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Defesa Pessoal Metodologia de treino 2

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Defesa Pessoal Metodologia de treino

2

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ina1

ú

Introdução ..................................................................................................................................................... 4

Agressividade ............................................................................................................................................... 5

A luta ........................................................................................................................................................... 13

Em legítima defesa ................................................................................................................................. 13

Em contexto desportivo .......................................................................................................................... 14

Nas ruas ................................................................................................................................................. 14

No cumprimento do dever ...................................................................................................................... 15

Artes marciais ......................................................................................................................................... 16

Estética ....................................................................................................................................................... 17

Objetivos ..................................................................................................................................................... 18

Satisfação e prazer ..................................................................................................................................... 19

Aprendizagem ............................................................................................................................................. 20

“Memória muscular” .................................................................................................................................... 20

O Treino ...................................................................................................................................................... 21

"Parceiros" de treino ............................................................................................................................... 21

A sessão de treino .................................................................................................................................. 21

Fase preparatória ............................................................................................................................... 22

Fase fundamental .............................................................................................................................. 23

Fase final ............................................................................................................................................ 23

Tipos de sessão (de treino) .................................................................................................................... 23

Sessões de avaliação dos praticantes ou de controlo........................................................................ 23

Sessões de aprendizagem ................................................................................................................. 23

Sessões de repetição ......................................................................................................................... 23

Sessões mistas .................................................................................................................................. 23

Tipos de exercícios ................................................................................................................................. 23

Exercícios técnicos ............................................................................................................................ 24

Exercícios táticos ............................................................................................................................... 24

Exercícios físicos ............................................................................................................................... 24

Segurança .............................................................................................................................................. 24

Supervisão ......................................................................................................................................... 25

Áreas de treino ................................................................................................................................... 25

Estrangulamentos e chaves ............................................................................................................... 25

Golpes ................................................................................................................................................ 25

Materiais de treino. ............................................................................................................................. 25

Princípios biológicos do treino ................................................................................................................ 25

Princípio da Sobrecarga ..................................................................................................................... 25

Princípio da Especificidade ................................................................................................................ 25

Princípio da Reversibilidade ............................................................................................................... 25

Princípio da heterocronia ................................................................................................................... 26

Etapas .................................................................................................................................................... 26

Fatores nucleares do treino ........................................................................................................................ 27

Objetivos base ................................................................................................................................... 27

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Premissas orientadoras...................................................................................................................... 27

Distância ................................................................................................................................................. 27

Distância de segurança ...................................................................................................................... 28

Distância curta .................................................................................................................................... 28

Distância intermédia ........................................................................................................................... 28

Distância longa ................................................................................................................................... 28

No solo ............................................................................................................................................... 28

Velocidade .............................................................................................................................................. 30

Velocidade de reação simples (ou pura) ............................................................................................ 31

Velocidade de reação complexa ......................................................................................................... 31

Velocidade de execução ..................................................................................................................... 31

Tempo de reação................................................................................................................................ 31

Precisão .................................................................................................................................................. 33

Danos físicos ...................................................................................................................................... 34

Alterações fisiológicas ........................................................................................................................ 34

Dor ..................................................................................................................................................... 34

Alterações emocionais ....................................................................................................................... 36

Pontos vulneráveis ............................................................................................................................. 37

Momentum.............................................................................................................................................. 44

Técnica ............................................................................................................................................... 45

Velocidade ......................................................................................................................................... 46

Propriocepção .................................................................................................................................... 46

Energia Potencial ............................................................................................................................... 47

Cadeia cinética ................................................................................................................................... 47

Relaxamento ...................................................................................................................................... 48

Retração ............................................................................................................................................. 48

“Timing” .................................................................................................................................................. 49

Flexibilidade............................................................................................................................................ 50

Fadiga .................................................................................................................................................... 52

Contração muscular ........................................................................................................................... 53

Processos de produção de energia .................................................................................................... 54

Resistir à fadiga.................................................................................................................................. 57

Stress ..................................................................................................................................................... 61

Drills ....................................................................................................................................................... 63

Repouso e alimentação .......................................................................................................................... 64

Nota final ..................................................................................................................................................... 66

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ina3

"Questionem a autoridade, nada é verdade só

porque alguém diz que sim. Pensem por vós

próprios, interroguem-se, não acreditem em algo

só porque querem, acreditar em algo não o torna

verdade. Testem tudo pela observação e

experimentação e se uma ideia preferida falhar

um teste bem concebido está errada. Sigam em

frente, sigam as provas até onde estas vos

levarem. Lembrem-se que podem estar errados,

até as mentes mais brilhantes erraram em alguma

coisa".

Adaptação de “O método científico”

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ina4

çãAprender Defesa Pessoal é o mesmo que aprender a lutar? Infelizmente, para muitos,

praticantes ou não, não existe diferença alguma.

A questão é fundamental e sem o entendimento que existem diferenças gritantes entre

ambas as realidades não é possível que se treine Defesa Pessoal de forma adequada.

No primeiro volume "Defesa Pessoal - A arte de evitar o risco" procurei explicar o que

entendo por Defesa Pessoal, como podemos aumentar a nossa segurança e como

evitar ou fazer face aos conflitos e situações de perigo que possam surgir nas nossas

vidas.

Neste segundo volume “Defesa Pessoal – Metodologia de Treino” irei procurar transmitir

alguma informação sobre a forma de treinar quando o objetivo não é vencer mas sim

manter-se a salvo.

A metodologia que exponho resulta do entendimento que faço do que é a Defesa

Pessoal, enquanto outras abordagens levarão sem dúvida a formas de treino diferentes

e certamente válidas e eficazes.

Não pretendo de forma alguma contestar os métodos de quem quer que seja e tão pouco

tenho a veleidade de sugerir que criei algo novo. Nada disso! Tenho unicamente por

objetivo expor os meus pontos de vista e ao leitor e praticante caberá a decisão do que

fazer com o que leu.

É minha convicção que qualquer metodologia, independentemente da sua origem,

resulta sempre de um misto de conhecimento, experiência, criatividade e imaginação e

que por isso mesmo tem um carácter mutável que obriga a permanente atualização.

Outro especto importante a ter em conta é a individualidade, pelo que, toda e qualquer

metodologia de treino tem que se adaptar ao praticante, o que resulta para um não tem

forçosamente de funcionar com todos, facto que acentua mais ainda o carácter mutável

já referido.

Se procura sequências técnicas para fazer face às mais variadas situações, lamento

desapontá-lo mas não as irá encontrar aqui. Este não é um livro sobre como se defender

ou atacar mas sobre como treinar para essa realidade.

Outro aspeto que importa referir é que os princípios abordados não são exclusivos de

nenhum estilo e como tal aplicam-se a toda a qualquer ideologia, sistema, linha, arte ou

qualquer outro nome que lhe queiram dar.

Alguns dos mecanismos biológicos abordados têm uma complexidade muito superior

ao que encontrará descrito. Abordar esses mecanismos com todo o pormenor seria

exaustivo e em alguns dos casos ultrapassa o meu próprio conhecimento. Procurei dar

uma visão que permita a qualquer um entender o que se passa de uma forma tão

simples quanto possível, tentando manter rigor. Os especialistas por certo encontrarão

omissões, algumas são intencionais outras, tal como disse, são devidas a falha minha.

Se a explicação apresentada não for suficiente, sugiro vivamente que aprofunde o

estudo sobre o assunto.

Resta-me alertar para o facto de que é importante treinar em segurança e que por esse

facto todo o praticante deve procurar fazê-lo sob a supervisão de um instrutor

competente que o ajude na sua progressão. O "autodidatismo" neste campo de

atividade pode ser perigoso.

Sergeant António Nunes, ICKKF Military Division Chief Instructor.

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Treinar defesa pessoal é em última análise aprender a lidar com a agressividade, seja

ela própria ou alheia.

A agressividade está presente na maioria dos conflitos e demasiadas vezes estes

terminam em violência. Contudo, a maioria poderia ser evitada se compreendêssemos

melhor os fenómenos que ocorrem durante essas situações.

Não é fácil definir agressividade, ela pode ser direta ou indireta1, física ou verbal2,

proactiva ou reativa3 mas, independentemente desse facto todos a reconhecemos

quando presenciamos comportamentos agressivos.

Identificamos com bastante facilidade o despontar dos comportamentos agressivos: as

alterações no tom ou no volume da voz bem como na fluência ou no nível discurso são

sinais evidentes. Gritar, praguejar, proferir insultos ou ameaças verbais são uma

constante nos estados alterados que resultam da agressividade. Outros sinais como a

adoção de posturas agressivas, a tentativa constante de violação do espaço íntimo

individual e alheio, o apontar ostensivo do dedo na direção do outro, o cerrar dos punhos

ou o pontapear ou socar objetos indicam claramente que estamos perante um quadro

em que a agressividade está a ser expressa e que pode levar rapidamente à eclosão da

violência.

Reconhecer estes sinais nos outros é fácil, mas reconhecê-los em nós próprios tende a

ser bem mais complicado.

Enquanto espécie somos propensos à agressividade, algo que é explicável pelo

processo evolutivo. Há milhões de anos atrás as causas da agressividade estavam

diretamente relacionadas com fatores ligados à sobrevivência, individual ou da espécie,

como a defesa do território, o acesso às fêmeas, ou a defesa da prole e de recursos

alimentares (milhões de anos mais tarde estes continuam ainda a ser alguns dos

motivos principais por detrás dos comportamentos violentos).

Os indivíduos menos agressivos desse tempo tinham menor probabilidade de

sobrevivência ou possibilidade de se reproduzirem e por conseguinte foram

naturalmente aqueles mais agressivos que passaram os seus genes ao longo das

gerações.

Durante muitos anos foi discutido se a agressividade é genética ou se resulta da

aprendizagem fruto da interação com o meio. Essa discussão hoje está encerrada, um

cientista ligado ao estudo destas questões ironizou que a agressividade resulta de

fatores 100% genéticos e também de fatores 100% ambientais ou sociais.

Existem de facto fatores genéticos que determinam uma propensão para a

agressividade. Na espécie humana os indivíduos que possuem a variante do gene

MAOA- L têm maior propensão para a violência do que os que apresentam a variante

MAOA-H, mas será a influência que o meio social e físico exerce que irá determinar se

essa propensão se torna efetiva ou não. No entanto, existem também algumas

patologias que podem levar ao comportamento violento independentemente da genética

ou do meio (lesões de algumas áreas cerebrais).

1 – A agressividade direta é dirigida a uma vítima que se encontra presente; a indireta é uma forma mais complexa de

agressão que envolve uma tentativa de magoar espalhando rumores ou mentiras. 2 – A agressividade pode manifestar-se através de agressões físicas ou por palavras hostis muitas vezes acompanhadas

por gestos ameaçadores. 3 – A agressividade diz-se proactiva quando não existe nenhuma ação previa que a faça despoletar (alguns

autores utilizam a definição “premeditada”); quando surge em resposta a uma provocação a agressividade

é reativa (pode ser considerada “impulsiva”).

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Um dos primeiros a debruçar-se sobre este assunto terá sido Charles Darwin4 que

reconheceu o papel da evolução não só nas características físicas e biológicas das

espécies mas também nos aspetos comportamentais das mesmas. Mais tarde, Freud,

tornou-se numa figura incontornável no estudo da personalidade humana da qual deriva

a agressividade.

Freud propôs que a personalidade era composta por três estruturas que viriam a ficar

conhecidas por "Id" "Ego" e "Superego"5.

O Id seria a sede dos desejos, das pulsões ou dos impulsos primários do homem e

representaria a expressão mais primitiva do mesmo, estando relacionado com a

satisfação das necessidades básicas de sobrevivência e portanto situar-se-ia no nível

inconsciente da mente e fora do controlo racional.

O Id não teria assim qualquer relação com a realidade, não sendo por isso afetado pelo

condicionamento social ou por questões ambientais, o seu funcionamento seria do tipo,

“se tens fome come”, “se tens sede bebe”, “se és ameaçado foge”, “se estás encurralado

luta”, nada mais para além da realização e satisfação dos desejos ou das necessidades

lhe interessa, independentemente de ser viável ou adequado.

O Id é totalmente egocêntrico pois não reconhece nada para além de si próprio. No

entanto, os humanos são criaturas sociais e vivem em comunidade e as comunidades

têm regras que regem as interações entre os elementos do grupo. O não cumprimento

ou aceitação dessas regras pode colocar em causa a sobrevivência do grupo e por isso

os indivíduos que não as observam são marginalizados ou ostracizados. Ser afastado

do grupo, à milhões de anos atrás, significaria para um hominídeo a morte, sobreviver

fora do mesmo era virtualmente impossível pois a vulnerabilidade face a predadores ou

às agressões de um ambiente hostil inviabilizavam essa possibilidade e mesmo na

remota hipótese da sobrevivência ocorrer, as possibilidade de se reproduzirem e

perpetuarem os seus genes seriam muito baixas.

O facto de os humanos serem animais sociais origina o surgimento do Superego. Esta

estrutura opõe-se ao Id e atua como que um travão aos seus desejos incontrolados,

sendo o local onde os códigos, as regras e os ideais ficam guardados, é por assim dizer,

a consciência do homem e o reduto da sua ética e da sua moral.

Imagine que tem fome, mas a única comida por perto não lhe pertence e não tem

dinheiro para a comprar, para o Id isso nem sequer é um pormenor a ter em conta é

irrelevante, "se tens fome come", mas para o Superego tal não é aceitável, roubar ainda

que a sobrevivência esteja em causa não é admissível pois contraria os princípios

morais.

Gerir os conflitos de interesse que existem entre o Id e o Superego é o trabalho do Ego

que procura adequar os impulsos e a visão idealizada do ser às circunstâncias e à

realidade.

Os grupos humanos originais eram pequenos e viviam muito isolados uns dos outros,

as regras e normas seriam com certeza simples mas com o evoluir das sociedades o

número de elementos e as interações entre grupos multiplicaram-se exponencialmente

tendo o mesmo acontecido aos códigos sociais.

Nas sociedades modernas, a quantidade de normas, de códigos ou de regras é

esmagadora. A lei, a moral, a ética, a deontologia ou a religião impõem códigos de

conduta que muitas vezes se contradizem entre si. A estes elementos temos hoje ainda

de juntar os ideais totalmente artificiais e ilusórios criados pela literatura, pelo cinema

ou pela publicidade.

4 – Darwin abordou as emoções no livro “A expressão das emoções no homem e nos animais” publicado em 1867. 5 – “O Ego e o Id”, Sigmund Freud, 1923.

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Ao conflito inicial entre os impulsos e as regras, ou entre o Id e o Superego, juntam-se

agora conflitos dentro do próprio Superego, o que deixa o Ego com dificuldades

acrescidas na gestão. Um exemplo simples destes conflitos pode ser observado na

forma como a conduta violenta é experienciada e vista pela sociedade contemporânea.

Quando alguém se sente ameaçado o seu organismo reage preparando-se para fugir

ou lutar, e ocorrem então diversos eventos fisiológicos como a:

Midríase (dilatação das pupilas);

Vasoconstrição periférica;

Vasodilatação muscular, necessidade de atividade motora rápida;

Diminuição da circulação sanguínea para órgãos como os do trato gastrointestinal e os rins, uma vez que esses não são importantes para uma atividade motora rápida;

Taquicardia (aumento da frequência cardíaca) e broncodilatação;

Taquipneia (aumento da frequência respiratória);

Aumento da biodisponibilidade de glicose no sangue, concomitantemente ao aumento da glicólise no fígado e no músculo;

Atividade mental aumentada (em alguns setores é diminuída);

Aumento da velocidade de coagulação;

Diminuição da resposta excitatória sexual;

Aumento da pressão arterial;

Aumento da intensidade do metabolismo celular por todo o corpo.

