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Esquizofrenia: Aspectos Neurobiológicos Básicos

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Esquizofrenia: Aspectos Neurobiológicos

Básicos

Page 2: 2. Esquizofrenia Aspectos Neurobiolgicos Bsicos

Índice

-Considerações gerais

- Sintomatologia

- Etiologia

- Fisiopatologia

- Modelos animais

- Neurotransmissão

-Tratamento

- Bibliografia

- Créditos

Page 3: 2. Esquizofrenia Aspectos Neurobiolgicos Bsicos

Considerações Gerais

A esquizofrenia é um transtorno psiquiátrico crônico que acomete aproximadamente 1% da população mundial. Geralmente se manifesta na adolescência ou início da idade adulta. As causas são variadas, porém, relatos epidemiológicos indicam que o risco de desenvolver a doença pode estar associado a fatores genéticos e ambientais. Atualmente, nosso conhecimento sobre a neurobiologia da esquizofrenia tem avançado bastante graças, sobretudo, aos resultados obtidos em estudos neuropsicofarmacológicos que têm desvendado os mecanismos de ação dos antipsicóticos e de várias drogas psicotomiméticas que reproduzem muitos dos sinais e sintomas da esquizofrenia.

As primeiras descrições dos sintomas da esquizofrenia como doença, em termos de curso e evolução foram feitas pelo psiquiatra alemão Emil Kraepelin, no final do século XIX que a denominava de dementia praecox. Kraepelin observando seus pacientes psicóticos conseguiu separá-los em dois grupos: os que apresentavam psicoses maníaco-depressivas e os que apresentavam demência precoce. Esta diferenciação entre psicoses maníaco-depressivas e esquizofrenias foi sem dúvida de grande contribuição para o entendimento e tratamento dos transtornos psiquiátricos, bem como referência para as classificações modernas das doenças mentais. Em 1911, o psiquiatra suíço Paul Eugen Bleuler, reconheceu seus aspectos psicológicos e admitiu que o termo demência precoce não era o mais adequado para caracterizar a doença. Introduziu, então, o termo esquizofrenia, que significa mente fendida, para denominar esta condição. Bleuler valorizou alguns sintomas fundamentais para o diagnóstico da doença, como distúrbios do pensamento, autismo, ambivalência, embotamento afetivo, distúrbios de atenção e avolia, e sintomas não essenciais ao diagnóstico caracterizados por delírios, alucinações, distúrbios do humor ou catatonia.

Sintomatologia

O diagnóstico da esquizofrenia pode ser feito com base nas definições e classificações encontradas no Manual Estatístico e Diagnóstico das Doenças Mentais, 4ª edição (DSM-IV) ou na Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, 10ª edição (CID-10). As duas classificações identificam a sintomatologia da esquizofrenia e seus subtipos. Pela definição do DSM-IV, a esquizofrenia é um transtorno que persiste por pelo menos 6 meses com pelo menos 1 mês de sintomas da fase ativa, caracterizados tanto por sintomas positivos como negativos (Tabela I). O curso da doença pode ser desde episódios agudos com sintomas positivos, a crônico acompanhado de sintomas negativos e déficits cognitivos.

Tabela I- Critérios para o diagnóstico da esquizofrenia de acordo com o DSM-IV.

Sintomas positivos

Delírios

Alucinações

Linguagem e comunicação desorganizadas

Comportamento desorganizado ou catatônico

Sintomas negativos

Avolia

Alogia

Anedonia

Embotamento afetivo

DSM-IV-APA, 1994 – Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders.

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Sintomas positivos

Os sintomas positivos podem ser classificados por sintomas psicóticos relacionados com exagero do pensamento inferencial (delírios) percepção (alucinações) e linguagem, comunicação desorganizadas. Além disso, o comportamento pode ser severamente desorganizado ou catatônico.

