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2. PLANEJAMENTO URBANO E QUALIDADE DE VIDA

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Os instrumentos políticos de planejamento urbano devem estabelecer normas de interesse social para ordenar o uso da infraestrutura e dos espaços urbanos por todos os cidadãos. Devem também garantir o bem coletivo, a segurança e o bem-estar dos habitantes e assegurar o equilíbrio ambiental.

Para além das edificações inteligentes, a cidade sustentável se constrói a partir da qualidade do espaço e dos serviços urbanos, nas praças, parques e áreas de lazer, nas vias de circulação, escolas, hospitais, áreas de preservação ambiental e outras infraestruturas locais e comunitárias.

Ter consciência da “cidade real”, como denominado pela urbanista Erminia Maricato, é o primeiro passo para combater o rumo predatório – social e ambiental – que muitas das grandes cidades brasileiras historicamente adotaram. Dentre os parâmetros usados para avaliar a qualidade de vida na cidade, estão: a evolução das matrículas nas escolas; a disponibilidade de leitos nos hospitais; o atendimento a gestantes; a mortalidade infantil; a longevidade dos habitantes; o número de homicídios e a favelização, além dos indicadores econômicos.

A evolução dos indicadores urbanísticos (que têm relação com a ocupação do território), por sua vez, é bastante negativa:

a ocupação inadequada do solo compromete áreas ambientalmente sensíveis como beira de córregos, mangues, dunas, várzeas e matas;

o crescimento das ocupações ilegais é exponencial;

a ocorrência de enchentes é frequente, devido à impermeabilização exagerada do solo e ao comprometimento das linhas de drenagem;

a ocorrência de desmoronamentos com mortes está associada à ocupação inadequada de encostas;

os recursos hídricos e marítimos são comprometidos com o despejo de esgotos, entre outros.

A necessidade de melhor planejar a ocupação territorial se estende por todos os municípios do Brasil, como mostra a comunidade instalada às margens do rio em Manaus (AM).

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CADERNO DO PROFESSOR32 XXV PRÊMIO JOVEM CIENTISTA

Através do planejamento é possível avaliar a situação atual e propor ações adequadas para construir cidades mais sustentáveis, com justiça e qualidade de vida para todos. O plano deve partir de uma visão do futuro que se quer. E, no meio urbano, o futuro é, sobretudo, uma construção social que diz respeito a todos, envolvendo trabalho em grupo, convivência e respeito ao outro, ou seja, a percepção da riqueza da sociabilidade e o papel fundamental de cidadãos bem formados e informados.

Além do olhar para o presente, a construção de um futuro urbano mais sustentável eventualmente pede um olhar para o passado. O Brasil conta com cidades bem planejadas, fundadas e construídas sob regras urbanas adequadas para sua época, pensadas e desenhadas por profissionais com elevado nível de competência como o arquiteto Luis Dias, que desenhou Salvador (BA) no século XVI; Francisco Frias de Mesquita, responsável pelo traçado de São Luis do Maranhão, no século XVII; José Fernandes Pinto Alpoim, projetista de diversas edificações do Rio de Janeiro e Minas Gerais, e D. Luis Antonio de Sousa Botelho Mourão (Morgado de Mateus), fundador de diversas cidades ao longo da Estrada dos Goiases, ambos no século XVIII. Porém, a rejeição à dominação colonial e todos os preconceitos dela advindos – de ambos os lados, colonizadores e colonizados – “apagou” essa memória. Conforme comenta Nestor Goulart Reis, em sua pesquisa sobre a documentação iconográfica das vilas e cidades brasileiras, a “negação de aspectos fundamentais da vida colonial talvez seja responsável pelo completo esquecimento... da existência de algumas atividades urbanísticas nos séculos XVI e XVII e do intenso trabalho realizado neste campo no século XVIII”.

Plano de Olinda (PE), desenhado em 1630: dispo-sição das casas na frente dos lotes fechava acesso aos quin-tais, onde eram feitas hortas e pomares e animais eram criados sem contato com as ruas.