Esta resposta é conhecida por “Síndrome de Emergência de Cannon”6 ou mais

comummente por “Reação de fuga ou luta”. As alterações referidas resultam da ação

de determinadas hormonas que são libertadas no organismo, em especial a adrenalina.

Destas alterações fisiológicas internas resultam sinais externos visíveis como tremores,

palidez ou rubor excessivos, alterações no tom de voz, eriçar dos pelos corporais,

vómitos, incontinência, etc. que são muitas vezes referidos ou interpretados como

manifestação de medo7 (pelo próprio e ou pelos outros).

Em situações de conflito os sentimentos e emoções resultantes destas alterações

fisiológicas colocam uma pressão tremenda sobre o indivíduo, o seu Id provavelmente

ordena-lhe que fuja pois é o comportamento mais indicado para assegurar a

sobrevivência, mas o Superego intervém lembrando-lhe que a cobardia não é bem

aceite socialmente e isso pode fazer com que essa estratégia, que sem dúvida seria a

mais indicada, seja posta de parte. É possível então que ceda ao impulso de lutar, mas

mais uma vez lá vem o Superego a alertá-lo para o facto que a violência tem custos

sociais e que a sociedade moderna não tolera esse comportamento primitivo de resolver

os conflitos à pancada.

Moral da história, acorrentado por conceitos divergentes e deixando o Ego numa

posição incapaz de decidir em tempo útil sobre a que estrutura dar ouvidos (ao Id ou ao

Superego) o comportamento mais comum que resulta dessa indecisão é a paralisia. Em

situações de conflito essa é de todas as opções possíveis a pior das resoluções.

Hoje sabe-se que o medo foi (e é ainda) um mecanismo importantíssimo que possibilitou

a sobrevivência do homem, sem ele não teríamos chegado até aqui. A neurociência

moderna possibilitou uma visão muito clara e bastante precisa de como esse

mecanismo funciona e de quais são as estruturas cerebrais envolvidas no

processamento das emoções humanas.

6 – Teoria Cannon-Bard, proposta pelo fisiologista americano Walter Cannon (universidade de Harvard) em 1927

baseada nas investigações de Philip Bard. 7 – O medo não deve ser entendido como falta de coragem ou cobardia, mas como um mecanismo de sobrevivência.

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De alguma forma aquilo que Freud considerava o Id pode ser conectado com o Sistema

Límbico que é estruturalmente o centro cerebral responsável pelas emoções humanas.

O Tálamo, a Amígdala e o Hipotálamo (entre outros) são responsáveis pela reação de

fuga ou luta que é ativada imediatamente em resposta às situações de stress através

do sistema nervoso autónomo simpático e do sistema endócrino que é responsável pela

libertação no organismo de adrenalina, noradrenalina e outros compostos.

No entanto, existe algo que, de facto, pode temperar estas reações automáticas e torná-

las menos impulsivas e mais racionais, o cérebro humano evoluiu durante milénios e

sobre as estruturas primárias foram surgindo novas estruturas que permitiram o

raciocínio formando o Neo-cortex.

Sabe-se que sectores do Neo-cortex como o córtex sensorial e principalmente o

córtex pré-frontal estão envolvidos no controlo emocional.

Estas estruturas situadas em diferentes áreas do cérebro comunicam entre si através

de neurotransmissores como a Serotonina.

O papel do córtex pré-frontal é fazer uma análise racional dos acontecimentos e

determinar se a reação iniciada se justifica ou não, caso não se justifique, comunica com

o sistema límbico para que este interrompa os processos iniciados e que a homeostase

(estado de equilíbrio do organismo) seja restabelecida. Neste processo o sistema

nervoso autónomo parassimpático desempenha um papel muito importante.

O facto por que referi a Serotonina é que existem evidências de que os níveis desta

substância podem estar diretamente relacionadas com a agressividade, baixos níveis

da mesma poderão levar à incapacidade de o córtex pré-frontal comunicar com o

sistema límbico e por conseguinte não ser possível reverter os processos fisiológicos

iniciados.

As alterações promovidas têm sempre por objetivo preparar para o confronto seja ele

real ou produto da imaginação. Nos animais desprovidos de intelecto ou racionalidade,

uma vez ultrapassada a situação, tudo volta ao normal, mas perante a repetição do

mesmo estímulo num outro momento a resposta ocorrerá uma e outra vez sem que

exista qualquer tipo de aprendizagem.

Nos humanos não é assim, temos a capacidade de aprender com a experiência e,

consequentemente, podemos alterar a nossa maneira de reagir e os nossos

comportamentos, mas temos de o fazer de forma consciente, reconhecendo os sinais

de que a hemóstase foi quebrada e que o nosso funcionamento normal pode estar

comprometido. Infelizmente, a maioria de nós tem grande dificuldade em compreender

os sinais de alarme que o organismo lhe envia, o que faz com que em vez de poderem

influir positivamente sobre o desenrolar dos acontecimentos passam a ser marionetas

controladas pelos mesmos.

Tomemos como exemplo um automóvel, para além dos elementos mecânicos que

permitem a condução existem vários sensores que nos dão indicações de alterações

que possam danificar a viatura ou impedir o seu funcionamento normal. Existem

indicadores para o nível do óleo ou da pressão dos pneus ou do nível de combustível

etc. Compreendemos que quando uma dessas luzes acende é preciso tomar alguma

medida ou algo prejudicial irá acabar por acontecer.

Vamos dar asas à imaginação e ao volante vamos colocar não um condutor

contemporâneo mas alguém que viveu à uns séculos atrás e que por esse facto não faz

mínima ideia do que é um automóvel. Ensinemos-lhe o básico sobre a condução, sem

o informar sobre o funcionamento da viatura e deixemo-lo iniciar uma longa viagem ao

comando da viatura.

Após um período inicial algo hesitante ele aí vai, cada vez mais confiante nas suas

capacidades de condução, tudo corre bem e ele sente que controla a situação.

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Após muitos quilómetros percorridos acende-se uma luzinha e ouve-se um curto sinal

sonoro. Algo intrigado o nosso condutor questiona-se sobre o significado desse

acontecimento, mas, como nada de anormal veio a acontecer e a viatura continua a

funcionar normalmente ele segue a sua viagem. Poucos quilómetros depois a viatura

pára sem que ele entenda porquê e sem ter mínima ideia do que pode fazer para

resolver a situação.

Infelizmente, no que diz respeito aos sinais que o nosso corpo nos envia e

principalmente em situações de risco, a grande maioria encontra-se exatamente em

igualdade de circunstâncias com aquele condutor, é incapaz de compreender o que os

sinais significam.

Precisamos aprender a interpretar as alterações que ocorrem no nosso organismo e

consequentemente na nossa forma de agir aquando das situações de conflito e

esquecer os pré conceitos ou os juízos de valor que vulgarmente fazemos e que muitas

vezes estão errados. Entender os sinais é a única forma de poder agir de forma proactiva

e controlar as situações, a ignorância sobre os mesmos apenas permite ter

comportamentos reativos onde, em vez de estarmos no controlo, estamos a ser

controlados.

O que muitos não entendem é que a agressividade é essencialmente uma forma de

comunicação, é uma forma de exteriorização de um sentimento interno. A expressão

externa dos sentimentos são as emoções. Em situações de confronto a agressividade

expressa-se como ira (fúria, raiva, ou cólera, consoante o termo que preferirem) e a

mensagem contida é extremamente simples: "pára com esse comportamento pois é

me desagradável e se insistires no mesmo as coisas vão tornar-se violentas".

É por isso que gritamos, barafustamos, brandimos os braços, empurramos, puxamos,

etc. tudo para tentar passar a mensagem de que não nos sentimos confortáveis com a

situação.

Existe uma ligação muito clara entre a dificuldade de comunicação e a agressividade,

uma convicção fortemente enraizada é achar que a maior incidência de comportamentos

agressivos ocorrem durante a adolescência ou já na idade adulta mas isso não é

verdade. É entre os dois e os quatro anos de idade que eles ocorrem com maior

frequência8: birras, choros, morder ou atirar com os objetos são atitudes muito comuns

nessas idades e nada mais são que manifestações de agressividade.

Á medida que a linguagem verbal se desenvolve essas atitudes começam a diminuir

pois a criança começa a conseguir exprimir melhor as suas necessidades ou o que sente

através de palavras. É nesse período também que a sua capacidade de compreensão

se desenvolve e que começa a interiorizar quais são os comportamentos que são ou

não admissíveis.

Isto significa que a agressividade está presente nas nossas vidas desde o início e só é

contida pela aprendizagem. Caso as regras sociais não sejam aprendidas (ou sejam

conscientemente desprezadas) ela poderá continuar a manifestar-se de forma

constante e rotineira ao longo da vida.

A agressividade como forma de comunicação é também muito observada em doentes

mentais ou com coeficientes de inteligência muitos baixos. Indivíduos com estas

características, ao não conseguirem exprimir-se acabam muitas vezes por se agredirem

a eles próprios ou a serem uma ameaça para os outros.

A partir do momento em que desenvolvemos a capacidade de entender os sinais de

alerta estamos finalmente em condições de impedir que maioria das situações de

conflito sofra uma escalada de intensidade que culmine em violência (em algumas

situações será sempre impossível evitar que tal venha a acontecer).

8 – Estudo sobre a agressividade infantil é da autoria de Richard E. Trembley; Universidade de Montreal.

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Ao sentirmos que a ira (ou o medo) está a tomar conta de nós podemos e devemos

lembrarmo-nos que é somente o organismo a responder de forma pré-programada e

que essa reação é inevitável mas que pode ser detida. Devemos também compreender

que o outro (ou outros) interveniente no conflito é um organismo em tudo idêntico a nós

e que estará provavelmente a sofrer os efeitos dos mesmos impulsos.

A ira surge de três convicções:

O sentimento de que o que alguém fez (ou está a fazer) é errado;

A antevisão de que o resultado dessas ações será prejudicial para quem é vitima das mesmas;

A ideia de que quem faz algo errado tem ser punido.

Estas convicções fazem com que nos mantenhamos agarrados à ira muito por culpa do

nosso sentido de justiça que nos diz que temos de ensinar uma lição a quem não está

a agir corretamente.

O sentimento de justiça (ou de injustiça) não é um exclusivo dos humanos, é mais uma

herança dos nossos antepassados primitivos, experiências com macacos comprovaram

isso mesmo.

Numa dessas experiências9 um grupo de macacos foi ensinado a realizar uma

determinada tarefa e, sempre que a mesma era executada corretamente recebiam

como recompensa um alimento (recompensa e castigo são os dois fatores primordiais

que contribuem para a aprendizagem). Em seguida colocaram dois macacos em jaulas

paralelas de onde conseguiam observar-se mutuamente. Ao primeiro macaco, como

recompensa pela realização da tarefa, foi dado uma rodela de pepino que foi aceite de

bom grado. Quando o segundo macaco realizou a mesma tarefa a recompensa que

recebeu foi uma uva, o que também foi recebido com agrado. Até aqui nada de

importante, ambos os macacos realizaram a mesma tarefa e ambos foram

recompensados, apenas a recompensa foi diferente.

Quando foi pedido de novo ao primeiro macaco para realizar a tarefa ele voltou a

executá-la mas quando lhe quiseram dar como recompensa uma rodela de pepino, algo

que tinha aceitado com agrado na primeira vez, ele recusou e tornou-se agressivo,

gritando, saltando e arremessando objetos.

Após ter visto o outro macaco ser recompensado com algo muito melhor (na sua

opinião) por fazer o mesmo que ele sentiu-se injustiçado e a sua revolta manifestou-se

através da única forma pela qual conseguia demonstrar essa insatisfação, através da

agressividade.

Se fosse um humano poderia interrogar os cientistas por que motivo tinha havido essa

diferenciação e alertar que não concordava com ela ou até argumentar que existia

diferenciação na atribuição da recompensa o que não era justo mas, infelizmente para

ele, o domínio da linguagem não é uma faculdade que possua. Nós, os humanos, somos

detentores dessa capacidade mas na maioria das vezes acabamos por agir exatamente

da mesma forma que o macaco da experiência, perante uma injustiça optamos pela

agressividade em vez de procurar formas mais evoluídas para a resolução das nossas

divergências.

9 – A experiencia sobre o sentimento de justiça realizada com macacos foi realizada na universidade de Emory (Estados

Unidos da América) por Sarah Brosnan e Frans de Waal.

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1

Outro fator que nos faz permanecer agarrados à ira é o facto de acharmos que só

através dela seremos capazes de conseguir o que pretendemos. É algo que

aprendemos (erradamente) enquanto crianças. Sempre que fazíamos algo errado

éramos repreendidos, passado pouco tempo já estávamos "a esticar a corda" outra vez

e então lá vinha o ralhete, sempre num tom de voz mais enérgico para que não

restassem dúvidas que era mesmo para cumprir (por vezes como todos sabemos a

repreensão não se ficava pelas palavras e o problema não reside na forma enérgica

mas no descontrole emocional com que muitos pais repreendem os filhos).

O nosso cérebro tenta sempre aprender algo com qualquer situação, uma das

aprendizagens que provavelmente retirou dos ralhetes foi uma associação muito

simples: “até que algo nos seja dito de forma enérgica (normalmente aos berros)

não há grande motivo para deixar de fazer seja o que for”.

Muitos indivíduos irão ao longo da vida, com maior ou menor frequência, continuar a

utilizar esta estratégia para tentar resolver os seus conflitos. O problema é que ao atingir

a adolescência ou já na idade adulta quem está do outro lado já não é uma criança

indefesa (infelizmente por vezes pode ser) mas um adulto ou outro adolescente, alguém

que pode não estar muito disposto a tolerar essa agressividade.

Quando nos confrontamos com alguém que tem a capacidade de responder fisicamente

ou que tem alguma forma de poder sobre nós o caso muda de figura. Se reagimos

agressivamente num confronto com um chefe ou com o patrão corremos o risco de ser

despedidos ou de sofrer outro tipo de represálias. Se “esticamos a corda” com alguém

mais forte ou mais impulsivo do que nós é bem provável que suceda o que o ditado diz

"quando a cabeça não tem juízo, o corpo é que paga".

Alguns indivíduos reagem com agressividade seja com quem for mas a maioria porém,

contém de alguma forma essa impulsividade, uma e outra estratégia têm custos.

A agressividade constante deixa-nos em permanente estado de alerta sujeitando o

organismo aos efeitos nocivos do stress prolongado. Este estado de agitação

permanente necessita de grandes quantidades de energia, para responder a essa

demanda o organismo liberta primeiro adrenalina ou noradrenalina (não são obviamente

as únicas hormonas a ser libertadas) e posteriormente cortisol.

Os efeitos da adrenalina já foram referidos anteriormente (síndrome de Cannon). O

cortisol tem um papel diferente, ele atua no organismo inibindo os processos anabólicos

e potenciando o catabolismo, ou seja impede a restauração e regeneração celular. A

longo prazo os resultados são extremamente nefastos para a saúde e podem levar à

perda de massa muscular, aumento de peso, aumento do risco de osteoporose, lapsos

de memória ou diminuição da libido entre outros.

A repressão dos impulsos agressivos se bem que aceitável e até louvável em muitas

situações não deixa de acarretar problemas ao nível orgânico. O sentimento de que nos

devíamos ter imposto mas não o fizemos provoca muitas vezes sentimentos como a

angústia, a vergonha, a tristeza ou a depressão. Todos estes sentimentos alteram o

equilíbrio interno e resultam em stress, logo, a libertação das hormonas já referidas

também irá ocorrer, apenas as quantidades libertadas em cada momento serão

menores.

O resultado dessas pequenas descargas é a irritabilidade ou o nervosismo ou

simplesmente tensão, mas de forma difusa, ou seja, sentimo-nos irritados mas não

conseguimos identificar a causa, não conseguimos perceber o porquê ou de onde surge

esse estado de espírito e, pior ainda, acabamos por "descarregar" em cima de alguém

que na maioria das vezes não tem culpa absolutamente nenhuma.