Os delírios são crenças errôneas que habitualmente implicam em experiências que fogem da percepção do indivíduo. São categorizados como delírios persecutórios, de grandiosidade, de controle e somático. Delírios persecutórios são os mais frequentes. Os indivíduos crêem em idéias falsas, admite que esteja sendo perseguido ou pessoas estão tentando prejudicar-lhe ou fazer algum mal. Delírios de grandiosidade são caracterizados pela opinião exagerada de importância ou poder, como afirmar ser Jesus Cristo ou dizer que é dono do mundo. Delírios de controle caracterizam-se pela falsa sensação de que o corpo ou membros estão sendo controlados por uma força externa. Delírios somáticos são caracterizados pela percepção irreal a respeito do próprio corpo, como achar que um de seus órgãos foi removido.

As alucinações podem ocorrer em qualquer modalidade sensorial, sendo ela auditiva, visual, olfatória, gustativa ou tátil. Alucinações auditivas, como escutar vozes, são mais frequentes, com ocorrência de 60-70% nos pacientes diagnosticados. Já as alucinações visuais ocorrem aproximadamente em 10% e alucinações olfatórias, gustativas e táteis são menos comuns. Os indivíduos escutam vozes conversando entre elas e fazendo comentários sobre os próprios pensamentos ou comportamentos, zumbidos, sentem aranhas andando em sua pele, cheiros estranhos. A linguagem e comunicação desorganizadas são identificadas principalmente pela linguagem incoerente, desorganizada, ilógica, desatenta ou tangencial quando as respostas não têm relação com as perguntas.

O comportamento gravemente desorganizado pode se manifestar de várias formas, como brincadeiras fora de hora, dificuldade em realizar atividades cotidianas, tais como cozinhar, manter a higiene, vestir-se de maneira adequada e uma agitação persistente sem motivo aparente. Gritos e insultos são frequentes. Os comportamentos catatônicos caracterizados pela forte relação na atividade motora do indivíduo, geralmente apresenta redução extrema do grau de atenção, postura rígida, com resistência a ordens e de movimentar-se e também posturas inapropriadas ou estranhas.

Sintomas negativos

Os sintomas negativos da esquizofrenia resultam da perda ou diminuição da capacidade mental e compreendem enfraquecimento da expressão emocional, motivacional e cognitiva. Podem ser manifestados seguidos dos sintomas positivos. São classificados como Avolia, caracterizada por uma incapacidade do indivíduo iniciar ou persistir em atividades dirigidas a um fim, com frequente interesse reduzido em participar de um trabalho ou atividades sociais. Alogia, caracterizada pela pobreza do discurso, limitação do discurso espontâneo, como também limitação na informação contida no discurso. Anedonia caracterizada pela inabilidade de experimentar os prazeres, poucos contatos sociais e retiradas sociais. Embotamento afetivo, onde a expressividade das emoções faciais, linguagem corporal, e fala são reduzidas.

Embora a dicotomia sintomas positivos/negativos tenha alcançado amplo reconhecimento clínico vários relatos recentes não consideram essa divisão apropriada. Estudos com análise fatorial indicam que existem três, ao invés de duas, dimensões ou categorias de sintomas da esquizofrenia. A primeira dimensão inclui os sintomas psicóticos tais como alucinações e delírios. A segunda dimensão compreenderia os sintomas negativos. A terceira dimensão consiste da desorganização que compreende os distúrbios do pensamento, comportamentos bizarros e alterações afetivas. Sem dúvida, tem sido observado que prejuízos cognitivos coexistem tanto no quadro com predominância de distúrbios do pensamento quanto na condição em que predominam os sintomas negativos.

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Aspectos cognitivos

Disfunções cognitivas na esquizofrenia estão relacionadas aos problemas de atenção, aprendizagem, memória, concentração, resolução de problema, e pode consequentemente ser debilitante. A maioria dos indivíduos com esquizofrenia experimenta um declínio cognitivo (40 a 60%) no início da doença, associado com disfunção do córtex pré-frontal dorsolateral, o que pode diminuir o desempenho do indivíduo para algumas tarefas. Esta manifestação primária do déficit cognitivo tem sido um argumento utilizado a favor da idéia de que a esquizofrenia é uma doença do neurodesenvolvimento. Tem também sido objeto de pesquisa a determinação do curso temporal de cada déficit cognitivo ao longo da doença. Em geral, os déficits cognitivos se manifestam antes da ocorrência da primeira fase ativa e parece aumentar ao longo da evolução da doença. O prejuízo cognitivo observado em adultos tem sido proposto como uma persistência da forma de pensamento infantil, uma decorrência da falta de maturação cognitiva durante o desenvolvimento. Os aspectos cognitivos da esquizofrenia são considerados endofenótipos, mais relacionados á causa que aos sintomas da doença. A favor disso está o fato de que indivíduos com personalidade esquizotípica, portanto com esquizofrenia-traço, são considerados mais vulneráveis à doença.

