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UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA CAMPUS XXXXXXXX CENTRO Xxxxxxxxxxxx CURSO DE XXXXXXXXXXXXXXX NOME DO ALUNO TÍTULO DO TRABALHO: SUBTÍTULO (Se houver)

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBACAMPUS XXXXXXXXCENTRO Xxxxxxxxxxxx

CURSO DE XXXXXXXXXXXXXXX

NOME DO ALUNO

TÍTULO DO TRABALHO: SUBTÍTULO (Se houver)

CIDADEANO

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NOME DO ALUNO

TÍTULO DO TRABALHO: SUBTÍTULO (Se houver)

Trabalho de Conclusão de Curso ou Dissertação ou Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Xxxxxxxxxxxxx da Universidade Estadual da Paraíba, como requisito parcial à obtenção do título de xxxxxxxxxxx em Xxxxxxxxxxxx.Área de concentração: Xxxxxxxx.

Orientador: Prof. Dr. Xxxxxxxx Xxxxxxxx.Coorientador (se houver): Prof. Dr. Xx Xx.

CIDADEANO

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NOME DO ALUNO

Ficha catalográfica

A ficha catalográfica deve ser solicitada através do site da Biblioteca.

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NOME DO ALUNO

TÍTULO DO TRABALHO: SUBTITULO (se houver)

Tese ou Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Xxxxxxxxxxxxx da Universidade Estadual da Paraíba, como requisito parcial à obtenção do título de xxxxxxxxxxx em Xxxxxxxxxxxx.

Área de concentração: Xxxxxxxx.

Aprovada em: ___/___/______.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________Prof. Dr. Xxxxxxxxx Xxxxxxx (Orientador)Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)

_________________________________________Prof. Me. Xxxxxxxxx Xxxxxxx

Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)

_________________________________________Prof. Dr. Xxxxxxxxx Xxxxxxx

Instituto Federal da Paraíba (IFPB)

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Ao meu pai, pela dedicação, companheirismo e

amizade, DEDICO.

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AGRADECIMENTOS

À Xxxxxxx Xxxxxxxxxx, coordenadora do curso de Especialização, por seu

empenho.

À professora xxxxxx pelas leituras sugeridas ao longo dessa orientação e pela

dedicação.

Ao meu pai Xxxxxx, a minha avó X, as minhas tias Xxxxx Xxxxxxx e Xxxxxx

Xxxxxxx, pela compreensão por minha ausência nas reuniões familiares.

A minha mãe (in memoriam), embora fisicamente ausente, sentia sua presença ao

meu lado, dando-me força.

Aos professores do Curso de Especialização da UEPB, em especial, Xxxxxxxx xx

Xxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxx Xxxxxxx e Xxxxxx Xxxxxxx, que contribuíram ao

longo de trinta meses, por meio das disciplinas e debates, para o desenvolvimento desta

pesquisa.

Aos funcionários da UEPB, Xxxxx Xxxxxxx e Xxxxxx Xxxxxxx, pela presteza e

atendimento quando nos foi necessário.

Aos colegas de classe pelos momentos de amizade e apoio.

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“Citação relacionada com o tema do trabalho,

com indicação de autoria.”

RESUMO

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O resumo deverá ser uma apresentação concisa dos pontos relevantes de um documento. Deve ressaltar o objetivo, o método, os resultados e as conclusões do documento. Deverá ser composto de uma seqüência de frases concisas, afirmativas e não de enumeração de tópicos. Recomenda-se o uso de parágrafo único. Deve-se usar o verbo na voz ativa e na terceira pessoa do singular. Deve ser de 150 a 500 palavras. Espaçamento simples.

Palavras-Chave: Palavra 1. Palavra 2. Palavra 3.

ABSTRACT

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Obedece as mesmas orientações do resumo na língua vernácula. Usa-se Abstract para o Inglês, Resumén para o Espanhol e Resumé para o Francês.

Keywords: Word 1. Word 2. Word 3.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 12

2 DAS VICISSITUDES ENTRE LITERATURA PÓS-AUTONÔMA E

TEORIA QUEER.......................................................................

15

2.1 Definição ............................................................................................................ 15

2.1.1 Plantas................................................................................................................. 16

2.1.2 Botânica ............................................................................................................. 20

2.1.2.1 Informação……………………..…..……………………….………….….…. 21

2.1.2.1.1 Propriedade intelectual…………………….……………………………...…. 21

3 METODOLOGIA ………………...…………………………………………. 22

4 CONCLUSÃO ................................................................................................. 22

REFERÊNCIAS ............................................................................................... 23

APÊNDICE A – PLANTAS MEDICINAIS.................................................... 30

ANEXO A – MAPA DAS PLANTAS.............................................................. 31

INTRODUÇÃO

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Precário, precariedade, precarização do mundo, do trabalho e da vida, falar

nisso é apontar para os critérios negativos e funestos pelos quais determinadas

formas de realização humanas seja objetiva ou subjetiva são em si lançadas.

Normalmente quando falamos, por exemplo, da precarização dos laços familiares é

um espectro conservador, um ideal normal e saudável, que apoiamo-nos

irrestritamente contra a multiplicação das maneiras de olhar, perceber e apreender o

mundo, o precário tal como estabelecemos em sua definição comum é anomalia e

esgotamento do corpo, aproximação da morte. Mas, qual origem ou etimologia do

termo? Poderia ela nos fazer apreender substancialmente o seu sentido? De origem

latina Precarius designa um pedido, uma oração, uma demanda, uma narrativa que

não encontrou definitivamente o seu destinatário, uma escritura incerta quanto os

seus objetivos últimos. Vê-se, portanto, que o uso moderno e antigo do signo

vincula-se a ideia de incerteza, perda de uma vida não completamente reconhecida.

Em Quadros de Guerra: quando a vida é passível de luto (2015), Butler

desenvolve o conceito de vida precária para pensarmos as formas extremas de

humilhação, exploração, reificação que determinados sujeitos são continuamente

submetidos, como os presos em Guantánamo. Para ela as formas de violência no

mundo contemporâneo estão vinculadas à perca daquilo que nós chamamos de

ontologia, isto é, a capacidade inerente que temos de reconhecer o Outro, a

alteridade. A vida nesse espaço não é mais vida, é pura e simplesmente negação,

não reconhecimento, um composto de abjetos, por assim dizer.

Entretanto o que mais impressiona, além da capacidade de resistência dos

prisioneiros, presos sem processo jurídico-normativo algum, é, antes de tudo, a

disposição poética que – contrariando o mais fervoroso defensor de Adorno, para

quem a poesia é impossível depois de Auschwitz1 - os aprisionados em Guantánamo

possuíam. Precariamente escreveram mesmo sabendo que talvez ninguém fossem

lê-los, sem condições materiais – já que eram escritos com pasta de dente e copos

de plástico. A potência estética pelas quais suas poesias tocavam eram, sobretudo,

na obsedante ironia em que a busca pela paz se dava (dá) através da destruição do

mundo ou dos corpos alheios, bem como a pergunta, extremamente reflexiva, por

que fazer poesia quando “o “meu” corpo se encontra humilhado, esvaziado de

qualquer sentido de humanidade?

1 Ou de Wittgenstein “do que não se pode falar, é melhor calar-se.”

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Grande parte da práxis poética dos presos de Guatânamo foi destruída e

censurada como se sua divulgação pudesse pôr em risco a soberania da política

“anti-terrorista” norte-americana. Não estamos aqui perto da postura platônica que

excomungava os poetas por esses alertarem a população dos elementos trágicos e

revoltantes que a República continha, mas que deveriam ser obscurecidos para que

a mesma pudesse consolidar seu poder? Tanto os Estados Unidos como Platão

parecem captar esse elemento traumático, real e revoltante que só o discurso

estético pode ser capaz de desencadear: a verdade. Ironicamente, este tipo de

escritura não é o exemplo perfeito e a concatenação do sonho orfeico de Derrida de

uma ciência gramatológica ou de Barthes, de escritores sem Literatura?

Gostaríamos de sugerir o conceito de Literatura precária como o gesto teórico capaz

de apreender nas textualidades contemporâneas esse traço complexo, ético,

estético e político que podem desencadear rupturas não apenas vanguardistas, mas

suscitar transformações sociais relevantes.

O campo de problemas que vamos começar a circunscrever parte do

diagnóstico de que uma perspectiva da produção literária contemporânea não se

autoriza a pensá-las dentro de critérios epistemológicos, diríamos, tradicionais,

entendendo-se por isso teorias derivadas do moderno ou pós-moderno literário. A

escritura não concebe mais nenhuma definição objetivante, postando-se sempre

selvagem a definições normativas. Parece-nos, hoje, que a teoria literária finalmente

começa a abandonar as predefinições positivistas que instituem seu ambiente

metodológico: a teoria capaz de representar, nomear o objeto, i.e., a construção de

uma metalinguagem literária organizadora da história, da sociologia, do gênero em

literatura. Se uma noção forte de Literatura na atualidade não é desejada o discurso

teórico deve se tornar um meio adequado em que a inconstância de seu objeto seja

refletida e incorporada conceitualmente: portanto a poesia, romance, drama, cinema,

conto, cordel já não podem ser demarcados. O que não implica, ao nosso olhar, em

defendermos o hibridismo literário como até então se faz.

Pois, se do ponto de vista epistemológico o metadiscurso não será aplicado

por nós na medida em que seus limites são sempre disciplinares, ainda deveremos

realizar a crítica do viés propriamente antropológico em que a teoria literária

sucumbe: a noção de cultura na qual a literatura seria subsidiaria permanece dentro

dos moldes do canibalismo como já foi bem descrito por Oswald de Andrade. Em

grande medida, nossos modelos críticos subjazem essa maneira de relacionar o Eu

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e Outro como um meio de incorporar o diferente produzindo uma nova forma,

conteúdo, uma ontologia. O canibalismo literário é essa produção de identidade

dentro da multiplicidade, incorporar do Outro (algumas partes) para que meu Eu se

transforme.

Entretanto, como bem mostrou Lacan (1999) a formação de qualquer

identidade se dá pela demarcação de fronteiras na qual a diferença é negada,

excluída, em termos psicanalíticos foracluída. O que chamamos de precário em

literatura são os escritos que trabalham no limiar, da face abjeta, não incorporável,

não ontologizavel, não reconhecido do Outro. A literatura precária reintroduz na

consideração textual e narrativa aquilo (elementos estéticos, espaciais, temporais,

políticos) que foi excluído pelo modernismo e pós-modernismo. Daí que orientarmos

por critérios canônicos a nível teórico quando se trata desses romances reproduz o

mesmo critério de exclusão em que os presos em Guantánamo eram concebidos,

como uma não-vida, que não deve ser reconhecida enquanto humano por não

possuírem a característica ontológicas que o definissem enquanto tal.

Deste modo, para maiores esclarecimentos sobre os referidos problemas

proponentes da teoria literária (a epistemologia disciplinar e antropologia canibal),

faz-se necessário apontarmos a maneira tal qual o abordamos numa iniciativa de

precaução metodológica. Inicialmente, devemos a Foucault as notas e algumas

lições teóricas por ele elencados em a Arqueologia do saber (2013).

Para ele, o discurso pode ser estudado a partir da lógica intrínseca que o

governa, no caso o que chamamos de Teoria Literária é um regime discursivo

determinado por enunciados bem específicos. Por mais plural que seja

institucionalmente a Teoria Literária há um racionalidade bem peculiar que possibilita

a emergência desse discurso. Diríamos, utilizando as palavras de Michel Foucault,

que o canibalismo oswaldiano é a economia da constelação discursiva (2013, p.79)

da teoria literária, é ele que define na atualidade qual procedimento interpretativo

que enquadra a literatura. Esse aspecto é o que condiciona as regras de seu

funcionamento que estão relacionadas com uma infinidade de objetos que podem no

mais tardar ser titulares de uma heterogeneidade radical. A transformação da teoria

literária em uma prática discursiva, portanto, deverá ser capaz de elucidar outras

relações que a mesma mantém com outros discursos, captar essa relação é

conseguir mapear nas diversidades dos saberes, as regras de sua formação, de

transformação, de sua mutabilidade e metamorfismo.

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O que chamamos por discurso teórico literário é o conjunto formado por

enunciações ou enunciados limitados que são regidos e determinados de maneira

anônima, mas não inconsciente, por práticas discursivas. Nos textos teóricos por nós

analisados não nos cabe dizer enfim se são verdadeiros ou falsos, mas demonstrar

como a antropofagia na teoria literária é fulcral para a organização das suas

múltiplas formas de pensar, refletir, incorporar antigos e novos objetos, foi e é a

antropofagia, isto é, uma teoria antropológica, coloraria política do eurocentrismo, da

epistemologia universalizante e da dialética que se impôs como horizonte de

trabalho interpretativo e representativo. Alertamos que não é o grau de

verossimilhança entre sujeito cognoscível e objeto cognoscente, mas o que, em

determinada época, é possível reconhecer e desconhecer determinados objetos.

Entretanto, fazer uma arqueologia da teoria literária, sustentando a hipótese

antropofágica como modo operante hermenêutico é apenas uma primeira

perspectiva que deve abrir uma nova possiblidade teórica, pois uma Arqueologia

deve estar sempre acompanhada de uma Desconstrução para que se obtenha

resultados, ao nosso ver, satisfatórios, de tal modo que será necessário também nos

apoiarmos na ciência gramatológica de Jacques Derrida (2009).

Diferente de uma compreensão simplista, o desconstrucionismo derridiano

não é mais uma forma epistemológica do julgamento ou tribunal da razão, mas

partindo da herança na qual estamos instaurados propor momentos de descolação a

partir da qual surja a diferença. Nesse outro movimento se dá o exame de escrituras

que não mais obedecem em sua configuração a maneira como a teoria ainda

compreende. Essas literaturas do presente não mais se apresentam seja na

estruturação narrativa, sua problematização estética, sua relação com a

comunidade, com o capitalismo da mesma forma sincrética como se convencionou

estabelecer.

E aqui está a tensão do debate francês e que vem se realizando em passos

lentos na América Latina entre escritura e Literatura. A literatura é a

institucionalização religiosa construtora de uma memória a ser canonizada, que

desde Genealogia da Moral (2011) de Nietzsche sabemos os perigos das

reminiscências na formação de ídolos a serem enaltecidos e louvados,

transformando-se em uma moral que dociliza o homem (agora escravo). A escritura

é desconstrução e acontecimento do novo.

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Uma teoria capaz de elaborar as novas escrituras que não funcionam no

sentido antropofágico é uma tarefa urgente. Josefina Ludmer (2012) ao tecer o tema

da imaginaçãopública em literatura via a capacidade de especular essa última como

fonte de produção de nosso presente, dos regimes afetivos, estéticos e políticos.

As Literaturas precárias não só implementam uma nova antropologia pós-

estruturalista (não no sentido de Geertz, mas de Eduardo Viveiros de Castro) como

também precarização da teoria pelos motivos elencados. A tese portanto pretende

defender as seguintes hipóteses: 1) a teoria literária e sua função limite

antropológica, 2) repensar outra teoria literária nos termos da literatura

contemporânea que é, em grande medida, anti-ontológica, anti-epistemológica e

anti-antropofágica. Portanto, os conceitos aqui criados são da mesma ordem, ou

democraticamente equivalentes, aos conceitos que as literaturas nos proporcionam,

outros saberes pelo qual faramos referencias serão o meio, o modo de tradução dos

mesmos.