Os grandes conflitos são fáceis de identificar mas as pequenas contrariedades não.

Vamos somando pequenas tensões ao longo do dia (ou de dias) que depois irrompem

inesperadamente e que se não tivermos cuidado se tornam incontroláveis.

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São os pequenos problemas domésticos ou familiares, é a pressão do chefe no trabalho,

são as contas que não páram de chegar, é aquele arranjo do carro ou o problema de

saúde inesperado, em suma, são todas as preocupações quotidianas que a todos

afetam.

No nosso cérebro, a amígdala não consegue discernir entre um conflito sério que

ameace a sobrevivência e um conflito menor, para ela é tudo o mesmo, qualquer conflito

é tratado como se um predador feroz estivesse pronto para nos devorar e portanto

manda sempre ativar o reflexo de luta ou fuga.

Toda essa adrenalina, quer tenha sido libertada de uma só vez em grandes doses ou

em pequenas quantidades repetidamente precisa encontrar uma forma de ser utilizada,

enquanto permanecer no organismo irá provocar alterações, que, como vimos não são

todas positivas.

Imaginem a mesma (a adrenalina) como alguém desesperadamente à procura de ação,

logo que a encontre não hesita em tomar parte dela. Assim é a adrenalina, logo que

encontre algo onde possa ser utilizada entra em ação como se pensasse para si própria

"ora aqui está, foi para isto que me libertaram".

A energia por si proporcionada é um recurso de grande valor e pode ser utilizado para

nos colocar a salvo quando é esse o caso ou, quando não é necessária para esse fim,

pode ser canalizada para atividades úteis e produtivas como estudar, trabalhar, criar ou

treinar. Infelizmente também nos pode levar a perder o controlo de um momento para o

outro por algo insignificante.

A resposta é não levar tudo a peito. A maioria dos conflitos não são questões pessoais,

aquele condutor que se lhe atravessou à frente não tinha nada contra si e por isso

escusa de estar a gritar impropérios e ameaças de dentro do seu carro, a fazer-lhe

gestos obscenos ou lançar-se num "picanço" atrás dele que sabe-se lá como vai

terminar. O empregado de caixa do supermercado não está mais lento do que o costume

e muito menos estará a atender os clientes à sua frente mais vagarosamente só para o

atrasar a si, você é que provavelmente está com mais pressa do que noutros dias ou já

está stressado com outra coisa qualquer e por isso vê as coisas dessa maneira.

Não pense que os outros estão sempre a pensar em si, no que faz ou deixa de fazer ou

que estão sempre a julgar os seus comportamentos e atitudes. Os outros estão tão

envolvidos nas suas próprias vidas como você está na sua, ocasionalmente lá pensam

em si mas só por breves instantes. Eles estão tão exacerbados de trabalho ou de

problemas como você e, por isso, não lhes resta muito tempo ou energia para se

preocuparem consigo.

Tal como você, também os outros por vezes descarregam o excesso de adrenalina

sobre algo ou alguém sem motivo aparente.

Conheça-se a si próprio. Compreenda que todos somos unidades biológicas

semelhantes e que por conseguinte tendemos a reagir da mesma forma. Todos estamos

sujeitos aos mesmos impulsos. Compreenda tudo isto e poderá evitar muitos conflitos.

O que julgamos ser real é somente uma ilusão que aceitamos como verdadeira. A

realidade depende da percepção que temos de determinado acontecimento, dois

indivíduos envolvidos num mesmo acontecimento podem ter perceções distintas do

mesmo. Qual delas será então a real? De que lado se encontra a razão?

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De acordo com o “Dicionário Online de Português”, luta significa:

“Combate de dois atletas, corpo a corpo, e sem armas.”

“De modo geral, ação de combater, com armas ou sem elas.”

“Esforço feito por duas pessoas, duas fações, dois povos para vencer um ao outro:

entrar em luta com alguém; lutas políticas, religiosas.”

“Ação de duas forças que agem em sentido contrário: a luta do dever contra a

paixão.”

“Luta pela vida, fato biológico, observado por Darwin, o qual consiste na luta direta

entre espécies e, sobretudo, a luta pelo espaço, pela adaptação ao meio, pela

sobrevivência, etc.”

íO conceito de luta tem implícito a ideia de vitória. Numa luta alguém procura sempre a

vitoria ou a superação do adversário independentemente do contexto em que a mesma

ocorre (campo desportivo ou real).

O contexto determina se se está a lutar para ganhar uma medalha ou um título, para

marcar uma posição ou território, por estatuto ou em função do ego. Independentemente

do contexto em que se desenrola a luta, o ideal de vitória está sempre presente.

É neste ponto que a Defesa Pessoal diverge da luta. Aqui, vencer não é o objetivo final,

a derrota do oponente não é o mais importante, o fundamental é assegurar a

manutenção e preservação da integridade física, tudo o resto é secundário. Se existir a

possibilidade de evitar a luta tanto melhor. Se for possível fugir essa deve ser a opção

a tomar. Se não pode evitar ou fugir mas ainda é possível tentar dissuadir o agressor a

não enveredar pela violência não hesite em fazê-lo. Se por fim não resta outra

alternativa à luta a única preocupação deve ser a sobrevivência e escapar tão rápido

quanto possível com o mínimo de danos.

Este fator leva a grandes diferenças na forma de “lutar” (e consequentemente na forma

de treinar).

Para uma melhor compreensão dos objetivos de uma luta em legítima defesa imagine

o seguinte cenário:

- É noite e você encontra-se numa zona que não lhe é familiar (por exemplo uma cidade

onde foi passar férias). Enquanto caminha por ruas que não conhece vê um pouco mais

a frente um indivíduo encostado a uma parede que por algum motivo não lhe inspirou

confiança. Seguindo o seu instinto e por prudência resolve mudar de caminho de forma

a não ter de passar perto do mesmo.

Até aqui tudo certo, agiu de forma correta precavendo-se de uma eventual situação de

risco. Contudo, sem que o pudesse saber, o novo caminho que escolheu levou-o para

um local de risco. Agora você encontra-se num beco sem saída e para piorar a situação

quando tenta voltar para trás depara-se com o indivíduo que tinha procurado evitar.

A sua intuição estava correta e agora você está encurralado. Mantendo a calma procura

dissuadi-lo a não enveredar pela violência mas os seus esforços não estão a dar

resultado. A certo ponto torna-se evidente que o confronto será inevitável.

Façamos uma pequena pausa na ação a vamos dar uma rápida vista de olhos ao que

provavelmente se estará a passar no seu íntimo. O ritmo cardíaco deve estar acelerado,

a respiração também, sente-se nervoso e agitado mas ainda assim sabe que tem que

manter a calma pois existem questões que carecem de resposta. Estará o indivíduo

armado?... Estará a agir sozinho?... Será experiente neste tipo de situações?...

Voltemos ao beco.

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Com estas questões em mente e certo que a violência é inevitável qual deve ser o seu

objetivo?... Lutar até que tenha derrotado o seu oponente, ou lutar de forma a criar uma

oportunidade para tão rápido quanto possível fugir para um local seguro?

É na resposta a esta questão que reside a diferença metodológica do treino de Defesa

Pessoal. Quando se luta não com o intuito de vencer mas sim com o de sobreviver,

todos os esforços, toda a técnica e todos os exercícios devem ter esse fim em vista.

Obviamente que uma luta desportiva ainda que com contacto total e envolvendo todas

as distâncias de combate não é o mesmo que uma luta pela sobrevivência.

A competição tem regras, limites, alvos e técnicas considerados ilegais para proteção

dos atletas, tem juízes, treinadores, ambiente controlado, piso uniforme, apoio médico

de urgência caso seja necessário, etc.

Isto não significa que os praticantes de desportos de combate não sejam excelentes

lutadores e que não tenham capacidade de se defenderem numa situação real, nada

disso.

No um para um e dentro da distância de combate que a sua forma de competição

permitir poderão ser exímios, mas no que estiver fora do seu ambiente natural terão com

certeza grandes dificuldades, não por incapacidade mas por falta de treino adequado.

Por exemplo, um praticante de boxe será porventura excelente e muito difícil de bater

na distância média (muito longe para agarrar e muito perto para usar eficientemente as

técnicas de pernas). Enquanto conseguir manter a luta dentro da sua zona de conforto

as chances de que tudo corra bem serão elevadas, mas se permitir que o oponente o

agarre ou que o mantenha à distância usando a pernas então tudo poderá mudar.

Isto sucede porque cada forma de luta desportiva tem os seus méritos mas também as

suas condicionantes e os lutadores praticam de acordo com as mesmas. Para serem

excelentes no que fazem não podem dispersar ou perder tempo com outros objetivos

mas somente treinar o que necessitam até à exaustão.

Em nenhuma competição desportiva (pelo menos legal) existe o risco de subitamente o

adversário achar que não está para lutar de igual para igual e recorrer a uma arma para

obter vantagem. Também não surgirá de repente vindo do nada alguém para ajudar um

dos contendores, portanto o lutador sabe à partida qual o arsenal de que o oponente

dispõe e pode concentrar toda a sua atenção no mesmo pois não corre o risco de ser

atacado pelas costas, nem tão pouco corre o risco de tropeçar, cair em algum buraco

ou chocar contra algo.

O meio envolvente não será uma preocupação a ter em conta, procurar um local para

onde fugir não faz sequer sentido, e se as coisas começarem de facto a ficar feias, basta

mandar a toalha para dentro do recinto ou bater com a mão no chão admitindo a derrota.

Miyamoto Musachi dizia com toda a assertividade que "só se pode lutar da forma que

se pratica". Se praticamos para a competição é para isso que estaremos preparados.

Numa luta de rua, em oposição à luta desportiva tudo pode acontecer. O adversário

pode estar armado ou armar-se no decurso da luta e pode ser apoiado por um ou mais

indivíduos (presentes desde o inicio em segundo plano para eventual apoio ou surgidos

do nada).

Não existirão regras ou golpes considerados ilegais e bater com a mão no chão não vai

parar a luta, tão pouco haverá toalha para lançar ao solo. Mais do que provável não

haverá ninguém para prestar cuidados médicos de emergência caso precise e também

não conte muito com a ajuda de estranhos para se defender.

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O tempo dos duelos de honra acabaram há muito, portanto não espere um convite

formal para lutar e tempo para despir o casaco e arregaçar as mangas. É o caos e não

espere nada menos que isso.

No entanto existe uma diferença crucial entre estar envolvido numa luta de rua e estar

a agir em legítima defesa.

Para que esteja a agir em legítima defesa é forçoso que não esteja focado na vitória

sobre o adversário ou em "ensinar-lhe uma lição" ou em "dar-lhe o merecido". Para que

de facto esteja a agir com esse fim é imperativo que esteja a procurar uma saída para

o confronto.

Isso não significa que fique limitado a defender-se. Como é sabido, em muitos casos "a

melhor defesa é o ataque" mas isto significa que uma vez que o adversário deixe de ser

uma ameaça, se o continuar a agredir dificilmente poderá alegar legitima defesa.

Considere a seguinte situação:

Se presenciar um confronto onde ambos os contendores trocam golpes exatamente da

mesma forma e onde nenhum faz qualquer tipo de esforço evidente para evitar, escapar

ou parar a disputa e por fim chegam as forças de segurança para por cobro à situação

e recolher o seu depoimento, será capaz de distinguir a vítima do agressor? Dificilmente.

Além do mais é muito provável que ambos aleguem legitima defesa perante as

autoridades, seja ou não verdade.

Portanto a diferença entre uma luta de rua e lutar em legítima defesa pode ser ténue

mas revela-se na atitude com que se enfrenta a mesma.

Um praticante de defesa pessoal não é um lutador de rua (nem um competidor) pois o

seu objetivo é precisamente treinar para evitar essa situação. Ainda que aprenda a lutar

não pode nunca ter o desejo de por em pratica o que aprendeu. Se esse desejo persiste,

é porque o treino ainda não atingiu completamente os objetivos.

Vejo muitas vezes este tipo de depoimento em publicidade a cursos de defesa pessoal:

- “Antes, quando saía tarde do trabalho e tinha que atravessar o parque da cidade que

é o caminho mais rápido para chegar a casa tinha muito medo de o fazer, agora que

aprendi defesa pessoal sinto-me muito mais seguro(a) e já não sinto receio de tomar

esse caminho.”

Bem, se tivesse de facto aprendido defesa pessoal, saberia que o mais sensato seria

não atravessar uma área perigosa sozinho(a) à noite. Provavelmente o que esteve a

aprender foi a lutar.

Qual é a diferença entre um elemento das forcas de segurança ou de um militar em

relação ao cidadão comum no que concerne à defesa pessoal? Somente o dever

profissional. Ao contrário de todos os outros que podem (e devem) optar por fugir, estes

profissionais têm a responsabilidade da manutenção da ordem pelo que não podem

simplesmente virar as costas e deixar que a ameaça persista para si ou para a

sociedade e como tal esta terá de ser neutralizada. A sua necessidade de segurança

fica em segundo plano sacrificada a um bem maior.

A necessidade de conter ou eventualmente eliminar a ameaça altera de forma

significativa a forma como têm de encarar a luta. As regras a que estão sujeitos são

diferentes e por conseguinte o seu treino terá forçosamente que ser diferenciado.

A um nível elementar onde somente a sobrevivência está em causa, a metodologia e as

técnicas podem ser as mesmas devendo depois ser complementadas com as

"ferramentas" específicas para o cumprimento da missão.

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Uma coisa nunca deve ser esquecida: independentemente da profissão são homens e

mulheres como todos os outros e mantêm o direito a preservar a sua integridade física

quer seja durante cumprimento do dever ou fora do mesmo.

As artes marciais são um vastíssimo mundo repleto de estilos, sistemas e métodos e

todos eles, de uma forma ou de outra, com maior ou menor intensidade, abordam a

problemática da defesa pessoal e muitos inclusivamente advogam ser essa a sua

essência.

Não pretendo discutir os méritos ou deméritos de cada ramo das artes marciais até

porque acredito que todos tem algo a oferecer e simultaneamente todos têm também

lacunas.

Um dos pontos importantes a compreender é que os diversos estilos (ou artes como

preferirem) evoluíram em determinado período histórico e em determinada região (ou

área geográfica) para fazer face a uma ameaça específica com um determinado

conjunto de características e isso levou a que as técnicas tenham surgido e sido

posteriormente desenvolvidas ou adaptadas em função das necessidades

experimentadas.

Por exemplo, um lutador que envergue roupas pesadas (ou proteções) terá menor

mobilidade mas maior proteção contra os golpes do oponente. Pontapear ou socar por

cima dessas camadas extra é (e terá sido) bastante difícil se não de todo ineficiente. De

forma inversa se o vestuário usado for leve a mobilidade não sofre entraves pelo que

lutadores mais ágeis e velozes poderão ter neste caso uma vantagem significativa.

Agarrar, imobilizar, asfixiar, pontapear, socar, etc. foram respostas que diferentes

"estilos" encontraram para ser eficientes contra um determinado tipo de adversário.

Tanto no moderno campo de batalha como nos da antiguidade, proteção e mobilidade

sempre se confrontaram em oposição.

O problema com as artes marciais hoje (quando existe) reside maioritariamente na não

atualização no tempo. O mundo já não é o mesmo de há mil ou dois mil anos atrás, o

homem mudou com ele e o agressor (ou inimigo) também. Defender a tradição acima

de qualquer outra coisa é um erro que pode custar muito caro.

Ao ver por exemplo, um jogo de futebol de há vinte anos atrás, até parece que os

jogadores nem sabem correr, o que de maneira nenhuma significa que não fossem

excelentes atletas (alguns terão sido os melhores de sempre e nunca foram

suplantados), simplesmente a motricidade alterou-se, evoluiu fruto de novas exigências

e de métodos de treino mais modernos e desenvolvidos.

