos e ruas com que convivemos diariamente. A informao fundamental encontra-se no corpo do texto principal remetendo-se alguma da fundamentao documental e complementar para a margem, extra-textos e a rubrica final Para saber mais.... Ainda, aos que no se sentirem satisfeitos com aquilo que aqui se apresenta, apresentmos no final uma orien-tao em Matrias de Consulta e Testemunhos Materiais, com uma informao biblio-grfica actualizada sobre cada tema. A Histria da Madeira tem mais uma reflexo que poder possibilitar ao leitor, professor e aluno uma nova porta aberta para a descoberta do passado do arquiplago. Funchal. 01.07.2001 OS AUTORES

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    PARTE 1

    CONSTRUO E AFIRMAO DO

    ARQUIPLAGO DA MADEIRA

    1 - O CONHECIMENTO DO ARQUIPLAGO

    2 - A ADMINISTRAO

    3 - A IGREJA, ASSISTNCIA E CULTURA

    4. A ARTE

    5 - A SOCIEDADE MADEIRENSE

    6 - A ECONOMIA

    7 - A MADEIRA E O MUNDO DOS DESCOBRI-MENTOS

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    1 O CONHECIMENTO DO ARQUIPLAGO DA MADEIRA

    TEMAS

    Atlas de Abrao Cresques. 1375

    1.1 O conhecimento do Arquiplago at ao sc. XV - Egpcios e Fencios - Gregos e Romanos - rabes - As viagens do sc. XIV - Lendas do descobrimento

    1.2 O arquiplago na cartografia dos sc. XIV e XV 1.3 A questo do descobrimento

    1.3 A ocupao e o povoamento - Povoaes - A data do incio do povoamento - A distribuio das terras - Vnculos e Capelas - O contrato de colonia

    CONCEITOS

    PERSONALIDADES

    - Navegao - Cartografia - Carta de ma-

    rear - Portulano - Barca - Caravela - Povoamento - Colonizao - Colonia - Vnculo - Capelas

    - D. Joo I - Infante D. Henrique - Joo Gonalves Zarco - Tristo Vaz - Bartolomeu Perestrelo

    Para saber mais... - Machim e a Madeira - O Algarve e a Madeira TEMAS DE DESTAQUE: - Atlntida - S. Brando e o Porto Santo - Lendas do Descobrimento - Descobrir/Reconhecer - O Dia do Descobrimento - Povoamento e/ou Colonizao - Data de Incio do Povoamento: 1420-1425-1433 - Povoamento da Madeira: o Rei ou o Infante

    CRONOLOGIA

    ANOS Sc. VI A.C. Sc. V A.C. 1350 1351-1357 1413 1419

    AC

    ON

    TE

    CIM

    EN

    TO

    S

    Primeiros tes-temunhos da presena de povos do Me-diterrneo no Atlntico.

    Diodoro refere a existncia de uma ilha com denso arvoredo no Atlntico.

    O Libro del Co-noscimiento, refere as ilhas Selvage, Desierta e Puerto Sancto.

    Primeira represen-tao cartogrfica do arquiplago da Madeira no Atlas Mediceo com Por-to Sancto, I De lo Legname, Deserte.

    A carta de Mecia de Viladestes faz a repre-sentao da Madeira com a configur ao real.

    (Re)descoberta do arquiplago da Madeira pe-los portugue-ses

    REIS DE PORTUGAL

    D. Joo I D. Duarte D. Pedro D. Afonso V D. Joo II D. Manuel I D. Joo III (1385-1433) (1433-1438) (1438-1446), (1446-1481) (1481-1495) (1495-1521) (1521-1557)

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    PORTULANO: corre sponde ao roteiro portugus do sculo XVI e era usado no Mediterrneo para definir o rumo entre os portos. Tinha por funo auxiliar a nave-gao e por isso assinala os rumos e as dis-tncias entre os diversos portos. Estes so na sua maioria italianos, como Gnova e Veneza, e maiorquinos. A partir do sculo XIII surge a carta portulano que apresen-tava o contorno da costa e as linhas de rumo, sendo considerada a representao grfica da informao dos portulanos NAVEGAO: no Mediterrneo a navega-o era feita por rumo e estima , seguindo as linhas da carta portulano, pelo que s po-dia ser feita de dia e vista da terra, usan-do-se apenas a bssola e a carta. Para orientao no mar alto, sem o al-cance da costa, surgiu a navegao astronmi-ca que permitiu a orientao pela observa-o de certas estrelas, sendo o rumo defi-nido por meio de instrumentos, como o quadrante e o astrolbio.

    Jardim das Hesprides. Pormenor de vaso grego. ATLNTIDA: no grego significa filha de Atlas. Atlas foi o deus grego que segurava o Cu e as suas sete filhas as estrelas das Pliades. Segundo Plato, Poseidon e a sua mulher, Cleito, fixaram-se nesta grande ilha onde nasceram cinco pares de gme-os. Poseidon repartiu a ilha entre os filhos, ficando Atlas, o primognito, com a me-lhor parte que deu o nome de Atlntida

    O conhecimento at ao sc. XV A partir do sculo VI a.C. diversos testemunhos evidenciam a presena dos povos ribeirinhos do Mediterrneo nas guas do Atlntico. Cartagineses e rabes preludiaram a expanso dos portu-gueses e castelhanos do sculo XV. Hoje evidente que o conhecimento do oceano Atlntico pelos povos mediterrnicos anterior presena portuguesa. A gesta por-tuguesa iniciada em 1418 com a primeira viagem Madeira teve apenas a funo de trazer para o seio da Cristandade Ocidental este mundo e no a sua descoberta. A valorizao scio-econmica dos novos espaos, que aconteceu por iniciativa dos portugueses, foi mais importante que a descoberta. O Atlntico foi considerado por muito tempo o mar das trevas incapaz de ser sulcado pelas embarcaes mediterrnicas. A esta tradio acresce o facto de a navegao por rumo ou vista da costa no oferecer possibilidade de retorno, tendo em conta as condies dos ventos e correntes martimas na costa africana. Estas dificulda-des foram superadas com as descobertas dos portugueses no sculo XV, que definiram a possibilidade de retorno fazendo a volta pelo largo. Para a literatura greco-romana o oceano era a expresso do bem e do mal. Neste contexto dominavam as vises aterrorizadoras, contrrias navegao, mas favorveis ideia destes espaos como paraso ou morada dos deuses mitolgicos. Para o europeu dos sculos XV e XVI foi uma esperana, pois onde os antigos co-locaram o paraso inatingvel os peninsulares descobriram ilhas que se revelaram como espaos de grande valor econmico. A historiografia oficial sempre negou a possibilidade destas navegaes atlnticas em pocas anteriores ao sculo XV. No scu-lo XV a disputa entre portugueses e castelhanos pelo domnio do novo espao ocenico, aliada ideia de que o direito de posse de novas terras dependeria do facto de serem os primeiros a descobri-las obrigou a esta defesa da verso oficial do seu descobrimento no sculo XV. A conjuntura de partilha do continente africano entre as potncias europeias, na segunda metade do sculo XIX, trouxe de novo a debate a questo do descobrimento do espao atlntico. Hoje evidente que o conhecimento das ilhas e litoral africano pelos povos da bacia mediterrnica aconteceu j na Antiguidade, chegando at ns sob a forma de lenda ou relato histrico. As litera-turas greco-romana e rabe do-nos conta de vrias ilhas fantsticas que no sculo XIV foram alvo de ateno dos navegadores. Atlntida juntou-se a ideia de ilhas Afortunadas, Hesprides, Ant-lia (ou Sete Cidades), S. Brando e Brasil. A Atlntida a verso mais conhecida e divulgada da tradio mitolgica sobre o Atlntico. Plato (?-347 a.C.) em Timeu e Crtias

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    MITOLOGIA: histria dos deuses e he-ris da Antiguidade. Naquele tempo era possvel atraves-sar este mar. Havia uma ilha defronte a este lugar que chamais as Colunas de Hrcules. Esta ilha era maior que a Lbia e a sia juntas. E os viajantes podiam passar dela s demais ilhas...[Plato, Ti-meu e Critias.]

    (421 a.C.) d conta de um cataclismo ocorrido cerca de 10.000 A.C. que fez desaparecer o reino que tinha por sede uma grande ilha no meio do oceano. Esta era identificada muitas vezes como a manso dos deuses, o destino dos heris da mitologia grega, sendo conhe-cida como Makaron Nesoi (= ilhas afortunadas). A Atlntida ter sido o bero de um reino poderoso, apresentado como uma terra prxima do paraso e do jardim das delcias descri-tos nos textos antigos. Esta ideia persistiu at hoje, sendo os arquip-lagos da Madeira, Aores e Canrias e Cabo Verde considerados re-miniscncias deste cataclismo. Todavia, os estudos geolgicos de-monstraram que a sua formao tem uma origem distinta. Egpcios e Fencios

    Nos sculos XVIII e XIX os defensores da cultura clssica afir-mam que os fencios projectaram o seu emprio comercial na costa ocidental africana. O seu conhecimento resultou de expedies a re-alizadas desde tempos remotos. A primeira, de que ficou notcia, aconteceu por ordem do fara Necao II (610-594 a.C.); depois segui-ram-se em 550 a.C. Euthymens , mercador de Marselha, Sataspes (485-465 a.C.) navegador persa que atingiu a Guin, e o priplo de Hano em 425 a.C. que, com uma frota de sessenta navios organiza-da em Cartago, teria percorrido a costa ocidental africana at Cabo Verde.

    Gregos e romanos

    O avano da colonizao grega para Ocidente fez com que o Mediterrneo deixasse de ser o nico espao de navegao, abrindo-se o Atlntico como uma nova via. A literatura divulgou os relatos das primeiras expedies atlnticas em que

    Barco fencio. Frota do Rei Luli de Tiro(705-681 AC). Relevo de Senaquerib

    Monstros marinhos. S. Munster, Cosmografia(1550)

    Mapa da Atlntida: representao imaginada de A. Kircher

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    (...) os cartagineses descobriram uma ilha deserta povoada de toda a es-pcie de bosques e cruzada de rios na-vegveis e admirvel pelos seus fru-tos.(...) Os cartagineses, dada a sua ferti-lidade, a visitavam a medo e alguns chegaram a estabelecer-se ali. Mas as au-toridades cartaginesas proibiram a na-vegao para elas sob pena de morte, matando os seus colonos para que no revelassem a sua existncia e viesse uma multido disposta a apoderar-se dela ar-rebatando aos cartagineses o seu desfru-te. [Aristteles, Livro das Maravilhas]

    Barco romano: de cinco r emos

    PLNIO: (...)em frente margem es-querda da Mauritnia encontram-se as Afortunadas que se chamam Convallis pela sua complexidade e planaria pela sua beleza. O permetro de Convallis de trezentas milhas. Ali se elevam rvo-res at cento e quarenta ps de altu-ra.[ Histria Natural, cap.IV]