Abrindo um pequeno parêntese, o leitor sabiamente poderia nos recriminar

por adotar mais um rótulo ou gênero dentre outros, que nossa instância seria de um

pensamento classificatório e, por conseguinte, obedeceria aquilo que Lévi-Strauss

(2011) chamou de lógica totêmica, que, salientemos, é o zênite do antropofagia.

Nosso intuito é escaparmos do descritivismo e pensarmos na lógica precária. De tal

modo, gostaríamos de retomar sucintamente esse debate entre descrição e anti-

descrição para situarmos de maneira mais objetiva o ponto epistemológico do qual

partirmos; segundo desejaríamos diferenciar nossa proposta da que pode ser

facilmente interpretada como hibridismo literário. Cabe-nos precisamente

questionarmos o conceito de conceito, isto é, qual posição nos situamos ao apontar

uma Literatura precária (catálogo ou lógica estrutural)?

Desde Kant (1999) que proporcionou o que chamamos de virada epistêmica

no campo das ciências humanas deslocou-se os problemas que antes eram

apreendidos como condições ontológicos para questionamentos epistemológicos, de

outra forma, deixa-se de perguntar o que é o Homem e passa-se ao que pode o

Homem conhecer, quais os limites e condições transcendentais de seu

conhecimento, essa passagem já muito comentada é a chamada revolução

copernicana da filosofia crítica que ocasionou a divisão entre objeto fenomênicos

(acessíveis as categorias a priori como tempo/espaço) e numenos (inacessíveis

como a própria ideia de Deus). Os objetos constituíam uma dimensão

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fenomenológica quando conseguiam ser apreendidos dentro dessas categorias, eles

deveriam logo apresentar a espacialidade (habitar o mundo físico) e a temporalidade

(metafísica da presença), entretanto, com Saussure (2001) o conhecimento do ponto

de vista fenomênico – como síntese entre sujeito e objeto – foi colocado em pauta

na medida em que as categorias transcendentais eram, primeiramente, subsumidas

pela linguagem, assim tempo e espaço são antes de tudo signos linguísticos,

segundo, a relação entre significante/significado é arbitrária quando relativa ao

referente, ou para nos adiantarmos um pouco, a significação é dado sempre por um

sistema de diferenças entre significantes. A essência do objeto, ou o centro de uma

estrutura, é por definição ausente, só podendo ser delimitado no jogo dos

significantes.

O descritivismo é a maneira ingênua de pensar o conceito, pois ainda trata de

pensar as palavras como a descrição das coisas incorrendo num erro

epistemológico crasso, vide pesquisas estatísticas no campo das ciências humanas

como o amálgama do pior do cientificismo, isto é, da transformação da racionalidade

científica em uma ideologia com pretensões ou critérios de verdade2.

Fica patente que nossa posição é fundamentalmente antagônica ao modelo

descritivo em que pressupõe-se uma verdade ainda não vista, oculta, inconsciente

que através da visão do observador clarearia o fundo obscuro, estamos e

gostaríamos de estar e praticar aquilo que Lévi-Strauss (2011) definiu uma ciência

por vir, uma ciência do observado (no genitivo), ou seja, deve-se partir não das

categorias, do nosso sistema de crença, como, por exemplo, Deus, religião, família,

literatura, etnocentricamente constituídas, mas perguntar aos próprios textos

literários sua própria definição do que é literatura, questionar a própria literatura

dentro do conjunto de problemas que elas se põe, de seus próprios conceitos,

implicando em reconhecê-las não mais como objeto, mas sujeito, assumindo, diante

mão, a precariedade que essa postura implica.

A nomeação de uma lógica literária precária deve ser apreendida naquilo que

Slavoj Zizek (2012) e Hal Foster (2014) definiram como paralaxe: no deslocamento

2 Por mais interessantes que possam parecer as pesquisas de Dalcastagnè, a teórica incorre nesse erro epistêmico fulcral, na medida em que a ciência, se entendermos por Naturwissenschaften, não opera medindo fenômenos passados, mas através de critérios probabilísticos, portanto, transformar determinado fenômeno, como por exemplo a representação da alteridade na literatura, em estatística não obtém efetividade científica alguma já que de uma lado, se trata de signos, de outro não conseguimos capturar a probabilidade de que o mesmo se repita futuramente, para maior aprofundamento nessa questão pode-se consultar George Canguilhem em o Normal e o Patológico (1998).

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em relação ao objeto é a própria relação, os pontos de vista que mudam, sobrando

nesse deslocamento, um antagonismo insuperável, o que Judith Butler (2011)

definiu de abjeto, o que Josefina Ludmer na Literatura apresentou como o resto

literário, o sujeito da escritura (2014), passar da Literatura para a Literatura precária

implica uma mudança de perspectiva incompatível e assumir um paradoxo básico no

nível epistemológico, ser sujeito é estar assujeitado ao Outro, só adquiro a minha

liberdade quando no processo de alienação incorporo o próprio conceito de

liberdade, o objeto é aquilo objeta, resiste ao sujeito, só conseguimos apreende-lo

na relação, no deslocamento, sempre paraláctico, previsivelmente precário portanto.

Depois dessa elipse epistêmica e metodológica, o desejo dessa dissertação

sustentar-se-á nos seguintes trajetos. Cada capítulo mesclará teoria e literatura,

trabalharemos nessa tensão, segundo, no que concerne aos textos literários, não

trabalharemos nos vértices históricos, sociológicos ou mesmo psicanalíticos, ou

seja, em vez abordar a escritura através da história, demarcando todo o contexto

sociopolítico em que tal obra foi concebida, faremos o inverso, a história, a política, a

ética, por exemplo, deverão falar através da literatura é ela que nos oferecerá as

pontes e redes de diálogos com outros saberes e não o contrário.

Dito isso, o primeiro capítulo, Gramatologias de um mundo por vir, detém-se

na problematização de uma arqueologia do conceito de Literatura, é necessário uma

crítica epistêmica rigorosa em torno da forma como a própria teoria literária vem

tentando circunscrever seu papel, sua definição e seus limites. Analisaremos os

respectivos livros O que pode a literatura (2011) e Literatura pra que? (2012)

respectivamente de Compagnon e Todorov. Partindo de definições completamente

opostas existe um nível, ou melhor, aquilo que Foucault designará de prática

discursiva, isto é, o regime pelo qual os enunciados, as ciências e os saberes são

performaticamente instituídos, organizados, compartimentalizados e hierarquizados.

Nossa pretensão é isolar esse elemento que define o que pode ser dito e

pensado a nível teórico em diversas camadas e regiões de críticas literárias

distintas. O que provou-se é que na multiplicação desses discursos a noção de

antropofagia literária está vinculada aos enunciados em torno da Autonomia

enquanto critério valorativo de literatura, portanto o argumento central para referir-se

a escritura bem como na produção de saber sobre ela. Todavia, ela se manifesta de

diferentes maneiras no trato das narrativas, podemos de imediato elencar algumas:

a primeira na concepção humanizadora que busca definir o lugar social que a

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literatura deve ocupar enquanto saber, ou seja, a função da literatura seria

conscientizar o homem, torná-lo mais humano, conhecedor da alteridade,

entendendo as diversidades culturais que subjazem o mundo. Todorov e

Compagnon são tributários dessa tradição. Simultaneamente produziram livros que

objetivavam demarcar a sua utilidade para os dias de hoje, contudo, essa procura de

um lugar só pode ser efetiva quando o mesmo não se encontra mais, pelo menos tal

como o cânone procura estabelecer.

Contra essa concepção insurge a especulação de Josefina Ludmer que

parece taticamente revitalizar argumentos pós-estruturalistas de Barthes e Derrida,

promovendo, em nosso entendimento, formas diversas de analisar o texto literário.

Para a teórica o que está em jogo são as potencialidades criativas que os textos

possibilitam para pensar o mundo, importando muito mais a produção crítica do

presente.

Contudo, a polarização do contenda começou a ser travado em outro campo:

o enfadonho e nada profícuo debate entre autonomia contra a pós-autonomia.

Deslocou-se os problemas da esfera crítica para a esfera histórica. A importância do

empreendimento de Ludmer deve ser compreendida como homóloga ao que a

Antropologia pós-estruturalista veem empreendendo hoje com Bruno Latour e

Eduardo Viveiros de Castro: ambos revitalizam experiências teóricas-práticas vistas

com maus olhos pelo disciplina oficial que se (auto) intitula científica. Em Jamais

Fomos Modernos (2013) Latour defende a hipótese de que a modernidade não

passou de um sonho ocidental que desejava levar ao limite o desencantamento do

mundo. Para ele a separação entre sujeito e objeto, natureza e cultura, fato e

artefato (ficção), objetividade e subjetividade não passariam de uma fantasia. Duas

grandes potências teóricas em literatura foram desenvolvidas nessas premissas:

Bakhtin e Lukács, pois os dois diagnosticam a forma romance como avatar do

avanço da modernidade enquanto plurivocalidade e assunção do individualismo

burguês.

Quando Ludmer assinala de maneira propositadamente vaga que não se “Lê”

mais como antigamente seu convite se constitui no percalço do que Eduardo

Viveiros de Castro em Metafísicas Canibais: ensaios de antropologia pós-estrutural

(2015) vem denominado de reviravolta ontológica: ler hoje não é objetivar um texto

analisando e/ou decompondo-o, mas subjetivá-lo intensamente.

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Nesse sentido gostaríamos de apresentar alguns romances limítrofes que ao

mesmo tempo permitem um olhar ainda (pós) moderno, entretanto apontam para o

limite analítico dessas ferramentas teóricas. Elencamos Contra o dia (2014) de

Thomas Pynchon, Graça Infinita (2014) de David Foster Wallace e 2666 de Roberto

Bolaño como textualidades representativas, pois subscrevem e problematizam a

pós-modernidade literária como buscam elementos de impasses insolúveis da

literatura contemporânea: como uma escritura pode ser relevante sem contar com os

auspícios que a tradição legou, ao mesmo tempo propondo uma escritura para-além

do pastiche, ironia e cinismo do capitalismo tardio. Esses três romances foram

escolhidos por se tratarem de narrativas Globais, pretendem contar a própria história

da humanidade e sua derrocada. São romances pós-históricos, para utilizarmos um

termo controvertido de Francis Fukuyama, visto que grande parte da especulação

política se refere ao limite que a humanidade chegou, seja na exploração do homem

pelo homem, seja dos recursos naturais.

No segundo capítulo, Crítica da razão selvagem partiremos para a análise do

texto A queda do céu (2015) que conta a história de Davi Kopewana, um xamã

Yanomami que presencia o estupro, genocídio e a destruição completa de seu

mundo pelo “povo da mercadoria” (especialmente nós Brasileiros). Se na atual

conjunta política pelo qual o país passa, crise política e econômica, ascensão

conservadora que cortando direitos de grupos conquistados como a união jurídica

homoafetiva, o crescente ódio de extrema direita contra refugiados advindos de

outros países (negros), a precarização dos vínculos públicos, a demanda pela volta

da ditadura por multidões bem organizadas, nos alertam que o estado bem-estar-

social à brasileira acabou. Uma espécie de Fim do Mundo se instalou no campo

político, sendo necessário repensar uma outra forma de coletividade. Quem melhor

para nos ensinar como sobreviver a derrocada senão os índios que a meio século

experimentam sua destruição e conseguem, precariamente sobreviver? Nossa

hipótese é que os impasses encontrados nos romances supracitados se devem por

não conseguir se desvencilhar do olhar estritamente ocidental. A Queda do Céu é

um registro etnográfico, estético, literário, e político que nos ensina como resistir e

mudar as condições sociais de opressão e violência que os “brancos” praticam. Um

manifesto Literário cosmopolítico.

Defenderemos a tese de que essa narrativa inicia uma nova maneira de se

pensar e politizar literatura no Brasil. Destarte, nosso trabalho será transformar a

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narrativa de A Queda do Céu em alguns prolegômenos teóricos, para isso

lançaremos mão da teoria da narrativa composta por Judith Butler especialmente

(mas não só) em seus dois livros Relatar a si mesmo (2015) e Precarius of life

(2002). Nessas obras a autora se propõe a aferir o quanto os processos

autobiográficos(ficcionais) podem constituir elementos políticos imprescindíveis para

a luta contra a violência em que grupos sociais vulneráveis são constantemente

submetidos. Essa aproximação inusitada entre xamã e filósofa Queer demonstrará o

quanto as noções legadas pela tradição cultural literária podem e devem ser

transformadas, pois nenhuma consegue apreender o vinculo entre transformação

social, diferença e violência. Assim, os conceitos de formação, tal como apresentada

pela historiografia hegeliana de Antônio Candido (2014) se tornam problemáticas

quando a identidade nacional, forjada a ferro e sangue contra os povos que aqui

habitavam, só pode se suster na medida em que o Outro deve ser excluído.

Nesse sentido, devemos muito a Diana Klinger que diagnosticara em Escritas

de Si e do Outro (2012) uma espécie de virada etnográfica na teoria literária.

Seguimos sua pista, contudo, pretendemos distorcer, revirar as relações entre crítica

e antropologia. Visto que por mais contagiante que seja o livro ele é ainda pós-

colonial: já que toda escrita sobre o outro não passa de uma projeção de um eu,

resigno-me a falar sobre a transitoriedade do eu, estratégia essa já diagnostica por

Nietzsche como a gênese do ressentimento e má-consciência. Se antropologia é a

disciplina da descolonização permanente do pensamento, tal como definiu Viveiros

de Castro (2015), a Teoria Literária é a tradução conceitual inflexível do descolonial:

a precariedade de nossas definições que escapam a revelia, configura-se como o

caráter positivo de nosso saber.

O último capítulo, Cinquenta tons de teoria opera uma tentativa de

sistematizar conceitualmente o conceito de literatura precária priorizando refletir

sobre as complexas relações que o romance ocupa diante da cultura e política

contemporâneas. Hipótese geral é que elas são produtoras de um metadiagnóstico

do presente, aludem para o esgotamento das formas sociais de vida, seja de

critérios sociais de reconhecimento da alteridade, ou crítica ao individualismo

burguês sem resolver posturas a esses impasses, são narrativas que orbitam a

esfera do luto e da melancolia, sinalizando o fim de um tempo histórico em que a

necessidade de alternativas estéticas podem ser elencadas. Para isso, recorreremos

a teóricos críticos sociais como Zizek (2011), Dunker (2015), Ranciérè (2013),

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Safatle (2015), visto que ao mesmo tempo que problematizam o presente veem

tentando abrir caminhos epistemicopolíticos recolocam a importância que a

dimensão estética ocupa para demandas sociais progressistas de vivências, ou seja,

a literatura pode contribuir para respostas relevantes para as crises éticas e políticas

de nosso tempo.

1. PASSAR DA IMPOTÊNCIA A IMPOSSIBILIDADE

O que é Literatura? O que a define? Quais conceitos necessários para

deliberar seu campo epistemológico ou – para sermos mais brandos – discursivos?

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Decorre como diagnóstico geral a elevação do que chamaríamos de condições de

impossibilidade do discernimento ou até do reconhecimento do que é literatura e,

talvez, como o mais alarmante, a finalidade que dela se tece. Existe uma face

teleológica literária? Um sentido para ela? Por que estudar teoricamente a literatura?