Num mundo em constante mudança também os comportamentos se alteraram. Valores

outrora importantes ou fundamentais estão agora totalmente esquecidos ou relegados

para um plano muito secundário. Não existe mais espaço para justas medievais ou

duelos de honra, o código do cavaleiro ou do samurai foi esquecido, o agressor é

traiçoeiro e dissimulado e irá atacar de surpresa sempre que puder.

Outro problema reside na orientação cada vez mais desportiva de muitos estilos e como

já foi referido, treinar para a competição não é o mesmo que treinar para a realidade

violenta da luta pela sobrevivência.

Existe também o problema das artes marciais estarem por vezes demasiado fechadas

sobre si mesmo. Campos tão distintos como a psicologia, a sociologia, a biologia ou o

direito entre outros, podem fornecer valiosíssimos contributos em especial para o âmbito

da defesa pessoal. Ao não aceitar a validade desses contributos a maioria dos estilos

fecham-se ao exterior e ficam condenados à não evolução.

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Mesmo quando existe mais liberdade muitos praticantes limitam-se a procurar respostas

dentro de outros estilos mas sempre ou quase sempre dentro do mesmo universo, no

seio das Artes Marciais, ou seja procuram sempre uma e outra forma de lutar.

No entanto, existem outras abordagens e outras perspetivas. A lei, os tribunais, as

forças de segurança e de uma forma geral todos os intervenientes que de uma forma

ou de outra lidam com o problema da criminalidade ou da violência têm experiências e

conhecimentos que não devem ser menosprezados.

Existe ainda uma ideia perniciosa: o senso e conhecimento comum atribui um carácter

quase exclusivamente defensivo às artes marciais o que gera na cabeça de muitos

praticantes (e infelizmente de muitos instrutores também) a seguinte ideia: "Se tudo o

que aprendi só pode ser usado para me defender isso significa que uma vez que seja

atacado posso fazer tudo o que aprendi." Esta lógica tipo "bivalente" está errada. Nem

tudo (na realidade muita coisa mesmo) o que se treina nas artes marciais pode ser

aplicado em contexto de legítima defesa de forma direta.

Só porque sempre fez algo no treino e lhe disseram que era uma técnica de defesa

pessoal tal não significa que seja legítimo, pelo menos em todo e qualquer contexto. Um

exemplo são as técnicas que envolvam bater num agressor após este estar imóvel no

solo (muitas vezes em posição fetal) sem ser mais uma ameaça, estas dificilmente

poderão ser consideradas de defesa pessoal uma vez que será difícil de sustentar a

legitimidade da ação se o caso acabar em tribunal.

Na sua maioria essas técnicas foram desenvolvidas para outros contextos (luta; campo

de batalha) e são extremamente eficientes mas potencialmente desadequadas (o que

não significa que não devam ser aprendidas somente é preciso contextualizar o uso das

mesmas para que o praticante saiba quando deve ou não fazer uso das mesmas).

Há sem dúvida muito que as artes marciais lhe podem proporcionar mesmo no contexto

da defesa pessoal principalmente se encarar o treino sem dogmas e misticismo. Uma

mente aberta é fundamental.

éTodos os estilos apresentam uma estética própria e é possível em muitos casos

identificar qual a linha de um praticante. Um karateca não se movimenta de forma igual

a um praticante de taekwondo e nenhum dos dois se movimentam de forma igual a um

praticante de Kempo, as diferenças podem ser subtis ou profundas mas existem na

realidade.

Sun Tsu10 dizia "conhece-te a ti e ao teu oponente e em mil batalhas não serás

derrotado".

Estas palavras milenares permanecem atuais, conseguir identificar características

específicas na movimentação do oponente pode proporcionar uma vantagem

importante e conseguir ocultar esses indícios na nossa própria movimentação não o

será menos.

No entanto, como em defesa pessoal tudo tende a passar-se demasiado depressa para

que essa identificação de estilo ocorra, então por que motivo estou a abordar este

assunto?

10 – General, estrategista e filósofo chinês autor da obra “A arte da guerra” publicada durante o século IV a.C.

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Ao treinar constantemente com as mesmas pessoas desenvolvemos hábitos,

adaptamo-nos ao tipo de ataques, cria-mos rotinas e padrões de movimento e quando

somos confrontados com alguém que tem uma forma diferente de se posicionar ou lutar

sentimos mais dificuldade em lidar com essa ameaça porque não reconhecemos os

padrões de movimentação que utiliza.

Treinar com elementos de outras escolas é importante e mesmo dentro da sua, trocar

de parceiro de treino constantemente é algo que deve fazer. A tendência para treinar

unicamente com quem sente mais afinidade deve ser evitada, e já agora, evitar aqueles

praticantes mais temidos e avançados também não é boa ideia.

Para evoluir é preciso estímulo constante e treinar sempre com a mesma pessoa não o

ajuda, apenas o faz sentir-se mais seguro.

Outro aspeto que gostaria de abordar acerca da estética é o efeito que os media

exercem sobre nós. Os filmes de ação, as séries televisivas, os grandes eventos

desportivos de luta ou a própria propaganda dos estilos marciais mais em voga em

determinado período, exercem sobre nós um fascínio de que por vezes é difícil nos

livrarmos.

O herói do momento luta de determinada forma... então quero aprender essa forma. O

maior competidor da época, o supremo lutador faz assim... tenho de fazer também.

Esta mentalidade cria uma prisão estética de onde é difícil escapar. Passamos a

acreditar que determinada forma é a correta, a melhor, a suprema e por conseguinte,

tudo o que se afaste esteticamente da mesma... não pode estar certo, não pode resultar

nem pode ser eficaz.

Defesa pessoal não tem absolutamente nada a ver com estética, nenhuma técnica

jamais foi desenhada para ser bonita, o que se pretende é que seja eficaz. Nos filmes

tudo resulta, e uma vez que é entretenimento puro, nada impede que se acrescente

alguma espetacularidade às cenas de luta.

A libertação desta prisão é bem mais complicada do que possa julgar.

É possível treinar simultaneamente para competição e para a realidade?

Possível é mas é preciso compreender que são realidades distintas e como tal

necessitam de metodologias diferentes.

Como já foi referido o objetivo de competir é vencer (por muito que se diga que o

importante é participar e que perder ou ganhar é tudo desporto) e para tal é preciso

dedicação, empenho e especialização. Para ganhar, para alcançar a excelência é

forçoso não dispersar esforços, enquanto que para treinar para a realidade é preciso

cobrir todas as possibilidades e todos os cenários com a abordagem mais realista

possível.

Outro aspeto divergente é a não existência de um calendário quando se trata da

realidade.

Para a competição podemos planear um pico de forma, um momento ótimo para

alcançar a plenitude das capacidades e depois, passado o período competitivo, um

relaxamento e consequente quebra de forma (de maior ou menor intensidade).

Os conflitos na vida real tem um carácter imprevisível, e a maioria das vezes,

inesperado. Por esse facto não se coaduna com picos de forma. Enquanto no treino de

competição os ciclos se vão alternando tipo gráfico, subindo e descendo consoante a

periodicidade, o ideal para o dia-a-dia será manter uma linha contínua com poucas

oscilações, provavelmente nunca atingindo um nível tão elevado como o de um atleta

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no período competitivo mas também nunca descendo tanto quanto estes nos períodos

intermédios ou extra competição.

Portanto, voltando à questão inicial, sim, é possível treinar para ambas as realidades

somente tenha em atenção quais são os seus objetivos.

Há quem treine pelos mais variados motivos. Uns querem ser grandes campeões, outros

querem sentir-se mais seguros. Alguns procuram um escape para a rotina do dia-a-dia,

um ponto de encontro, uma forma de lazer ou melhorar a sua condição física. Pode ser

uma forma de descarregar as energias negativas acumuladas ou uma forma de se

encher de energias positivas. Os objetivos podem ser os mais variados por isso

compreenda quais são os seus, saiba exatamente o que procura pois só assim saberá

se encontrou.

Como tudo na vida, os objetivos podem mudar e o que começou por exemplo por ser

somente um desejo de queimar umas gordurinhas a mais pode evoluir por necessidade

ou prazer para algo mais complexo. Não tenha problema em rever os seus objetivos

mas analise se o treino que realiza tem a capacidade real de atingir as metas revistas.

çãIndependentemente do objetivo que se propõe a alcançar, o treino só resultará se for

uma influência positiva na sua vida e se retirar prazer do mesmo.

O prazer é um mecanismo desenvolvido pela natureza para reforçar os comportamentos

positivos, se treinar for um sacrifício, a menos que seja um profissional que depende do

mesmo para ganhar a vida, o mais provável é que se desmotive e se afaste e será

somente uma questão de tempo até que o faça.

No início o problema da desmotivação não se coloca pois tudo é novo, os avanços quer

ao nível técnico quer físico são significativos, as melhorias notam-se de dia para dia,

mas com o tempo virão sempre períodos de desmotivação, seja pela incerteza de

conseguir evoluir até ao ponto desejado, seja pelo carácter repetitivo que sempre existe

no treino (a única forma de atingir proficiência é repetir uma e ainda outra vez), ou pelo

simples cansaço que a vida sempre instala, a desmotivação acabará por acontecer,

inevitavelmente.

Muitos praticantes sucumbem aos seus efeitos e aproveitam qualquer desculpa para

faltar ao treino ou então procuram outro estilo, método ou sistema sem compreenderem

que a armadilha da desmotivação reside neles próprios e não no que fazem. Podem

mudar mil vezes mas sempre acabarão por ser apanhados.

Uma forma muito comum de "enganar" este problema é a criação de programas

extremamente longos, o praticante nunca se aborrece pois tem sempre algo novo para

aprender. No entanto a dúvida e o problema residem no facto de saber se chega

realmente a dominar alguma coisa, "nada há a temer no homem que fez mil técnicas

uma só vez".

Nem sempre será possível mas procure divertir-se. Veja o treino numa perspetiva mais

abrangente, perceba que há todo um contexto de interação social, amizade,

camaradagem e companheirismo, não fique refém da técnica ou da capacidade física,

há muito para além disso.

Treinar Defesa Pessoal tem como objetivo fazer de si uma pessoa melhor, mais

consciente dos riscos e mais apto para os evitar ou enfrentar. Se não for uma fonte de

satisfação de que forma pode melhorar a sua vida?

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“O momento em que nos tornamos conscientes de uma limitação é o momento

em que começamos a aprender.”

Até atingir a proficiência todo o praticante passa por diversas fases. A incompreensão

ou desconhecimento deste processo é motivo de frustrações e muita vez de desistência.

Compreenda que tudo demora o seu tempo, alguns aprendem mais depressa que

outros, cada praticante tem o seu ritmo, não desespere.

O primeiro de quatro níveis distintos ocorre quando nos encontramos

“Inconscientemente incompetentes” e significa que existe algo que não sabemos

fazer e nem sequer temos consciência disso. É o nível da “negação” e não permite

qualquer tipo de melhoramento ou avanço.

O nível seguinte é onde a aprendizagem pode de facto começar pois tornamo-nos

“Conscientemente incompetentes” ou seja, passamos a ter consciência de que existe

algo que não sabemos fazer e por isso podemos mudar.

Uma vez conscientes de uma limitação existem dois caminhos possíveis, deixar tudo

como está ou procurar colmatar a mesma estudando, treinando, etc., até que com o

esforço e empenhamento atinjamos o patamar seguinte, “Conscientemente

competentes”.

Nesta fase já conseguimos executar mas precisamos de pensar para o fazer, ainda

existe demasiado controlo por parte do sistema nervoso central, ou seja o gesto ainda

não está “automatizado” e não surge de forma natural. Isso só ocorre quando se atinge

o estágio final onde nos tornamos por fim “Inconscientemente competentes” e

conseguimos executar sem precisar de pensar.

O último estágio não é fácil de alcançar, não é uma caminhada simples, existem

obstáculos no percurso que é preciso ultrapassar, corpo, mente e espírito precisam ser

educados e isso exige perseverança e determinação.

óSer inconscientemente competente é sinónimo de ter desenvolvido “memória muscular”.

Essa “memória” é como um “software”, um programa que faz o corpo funcionar e que

corre de forma impercetível. No interior das fibras musculares não existem neurónios

logo não têm capacidade de armazenar informação, só reagem a estímulos enviados

pelo cérebro através do sistema nervoso que lhes informam que se devem contrair, a

que velocidade, com que intensidade e com que sequência.

Até que tudo esteja devidamente orquestrado e o “programa” corra na perfeição é

preciso prática, é preciso repetição, é preciso repetir o mesmo gesto vezes sem conta,

só assim ele se tornará automático. É importante referir que infelizmente a

aprendizagem não é seletiva, pelo que se o gesto for executado de forma incorreta uma

e outra vez é dessa forma que ele será interiorizado, seria ótimo se apenas a forma

correta fosse incorporada no programa mas não é isso que sucede.

Portanto, é preciso durante toda a fase da aprendizagem ter especial atenção à correta

execução do gesto.

Após se ter tomado conhecimento do mesmo (compreensão da tarefa motora), surgem

as primeiras tentativas de execução (coordenação motora global) caracterizadas por um

elevado número de erros o que é perfeitamente normal.

Com a repetição surgem aumentos quer de velocidade quer de precisão

(desenvolvimento da coordenação fina), no entanto a potência deve ficar para mais

tarde.

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Somente após muita prática é que o programa passa a correr de forma eficiente, ou

seja, a cada passo existe uma diminuição progressiva do controlo intencional do sistema

nervoso central (tornamo-nos inconscientemente competentes).

Este processo é facilmente observável nas crianças quando estão a aprender a

caminhar, os primeiros passos são inseguros e acabam sempre em queda, depois, a

cada tentativa um pouco mais firmes e por fim todos acabamos por andar e ninguém ao

fazê-lo está a transmitir ordens aos músculos de uma forma consciente, simplesmente

andamos.

Dê tempo para o programa se instalar, não tenha pressa, pratique, o erro mais comum

é tentar fazer logo tudo a uma velocidade muito elevada ou com demasiada potência. A

fadiga também é um inimigo deste processo. É difícil aprender se estiver num estado de

exaustão.

Não existem atalhos ou fórmulas milagrosas para alcançar a proficiência ou o sucesso,

tudo reside no esforço e no empenho, só a prática conduz à perfeição e somente o treino

produz melhorias.

O treino é um processo pedagógico que visa desenvolver as capacidades técnicas,

táticas, físicas e psicológicas dos praticantes através da prática sistemática e

planificada.

Neste processo estão envolvidos vários intervenientes, desde logo o praticante, que

deve desenvolver todos os esforços para alcançar os objetivos a que se propôs e os

Instrutores que os devem ajudar a alcançar os mesmos. Para além destes, também os

restantes praticantes, na qualidade de parceiros de treino e ainda a família

desempenham um papel relevante.

Se o Instrutor ensina o que fazer e como fazê-lo, é o parceiro de treino que proporciona

a oportunidade de pôr em prática o que foi ensinado, pelo que ter um bom parceiro é

tão importante como ter um bom Instrutor.

Um bom parceiro é alguém que se disponibiliza de livre vontade a sofrer aquilo que a

maioria não gostaria que lhe acontecesse. Para o ajudar no treino ele irá ser agarrado,

estrangulado, pontapeado, agredido, etc., etc., etc… por isso merece todo o seu

respeito.

Apesar de “dar o corpo ao manifesto” ele não é um “saco de pancada”, por isso os seus

limites devem ser respeitados, devendo a força aplicada nos golpes ser apenas e

somente a estritamente necessária de forma a preservar a sua integridade física.