O conceito da consciência engloba diferentes propriedades do cérebro, algumas das quais são específicas dos homens. Através do uso de escalas específicas para avaliar a capacidade do indivíduo em avaliar a extensão do seu transtorno mental foi observado que a esquizofrenia é a doença com maior grau de perturbação da consciência. Acredita-se que os pacientes não possuem uma consciência plena de sua interação com o meio, não têm controle sobre seus pensamentos ou do ambiente a sua volta. Este fato é conhecido desde as primeiras descrições da esquizofrenia. Os relatos dão conta de que os pacientes são alienados sobre o estado da doença, os efeitos benéficos do tratamento e das consequências sociais de seu transtorno. Isto nos faz lembrar algumas seqüelas de distúrbios neurológicos, como os acidentes vasculares ou traumatismos cerebrais, quando os pacientes crêem que a função perdida nunca existiu. De qualquer forma, o déficit cognitivo se reflete na dificuldade de o indivíduo ter a real dimensão de sua inserção no meio em que vive.

Um ponto de intersecção entre os processos cognitivos e a programação da ação pode ser representado pelos movimentos finos determinados por ações engendradas no córtex frontal. O protótipo da abordagem experimental do controle dos movimentos consiste em observar os movimentos rápidos e precisos dos olhos, que são fáceis de medir. Em esquizofrênicos notam-se déficits na produção da exploração visual, movimentos de perseguição do alvo, pro-sacádicos e anti-sacádicos. Estes testes têm um aspecto prático – caracterizar um traço ou estado clínico particular da esquizofrenia – e um objetivo teórico – compreender a associação recíproca entre a sensação e a ação. Todos os distúrbios de movimento dos olhos mencionados acima foram propostas como marcadores do fenótipo da doença esquizofrênica. A existência de outras perturbações motoras menores antes da ocorrência do primeiro episódio agudo da doença corrobora esta proposição e justifica especulações teóricas sobre os distúrbios dos movimentos funcionais na esquizofrenia.

Etiologia

A esquizofrenia, como a maioria dos transtornos mentais, não possui causa única. Vários fatores interagem para aumentar o risco para o aparecimento da doença. O maior problema na etiologia é a dificuldade de definir um fenótipo confiável. Questões básicas sobre a fisiopatologia da doença permanecem sem solução. O que pode ser afirmado é que a doença pode ser causada por fatores genéticos e ambientais e suas interações (Tabela II).

Tabela II- Fatores de risco para a esquizofrenia.

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Genético Gêmeos monozigóticos

Gêmeos dizigóticos

Efeitos ambientais na infância

Complicações obstétricas

Infecções por vírus neurotrópicos

Estresse perinatal

Efeitos ambientais tardios

Drogas de abuso

Imigração

Estresse

Fatores genéticos

Vários estudos demonstram que fatores sociais e genéticos agem de forma conjunta no estabelecimento da doença. Evidências importantes nesse sentido foram obtidas em estudos epidemiológicos que analisaram a incidência de esquizofrenia em gêmeos monozigóticos (material genético idêntico) e dizigóticos (compartilham a metade do material genético). Esperar-se-ia que, se a doença fosse fundamentalmente de origem genética, os gêmeos monozigóticos apresentariam aproximadamente a mesma incidência da doença (processo conhecido como concordância). Assim, se a causa da esquizofrenia fosse devida apenas a anormalidades genéticas, a concordância seria de 100%. Os estudos, entretanto, indicaram que a concordância ocorre em cerca de 50% dos gêmeos monozigóticos e que a doença apresenta incidência de 10% a 15% nos gêmeos dizigóticos (a mesma dos parentes de primeiro grau). De qualquer forma, o índice de 50% aponta para uma forte influência de fatores genéticos no aparecimento da doença.