    Planisfrio do gegrafo Muulmano M. Al-Edrisi (1100-1166)

    surgem as primeiras referncias a ilhas, definidas como Campos Eliseos, dos Bem Aventurados, Afortunadas, Jardim das Delcias, Hesprides. Plauto, no sc. I a.C., apresenta-as como o destino de todos os que haviam passado honradamente a vida. Esta tradio literria do Paraso inicia-da com Homero persistiu at ao sculo XVI. O clima primaveril, o denso arvoredo e a abundncia de guas so inconfundveis atributos da Madeira e esto presentes em muitos relatos. Diodoro da Sicilia na Biblioteca Histrica refere a descoberta no sculo V a.C. de uma ilha descrita pelo ambiente paradisaco e denso arvoredo. Estrabo situa em 100 a.C. o encontro de uma outra que espantou os seus descobridores pela abundncia de gua e madeiras. Plutarco, cerca de 80 a.C., na narrativa da Histria de Sertrio, diz-nos que este, ao ser perseguido pelos romanos, refugiou-se numa ilha, identificada com a Madeira. Plnio, o velho, na Histria Natural apeli-da-a de Conuallis e Planaria. No existe consenso entre os estudiosos da cultura Clssica, pois enquanto uns associam-nas, respectivamente Madeira e Porto Santo, outros, nomeadamente os espanhis, identificam-nas como as ilhas de La Palma e Gran Canria.

    rabes

    A queda do imprio romano, no sc. V, marcou uma nova fase definida pelo abandono das navegaes no Atlntico. O Ocidente, su-jeito desde o sculo XIII s invases rabes e normandas, no teve disponibilidade para as navegaes ocenicas na costa africana. Deste modo a ideia do oceano como mar intransponvel e no navegvel ganhou novo alento, como se evidencia nas vises de Avieno, Sneca e Edrisi. A partir do sculo III faltam referncias sobre expedies s ilhas. As poucas viagens que aconteceram tiveram por protagonistas marinheiros rabes e foi entre estes que ficou documentado o Atlnti-co como um espao ocenico polvilhado de ilhas. Edrisi (1099-1154), gegrafo rabe, anota na Geografia vinte e seis ilhas e descreve a expe-dio dos aventureiros de Lisboa que em 1147 alcanaram uma que ficou conhecida como do gado ( geziras Alganem), identificada com a Madeira. s expedies rabes, primeiro dos aventureiros de Lisboa (1147) depois de Ibn Fatima e Mohamed Ben Ragano, seguiram-se outras com alguma frequncia ao longo do sculo XIV sob o coman-do de italianos, bretes, bascos, biscainhos e catales. No sculo XIV os rabes legaram esta tradio atlntica aos navegadores portugueses, bretes, bascos, normandos e italianos. A primeira expedio conhe-cida relatada por um frade mendicante espanhol em 1350. No Libro del Conoscimiento esto referidas as ilhas de Salvage, Desierta, Lecname e Puerto Sancto. A ocupao e posse das Canrias pelos castelhanos s teve incio

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    As Canrias na carta-portulano

    de Angelino Dulcert:. 1339

    O Tratado das Alcovas

    A disputa pelo domnio do mar oceano comeou com a questo das Ca-nrias, quando o papa Clemente VI con-cedeu a Castela a posse das ilhas. Na res-posta D. Afonso IV de Portugal d a en-tender o empenho lusada na sua posse e conquista. Esta ideia foi retomada com D. Duarte na dcada de trinta da centria seguinte, conduzindo negociao do primeiro tratado de partilha do mundo, que teve lugar em Alcovas em 1479 no reinado de D. Afonso V. O Tratado de Alcovas teve o m-rito de encerrar, ainda que temporaria-mente, a disputa e de garantir para Por-tugal a posse exclusiva da Costa da Gui-n. Pela primeira vez estabeleceu-se a partilha do mar oceano pelo paralelo das Canrias, consagrando-se o mare clausum portugus, como se poder verificar pela ratificao papal atravs da bula de 21 de Junho de 1481.

    Jean de Bethencourt. O iniciador da conquista de Canrias

    em 1402 com a expedio do normando Jean de Bethencourt e Gadifer de la Salle, que prestaram vassalagem ao rei de Castela. O empenho da coroa surgiu a partir da dcada de sessenta, mas s em 1496 se conseguiu a total conquista e pacificao do arquiplago. As viagens do sc. XIV

    Desde o sculo XIII que a costa ocidental africana, aqum do Bojador, foi devassada pelas populaes ribeirinhas do litoral medi-terrnico, dando-se continuidade tradio da pesca e de busca das infindveis riquezas. Aos recursos pisccolas disponveis nos mares circundantes juntou-se a oferta de plantas tintureiras (urzela) e o resgate de escravos canrios. A expedio dos irmos Vivaldi, em 1291 deu o mote, se-guindo-se outras como as viagens dos "Matelots de Cherebourg", antes de 1312, de Lanzarotte de Malocello, ao servio do rei de Portugal, cerca de 1310 e, finalmente, a de Angiolino del Tegghia de Corbizi e Nicoloso de Recco em Junho de 1341. Das demais no ficou registo escrito, mas apenas o rasto na cartografia que passou a dedicar mais ateno a esta rea ocenica. Desde 1325 que os portulanos e cartas representam as ilhas dos arquiplagos da Madeira e Canrias. O progresso na represen-tao cartogrfica da Madeira resultou certamente de uma assdua observao presencial, resultante do incremento das expedies s Canrias. Em 1344 o papa de Avinho estava ao corrente de tudo isto, concedendo o senhorio das ilhas Afortunadas a D. Lus de La Cerda. A doao provocou acesa disputa entre as coroas de Portu-gal e Castela e s teve o seu eplogo em 1479 com o Tratado de Alcovas. As expedies portuguesas no so alheias presena em Portugal de Manuel Pessanha, contratado em 1317 por D. Dinis para criar a frota real e preparar os marinheiros portugueses nos conhecimentos necessrios arte de marear. A viagem de 1341 s Canrias consequncia disso. Em 1320 a coroa havia conseguido o necessrio apoio do papado para levar a cabo uma guerra de cor-so na costa africana. A presena de armadas nestas paragens ind-cio seguro do conhecimento e contactos com as ilhas. Na disputa peninsular pelas ilhas atlnticas foram apresent a-das vrias alegaes de ambas as partes reivindicando a sua posse. Em 1345 D. Afonso IV, de Portugal, em resposta a bula de Cle-mente VI reclamava a posse das Canrias, fundamentado na priori-dade do conhecimento e proximidade geogrfica. Passados cem anos D. Duarte alegou os mesmos argumentos para reclamar junto do papa Eugnio IV a posse das ilhas ainda no conquistadas. A anuncia papal s pretenses portuguesas conduziu imediata re-aco de Castela que se serviu do poder de interveno dos seus j u-ristas junto do papa para obter a revogao da bula.

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    A ILHA DE S. BRANDO. Gravura em madeira do sculo XV

    Lendas do Descobrimento

    Na Idade Mdia o imaginrio do homem europeu estava dominado por lendas que materializavam viagens reais ou imagi-nrias. Muitas foram perpetuadas pela tradio oral e outras re-escritas por aventureiros que lhe acrescentaram dados novos. No Norte da Europa surgiu no sculo VI a aventura de S. Brando, frade que fugido da Irlanda encontrou a ilha das del-cias no Atlntico. A descrio refere uma ilha resguardada dos negros nevoeiros, enquanto os navegadores portugueses no s-culo XV do conta do espesso negrume que cobre a Madeira. A Insulae Fortunatae Brandani colocada pela cartografia na posi-o da Madeira. A viagem de Robert Machim Madeira entra tambm neste conjunto de lendas. O relato surge pela na verso original de Francisco Alcoforado misturado com a viagem dos navegadores portugueses, dando a entender que foi a partir do contacto com os companheiros de infortnio que atingiram estas ilhas da Ma-deira e Porto Santo.

    S. BRANDO E O PORTO SANTO No existe consenso quanto origem do nome da ilha do Porto Santo. Cadamosto pe-remptrio relacionar com o dia da descoberta no dia de Todos os Santos, mas segundo al-guns autores, este nome relaciona -se com a lenda de S. Brando. O Porto Santo seria o paraso que o monge procurava e encontrou. Conta Martim Behaim que no ano de 565 d.C. o monge S. Brando saiu da Irlanda com alguns companheiros procura da Terra Pro-metida. Em pleno oceano foram assolados por uma tempestade acabando salvos numa ilha que os levou ao encontro da procurada terra de promisso, alcanada aps terem ultrapas-sado uma cortina de espessa nvoa. A estive-ram sete anos, findos os quais, regressaram Irlanda. A mais antiga representao da ilha de S. Brando surge no mapa-mundo de Ebstorf de cerca 1270. Nas cartas, Dulcert (1339), dos ir-mos Pizzigani (1367) representa-se a ilha de S. Brando no local do Porto Santo.

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    CARTOGRAFIA: Arte de proceder ao levantamento, trao ou gravao de car-tas geogrficas. A Cartografia teve grande incremento a partir do sculo XIV, mas foi no sculo XVI com os portugueses que se deu grande avano. O seu incremento acontece com J-come de Maiorca, contratado para o efeito pelo infante D. Henrique. Em Portugal tem-se notcias de representaes do sculo XIV, mas as mais antigas de que dispomos exempla-res so de finais do sculo XV.

    Atlas Catalo de Abrao Cresques (cerca de 1375)

    Carta annima. 1384. Coleco Pinelli-

    Walkenae

    O arquiplago na cartografia dos sc. XIV e XV

    A cartografia portuguesa conhecida da segunda metade do s-culo XV: a carta annima de cerca de 1471 e as de Jorge de Aguiar (1492) e Pedro Reinel (1483). aqui que encontramos as melhores representaes cartogrficas do arquiplago madeirense, mas s no sculo XVI esta testemunha o seu exacto conhecimento. Quanto nomenclatura das ilhas, a aproximao da actual acontece pela prime i-ra vez quanto ao Porto Santo, Selvagens e Desertas em 1370 e s em 1408 para a Madeira. A representao cartogrfica do arquiplago anterior ao reco-nhecimento e ocupao portuguesa. A partir de meados do sculo XIV as ilhas surgem ainda que de forma imperfeita e com nomes em latim. evidente a evoluo no seu traado medida que aumenta o conhecimento das ilhas, mas tardou muito tempo at que se aproxi-masse da realidade. Os primeiros portulanos de que h notcia no apresentam as ilhas atlnticas. Estas s comeam a ser desenhadas a partir de 1325. A par-tir de 1339, com a carta de Angelino Dulcert, surgem algumas ilhas -Primaria, Caprara e Canaria- na posio da Madeira. A carta Pizzigani de 1367 coloca a a legenda ysola capancia. A representao cartogrfica do arquiplago comeou com o Atlas Mediceo entre 1351-1357, onde surgem as ilhas de Porto Scto , I. Delo Legname, I. Deserte. O grupo das Selvagens aparece apenas na carta de Abraho Cresques de 1375, com o designativo de Insule Salvatges . A partir daqui o arquiplago representado em todas as cartas conheci-das da mesma forma. A nica nota de realce est na carta de Mecia de Viladestes de 1413, em que o desenho da Madeira se aproxima pela primeira vez da configurao real. O Planisfrio de Battista Becario de 1426 apresenta todas estas ilhas com a seguinte legenda: insule de novo reperte(= ilhas de novo descobertas). O Porto Santo surge com a grafia actual no Atlas de Pinelli-Walckenaer de cerca de 1384. No caso da Madeira s acontece em 1424 na Carta Pizzigano. E, a partir do Atlas Medici notria a repre-sentao correcta da posio do grupo de ilhas da Madeira. Note-se que nas representaes posteriores ao seu encontro pelos portugue-ses, isto , das cartas Pizzigano(1424) e Bianco(1436), continua a repe-tir-se o desenho das cartas do sculo XIV. Perante isto a concluso a de que a Madeira foi sendo conheci-da a partir da dcada de sessenta do sculo XIV. A incipiente repre-sentao resulta do nvel de conhecimentos cartogrficos da poca, da abordagem desinteressada dos navegadores e daquilo que transmiti-ram aos cartgrafos.