Bons parceiros, homens e mulheres com um genuíno desejo de aprender e ajudar são

de um valor inestimável, parceiros que não se limitam a receber os golpes, mas que

ajudam a compreender melhor os objetivos por detrás de cada técnica, corrigindo,

aconselhando e dando indicações ou sugestões preciosas são um complemento

precioso ao Instrutor.

ãAs sessões de treino, independentemente do seu tipo, obedecem a uma estrutura

composta por três fases. Todas as fases são importantes e não devem ser descuradas

sob risco de comprometerem quer os resultados quer a saúde do praticante.

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2

óA sessão de treino deve sempre iniciar-se por esta fase que deverá ser composta por

mobilização articular, aquecimento geral e aquecimento específico com vista à

estimulação e ativação geral dos principais sistemas funcionais a serem solicitados na

fase fundamental.

çãUm bom aquecimento é fundamental para preparar o praticante para a sessão de treino

que se vai realizar, diminuindo o risco de lesão pelo aumento da temperatura interna e

da lubrificação das articulações e pela ativação da circulação sanguínea e estimulação

progressiva do aparelho cardiorrespiratório.

Todas as articulações devem ser mobilizadas e trabalhadas ordenadamente de cima

para baixo ou vice-versa (cabeça, membros superiores, tronco, membros inferiores),

sendo que a intensidade e amplitude dos movimentos deve ser aumentada

gradualmente.

As articulações que irão sofrer maior solicitação na sessão e as de maior probabilidade

de lesão deverão ser mais estimuladas/trabalhadas.

Deve possibilitar o funcionamento do organismo como um todo. Tem como principal

meta elevar a frequência cardíaca e a temperatura corporal através de exercícios

globais que utilizem os grandes grupos musculares.

Com exemplo de exercícios desta fase temos a corrida diversificada; andar em ponta

dos pés, calcanhares, “faca do pé”, etc. Combinações de habilidades (correr e saltar,

saltar e girar, etc.); jogos e atividades coletivas (por exemplo: estafetas, apanhada,

saltar ao eixo, jogos com bola, etc.).

A intensidade dos exercícios deve ser aumentada gradualmente.

íConcentra-se nas partes neuromusculares do corpo que serão utilizadas nos exercícios

físicos subsequentes e mais intensos. Consiste em exercícios que se assemelham

tecnicamente aos que serão executados na atividade posterior. Qualquer movimento

que envolva movimentos similares ao que será praticado, mas com nível de intensidade

reduzido, é considerado como aquecimento específico.

Podem ser realizados exercícios que embora não similares aos movimentos que serão

executados em seguida, promovam o aquecimento localizado (trem superior, inferior,

tronco), promovendo desta forma um redireccionamento sanguíneo para estas regiões,

tornando-as mais irrigadas e supridas de oxigénio.

çõUm aquecimento geral deve ser realizado antes do específico, sendo que a intensidade

deve aumentar gradualmente.

Deve durar o tempo necessário para concretizar os objetivos do aquecimento (tempo

aprox. 10’ a 20’).

Ter em conta que vários fatores influenciam o aquecimento: a idade, o género, a

temperatura ambiente, condição física do indivíduo, etc.

No fim do aquecimento devem ser realizados alongamentos de baixa intensidade.

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3

A fase fundamental constitui a parte principal da sessão de treino ocupando cerca de

70% da mesma. É nesta fase que se desenvolvem os diversos exercícios com os quais

se pretendem atingir os objetivos da sessão.

A fase final é dedicada ao retorno à normalidade através de exercícios de relaxamento

e de alongamento.

ãAs sessões de treino diferem umas das outras de acordo com a sua natureza. Se bem

que a estrutura de todas elas seja idêntica os objetivos diferem de umas para outras.

õ çã

Sessões comuns no início de época ou no do início de determinado tipo de trabalho.

Servem para conhecer à data o nível ou estado dos praticantes, fornecendo dados para

a orientação de sessões futuras.

Destinam-se também à apreciação do progresso do rendimento dos praticantes aos

diversos níveis, físico, tático, técnico, psicológico.

õ

São destinadas maioritariamente à assimilação de novos gestos técnicos.

Estas sessões devem ser compostas por poucos exercícios executados a baixa

intensidade e na ausência de fadiga para facilitar a aprendizagem.

Um número excessivo de novos gestos a aprender numa só sessão é altamente

prejudicial, uma vez que certamente levarão a confusões ou dificuldades na assimilação

ou compreensão do pretendido.

õ çã

Visam o desenvolvimento/manutenção das qualidades motoras já adquiridas.

Nestas sessões não são introduzidos gestos técnicos novos, pretende-se sim corrigir e

ou aumentar a precisão e velocidade dos já conhecidos.

É importante voltar a lembrar que a repetição não é seletiva, se um gesto for repetido

de forma incorreta será essa forma que ficará consolidada, pelo que é fundamental que

o instrutor alerte para a execução correta da técnica e corrija os erros que

eventualmente estejam a ser cometidos pelo praticante e que este tenha a todo o

momento a preocupação de se autocorrigir.

õSão sessões que conjugam elementos dos diferentes tipos de sessões, sendo por

exemplo uma parte do tempo dedicado à aprendizagem e o restante à repetição de

gestos aprendidos anteriormente.

íAs sessões de treino são compostas de exercícios que podem ser Técnicos, Táticos

ou Físicos.

Apesar de serem classificados num ou noutro grupo os exercícios não são estanques

pelo que podem ser classificados dentro das várias definições dependendo da forma

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4

como irão ser executados (a distinção é apenas mais evidente ou compartimentada

entre os exercícios de técnicos e os táticos. Os primeiros, por serem executados a

intensidades mais baixas têm uma componente física mais fraca).

É normal que os diversos tipos de exercícios coexistam dentro da mesma sessão em

especial nas de tipo Misto.

í é

Visam a aquisição das ações motoras e o aperfeiçoamento e desenvolvimento gradual

dos praticantes.

Ter uma boa técnica significa ser capaz de resolver determinada tarefa de forma prática,

segura, eficaz e económica (com o menor dispêndio de energia possível), não significa

fazer “acrobacias” complicadas.

A técnica está relacionada diretamente com a correta execução do gesto e não com

“floreados” introduzidos para a embelezar.

Por exemplo, socar ou pontapear um plastron permite desenvolver a execução técnica

desses movimentos.

í á

Visam o maior grau de eficiência possível e estão centrados na resolução de problemas

Têm como características fundamentais a:

Fluidez - capacidade de criar num tempo limitado um grande número de

mecanismos que permitam a resolução de determinada situação;

Adaptabilidade - capacidade de encontrar soluções diferentes para

determinada situação;

Reestruturação - capacidade de modificar a utilização de uma técnica ou parte

da mesma em função de novas condicionantes;

Antecipação - capacidade de discernir e prever as necessidades e

consequências da situação;

Execução - capacidade de realizar em termos práticos a solução mental

encontrada.

Estes exercícios envolvem sempre uma componente psicológica que poderá ser

incrementada se for considerado pertinente.

Os exercícios de luta ou “Sparring” são exercícios táticos pois o praticante vê-se forçado

a procurar constantemente a melhor resposta para as situações que vão surgindo

decorrentes das suas ações ou das do oponente.

í í

Destinam-se a desenvolver ou melhorar as capacidades orgânicas (diversos tipos de

resistência), musculares (força e flexibilidade) e perceptivo-cinéticas (velocidade,

coordenação e sentido cinético).

Flexões ou extensões de braços, abdominais ou agachamentos são exemplos de

exercícios puramente físicos.

çO treino deve ser tão realista quanto possível, pelo menos em determinadas fases do

mesmo, mas a segurança e a integridade física dos praticantes deve ser uma

preocupação constante.

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5

ãDevido à natureza potencialmente perigosa das técnicas as sessões de treino devem

ser ministradas por instrutores devidamente habilitados.

ÁNa fase de aprendizagem devem ser evitados locais com o piso escorregadio e/ou

irregular. Zonas de areia ou áreas com relva podem ser utilizados bem como áreas com

“tatamis” ou material semelhante.

Em fases posteriores os locais de treino devem ser tão próximo do real quanto possível

mas sempre respeitando a segurança dos praticantes.

Para que os estrangulamentos e chaves sejam treinados com segurança os praticantes

devem estar conscientes do sinal de alerta a transmitir ao parceiro. Bater com a mão no

solo ou no corpo deverá ser entendido como sinal para parar a execução da técnica.

Um terceiro elemento ou o instrutor pode ser utilizado como medida de proteção extra

em especial quando as técnicas forem executadas em velocidade real e sem restrições.

De forma a aumentar a segurança podem ser utilizados equipamentos de proteção

como luvas, capacetes, colete protetor, proteção genital, proteção para os dentes,

caneleiras e proteções para o pé, cotovelos e joelhos.

As luvas deverão ser abertas de forma a permitir a execução de técnicas de agarre (em

algumas situações de treino também as luvas de boxe podem ser usadas por um ou

ambos os praticantes). Podem ainda ser utilizados “plastrons” e/ou sacos de treino.

Facas, pistolas e bastões a utilizar no treino devem ser simulados. Nunca utilizar armas

de fogo com munição real.

í óSem pretender entrar em pormenores demasiado alongados sobre este assunto deixo

somente alguns dos princípios que ao nível biológico o praticante é sujeito no processo

de treino e dos quais importa ter uma breve noção.

íEste princípio diz-nos que só se verificam adaptações no organismo se os exercícios de

treino forem suficientemente estimulantes.

íSó se melhora aquilo que se treina. As diversas capacidades têm que ser treinadas.

íAs aptidões adquiridas com o processo de treino diminuem se não forem exercitadas.

Após um determinado período de tempo, as capacidades que deixaram de ser treinadas

tendem a regredir (ainda que não desapareçam por completo).

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6

íEste princípio diz-nos que entre o momento em que se executam os exercícios de treino

e o aparecimento do correspondente processo de adaptação existe um desfasamento

temporal. A este desfasamento temporal chama-se heterocronia.

"Somente dez algarismos existem, contudo os números são infinitos".

Enquanto crianças, uma das primeiras coisas que começamos por aprender são os

diferentes algarismos. Um pouco mais tarde juntamos os mesmos para formamos as

dezenas, as centenas, os milhares, etc.

Com o tempo aprendemos a somar os números uns aos outros e a subtrair ou multiplicar

ou dividir. Lenta e gradualmente começamos a compreender as regras e acabamos por

conseguir fazer equações e outras operações, algumas extremamente complexas,

podemos expressar o infinitamente grande ou o mais ínfimo dos ínfimos, mas tudo

advém do conhecimento daqueles dez algarismos simples.

Na Defesa Pessoal o processo é similar. Antes de mais é preciso dominar um conjunto

de gestos individualizados (técnicas base ou elementares). Essas técnicas são como

"algarismos" e permitirão mais tarde efetuar qualquer tipo de ação composta (defensiva

ou ofensiva).

A aprendizagem desses gestos (socos, pontapés, cotoveladas, joelhadas, esquivas,

bloqueios, etc.) constitui a Etapa 1 do treino.

A Etapa 2 consiste em treinar respostas preconcebidas para ataques predefinidos, o

que significa que o executante sabe de antemão o que o "agressor" irá fazer.

É ainda demasiado cedo para introduzir um ataque totalmente aleatório, o estádio de

evolução do praticante ainda não o permite e levaria a que o mesmo se retraísse ou

cometesse demasiados erros na execução.

Á medida que as capacidades do praticante vão evoluindo ele entra gradualmente na

Etapa 3. Mais do que os aumentos de velocidade, precisão ou potência alcançados, o

que verdadeiramente caracteriza a entrada nesta etapa é a compreensão dos princípios

por detrás da técnica, é o juntar do "porquê" e do "quando" ao "como".

Essa compreensão que associa o “saber como fazer” ao “em que altura o deve fazer e

porquê deve ser feito nessa altura e dessa forma” é a chave para a libertação da

criatividade.

Sem criatividade o praticante será pouco mais que um autómato limitado a reproduzir

coreografias. Saberá eventualmente até com grande mestria dar resposta às situações

A, B, ou C que aprendeu mas poderá não conseguir dar uma resposta eficiente se

surgirem variações significativas a esses situações ou alterações contextuais.

A Etapa 4 é a libertação da mecanização, é a compreensão de que existem muitas

formas para atingir o mesmo fim, é o tornar-se fluído com a situação agindo e interagindo

sem a prisão da ideia pré-concebida.

Estas são as Etapas pelas quais o praticante terá de passar, podendo demorar mais ou

menos tempo consoante o ritmo de aprendizagem de cada um.

Os gestos irão transformar-se em técnicas, as técnicas em combinações, as

combinações em formas de agir (ou reagir) e a forma tornar-se-á em estilo.

Encontrar a sua forma ou o seu estilo é fundamental, nenhum para além dele funcionará

para si pois só ele estará completamente adaptado as suas características.

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7

Os seguintes fatores compõem o núcleo do treino de Defesa Pessoal, são a “pedra

basilar” onde todo o edifício do treino irá assentar.

Se não os treinar ou não lhes der a atenção necessária quase toda a técnica será inútil

ou de pouca valia pois será desprovida de conteúdo.

Os golpes não terão impacto, as defesas serão tardias ou fora de tempo, as

movimentações serão erráticas, a energia despendida será enorme e nada resultará.

Os objetivos base orientam e estruturam todo o treino de defesa pessoal.

O primeiro objetivo a ser alcançado e sem dúvida o mais importante será ensinar a evitar

os riscos potenciais. Isto só se consegue através do estudo da ameaça, do

conhecimento dos locais e comportamentos de risco e das características do agressor.

O segundo objetivo será ensinar formas de resolução de conflitos pela via verbal e pelo

controlo emocional, sempre que não tenha sido possível simplesmente evitar o

confronto.

Em terceiro lugar, preparar o praticante para se defender de um agressor quando as

medidas anteriores falharem.

O treino de defesa pessoal deve ser orientado no sentido de “aumentar a possibilidade

de sobrevivência dos praticantes”, para o “saber fazer sob pressão” e para o

“desenvolvimento do controlo psico-emocional”. É muito importante que o praticante

aprenda a pensar por si mesmo.

Para que estas premissas sejam atingidas o treino tem que ser tão realista quanto

possível (ainda que seguro) e os exercícios de treino devem contemplar fatores de

pressão adequados ao grau de desenvolvimento do praticante.

As respostas não podem ser todas “dadas” ao praticante, é importante que este

descubra também por si o que resulta ou não. Todos os praticantes são diferentes pelo

que as soluções de um não têm que ser as soluções de todos.

âA distância é a medida métrica da separação entre dois pontos e possivelmente o mais

importante dos fatores nucleares do treino de defesa pessoal.

Numa situação de conflito é de capital importância ser capaz de manter uma distância

segura em relação ao potencial agressor pois é nesse aspeto que reside a melhor

hipótese de sucesso.

Na sua essência mais básica o confronto é uma luta de distâncias, você procura manter-

se afastado e o agressor tenta por todos os meios anular a distância que o separa de si

pois só assim terá possibilidade de consumar a agressão (ainda que o agressor faça

uso de armas de fogo ou de arremesso precisa de estar dentro do alcance

proporcionado pelas mesmas, as distâncias serão simplesmente superiores).

É ainda a distância que determina em larga medida a eficácia de cada golpe podendo

mesmo impedir ou inviabilizar a sua execução. Para melhor compreensão deste

conceito vamos dividir o combate em diferentes distâncias.

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8

â çConsidera-se que a "vítima" se encontra dentro da distância de segurança quando não

existe nenhuma possibilidade do agressor executar qualquer tipo de golpe contra esta

sem primeiro ter de se movimentar de forma a encurtar o espaço existente entre ambos.

Manter-se nesta distância permite o controlo das ações do agressor e principalmente

proporciona "tempo de reação" (lembre-se que o agressor terá que primeiro anular a

distância entre si e ele).