A esquizofrenia não é produto de um fator ou único gene. O risco entre familiares sugere que a doença se transmite por herança recessiva. Até o momento sabe-se que a esquizofrenia não segue a herança mendeliana e sim um processo de ligação gênica ou Linkage, onde genes durante a meiose têm uma tendência de permanecerem juntos, transmitidos conjuntamente, devido à menor probabilidade de recombinação. Alguns genes, candidatos para o desenvolvimento da esquizofrenia já foram identificados. Dois deles merecem maior atenção, pois estão envolvidos com o neurodesenvolvimento. O gene DTNBP1 ou disbindina-1, localizado na região 6p24-22, codifica a proteína disbidina que se liga à a e ß distrobrevina, as quais são componentes do complexo de proteínas associadas à distrofina. No encéfalo, este complexo está relacionado com a plasticidade sináptica e transdução do sinal. Pode reduzir a sinalização e regulação do L-glutamato através dos receptores N-metil-D-aspartato (NMDA), afetando a neurotransmissão. Estudos de expressão gênica em indivíduos esquizofrênicos mostraram que a disbidina está reduzida no córtex pré-frontal e hipocampo. O segundo gene é o NRG1 ou neuroregulina-1, localizado na região 8p21-22. A neuroregulina-1 interage com receptores de membrana de neurônios e células gliais o que leva a dimerização do receptor, fosforilação de tirosina e ativação de vias de sinalização. Os efeitos do mau funcionamento desta proteína em indivíduos esquizofrênicos incluem alterações do neurodesenvolvimento como migração neuronial, direcionamento de axônios, sinaptogênese, diferenciação glial e mielinização, além de alterações da neurotransmissão e plasticidade sináptica em receptores NMDA, GABA e colinérgicos. Entre outras alterações genéticas, existe também o polimorfismo (substituição do aminoácido metionina pela valina) da enzima catecol-O-metiltransferase (COMT). Este polimorfismo também merece atenção porque a COMT está envolvida com o catabolismo da dopamina (DA). A alteração promove baixa atividade da COMT e aumento da disponibilidade da DA. Se esta alteração ocorrer no córtex pré-frontal, por exemplo, a baixa atividade da COMT pode contribuir para o risco do desenvolvimento da esquizofrenia.

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Fatores ambientais

Complicações obstétricas, infecções pré-natais e neurodesenvolvimento anormal, compõem alguns dos fatores ambientais para o risco do desenvolvimento da esquizofrenia. Estudos populacionais demonstram que as complicações obstétricas são as causas mais comuns dentre os fatores ambientais. Particularmente, hipóxia e isquemia cerebral, nos períodos pré e perinatal podem causar hemorragia nas regiões intra ou periventricular e consequentemente aumento do terceiro ventrículo e dos ventrículos laterais no cérebro. Isto pode acarretar a ventriculomegalia, alteração morfológica característica de indivíduos com esquizofrenia. A hipóxia pode também envolver em outras consequências, como alterações de neurotransmissores. Algumas destas alterações são mais marcantes no homem do que na mulher, o que pode ter uma tendência da esquizofrenia ser mais comum nos homens, porém nada conclusivo. Outras complicações obstétricas incluem nascimento prematuro, baixo peso após o nascimento e privação nutricional durante a gestação. No caso das infecções, evidências indicam que mães quando adquiriram gripe (vírus influenza) durante a gravidez, particularmente no segundo trimestre da gestação, os filhos apresentavam maior risco para desenvolver a esquizofrenia na vida adulta. Infecções como herpes, toxoplasmose e rubéola, também apresentam indícios, mas há controvérsias. De fato, as infecções poderão afetar o desenvolvimento do encéfalo do feto, através de hormônios estressores que são liberados pela mãe ou pela resposta antinflamatória, que induz a produção de elevados níveis de citocinas, como também, pela resposta a antígenos, produzindo anticorpos (imunoglobulinas) capazes de atravessar a placenta e atingir o feto. Existem também os fatores ambientais que podem ser incidir na idade adulta. Drogas de abuso como, por exemplo, a ketamina, anfetamina, cocaína, Cannabis e LSD são drogas psicomiméticas que podem induzir sintomas psicóticos e esquizofrenia aguda. Fatores psicossociais também contribuem para o início e a persistência da esquizofrenia, sendo que eventos estressantes do dia-dia parecem ser cruciais.