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    DESCOBRIR / RECONHECER Os conceitos descobrir e descobrimento s entraram na terminologia do sculo XV a partir de 1470. At ento usava-se as palavras achar, saber parte de, obter informao. isso que acontece em Zurara que quanto Madeira re-fere sempre buscar e achar. O sentido era duplo, pois tanto quereria significar conhecimento pela primeira vez, como em segunda mo, isto , no sentido de revelar o que se tinha informao vaga e restrita. O descobrimento s acontece quando aceite e conhecido de todos. Fontoura da Costa distingue o descobrimento histrico do oficial. O pri-meiro fundamenta-se nas informaes, mais ou menos vagas, da tradio, en-quanto o segundo o acto de demarcao oficial do achado. O descobrimento dos portugueses foi a revelao de um espao em termos geogrficos e eco-nmicos e a sua incorporao no mundo conhecido atravs da sua representa-o cartogrfica.

    NOMENCLATURA DO ARQUIPLAGO DA MADEIRA. SC. XIV

    CARTA MADEIRA P.SANTO DESERTAS SELVAGES

    Dulcert(1339) Insyla capraria Primria canaria

    Pizigani(1367) Ysola Canaria Ysola de tor-fommare

    Ysola capiriia

    Medici(1370) I. de lo legname Porto sto I. deserte

    A Cresques(1375) Insula de legname Porto sto Insula deste Insule saluatyes

    Pinelli(1384) Y. de legname Porto santo Insula deserte y. salvaze

    Soler(1385) Insula de lenyame Porto santo Insula desrte Insule salva tges

    Catal-Paris (1400) Insula de legname Porto santo Insula desrte Insula salvages

    Pasqualini(1408) Y de madiera P. sto

    Y.e desertes Y. Selvages

    M. de Viladestes (1413)

    Insola de lenyme Porto santo Insola desrte Insule Selvages

    Francisco de Cesa-nis(1421)

    Ixola de ligniame Porto roxo Yxola desertte Yxole Salvage

    Battista Beccario (1426)

    Insula de Legna-me

    Porto sancto Insulla dezerte Insulle Salvage

    Andrea Bianco (1436) Y. de Madera P. santo Y dxerta Y. Salvage

    Portuguesa anni-ma(1471)

    Da madeira p. Sto desertas Isole Selvage

    Soligo(1489) Y de la medera P. santo Y. dxerta Y. Salvage

    Pedro Reinel (1483) ilha da madeira porto samto desertas Salvages

    Evoluo da representao do ar-quiplago at actualidade

    (Damio Peres)

    1339

    1384

    Actual

    Atlas de Gracioso Benincasa. 1468

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    Barca. Desenho do Almirante

    Joo Braz de Oliveira

    BARCA: embarcao muito usada no s-culo XV para a navegao de cabotagem, fluvial e na actividade piscatria. Era con-sider ada uma embarcao ligeira pelo que a sua capacidade no ultrapassava os 30 to-nis, sendo ideal para as viagens de reco-nhecimento e explorao martima. Apre-sentava um nico mastro armado, que po-dia ser de pano redondo ou latino. Foi numa barca que Gil Eanes dobrou o Cabo Bojador em 1433. Zurara refere que a viagem Madeira foi feita numa barca, enquanto Diogo go-mes assinala que a mesma aconteceu numa caravela.

    Caravela de dois mastos

    CARAVELA: a caravela foi uma embarca-o fundamental no progresso das expedi-es martimas ao longo da costa africana, devido sua agilidade e porte. uma em-barcao com um ou mais mastros com armao de pano latino, sendo conhecida como caravela de descobrir, por ter sido usada nas viagens de reconhecimento da costa africana. Os navios de grande porte e pano redondo - naus e galees - eram uti-lizados no transporte de mercadorias, pes-soas, etc.

    A questo do descobrimento

    De acordo com a tradio, o descobrimento do arquiplago te-ria ocorrido a partir de 1418, quando Joo Gonalves Zarco ao co-mando de uma barca, atingiu a ilha do Porto Santo. E, no ano ime-diato, a 1 de Julho, alcanou a Madeira. A legitimao da posse portuguesa, de acordo com o direito vigente, s poderia ser alcanada pela ausncia de referncias do seu conhecimento por outros povos. Por isso, em 8 de Setembro de 1460 o infante D. Henrique, na qualidade de senhor das ilhas do ar-quiplago da Madeira, dava a entender o seu protagonismo neste descobrimento com a seguinte expresso: ... novamente achei. No-vamente, aqui entendido como pela primeira vez, uma vez que a n-tes no haviam sido encontradas ou, se o foram, delas no ficou ras-tro na memria escrita e colectiva. A prioridade portuguesa ainda reafirmada em 1493 pelo prprio Rei, D. Joo II: porquanto essa ilha no foi de nossos antepassados nem dela tiveram direito algum ou domnio antes de ser descoberta e ocupada pelo senhor rei nosso bisav.... Os textos historiogrficos do sculo XVI no so unnimes quanto a isto, sendo possvel reunir uma diversidade de verses, muitas delas contrrias oficial, defendida pelo infante e a coroa. Francisco Alcoforado, o primeiro cronista do descobrimento, refere que Machim e companheiros ao depararem-se com a Madeira en-tenderam que era terra nova puseram em vontade pedirem aos reis de Espa-nha, talvez, pensando na proximidade Tingitnia, que de direito lhes pertencia. Jernimo Dias Leite, outro cronista madeirense da segunda metade do sculo XVI, testemunha diferente opo dos portugueses: E pelos padres mandou benzer gua que andaram aspergindo pelo ar e pela terra, como quem desfazia encantamento, ou tomava posse em nome de Deus daquela terra brava, e nova nunca lavrada nem conhecida desde o principio do mundo at aquela hora. O acto de posse em nome da coroa portuguesa era justificado pelo facto de a terra nunca ter sido co-nhecida e ocupada. De acordo com o texto de Gaspar Frutuoso o descobrimento da Ilha da Madeira teve lugar a 1 de Julho de 1419, desembarcando os portugueses na baa de Machico no dia seguinte, da Visitao de Santa Isabel. Esta considerada a verso oficial, porque conquistou a aprovao do madeirense que a estabeleceu como o marco para definir o Dia da Regio Autnoma. A forma de organizao do processo -nos apresentada em Zurara, que refere quatro expedies ilha antes que o infante ordenasse o envio dos primeiros colonos e clrigos para o arranque da ocupao e aproveitamento econmico. A mesma ideia surge na Relao de Francisco Alcoforado: 1. Dezembro 1418: primeira viagem de reconhecimento do Porto Santo, 2. Principio de 1419: segunda viagem ao Porto Santo, 3. Junho de 1419: primeira viagem Madeira, 4. Maio de 1420: segunda viagem Madeira.

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    O DIA DO DESCOBRIMENTO Segundo Gaspar Frutuoso o desco-brimento da ilha da Madeira teve lugar a 1 de Julho de 1419, desembarcando os por-tugueses na baa de Machico no dia se-guinte, ento o dia da visitao de Santa Isabel. Esta data questionvel luz do calendrio, uma vez que em 1419 o dia 2 de Julho no foi um domingo, como o pretende afirmar Gaspar Frutuoso. Em 1590, uma das datas apontadas para a re-daco do livro sobre a Madeira, o dia 2 de Julho coincide com um domingo o que poder ter levado o autor a semelhante equvoco. De acordo com um documento de 1813 o 10 de Agosto dia celebre na mesma ilha por ser aniversario do seu descobrimento. No tempo do infante D. Henrique, uma caravela correndo com tormenta viu uma ilha pequena, a qual est prxima da Madeira que se chama Porto Santo, no povoada.() E voltou a caravela anunci-ando ao infante a terra descoberta, (). Pouco tempo depois mandou o senhor in-fante uma caravela para visitar e examinar a ilha descoberta de Porto Santo, onde foi o piloto Afonso Fernandes de Lisboa, e encontraram ela. E passaram alm direi-tamente ilha agora chamada de Madeira, e perto da outra ilha agora chamada De-serta.(.) [Diogo Gomes, As Relaes do Desco-brimento da Guin e das ilhas dos Aores, Madeira e Cabo Verde, Boletim da Socieda-de de Geografia, 1898-1899. ed. de Gabriel Pereira]

    Note-se que todos os autores so unnimes em considerar o povo-amento do arquiplago como obra portuguesa, tendo como obreiro o infante D. Henrique e por executor Joo Gonalves Zarco, com ou sem o apoio de Tristo Vaz. Apenas Giulio Landi de opinio diferente, afirmando o protagonismo de Machim. A polmica tem lugar quanto data do descobrimento e sua autoria. Para uns, as ilhas foram desco-bertas por portugueses: Joo Gonalves Zarco com Tristo Vaz, ou Afonso Fernandes. Para outros foi resultado de uma iniciativa de es-trangeiros: castelhanos (o Porto Santo), ou ingleses (Madeira). So assim quatro as verses:

    1. Relao de Francisco Alcoforado, atribui o descobrimento da ilha ao ingls Roberto Machim e o reconhecimento e ocupao aos ma-rinheiros do infante, 2. Diogo Gomes considera o feito como iniciativa do piloto por-tugus Afonso Fernandes, mantendo o povoamento como uma tarefa henriquina, 3. Gomes Eanes de Zurara(-/1473) atribui a Joo Gonalves Za r-co e Tristo Vaz a tripla misso de achamento, reconhecimento e ocu-pao, 4. Cadamosto deixa vaga a referncia autoria, sendo claro ape-nas quanto aos povoadores.

    O debate comeou no sculo XIX tendo como ponto de partida o estudo de lvaro Rodrigues de Azevedo[1873] e deu origem a vrias te-ses sobre o descobrimento da Madeira. No obstante, o vasto nmero de estudos existentes que, de um ou de outro modo, abordam a ques-to, de salientar que todos se orientam de acordo com quatro ideias-base, que resumem toda a informao e fundamento do problema: TESE TRECENTISTA: apresentam os seus defensores ao conheci-mento quatrocentista a prova documental e cartogrfica do achamento no sculo XIV. Divergem entre si, quanto autoria das expedies que conduziram ao conhecimento do arquiplago. Assim, para uns, a des-coberta deveu-se a genoveses, catales ou venezianos; outros apontam as mesmas expedies, mas ao servio da coroa portuguesa, o que valo-riza a iniciativa nacional do empreendimento.

    TESE QUATROCENTISTA: os que argumentam, a partir de Zurara, Joo de Barros e Gaspar Frutuoso, considerando o arquiplago desco-berto pelos portugueses no sculo XV, e destacam a aco de Zargo e Tristo Vaz e o infante D. Henrique.

    TESE DE MACHIM: os que defendem, em complemento da se-gunda tese, que o conhecimento do arquiplago resultou da viagem oca-sional de Robert Machim.