Infelizmente nem sempre conseguirá manter esta distância pois será difícil manter longe

um agressor fortemente determinado e o ambiente envolvente também poderá funcionar

contra si (espaços confinados, multidões, etc. dificultam sobremaneira essa tarefa).

â

Conte sempre com o facto de o agressor pretender chegar até a "distância curta" o que

significa ficar "cara a cara" consigo. Uma vez aí terá possibilidade de agarrar, socar

(especialmente através de golpes curtos de punhos como ganchos e "uppercuts"), usar

os cotovelos ou os joelhos ou fazer uso de armas brancas.

Nesta distância você estará extremamente vulnerável (o agressor também se você

decidir efetuar um ataque por antecipação) pois terá muito pouco tempo de reação

disponível (o golpe deve ser efetuado sem qualquer movimento prévio que o denuncie).

Uma forma fácil de perceber se de facto se encontra dentro desta distância é verificar

se você ou o agressor conseguem tocar-se tendo os braços fletidos.

â éQuando a distância aumenta apenas mais uns centímetros mas tornando impossível

que o agressor o agarre diretamente (superior ou igual ao comprimento de um braço

esticado mas inferior ao comprimento de uma perna) considera-se ser a "distância

intermédia".

Aqui é possível socar (em especial golpes diretos), ou utilizar técnicas curtas de pernas

como "low-kicks". Golpes de mão aberta e as armas brancas serão igualmente eficazes.

Este aumento de distância ainda que pequeno poderá ser suficiente para que consiga

contra-atacar com êxito ou evitar o golpe esquivando ou bloqueando.

â

A partir do momento em que somente poderá ser agredido com o recurso a técnicas de

pernas (pontapés) diz-se que se encontra na "distância longa". O uso de paus, bastões,

etc. podem "alongar" esta distância.

As distâncias caracterizadas têm como referencia os lutadores em posição vertical, uma

vez no solo tudo se altera, considera-se por isso que a luta no solo deve ser encarada

como uma distância separada e diferenciada de todas as outras por reunir

características especiais.

çãO treino deve proporcionar oportunidades para experienciar o maior número e

diversidade de situações possíveis.

Os praticantes devem executar as defesas e os ataques específicos de cada distância

primeiro de forma isolada e posteriormente combinando ou intercalando as mesmas.

Exercícios de controlo da distância são também fundamentais.

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9

Movimentações em espelho (um praticante executa um deslocamento e o outro

reproduz esse movimento tão instantaneamente quanto possível mas mantendo a

distancia original entre ambos) são uma excelente forma de treinar essa situação.

Movimentação livre (mas sem possibilidade de reagir aos ataques) dentro de um espaço

confinado (por exemplo um pequeno círculo formado pelos restantes praticantes) irá

ensinar não só a movimentar-se melhor mas também como é extremamente difícil

manter a distância de segurança.

Acima de tudo é fundamental que o praticante seja confrontado com ataques de

qualquer distância.

É muito comum o treino incidir sobre ataques provenientes de fora de distância (os

oponentes encontram-se suficientemente afastados para nenhum deles conseguir

acertar um golpe sem se movimentar primeiro), isto dá tempo para a "vítima" reagir de

forma eficiente mas não prepara para as situações em que o golpe surge após um

agarre ou a seguir a um derrube.

Podemos considerar que por parte do agressor existem cinco tipos de ações ofensivas

diferenciadas, “Ataque furtuito”, “Coação”, “Intimidação”, “Ataque passional” e “Ataque

continuado”.

Num ataque furtuito o agressor procurará anular a distância de forma calma e pacifica

não dando qualquer indício das suas intenções ou então surge do nada em forma de

emboscada. Este é o ataque mais perigoso de todos pois provavelmente só se

aperceberá do mesmo quando for demasiado tarde.

çãA coação é um tipo de ataque diferente que não se inicia com um golpe mas sim com a

ameaça de violência. O agressor faz exigências que pretende ver satisfeitas podendo

desferir alguns golpes (geralmente não demolidores) para reforçar a coação.

Para ser eficiente o agressor terá que estar muito próximo (dentro da distância curta) e

provavelmente estará a agarrar a “vítima” com uma das mãos (ou ambas). É comum

que a coação seja exercida com o recurso a armas, em especial brancas ou de fogo.

Quando o agressor consegue encostar uma faca ao pescoço da “vítima” mas não a corta

é porque provavelmente quer algo (dinheiro, bens, prazer, informações, etc.), se

quisesse apenas matar ou ferir com gravidade tê-lo-ia feito de imediato. É nessa

demonstração de poder que reside a coação.

çãA intimidação e coação podem ser por vezes confundidas mas diferem na distância a

que os oponentes se encontram um do outro.

Na intimidação o agressor pode estar mais afastado proferindo ameaças ou insultos e

procura violar a distância de segurança que o separa da “vítima”. Empurrões e posturas

ameaçadoras são a face mais visível da intimidação, é digamos o pré-confronto, a

demonstração de intenção que precede o ataque propriamente dito.

O ataque passional surge quando existe um total descontrolo emocional. É um ataque

selvático, descontrolado mas no geral extremamente violento.

Inicia-se fora de distância e apesar de toda a energia que o agressor coloca no mesmo

é mais fácil de controlar do que as situações anteriores pois é comum que o agressor

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cometa erros, em especial perdas de equilíbrio ou de estabilidade motivados pelo

excesso de velocidade ou de potência.

Quando o confronto não se resolve rapidamente por ação de um golpe demolidor então

provavelmente irá transformar-se num ataque continuado em que o agressor tentará

uma e outra vez infligir golpes na “vítima” (muito provavelmente irá tentar derrubá-la

levando o confronto para o chão).

Do ponto de vista ofensivo as possibilidades ao dispor da “vítima” são o “ataque

preemptivo” e o “contra-ataque”.

Quando o agressor inviabiliza qualquer tentativa de resolução pacífica do conflito e não

permite a manutenção de uma distância de segurança, atacar o mesmo

preventivamente pode ser a única forma de sobreviver ao confronto eminente. Este

ataque deve ser executado quando o agressor se encontra dentro da distância de

segurança da “vítima” (provavelmente exercendo coação ou intimidação).

O contra-ataque é uma ação reativa ao ataque do agressor, ao contrário do que sucede

no ataque preemptivo (que é uma ação proactiva), em que é o agressor que tem a

iniciativa da ação. Se tiver sido possível manter alguma distância forçando-o a um

ataque mais passional, o contra-ataque tem alguma possibilidade de sucesso.

Contra um ataque furtuito será praticamente impossível contra-atacar com eficácia.

Incorpore estas situações no seu treino para estar mais preparado. Lembre-se que na

realidade a luta não se confina a uma só distância, está sempre em alteração e mais

rápido do que consiga compreender o agressor estará “em cima de si”. Se acha que não

será bem assim pense no seguinte, os melhores velocistas mundiais fazem 100 metros

em menos de 10 segundos, isso são 10 metros em 1 segundo e 1 metro em 0,10

segundos. Mesmo sendo evidente que a maioria dos mortais não é de forma nenhuma

tão rápido, ainda assim quanto tempo acha que o agressor precisa para cobrir a curta

distancia que o separa de si? Se puder, nunca o deixe aproximar-se, treine com esse

objetivo.

Velocidade é um conceito que relaciona a variação da posição de determinado objeto

no espaço em relação ao tempo, ou seja, a distância percorrida por um corpo num

determinado intervalo temporal. É portanto fácil compreender que velocidade e distância

têm uma relação muito próxima.

No contexto da defesa pessoal estes dois fatores combinam-se e têm influência direta

no tempo de reação, na capacidade de reagir e na qualidade dessa mesma reação.

Vimos anteriormente que quanto mais afastado estiver o agressor maiores serão as

nossas hipóteses de evitar ou responder com sucesso aos seus ataques, de igual forma,

quanto mais lentas forem as suas ações mais fácil será responder às mesmas. Claro

que a nossa própria velocidade influi também neste processo, pois se formos mais

rápidos ou mais ágeis do que o agressor teremos alguma vantagem ainda que este seja

mais forte.

Existem no entanto dois pontos importantes que nunca convém esquecer, primeiro,

nunca saberemos de antemão qual a velocidade de execução do agressor pelo que não

há forma de à partida saber se somos ou não mais rápidos do que ele e segundo, a

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ação é sempre mais rápida do que a reação o que faz com que a vantagem esteja do

lado de quem toma a iniciativa.

A velocidade é portanto um grande fator para o sucesso e pode ser dividida em diversos

tipos:

çãÉ a capacidade neuromuscular de reagir a um estímulo previamente conhecido e para

o qual já se sabe qual a resposta a dar (por exemplo o tiro de partida para iniciar um

sprint).

çãEste tipo de velocidade está associada aos processos de tomada de decisão pois, ao

contrário da anterior, quer o estímulo que desencadeia a reação quer a própria resposta

a dar não são previamente conhecidos.

Numa situação de confronto o agressor pode executar uma enorme variedade de golpes

dirigidos a diferentes alvos no nosso corpo e pode fazê-lo com as mãos, pés, cotovelos,

joelhos ou com a cabeça e utilizando o lado direito ou esquerdo o que torna

extremamente difícil antecipar qual será a sua ação e mais difícil ainda pré-programar

uma resposta. Isto exige um enorme esforço do sistema nervoso central para

percecionar e analisar a informação captada pelos sentidos e para coordenar todas as

ações subsequentes ao nível neuromuscular.

Pelo exposto podemos depreender que a velocidade está dependente por um lado da

perceção sensorial do estímulo e por outro da capacidade motora necessária à

execução do gesto.

As más notícias é que ao nível motor é muito difícil aumentar significativamente a

velocidade pois essa capacidade está dependente de fatores genéticos como o tipo de

fibras musculares (tipo A também designadas de lentas ou vermelhas e tipo B1 ou B2

que são rápidas ou brancas).

Decerto que com o treino se pode melhorar a velocidade mas nunca de forma tão

expressiva ou acentuada como nos casos da resistência ou da força onde os ganhos

podem ser na ordem dos 200% ou superiores.

Mas nem tudo são más noticias, a perceção pode ser melhorada de forma a permitir

aumentar a velocidade de reação e a execução correta do gesto, por eliminar os

movimentos desnecessários, o que também melhora e encurta o tempo de resposta.

Os dois conceitos aqui presentes são:

çãÉ a capacidade de executar um gesto motor com a máxima rapidez possível.

çãPor muito rápido que seja, se não vir um golpe jamais o conseguirá evitar, e, mesmo

que o percecione existe um desfasamento temporal entre o momento em que capta o

estímulo e o momento em que inicia a resposta (é por esse facto que a ação é sempre

mais rápida do que a reação pois a ação é iniciada por decisão e não como resposta a

um estímulo prévio).

O ser humano tem um tempo médio de resposta compreendido entre os 400 e os 150

milésimos de segundo (somente uma elite muito reduzida consegue alcançar valores

inferiores aos 150 milésimos de segundo), o que significa que qualquer golpe que

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demore menos tempo do que isso a percorrer a distância até acertar no alvo será

impossível de deter (um soco pode atingir velocidades até próximo dos 16 metros por

segundo dependendo da capacidade do executante). Assim, ou consegue manter uma

distância segura entre si e o agressor ou tem que ser capaz de detetar o ataque tão

cedo quanto possível.

çãPara aumentar a velocidade de execução existe uma regra muito simples a aplicar nos

exercícios de treino: “o gesto terá que ser executado a 100% da velocidade que o

praticante consegue desenvolver”.

Os exercícios de treino de velocidade devem ser executados nos início da fase

fundamental da sessão de treino antes da fadiga se instalar (uma vez instalada será

impossível desenvolver os tais 100%).

Quando existe o recurso a pesos é preciso que os mesmos não ultrapassem os 15% do

peso corporal do praticante e o movimento terá sempre de ser executado com a maior

velocidade de contração ou extensão muscular possível, o que obriga a que o número

de repetições seja pequeno ou que a duração do exercício seja muito curta (entre 5 a

15 segundos). É também necessário que o intervalo entre series permita a recuperação

completa (mínimo 1 a 5 minutos). Cargas fortes ou pesadas limitam a velocidade.

çãAlguns exercícios que permitem treinar a velocidade de execução são os seguintes:

Ao executar golpes contra um plastron (ou saco ou outro material de treino que absorva

o impacto) o praticante não precisa de se preocupar com a fase de desaceleração do

golpe (fase final do movimento onde os músculos antagonistas ao movimento entram

em ação para deter ou recolher o golpe) pois o movimento será parado e a sua energia

absorvida pelo alvo o que possibilita que o gesto seja executado à máxima velocidade.

Não esquecer que o número de vezes que o golpe pode ser executado à máxima

velocidade é reduzido.

çLançar objetos permite a aceleração no decurso de todo o movimento e por isso é um

ótimo exercício para aumentar a velocidade de execução.

O recurso a bolas medicinais é muito útil para desenvolver a velocidade mas o peso das

mesmas não deve ultrapassar os 5% do peso do praticante. Se forem muito pesadas

tornarão o movimento lento. O número de lançamentos efetuados em cada serie deverá

ser baixo.

Os exercícios com “focus pads” poderão ser algo semelhantes ao primeiro descrito mas

é adicionado um novo fator, o elemento que segura o “focus pad” mantém a mão parada

e em posição até que o outro praticante inicie o movimento, assim que deteta o

movimento deve tentar desviar a mão para que o primeiro não consiga acertar na

mesma. Desta forma um elemento treina a velocidade de execução (quem inicia o

movimento) e o outro a de reação (quem segura o “focus pad”).

O praticante que executa o golpe deve procurar eliminar qualquer indício que denuncie

o início do mesmo. A capacidade de ocultar o golpe tornando-o menos percetível

corresponde na prática a um aumento de velocidade.

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çãQuanto mais rápido detetar o golpe mais tempo terá para responder ao mesmo e por

isso é vital incorporar no treino exercícios para desenvolver esta capacidade.

O exercício “Focus pads” descrito anteriormente permite treinar para este fim assim

como os exercícios descritos de seguida:

íUm elemento deve estar equipado com “focus pad” e permanecer com as mãos em

baixo, assim que levanta uma ou ambas as mãos o outro elemento deve tentar socar

(ou executar o golpe previamente determinado) tão rápido quanto possível (a posição

da mão determina o tipo de golpe, por exemplo se posicionada de frente será um golpe

direto, de lado um "gancho", se virada para baixo um "uppercut"). Isto constitui uma

resposta a um estímulo visual.

Para que a aprendizagem seja progressiva e a velocidade de execução não seja

comprometida por erros técnicos, o exercício deverá ser executado numa fase inicial a

partir de uma base estática, com a distância correta previamente calculada e efetuando

somente um único tipo de golpe. Posteriormente pode incrementar-se o grau de

dificuldade introduzindo movimentação, combinação de vários golpes a executar,

contra-ataques pós-reação ou aumentando o número de alvos disponíveis (vários

elementos segurando “focus pad”).

O estímulo inicial pode ser alterado de visual para táctil (visão e tato são os estímulos

mais comummente solicitados num confronto) e nesse caso o praticante deve executar

determinado gesto logo que seja tocado.

çõExiste uma tendência em quase todos os praticantes para procurarem muito cedo a

rapidez ou velocidade e isso pode condicionar ou prejudicar o seu desenvolvimento.

A velocidade é sem dúvida muito importante mas não pode nem deve ser a primeira

preocupação. Primeiro é preciso dominar o gesto técnico e aumentar a força muscular

necessária para impulsionar o movimento. Por fim a velocidade só será útil se aliada à

precisão e à potência caso contrário será de pouca valia.

Mantenha sempre presente que a velocidade está diretamente relacionada com a

complexidade da ação requerida e com a capacidade do sistema nervoso e sensorial

para captar, processar e coordenar a execução de movimentos. Quanto mais controlo

consciente for necessário para a execução do gesto menor será a velocidade do

mesmo. Só quando a “memória muscular” do gesto a executar está totalmente instalada

é que o praticante fica apto para desenvolver todo o seu potencial em termos de

velocidade.