Fisiopatologia

Estudos em encéfalos post mortem de indivíduos com esquizofrenia, mostram alterações morfológicas, como dilatação do terceiro ventrículo e ventrículos laterais, diminuição do volume e área, particularmente nos lobos temporais mediais (formação hipocampal, subiculum e giro parahipocampal) e redução no número e tamanho de células no hipocampo, giro parahipocampal e córtex entorrinal. Existe também evidência de redução moderada do lobo frontal nas regiões pré-frontal e orbitofrontal (Figura 1).

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Figura 1- Imagem representativa de encéfalo humano em corte coronal, indicando possíveis alterações morfológicas ocorridas em indivíduos com esquizofrenia, dentre as quais, dilatação dos ventrículos, volume do córtex e hipocampo reduzidos e alargamento dos sulcos corticais.

Redução da substância branca (fibras mielinizadas aferentes e eferentes do hipocampo, giro parahipocampal e córtex entorrinal) e desorganização também foram observadas através de tomografia computadorizada e ressonância magnética. De maneira interessante, resultados de estudos histopatológicos mostram que não há proliferação em excesso de células gliais, concluindo que as alterações morfológicas não são decorrentes de processos degenerativos.

Investigações acerca do metabolismo do cérebro, utilizando tomografia por emissão de pósitron e fóton simples e ressonância magnética, mostram que existe diminuição do fluxo sanguíneo e da taxa metabólica no córtex pré-frontal (hipofrontalidade), com maior frequência em indivíduos que apresentam sintomas negativos intensos. As alterações quantitativas da circuitaria neuronial vão desde a árvore dendrítica a corpo celular e de axônio para terminal sináptico incluindo elementos gliais. Neste aspecto, alterações sinápticas são mais relevantes porque estão envolvidas com atividade neuronial e plasticidade.

Alterações na expressão de RNAm e proteínas têm sido encontradas em estudos post mortem de encéfalos de indivíduos esquizofrênicos. Estes estudos estão envolvidos com a função sináptica, neurotransmissão e neurodesenvolvimento. A redução da expressão de certas proteínas pode refletir na redução do volume cortical. A complexidade da regulação genética torna difícil determinar se a alteração da expressão de genes são características primárias da doença, resultado do tratamento com antipsicóticos ou são secundárias a patofisiologia principal da esquizofrenia.

Modelos animais

Vários modelos experimentais buscam reproduzir em animais de laboratório os sintomas da esquizofrenia observados em humanos. Porém, nenhum modelo é capaz de reproduzir completamente todos os sintomas da esquizofrenia. Os modelos animais na verdade, podem ajudar a entender a neurobiologia e alguns sintomas da doença. Os mais utilizados são inibição por pré-pulso do reflexo do sobressalto, teste de atividade locomotora e exploratória, interação social e inibição latente, além de modelos de lesão, de determinadas estruturas para modelar a

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“psicose” em animais, alterações neuroquímicas pela administração de drogas psicomiméticas e genéticos com camundongos transgênicos. Existem também modelos em animais de laboratório para avaliar os fatores de risco ambientais, durante a gravidez ou em animais neonatos. Estes incluem modelos de hipóxia, onde é realizada a ligação da artéria uterina ou ligação da artéria carótida após o nascimento como também modelos de infecção viral que consiste na infecção pelo vírus influenza em fêmeas grávidas.

Inibição pré-pulso (teste do sobressalto)

O teste é realizado em caixa de isolamento acústico (Figura 2), onde o pré-pulso, um estímulo fraco, geralmente acústico é apresentado de 10 a 200 ms antes do pulso, um estímulo forte também acústico. A inibição por pré-pulso do reflexo do sobressalto está reduzida em animais de laboratório sob efeito de drogas psicotomiméticas, quando o pré-pulso perde a capacidade de inibir a resposta do sobressalto causada pelo pulso. Isto indica incapacidade do animal prestar atenção ao pré-pulso, pelo comprometimento do circuito córtico-estriado-pálido-pontino, responsável pela filtragem da informação sensorial ou cognitiva.