    Em casa do Infante havia dois escu-deiros nobres de criao daquele senhor, homens mancebos para muito, os quais depois da vinda que o infante fez do des-cerco de Ceuta, requereram que os avi-asse como pudessem fazer de suas honras, como homens que o muito desejavam, pa-recendo-lhes que seu tempo era mal dis-posto se no trabalhassem alguma coisa por seus corpos. Vendo o infante suas boas vontades lhes mandou aparelhar uma barca, em que fossem de armada contra os mouros, en-caminhando-os como se fossem em busca de terras da Guin, a qual ele j tinha von-tade de mandar buscar. E como Deus que-ria encaminhar tanto bem para este reino e ainda para outras muitas partes assim que com tempo contrrio chegaram na i-lha que agora se chama de Porto Santo, que junto com a ilha da Madeira, na qual pode haver sete lguas em roda. E tornando dali para o reino falaram sobre isso ao infante contando-lhe a bon-dade da terra e o desejo que tinham acerca de sua povoao, de que o infante muito prouve, ordenando logo como pudes-sem haver as coisas que lhe cumpriam para se tomar a dita ilha. [ Gomes Eanes de Zurara, Crnica de Guin , Porto,1973, pp.345-351 ]

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    E andando assim neste traba-lho de se encaminharem para partir, se juntou sua campanha Bartolo-meu Perestrelo, um fidalgo que era da casa do infante D. Joo, os quais tendo todas as suas coisas prestes, partiram em viagem da dita ilha. [Gomes Eanes de Zurara, Crnica dos Feitos da Guin , Porto, 1937, cap.CXXXII] Esta ilha do Porto Santo () foi descoberta h vinte e sete anos pelas caravelas do sobredito senhor infante, que a fez habitar por portu-gueses. Nunca dantes fora habitada. Esta ilha da Madeira mandou-a o dito senhor infante s de h vinte e quatro anos para c, e nunca foi dantes habitada. [Alvise Cadamosto, Navegaes, in Silva Marques, Descobrimentos Portugueses, vol. I]

    TESE ECLTICA: os que buscam uma opinio de consenso entre as vrias fontes e verses, perfilhando solues intermdias, ou reforando as dvidas. Uns procuram conciliar as fontes trecentista com as que apontam apenas para o sculo seguinte, concluindo por um processo contnuo de conhecimento ou reconhecimento e divulgao na Europa. Outros defendem a ideia de um conhecimento desde tempos antigos. No entanto, concordam, ainda que parcialmente, com as restantes verses, buscando nelas a informao necessria para a sua fundamentao. A partir desta informao, consignada nos textos dos cronistas, en-controu a Historiografia os meios para fundamentar a tese do descobri-mento do arquiplago. Desde o primeiro estudo de lvaro Rodrigues de Azevedo (1873) at s mais recentes publicaes, poderemos estabelecer duas formas de encarar a questo. Para uns o seu conhecimento sucedeu no sculo XIV, como resultado das expedies portuguesas s Canrias, sendo prova disso os portulanos da poca, ou a aventura de Roberto Machim. Outros, baseados nos textos de Zurara, Joo de Barros e Gaspar Frutuoso, afir-mam que o descobrimento ocorreu no sculo quinze por iniciativa de Joo Gonalves Zarco e Tristo Vaz.

    Local do primeiro desembarque, na Madeira, de Joo Gonalves Zarco e Tristo Vaz

    Monumento Evocativo do descobri-

    mento do Porto Santo Escultura de Antnio Arago.(1960)

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    Camponeses. Gravura de William Combe.

    1821 POVOAMENTO

    e / ou

    COLONIZAO

    A aco portuguesa na dcada de 20 do sculo XV deve ser entendida como um pro-cesso de povoamento, e nunca de coloniza-o, pois estamos perante uma poro de ter-ra desabitada cuja paisagem foi humanizada apenas com a entrada de portugueses. Esta singularidade do processo favoreceu a ocupao portuguesa permitindo o ensaio de tcnicas, produtos e formas de organiza-o do espao, livres de qualquer entrave humano. Os resultados foram de tal modo prof-cuos que o exemplo madeirense teve um lu-gar relevante na expanso peninsular, sendo a referncia ou modelo para as experincias de povoamento que se seguiram.

    Casa de palha. [Museu de Photographia Vicentes]

    A ocupao e o povoamento

    O povoamento e o processo de valorizao econmica da Madeira destacam-se, no contexto da expanso europeia, como o primeiro ensaio de processos, tcnicas e produtos que serviram de base afirmao dos portugueses no espao atlntico. Aqui foram lanadas as bases sociais e econmicas daquilo do mundo atlnti-co. A forma de ocupao e valorizao econmica da Madeira foi ao encontro das solicitaes da conjuntura interna do Reino e do espao oriental do Atlntico, surgindo como resposta dispu-ta das Canrias e necessidade de encontrar um ponto de apoio para as operaes ao longo da costa africana. Zurara faz eco disso ao referir que as embarcaes portuguesas faziam escala obrigat-ria na Madeira, onde se proviam de vitualhas nas ilhas da Madeira, porque havia a j abastana de mantimentos. Os testemunhos dos cronistas so taxativos quanto inexis-tncia de populao sob o solo madeirense. Assim, para alm das referncias abordagem do Porto Santo por castelhanos que a faziam carnagem, vindos das Canrias, e da presena de Machim na baa de Machico, nada mais indiciava quanto a uma preocupa-o anterior de humanizao destas ilhas. Cadamosto afirma mesmo que fora at ento desconhecida e que nunca dantes fora habita-da. Idntica a opinio de Jernimo Dias Leite ao referir que pe-rante os navegadores se deparava uma terra brava e nova, nunca la-vrada, nem conhecida desde principio do mundo at quela hora. Todos os autores coevos que se ocupam do tema so un-nimes em considerar o povoamento da Madeira como obra por-tuguesa, tendo como dirigente o infante D. Henrique, apoiado em Joo Gonalves Zarco, com ou sem a colaborao de Tris-to Vaz. Para os cronistas tudo comeou no Vero de 1420 com a expedio comandada por Joo Gonalves Zarco que tinha como objectivo dar incio ocupao da ilha. Acompanhavam-no Tris-to Vaz Teixeira, Bartolomeu Perestrelo e alguns homiziados que queriam buscar vida e ventura foram muitos, os mais deles do Algarve, se-gundo afirmam Jernimo Dias Leite e Gaspar Frutuoso. Com a distribuio das terras pelos trs povoadores, as ilhas do Porto Santo e Madeira ficaram divididas em trs capitanias. O Porto Santo, por ser uma ilha pequena ficou entregue na totalida-de a Bartolomeu Perestrelo, enquanto a Madeira foi separada em duas por uma linha traada em diagonal entre as Pontas da Olivei-ra e do Tristo. A vertente meridional, dominada pelo Funchal fi-cou quase toda em poder de Joo Gonalves Zarco, enquanto a restante rea incidindo na costa norte era para Tristo Vaz Teixei-ra. No Porto Santo surgiram problemas no incio. Os inmeros coelhos e as condies pouco propcias do meio no favoreceram

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    Mercadores do reino na Madeira

    scs. XV-XVI

    TOPONMIA FUNCHAL: ...formoso vale,... sem haver outro gnero de arvoredo, seno muito funcho..... E pelo muito funcho que nele achou, lhe ps nome o Funchal,.. SANTA CRUZ: ...em uma formosa an-gra..., acharam em terra uns cepos velhos derribados do tempo, dos quais mandou o capito fazer uma cruz, que logo fez arvo-rar em um alto de uma rvore, dando no-me ao lugar de Santa Cruz. CMARA DE LOBOS : ... a natureza fez uma grande lapa, a modo de cmara de pedra e rocha viva; ...onde acharam tantos lobos marinhos,.. pelo que deu nome a este remanso Cmara de Lobos RIBEIRA BRAVA: ... a que deu nome Ri-beira Brava, pela gua que corria neste lu-gar que aqui depois se fundou,... PONTA DO SOL : ...e, porque na rocha, que est sobre a ponta, se enxerga de lon-ge e se v claro uma veia redonda na mesma rocha com uns raios que parece Sol, deu-lhe nome o capito a Ponta do Sol. CALHETA: ... foram dar em uma grande abra,... fazendo ali mo um desembarca-douro, a que o capito ps nome de Ca-lheta [Gaspar Frutuoso, Livro Segundo das Saudades da Terra, Ponta Delgada, 1979]

    o processo. De acordo com Gaspar Frutuoso a ilha do Porto Santo era pequena, mas fresca (...) no tem boas guas, por ser seca e de pouco arvo-redo enquanto a Madeira era o inverso, sendo caracterizada pela fertilidade e frescura (...) e das muitas ribeiras e fontes de gua. Povoaes O povoamento na Madeira alastrou rapidamente a toda a costa meridional, levando criao de outros lugares de fixao em Santa Cruz, Cmara de Lobos , Ribeira Brava , Ponta do Sol e Calhe-ta. Zurara refere-nos um primeiro ncleo de 150 casais a que se juntaram outros, como mercadores, homens e mulheres solteiros e mancebos. J Cadamosto nos d conta de 800 homens, destacando os principais ncleos de povoamento: Machico, Funchal, Santa Cruz e Cmara de Lobos. As dificuldades da orografia da ilha no travaram o processo, a elevada fertilidade do solo e a presso do movimento demogrfico foram motivos de forte atraco. Aos primeiros obreiros e cabou-queiros seguiram-se diversas levas de homens livres e surgiu a ne-cessidade de procurar escravos na costa africana para acudir a tama-nha tarefa de preparao dos terrenos. A costa norte tardou em contar com a presena de colonos, contribuindo para isso as dificuldades de contacto por via martima e terrestre. Mesmo assim j na dcada de 40 refere -se a presena de gentes em S. Vicente, uma das primeiras localidades do Norte a me-recer uma ocupao efectiva. O progresso do movimento demogrfico liga-se de forma di-recta com o nvel de desenvolvimento econmico da ilha e reflectiu-se na estrutura institucional. A criao de novos municpios, par-quias e a reforma do sistema administrativo e fiscal so resultado disso. Ao nvel religioso, deu-se o desmembramento das primitivas parquias das trs capitanias com o aparecimento de novas: Santo Antnio, Cmara de Lobos, Ribeira Brava, Ponta do Sol, Arco da Calheta e Santa Cruz. No campo administrativo tivemos os primei-ros juizes pedneos de Cmara de Lobos e Ribeira Brava e, depois, os municpios da Ponta do Sol (1501) e Calheta (1502). A economia aucareira, entre meados do sculo XV e da centria seguinte, foi responsvel por uma forte atraco de forasteiros, motivando-os a fixar-se no novo espao. E aqui evidente a macrocefalia do Funchal, que se afirmou desde o incio como o principal centro populacional. Um dos principais reflexos desta situao est na criao de novas parquias na segunda metade do sculo XVI, fruto das reclamaes dos pr ocos e moradores. A Ilha do Porto Santo s progrediu nos primeiros anos de ocupao. A pra-ga fos coelhos, os escassos recursos e as insistentes invases de corsrios no fo-ram propcias fixao de colonos. Os corsrios argelinos na primeira metade do sculo XVII contriburam para o seu quase total despovoamento, pois s em 1617 foram levados cativos novecentos habitantes da ilha. O crescimento da populao foi uma constante do arquiplago, actuando em qualquer dos momentos a emigrao como vlvula de escape e definidora do