ãSer preciso ou ter precisão é possuir a capacidade de acertar num ponto específico de

um alvo quer este se encontre estático ou em movimento e é um fator crucial em defesa

pessoal.

Um golpe, por mais rápido ou poderoso que seja não causará nenhum efeito se falhar

o objetivo ainda que somente por meros centímetros (na verdade alguns milímetros

poderão fazer a diferença). Portanto, um golpe preciso é aquele que atinge o alvo

exatamente no local pretendido e que por isso consegue provocar alterações funcionais,

estruturais, fisiológicas ou emocionais no recetor.

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4

Em última análise, ser preciso é sinónimo de ser capaz de infligir danos e dor da forma

mais eficiente e eficaz possível.

í

Os danos físicos provocam alterações funcionais e ou estruturais, por exemplo, uma

fratura de um membro inferior não permite a locomoção normal uma vez que a estrutura

óssea foi danificada alterando assim o normal funcionamento do membro.

São muitos os danos que um golpe pode provocar, os "estragos" podem variar desde

as simples escoriações até atingir no extremo oposto a morte.

Lesão dos tecidos, rutura de ligamentos e tendões, fratura de ossos, luxação de

articulações e esmagamento ou perfuração de órgãos internos, entre outros, são a face

visível dos efeitos dos golpes, mas podem existir outros danos não tão facilmente

identificáveis.

çõ ó

As alterações fisiológicas ocorrem quando um órgão é afetado ou quando existe uma

ação sobre o sistema nervoso que provoca uma reação autónoma do mesmo e por isso

incontrolável.

A dor é algo que quase sempre acompanha um golpe bem-sucedido ou preciso. É um

sintoma de que algo anormal ocorreu ou está a ocorrer (refiro-me a dor aguda, a dor

crónica não é pertinente neste contexto).

No entanto a dor não é algo que exista fora do organismo, não pode ser encontrada no

ambiente e portanto é uma experiência pessoal que vai diferir de indivíduo para

indivíduo e acontece somente dentro do cérebro.

Independentemente da forma como é experimentada ou vivida por cada pessoa a dor é

sempre uma experiência desagradável, ao contrário do prazer, que recompensa os

comportamentos úteis à sobrevivência. A dor é uma punição pelos atos que podem

colocar a sobrevivência em risco, é como que um aviso "não voltes a fazer isso ou eu

volto a fazer-te passar por esta experiencia tão desagradável e a fazer-te sofrer!".

Convivemos com a dor desde sempre, habituamo-nos à sua existência, sabemos

reconhecê-la em nós e nos outros, compreendemos a angústia que provoca e isso leva

a que a vejamos como algo indesejável ainda que inevitável.

Não obstante o seu carácter punitivo é um mecanismo de sobrevivência fundamental

que nos alerta quando existe um risco sério de determinado tecido ou estrutura do

organismo, ou de que o organismo como um todo, poder vir a sofrer danos graves. Sem

este mecanismo correríamos riscos imensos, lesões gravíssimas, e a vida seria muito

difícil.

Nem toda a gente sente dor, sabe-se hoje que uma pessoa que tenha uma deficiência

no gene SCN9A é insensível à mesma. Alguém que tenha esse gene deficiente se por

exemplo colocar a mão sobre uma superfície muito quente não a irá retirar de imediato

como a maioria faz e inevitavelmente acabará por sofrer queimaduras graves.

O que sucede com estas pessoas é que o impulso nervoso gerado pela exposição a um

fator prejudicial (temperatura alta neste caso) não chega ao cérebro e portanto não é

processado, o que impede a existência da reação subsequente e desejável (no caso do

exemplo anterior seria o retirar da mão da fonte de calor).

Posto de outra forma é que o mecanismo da dor destas pessoas está comprometido e

não funciona da forma devida.

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5

A dor é o resultado de um evento (externo ou interno) que gera um estímulo e que é

enviado até ao cérebro. Este estímulo é processado sendo então gerada a dor e a

reação à mesma.

O caminho que o impulso tem que percorrer até que a dor seja gerada é o “mecanismo

da dor”. O evento desencadeador pode ser uma pancada, um corte, calor ou frio

extremos, entre outros. Esse evento vai estimular um conjunto de sensores que se

encontram sob a pele ou nos músculos, ou que envolvem os ossos, as articulações ou

os diversos órgãos (pode dizer-se que de uma forma geral que se encontram em todos

os componentes do organismo).

Esses sensores são fibras nervosas conhecidas como Nociceptores e só são ativados

por eventos que detenham o potencial suficiente para comprometer a integridade da

área afetada pelo dito evento.

Ao serem estimulados, os nociceptores enviam um sinal

elétrico que percorre a fibra nervosa até à medula

espinal. Uma vez aí chegado, o sinal é transmitido a uma

segunda fibra nervosa que o encaminhará através do

tronco cerebral até ao tálamo (estrutura existente no

cérebro).

Só quando o impulso atinge o tálamo é que a dor é gerada,

mas o caminho ainda não terminou. Para que o cérebro

consiga determinar a origem da dor o impulso tem que ser

enviado para o córtex sensorial que é a área do cérebro

que contém a imagem referencial de todo organismo e que

por isso consegue "localizar ou situar a dor". Somente

nesse momento é que o cérebro se torna consciente da

dor e pode comandar uma reação a mesma.

Algumas reações à dor são sobejamente conhecidas,

retirar a mão para que não esta não se queime, pressionar

um corte para parar a hemorragia, imobilizar um membro

ou uma articulação para não agravar a lesão são alguns

exemplos.

O mecanismo pelo qual a reação ocorre é semelhante ao

descrito anteriormente para a dor mas enquanto no caso

analisado anteriormente o impulso seguia no sentido da

região afetada para o cérebro (por isso denominado de

caminho ascendente ou sensorial) neste caso o impulso

tem origem no cérebro e segue em sentido aos terminais

nervosos que se ligam aos músculos da região afetada.

Uma vez percecionada a dor, o cérebro "ordena" uma

reação à mesma.

Essa "ordem" desce sob a forma de impulso nervoso pela medula espinal onde depois

é transmitido às células nervosas que o levam até aos músculos existentes na região

onde a dor foi localizada. Em resposta a esse estímulo as fibras nervosas contraem-se

numa sequência e intensidade pré-determinada criando o movimento que materializa a

reação pretendida (este caminho é conhecido por descendente ou motor).

Tudo isto se passa muito rapidamente (a velocidade de propagação do estímulo pode

atingir os 120m/s) e pode parecer que a reação é instantânea e instintiva mas foi

necessário que o impulso chegasse ao cérebro, fosse processado e voltasse para que

tudo tivesse acontecido. Se o impulso for parado em algum ponto do percurso a reação

nunca irá acontecer.

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6

éA sensação de dor é portanto muito útil mas podem existir situações em que a mesma

seja mais prejudicial que benéfica.

Consideremos a seguinte situação: - enquanto corria, um indivíduo "A" torce o pé, o

mecanismo da dor é ativado e o indivíduo sente a dor localizada no tornozelo. Todos

sabemos como pode ser dolorosa a entorse do tornozelo e a reação mais comum será

parar de correr e evitar voltar a apoiar o pé no chão, pelo menos de imediato pois

sabemos que vai doer, essa dor previne que seja colocada mais pressão sobre a zona

lesionada para que os danos não se agravem.

Como ficar só sobre um pé é difícil e cansativo, é normal que se procure uma outra

posição mais confortável e portanto sentamo-nos ou deitamo-nos no chão. Até aqui tudo

bem, a dor cumpriu o seu objetivo alertando-nos que algo não estava bem e forçando a

adoção de um comportamento que previna o agravamento da lesão. Agora,

consideremos que o tal indivíduo "A" estava a fugir de uma ameaça (de um agressor ou

de um incêndio por exemplo), como o comportamento descrito anteriormente pode

colocar a sua vida em risco este perde a sua utilidade.

Nas situações em que a sobrevivência esteja em risco a dor tem de ser suplantada e o

organismo dispõe de formas de o fazer. Uma vez que a necessidade de sobrevivência

se sobrepõe claramente ao risco de agravamento da lesão, o cérebro ativa o sistema

analgésico e envia uma "mensagem" através do sistema nervoso para que

determinadas células libertem opioides naturais como a endorfina.

O papel desses opioides é bloquear a passagem do impulso nervoso entre os nervos

periféricos e os nervos da medula espinal e consequentemente impedir que chegue ao

cérebro impedindo a dor de ser gerada. Outras substâncias opioides não produzidas

pelo organismo têm a mesma capacidade de inibir a transmissão do impulso, como é o

caso da morfina e outras drogas que por esse motivo são utilizadas pela medicina e

também para outros fins menos honrosos como sabemos.

Existe ainda outra possibilidade para que a dor não seja percecionada pelo cérebro.

Imagine o seu cérebro como se este fosse uma caixa de correio eletrónico, se o volume

de mensagens recebidas não for demasiado grande você consegue ir lendo e dando

resposta às mesmas, mas quando o volume de mensagens começa a aumentar torna-

se difícil dar resposta a todas de imediato. Se o volume de mensagens for de tal forma

grande, torna-se de todo impossível dar resposta e algumas ficarão em espera ou

porventura nem chegarão por a "caixa estar cheia".

O cérebro apesar da sua prodigiosa capacidade também tem um limite para a

capacidade de estímulos que consegue processar em determinado período de tempo.

Portanto é possível que o impulso nervoso chegue ao cérebro mas que não seja

processado, o que faz com que a dor não seja gerada e consequentemente não seja

sentida, impedindo assim o processamento da resposta.

çõA dor intensa e o stress relacionado com as situações de conflito podem como já vimos

alterar ou induzir estados emocionais. Ansiedade, agitação, nervosismo, fúria, pânico

ou dúvida entre outros e podem facilmente ocorrer como resultado dos golpes ou da

situação em si.

A origem destas emoções não é meramente psicológica, existe um conjunto de fibras

nervosas (tipo C) que formam um caminho secundário mais lento que o caminho

principal do mecanismo da dor, que transporta impulsos para outras áreas do cérebro

que estão relacionadas com o processamento de emoções.

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7

Este mecanismo está também relacionado com a dor difusa que não se consegue

localizar de forma precisa.

áO corpo humano é uma máquina prodigiosa, milhares de anos de evolução mudaram

e aperfeiçoaram a nossa anatomia tornando-nos numa espécie notável.

Não somos obviamente a espécie mais forte ou a mais rápida mas ainda assim somos

extremamente resistentes o que conjugado com um cérebro muito avançado nos

permitiu colonizar todo o planeta e assumir o papel de espécie dominante.

Os nossos órgãos estão protegidos pelo esqueleto e por músculos, as principais artérias

encontram-se quase sempre na face interior dos membros de forma a estarem mais

protegidas e o cérebro encontra-se fortemente protegido pelos ossos do crânio e por

um líquido protetor. Estas e outras características visam aumentar as hipóteses de

sobrevivência em caso de ataque de um predador ou em ambientes hostis.

Estamos relativamente bem protegidos mas não somos imunes, temos vulnerabilidades

e pontos onde a nossa "armadura" se torna mais frágil e onde o funcionamento do

organismo pode ser afetado.

Em defesa pessoal é de extrema importância, por um lado, conhecer quais os pontos

mais vulneráveis do corpo humano e o que acontece quando são atingidos e, por outro

lado, ter a capacidade de atingir o adversário nesses pontos com precisão assim que

estejam acessíveis. Sem o conhecimento prévio dos pontos vulneráveis os golpes serão

desferidos "às cegas", podem até acertar mas nunca será um "ataque cirúrgico" por

assim dizer e, provavelmente a energia será desperdiçada em golpes inconsequentes.

Lembre-se que o objetivo não é "dar luta" ao agressor mas criar as condições

necessárias para escapar o mais rápido possível e um golpe preciso pode gerar essa

oportunidade.

Pense no seu corpo como se de um automóvel se tratasse, a carroçaria protege o motor

e demais componentes, os cabos elétricos levam a informação dos diversos sensores

até à Centralina e esta controla todo o funcionamento da viatura. Quando ocorre uma

colisão a carroçaria deforma-se ou parte-se e elementos da mesma separam-se uns

dos outros. Alguns componentes podem ficar danificados e parar de funcionar e pode

acontecer que o sistema elétrico avarie e o carro simplesmente não funcione.

Quando o seu corpo é vítima de uma agressão o que lhe sucede é semelhante, por

vezes são as estruturas que ficam danificadas, ou poderá ser afetado um órgão interno,

ou poderá ainda ser o "sistema elétrico" ou de comando que poderá ser comprometido

(refiro-me obviamente ao sistema nervoso e ao cérebro).

Cada ponto vulnerável tem características diferentes e por conseguinte os efeitos

resultantes da agressão sobre eles também irão divergir, podendo contudo coexistirem

mais do que um tipo de efeitos.

Pontos vulneráveis são portanto locais onde é mais fácil infligir dor, danos, ou alterações

ao funcionamento normal do organismo e que por esse facto se tornam alvos

preferenciais.

çOs golpes aplicados na cabeça podem provocar lacerações

no couro cabeludo, traumatismos nos ossos do crânio ou

lesões cerebrais de maior ou menor gravidade.

Uma pancada suficientemente forte pode provocar perda de

consciência por comoção cerebral que resulta do facto de o

cérebro sofrer uma aceleração e "chocar" contra o crânio.

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8

É algo semelhante com o que se passa com um passageiro de um carro quando este

embate contra um obstáculo, em que o carro pára mas o passageiro é projetado.

Apesar de causar perda de consciência a comoção cerebral é ainda assim a menos

grave e mais comum das lesões cerebrais e em regra os seus efeitos são reversíveis.

Outras lesões bem mais graves podem ocorrer levando inclusivamente à morte pelo que

ataques à cabeça só devem ser considerados em última instância pois os riscos são

demasiado elevados.

Outro fator a ter em conta é que devido à grande resistência dos ossos do crânio é muito

normal que quem efetua o golpe se possa magoar (a menos que o faça com alguma

espécie de arma mas nesse caso o risco de lesão grave no cérebro é ainda maior).

Um ataque aos olhos provoca dificuldades de visão (de maior ou menor duração) devido

ao edema provocado ou eventualmente a lesões da retina. É doloroso mas não deixará

o agressor fora de combate (a menos que provoque comoção cerebral ou deixe o

mesmo em choque).

É mais um ataque do tipo desestabilizador que pode proporcionar a oportunidade para

se libertar, fazer o atacante perder o ímpeto ou criar uma distração momentânea que

pode ser aproveitada para fugir ou para aplicar contra-ataques adicionais.

Na essência é um alvo semelhante aos olhos, em que lágrimas, visão turva, possível

desorientação e confusão (a perda de consciência continua a ser possível),

sangramento das fossas nasais ou fratura são alguns dos efeitos possíveis.

Os efeitos psicológicos tendem a ser superiores aos físicos e muitas vezes levam a que

o agressor pare para verificar "em que estado" se encontra abrindo uma janela de

oportunidade a ser explorada.

O maxilar inferior é um dos pontos mais visados

em todas as situações que envolvem luta por ser

um alvo bastante evidente e facilmente

identificável. Pode ser atingido na sua porção

frontal (queixo) ou na porção lateral e

dependendo da violência do golpe pode provocar

fratura ou deslocamento do maxilar e ainda a

perda de consciência (KO) que ocorre devido à já

referida comoção cerebral ou pelo facto de a parte

posterior da mandíbula, o côndilo, exercer uma

forte pressão sobre a cavidade glenoide devido

ao impacto.