Aqui também encontramos diversas aporias. Se nós não sabemos o que é literatura

como, portanto, definir a sua utilidade? Todorov e Compagnon como teóricos

representativos se aperceberam dessas questões que permeiam a pesquisa

universitária, detendo-se, logo, nesses problemas em seus respectivos livros, A

literatura em perigo (2007) e Por que Literatura (2009).

O primeiro realiza um percurso histórico na literatura objetivando demarcar o

grau de importância que os estudos literários podem propiciar à civilização. Partindo

do nascimento da estética moderna ele institui duas matrizes essenciais dos estudos

literários, a matriz romântica composta por valores que poderíamos colocar no

quadro das chamadas “artes autênticas”, ou seja, as esferas humanas que

representariam a essência ideográfica e vitalista da subjetividade que estaria na

contramão do progresso científico, intitulado por Marx Weber (2010) de

desencantamento do mundo. A literatura seria o único meio de devolver ao homem a

relação mística da Autenticidade perdida no mundo moderno, que, baseado no

advento da ciência e seu processo de racionalização das esferas sociais humanas,

instrumentaria as relações culturais reificando-as, ou seja, transformando-as em

vínculos objetais.

Se o Romantismo preza pela Autenticidade, no Iluminismo teremos não seu

contraponto, mas seu complemento com a Autonomia como valor central. Postular-

se-á a grandeza da literatura não só como jornada do descobrimento individual tal

como proposto pelo Romantismo, sobretudo como processo de produção de um

conhecimento subsidiando o desvelamento da realidade caótica do mundo,

transcendendo-a. Verifica-se, assim, a invenção e simplificação da literatura em

elitista e popular. A primeira destinada aos auspícios técnicos das formas,

consumidas pela nascente burguesia, a segunda prometida para o consumo de

massa da indústria cultural, servindo como entretenimento ou alienação ideológica

da população.

O fim dessas prerrogativas (Românticas e Iluministas) em literatura deve-se,

de acordo com Todorov, a ascensão dos totalitarismos políticos (o nazismo, o

fascismo e o comunismo stalinista), na qual:

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A arte a serviço de um projeto utópico, o da fabricação de uma sociedade inteiramente nova e de um homem novo. O realismo socialista, a “arte do povo” e a literatura de propaganda ideológica exigem a manutenção de uma relação de força coma realidade circundante e, sobretudo, também impõem a submissão aos objetivos políticos do momento, o que se mostra diametralmente oposto a toda proclamação de autonomia artística e a toda procura solitária do belo. A arte deve, como exige a estética clássica, agradar (um pouco), mas, sobretudo, instruir. Muitos artistas virão responder com tanto entusiasmo e com tanta adesão a essa questão, que eles próprios passarão a chamá-la de revolução dos seus anseios (p.69-70).

Teremos no pós-guerra a emergência do estruturalismo que teve como

consequência o “esvaziamento” da capacidade “humanitária” da literatura, já que a

ênfase recaía, nessa postura metodológica3, nas formas objetificantes de apreensão

da escritura e seu ensino, pois, aqui, a importância da teoria subjuga a vivência da

experiência literária a estruturas lógicos-formais. Esse pano de fundo geral, difundir-

se-ia em três posturas reinantes: o formalismo como o extremo do estruturalismo

que diferencia qualquer relação entre mundo e literatura, estabelecendo uma

barreira entre o real e o ficcional; o niilismo que toma a literatura como a

representação da negação da realidade esboçando-a como um escapismo a

civilização; por fim, o solipsismo a vertente narcísica reinante na chamada

autoficção, na qual a escritura resulta do “autoengendramento de si” no texto, na

análise meticulosa de uma falsa profundidade psicológica que tem função apenas na

envaidação do “eu”. Contrapondo a essa tendência Todorov afirma:

Sendo o objeto da literatura a própria condição humana, aquele que lê e a compreende se tornará não um especialista em análise literária, mas um conhecedor do ser humano. Que melhor introdução à compreensão das paixões e dos comportamentos humanos do que uma imersão na obra dos grandes escritores que se dedicaram a essa tarefa há milênios? E, de imediato, que melhor preparação pode haver para todas as profissões baseadas nas relações humanas? (p.92-93)

Depois dessa definição partamos para Antoine Compagnon que se detém

em problemas similares a Todorov, contudo sua preocupação se perpetua em um

tom mais emergencial sobre os poderes da literatura: qual a função de seu estudo,

de sua análise? O teórico divide algumas formas históricas que permitem delimitar

seu regime utilitarista: teríamos a tradição aristotélica da literatura enquanto prazer

pedagógico, ela instrui o homem quanto ao mundo ao mesmo tempo que lhe predica

3 Pelo menos de acordo com Todorov, nossa posição é diversa no que concerne ao estruturalismo como se verá no cap. 2.

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satisfação; a literatura como crítica aos processos de sujeição e alienação

resultantes das estruturas sociais na qual a Autonomia apareceria como valor

ambivalente: a) de um lado a literatura é arte Autônoma já que não possui finalidade;

b) de outro ela retira o leitor da ideologia que o forma veiculando valores Autênticos,

proporcionando sua separação e superação do senso-comum; c) por último, a

literatura seria uma prática de experimentação linguística autoreferencial, idêntica a

si mesmo, imutável no tempo, e que escaparia aos registros discursivos produtores

de poder e verdade.

A literatura nos liberta de nossas maneiras convencionais de pensar a vida – a nossa e as dos outros – ela arruína a consciência limpa e a má-fé. Constitutivamente oposicional ou paradoxal – protestante como o da velha escolástica, reacionária no bom sentido –, ela resiste à tolice não violentamente, mas de modo sutil e obstinado. Seu poder emancipador continua intacto, o que nos conduzirá por vezes a querer derrubar os ídolos e a mudar o mundo, mas quase sempre nos tornará simplesmente mais sensíveis e mais sábios, em sua palavra, melhores (p. 50-51)

Entretanto, tanto Todorov quanto Compagnon, por mais que partam de

caminhos diferentes, suas chegadas são semelhantes, para não dizer sintomáticas,

pois expressão uma retórica já bastante conhecida: “a literatura é bom por que é

boa”, ou seja, que pode nos ensinar sobre o mundo, sobre a alteridade, as múltiplas

relações possíveis, o reconhecimento da diferença, seja ela individual ou cultural, ou

pelo seu efeito catártico, diria até terapêutico no sentido de terapon, um

companheiro de uma vida que o ajuda a se desvencilhar dos algures e infortúnios de

uma vida.

Uma prática discursiva nos auspícios foucaultianos ilustra que em um dado

regime enunciativo é possível engendrar os mecanismos que os põem em

funcionamento. Todorov e Compagnon são exemplos da forma como a literatura,

enquanto objeto teórico, é tratada e justificada: a definição de literatura vincula-se a

sua utilidade pedagógica na formação de indivíduos Autônomos. Concluindo, a

autonomia funciona como valor necessário para determinarmos o campo literário.

Uma pesquisa de cunho arqueológica nos permite tomar uma distância

crítica diante desses discursos que inventam a literatura alocando-a em respostas

que muito mais aludem a uma espécie de sensibilidade de senso-comum, iludindo e

mistificando a verdadeira querela que os autores não querem admitir: os

deslocamentos propiciados pela contemporaneidade que abalaram o lugar que a

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metafísica preestabelecia para a literatura e sua teoria, ou seja, a literatura muito

antes de acabar, sofreu e vem sofrendo mudanças em torno do lugar cultural por ela

ocupada. O tom apocalítico de Todorov e Compagnon se deve a esse movimento,

bem como a assunção de outras formas de fazer e pensar o literário.

Assim, deveríamos indagar os próprios textos se eles realmente creem no

discurso humanista, a análise por vir dos romances extrai como resposta uma

negatividade fulcral, os textos não mais acreditam que podem ensinar sobre o

mundo, sobre a vida, e esse é uma questão que estará sempre presente no decorrer

da tese, esse abalo metafísico (a derrocada de valores como autonomia) se dá pela

diferença entre compreendermos a Literatura como espelho do mundo para a

Literatura com o mundo, é na tensão entre sentido e o uso que se faz dela

analogicamente que o conceito de Literatura precária deverá determinar.

O que a arqueologia das concepções de Todorov e Compagnon permitem

apreender é a emergência da Literatura está sobredeterminada por ideais

humanistas, ou seja, pela Autonomia, Autenticidade e Identidade.

De acordo com Foucault (2011) e Adorno (2015), o humanismo como ideal

normativo emerge no século XIX como uma reação contra a morte de Deus (o fim da

religião enquanto coordenador da ordem simbólica). Ser autônomo é uma faculdade

capaz de transcender racionalmente o mundo tal qual ele é fenomenologicamente

apresentado; ser autêntico é uma potência do ato capaz de verdade; ser idêntico é

incapaz de transformar-se. Essas três características são portadoras do fundamento

divino, pois Deus sempre é autentico, autônomo e idêntico a si mesmo. Portanto,

definir a literatura através de ideais humanistas é retificar um pensamento teológico

por outros meios.

A questão que surge como problema da relação entre os ideais humanistas

e literatura corresponde a exclusão de textos outros que se contrapõe a esse

modelo. De acordo com Mbembe (2015) o Humanismo europeu literário

1.2 ALGUMAS ELABORAÇÔES TEÓRICAS NA AMERICA LATINA

Se o debate europeu exemplificado por Todorov e Compagnon situa a

autonomia como critério normativo, no contexto latino-americano como isso vem

sendo discutido? Josefina Ludmer (2012) vem tecendo reflexões sobre esse

panorama, mas, ao contrários dos autores já citados, a mudança do estatuto do

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texto literário é positivamente investida como lócus de produção do presente. A

teórica percebeu esse mal-estar, nomeando esse sintoma de Literatura pós-

autônoma. Josefina Ludmer – que muito mais explícita a mudança (algo mudou na

maneira como lemos a literatura)4 do que sutura a querela – propôs que a pós-

autonomia em literatura seria, pois, a resposta, a dispersão e dissolução

condicionada pela instabilidade que ameaça a hegemonia do cânone literário (e

suas bases epistemológicas calcadas nas noções universalidade, genialidade,

sublime estético e sua dimensão crítica), assim a literatura precária se inscreve na

via de suas problematizações que iremos elencar trazendo também o seu

contraponto.

As chamadas Literaturas pós-autônomas não são um campo fora de disputa,

Ludmer, em seu ensaio, esboça não proposição teórica, mas uma paródia da má-

consciência esclarecida, de escrituras que ironizam performaticamente a instituição

literária que não desejariam o seu reconhecimento. Ou seja, o reconhecimento

social promovido por instituições que determinam o valor literário, já não perfazem o

campo.

Antes de aprofundarmos suas perspectiva, faz-se necessário contra-

argumentar a partir de Diana Klinger especialmente no livro Literatura e ética (2014)

pelos seguintes motivos: a) é um livro que apresenta respostas interessantes sobre

o debate em torno da autonomia literária; b) defende a proposta de que os estudos

literários contemporâneos são corolários de um novo lócus antropológico.; c) vê-se,

de maneira condensada, uma tentativa de ultrapassar os grandes obstáculos que

repetidamente insistem na Teoria Literária: as noções representacionais de verdade,

de vida, de realidade e de ficção.

Klinger insiste em tergiversar pelos caminhos do conceito de autonomia, seu

comentário expressa um profundo e latente descontentamento sobre as escrituras

pós-autônomas apontadas por Ludmer, pois que abandonar o campo da autonomia

não é admitir a falência da crítica. Este é um momento crucial que não aparecia em

Todorov e Compagnon, a autonomia funciona como ponto de engendramento da

crítica, é ela que precisa defender a autonomia literária para justificar sua função

social. Foucault e Adorno serão mobilizados para defender esse argumento. 4 Existem vários artigos que criticam a posição de Ludmer, entretanto se acreditamos e levamos a sério o seu diagnóstico quais consequências? Em seu estudo sobre Hitchcock, Zizek ilustra a aposta na transferência, i.e., em vez de ficarmos apontando os erros e problemas que os filmes possuem, apostarmos que até nas dificuldades e problemas de continuidade que algumas películas apresentam foram também motivadas por Hitchcock e a partir disso possamos tirar consequências teóricas? Nossa atitude para com Ludmer será a mesma.

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Se dirigindo epistemologicamente aos conceitos essenciais legados por

Michel Foucault (2015) em seus estudos sobre a fase grega, Klinger objetiva ilustrar

a virada ética da literatura contemporânea estabelecendo um paralelo com os

diversos engendramentos do sujeito derivadas das práticas de si. Na fase tardia de

sua pesquisa, Foucault tenta estabelecer a forma como a filosofia antiga tratavam as

relações entre verdade e saber, diferenciando da maneira como os modernos

vivenciam. A verdade se dá através das relações entre mestre e aprendiz tendo

como fim último a produção de um saber útil no cotidiano, útil para a vida, uma

verdade que ajuda o aprendiz a enfrentar os algures que a vida propõe. Um saber é

verdadeiro não no sentido de uma objetividade metodológica interna, não como uma

interpretação arrancada de uma confissão, mas na prática com a vida. Foucault é

muito enfático quando afirma como essas categorias são impossíveis de serem

transpostas para nossa modernidade, mas esse parece ser o sonho orfeico de

Klinger, uma escrita como prática de si.

Se admitir a não autonomia da literatura se faz necessária é também mister

desistirmos de noções representacionais que só fazem repetir a busca pelo

siginificado, a produção do sentido, a Literatura como esfera da representação da

vida, do trabalho e da Linguagem. Concordamos com Klinger nesse ponto, a

Literatura como modo de representação de uma verdade por adequação ao mundo

empírico deve ser superada, pois o Romance moderno desde de Woolf e Joyce já

não cabem como obras representacionais (BUTOR, 1969), doravante, seu erro

crasso é substituí-la pela noção vitalista de potência, pelo menos aquela que corta

Bérgson, Nietzsche e Levinàs.

Klinger define como grande objetivo de seu livro elaborar uma potência

crítica da Literatura que animaria de diferentes maneiras as obras de Cortazar,

Bolaño e kamenszain, ultrapassando compreensões românticas da obra de arte,

mas desde o início é o romantismo da literatura que prefigura suas pretensões,

contra o iluminismo, abstração e o vazio, a vida, o afeto spinoziano como

transformação, afetação, subjetivação ou como reafirmará a partir de Foucault o

cuidado de si e do outro. Numa torção teórica sem igual, a complexa noção de

Biopolítica de Foucault que envolve os mais diversos mecanismos discursivos de

construção administrada e individualizada dos corpos se transforma

instantaneamente em cuidado de si e potência crítica. Existe uma dimensão da

problemática do poder que é escamoteada Klinger e que investe a Literatura:

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de um prazer de contar e ouvir, dantes centrado na narrativa heroica ou maravilhosa das provas de bravura ou de santidade, passou-se a uma literatura ordenada em função da tarefa infinita de buscar, no fundo de si mesmo, entre as palavras, uma verdade que a própria confissão acena como sendo o inaccessível (FOUCAULT, 2011, p.68).