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    Tendo esta ilha somente dezoito l-guas de comprimento, e na parte mais lar-ga cinco, at seis, sendo a maior parte de-sabitada, pela aspereza da sua situao, se acham nela quarenta e duas freguesias, em que residem, de quinze anos para cima, vinte mil e trezentos e quinze homens, e de sete at aquela, trs mil quarenta e seis; mulheres tambm de quinze anos para cima vinte e quatro mil e duzentas, meno-res de quinze anos at sete, duas mil seis-centas e oitenta e duas, no podendo at agora saber distintamente os que vo da-qui para baixo. No tem toda esta multi-do de gente sustento, que apenas para um quarto do ano, sendo a misria neles ex-trema, perecendo grande parte por esta causa. [1754/Outubro/1: Relatrio do Governador Manuel de Saldanha Albuquerque para o Rei D. Jos I, in Arquivo Histrico Ultramarino, Madeira, cx.1, n.48] Populao da Madeira por concelhos

    Conce-lho

    1911 1950 1981

    Calheta 20357 24078 12954

    C. de Lobos

    16455 27420 31035

    Funchal 50065 93983 112746

    Machico 13983 22218 22126

    Ponta Sol

    13212 13735 9149

    Porto Moniz

    4404 6422 3963

    Porto Santo

    2206 3017 4376

    Ribeira Brava

    10603 20762 13480

    Santana 10127 15543 11253

    Santa Cruz

    20027 28070 23261

    S. Vicen-te

    8597 12521 8501

    Totais 170036 267769 252844

    necessrio equilbrio. Esta situao est expressa na reclamao constante quanto escassez de recursos para suprir este crescimen-to da populao. Na segunda metade so mais evidentes estas con-dies. Assim, em 1752 a Cmara do Funchal reclamava que a ilha tinha apenas alimento para 20.000, quando se apresentava com 50.000. Passados dez anos o governador anota a sada de alguns madeirenses para o reino, pois pelo excesso de populao no lo-gravam encontrar meios de subsistncia.. Esta conjuntura condi-cionou o ritmo de crescimento da populao. Mesmo assim a popu-lao entre princpios do sculo XVII e meados da centria seguinte triplicou. O final do sculo XVIII foi ainda um momento de crescimento populacional, mas a viragem para o novo sculo condicionou um curto movimento regressivo seguido de uma curva ascendente at 1851. A crise dos anos quarenta e o impacto do odio em 1852 e da filoxera em 1872, duas pragas que afectaram as vinhas causando graves problemas economia madeirense da poca, provocaram o surto de emigrao que ter reflexos na populao residente. A partir dos anos sessenta do sculo XIX retoma-se um mo-vimento ascendente que s ser travado ao fim de cem anos, altura em que se atinge 244% de crescimento. O salto mais significativo ocorreu nas dcadas de trinta e quarenta do sculo XX. E isto tan-to mais significativo pelo facto de ter ocorrido no perodo da 2. guerra mundial. Esta situao tambm no deve ser alheia criao de centros de sanidade rural que contriburam para a quebra da mortalidade infantil. A estabilizao dos valores a partir dos anos sessenta ser fruto do incremento da emigrao rumo a diversos destinos. A partir daqui inicia-se a curva descendente, que se torna evi-dente na dcada imediata. Apenas nas duas ultimas dcadas se nota uma ligeira subida, com tendncia para a estabilizao. Esta situao ganha importncia se tivermos em conta que os valores da emigra-o so reduzidos ao mesmo tempo que se denota uma tendncia para o retorno, sobretudo das ex-colnias. As medidas no sentido do controle da natalidade e a tendncia das famlias para apenas um ou dois filhos, so as razes bsicas que explicam esta viragem do movimento demogrfico madeirense em finais do sculo XX.

    EVOLUO DA POPULAO DA MADEIRA

    50000

    100000

    150000

    200000

    250000

    1767

    1779

    1794

    1797

    1805

    1813

    1818

    1825

    1835

    1843

    1851

    1858

    1864

    1871

    1878

    1890

    1900

    1910

    1920

    1930

    1940

    1950

    1960

    1970

    1981

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    Cavadores. Gravura do sc. XIX

    Til milenar no Montado do Sabugal na Faj da Nogueira

    A data de incio do povoamento: 1420-1425-1433

    No h consenso quanto data em que o solo da ilha comeou a ser desbravado pelos primeiros colo-nos europeus. Alguns cronistas e a tradio so un-nimes em afirmar o ano de 1420. O infante D. Henrique declarava em 1460: come-ei a povoar a minha ilha da Madeira haver ora XXXV anos..., isto , a partir de 1425 ele iniciara o povoa-mento da ilha. Mas, na doao rgia de 1433, o mo-narca afirmara que agora novamente o dito infante por nossa autoridade povoa. Querer isto dizer que o infante s nesta data ele assumiu o comando do processo ? No. Pelo menos esta no a opinio do Infante, que nas cartas de doao das capitanias apresenta Joo Gon-alves Zarco, Tristo Vaz e Bartolomeu Perestrelo, como os primeiros povoadores por seu mandado. S podemos falar de povoamento a partir de 1425 ou 1433, contrariando a opinio dos cronistas ? A resposta parece ser tambm negativa, luz do que nos dizem os documentos:

    - sentena do Duque D. Diogo de 6 de Feve-reiro de 1483 refere que podia haver cinquenta e sete anos, pouco mais ou menos, que a essa ilha fora Joo Gonalves Zargo, capito que fora nessa ilha, le-vando consigo sua mulher e filhos e outra gente...,

    - sentena de Diogo Pinheiro, vigrio de To-mar em 1499, afirma-se: poder bem haver oitenta anos que a dita ilha era achada pouco mais ou menos e se comeara a povoar.

    A ltima verso corroborada em 27 de Julho de 1519 por acrdo da Cmara do Funchal em que se d conta do incio do povoamento h cem anos atrs. Os documentos abonam diversas verses. O primeiro coincide com a data apontada pelo infante, o segundo corrobora os cronistas. Face a esta divergncia de datas, a nica concluso possvel que o povoamento efectivo ter comeado a partir de finais do primeiro quartel do sculo XV.

  • 22

    ZARCO, Joo Gonalves (1395?-1467/1472?)

    Escudeiro da casa do infante, armado cavaleiro em Tnger, evidenciou-se como o principal obrei-ro do reconhecimento e ocupao do arquiplago. Antes foi corsrio nas guas ribeirinhas da costa algarvia e o primeiro a utilizar a bordo uma pea de artilharia, o trabuco. Ter nascido em 1395 em Tomar, filho de Gonalo Esteves Zarco e de D. Brites. Esta era filha de Joo Afonso, vedor da fazenda rgia que teve o encargo de orientar o povoamento da Ma-deira. Casou com Constana Rodrigues, de quem teve os seguintes filhos: Joo Gonalves da C-mara, Rui Gonalves da Cmara, Garcia Rodri-gues da Cmara, Helena Gonalves da Cmara, Isabel Gonalves da Cmara e Catarina Gonal-ves Da Cmara. Ao receber, a 1 de Novembro de 1450, das mos do Infante a posse da capitania, e dez anos depois a carta de armas (4 de Julho de 1460), via coroadas as suas faanhas no mar, nas praas de frica e na ocupao da ilha. Morreu com idade avanada, talvez em 1467 ou em 1472, segundo outros, deixando aos descendentes um vasto pa-trimnio. Os restos mortais repousam hoje no Convento de Santa Clara, sendo para a traslada-dos da primitiva capela de Nossa Senhora da Conceio de Cima, pelo filho varo. Zarco, ao contrrio do que afirma a tradio no alcunha resultante do facto de ser torto de um olho ou de ter morto no Norte de frica um mouro com esse nome, mas sim apelido. A partir de 1460, com a carta de armas, deixou de usar o apelido Zarco passando a chamar-se Joo Gonalves da Cmara de Lobos, perdendo com o tempo a parte final do ttulo.

    VAZ, Tristo(1390-1470)

    Primeiro escudeiro, depois cavaleiro da casa do Infante. Foram as faanhas africanas que lhe valeram o ltimo ttulo e a notoriedade que o levou a ser conh e-cido simple smente pelo nome de Tristo ou Tristo da Ilha. Por sua iniciativa armou uma caravela para o reconhecimento e povoamento da Madeira, tendo depois recebido em re-compensa a posse da capitania de metade da ilha, conhecida como de Machico, por carta de 4 de Maio de 1440. Casou no reino com D. Branca Tei-xeira, de que teve quatro filhos e oito fi-lhas. O varo, Tristo Teixeira, ficou c o-nhecido pela sua arte de galantear as d a-mas, o que lhe valeu o epteto de Tristo das Damas. Pai e filho atriburam pouca impor-tncia administrao da capitania, em-penhando-se mais nas faanhas blicas e nas diverses de carcter militar. Um e outro ficaram conhecidos pela prepotncia do seu governo, sendo cl e-bre o caso do castigo infligido a Tristo Barradas que o levou perda para seu filho da capitania e ao degredo, sendo perdoado por carta de 17 de Fevereiro de 1452. Depois disto abandonou a capita-nia e passou a viver no Algarve, onde vi-ria a morrer em Silves, com mais de oi-tenta anos. Segundo Henrique Henriques de No-ronha (1722) viveu 80 anos, governou 50, e faleceu em Silves no ano de 1470.

    Selo alusivo a Bartolomeu Perestrelo da Coleco Navegadores Portugue-ses.

    PERESTRELO, Bartolomeu (1400/1458)

    Fidalgo de ascendncia italiana, cavaleiro da casa do Infante D. Joo e depois do Infante D. Henrique. A ligao ao arquiplago inicia-se apenas com a segunda viagem em que foi encarregado do comando do povoamento da ilha de Porto Santo, de que recebeu a capitania a 1 de Novembro de 1446. Bartolomeu Perestrelo casou por trs vezes: a primeira com D. Marga-rida Martins, a segunda com D. Bri-tes Furtado de Mendona e a terceira com D. Isabel de Moniz Esta famlia est ligada ao desco-brimento do continente americano, atravs de Filipa de Moniz, filha do ltimo enlace do capito do Porto Santo, que casou em 1480 com Cris-tvo Colombo. Bartolom de Las Casas refere que viveram algum tem-po na ilha e que a ter nascido o seu filho Diogo.

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    POVOAMENTO DA MADEIRA: O REI OU O INFANTE ?