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33CAPÍTULO 2 PLANEJAMENTO URBANO E QUALIDADE DE VIDA

A partir de 1605, as plantas e as projeções que ilustram este planejamento em manuscritos, aquarelas e gravuras são acompanhadas de observações sobre a captação de água; o acesso à cidade por terra, mar ou rios; os sistemas de defesa. Também demonstram a localização das estruturas de governo e o desenho das ruas e quarteirões. Uma das plantas da cidade de Olinda (PE), de 1630, demonstra a preocupação dos urbanistas em organizar os quarteirões de modo a restringir a circulação de animais domésticos aos quintais, totalmente cercados por casas e subdivididos em hortas e pomares. Cavalos e bois (meios de tração da época) não podiam ser amarrados em qualquer lugar: tinham seus “estacionamentos” reservados, com água e ganchos próprios para prender as rédeas. O traçado das ruas obedece à lógica do terreno, com curvas de nível. O calçamento era permeável, feito de pedras (pois ainda não havia asfalto) e ladeado por valetas para o escoamento de enxurradas. Os pisos das casas eram isolados do chão, para garantir o isolamento térmico. E as calçadas eram altas – como ainda se vê em Ouro Preto (MG) ou em Goiás Velho (GO) – para evitar a entrada da água na estação chuvosa ou para permitir a convivência com as marés mais altas, como acontece até hoje em Parati (RJ).

O olhar para o passado, se despido de preconceitos, permite confirmar a durabilidade de estruturas e equipamentos urbanos, quando adequados ao território e ao uso. As cidades planejadas entre os séculos XVI e XVIII hoje estão transformadas, expandiram seus limites, multiplicaram sua população. Mas saber como foram planejadas pode contribuir para a busca da sustentabilidade. Não se propõe aqui uma volta ao passado, mas o estudo de soluções diferentes das atuais para os serviços e os espaços urbanos, com menos demanda por energia e, às vezes, tão eficientes quanto as novas alternativas.

As cidades brasileiras atuais sofrem com a falta crônica de políticas públicas de longo prazo e de capacidade de investir nos serviços urbanos. O planejamento urbano foi substituído por conjuntos de medidas de emergência com fortes componentes eleitoreiros, incapazes de dar conta do acelerado processo de urbanização, que teve taxas altíssimas entre os anos 1950 e 1970, e segue crescente, apesar de 84% da população já viver em centros urbanos.

Plano de Salvador, desenhado em 1624: traçado das ruas era adequado ao relevo e calçadas eram elevadas para prevenir danos causados por enxurradas.

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CADERNO DO PROFESSOR34 XXV PRÊMIO JOVEM CIENTISTA

O que é planejamento urbano

O conceito de Planejamento Urbano engloba concepções, planos e programas de gestão de políticas públicas em uma área urbana definida ou em uma cidade, por meio de ações que permitam harmonia entre intervenções no espaço urbano e necessidades da população. Deve levar em consideração os aspectos socioeconômicos, respeitando condicionantes do meio ambiente e produzindo boa qualidade de vida para seus habitantes.

O principal instrumento do planejamento urbano é o Desenho Urbano (em Inglês, Urban Design), entendido como um projeto que permite vislumbrar o resultado conjunto e integrado das intervenções urbanas quanto à aparência, à funcionalidade e ao uso dos espaços urbanos. Em atenção aos imperativos de redução das desigualdades e de promoção da justiça social, o planejamento urbano permite propor ações para atender às necessidades sociais de modo adequado, com foco nas populações mais vulneráveis econômica e socialmente. Inclui programas de moradias, políticas de geração de trabalho e renda, indução de atividades da economia criativa, planos de mobilidade urbana, programas de atendimento das populações mais carentes, dentre outros, sempre levando em consideração aspectos ambientais, impactos das mudanças climáticas e os critérios de sustentabilidade. (www.cidadessustentaveis.org.br).