A literatura nesse viés é como o sujeito moderno: uma confidência da sua

possibilidade ou impossibilidade, de um voltar a si mesmo, de uma necessidade de

escrita. O homem moderno elaborou através das mais diversas práticas de

confissão da verdade herdada inicialmente do cristianismo posteriormente das

ciências do sujeito a vontade de falar de si, de um confessar de si mesmo, desejo

este que habita a Literatura. Assim, a literatura como humanização ou cuidado de si,

como desveladora da condição humana não passa de um grande logro, de uma

grande vontade de saber que cria discursivamente um obscuro que não existe.

Entretanto, por problemática que seja a postura de Klinger, dá-se um passo errado,

na direção certa. Existe um mal-estar na crítica literária causado não por um novo

espírito do tempo, de uma evolução da Literatura, não pelo descentramento do

sujeito pós-moderno corolário do psicologismo vazio de si, mas antes pelo

esgotamento canônico do modernismo e do pós-modernismo (seu sintoma) com

afirma Bruno Latour no icônico Jamais Fomos Modernos (2013).

Compagnon, Todorov e Klinger são designações assintóticas dos limites de

suas teorias, pois ainda dependem, no campo crítico, da concepção de Autonomia.

A obsessiva pergunta sobre o que pode, para que e qual sua potência denunciam

não um problema literário-em-si, mas na própria teoria que se desenvolveu

cristalizando regimes discursivos transformando-os em hegemônicos.

A pós-autonomia muito antes de ser um período histórico é a introdução de

“quase-objetos literários”, portanto, aqueles desprovidos do valor estético autônomo,

produções culturais que se “sabem” culturais, dialogando peremptoriamente com a

indústria cultural, ou melhor, chegamos a momento da civilização que não faz mais

sentido separarmos alta cultura da baixa cultura, se existe ontologia ela deve ser

reconhecida como a do capital que a tudo engloba (Meszaros, 2010). Entre

autonomia e massificação, alienação e separação, a pós-autonomia enquanto

método permite enquadrar fenômenos literários que por não gozar do estatuto de

arte autônoma não eram valorizados no campo literário, como por exemplo,

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romances com forte presença biográfica, autoficções, críticas romanceadamente

escritas.

Por fim, a autonomia como esfera de realização literária em suas diversas

localizações seja romântica ou iluminista deve ser apreendida como ideal

fundamental de um Humanismo que esconde sua face teleológica. Numa análise

concebida por Vladimir Safatle (2013) em torno dessas querelas, o homem como ser

autônomo e, por conseguinte, possuidor de uma identidade e estilo foi concebido

estratégia que o aproximava da imagem e semelhança de Deus que é soberano em

suas decisões, idêntico a sim mesmo e esteticamente autentico. O humanismo fez

do homem a sua imagem e semelhança, relegando a um plano do esquecimento e

negação experiências de indeterminação, de anomalia. Quando Ludmer ataca esse

preceito é toda a determinação humanista que sustenta a prática crítica em literatura

que é criticada, na medida em que a autonomia estabelece lugares e ideias do que

se deve compreender como humano ou como literatura. A autonomia é um

dispositivo que aparece e configura as relações culturais, sociais, artísticas,

literárias, antropológicas e psicológicas permitindo que essas esferas permaneçam

circunscritas a seus espaços, centro, limites e margens. A pós-autonomia é o

abandono dessa utopia, é a circulação em rede dessas camadas, é deslocar os

polos entre centro e margens através de objetos abjetos. Faz necessário nos

aproximarmos de reflexões teóricas que apreciem esse movimento, que possibilitem

pensar a literatura para além da autonomia. Nossa hipótese é de que as reflexões e

especulações de uma parte da crítica feminista e da Antropologia contemporânea,

pode nos ajudar a dar tratamento conceitual, pois são saberes que trabalham no

limite do conceito de humanidade, reintroduzindo o sujeito da escritura no âmbito

literário. Os romances que analisaremos posteriormente são limítrofes, ilustram as

principais dicotomias de nosso tempo histórico: esgotamento ideológico, são

grandes narrativas pós-históricas, seus personagens transparecem a subjetividade

pós-traumática.

1.3 EM BUSCA DE NOVAS FILIAÇÔES TEÓRICAS

Para resolvermos esse ponto fulcral na qual se encontra os estudos

literários, é necessário avaliarmos o porquê desse deslocamento, darmos um passo

atrás e colocarmos quais condições de possibilidade se instala essa pergunta.

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Nossa hipótese sustenta que o conjunto de questões críticas que permearam o

estruturalismo e o pós-estruturalismo literário de autores tão diferentes entre si como

Claude Lévi-Strauss, Roland Barthes e Istvan Todorov ou Michel Foucault, Gilles

Deleuze Barthes e de Jacques Derrida podem começar a subsidiar uma resposta

inicial sobre a querela5.

A crise do estruturalismo que é concomitantemente uma crise

epistemológica na teoria literária – e de suas possibilidades de ascensão a uma

positividade científica – se deu pelas inúmeras críticas de que o mesmo se

conformara a uma binarização de seu objeto (os romances deveriam ser estudados

5 É factual como a proposição barthesiana da Literatura como simulacro da vida burguesa vai ao encontro daquilo que Foucault em As Palavras e as Coisas: uma arqueologia das ciências humanas (2011) refere-se a episteme clássica que comanda as próprias relações entre linguagem e seu referente. Para Foucault, a linguagem é apenas reflexo dos objetos, mediando, doravante, os vínculos entre o homem e a natureza, a Literatura, tal como pensada por Barthes faz parte também de uma reflexo e ordenamento da realidade. A Literatura é linguagem representativa nulificada e condicionada por aspectos ideologizantes que definem seu eidos e seu telos. A crítica literária seria o sintoma da formação estigmatizante de uma tradição que através de relações de poder institui o que pode pertencer a instituição literária e o que está fora, digamos o que habita a sua periferia. A escritura aponta justamente para o esvaziamento das formas tradicionais de transmissão comunicativa universal que habita e habitava o escritor clássico como testemunho do universal para se tornar uma consciência infeliz (p.4). Ela deve ser em nossa opinião considerada um acontecimento na ordem do discurso, desestabilizando, por conseguinte, as proposições canônicas que ligam a linguagem a natureza, só podendo ser elipticamente observada em ato. Assim, o processo escritural só é passível de efetividade a partir de uma mutação epistemológica sem precedentes na História do pensamento ocidental: a dissolução das relações homeostáticas entre as palavras e as coisas, entre a linguagem e a natureza. O nascimento da escritura é consubstancial a invenção do homem enquanto ser duplo empírico-transcendental, e esse dado não nos deve passar desapercebido. A invenção do homem para Foucault só pode ser realizada pelo deslocamento da linguagem enquanto representação do real para o real da representação enquanto linguagem, isto é, a própria representação é o objeto e reluz a positividade do domínio das ciências humanas. Se no período clássico o simulacro da realidade é a pressuposição onto-teleológica da Literatura, é a representação da linguagem literária que se torna objeto, se questionará como a Literatura, no interior de sua linguagem, representa a face empírica das esferas humanas: o trabalho, a vida e a linguagem. As teorias literárias, em sua totalidade e sistematicidade, enfatizarão, a depender de seu momento histórico, a Literatura enquanto representação da Vida, enquanto representação do Trabalho e enquanto representação da Linguagem. Dentro do debate entre escritura e literatura, devemos elencar a problemática em torno do Autor da obra literária. A função-autor é uma ficção discursiva e seu, mas se trata de uma ficção necessária, contudo, esse regime tanto em Foucault quanto em Barthes apresentam nuances específicas, pois que Barthes se apresenta como um romântico ao avesso na medida em que o Romantismo apregoava a ideia de genialidade, de autonomia, de liberdade ao autor, Barthes inverte retirando a soberania do autor e recolocando-a no leitor que detém a força de significação da totalidade da obra. A morte do autor, texto que retoma especificamente este problema é a crítica endereçada ao romantismo de Trufou quando lançou o livro-manifesto a Política do autor (1947). Retomando uma citação de Samuel Beckett O que importa quem fala, alguém disse, o que importa quem fala a prática literária moderna é marcada pela indiferença quanto as motivações do autor. Diferente de Barthes, a trajetória foucaultiana distingue o indivíduo real, empírico, e a função-autor único objeto de sua explanação. Para ele, a cultura ocidental produziu performaticamente essa função no intuito de delimitar os sentidos e circulações das operações de significado, da livre circulação da ficção, da decomposição, da reformulação literária. Entretanto, o problema colocado por Foucault é ainda multifacetado na medida em que o mesmo defini a literatura como um problema metalinguistíco “escrever no sentido literário, é situar a repetição no âmago da obra”.

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numa perspectiva formalista a partir de um conjunto de regras transcendentais

dadas a priori6), acusado de sistematização e fechamento da multiplicidade em uma

unidade, todo o viés subjetivo, como um estudo fenomenológico das intenções

autorais deveria ser posto entre parêntese ou descartado, justo que, o único acesso

empírico ao objeto seria dado apenas e tão somente pelos aspectos formais de

determinado romance. O autor, o livro, e a obra são questionados no plano

sincrônico, isto é, em suas unidades essencialmente estabelecidas, surgindo,

portanto, debates teóricos que ilustram perfeitamente esse aspecto, como por

exemplo O que é o autor e A morte do autor, respectivamente de Foucault e

Barthes. É bastante sintomático que o próprio Todorov (2011) que introduziu o

formalismo russo na crítica francesa contribuindo decisivamente para o método

estrutural literário o acuse de desconexão com a vida, que o formalismo não passou

(como aliás vimos) de mais uma ideologia que pressupunha formas a-históricas de

acesso ao real (literário no caso).

De outro lado, o pós-estruturalismo adquiriu uma importância cada vez mais

prementes configurando o que heterogeneamente chamamos de estudos culturais

que incluía as dimensões histórica, políticas, identitárias que foram, pelo menos

como se costuma falar, escamoteadas pelo rigor científico do estruturalismo. Com a

abertura aos estudos culturais e pós-coloniais a diversificação de seus objetos, o

lugar da própria literatura enquanto baluarte e centralizador da economia teórica se

viu ameaçado por elementos que canonicamente não faziam, pelo menos

teoricamente, parte ou conjunto de sua formação. O teatro, dança, quadrinhos,

televisão, cinema e internet foram incorporados e estudados pelos críticos não como

formas de alienação mais de posicionamento crítico, formal e político diante das

múltiplas opressões ocasionadas pelo capitalismo tardio7. Conclusão, com a

abertura crítica é a função social que a própria literatura que se vê constrangida a

responder: de um lado o recurso ao retorno transvestido da autonomia literária

através de figuras como imanência e vida em literatura, por outro a concepção que a

literatura como processo sincrético que incorpora por meio de sínteses conjuntivas a

alteridade. O problema dessas concepções reside na impossibilidade e resistências

que algumas escrituras colocam, romances que não podem ser compreendidos pela

6 Esses conjuntos de regaras foram importados da fonologia de Roman Jakobson principalmente da formulação de sua teoria da comunicação em que diferencia-se no plano enunciativo as diversas relações entre mensagens e código, emissor e receptor. 7 Slavoj ZiZek

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via da autonomia e suas metáforas, bem como não são produzidos formalmente

através de sínteses que constituem novas unidades.

Esses romances, que serão nosso objeto, desafiam as concepções teóricas

de Bakhtin representado pelo dialogismo e de Lukács para quem a dissociação

burguesa do indivíduo apresentava ruptura com a comunidade do narrador-

personagen. O romance contemporâneo é mundial, não se restringe a evocar

querelas burguesas, como se opõe ao dialogismo através da equivocidade narrativa.

Essas características são elencadas por outros conceitos que desenvolveremos na

análise dos textos: a) temporalidade narrativa a-linear; b) subjetividade pós-

traumática das personagens; c) estrutura literária é uma distorção de elementos

sempre em desequilíbrio contínuo. Se o estruturalismo literário proposto por Todorov

tentava delimitar os elementos narrativos a partir de sua constância, por exemplo, o

fantástico, elemento invasivo, se constituía pela suspensão de certezas, para

posteriormente retornar ao equilíbrio, a literatura precária se dá numa distorção de

sua estrutura constante, nunca simétrica ou bi-unívoca. Essa distorção se efetivará

na extrapolação ou retirada de determinado elemento narrativo que adquiri

centralidade em determinado momento, podendo ser personagens (Contra o Dia), o

discurso indireto livre (Graça Infinita), o elemento faltante que organiza a história

(2666), por exemplo.

Edouard Glissant, em Uma introdução a poética da diversidade (2005),

previa o surgimento de Romances condicionados as condições do mundo hoje. Para

ele, nossas formas de vida ultrapassam os laços comunitários identitários. O

romance que esteja à altura da subjetividade moderna deve falar do mundo

enquanto caos universal, em que o acaso temporal estrutura os detalhes narrativos

menores com os maiores acontecimentos. O épico contemporâneo deve tomar o

mundo em totalidade-complexa como substrato narrativo. Todorov e Compagnon

ilustram a crise de uma teoria que ainda enxerga a literatura como arte humanista,

provedora de valores teológicos, a pós-autonomia ou o romance caos-mundo são

propostas teóricas que pretendem enxergar a literatura do e no presente, sendo

assim, ela não pode ser separada da cultura, da economia, da política, da psicologia

que a sustém.

Muitas escrituras do presente atravessam a fronteira da literatura (os parâmetros que definem o que é literatura) e ficam dentro e fora, como em posição diaspórica: fora, mas presas em seu interior (2007).

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De acordo com o ponto de vista acima enunciado por Ludmer, os estudos

literários devem também ultrapassar também os limites de sua teoria o que para nós

elenca a demanda por outros saberes que também tencionem os seus próprios

campos disciplinares. Existe, portanto, uma confluência estre a perspectiva literária

que adotamos e as especulações de autores da antropologia pós-estruturalista como

Eduardo Viveiros de Castro e da teoria crítica social de Judith Butler.

Metafísicas Canibais (2015) de Viveiro de Castro é uma revolução definitiva

no campo Antropológico. A partir dos estudos etnográficos indígenas, sua proposta é

traduzir o pensamento dos últimos do ponto de vista teórico, objetivando uma

transformação na forma como “nós” (aqueles que se reconhecem enquanto

ocidentai) pensamos. Uma das principais consequências desse gesto é a

reformulação da noção de antropofagia de Oswald de Andrade. Viveiros de Castro

levará ao limite o processo antropofágico dissociando de seu aspecto sincrético que

se encontra no escritor brasileiro. O perspectivismo é conceito que indica não a

inclusão da diferença, mas a transformação de si pela incorporação da posição do

Outro. Nesse aspecto, essa postura não é de toda dialógica visto que o

perspectivismo se pauta pelo equívoco entre o sujeito e objeto, a equivocidade seria

o método antropológico de tradução, o que corrobora com a ideia de Glissant sobre

a necessidade de opacidade dos romances contemporâneos. Esses dois elementos

nos ajudarão a situar os Romances por nós estudados.

Já Judith Butler nos oferece o conceito de narrativa que entrelaça os

movimentos estéticos, éticos e sociais. Relatar a si mesmo (2015) é um livro em que

estudar o estatuto da narrativa contemporânea é imprescindível no que concerne

nosso entendimento sobre as manifestações que a violência atua. Entender a

sociedade é entender as formas narrativas que a mesma produz e reitera.