    Uma das questes mais debatidas nos primrdios da Histria da Ma-deira prende-se com o protagonismo do rei D. Joo I e do infante D. Henri-que no processo de (re)descobrimento e ocupao das ilhas do arquiplago. A leitura das crnicas leva-nos a concluir que tudo comeou sob a ori-entao da coroa. De todas, a mais esclarecedora a Relao de Francisco Alcoforado que diz ter o infante ordenado a Joo Gonalves Zarco que fosse logo a El Rei a Lisboa. E foi o rei quem mandou preparar as embar-caes para a viagem de reconhecimento da ilha como depois do povoamen-to. Em 1443 D. Duarte reclamava a sua interveno referindo as ilhas que agora novamente o dito infante per nossa autoridade povoa. O prprio infante D. Henrique testemunha o protagonismo de seu pai ao afirmar em 1460 que Por servio de El -Rei meu senhor e padre de virtuosa memria, (...) comecei a povoar a minha ilha de Madeira haver ora XXXV anos, E assim mesmo a de Porto Santo e da prosseguindo a deserta (...). O infante diz que s em 1425 tomou conta do processo, enquanto a documenta-o estabelece o ano de 1433 como o de incio desta interveno e direito como senhor da ilha. Esta ideia contraria outra veiculada pelo prprio Infante nas cartas de doao das capitanias de Madeira e Porto Santo. Em 1440 ao co nceder a pos-se da capitania de Machico a Tristo Vaz declara que este havia sido um dos primeiros que por seu mandado fora povoar as ditas ilhas. O mesmo surge quanto ao Porto Santo em 1446 e ao Funchal em 1450. Neste ltimo caso o infante considera Joo Gonalves Zarco como o primeiro que por seu man-dado povoara a ilha. D. Afonso V, em 1454, tem outra opinio ao afirmar que por servio de Deus e nosso conquistou e povoou as ilhas de Madeira e Porto Santo. Em 1461 reafirma que Joo Gonalves Zarco fora o primeiro povoador a enviado pelo infante. Esta ideia expressa, mais tarde, pelo cap i-to do Funchal, Simo Gonalves da Cmara: esta ilha era uma horta do se-nhor infante e ele ps e trouxe a semente e plantou estas canas e a deu a toda a ilha sua prpria custa (...). Isto contraria a ideia defendida por alguns de que a coordenao desta tarefa pertenceu ao rei, por intermdio do vedor da fazenda Joo Afonso. De concreto apenas se sabe que foi no uso dos plenos poderes conferi-dos pela doao de 1433 que o infante D. Henrique distribuu, a partir de 1440, as terras do arquiplago queles que haviam procedido ao reconheci-mento delas e que seriam os seus capites.

    Infante D. Henrique. Esttua de Leopoldo de Almeida, inaugurada a 28 de Maio de 1947. Ro-

    tunda do Infante, Funchal

    D. Joo I (1357-1433)

    o fundador da Dinastia de Avis. Fi-lho bastardo de D. Pedro I e de Teresa Loureno. Foi aclamado rei pelo povo em 23 de Dezembro de 1383, face crise di-nstica gerada com a morte de D. Fer-nando. Enfrentou as pretenses castelhanas com uma violenta guerra em que saiu vencedor na batalha de Aljubarrota em 1385. Todavia para afrontar a permanente presso castelhana nas fronteiras foi for-ado a celebrar um tratado com a Ingla-terra em 1386. Daqui resultou o seu ca-samento com D. Filipa de Lencastre. A partir de 1412 associou o filho her-deiro ao governo da coroa. Em 1415 ini-ciou a poltica de conquista e descobri-mento fora do espao peninsular .

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    Capela de Santa Catarina mandada cons-truir por Constana Rodrigues, mulher

    de Joo Gonalves Zarco

    SESMARIA: sinnimo de terreno abandonado que se entrega a algum para cultivar. Na Idade Mdia entendia-se como o processo de repartio de terrenos in-cultos para os tornar produtivos. A primeira lei de Sesmarias foi pro-mulgada por D. Fernando em 1375, se-guindo-se novas leis em 1427 e 1436, respectivamente por D. Joo I e D. Duarte. (...) que as ditas terras lhe sejam somente dadas forras sem penso al-guma, queles de maior qualidade e a outros que possanas tiverem para as aproveitarem, e aos de menor que vi-vam de seu trabalho e de cortar e talhar madeiras e das criaes de gados e as terras sero repartidas pelos capites, e as aproveitaro em dez anos, e somente lhe ser dada a terra que razoadamente eles nos ditos anos possam aprovei-tar.[captulo de ordenao sobre a concesso de terras, inserto em Carta de confirmao de 7 de Maio de 1493, publ. in J. Martins da Silva Marques, Desc obrimentos Portugueses , supl. Ao vol. I, Lisboa, 1988, p.109] FORO : tem um duplo sentido: tributo pago por quem detm o domnio til da terra e poder de julgar ou a prpria ju-risdio que lhe acometida. Aqui deve ser entendido de acordo com o ltimo significado FORAL: ou carta de foral, uma carta dada pelo rei ou senhorio em que se estabelece a forma de administrao, os tributos a pagar e os privilgios de um concelho.

    A distribuio das terras

    A primeira misso acometia aos capites foi a de proceder dis-tribuio de terras no sentido de se proceder ao seu aproveitamento agrcola. E foi isso que aconteceu logo na segunda viagem. Uma das prerrogativas das suas funes era a possibilidade de reservar para si e familiares algumas das terras de sesmarias. Segundo Francisco Alcoforado, Joo Gonalves Zarco apropriou-se do alto de Santa Catarina, no Funchal e das terras altas de Cmara de Lobos. Na Calheta tomou duas lombadas para os seus filhos Joo Gonalves e Beatriz Gonalves. De acordo com o captulo de uma carta rgia, Joo Gonalves Zarco foi incumbido de proceder distribuio de terras, conforme o regulamento entregue. Estes captulos definem a condio social dos agraciados e estabelecem um prazo alargado para o seu aproveitamen-to. Assim as terras sero entregues de acordo com as seguintes condi-es:

    1. os vizinhos de mais elevada condio social e possuidores de proventos recebem-nas sem qualquer encargo,

    2. os pobres e humildes que vivem do seu trabalho apenas as conseguem mediante condies especiai s, s adquirindo as terras que possam arrotear com a obrigatoriedade de as tornar arveis num prazo de dez anos.

    Estas clusulas favoreceram a posio fundiria dos primeiros povoadores e contriburam para o aparecimento de grandes extenses que mais tarde foram vinculadas. A partir de 1433, com a doao do senhorio das ilhas ao infante D. Henrique, foi-lhe atribudo o poder de distribuir terras, mas sem prejuzo de forma do foro por ns dado s ditas ilhas em parte nem em todo nem em alheamento do dito foro, o que comprova mais uma vez que a primei-ra iniciativa e regulamento de distribuio de terras coube ao monar-ca. O Infante, fazendo uso destas prerrogativas, delegou tais poderes nos capites. Sabe-se por informaes indirectas que o foral henriqui-no confirmava as ordenaes rgias e estipulava que as terras deveri-am ser distribudas por um prazo de cinco anos, findo o qual caduca-va o direito de posse e a possibilidade de renovar a concesso. Con-frontadas estas condies com as estabelecidas pelo monarca, notam -se a l-teraes significativas no regime de concesso de terras. Desapareceu a diferenciao social dos agraciados e o perodo obrigatrio para as tornar arveis foi reduzido para cinco anos. A presso do movimento demogrfico aliada rarefaco de terras para distribuir, condiciona-ram a mudana. O sistema de propriedade resultado da forma de distribuio de terras e, depois, das possibilidades de acesso por nova doao, venda, troca ou casamento.

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    Todas as doaes de terras eram feitas de acordo com normas estabelecidas pela coroa e seguiam o modelo definido para o repovoamento da Pennsula. Aqui, para alm da condio social do contemplado, das indicaes, por vezes imprecisas, da rea de cultivo e para erguer benfeitorias, estabelecia-se tambm o prazo para as arrotear. Outra condio imprescindvel para quem quer que fosse adquir o estatuto de povoador com posse de terras, estava na obrigatoriedade de residncia at cinco anos, no estabelecer casa e, para os solteiros, o necessrio casamento. Isto revela que a distribuio de terras foi o principal meio de fomentar o povoamento das ilhas. O sistema de concesso de terras de sesmaria e a legitima-o da posse geraram vrios conflitos, que implicaram a inter-veno legislativa do senhorio ou o arbtrio do ouvidor. Em 1461, os madeirenses reclamaram contra a reduo do prazo para aproveitamento das terras de sesmaria, dizendo que estas eram "bravas e fragosas e de muitos arvoredos". Contudo, o In-fante D. Fernando no abdicou do foral henriquino e apenas concedeu a possibilidade de alargamento do prazo mediante anlise circunstanciada de cada caso pelo almoxarife. Passados cinco anos, os mesmos contestaram de novo o regime de con-cesso de terras de arvoredos e modo de as desbravar, pelos efeitos nefastos que causava safra aucareira. Perante tal re-clamao, o senhorio ordenou aos capites e almoxarifes que cumprissem os prazos estabelecidos e que fosse interdito o uso do fogo. No entanto, em 1483, o capito de Machico continua-va a distribuir de sesmaria os montes prximos do Funchal, com excessivo prejuzo para os lavradores do acar e, por isso, D. Manuel repreendeu-o, solicitando que tais concesses deveri-am ser feitas na presena do provedor. Finalmente, em 1485, o mesmo proibiu a distribuio de terras de sesmaria nos montes e arvoredos do norte da Ilha, para em princpios do sculo XVI, como se v em documentos de 1501 e 1508, acabar definitiva-mente com o regime de sesmaria; a nica ressalva eram as terras que pudessem ser aproveitadas para canas e vinha. As reclamaes dos moradores e as consequentes medidas do senhorio atestam os efeitos da presso do movimento demo-grfico sobre a poltica de distribuio de terras. As facilidades da dcada de 20 acabam na dcada de 60 com medidas limitati-vas, como forma de preservar o pascigo de usufruto comum e de apoiar os principais proprietrios de canaviais, cuja explora-o dependia da existncia dos referidos montes e arvoredos.

    (...) Eu Joo Gonalves Zargo (...) dou e confirmo deste dia para todo sempre a Gil Gonalves morador na ilha uma terra para ele haver de aproveitar.(...)com esta condio que ele no aproveitando a dita terra da feitura desta carta a trs anos que o senhorio a d a quem lhe aprouver(...) e lha dou a dita terra porquanto a tinha dado e aquele a quem eu a dei no a quis aproveitar nunca que pode haver sete ou oito anos. [Carta de 3 de Maio de 1447 de Conces-so terras a Gil Gonalves por trs anos publ. in J. Martins da Silva Marques, Descobrimentos Portu-gueses, supl. ao vol. I, Li sboa, 1988, p.454] (...) fao saber a vs Joo Gonalves Zarco meu cavaleiro e do meu conselho e capito por mim na minha ilha da Madeira na parte do Fun-chal e a outros quaisquer que depois vos forem por mim na dita minha ilha que perante mim pareceu Henrique Alemo cavaleiro de Santa Catarina e me mostrou uma carta por a qual vos mandava que vos lhe desses terra na ribeira da Madalena que lhe a ele e a sete ou oito lavrado-res bastassem para lavrar e fazer vinhas, hortas, casas, aucarais e um oratrio(...) a qual terra a mim o dito Henrique fez certo que tinha apro-veitada(...) lhe confirmo a dita terra e lugar a ele e a todos seus herdeiros e sucessores que des-bravem e lavrem e aproveitem o dito lugar e terra aquilo que aproveitado no for at cinco anos primeiros seguintes e da em diante tra-gam todo aproveitado em cada um ano em gui-sa que seja melhorado e no piorado(...) [carta de 29 de Abril de 1457 de concesso e terras feita por D. Henrique a Henrique Ale-mo, cavaleiro de Santa Catarina, publ. in J. Martins da Silva Marques, Descobrimentos Portu-gueses, supl. ao vol. I, Lisboa, 1988, pp.542-543]

    (...) nos praz por vos fazer merc que em toda essa ilha se no dem daqui em diante ne-nhumas sesmarias e isto enquanto for nossa merc(...) [Carta rgia de 9 de Outubro de 1501, publ in Arquivo Histrico da Madeira, vol. XVIII, 1973, p.423] (...)determinamos que daqui em diante se no rompa em toda essa ilha terra para se em ela se haver de lavrar e semear po nem para outra al-guma coisa somente para se fazerem canaviais para acar(...) porque ns temos defeso e mandado que se no dem sesmarias(...) [regi-mento rgio de 18 de Agosto de 1508, publ in Arquivo Histrico da Madeira, vol. XIX, 1974, p.508]