Cidades com metas de sustentabilidadeQuando se verificam as atividades de planejamento urbano mais importantes, no mundo, destaca-se o caso da China. Uma série de novas cidades de 2 a 4 milhões de habitantes vem sendo implantada em torno das maiores cidades existentes, para receber uma população proveniente do meio rural. Em muitos casos, o governo contrata importantes arquitetos e urbanistas do Ocidente para desenvolver projetos e planos, lá adaptados para as condições e interesses dos chineses. Essas cidades recebem grandes investimentos para criar faixas para bicicletas e motocicletas elétricas, centros de lazer, shoppings e metrôs. Só o metrô de Shanghai, por exemplo, foi construído em 12 anos e tem atualmente 660

EM RESUMO

O planejamento urbano avalia a situação atual e propõe ações adequadas para construir cidades mais sustentáveis, com justiça e qualidade de vida para todos. O plano deve partir de uma visão do futuro que a comunidade quer, mas eventualmente pede um olhar para o passado, que permita confirmar a durabilidade de estruturas e equipamentos urbanos, quando adequados ao território e ao uso.

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quilômetros de extensão, superando o de Londres, o metrô mais antigo do mundo (inaugurado em 1863) e até então o mais extenso (408 km). As moradias ficam em grandes conjuntos habitacionais verticais – geralmente com 30 andares – cujas áreas térreas têm uso comercial e de serviços.

No Ocidente, o governo francês é conhecido pela forte tradição de planejamento territorial – tanto regional como urbano. Em 2009 resolveu desenvolver projetos para a Paris Metropolitana de 2030. Dez equipes formadas por arquitetos, urbanistas, sociólogos, antropólogos e outros especialistas de todo o mundo foram convocadas, com “absoluta liberdade para sonhar”, para desenhar a metrópole do século XXI, ecológica, sustentável, com meios de transportes menos poluentes, energias renováveis e integradas aos subúrbios. Os projetos expostos, promoveram um grande debate público sobre o futuro, de onde sairá o planejamento de fato.

Em Sydney, Austrália, em 2005, o governo local lançou a sua estratégia metropolitana chamada Cidade das Cidades: Um Plano para o Futuro de Sydney. Inicialmente o horizonte era 2031, agora revisto para 2036. O plano é garantir o acesso igualitário à infraestrutura e aos serviços de Sydney, concentrando o crescimento populacional no centro urbano, de modo que os moradores não precisem viajar mais de uma hora por dia para trabalhar ou ter acesso aos serviços, aos espaços de cultura, ao entretenimento ou lazer (www.cidadessustentaveis.org.br).

Você, Professor(a), pode planejar metas de sustentabilidade com seus alunos, criando, por exemplo, a Comissão de Meio Ambiente e Qualidade de Vida na Escola (Com-Vida). A Com-Vida, que é um espaço permanente e dinâmico de jovens interessados em melhorar a qualidade de vida do Brasil. Na publicação Formando Com-Vida, Comissão de Meio Ambiente e Qualidade de Vida na Escola: construindo Agenda 21 na escola, formulada pelo Ministério da Educação, você encontra ferramentas de planejamento e mobilização para organizar uma comissão de jovens comprometida com a sustentabilidade da escola e da comunidade.

Moradores do oeste do Paraná fazem diagnós-ticos de suas microbacias, que resultam em planos de ação para a melhoria da qualidade e da disponibilidade de água em seus municípios.

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CADERNO DO PROFESSOR36 XXV PRÊMIO JOVEM CIENTISTA

Planejamento participativo: aprender a decidir em grupoA participação ativa da população nas tomadas de decisões é essencial para a gestão do espaço público e dos ambientes urbanos. Intervenções como as mencionadas acima, nos exemplos de Paris e de Sydney, precisam ser discutidas com os moradores que serão diretamente impactados.

É necessário, portanto, que a população se prepare para discutir e decidir em grupo. Da mesma forma, representantes de entidades governamentais e não governamentais devem se preparar para ouvir e atender aos anseios da população.