A partir da análise dos romances Contra o dia (2012), Graça Infinita (2014) e

2666 (2013) demonstraremos a importância desses conceitos, ilustrando a mutação

ou corte epistemológico na maneira tal qual a prosa como objeto estético, literário e

político se apresenta em nossa atualidade. Essa mudança vem acontecendo no

procedimento literário, compostos por esses romances, que se distanciam dos

arranjos modernas no qual o paradigma situa-se condessado em Lukács (2000)

(épico contra o drama) ou nas acepções pós-modernas contidas no pastiche ou

mesmo no Kitsch, que revelariam, em seu extremo, os índices carnavalescos,

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dialógicos e antropofágicos que tramitam em autores tão distintos como Bakhtin

(2012).

Os romances por nós estudados se configuram pela rejeição a trabalhar com

esses elementos teóricos já canonizados na crítica literária que, recaindo num

relativismo ingênuo e emergindo com a saída rápida, não obstante, apelam para um

suposto hibridismo ou de uma literatura para além do gênero, sem maiores

implicações teóricas. Uma pesquisa teórica sobre a atualidade da prosa e do

romance deve tirar consequências formais e abstratas, pois, perguntas elaboradas

nas seguintes camadas: o que é o romance? O que é a Literatura? Qual sua relação

com a cultura da qual emerge? Não podem ser respondidas a nível de uma doxa,

mas de sua superação que pode se efetuar por um estudo estrutural. Por

estruturalismo literário o compreendemos como o estudo do romance que objetive

elencar o conjunto de elementos que o sustem enquanto obra, bem como seu

sistema que se mantém em série com outros sistemas culturais, políticos e

ideológicos.

Portanto, objetivamos demonstrar a precariedade do romance

contemporâneo pode ser definida pelo conceito de distorção estrutural como modo

operante da literalidade atual que recobre o plano romanesco, através seja da

retirada, reconfiguração, exploração intensiva de elementos que promovem um

efeito de desequilíbrio constante na obra literária. Esse desequilíbrio lógico

ocasiona, por sua vez, o que nomearemos de Literatura precária no que se refere as

relações entre as entre os elementos constituintes da narrativa criando um efeito

anamórfico (não existe uma estória a ser contada, muito menos um personagem

principal) em que nos leva a um perspectivismo narrativo (é pelo ponto de vistas dos

mais variados personagens que a trama subsiste sem que consigamos apreende-la

em totalidade8), nas concepção espaço-temporal projetivo que se contrapõe as

concepções binárias de linearidade-fragmentação.

8 Em As crônicas do gelo e fogo (2010) de Georg Martin temos uma história que privilegia explicitamente uma diacronia através dos pontos de vista dos personagens, entretanto essa individuação está sincronicamente organizada, conseguimos localizar motivações, personalidades, fábulas e enredos. O perspectivismo narrativo é pelo contrário uma desorganização dessas relações.

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2.2 A DISTORÇÃO ESTRUTURAL NO ROMANCE CONTEMPORÂNEO

2.3 A ESTRUTURA COMO PELE

Em Contra o dia (2012) de Thomas Pynchon elabora-se um Romance, um

esboço paradigmático da distorção estrutural, que se distanciará fortemente das

maneiras modernas e/ou pós-modernas na construção própria da narrativa, do tipo

de ação que as mesmas proporcionam, as questões temporais, as personagens, as

diversas relações e permutações entre realidade e ficção, os elementos fantásticos

são desfeitos de seus usos já tradicionais como o proposto por Todorov em As

estruturas narrativas (2011), ou seja, elementos que dentro das leis ou sistemas de

crenças estabelecidas no interior da textualidade aparecem desconexos ou

desconectados da história.

Nesse romance é a dissolução de elementos de crenças em que possamos

delimitar os conjuntos de regras pela qual a cosmologia do romance nos levaria a

estabelecer coordenadas simbólicas na qual confundiríamos real e o imaginário,

Contra o dia não apresenta um mundo enquanto sistema antropológico através do

qual reconheceríamos sua Lei, isto é, um sistema metafísico, com suas motivações

e enredos. Haveríamos de concebê-lo como deformação desses limites narrativos,

na medida em que como sustentaremos no decorrer do texto, os marcos literários e

seus conceitos epistêmicos são corolários e atributivos de uma forma específica de

fazer e proceder sobre literatura, ou seja, a “antropologização” no sentido totêmico

esgota-se como critério racional, metodológico e epistêmico para a compreensão e

elaboração dos novos lugares que a literatura vem a ocupar9.

9 Porquanto, se o diagnóstico de que não se faz mais ou não se lê mais de uma determinada forma ilustrada por Ludmer (2013), mas também por Luiz Costa Lima (2013), ambos com os respectivos diagnósticos de pós-autonomia ou resistência nos deve alertar para novos conceitos. Pynchon, nesse robusto romance de mais de mil páginas, é o desvelar desse processo que acompanhará ou será acompanhado por romances diversos como mostraremos no decorrer de nossa análise, mas antes tentemos elucidar alguns aspectos essenciais do mesmo para que possamos prosseguir com nossa argumentação.

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A distorção estrutural pela qual pode ser considerado Romance de Pynchon é

condizente a uma composição anti-ontológica fundamental. A ontologia, não

obstante, dá-se como toda proposta discursiva que no interior de um conjunto de

reiterações e repetições institui um fundamento, uma base, um monóculo em que se

naturalizam as relações reflexivas estabelecidas em níveis simbólicos, ou seja, a

ontologia aponta para a dimensão essencial de determinado objeto, por exemplo,

qual principal critério para definir isso que nós chamamos de Humano, devém da

natureza ou de sua funcionalidade social? A depender da resposta pela qual situa

minha posição estabeleço critérios ou níveis ontológicos do humano, podendo-o

legitimar sobre o que não pertence a esfera humanista. O novo estruturalismo

literário parte inicialmente de que critérios ontológicos e descritivos são limitações ou

incrustações hermenêuticas, pois uma definição puramente objetiva seria

fundamentá-la em critérios ontológicos, ou para utilizarmos os termos de Derrida

(2011), ontoteleológico. Só se pode abraça-lo se permitindo-nos na contracorrente

positivista apostarmos na elipse ou movimento elíptico. E é essa categoria temporal

que Contra o dia institui em seu próprio título: trata realmente de refutarmos a

temporalidade sui generis, cronotípica de um início, um meio e um fim, mas também

não é em absoluto seu contrário esquizofrênico e pós-moderno, elenquemos por um

momento o nível discursivo do texto.

No plano enunciativo devemos considerar as diversas nuances discursivas

que a narrativa deve ser considerada, assim, a tarefa é isolarmos prudentemente

quais regras (que podem muito bem ser antitéticas em si mesmas) obedecem, dizer

que se trata de uma trama não convencional é, ainda mais mistificar o problema, dito

isto a coincidência entre o mundo pelo qual o romance se formula é extremamente

similar àquela interpretação proporcionado por Giorgio Agamben e seu conceito de

estado de exceção permanente em que pesam nossas democracias. Contra o dia

propicia a ilustração literária não de um país, como demonstrado por José Saramago

em Ensaio sobre a Lucidez (2004), mas em todo o mundo e seus efeitos a nível

global.

As relações entre causa e efeito são distorcidas na medida em que

presenciamos uma suspenção completa de vínculos de causalidade, entre

determinantes e determinado, a causa, a motivação, o tema, inexiste na narrativa,

pelo menos explicitamente, gerando um estado de exceção que acaba por dissolver

as relações e as tipologias formadores da subjetividade das personagens assim

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como suas funções entre si e o mundo social como constituído. O romance portanto

estabelece níveis discursivos complexos justamente por razões impostas por essa

estrutura, trabalhando para além de conceitos como fábula e enredo. Contra o dia é

em si um romance de exceção, não por ser avesso a qualquer abordagem racional,

mas por exigir uma outra, que se situe entre esses polos.

A estrutura desse romance está em um desequilíbrio constante, sistemático.

Foi Gilles Deleuze e Felix Guattari que em suas respectivas obras co-escritas

conseguiram vislumbrar o aspecto mais subversivo do estruturalismo, o pós-

estruturalismo é o funcionamento radical dos aspectos mais reluzentes dessa escola

de pensamento e não como vulgarmente se costuma enunciar sua derrocada. As

textualidades atuais podem ser estudadas em sua singularidade desde que

lancemos mão desses aspectos teóricos. Um dos principais conceitos que permite,

de um lado, pesar criticamente a herança estruturalista, por outro, lançar novas

reverberações sobre a atualidade literária, são a noção de n-1 e de semióticas a-

significantes.

N-1 pode ser interpretado como o processo inerente da estrutura literária do

romance, pois que, apoiando-se em Lévi-Strauss que sustentava a hipótese de que

não há mito de referência, originário, ou centralidade próprio dos sistemas ou

modelos, Contra o Dia desenvolve refutando elencar um elemento fulcral pelo qual

diversos temas secundários e terciários a inundariam ou difundiriam. São milhares

de tramas, personagens sem protagonismos, um tempo completamente plástico em

que a cada avanço quantitativo que realizamos sentimos, novos acontecimentos,

morte de personagens, desaparecimentos, mudanças estilísticas e ambientais

realizam um corte ou ruptura no procedimento narrativo. É dentro desse espaço

vazio (-1) da (n)arrativa que no caso de Contra o dia podemos citar como exemplo a

falta de um plot decisivo compensado com a multiplicidade de descrições científicas,

religiosas, xamanicas que abundam o texto. É um romance mundo que para abarca-

lo deve ser descentrado continuamente, sua fórmula que se veicula a cada passo é

um expansão contínua de seu universo, que tende ao infinito.

No primeiro capítulo, A Luz acima da terra, o espaço enunciativo apresentado

retrata a América do norte nos meandros da instauração do capitalismo industrial

diante das mais várias mazelas como a segregação, exclusões, estupros, racismos,

homofobias, descritos reiteradamente, parecendo-nos, portanto, que a cada passo

narrativo na exploração desse mundo somos remetidos ao entorno desastroso em

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que a luta pela igualdade e liberdade se transformaram. Das transformações

econômicas assim como os progressos científicos são meros subterfúgios que

retiraram os nobres medievais para alocação da aristocracia burguesa continuando

de forma bem mais sútil e velada a exploração do homem-pelo-homem. O

diagnóstico social pela qual o romance nos incita, pelo menos nos primeiros

momentos, acompanha fielmente a análise do sociólogo Istvan Meszaròs no livro

Para Além do capital (2012). Para ele existe uma diferença essencial entre o capital

e capitalismo, tal como descrito por Marx. O primeira designa-se as diversas formas

de exploração do homem que podem se dar pelo menos de duas formas diferentes:

capitalisticamente quando a expropriação do trabalhador é realizado

economicamente e socialisticamente (União Soviética e Cuba) em que se sobrepõe

o nível político e ideológico. Em Contra o Dia não existe um mundo melhor do que

aquele pelo qual é habitado pelos milhares de personagens, a exploração e

opressão humana se dá por múltiplos lados, de múltiplas formas em mundo onde a

alta tecnologia e a pobreza coabitam lado a lado, entre muros que separam patrões

e empregados. Vemos portanto que a descrição e caracterização inicial está em

paralelo ou pelo menos se aproxima de romances brasileiros que também relatam o

choque civilizacional causado pelo processo de modernização como nos mostra

José J. Veiga em romances como Sombra de reis barbudos10 (1995).

Não obstante, Pynchon nos oferece essa compreensão sempre a nível

metonímico, nunca metaforicamente. São nos encadeamentos significantes entre as

funções paródicas e irônicas que o leitor começa a constituir o espaço discursivo

altamente complexo, justamente por incorporar um outro nível para além do

discursivo que chamamos de semióticas a-significantes, ou seja, utilização estéticas

de elementos que não objetivam a comunicação semiológica e discursiva, como por

exemplo as longas digressões sobre números irracionais, a relatividade de Einstein,

química e biologia que não cumprem nenhuma tarefa do ponto de vista do código ou

do enunciado, mas na enunciação, no afeto, no pathos, muitas vezes

desconcertantes que causam. Essa escolha entrevem um outro domínio do estético

diferente, por exemplo, daquele proposto por Jacques Ranciere que apreende-o

10 Temos nesse romance um exemplo de como o realismo mágico abordou o tema da modernização e do capitalismo a brasileira, aqui se dá pela chagada de uma empresa que começa a transformar a pequena cidade e sua comunidade num lugar de exclusão com a construção de muros. O elemento diferencial entre José Veiga e Pynchon está na compreensão de que existe um mundo para além dele na qual o povo encontraria seu lugar, ou seja, é um romance portador da tradição ontológica literária.

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como uma partilha do sensível. Se para o teórico existiria nas comunidades

democráticas uma separação entre o estético, ético e o político, Contra o dia é a

contramedida dessa postura, pois que sua pretensão é devorar todos os temas,

pontos de vistas, mundos, teorias, filosofias, sem dividi-los, conservando-os,

contudo, uma tensão ou disjunção que nos impede de propor uma saída sincrética

para o romance. A perspectiva de mundo de Pynchon é bem mais crítica do que a

de Ranciere na medida em que para ultimo existiria uma concepção de que

viveríamos em comunidade, num todo, em que cada indivíduo ocuparia sua função

no debate político, para o primeiro, entre o comunitário e o individual temos a

máquina capitalista que nos impede de formamos harmoniosamente uma sociedade

ou mesmo uma civilização.

É nos transpor dos atos, reflexões, sacarmos e longas digressões que o livro

começa e formula as linhas argumentativas convocando numa lógica análoga ao

que Foucault em O que é um autor (2002) designou como o tempo do retorno, ou

seja, para ele Freud e Marx são instauradores de discursividades em que suas

radicalidades são regatas apenas num a posterirori, assim, conceitos como

inconsciente e ideologia, por exemplo, podem ser resgatados pelo presente

readquirindo potencialidades críticas como o descentramento das filosofias da

consciência como das políticas liberais. Em Pynchon o narrador em terceira pessoa

obedece a esse critério, o sujeito leitor formará numa das múltiplas tramas qual

elemento hegemônico – mas só posteriormente – qual as páginas podem ou não ter

sentido. Pois pela distorção estrutural n-1 desse romance temos de levar em conta a

falta de critérios ontológicos de significação que chegam ao não-sentido, atentando,

entretanto, que o non-sense não se veicula a uma descoberta do inconsciente como

reinou nos romances modernos com as técnicas de monólogo interior em Woolf e

Joyce (BUTOR, 1968). É no caráter enciclopédico de referências semióticas a-

significantes que fazem com que o leitor construir uma trama que não exista,

digamos realmente. Muitos personagens que são abandonados (alguns voltam),

outros plenamente esquecidos, o efeito temporal e narrativo é o do improvável,

elementos quase casuais e sem importância alguma se transformam no motor do

romance, adquirindo hegemonia.

Feito essas considerações iniciais entremos na narrativa propriamente dita.