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    (...) me foi feita relao como a ter-ra mui minguada de carnes e que havia muitas pessoas que folgariam de fazer criaes(...) vos mando(...) que na forma acostumada deis na dita serra currais a quem os pedir assim dando a cada uma pessoa s(...) [Carta do duque de 22 de Junho de 1492, in Arquivo Histrico da Madeira, vol. XVI, 1973, p.272] (...)as sesmarias perduraram at que, no sculo XVI, foram sendo substitu-das pela nefasta instituio dos morga-dos, ou a vinculao da terra, surgindo ento, subordinado ao morgadio, o c-lebre contrato de colonia peculiar a esta ilha da Madeira, o qual uma viciao do contrato de sesmaria, mixta dos de parceria agrcola e de enfiteuse. [lva-ro Rodrigues de Azevedo, notas, in Saudades da Terra, Funchal, 1873, p.472] Vnculos e Capelas na Madeira em Mea-

    dos do Sc. XIX

    Concelho Capela Vnculo

    Funchal 733 62

    C. Lobos ____ 51

    Machico ____ 150

    Sta Cruz 85 ____

    Calheta 135 66

    P. Moniz 27 ____

    S. Vicente ____ 90

    Santana 101 107

    R. Brava ____ 87

    P. Sol 47 ____

    [Arquivo Histrico da Madeira, vol. IV, pp.69-71]

    D. Manuel contrariou, em 1492, o regimento de doao de terras ao permitir que o capito do Funchal distribusse terras na serra para cur-rais e cultura de cereais e nas bermas das ribeiras para a plantao de rvores de fruto. A partir do ltimo quartel do sculo XV, a evoluo do movimen-to demogrfico acompanhada da valorizao das zonas arveis com as culturas de exportao, conduziram a profundas alteraes na forma de distribuio e posse das terras. Os mercados interno e externo condicionaram um maior aproveitamento do solo arrotevel, tornan-do-se necessrio o reajustamento da estrutura fundiria. O apareci-mento de capitais estrangeiros e nacionais conduziu intensificao do arroteamento das terras e provocou alteraes na posse por meio de transaces por compra, aforamento e arrendamento. O primeiro grupo de colonos eminentemente nacional; num se-gundo momento surgem os estrangeiros. Joo Esmeraldo um exem-plo, entre muitos, de estrangeiros que, entre finais do sculo XV e meados do sculo XVI, fixaram morada nas principais reas de ca-naviais da vertente meridional. Todos eles, atrados pelo comrcio do acar, acabaram investin-do os seus proventos em canaviais, engenhos e levadas. Estes estran-geiros, bem relacionados com a finana europeia e com os principais centros do comrcio europeu, cativaram a ateno da aristocracia e burguesia insulares com quem se relacionaram por meio de laos de parentesco. O casamento com o dote foi muitas vezes a forma de alargarem os seus domnios e de firmarem uma posio na sociedade insular. Para alm do caso citado de Joo Esmeraldo que em 1473 aforou a Lombada da Ponta de Sol de Rui Gonalves da Cmara por seiscen-tos mil ris e uma renda anual de cinquenta mil, temos outros casos como o de Joo Rodrigues Castelhano que segundo Gaspar Frutuoso casou no Funchal duas filhas muito ricas e so delas agora as melho-res fazendas da ilha. Esta estratgia foi tambm seguida pelos madeirenses, como su-cedeu com o clebre rapto de Isabel de Abreu, viva de Joo Rodri-gues de Noronha com quem Antnio Gonalves da Cmara quis ca-sar-se fora para se apossar das fazendas da Lombada do Arco.

    Vnculos e Capelas

    Sendo a ilha um espao limitado rapidamente a terra se transfor-mou num bem escasso e que por isso mesmos os principais detento-res dela usaram diversas estratgias para travar a presso constante do movimento demogrfico e de assegurar a preservao do patrimnio fundirio. Para isso socorreram-se da estratgia de vinculao da te rra atravs de capelas e morgadios, ou ento alienaram a sua propriedade til a colonos, dando lugar a um sistema peculiar que ficou conhecido como contrato de colonia.

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    A fundao de uma capela, dentro de um templo j existente ou construda de raiz, fazia-se normalmente por disposio testa-mentria. beira da morte estabelecia-se um conjunto de obriga-es de missas, assegurando-se um tero do patrimnio para a sua manuteno. Na partilha do patrimnio imvel estabeleciam-se por norma trs partes iguais, que eram divididas entre os filhos, a mulher e capela. O cumprimento das disposies testamentrias era feito por um testamenteiro ou administrador, nornalmente o filho primognito. Desde 1486 tivemos o juiz dos resduos e pro-vedor das capelas que tinha o encargo de fazer cumprir os legados estabelecidos. A garantia da indivisibilidade da terra era ainda assegurada pela criao de morgadios. Em 1527 Joo Esmeraldo criou para as suas terras os morgados do Vale da Bica e do Esprito Santo que passa-ram a ser administrados pelos dois filhos. Este sistema de vincula-o dominou o patrimnio fundirio madeirense, ficando a ilha conhecida como a regio do pas com maior nmero de morga-dios. Em 1847 o governador Jos Silvestre Ribeiro refere que dois teros da terra da ilha estavam de morgadio e que ele foi respons-vel pelo estado de abandono da agricultura e de misria da maioria da populao. J em 19 de Maio de 1863, data da sua extino, temos 659 vnculos, isto depois de uma outra lei de 9 de Setembro de 1769 ter extinguido os pequenos morgadios e de outros terem desaparecido por sentena, em falta de rendimento para a sua manuteno. O contrato de colonia O contrato de colonia demarca-se na histria da ilha como um dos aspectos mais peculiares e difceis de enquadramento scio-jurdico. No um contrato de a rrendamento, parceria agrcola, ou uma forma de colonato voluntrio ou contrato enfitutico, mas sim um sistema distinto que surge na Madeira na forma mais ori-ginal entre os sculos XVII e XVIII. A diferena das demais situaes o facto de exi stirem duas formas de propriedade til (da terra e das benfeitorias) e do vncu-lo ser sem prazo definido. A situao guiava-se exclusivamente pelo direito consuetudinrio e definia um vnculo perptuo entre ambas as partes, o que fez com que chegasse at aos nossos dias. O proprietrio do terreno recebia uma parte dos produtos da co-lheita, enquanto o colono, dono das benfeitorias nele realizadas, tinha o encargo de as cultivar, recebendo por tudo isto a outra par-te dos produtos da terra. As opinies dividem-se quanto sua origem. Para uns resul-tado da evoluo do regime de sesmarias. Outros apontam-no como fruto de circunstncias econmicas e sociais da histria Ma-deirense. A crise aucareira da primeira metade do sculo XVI foi responsvel pelo absentismo dos proprietrios, mas o progresso da

    E quero que por morte da dita minha neta, Antnia do Amor Divino, fique a dita tera para todas as minhas netas freiras so-correrem suas necessidades; e por morte da ltima ficar a dita tera ao meu descenden-te da minha linha e sexo e nesta forma de sucesso andar at o fim do mundo sem se poder dividir, nem alhear, seguindo-se em tudo a lei do reino na matria dos morga-dos. [Testamento de D. Francisco Soares de Cisneiros de 1 de Junho de 1527, publ., in Jos Manuel de Azevedo e Silva, A Madei-ra e a Construo do Mundo Atlntico(sculos XV a XVII), vol. I, Funchal, 1995, pp.1984-195] Todo o terreno desta ilha, com pou-qussimos, ou talvez nenhumas excepes, tm trs donos; o primeiro, o directo se-nhorio, quando h emprazamento, o que ra-ras vezes acontece; no segundo, o senhorio til, enquanto no cai em omi sso, o que tambm sucede, com a mesma raridade; o terceiro o colono que cultiva de meias, que quanto ao meu entender tira o mais lucro, porque come e cria todo o ano de que no paga meao, porque s a deve dos gneros da colheita, bem assim como o dzimo, (...). O Colono alm das utilidades ditas, tem o direito de reteno e conservao pelas ben-feitorias, que no outra coisa mais que pare-des, que sustentam as terras, ou tabuleiros de vinha, para no serem levados pelas guas das grandes chuvas, (...)[doc. de 1813, Arquivo Histrico Ultramarino, Ma-deira e Porto Santo, n.3281] Geralmente as terras cultivadas nesta ilha tem dois proprietrios, um do solo, a que chamam senhorio, e outro das benfeito-rias, a que chamam caseiro, ou lavrador, o qual fazendo toda a despesa do custeamen-to, da parte com o senhorio a metade de seus frutos, sendo bem feliz quando a meta-de, que lhe fica paga a sua despesa e traba-lho, do qual tudo depende, (...) [Doc. 1826, ANTT, Provedoria e Junta da Real Fazenda do Funchal, n.764, pp..95] ser obrigado o dito caseiro a morar e assistir na dita fazenda com sua mulher como tambm ser obrigado a conservar todo o ano uma horta e a mandar dela todos os sbados tarde couves e mais hortalias casa do senhorio e assim mais ser obrigado a receber um porco que o senhorio lhe en-tregar para lhe criar de meias todos os anos(...) e alm de tudo isto far como bom caseiro dando todas as vezes que ele senho-rio quiser ir para o campo um homem ou os que puder para as redes como os mais casei-ros costumam fazer. [Escritura de 11 de Dezembro de 1735, publ. por Jorge Valde-mar Guerra, A colonia na Madeira , in Isle-nha, 9, 1991, pp..99-100]

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    Senhorio de visita ao caseiro, Sc. XIX.