No Brasil, os anos 1980 e a transição democrática motivaram o surgimento de numerosas experiências de organização popular, muito heterogêneas em relação às suas práticas políticas. Em comum, esses movimentos buscavam maior participação da população organizada nas decisões da administração pública, após anos de exclusão dos interesses sociais na agenda governamental, durante o período de ditadura militar (1964-1985).

Entre as inovações democráticas foram criados Conselhos Gestores de Políticas Públicas – espaços participativos cujos interesses por políticas públicas ligadas ao território são compartilhados pelas representações da sociedade e do poder público. Os Conselhos Gestores inserem-se num contexto de reforma urbana, descentralização e autonomia dos municípios, contemplado pela Constituinte de 1988. São instituições cujo sentido é a partilha do poder decisório e a garantia de controle social das ações e políticas.

Os Conselhos Gestores tratam de educação, assistência social, saúde, habitação, crianças e adolescentes, emprego, meio ambiente, políticas urbanas, políticas agrícolas, cultura, portadores de deficiências, idosos, direitos das minorias, dentre outros assuntos que afetam a vida da população. E através dos instrumentos contidos no Estatuto da Cidade (Lei Federal No 10.257, que estabelece diretrizes gerais de política urbana), os Conselhos Gestores também permitem o aprofundamento da discussão sobre a gestão urbana.

Outros instrumentos importantes para auxiliar na garantia de uma cidade mais justa e equilibrada são: o Plano Diretor Participativo, lei municipal elaborada com participação popular, que estabelece diretrizes para a adequada ocupação do município; a Agenda 21, grupo de diretrizes para o desenvolvimento sustentável estabelecidas durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente (Rio-92); as Agendas Locais de Desenvolvimento, desdobramento das diretrizes

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da Agenda 21 para as cidades; e o Conselho de Cidades, um órgão colegiado deliberativo e consultivo do Ministério das Cidades, criado em 2004 para elaboração da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU). Todos são instrumentos de planejamento e de desenvolvimento urbano e implicam na participação da sociedade para discutir, definir e elaborar planos de ações para as cidades. Assim, é importante que a sociedade conheça os temas discutidos e participe das reuniões e audiências públicas.

Só assim a sociedade poderá cobrar da gestão municipal a qualificação da administração pública relacionada ao planejamento e gestão do território, em lugar da atuação por ações pontuais que servem apenas para remediar algum problema urgente ou imediato. A gestão municipal plena somente se concretiza com processos ativos de participação e controle social, que possibilitam reflexões sobre o futuro da sustentabilidade urbana com base em um enfoque socioambiental.

No Paraná, associações de catadores, empre-sas como a Itaipu Binacional, e prefeituras se uni-ram para melhor gerir os resíduos urbanos, inovan-do com a criação de um carrinho elétrico.

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CADERNO DO PROFESSOR38 XXV PRÊMIO JOVEM CIENTISTA

Uma das reflexões centrais no planejamento urbano é a do desenvolvimento sem comprometer o equilíbrio ambiental, econômico e social: como será possível às administrações governamentais gerir as cidades e ainda manter o crescimento, assegurando, ao mesmo tempo, a preservação e a conservação ambiental?

Embora nenhum parâmetro ou modelo ideal sirva como receita, entre os primeiros passos está a construção de políticas públicas empenhadas na elaboração de programas e projetos eficientes, assegurados através de legislações coerentes, com participação social, programas de valorização ambiental e capacitação de pessoas que possam incentivar, fiscalizar e aplicar as leis.

O Brasil vive um momento histórico complexo e paradoxal. A ampliação do modelo de produção industrial baseado em saltos tecnológicos e no alto consumo de energia resultou em uma constante situação de crise. O saneamento ambiental (acesso a água tratada, afastamento de esgotos e coleta de lixo, pelo menos) ainda não foi universalizado, apesar do aumento recente dos investimentos. As principais causas de internações hospitalares continuam sendo doenças de veiculação hídrica. Boa parte do país segue vivendo em risco sanitário e as piores condições de moradia estão associadas às áreas de maior risco de inundação e contaminação.