De início somos apresentados a estranha organização Amigos do Acaso que

sobrevoa o mundo em seu Balão Inconvêniência e estão atualmente visitando A

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Exposição em Chicago. Não sabemos ainda o que essa organização faz ou realiza e

qual seu sentido ou utilidade, como não sabemos também do que se trata A

Exposição, é apenas nas falas e reflexões que os personagens realizam sobre

assuntos banais que pistas vão sendo esclarecidas e apenas isso. Os Amigos do

Acaso é compostos pelos seguintes personagens Lindsay, Blundell, Randolph,

Chick, Darby e Pugnax (um cachorro viciado na Leitura de Henri James), todos eles

ocupando funções hierárquicas e específicas na tripulação do Inconveniência, em

uma parte específica nos é revelado como se formou no mundo esse tipo de

organização através do evento chamado o Cerco de Paris em que diversos grupos

começaram a sobrevoar o planeta como se nele não houvessem mais as barreiras

nacionais, a estratégia narrativa portanto está em estabelecermos uma distância

mínima, suficiente do mundo em que o romance constrói, fazendo com que

estranhemos reiteradamente os aspectos que parecem os mais triviais e comuns. A

escritura pynchoniana é amplamente anti-performática e anti-representacional, pois

de um lado desnaturaliza a referencialidade, por outro, não nos comunica um

sentido preciso sobre o referente. Como veremos posteriormente, A Literatura

precária relaciona-se aquilo que tanto Barthes como Derrida chamaram de escritura

e em Contra o dia há esboços de uma teoria da escritura através de elementos

chamados de anamorfose e estrutura como pele.

Logo após a disforme apresentação dos personagens somos levados

diretamente para a Exposição um evento que reuni as mais diversas pessoas e

culturas, desde as maquinações sobre a eletrostática, as demonstrações de Nikolas

Tesla sobre o potencial eletromagnético envolto de manifestações xamanicas, culto

a religião do Éter, crianças, mendigos, caubóis, índios alcóolatras, muitas vezes

essas características aparecem contraditoriamente mescladas e certeza que

tínhamos sobre o modo de funcionamento seja de personagens ou de seus mundos

desfaz-se, não obstante não se trata de pós-modernidade narrativa, mas de uma

outra maneira de pensarmos o sujeito e o objeto, a precariedade como forma

Literária não é uma extensão do pós-modernismo, se situa numa aproximação com

a noção de Multinaturalismo proposta por Eduardo Viveiros de Castro (2015) e de

quase-objetos de Bruno Latour (2011), na medida em que rejeitam o relativismo

cultural, a hibridização optando por recursos linguísticos e narrativos assimétricos

contrárias àquelas as quais a teoria literária adequou-se e naturalizou-se, numa

palavra: a lógica metafórica da classificação totêmica.

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Somos remetidos a outros acontecimentos e núcleos narrativos que não

possuem uma relação, pelo menos em seu início, de causa e efeito, Pynchon

descreve longas considerações e digressões sobre A Exposição de tal forma que a

função do narrador, muito além de apenas situar e descrever a situação, estamos ou

temos a impressão de um relato etnográfico sobre todos os elementos que

presentes no cotidiano, não só do texto, mas da referência de nosso mundo, por

exemplo, a descrição de um rosto ou comportamento humano são de tal forma que

começamos a estranhar os mesmos dados. Somos abandonados da convivência

com Os amigos do acaso e jogados a um imenso e caótico mundo sem sistema

simbólico centralizado, pelo menos no sentido que cabe esse termo a sociologia

durkheimiano de uma organização social com funções sistêmicas bem delimitadas e

circunscritas como planos religiosos, científicos, políticos e científicos bem

delimitados, estamos muito mais próximos das relações entre rede de Bruno Latour,

do que de modernidade e pós-modernidade, e, como mostraremos no decorrer, o

tempo não linear não positiva nenhum irracionalismo, mas o que nós chamaremos

de tempo projetivo contra o tempo euclidiano.

Nesse mundo ainda não moderno, começamos a contemplar uma série de

Lutas entre a burguesia industrial e os anarquistas, a exploração proporcionada pela

exploração minério e mineradores, com a ascensão da química ou das ciências

naturais como um todo que convive estranhamente com outras práticas místicas.

Contudo, contra a interpretação weberiana de desencantamento do mundo pela

ciência, diagnóstico esse acompanhado pela epistemologia histórica de Alexandre

Koyré e Gaston Bachellard, grande parte do primeiro capítulo se detém em entender

a função da ciência, seja a nível politicamente conservador ou comunista do mundo,

representado respectivamente por Thomas Edison e Nikolas Tesla, eminentes

cientistas. Ambos com posições contrárias aos seus usos, o primeiro corroborando

com empresas privatistas, o segundo propondo um plano de como

eletromagnetismo da terra poderia gerar energia elétrica forma universal e gratuita,

objetivo esse que vinha trazendo problemas plausíveis para a burguesia que

necessita da exploração de boa parte da população. Nesse nível somos

apresentados a Webb, mineiro, mas que por trás da imagem de um lupemproletário

apresenta um desejo de emancipação, seu projeto é destruir a ferrovia, local que

simbolizava a opressão humana. Pynchon acaba por descrever a família de Webb,

enfatizando especialmente seus filhos, o primeiro kit, conseguia e compartilhava

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como seu pai de um desejo anarquista, o segundo Kit que consegue uma bolsa de

estudo paga por Scardale Vibe, o dono de várias empresas e em particular da

Mineração que Webb trabalha, assim, devido a essa relação próxima entre Kit e

Vibe as relações entre pai e filho se veem quebrada e é nesse momento que o

primeiro capítulo é encerrado.

Posteriormente o hermetismo entre literatura e matemática parece-nos a

nuance que funciona e mobiliza o tempo que se dá a narrativa. Há menções

importante em torno do assunto que versam sobre o surgimento do números

imaginários, a circularidade do tempo e a dificuldade que as ciências naturais lidam

com o raiz de menos 1. Aqui vamos tomar algumas proposições elucidativas do livro

clássico chamado Matemática e Imaginação de Kasner e Newman (1968) que nos

permite entender a composição da distorção estrutural que estamos propondo.

Sucintamente o tempo pelo qual estamos acostumados a pensar nossa experiência

cotidiana de vida se revela imaginariamente montado de dentro do que

chamaríamos de cronologia, estaríamos todos nós fincados a uma dimensão

transcendental do tempo enquanto passado, presente e futuro. Numa biografia, por

exemplo, o sentido na maioria dos casos nos é dado a interpretação na

recomposição de aparato que Deleuze chamou de cronopolítica, esse tipo de

vivência chamaremos de narrativa euclidiana, em que conseguimos apreender o

tempo, o desenvolvimento, a localização, a identidade dos personagens, assim

como definir o ponto para a qual as significações deveriam convergir. A espaço do

tempo nesse romance desafia essa lógica, pois não impondo uma linearidade, é de

uma outras lógica de que se trata o que denominaremos de narrativa projetiva.

Pensemos por um instante na forma física da terra, tridimensionalmente orientada,

ao projetá-la num plano como um mapa podemos vislumbrá-la numa falsa

totalidade, a depender do mapa temos a impressão que o Japão é o mais distante e

longínquo dos mundos. A diferença da forma esférica e da forma quadrática é que

na primeira todos os estão conectados, enquanto no segundo em seus extremos

tenho que, obrigatoriamente contornar alguns vértices. O que Thomas Pynchon

pretende realizar e que veremos também em Graça Infinita (2014) 2666 é jogar entre

contar uma história que possui um tempo sucessível, mas pensando na

simultaneidade dos milhares de acontecimentos encadeados do processo narrativo,

é no limite e impossibilidades entre pensar narrativa topologicamente e transpô-la

para o plano euclidiano (livro) que tempo e espaço na narrativa se estabelece o que

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chamamos n-1. Ao jogar nesse duplicidade o que se perde é o efeito de sentido, de

identidade e de autenticidade da Literatura, pura diferença no sentido derridiano do

termo. Ou melhor, o próprio Derrida em Gramatologia apontava para essa face da

escritura quando cunhou-o de pluridimensionalidade, isto é, narrativas que

contrastam com a linearidade logocêntrica.

Nessa complexa estrutura, Pynchon introduzirá referencias diversas, tramas

políticas que atravessam todo o mundo e ainda acaba por dobrar a narrativa em si

mesmo, postura narrativa que será, por exemplo, o fio condutor do escritor como

Antonio Xerxenesky em Areia nos dentes (2013), a dobra narrativa se constitui como

a transformação, dos Amigos do Acaso, que até o momento consideraríamos como

um grupo de personagens em na verdade um conjunto de Romances e contos,

criando, deste modo, um efeito narrativo ainda mais inconstante na medida em que

o Leitor que inicialmente tentou se apegar a esse núcleo narrativo se sente como se

estivesse lendo um romance dentro de outro romance. A noção de dobra narrativa

pode ter, no campo teórico, a analogia do dobramento deleuziano, em que o dentro

e forma, o externo e o interno são dimensões continuas e não separadas.

Webb é finalmente assassinado e, diferente de um romance policial que

cercar-nos-ia de dúvidas sobre quem, qual o motivo da morte, já sabemos diante

mão quem o realizou, a maneira como tal ação foi concretizada, a forma como o

corpo foi abandonado aos urubus em uma cidade qualquer. Um dos filhos que,

acometido pelo desaparecimento da figura paterna, sai a sua procura consegue

vislumbrar os momentos em que o pai é deixado e, por sinal, perceber os

responsáveis pelo crime. Sentirá a dúvida e culpa pela escolha a ser tomada: tomar

o corpo do pai e providenciar seu enterro ou abandoná-lo em prol de vingança, a

segunda será a preferência. Diante do longo percurso que levará o corpo do Pai de

volta, as questões que surgem em sua mente são, estranhamente, muito mais

legadas ao orgulho que esse tipo de morte representava, porquanto se sua morte

aconteceu como aconteceu ele não deve ser um qualquer, haveria de existir motivos

ocultos, que nos levariam a uma face obscura dessa vida recém tirada. Reef, o filho

que o encontrou após o réquiem junta-se ao seu irmão Frank selando um pacto

tendo por objetivo a represália contra a humilhação pela família sofrida. Aqui

aparecem Os Amigos do Acaso não como personagens mais como romances que

Frank sempre recorria para se sentir mais confiante e forte, como um folhetim épico

em que Lindsay representa o que chamaríamos de um estereótipo de Herói com sua

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força e bravura. É nesse sentido que somos, por assim dizer, dobrados como

Deleuze (2012) se refere a Leibniz.

Contudo, mais uma vez, aquilo que parecia óbvio, a morte de Webb é posto

em dúvida, seja pelo seu fantasma que ronda seu caixão, seja pelo início de novos

atentados em que os anarquistas acometem contra as corporações. Posteriormente

ao seu enterro, o cotidiano dos homens que assassinaram Webb são descritos

enciclopedicamente modificando personagens que culpávamos em pessoas simples

que viviam de forma miserável sustendo como único meio de ganha pão realizar o

chacina tal como estabelecida e contratada por Vibe, que, ao descobrirem que talvez

tenha matado os homens errados são constantemente ameaçados de morte e de

perseguidor, transformam-se em perseguidos, então se o próprio filho enterrou o pai,

como poderíamos duvidar que Webb está morto?

Essas questões são colocadas em suspenso e quebradas, todavia, pela

retomada do núcleo dos Amigos do Acaso, se antes a paisagem era desértica, agora

estamos diante de uma grande reunião entre cientistas, religiosos, capitalistas em

torno do debate do Tempo: o que seria o tempo, é possível quantifica-lo, passado e

presente o que são, poderíamos nós voltar no tempo, essas e outras interrogações

permeiam o debate, o que daria o tom de um romance de ficção científica é

amplamente desfeita pelo autor, pois, por mais que o tempo não valha nem o nome

de fenômeno, não haveria modos de realizar tal façanha. Os Amigos do Acaso, ao

presenciar o fim do colóquio são surpreendidos por Ace, tripulante do futuro que o

informa do fim do capitalismo em virtude do esgotamento de todos os recursos

minerais, não restando, então, tão somente alertá-los e governa-los. Uma grande

profusão de elementos são estabelecidos, como os duplos dos personagens,

práticas sexuais com cabras vestidas, a paranoia que começa de que existe um

outro mundo invisível que determina cada paço dos personagens entremeados a

busca interminável de lucro pelo capitalismo cercam o final desse capítulo, não

sabemos qual lugar estamos, qual a real relação entre o núcleo narrativo de Webb e

os do Amigos do Acaso.

Entrementes, teríamos o desenvolvimento de dois campos opostos, pelo

menos se utilizarmos recortes teóricos de Deleuze e Guattari, em o Anti-édipo

(2011). Os autores ilustram a formação do corpo esquizofrênico-paranoico no

processo capitalista o que Contra o Dia de Pynchon elenca perfeitamente: o polo

narrativo-paranóico que envolve Os Amigos do Acaso e os Filhos de Webb, na

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construção de um mundo-fora-do-romance que deve estar a regular e legislar sobre

seus objetivos, do lado esquizofrênico Vibe que ao engendrar na corrida pelo

capitalismo metamorfoseando índios em empregados-escravos globalmente,

começa a perder a identidade. Sua mente começa a adquirir espetacularmente dois

corpos, o dele e o de Faulker seu empregado. É nessa tensão sobre teorias do

tempo, sexualidade zoofílicas, paranoia e esquizofrenia que acaba a metade do

romance.

Bilocação é tema que será explorado até o final é também conhecido como

um fenômeno misterioso em que um corpo pode ocupar dois lugares ao mesmo

tempo, é o estranhamento entre o eu e o outro, a falta de sincretismo narrativo nos

conduzirá daqui em diante. A última parte, e a mais longa, extrapola qualquer

tendência simétrica que possibilite compreender e elencar todas as tramas,

disposições, espaço, tempo, identidade de qualquer personagem, temos uma

narrativa disforme, anômala que de tanto apresentar novas conspirações produz o

efeito contrário, pois já não sabemos o que está acontecendo por mais que

explicações possam ser oferecidas. Aqui estamos bem longe do que usualmente se

definiu e se defini as características modernas e pós-modernas do romance. No

romance moderno a característica subjacente a sua construção reside na elevação

na divergência entre o personagem principal e fundo histórico que lhe dá o

substrato, Dom quixote contra os moinhos de vento, Fausto e seu pacto com

Mefistófeles, Bloom e sua crise conjugal, Riobaldo e a luta contra seu desejo por

Diadorim, o romance pós-moderno elencaria a ironia desses personagens em torno

de suas próprias identidades, tratando com cinismo suas próprias motivações, mas

mesmo assim cumprindo-as. Crítica da razão cínica (2012) de Peter Sloterdejik é o

baluarte da apreensão dessas narrativas, que chegam ao ponto de apresentar o

problema narrativo (seja psicológico ou social pela qual compõe as dimensões das

personagens principais) e ironicamente apresentar uma teoria que racionalmente

explique e negue esses problemas, um exemplo desse tipo de romance é Eu quero

ser eu (2013) de Clara Averbuck.