Figura 2- A- Caixa de isolamento acústico com gaiola de contenção para rato. Na base da gaiola, um estabilímetro detecta o reflexo do sobressalto do animal quando o estímulo acústico é gerado (pré-pulso e pulso) no modelo de inibição pré-pulso. B- Porcentagem da inibição pré-pulso em ratos que receberam uma droga psicotomimética, ketamina (1-10 mg/kg), 15 min antes do teste. *p < 0,05 e **p < 0,01, comparado aos animais que receberam salina.

Hiperlocomoção e estereotipia

Este teste consiste em colocar um animal dentro de uma arena desconhecida para o animal e tem por finalidade avaliar a atividade exploratória e locomotora. Animais sob efeito da cetamina podem apresentar sinais psicóticos e exibir hiperatividade motora e estereotipia (Figura 3). Estes comportamentos podem ocorrer na esquizofrenia, sobretudo o comportamento estereotipado e as perseverações.

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Figura 3- A- Arena convencional para avaliação da atividade locomotora. B- Quantificação da atividade locomotora de um rato controle, sem qualquer tratamento. C- Quantificação da atividade locomotora de um rato que recebeu injeção de uma droga psicotomimética, Ketamina (25 mg/kg), 20 min antes do teste.

Interação social

O isolamento social é um dos sintomas negativos que aparece com muita frequência e mais cedo na esquizofrenia. Geralmente, os testes consistem na medida da distância média entre os indivíduos ao longo do dia. A diminuição da interação social é o único tipo de comportamento ligado à sintomatologia negativa da esquizofrenia. Mas, sua interpretação é difícil, pois entre os animais, qualquer sofrimento induz perda de interação. É possível prever que toda perturbação sensorial ou motora, por falta ou por excesso, vai se traduzir em ruptura de interações sociais.

Inibição latente

Estímulos neutros que são apresentados repetidamente a um indivíduo sem quaisquer consequências perdem a força de condicionamento ao longo, ou seja, posteriormente não são mais capazes de eliciar respostas condicionadas em situações de aprendizagem associativa. Este fenômeno conhecido como inibição latente não ocorre ou está atenuado em pacientes esquizofrênicos na fase aguda. Faz sentido, neste contexto, que drogas agonistas dopaminérgicas, como a anfetamina (que promove um aumento dos níveis de dopamina no cérebro, como ocorre na fase aguda da esquizofrenia), reduzam a inibição latente e bloqueadores de receptores dopaminérgicos, como a clorpromazina, a fortaleçam.

A inibição latente foi observada em todas as espécies de mamíferos testados, inclusive em humanos, mas encontra-se reduzida ou ausente em portadores de esquizofrenia em fase aguda. A alteração da inibição latente pode estar relacionada a problemas na codificação de informações complexas pela memória ou na acessibilidade de sua lembrança. Indivíduos com esquizofrenia sofrem de problemas mnemônicos importantes, como a incapacidade de estabelecer ligações complexas entre suas lembranças, com importante prejuízo da memória episódica ou contextual.

Neurotransmissão

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Os principais neurotransmissores envolvidos na fisiopatologia da esquizofrenia são a DA, L-glutamato e serotonina (5-HT). O GABA, acetilcolina e glutamina também podem estar implicados. A hipótese dopaminérgica da esquizofrenia é originalmente baseada na farmacologia, mecanismos de ação dos antipsicóticos. Alterações deste neurotransmissor podem ocasionar a presença dos sintomas da esquizofrenia. Dentro desta hipótese, relacionam-se os estimulantes que atuam na via dopaminérgica, como por exemplo, a anfetamina que pode causar psicose em indivíduos normais e exacerbar a psicose em indivíduos com esquizofrenia. A DA é um dos neurotransmissores que modula e regula o estado de animo e cognição, particularmente a memória e atenção, além de funções endócrinas. A DA atua em duas famílias de receptores, D1 e D2. Na primeira família se agrupam os receptores D1 e D5 e na segunda família incluem o D2, D3 e D4. Todos os cinco subtipos de receptores tem sido alvo dos antipsicóticos atípicos. Porém, estudos sobre o comportamento de indivíduos esquizofrênicos, como por exemplo, a hiperatividade e pela farmacologia dos antipsicóticos, verificou-se a restrição da doença pela família dos receptores D2, principalmente nas projeções mesencefálicas para o estriado e sistema límbico. Na Figura 4 estão representadas as vias dopaminérgicas.