Paralelamente, a população brasileira enfrenta, como a dos países ricos, o crescimento de doenças cardiovasculares, causadas pelo modo de vida sedentário e pela mudança nos costumes alimentares (excesso de alimentos processados industrialmente, refrigerantes, sal). Aumentam as doenças respiratórias relacionadas à poluição do ar e a problemas de insalubridade na moradia (poeira no inverno, falta de ventilação e insolação). É altíssima a incidência de mortes e deficiências causadas por ações violentas, em especial acidentes de trânsito e comportamentos violentos associados ao acesso a armas e alcoolismo.

Tal situação – de extrema gravidade – é gerada em um quadro de urbanização incompleta. A inexistência e/ou inoperância dos serviços de saneamento somam-se à precariedade das moradias e dos serviços de educação, saúde, segurança pública, tornando a vida urbana dura, incômoda e arriscada para a população. Os mais pobres estão mais sujeitos aos efeitos da falta de saneamento e saúde pública e seus locais de moradia concentram mais dejetos. Mas isso não significa que os mais ricos ou remediados tenham práticas menos poluentes ou mais saudáveis.

Começam a surgir, no entanto, exemplos de cidades em busca de soluções. Em Araluaí, (MG), um programa iniciado em 2005 articula tecnologias sociais, potencializando o trabalho de educação popular já existente e implementando novas ações nas áreas de segurança alimentar e hídrica, agroecologia e energias

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renováveis. O desenvolvimento local foi reorientado no sentido da sustentabilidade em suas dimensões social, ambiental e econômica. “A transformação social como causa, um Brasil sustentável como meta”, é o lema do município. Para atingir os objetivos, população e governo municipal usam três estratégias metodológicas: o território como ponto de partida, as alianças interinstitucionais e as tecnologias conectadas de forma sistêmica. E todas as atividades estão conectadas com os sete focos do projeto: água, energia, alimento, habitação, trabalho, educação e cultura. (www.cidadessustentaveis.org.br)

Energias limpas e uso racional de energiaEntre os diversos aspectos fundamentais para uma cidade atingir algum tipo de sustentabilidade destacam-se a produção e o uso de energia. As atividades humanas atuais dependem principalmente de fontes de energia fósseis (carvão mineral, gás natural ou petróleo) e minerais (urânio), seja na forma de eletricidade – termelétricas, geradores, caldeiras, usinas nucleares – seja na forma de combustíveis – gasolina, diesel, querosene de aviação, combustíveis náuticos, células nucleares. As reservas dessa energia, no entanto, estão concentradas em algumas regiões do planeta (Oriente Médio, Alasca, Rússia). Isso quer dizer que custam caro e não podem ser renovadas, visto que derivam do acúmulo de matéria orgânica ocorrido há milhões de anos, em condições muito particulares.

EM RESUMO

A população deve se preparar para discutir e decidir em grupo. Da mesma forma, representantes de entidades governamentais e não governamentais devem se preparar para ouvir e atender aos anseios da população. A gestão municipal plena somente se concretiza com processos ativos de participação e controle social.

Aprendizagem para a convivência social:

Aprender a não agredir seu semelhante;

Aprender a se comunicar;

Aprender a interagir;

Aprender a decidir em grupo;

Aprender a cuidar de si;

Aprender a cuidar do entorno;

Aprender a valorizar o saber social.

(Movimento Cidadania pelas Águas)

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CADERNO DO PROFESSOR40 XXV PRÊMIO JOVEM CIENTISTA

Já as energias de origem vegetal (biomassa, etanol, biodiesel), solar, eólica, geotermal, cinética e de ondas ou das marés são consideradas renováveis. Suas reservas não se esgotam, são fontes renovadas continuamente. Além disso, em diversos casos, sua produção pode ser descentralizada, autônoma, modular e local, o que as torna muito interessantes para os centros urbanos. Sem contar que o aproveitamento das formas renováveis de energia também evita ou reduz as emissões de poluentes químicos prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente e as emissões de gases do efeito estufa, associados às mudanças climáticas.