Retratando a vida da adolescente Ira (Iracema) que gira da insatisfação da

mesma em torno de sua adaptação ao ambiente escolar. Se trataria de uma

narrativa padrão da vida juvenil, mas os conflitos não se travam contra os

regulamentos paternais opressora e o vislumbre de uma vida futura cheia de

desafios e de uma pretensa liberdade. Existe, como nos romances analisados, a

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ironia em torno dos modos de vida que a sociedade estabeleceu: qual função da

escola, se o conhecimento pode ser encontrado pela internet? Qual sentido da

função da escola senão a imposição de uma rotina banal? A reiteração da formação

de grupos, os populares, os nerds, os que sofrem bulling não passam de um

cotidiano banal, bem como as diversas formas de sofrimento engendrados pelo

sistema educacional. Ao mesmo tempo que Ira parece saber exatamente quem é,

sua identidade só é dada através da negação desses modelos, ilustrando

perfeitamente, pelo menos em certo sentido, dialética hegeliana, mas apenas em

certo sentido, posto que, para Hegel, o processo final haveria de postular o

reconhecimento do Eu de Ira no espírito, no universal. Na busca pela sua identidade,

ao mesmo tempo que renega os modelos, a mesma ironiza qualquer saída para o

impasse, o futuro, não parece um enigma a ser decifrado, mas apenas não oferece

qualquer saída seja de melhoria ou de pioria, sabe-se que deve buscar a felicidade,

contudo, a próxima sentença vem sempre com ironia, desde que a mesma não

passa de uma fabricação midiática. Se por um lado essa é leitmotiv essencial da

narrativa, as relações que que ela estabelece com seus pais liberais, com sua amiga

que gosta de mulheres, a paixão pelo professor de biologia, o curto relacionamento

com Bruno, o garoto mais bonito da escola, aparecem sempre como momentos em

que Ira se despreocupa de quem é ela, segundo, são relações que aparecem e são

deixadas de lado, fins de relacionamentos, mas sem um final concreto, como

demonstra o próprio final do romance: nada é enaltecido, nem seu futuro, nem seu

passado, nem mudanças significativas em qualquer personagem, apenas a volta a

rotina, agora em um outro colégio, outro lugar. A esfericidade, como apresentamos

como estruturante das narrativas precárias, é fundamental para entendermos Eu

quero ser Eu (2013): não há resolução de conflitos sem respostas ironicas,

formações de traumas que não se expliquem por ciência comportamental, elementos

centrais na trama que não sejam colocados como menos importantes, mas apenas o

longo e repetido de padrões, seu único desejo ser diferente sabendo cinicamente

como esse desejo faz parte de e é clichê de todo adolescente.

Contra o dia não é um moderno, como também não pode ser apresentado

como um pós-moderno, um simples non-sense, cujo o relato seria uma colcha de

retalhos girando em torno de pastiches e de um relativismo cultural que descentraria

qualquer pretensão universalista mostrando apenas conflitos específicos e

marginais. Ele é na verdade grandiloquente e megalomaníaco pois é o mundo que

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retratado no romance, que tenta engoli-lo e isso ilustra sua precariedade e seu

retumbante fracasso na medida em que é através de choques de perspectivas entre

mundos-personagens completamente irreconciliáveis em que a não relação entre

tempo, espaço, história, conflitos se configuram. Essa configuração estranha do

romance precário será definida por nós como uma distorção estrutural. A literatura

precária se configura não pela síntese antropofágica, mas por aquilo que não pode

ser mediado por esse processo, o que em química chamaríamos de entropia, ou

resto literário de acordo com Ludmer. Essa distorção estrutural (pelo qual teremos

que voltar em alguns aspectos do estruturalismo literário no segundo capítulo) é

causada quando elementos fundantes do romance são dissolvidos, retirados,

excluídos ou novos são inseridos, invertidos, extrapolados e exagerados seu efeito é

sempre um desequilíbrio constante do romance. Se compreendermos como tempo e

espaço elementos que condicionam a narrativa, no sentido transcendental.

2.4. N-1 COMO FORMA

Já em Graça Infinita (2014) de David Foster Wallace temos um outro exemplo

empírico de um romance que tem como objetivo tanto estético quanto

“conteúdístico” elaborar uma narrativa que ultrapasse os elementos modernos e pós-

modernos que subjazem a literatura. Se no primeiro caso, a incompatibilidade entre

o contexto narrativo, suas condições que se impõe as personagens principais, são

os elementos de contradição dialética, vejamos por exemplo algumas nuances de

textos de Machado de Assis (1994): Memórias Póstumas de Brás Cubas, mediante

a sua morte o protagonista tenta elaborar seus traumas e conflitos na busca de um

significado transcendental que ilumine os aspectos subjetivos de sua vida. Dom

Casmurro estruturalmente se impõe nessa mesma perspectiva, desloca-se, portanto,

não mais as temáticas e frustrações da vida e de seus desejos, mas no patológico11

ciúme de Bento por Capitu. Repete-se em Helena a mesma tensão dialética, o amor

incestuoso entre irmãos que não encontra sua realização. Aqui o escritor brasileiro

revela como se formou o sistema romance, isto é, praticando-se um constante

contraste entre aspectos antagônicos da vida moderna (trabalho, vida e linguagem)

entretanto sem propor saídas que não sejam pela ambiguidade e multiplicidade de

interpretações. Grande sertão veredas, que seguindo as revoluções no uso da

11 Devemos lembrar que para Lacan mesmo sendo factual a traição da esposa reclamada pelo Marido é ainda sintomático.

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linguagem já esboçadas em Macunaíma, também, é um repositório da realização

moderna do Romance, é todo o corolário atuante entre os aspectos paradoxais do

desejo que Riobaldo deve narrar e entender suas motivações, amo sexualmente um

Homem/Mulher Diadorim? Múltiplas interpretações seriam cabíveis, contudo, é na

interação com o leitor que o significado da obra estabelece-se. Essa

descontinuidade entre personagens e ambientes e a narrativa como processo de

síntese (falhada) é o ponto fulcral do romance moderno de acordo com Lukács. A

sincronia (conflitos dialéticos) correlacionam-se em acordo com a diacronia (o tempo

narrativo), assim, a descontinuidade do romance moderno vincular-se-á no polo

sincrônico, não a nível diacrônico. Já no romance pós-modernos, a descontinuidade

desloca-se para o nível diacrônico, como por exemplo em João Gilberto Noll. Temos

aqui o vértice máximo em que a fragmentação narrativa e improvisação em que

planos de ação são muitas vezes interrompidos em proveito de digressões, reflexões

e especulações em torno das relações entre o Eu e o Outro. O linearidade narrativa

é subdimensionada em prol de uma inflação antropológica dos vínculos humanos, o

tempo e o espaço são reduzidos seguindo progressivamente para a expansão

subjetiva, de um temporalidade íntima e minimalista. Solidão continental relata a

saga de uma personagem que trafega a América e continua a se sentir sozinho, uma

busca de si sem encontro algum, sem refúgio. O que chamamos de distorção

estrutural corresponde a um paradigma em que os dois aspectos sintagmáticos a

paradigmáticos não são colocadas em segundo plano, mas são visivelmente

elevadas invertidas, revertidas, isto é distorcidas compondo sua estrutura. Conflitos

diacrônicos enredam-se em conflitos sincrônicos, em que, muitas vezes, são

indissociáveis. Graça infinita apresenta com maestria a distorção estrutural que

caracteriza a escrita de Pynchon, mas também toda uma gama de escritores

brasileiros contemporâneos.

Os conceitos normativos de romance canonicamente estabelecidos pelo

modernismo, bem como de pós-moderno são inaplicáveis na distorção estrutural,

por uma lado é uma escritura que urge no limite do literário pois são romances que

levam ao extremo a reflexibilidade da própria obra, ou seja, se comecamos

indagando a Literatura por Teóricos como Compagnon e Todorov sobre os destinos

do literário, essa pergunta é obsessivamente realizado pelos próprios Romances:

eles se perguntam, sempre, o sentido da literatura, a quem ela serve, quais seus

caminhos e desvios? Entrementes diferentemente dos Teóricos as repostas não

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recaem num simples apelo humanista, catártico e pedagógico, o que encontramos, a

exemplo de Pynchon é o próprio fracasso de se contar uma história. Os mais de 400

personagens que habitam caoticamente sua narrativa não fazem mais do que

elencar que o romance querendo contar uma história a partir das mais diversas

perspectivas não consegue absolutamente coordenar um arco narrativo pela qual

consigamos seguir os rastros da história. São tantas informações dos mais variados

relatos do mundo que é impossível seguir uma continuidade, talvez essa seja sua

função, nos dissuadir, perdermos o fio da meada e esqueçamos do que é que se

trata propriamente. Contra o dia é um romance que caminha ao lado do pós-

modernismo, mediante a utilização do Kitsch, da paródia e da ironia, mas tenta levar

adiante um projeto de reformulação da prosa e da narrativa, pela distorção da

mesma. Não há centro único, não existe um crime ou elemento traumático de

referência (n-1), isto é, o elemento central não existe, na verdade, a função vazia

que poderá ser ocupada por qualquer elemento narrativo redistribuindo-a

qualitativamente. Nesse sentido, o que chamamos de distorção estrutural

corresponde a noção pleiteada por Deleuze e Guattari de n-1, ou seja, são

romances com um forte apelo a noções estruturais, mas que o distorcem e invertem

criando novas perspectivas estéticas e políticas de análise.

O enredo de Graça Infinita (2014) pode ser apreendido parcialmente da

seguinte maneira: a quatro grandes núcleos aparentemente distantes mas que

estabelecem vínculos seja na passagem de personagens, seja nas relações

temporais, seja no contexto espacial em que os acontecimentos se realizam, são

eles a família Incandenza, o centro de treinamento de Tênis, as reuniões dos

Alcoólicos Anônimos e as seções de interrogatório entre agências de espionagem

norte americanas com terroristas cadeirantes canadenses. A grandiosidade do

romance está em unir inovação estética e crítica política objetivando, se assim

podemos colocar, os paradigmas da paródia e do cinismo que beiram o romance

pós-moderno. Pois, é antes de tudo um debate sobre as condições de vida dentro do

panorama capitalista, do individualismo competitivo, do hedonismo como injunção

categórica que os diversos núcleos se entrelaçam. Não existem capítulos, mas

apenas indicação sobre o dia e o ano em que se deteve determinados

acontecimentos, com uma pequena ressalva, no romance os anos são subsidiados,

ou seja, não se trata mais de, por exemplo, de “2015”, mas do ano da fralda

geriátrica-depend, portanto, são empresas globais que pagam para que seu produto

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seja a referência ou nomeie o tempo em que se dá a narrativa. Dito isto, o início se

dá pela angustiante entrevista acadêmica pela qual passa Hal Incandeza, filho do

eminente cineasta James Incandeza que suicidou-se explodindo a cabeça num forno

de micro-ondas. Orin e Mario são seus irmãos, o primeiro, mais velho, vive

objetivando conquistar o que ele chama de Cobaias, mulheres objetos, que servem

de experiência para simular, no final do ato sexual, uma pretensa relação materna, o

segundo, nasceu deformado e deficiente na qual não consegue enxergar nas

pessoas nem a ironia ou cinismo que passeiam por todos os personagens, assim, é

a partir do campo perspectivo de Mario que o leitor é convocado a estranhar os

eventos mais absurdos que são os mais comuns e cotidianos no romance.

A academia de Tênis é o lugar em que se dá a convivência da Família

Incandeza com diversos outros personagens que possuem, cada um à sua maneira,

um traço peculiar como Pemullis, colega de Hall que era constantemente estuprado

pelo pai (o mesmo relata com humanidade – se é que isso é possível – a violação

noturna até o enfático dia da morte paterna). A questão aqui é a descrição minuciosa

e impressionista da utilização das mais variadas drogas, especialmente aquelas que

estimulam o potencial físico e a repetição contínua de significantes e até de fonemas

em parágrafos sem pontuação bem como a utilização de notas de rodapé ao final do

livro em que as formas como os produtos reagem são examinadas, contendo outras

notas que remetem a outros diálogos, suspendendo temporariamente a trama em

que se dava o romance para as tramas que se entrelaçam nos rodapés. E nesse

movimento continuo de faz o romance cortando o tempo narrativo com digressões

que levam a outras digressões, outros caminhos, outras notas.

Nas reuniões do AA Wallace permite uma análise crua e brutal tanto dos

frequentadores quanto da própria lógica institucional. Gatelly é a personagem

responsável por descortinar as diversas relações que perpassam esse núcleo. São

explorados vários depoimentos de “viciados” nas mais diversas drogas, os motivos

que fizeram determinada pessoa a usá-las, traumas, mortes, lutos dos mais diversos

possíveis, Lolly uma das novatas se apresenta e explica o motivo que a levou usar

craque, todas as noites ela presenciava o estupro que seu pai realizava contra sua

irmã mais nova que era deficiente física, nomeada pela mesma de “Acoisa”. Ao fugir

de casa, Lolly se prostitui e fica viciada, acaba engravidando tendo o filho nascido

viciado também e logo após falecendo, ela toma seu filho morto começa a

amamentá-lo, se culpando por sua morte, nunca tirando-o de seus braços, fazendo

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com que a polícia utilize de modos não lícitos para conseguir retirar o bebe morto do

carinho materno. Gatelly relata como os mais velhos, os fundadores do AA de

Boston, ao ouvir o relato apenas acham interessante não por puro descaso, mas por

estarem já acostumados a todos os tipos de humilhações e desgraças humanas,

acostumados a miséria, ao fundo do poço em que qualquer sujeito pode cavar ainda

mais. A imposição de crenças, consumos de outros produtos, o próprio vício de

contar sua história, as humilhações, controles, submissões são apresentadas ao

leitor com uma transparência absoluta, e aqui constitui-se a estilística de Graça

Infinita: dos múltiplos personagens todos possuem sua forma e maneira de falar, de

contar, seu maneirismos, gírias, com densidades sempre diferentes, assim, para

cada um temos um sujeito da enunciação, é sempre a perspectiva de determinado

personagem que é elencada, mas que não conduz a dissolução e fragmentação

narrativa.

Quarto ponto se dá nos diversos embates entre o espião travesti Stelep e o

“terrorista” canadense Morathe que se apresenta como um agente triplo, pois ele

fingi fingir que finge que está de alguma lado. São nessas passagens que o leitor

consegue compreender a situação sócio política que acomete o romance. Em seu

viés imperialista os Estados Unidos incorporam o México e o Canadá como

territórios para simplesmente despojar lixo tóxico que produzia em países

periféricos. Numa tentativa separatista, um grupo de cadeirantes terroristas se

reúnem com o plano de acabar com os EU utilizando o Entretenimento. Este último

acabamos por saber que foi um filme produzido por James Incandenza em que fora

proibido nos estados pois quem assistisse não conseguiria parar de assisti-lo, a

satisfação que a película produziria seria tamanha que o espectador não conseguiria

mais fazer nada senão assistir até os cérebros explodirem. O objetivo do grupo

separatista canadense é utilizar o filme para inviabilizar uma sociedade baseada no

consumo e no individualismo, daí que infindáveis debates entre Stelep e Morathe

entre o individualismo e ética que nos remetem as contraposições e críticas teóricas

e políticas elencadas por Adorno e Lacan quando confrontaram a filosofia kantiana e

as novelas sadeanas, Selep ao defender o liberalismo intransigente que prega o

individualismo em suas últimas consequências é sempre alertado por Morathe das

consequências sadeanas dessa posição.