Figura 4- Vias dopaminérgicas. Neurônios dopaminérgicos da substância negra (mesencéfalo) projetam-se para o estriado e controlam a motricidade. Neurônios da área tegmental ventral (ATV) projetam-se para estruturas límbicas tais como a amígdala, estriado ventral (núcleo accumbens) e giro do cíngulo. Neurônios da ATV também se projetam para o córtex pré-frontal medial. Na esquizofrenia, alteração da atividade de neurônios mesolímbicos e mesocorticais, pode causar os sintomas positivos e negativos, respectivamente.

Quando a dopamina se liga em seu sítio de ligação específico, neste caso, receptores D2, ela ativa mecanismos intracelulares para exercer uma variedade de efeitos modulatórios. Os antipsicóticos funcionam como bloqueadores, antagonistas de receptores D2, diminuindo a atividade destes receptores pela dopamina endógena, com a consequente inibição dos sintomas positivos da doença (Figura 5).

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Figura 5- A- Ativação de receptores D2. Em condições normais a dopamina se liga ao receptor D2 que ativa a subunidade a da proteína G que se desloca e liga-se à adenilciclase inibindo-a. Este mecanismo impede a conversão do ATP em AMPc e a sinalização de segundos mensageiros, no caso a proteína cinase C (PKC). Esta cascata de eventos mantém os canais de K+ abertos, do que resulta a hiperpolarização da membrana celular. O incremento da função dopaminérgica promove os sintomas característicos da esquizofrenia. B- Bloqueio de receptores D2. Neste caso, não ocorre a ativação da proteína G e ligação da subunidade a à adenilciclase. O ATP passa a ser convertido em AMPc e este aumenta a atividade da PKC. A PKC por sua vez fosforila os canais de íons K+, determinando seu fechamento e a repolarização da membrana sináptica. O resultado destes eventos é o favorecimento dos processos de despolarização da membrana com a consequente inibição dos sintomas positivos da doença. Evidências do envolvimento da via glutamatérgica na esquizofrenia também foram obtidas pela farmacologia. Certos antagonistas de receptores NMDA, como a ketamina e a fenciclidina, podem causar efeitos psicóticos e déficits cognitivos em pessoas normais e exacerbar estes efeitos em indivíduos esquizofrênicos. A principal causa é a diminuição da função dos receptores NMDA no córtex frontal. No caso da fenciclidina, este antagonista induz ambos os sintomas positivos e negativos, incluindo delírios, alucinações, embotamento afetivo e disfunções cognitivas. Existe a possibilidade de que a diminuição da atividade glutamatérgica pode ter efeito na atividade da via dopaminérgica (desinibição do sistema dopaminérgico mesolímbico) e consequentemente causar os sintomas psicóticos. Ainda, se esta hipoatividade diminui a estimulação de neurônios mesocorticais pode levar a causa dos sintomas negativos (Figura 6 e 7).

Figura 6- Representação hipotética associando a hipofunção cortical (redução da atividade de receptores NMDA) e os sintomas da esquizofrenia. A hipofunção cortical repercute sobre o sistema dopaminérgico mesolímbico determinando a desinibição do sistema mesolímbico e o consequente aparecimento dos sintomas positivos. A atividade dos neurônios mesolímbicos depende da estimulação de vias descendentes corticais de forma que a hipofunção cortical (associada aos

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déficits cognitivos) determina o predomínio da atividade dopaminérgica no sistema límbico (sintomas positivos). Isto pode explicar o aparecimento sequencial de sintomas positivos e negativos no curso da esquizofrenia.