Para imaginar uma cidade mais sustentável, o arquiteto britânico Richard Rogers propõe uma transformação da atuação da economia e da sociedade de um metabolismo linear (que precisa de muitos recursos externos e gera muitos resíduos), para um metabolismo circular (no qual a cidade e seus habitantes consomem e também geram energia, alimentos, bens, além de resolver a questão dos resíduos no próprio território).

CarvãoPetróleoNuclear

RenováveisAlimentos

Energia

Mercadorias

Reciclado

Reciclado

Alimentos

LixosOrgânicos(aterro, despejo no mar)

LixosOrgânicos

ResíduosInorgânicos

Poluição e lixoreduzidos

Cidades com metabolismo linear consomem e poluem em alto grau

Cidades com metabolismo circular minimizam novas entradas deenergia e maximizam a reciclagem

Emissões(CO2, NO2, SO2)

ResíduosInorgânicos(aterro)

Energia

Mercadorias

Entrada

Entrada

Saída

CIDADE

CIDADE

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41CAPÍTULO 2 PLANEJAMENTO URBANO E QUALIDADE DE VIDA

Na prática, este tipo de transformação está em andamento na Suécia, nas propostas de desenvolvimento urbano sustentável adotadas na cidade de Malmö. O bairro de Augustenborg construído nos anos 1940, passou por uma reforma notável, com recursos do Programa de Investimento Local. Uma usina solar foi criada para produzir tetos solares, que agora operam em toda a cidade. A escola local recebeu turbina eólica. O bairro ainda tem um sistema de águas pluviais e telhados verdes, que ajudou a diminuir as inundações frequentes e criou um ambiente estético com biodiversidade. Mais de um terço do lixo doméstico é transformado em adubo.

Outro bairro da mesma cidade, Hamnen Malmö Västra, ganhou ares modernos com a transformação de uma área portuária e industrial em residencial. Trata-se de um projeto-piloto para mostrar como é possível criar áreas residenciais ecologicamente sustentáveis e oferecer um ambiente agradável para os moradores. As 65 ações principais ocorreram nas áreas de transportes, energia, águas residuais, gestão dos resíduos e da biodiversidade. A energia para os mil apartamentos é 100% produzida localmente e com origem em fontes renováveis. Isto significa que as emissões de carbono das casas foram praticamente zeradas. Os diversos espaços verdes, combinados a uma gestão inovadora da água, proporcionam um ambiente muito agradável para os moradores e boas condições para a biodiversidade. (www.cidadessustentaveis.org.br)

Em Malmö, na Suécia, morar ou trabalhar em edifícios inteli-gentes torna o modo de vida dos habitantes mais sustentável.

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CADERNO DO PROFESSOR42 XXV PRÊMIO JOVEM CIENTISTA

A expansão urbana em áreas vulneráveisNem sempre, porém, é possível contar com investimentos adequados. E a escassez crônica de investimentos pode levar a situações de ilegalidade e descontrole social. Nas cidades de muitos países em desenvolvimento, a urbanização acelerada criou imensas áreas vulneráveis, com ocupação desordenada e sem gestão urbana, oferecendo alto risco social, ambiental e sanitário.

No Brasil, a desregulamentação e a “mercadorização” dos serviços públicos tiveram um forte impacto sobre um território já parcialmente desregulado pela tradição de informalidade e descontrole. Esta desregulamentação decorre de privatizações mal executadas; da guerra fiscal entre os estados; do enfraquecimento do papel social do Estado e das políticas de ajuste econômico. Parte dos territórios urbanos passou

a ser fortemente segregada por um mercado imobiliário altamente restrito e especulativo, e por investimentos públicos influenciados pela política eleitoral, em geral, sem adequação à demanda e sem continuidade.