2.6. A ESFERICIDADE DE 2666

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No monumental 2666 de Roberto Bolaño temos o expoente do que

poderíamos chamar de literatura precária, na medida em que incorpora temas que

fogem de uma centralidade narrativa, não existe o acontecimento desencadeador do

romance, como por exemplo em James Joyce de Ulisses que se centra na

dificuldade entre o relacionamento entre Bloom e Molly, mas uma série de eventos

que inicialmente deveriam ser considerados como secundários que articulam-se com

desencadeamentos sem grandes inoperâncias no interior da trama, possuindo na

tradução brasileira cerca de 900 páginas e divididos em cinto grandes capítulos, A

parte dos críticos, A parte de Amalfitano, A parte de Fate, A parte dos crimes e A

parte de Archimboldi, por mais que a primeira vista os elementos narrativos possam

parecer dispersos, qualquer leitor consegue minimamente estabelecer várias

relações causais entre os diversos momentos, por mais que a temporalidade

cronológica não seja em absoluto uma dimensão ontológica a ser respeitada. Em

nossa opinião, o leitor pode começar o livro pelo capítulo que desejar já que as

tramas intercalam-se complexamente, personagens que tem um grande

desenvolvimento num primeiro momento são abandonados e suas motivações são

explicadas por outros que pertencem, no contexto do Romance, a um outro tempo

seja no futuro, seja no passado. Escapando do tom confessional, subjetivista e

intimista que caracteriza as narrativas contemporâneas, Bolaño nos apresenta a ira,

a violência, a ironia, a paródia, a constante mudança do tom narrativo em que

incorpora elemento tradicionais a tons jornalísticos dos relatos que são

desenvolvidos. Dificilmente conseguiríamos dizer, de certo e sem cometer erros ou

equívocos, do que se trata o romance, bem como é inútil afirmarmos de um romance

da américa latina dado todos os elementos que são tratados absorvidos em sua

escrita, em termos puramente sociológicos, são as diversas relações entre Europa,

América do Norte e a América do Sul como elemento geográficos que

contextualizam as idas e vidas de temas e seus conflitos.

Na primeira parte, a dos críticos, se refere ao estabelecimento e

canonização de um escritor até então desconhecido, Archimboldi, os críticos, Morini,

Perier, Norton e Espinoza pertencentes cada um a um país diferente, Itália, França,

Inglaterra e Espanha respectivamente conhecem-se através de vários encontros e

congressos realizados em torno do escritor que começa a tomar dimensões

descomunais no que se refere a sua importância acadêmica. Formada a amizade

entre os quatro diversas relações de ódio, de exclusão, eróticas se estabelecem,

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contudo, sobre o que Archimboldi escreveu, sobre o conteúdo de seus romances

não é disto em parte alguma dessa trama, o leitor começa a ter a impressão que

Archimboldi não passa de um subterfúgio para as relações que se estabelecem

entre os quatro, transformando aquilo pelo qual inicialmente seria o mote inicial da

trama como uma causa ausente, já que não encontram Archimboldi bem como não

sabemos sobre o motivo pelo qual os seus romances se tornam tão imprescindíveis

ao chegar ao ponto de realizar o congresso internacional sobre a importância de

Archimboldi no século XX.

Na parte de Amalfitano, personagem que adquiri certa importância na

primeira parte por conduzir os críticos europeus a busca de Archimboldi no México,

sua história é contada tendo dois ponto iniciais: a relação conflituosa com sua

esposa que o deixa em virtude de um amor romântico por uma misterioso poeta

louco, sua saída da Europa para respirar novos ares no México assim como criar

sua filha se dá aparentemente com conflitos que estabelecem com relações locais,

aos mesmo tempo que é considerado pelos acadêmicos locais como um professor

com experiência na Europa, como um potencial colonizador intelectual dos bárbaros

mexicanos, Amalfitano recusa em parte a demanda em que lhe é endereçada, se

dedicando a estranhos hábitos que pela parte de sua filha parecem loucura, como

escrever aleatoriamente nomes de teóricos e literários, pendurar na varanda um livro

de geometria para, ao estilo de Duchamp, algo disso faça alguma sentido.

A terceira parte conta um pouco da história de Fate, jornalista de um jornal

sobre afrodescendente norte americano incumbido de realizar um cobertura de boxe

no México, acaba por se interessar em torno dos diversos acontecimentos que

acometem a cidade de Santa Tereza, principalmente os constantes assassinatos

cometido contra mulheres, conhecendo em sincronia Lola, filha de Amalfitano, essa

parte se constitui como o prelúdio da quarta parte a mais densa em que convergem

as histórias.

O capítulo em torno dos crimes congrega tanto os passados como o último,

sendo assim, nos deteremos especificamente a ele posteriormente por propósitos

puramente teóricos, pois é nele que a distorção estrutural se esboçava de maneira

pululante. Disto isto, a parte de Archimboldi traça a odisseia de um soldado alemão

na segunda guerra mundial, seu passado, um pai que participou da primeira Guerra,

sua mãe e sua irmã Lotte que adquirirá uma importância seminal. Hans Reiter que

no decorrer da segunda guerra se vê impelido a assassinar um colega antissemita

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pós o aprisionamento de ambos por soldados Americanos, é, portanto, solto do

confinamento em que vai encontrar sua namorada Igenborg como que por acaso do

destino, neste ponto o ímpeto de escrever os romances se concretizam e a busca

por um editor ou alguém que o auxilie nessa empreitada se configura como matriz

da narrativa. O pseudônimo Archimboldi é utilizado por dois motivos: o primeiro por

medo de Reiter de que a polícia descubra o assassinado por ele cometido, por outro,

por lembrar que o pintor Archimboldi era sempre uma fonte de apaziguamento para

Sansky que deixou um diário pessoal que inspirou em muito Reiter.

A esfericidade do romance enquanto elemento n-1 se manifesta no

“ultrapassamento” de fronteiras nacionais em que ela utiliza enquanto referente, se

passa em diversos lugares com personagens das mais diversas nacionalidades,

muito dos quais são simplesmente abandonados no decorrer da narrativa, se

constituindo como quase-personangens, característica partilhada por Pynchon e

Wallace, já que aparecem como indecidíveis em sua importância no Romance, não

sabemos ao certo sua importância se seguirmos uma leitura friamente sincrônica, na

medida em que, o que é dito em outro tempo histórico, em outras localidades,

hipoteticamente desencadeariam acontecimentos pelos quais já sabemos

remodelando por completo toda a história que imaginativamente já saberíamos. A

duas fala de Igenborg essenciais pois demonstram nossa tese em torno do romance,

a primeira sobre sua crença nos Astecas mexicanos, como povos dignos, o segundo

sobre a relação entre violência contra a mulheres, para ela a feminilidade e sua

atração por homens violentos são um característica essencialmente erótica, como

jogadores de pôquer que apostam sua vida.

Os crimes, quarta parte de 2666, desenvolve uma escrita incendiária já que

todos os crimes relatados por Bolaño possuem um referente, foram cometidos

realmente se constituindo como relatos jornalísticos, objetivos para não dizer

neutros. São relatados mais de 100 crimes contra mulheres na cidade de Santa

Tereza no México, lugar na qual convergem e interconecta as demais narrativas.

Entre os assassinatos brutais contra mulheres se desenrola também crimes contra a

Igreja que ironicamente chamam mais atenção da população do que os primeiros,

Bolaño com isso quer enfatizar a vida nua, para utilizarmos o conceito de Agamben

(2011), em que as mulheres são colocadas, em segundo plano pelo estado, pois o

despreparo, conivência e desinteresse pelas as mortes apresenta-se pela a maneira

como os responsáveis pela investigação.

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Não temos nessa escritura nenhum elemento dos romances policiais ou

mesmo pulp-ficcion, que para Foucault (2014) foi estabelecido como forma

discursiva de retirar da população o direito de louvar seus próprios criminosos, de

narrar as violências cometidas por pessoas “comuns” contra o estado-nação. No

romance policialesco os vilões são elevados a grandes personalidades, inteligentes,

com formas de vidas esteticamente burguesa ou aristocrática. Bolaño simplesmente

desmonta e desconstrói esse aparato formal, já que não saberemos quem mata, não

há um fim, ou uma resolução para o problema, as narrativas sobre os crimes contra

as mulheres são vinculadas as investigações policiais que nunca alcancem o

prometido, publicitando o sarcasmo pelo qual as instituições parecem corroborar –

um policial que se envolve com a diretora de um ofício, descrição minuciosa de

personagens que não tem absolutamente nada a acrescentar a investigação – e que

ironicamente, aquele que mostrava um real interesse político e social contra esses

crimes se chama Lalo Cura (homofonia de A loucura). A parte dos crimes se conecta

de múltiplas formas com os demais capítulos, seja temporal, todos estão em alguma

medida sincronicamente relacionados, mas é com o primeiro capítulo, A parte dos

críticos que a tensão se desvela de forma contundente: praticamente os intelectuais,

grandes conhecedores da obra de Archimboldi não conseguem interagir, entender,

compreender a violência, a exclusão, a transformação de vidas em abjetos,

demonstrando como a universidade não consegue estabelecer qualquer relação

com o mundo, não consegue dar voz as narrativas (aos crimes barbaramente

cometidos) ao seu rodar, a comunicação entre o primeiro capítulo e o quarto se dá

não comunicação, pela incapacidade política em reconhecer e responder a

barbaridade pela qual essas mulheres são acometidas.

Aqui se realiza a deformação da estrutura em 2666, a capacidade que a

escritura tem de promover formas de reconhecimento dessas mortes, dessas

perdas, se constituindo como atos críticos de resistência e de interpretação, da

necessidade de reconhecimento do luto. Contudo, 2666 resiste também contra sua

transformação pedagógica, característica que encontramos na literatura precária, ele

não se coloca acima do mundo, não são literaturas que contemplam a destruição e a

violência, elas não estão no regime que Lukács denominou de Grande Hotel

Abismo, de intelectuais que apontam para o fim dos tempos, mas de seu lugar

confortável que ironicamente nos remete a figura de Adorno, o bastião da autonomia

estética da arte e literatura moderna. Nas formas precárias de literatura somos

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convidados a participar da degradação do mundo, na medida em que estamos

conectados a ele pelo vazio instaurado pelo limite da representação, o leitor é

também um leitor precário aparecendo enquanto espectro na própria obra, como o

rei e rainha pintados por Velasques em Las meninas, participamos, enquanto

distorção, nunca como objeto principal, estamos precariamente inseridos no texto

(FOUCAULT, 1998).

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3.0 A PRECARIEDADE CONTRA A LITERATURA MENOR

Temos que diferenciar, portanto, o movimento da deformação da estrutura

que faz parte de um conjunto maior que chamaremos de Literatura precária da

concepção de Literatura menor como proposta advinda de Deleuze e Guattari12

(2014) em sua Leitura sobre a obra de Kafka. O projeto epistemológico dos dois

filósofos é, inicialmente, contrapor interpretações psicanalíticas que permeiam a

escritura kafkiana, posteriormente, desenvolver conceitos que constituam uma

renovação das significações dos textos de Kafka, contudo, alertamos ao leitor que

não nos deteremos na conveniência ou não da interpretação de Deleuze e Guattari,

mas apenas em suas propostas teóricas e da impossibilidade de apreendermos na

literatura contemporânea suas postulações.

Se Kafka, para Deleuze e Guattari, constitui a expressão de uma Literatura

Menor deve-se pelos principais eixos conceituais: a utilização estética da língua

alemã por um Judeu, o “ultrapassamento” da psicologia das massas contra uma

individual e, por último, a enunciação coletiva que permeia todo o enunciado. O

efeito desejado por Deleuze e Guattari é a desterritorialização que a literatura ou a

máquina literária produz acompanhada de um desejo imanente. Assim, a literatura

menor estaria vinculada a uma forma de experimentação “anti-representacional”, em

que toda interpretação que apontasse um sucedâneo de crítica social na

composição literária apenas reproduziria um outro de “territorializá-la”. O que Kafka

institui vincular-se-á ao rompimento com as formas clássicas de composição da

teoria literária na medida em que ela trabalharia no corolário “edipianização” como

pressuposto teórico, compreendendo, por exemplo, os romances A metamorfose, O

processo, O castelo, como modelos resultantes de um conflito entre Lei (família,

12 Muito de nossas apreciações sobre os romances analisados concordam com algumas posicionamentos teóricos especialmente de Gilles Deleuze, em nossa interpretação de sua obra que em si só ultrapassaria as intenções desse artigo, encontramos um Deleuze estruturalista especialmente em livros como A lógica do sentido em que retoma vários aspectos dessa corrente e um dos aspectos essenciais se deve em apontar como a estrutura, esse conceito mal-dito, é dinâmica e sempre se deve a deformações continuas muito mais próximo do cálculo infinitesimal do que dos modelos euclidianos estáticos. A decisão epistêmica de enfatizarmos um aspecto do que outro, ou propor um Deleuze contra Deleuze (e Guattari) apenas leva em consideração o aspecto transversal de obra.

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Direito, Pai) e os indivíduos que não reencontram o seu lugar ou conforto perante

aos processos sociais.

Para Deleuze e Guattari a incongruência entre Lei social e indivíduo

resultante das várias interpretações que a obra de Kafka resulta erra o alvo, pois a

literatura menor é fundamentalmente desconforto, estranheza, que a própria escrita

provoca ao escritor, se tratando, destarte, pela utilização de minorias da linguagem

própria dos colonizadores, Kafka um judeu em praga que escreve na língua alemã

signo, pelo menos em época, da violência nazista. Uma literatura menor é definida

como a utilização estética de um universal pelo particular cortando divisões e

encadeamentos clássicos entre alta cultura e cultura de massa tendo como efeitos a

produção de uma serialização de desejos que compõe os personagens humanos

animais de seus escritos, como ratos, gatos, insetos, por exemplo.

A Literatura precária não se apresenta nestes termos, não produz a

imanência do desejo, e nem serve e nem funciona nos moldes de uma relação entre

lei e indivíduo, no interior do romance. Pensemos apenas a título de digressão a

antítese pelo qual se estabelece Kafka e Pynchon, Wallace e Bolaño, enquanto o

primeiro era animado pela vontade de destruição de sua literatura, os “segundos”

desejam ser concebidos como um princípio para-além da literatura, homólogo ao

que Barthes e Ludmer prenunciam como escritores sem o literatura. A precariedade

da literatura pela qual Pynchon, Wallace e Bolaño apontam se dá pela recusa de

uma concepção menor, pois os três elementos definidos por Deleuze e Guattari são

veementemente rechaçados, não encontramos o descompasso linguístico, elemento

de minoria, de um judeu que utiliza a língua alemã, não há um coletivo ou um por vir

de povo como efeito de escrita, diríamos até que a noção de coletividade é

inaplicável a esses romances. A precariedade e seu efeito de distorção e

deformação estrutural é composta por personagens precários, sem heróis, sem

promessas, sem relações entre causas e efeitos, sem início meio e fim, a escrita é

usada ininterruptamente de forma reflexiva na medida em que em relação a essas

séries é sempre um elemento que por faltar ou por estar em excesso contamina a

narrativa, Pynchon o mundo enquanto excesso, Wallace o entretenimento não

assistido pelo leitor, Bolaño os romances de Arquimboldi que nós não lemos. Essa

linha tênue, função vazia ou excessiva, que organiza um aspecto de grandes

narrativas contemporâneas, desfaz-se o épico, o moderno e o fragmento em prol do

precário.

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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS

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