Figura 7- Esquema representativo de circuitos neuroniais e neurotransmissores que participam na gênese da esquizofrenia. Projeções glutamatérgicas corticais (excitatórias) ativam as vias dopaminérgicas na área tegmental ventral. A dopamina atua inibindo o estriado ventral e este o tálamo, estrutura que transmite as informações sensoriais para o córtex. Se um excesso da transmissão tálamocortical ocorrer, devido à diminuição da atividade glutamatérgica e aumento da função dopaminérgica (desinibição da via dopaminérgica mesolímbica), sintomas positivos podem aparecer. Sinal + indica sinápses excitatórias e sinal – sinápses inibitórias. DA- dopamina; glu- glutamato e GABA- ácido gama-aminobutírico. (Adaptado de http://www.cnsforum.com).

A via serotoninérgica também tem sido investigada na esquizofrenia, devido à afinidade de drogas de abuso atuar nesta via, como por exemplo, o ácido lisérgico (LSD), além de ser também alvo dos novos antipsicóticos (atípicos).

Tratamento

O tratamento da esquizofrenia teve início em meados de 1950, com a descoberta do antipsicótico fenotiazínico, a clorpromazina. Novos medicamentos foram surgindo e a primeira geração dos antipsicóticos clássicos inclui a clorpromazina e o haloperidol. Estes medicamentos reduzem a agitação, agressão e delírios do indivíduo esquizofrênico. São efetivos na redução dos sintomas positivos (psicóticos) com pouca melhora dos sintomas negativos e déficits cognitivos. O mecanismo de ação está associado ao bloqueio de receptores dopaminérgicos D2. Embora seja efetivo na redução dos sintomas positivos, o problema do uso destes antipsicóticos são os efeitos colaterais, gastrointestinais, cardiovasculares, sintomas extrapiramidais (parkinsonismo farmacológico, distonia e discinesia), distúrbios neuroendócrinos, sedação e ganho de peso, provavelmente pelo bloqueio dos receptores D2 e consequentemente aumento da taxa de renovação da DA. Os agonistas de receptores DA induzem efeitos opostos, particularmente os sintomas positivos. Recentemente, a segunda geração dos antipsicóticos (atípicos), como a clozapina, risperidona, quetiapina e olanzapina mostraram eficácia antipsicótica com menor risco de causar efeitos

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colaterais agudos e crônicos associados aos neurolépticos clássicos como efeitos, extrapiramidais, além de maior eficácia sobre os sintomas positivos, negativos e cognitivos, possivelmente pela afinidade destes compostos por receptores D2 e 5-HT2A. No entanto, o uso destes antipsicóticos atípicos tem sido associado à maior risco em causar obesidade, hiperlipidemia e diabetes do tipo II, além de serem muito mais caros, o que limita sua prescrição para pacientes com baixo poder aquisitivo. De maneira geral, a pouca eficácia dos neurolépticos sobre os sintomas negativos e cognitivos podem estar associados às alterações estruturais no encéfalo, evidenciadas pelo aumento dos ventrículos e diminuição do fluxo sanguíneo no córtex frontal. Mais recentemente, dados clínicos revelaram que agentes que modulam a atividade de receptores NMDA, como a glicina, D-serina, D-ciclosperina, sarcosina ou D-alanina, melhoram os sintomas negativos e cognitivos quando estas drogas são combinadas com os antipsicóticos típicos ou atípicos.

Além do tratamento medicamentoso, a psicoterapia também é importante na recuperação e reabilitação do indivíduo esquizofrênico. Informações e maneiras de como lidar com a doença, saber diferenciar as experiências reais das delirantes e alucinatórias, identificação de eventos estressantes, diminuição do isolamento e o envolvimento familiar são meios que contribuem para a melhora do nível psíquico, interpessoal e social do indivíduo.

Bibliografia

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Créditos

INeC – Instituto de Neurociências e Comportamento ESQUIZOFRENIA: ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS BÁSICOS Criação e texto: Renato Guizzo Biólogo, Doutor em Ciências pela FFCLRP-USP e bolsista do INeC Publicado em 11/12/2009

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Para referir: Guizzo, R (2009). ESQUIZOFRENIA: ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS BÁSICOS. INeC – Instituto de Neurociências e Comportamento, disponível em http://www.inec-usp.org/cursos/cursoV/cursoV.htm