    [Museu de Photographia Vicentes ]

    (...) que ele senhorio dava umas terras, no serrado grande, no Caramamcho, fre-guesia de Machico, de partido de trs para ele e sua mulher, seus herdeiros e sucesso-res, com a obrigao dele Joo de Sousa amanhar metade do serrado de vinha e r-vores de fruto, em tempo de 4 anos, e tudo criar e beneficiar sua custa e despesa, sen-do tudo criado, e da em diante lhe fazer cada um ano as benfeitorias necessrias sempre sua custa e despesa, por tal ordem e maneira, que se no perca nenhuma coisa das novidades dela se houver de colher, por falta de benefcio. Que de tudo que nosso Senhor Deus lhe der ser ele Joo de Sousa obrigado a lhe pagar o tero, e no colher coisa alguma sem primeiro lhe fazer saber trs dias antes para mandar recolher seu tero a tempo que se no perca. Que ele Joo de Sousa no poder em nenhum tempo do mundo tirar de si aquela terra, trespassa-la a outra nenhuma pessoa, nem convento, nem mosteiro eclesistico de nenhum partido que seja, sem primeiro ele senhorio ou seus sucessores serem re-queridos, e pelo tal partido quererem, sob pena de perder a dita terra e vinhos com tudo que nela tiver feito para eles senho-rios. Que sendo preciso gua para criar a vi-nha, o senhorio dar um tero e o colono dois teros. Que criando porco, o senhorio lho dar de meias, e quando no, no poder cri-ar(...) [Contrato de parceria e 24 de Agosto de 1612 entre Antnio Teixeira Vasconcelos e o colono Joo de Sousa e sua mulher, publ. In D. Joo da Cmara Leme, Apontamento para o Estudo da Crise Agrcola do Distrito do Funchal, Funchal, 1879, pp.21-22]

    nova cultura, a vinha, em face dos muitos investimentos s seria possvel com o reforo e garantia da posio dos arrendatrios ou meeiros. A primeira situao que se aproxima desta realidade surge j em 1477 com o contrato de arrendamento de terras na Ponta do Sol, celebrado entre Joo Gonalves da Cmara, segundo capito do donatrio do Funchal, e lvaro Lopes. Ao ltimo competia o necessrio investimento tirar a levada da Ribeira da Madalena, plantar o canavial e vinhas, construir o engenho e ao primeiro o usufruto anual de trinta arrobas de acar branco da primeira cozedura. A generalizao do sistema na segunda metade do sculo XVI teve necessariamente uma dupla origem social e econmica. O mo-vimento demogrfico em consonncia com a escassez da rea agr-cola e as dificuldades de recrutamento de escravos colocaram dis-posio dos proprietrios esta forma barata de mo-de-obra. O baixo rendimento da explorao agrcola em momento de crise do comrcio do acar associado necessidade de investimento na nova cultura da vinha abriu o caminho para a mudana da forma de posse do domnio til. Em 1649 Maria Gis de Vasconcelos do Porto da Cruz entregou a terra a um colono para que lanasse as necessrias benfeitorias pois ela era pobre e no tinha possibilida-des para isso. Desta forma o sistema foi o principal factor de pro-gresso e de afirmao da cultura da vinha na ilha. A partir da segunda metade do sculo XVIII o contracto foi considerado o principal motivo de retrocesso econmico e social, responsvel pela forte sangria populacional e abandono da terra. O movimento em favor da explorao directa da terra como soluo para a crise agrcola do arquiplago s teve efeito com a sua aboli-o no Porto Santo em 13 de Outubro de 1770. J em 1722 se ha-via avanado com uma maior valorizao da posio do colono do Porto Santo com a concesso do usufruto de dois teros da produ-o como forma de fixao de gentes. Em 1776 a mesma reivindi-cao dos colonos madeirenses no teve efeito e o sistema foi-se arrastando num lento processo de agonia. A iniciativa do governo miguelista de acabar com ele em 1828 foi uma opo efmera. As solues no foram consensuais e o regime manteve-se por mais alguns anos no lento processo de agonia. Em 1916 surgiu a iniciativa parlamentar da autoria de um grupo de deputados chefi a-dos pelo Visconde da Ribeira Brava que no alcanou qualquer re-sultado nem satisfez as exigncias dos colonos. Em 1927 gerou-se um motim na Lombada da Ponta do Sol. O governo por decreto de 26 de Dezembro expropriou as terras e vendeu-as aos colonos por escritura feita em 26 de Janeiro de 1928. O mesmo sucedeu nas Lombadas no norte da ilha, em Ponta De lgada. O contrato de colonia continuou, s acabando em 1977 por fora do decreto legislativo regional n.13/77/M de 18 de Outu-bro. O fim do contrato de colonia ficar a assinalar um dos mais evidentes resultados da conquista da Autonomia.

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    Para saber mais ...

    Capela dos Milagres em Machico, construda no local onde os portugueses encontraram,

    segundo a lenda, no sculo XV, a cruz da sepultura de Robert Machim

    Machim e a Madeira

    A LENDA SEGUNDO FRANCISCO ALCOFORADO

    Qual foi o azo com que se descobriu a ilha da Madeira escrito por mim Fran-cisco Alcoforado escudeiro do senhor dom Henrique que fui a tudo presente e foi desta guisa: No tempo deste Rei Duarte de Inglaterra, houve um nobre ingls afamado de bom cavaleiro a que chamaram de alcunha o Machim, o qual se enamorou de uma dama de alta guisa a que chamavam Ana de Arfet. Houve entre ambos muita amadia e foi descoberto seu amorejo. Os parentes dela com aprazimento del-rei casaram-na com um homem de alto estado em Bristol. Machim foi disto muito lastimado e ela muito descontente e ambos acordaram secretamente fugirem para Frana com quem Inglaterra tem grandes guerras. Machim falou com alguns agravados e paren-tes a quem descobriu todo seu talante e deram-se suas fs de se irem com ele para Frana. Foram-se secretamente a pouco e pouco ter a Bristol onde estavam certas naus de mercadores carregadas para Espanha. Acordaram meterem-se em uma delas e por fora fazerem-na vela e passar-se a Frana. Fizeram secretamente saber seu acordo a Ana de Arfet e ordenado o dia que as naus estivessem despejadas da gente principal, meterem-se com ela dentro e fazerem-na vela e ir sua rota. Um dia de festa, sendo o mestre e mercadores em terra, estando ela avisada, cavalgou num palafrm, e levando consigo um crucifixo e jias de preo, apartou-se da companhia e deu da vara ao palafrem e foi-se ao lugar ordenado onde a estavam esperando com um batel. Lanou-se dentro no batel onde estavam prestes com Ma-chim seus criados e amigos foram-se a uma das naus e fizeram-na logo vela e cor-tadas das ncoras recolheram o batel. Acertou de ventar uma tormenta rija logo se afastou da terra. Como anoiteceu houveram conselho que poderiam sair outras trs naus eles que haviam de entender que parariam a Frana afastaram-se desse caminho esperando ir tomar derradeiras partes de Frana em Gasconha ou Espanha. E como o piloto e mestre ficaram em terra e os que iam na nau no sabiam do mar, achando o vento prspero correram por onde o vento os levava com todas as velas para no serem alcanados. E pou-cos dias acharam-se numa ponta de uma terra brava toda coberta de arvoredo at o mar, que ficaram espant ados e confusos. Viram uma enseada grande, meteram-se nela e deitaram ancora e botaram o batel fora. Foram ver que terra era, mas no pu-

    INTERPRETAO DA LENDA

    A relao de Francisco Alcoforado refere que o primeiro descobrimento da ilha aconteceu antes de 1344 como resultado da fuga de Robert Machim e Ana dArfet. Valentim Fernandes diz-nos que o nome dado baa onde aportaram foi Machim, sendo o Machico a corruptela. Estava assim encontrada a relao entre Machim e Ma-chico. O facto deste relato ter chegado ao conhe-cimento dos eruditos sob a forma de opsculo annimo, editado em 1671 em Paris, e atravs do texto novelesco de D. Francisco Manuel de Me-lo, a Epanfora Amorosa, no colheu muitas opini-es favorveis. Por outro lado a partir da defesa por Henry Major em 1868 surgiram inmeros protestos da Historiografia nacional. O primeiro foi lvaro Rodrigues de Azevedo em 1873 nas anotaes s Saudades da Terra. O aparecimento de vrias verses manus-critas anteriores aos textos impressos (o manus-crito da Biblioteca Nacional de Madrid revelado em 1878 por Cesareo Fernandes Duro, depois o da Biblioteca do Pao Ducal de Vila Viosa, apresentado ao pblico em 1960 por Jean Fon-tvieille), deram os argumentos a favor da veraci-dade do relato. A Genealogia contribuiu tambm para a afirmao da sua veracidade. Em 1861 o Rev. Samuel Lysons apresentava as provas documen-tais da existncia real da famlia dos protagonis-

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    nela e deitaram ancora e botaram o batel fora. Foram ver que terra era, mas no pu-deram sair em terra com a quebrana do mar. Foram a uma rocha que entra no mar da banda do nascente, a saram bem. Foram-se praia entre o arvoredo e o mar at darem em uma ribeira de for-mosa gua que por entre o arvoredo saa ao mar. No acharam animal nem bicho nenhum mas com muitas aves. Viram o arvoredo to grosso e espesso que os ps em espanto. Entre outras rvores acharam a par do mar uma rvore muito grande e grossa que da antiguidade tinha um oco no p onde entraram como em uma casa. Tornaram nau com esta nova e Machim e companheiros entenderam que era terra nova e manifestaram vontade de a pedirem aos reis de Espanha. Ana de Arfet como ia mareada, rogou a Machim que a levasse a terra a ver aquela ribeira e desma-rear-se alguns dias. F-lo ele assim mandando levar roupa e mantimento em terra para estar ali alguns dias e levou consigo alguns da companhia, enquanto os outros iam e vinham nau. A terceira noite depois que chegaram ali, levantou-se um vento to forte sobre terra que a nau desamarrou-se. Os que estavam dentro deram vela por onde o vento os levava e em poucos dias foram dar costa da Berberia. E logo cativos de mouros e levados a Marrocos. Quando amanheceu e os que ficaram em terra no viram a nau, ficaram muito tristes e desesperados de nunca de ali poderem sair. A dama de se ver ficar assim pasmou e nunca mais falou. Da a trs dias mor-reu e enterrou-a Machim ali onde estavam agasalhados. Ps-lhe uma cruz de pau cabeceira e uma mesa com o seu crucifixo e aos ps do crucifixo um escrito em La-tim que contava tudo o que lhe tinha acontecido, pedindo que se em algum tempo ali viessem cristos fizessem naquele lugar uma igreja da invocao de Cristo. Acabado isto, pediu aos companheiros que com a roupa que tinham em terra fizessem uma vela para o batel e com o mantimento que tinham e aves que tomas-sem fossem onde a ventura os levasse. Ele ali havia de morrer com Ana de Arfet. Os companheiros disseram-lhe que o no haviam de deixar e que ali morreriam e fi-cariam com ele. Machim no durou mais que cinco dias. Os companheiros enterra-ram-no junto dela e puseram-lhe outra cruz cabeceira. E deixando a mesa e cruci-fixo como Machim determinara, meteram-se no batel e tambm foram ter costa de Berberia. E cativos de mouros e levados a Marrocos aonde j estavam os outros. Neste tempo havia em Marrocos muitos cativos entre os quais havia um caste-lhano bom piloto e bem entendido na arte do mar a que chamavam Joo de Amo-res, o qual perguntou aos ingleses que ventura os trouxera ali. Eles lhe contaram miudamente tudo o que atrs fica dito e o piloto lhe perguntou de que porto de In-glaterra partiram e com que tempo e que caminho levaram e em quantos dias foram ter naquela terra nova e quando a nau se desamarrou que caminho trouxera e em quantos dias foram dar costa. E segundo nos disse depois, tomou tudo na mem-ria e pouco mais ou menos onde esta terra podia estar. Neste tempo faleceu em Castela, o mestre Santiago primeiro muito principal e mandou que por sua alma ti-rasse muitos cativos e tiraram entre outros o piloto Joo de Amores. Ento havia guerra entre Portugal e Castela e andava por capito duma armada Joo Gonalves Zarco guardando a costa do Algarve porque faziam nela muito dano os biscainhos. E andando assim topou o navio a costa de Andaluzia que vinha de frica com os cativos e tomou-o. O piloto Joo de Amores como se viu em po-der de Cristos foi-se logo ao capito e contou-lhe tudo o que tinha sabido dos in-gleses e da terra nova que acharam que poderia pertencer a el-rei de Portugal. O capito folgou muito com o que lhe disse o piloto e lanou mo dele e deixou passar o navio dos cativos e trouxe-o logo ao Infante dom Henrique que estava ento em Sagres. Determinado a descobrir a costa de frica para baixo, o Infante folgou muito com o que lhe disse Joo Gonalves e mandou-o que fosse logo a el-rei a Lisboa com o piloto e proveu a armada de outro capi