Assim cresceram as favelas nas cidades de todo o país. De acordo com a agência das Nações Unidas, UN-Habitat, 26,4% da população urbana brasileira vive em favelas. Dados do Ministério das Cidades, apoiados nos números do Censo 2000 do IBGE, apontam que entre 1991 e 2000, enquanto a taxa de crescimento domiciliar foi de 2,8%, a de domicílios em favelas foi de 4,8% ao ano. A tendência só se inverteu nos últimos 10 anos, segundo um relatório da

A ocupação irre-gular de encostas

íngremes é de alto risco para os moradores: ero-

são e deslizamen-tos, como os do

Morro da Carioca, em Angra dos

Reis, fazem víti-mas todo ano.

Transformações no serviço público

A “mercadorização” de serviços públicos é a transformação em mercadoria, para compra e venda, daqueles serviços que deveriam ser prestados pelo Poder Público como retorno aos impostos e taxas pagos pelos contribuintes.

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43CAPÍTULO 2 PLANEJAMENTO URBANO E QUALIDADE DE VIDA

ONU, divulgado em 2010, relativo aos dez anos anteriores. O documento diz que o Brasil reduziu sua população favelizada em 16% nesse período, afirmando que 10,4 milhões de pessoas deixaram de morar em favelas.

De qualquer modo, uma parte significativa da população urbana brasileira vive em condições precárias, sem a infraestrutura ou os serviços básicos (água, esgoto, coleta de lixo, drenagem, iluminação pública, varrição, transporte, telefonia etc.).

A exclusão não se refere apenas ao território. É também ambiental, econômica, racial, cultural. O solo ilegal parece constituir a base para uma vida ilegal e esquecida pelos direitos e benefícios urbanos. Não há lei também para a resolução de conflitos. É nesse vazio de regras jurídica e socialmente definidas que surgem novas regras e se instituem novas “autoridades”, como os chefes do tráfico de drogas e armas. É ali, também, que os moradores estão mais sujeitos à violência, medida em número de homicídios.

Diversas iniciativas visam a urbanização das favelas em lugar da remoção, com a transferência dos moradores para outros bairros. A pacificação das favelas do Rio de Janeiro gerou manchetes em todo o mundo e é um passo importante no restabelecimento da legalidade. Mas trata-se apenas do início de um longo caminho. A participação da sociedade é um importante instrumento para compreender a função de cada segmento público e assim poder atuar, participando de cobranças quanto à ausência do Estado ou na fiscalização.

Por meio da participação social, é possível reivindicar melhorias e assegurar o direito de manifestação, quando preciso. Mas muitas vezes é necessário ir além e evidenciar o que une os moradores de um mesmo bairro, que compartilham das mesmas necessidades e dos mesmos desejos de uma cidade melhor. E tal união pode ser promovida na discussão de um novo Plano Diretor Participativo, envolvendo moradores, governo e organizações não governamentais na busca de soluções específicas para cada cidade.

EM RESUMO

Nas cidades de muitos países em desenvolvimento, a urbanização acelerada criou imensas áreas vulneráveis, com ocupação desordenada e sem gestão urbana, oferecendo alto risco social, ambiental e sanitário. A urbanização dessas áreas é importante, mas muitas vezes é necessário ir além e evidenciar o que une os moradores de um mesmo bairro, que compartilham das mesmas necessidades e mesmos desejos de vislumbrar uma cidade melhor.

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CADERNO DO PROFESSOR44 XXV PRÊMIO JOVEM CIENTISTA

O tempo livre: esportes, artes, cultura, relacionamento entre crianças, adultos e idososDesde 2000, os adolescentes são o grupo etário mais numeroso do país. Segundo o IBGE, naquele ano o Brasil já tinha 35,2 milhões de jovens na faixa de 10 a 19 anos. Um em cada 5 brasileiros era adolescente. O porcentual de jovens cresceu tanto que a pirâmide populacional se deformou. Antes, a base onde se concentram as crianças de até 4 anos era sempre a parte maior da pirâmide, porque a taxa de natalidade se mantinha alta, acima dos 3% ao ano. Agora não. Desde 1970, o índice de crescimento da população vem caindo, chegando hoje a apenas 1,3%.

O número de recém-nascidos diminuiu, enquanto aqueles milhões de crianças que antes formavam a base da pirâmide agora são adolescentes. No decorrer dos anos, essa onda vai percorrer todas as faixas etárias da população brasileira, sobrecarregando, sucessivamente, o sistema de ensino, o mercado de trabalho e, por fim, a Previdência Social.

Nas últimas décadas, nas cidades de todo o mundo assiste-se à formação das chamadas tribos urbanas – punks, rappers, góticos, emos etc. –, cujos membros parecem não ter outro objetivo senão o de estarem juntos.

Essas interações (tendência natural da espécie para viver em sociedade) provocam profundas mudanças no conceito de comunidade, refletindo na maneira e no local onde os processos sociais e culturais ocorrem. A cidade contemporânea passa por uma série de transformações decorrentes da reestruturação produtiva, principalmente de ordem tecnológica, implicando num rearranjo dos usos e funções do espaço urbano. É impossível localizar o espaço livre público (praças, largos, jardins, parques, passeios) separado das transformações sofridas pela cidade contemporânea.

Os adolescentes são o grupo etário

mais numeroso do Brasil e pedem espaços próprios, como as ativida-

des esportivas no Vale do Anhan-

gabaú, no centro da metrópole

paulistana.

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45CAPÍTULO 2 PLANEJAMENTO URBANO E QUALIDADE DE VIDA

O local do encontro das diversas formas de manifestação cultural, das tribos em geral, tende a se localizar em pontos específicos das cidades, de modo que a qualidade de vida urbana também pode ser atestada pela quantidade de espaços públicos onde ocorrem os encontros e onde se dá o exercício da vida pública. A sociabilidade ocorre em diferentes dimensões de nossa vida e espacialidade urbana. As cidades têm áreas de força simbólica relacionadas à vida cívica, à manifestação política – a Cinelândia, no Rio de Janeiro; a Avenida Paulista, em São Paulo. E há espaços dedicados à vida cotidiana, como o playground, onde são levadas a brincar as crianças pequenas, perto de suas casas ou a praça arborizada onde os aposentados vão jogar xadrez.

Os espaços públicos construídos na cidade contemporânea devem buscar responder à densidade predial e à densidade habitacional. Mas devem também responder às necessidades específicas das diferentes faixas etárias, bem como de sua convivência. Elas podem agregar qualidade ao ambiente urbano, através do favorecimento de condições técnicas ligadas ao uso (funcionalidade), condições ambientais (salubridade) e condições de convívio e lazer (sociabilidade), além de fornecer atributos estéticos ao lugar. As áreas de lazer destinadas ao encontro, convívio, descanso e recreio da população, reúnem atributos ao ambiente construído e, portanto, aumentam a qualidade de vida das pessoas que nele habitam.

A qualidade e satisfação proporcionadas pelos espaços públicos aos usuários, de qualquer estratificação social, devem ser os principais parâmetros de avaliação de desempenho do espaço. O usuário pode ser considerado um termômetro da qualidade desse tipo de ambiente. Dessa forma, quaisquer alterações realizadas em projetos de espaços públicos devem contar com a efetiva participação dos usuários, pois um ambiente só é considerado adequado se quem o usa se sente à vontade, confortável e se comunica com o espaço, encontrando nele significados.

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ESTE CAPÍTULO SE COMPLEMENTA COM AS FICHAS 3, 4 E 5.

+ PARA SABER MAIS

• Ecodesenvolvimento básico – site sobre urbanismo sustentável: http://www.ecodesenvolvimento.org.br/

• FARIA, Leonardo – planejamento estratégico, estatuto da cidade e plano diretor – caminhos de geografia, revista on line – disponível em: http://www.seer.ufu.br/index.php/caminhosdegeografia/article/viewFile/10681/6345

• SILVA, Geovane. J. A. e ROMERO, Marta A. B – O urbanismo sustentável no Brasil – Arquitextos – revista on line – disponível em:

Parte 1 – http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/11.128/3724Parte 2 – http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/11.129/3499