Essa pressão pode provocar danos neurológicos ou circulatórios uma vez que esta

cavidade está situada muito próxima do tronco cerebral e dos vasos sanguíneos que

irrigam o cérebro o que em qualquer dos casos pode levar à perda de consciência.

Outro efeito que é relativamente comum é a perda de equilíbrio ou estabilidade, muitas

vezes acompanhado por tontura e náusea o que se deve à alteração do fluido do ouvido

interno.

Para que não se magoe ao executar o golpe é preferível que o mesmo seja realizado

com a base da mão (a fratura de ossos da mão ou dos dedos é relativamente comum

mesmo em lutadores experientes).

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9

A principal estrutura da garganta afetada aquando

de um ataque a esta área é a laringe. Esta tem um

comportamento muito elástico que lhe permite

recuperar a forma original, mas existe o risco das

cartilagens que formam a mesma cedam ou partam

(cartilagem da tiroide e cartilagem cricoide).

Outro risco que ocorre especialmente se o pescoço

se encontrar em hiperextensão é a deslocação da

traqueia que consiste na separação da laringe da

traqueia.

No extremo os ataques a esta área podem

provocar a morte por asfixia derivada da

deformação das estruturas e consequente

impossibilidade da passagem do ar. Os processos

inflamatórios resultantes da agressão podem

igualmente dificultar ou impedir por completo a

respiração.

óAs artérias Carótidas situam-se em ambos os lados

do pescoço e são responsáveis por fornecer o

sangue a toda a região da cabeça. Cada uma

destas artérias (direita e esquerda) subdivide-se

em artéria carótida interna (irriga o cérebro) e

externa (ramifica-se por toda a cabeça e face). O

local onde os ramos internos e externos se

separam (sensivelmente ao nível da maçã de

Adão) é conhecido por seio carotídeo e nessa

região existem baroreceptores que tem a função

de monitorizar a pressão sanguínea.

Um golpe desferido à região lateral do pescoço pode alterar o regular fornecimento de

sangue ao cérebro e consequentemente a falta de oxigénio e nutrientes.

Se bem que essa diminuição do fluxo sanguíneo para o cérebro possa ser provocada

pelo bloqueio da artéria, o mais comum é que seja provocado pela diminuição da

pressão sanguínea e pelo abrandamento do ritmo cardíaco que sucede porque ao

serem atingidos, os baroreceptores ficam "confusos" e informam o cérebro que a

pressão sanguínea aumentou, em resposta o cérebro através do nervo Vago dá ordem

ao coração para diminuir o ritmo cardíaco e promove uma vasodilatação generalizada

em todo o corpo. A consequência dessas alterações é um quadro de bradicardia e

consequente falta de oxigenação do cérebro o que pode provocar uma síncope (perda

de consciência).

Para além da referida síncope, existe um risco potencial "escondido", as alterações da

pressão sanguínea conjugadas com a compressão da carótida podem provocar a

libertação de placas de colesterol que eventualmente existam o que pode provocar um

AVC (acidente vascular cerebral).

Seio carotídeo

Cartilagem tiroide

Traqueia

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0

Para compreender o que pode acontecer no caso de uma

agressão sobre a coluna vertebral, importa saber que uma

das suas funções primordiais é proteger a medula espinhal

e os nervos espinhais. Quase todos os nervos periféricos

estão ligados num determinado ponto na coluna vertebral.

Na parte posterior da mesma situam-se os nervos sensitivos

que têm o papel de transmitir os impulsos nervosos do órgão

recetor até ao SNC (sistema nervoso central), da parte

anterior irradiam os nervos motores que conduzem o

impulso codificado no encéfalo (SNC), até ao órgão efetor.

Um golpe pode provocar espasmos musculares que são

contrações involuntárias de um músculo, grupo de músculos

ou órgão acompanhadas de dor localizada e que são

causadas pelo mau funcionamento de um nervo.

Todos estes feixes de nervos convergem na região da nuca

onde ligam a várias estruturas do cérebro.

Algumas dessas estruturas como o Cerebelo que contribui

para a coordenação fina, equilíbrio e timing, podem ser

afetadas pelo impacto do golpe levando a que surjam

dificuldades em se manter de pé ou em caminhar.

O Bulbo raquidiano (ou medula oblonga) que é a estrutura

que faz a ligação entre o cérebro e a medula espinhal é um

órgão condutor de impulsos nervosos e está relacionado

também com funções vitais como a respiração, os

batimentos cardíacos ou a pressão arterial. Uma pancada

nesta área pode provocar morte imediata exista ou não

fratura. A comoção cerebral ou outros traumatismos

cranianos podem também vir a ocorrer.

íUm plexo é um aglomerado de nervos que se encontram

numa localização específica. O plexo celíaco conhecido

geralmente por plexo solar situa-se genericamente por

detrás do estômago e na região terminal do esterno

(apêndice xifoide) e é constituído pelos nervos

esplâncnicos e vago e pelos gânglios celíacos.

Um golpe nesta região provoca dor intensa e o bloqueio do

diafragma e consequentemente dificuldades respiratórias,

para além disso e uma vez que os nervos que o constituem

fazem parte do sistema nervoso autónomo simpático e

parassimpático podem surgir alterações fisiológicas muito

diversificadas (os sistemas simpático e parassimpático

constituem o sistema nervoso autónomo que regula as

funções vitais e controla as reações automáticas do corpo

face às modificações do ambiente).

Apêndice xifoide

Plexo celíaco

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1

íO fígado é o maior órgão glandular do corpo humano e situa-se

do lado direito na região das nonas e décimas costelas.

Evolutivamente o fígado foi ganhando mais importância no

funcionamento do organismo o que levou ao aumento do seu

volume algo que não foi acompanhado pelo aumento da caixa

torácica deixando-o por isso algo exposto e vulnerável.

Quando atingido com força a dor é de tal forma que se torna

incapacitante, muitos lutadores descrevem a sensação posterior

ao golpe como se as pernas deixassem subitamente existir.

A cápsula em redor do fígado tem imensas fibras nervosas do

sistema nervoso autónomo que como já vimos pode provocar

reações totalmente incontroláveis entre as quais a perda de

consciência.

Existe ainda o risco de perfuração do fígado por fratura das

costelas.

O que foi descrito para o fígado é válido de forma geral para os

restantes órgãos, a principal diferença reside na vulnerabilidade

que cada órgão detém em função da sua localização e do seu

tamanho.

Os rins, ainda que não tão vulneráveis quanto o fígado (estão

cobertos por uma massa muscular mais densa), ocupam ainda

assim uma posição relativamente próxima da superfície externa

do corpo tornando-os suscetíveis aos efeitos do impacto dos

golpes.

A perfuração de um rim provoca uma severa hemorragia interna

que pode conduzir à morte. O estado de choque também pode

ser induzido pela agressão a este e outros órgãos.

Um ataque à região genital provoca uma dor violenta e generalizada. Como esta região

partilha alguns recetores de dor com a região abdominal, o corpo fica "meio louco" por

ser bombardeado com estímulos nervosos que fazem a dor ser sentida no estômago e

outros órgãos abdominais podendo levar ao vómito e à prostração por terra em posição

fetal.

A coxa é percorrida por vários nervos importantes como o

nervo ciático ou o nervo femoral cutâneo lateral.

Em alguns locais estes nervos podem ser encontrados

bastante próximo da superfície potenciando o efeito dos

golpes.

Um golpe forte em especial no lado externo da coxa

(sensivelmente a meio ou a cerca de 4 dedos acima do joelho)

pode deixar toda a perna incapacitada provocando a queda ou

dificuldades de locomoção.

Fígado

Rim

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2

Todas as articulações do corpo humano são sensíveis à dor por

serem monitorizadas por diversas fibras nervosas, pois o cérebro

precisa saber o seu estado e posição para as poder controlar.

Cada articulação tem um conjunto limitado de movimentos

anatómicos que pode efetuar, quando são forçadas a realizar um

movimento com maior amplitude ou fora das suas capacidades

podem surgir luxações ou rutura dos ligamentos e músculos que

a envolvem e mobilizam.

As ações sobre as articulações podem portanto provocar dor

intensa e dificuldade ou incapacidade de efetuar movimentos

articulares.

No caso do joelho por este ser a principal articulação do trem inferior, a locomoção pode

ser fortemente afetada ou totalmente comprometida.

Existe ainda outro especto importante nas ações sobre as articulações, como forma de

as proteger o corpo reage (a mando do cérebro) alterando a sua posição anatómica

procurando evitar o colapso da estrutura o que provoca instabilidade e perda de

equilíbrio que podem ser aproveitados para ganhar vantagem.

ã éOs golpes ao Tendão de Aquiles e aos Gémeos provocam dor intensa e diminuição da

mobilidade. Se o tendão for rompido a locomoção torna-se muito difícil ou impossível.

íUm golpe no bíceps é extremamente doloroso e pode incapacitar

todo o braço.

Muitas vezes este alvo é o que se encontra mais próximo devido

às movimentações ofensivas do oponente. Quando este efetua

um soco o bíceps estará mais próximo do que a maioria dos

restantes pontos vulneráveis e por esse motivo eventualmente

mais fácil de ser atingido.

Quando o oponente está armado com uma arma branca, com um

pau ou algo similar este ponto assume um papel bastante

importante.

Podemos compreender agora que as ações sobre os diferentes pontos vulneráveis

apresentados acarretarão consequências diferenciadas, os danos físicos, a dor e as

alterações emocionais resultantes podem até certa medida ser controladas ou

diminuídas através do exercício da "vontade" e em alguns casos por processos

fisiológicos, mas os efeitos que resultam da ativação do sistema nervoso autónomo são

impossíveis de combater por ação do SNC, por se encontrarem fora da sua alçada.

Uma vez iniciado um processo autónomo, este não pode ser travado, somente a

resposta antagónica gerada no seio do SNA pode reverter o funcionamento do

organismo ao estado de hemóstase (equilíbrio).

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3

çãO objetivo principal do treino de precisão será o aumento da coordenação óculo-manual

e óculo-pedal ou seja, desenvolver a capacidade de sincronizar a atividade visual com

as ações motoras das mãos e pés (cotovelos e joelhos estão naturalmente incluídos).

O primeiro passo será desenvolver a capacidade de acertar num local previamente

determinado de um objeto estático, o que pode ser feito por exemplo marcando com fita

pontos numerados num saco ou num plastron grande e à ordem do instrutor ou de um

parceiro o elemento que executa os golpes deve tentar acertar com a maior rapidez e

precisão possível nos pontos pela ordem indicada. O passo seguinte será introduzir

movimentação no exercício deixando o alvo de estar estático.

Outra possibilidade será a utilização dos focus pad, a principio somente levantando a

mão para que fique exposta para receber o golpe e posteriormente descrevendo círculos

com a mesma forçando o executor a calcular o ponto de impacto. Uma vez dominado

este exercício os movimentos da mão podem tornar-se totalmente aleatórios não

permitindo a existência de um padrão de movimento que facilite a ação do elemento que

executa os golpes.

Um exercício mais avançado consiste em utilizar o próprio parceiro como alvo, mas

como medida de proteção o mesmo deve envergar equipamento de proteção como

colete, capacete e eventualmente caneleiras. Os pontos visados devem ser marcados

com fita nos equipamentos de proteção e inicialmente o parceiro não deve tentar evitar

ou proteger-se dos golpes.

O grau de dificuldade do exercício será aumentado à medida que o alvo fique apenas

disponível por um breve instante após o qual o parceiro protege esse ponto ou na

medida em que o mesmo passe a bloquear ou esquivar-se dos alvos dirigidos a

determinada zona. O último passo será permitir que o parceiro contra-ataque.

Outra forma de treino consiste em colocar um dos elementos (que servirá de plastron)

numa posição estática (como se tivesse sido "congelado") após desferir um golpe. O

trabalho do segundo elemento será desviar ou esquivar-se desse golpe e

posteriormente observar quais são os pontos vulneráveis que se encontram disponíveis

e aplicar golpes nos mesmos. O exercício deve ser realizado sem equipamento de

proteção e em consequência os golpes devem ter um impacto muito limitado e

superficial.

Progressivamente a velocidade deve ser aumentada e os diversos patamares (de pé,

joelho no chão e prostrado no solo) devem ser praticados, a posição adotada nos

diferentes patamares alteram quer os pontos vulneráveis que ficam disponíveis quer a

forma como podem ser atingidos.

Existem, claro muitos outros exercícios possíveis, pois sempre que tenha que acertar

em algo pré-determinado estará a desenvolver a precisão.

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4

Quando a sua vida está em risco e a sua única alternativa é lutar para sobreviver deixe de parte toda a dúvida e hesitação, ataque com toda a intenção, ponha toda a sua energia nos golpes, procure em todos o máximo efeito e aproveite todas as oportunidades. Não há outra forma de o dizer, se toda e qualquer tentativa de resolução pacífica da situação falhou e se fugir não é uma opção viável você terá que magoar o seu oponente, terá que lhe infligir dor e danos físicos, por muito que lhe custe enveredar pela violência, pois por vezes não resta outro caminho. Os danos e a dor (e os restantes efeitos já descritos) vão depender da força de impacto que os golpes consigam transmitir para o oponente mas antes de avançar é preciso compreender o que se entende por força. Força é um conceito fundamental da física Newtoniana que é composta por três leis. A primeira diz que um objeto irá permanecer no estado em que se encontra, em movimento ou estático a menos que seja exercida uma força sobre o mesmo (princípio da inércia). A segunda lei diz-nos que a aceleração de um corpo é proporcional à força que é exercida sobre o mesmo (princípio fundamental da dinâmica). A terceira lei refere a existência de uma interação entre dois corpos em colisão, quando um corpo exerce uma força sobre outro recebe de volta uma força igual mas de sentido oposto (princípio da ação - reação). Simplificando, um corpo parado só se irá mover se for puxado ou empurrado. De igual modo, só irá parar ou mudar de trajetória se uma força for exercida sobre ele. Quando choca com outro objeto a força repercute-se nos dois. Portanto, uma força é algo que pode fazer um objeto mover-se ou parar e que pode acelerar ou desacelerar o seu movimento ou mudar a direção em que se movia. Além disso, a força pode ainda mudar a forma de um objeto o que é o mesmo que dizer que pode provocar alterações estruturais ou danos. Quando se executa um golpe todas as leis enunciadas estão presentes. O corpo inicialmente imóvel encontra-se agora em movimento, uma determinada quantidade de movimento foi gerada e quando o golpe finalmente chega ao seu destino irá provocar reações em cada um dos corpos em colisão. Todo o corpo em movimento tem energia denominada de cinética e essa energia pode ser transmitida a outro corpo provocando alterações no seu estado. Uma forma de energia é expressa em joules e relaciona a massa do corpo com a velocidade a que o mesmo se desloca. Contudo se dissermos que algo ou alguém foi "atingido" por "n" joules a compreensão do acontecimento será limitada pois não é algo que consigamos interpretar cabalmente uma vez que é uma grandeza que nos é estranha, ou seja, não fazemos ideia do que pode significar receber a quantidade de energia em questão, não é algo que nos seja familiar como por exemplo a temperatura que é outra forma de energia (térmica) em que conseguimos deduzir e compreender os efeitos de ser exposto a temperaturas extremas. Existe no entanto um conceito eventualmente mais fácil de entender que é o Momentum e que tal como a energia cinética relaciona a massa e a velocidade. Quando um corpo se encontra em movimento diz-se que tem Momentum ou determinada quantidade de movimento. Para melhor entender em que consiste considere a questão seguinte: - O que acha que é mais difícil deter, uma bola de ténis lançada contra si a uma velocidade de por exemplo de 18km/hora (= a 5 metros por segundo) ou um carro movendo-se à mesma velocidade? Obviamente que sabemos a resposta a esta pergunta, uma bola de ténis a essa velocidade é fácil de deter (uma bola de ténis pode ser facilmente lançada a mais de 100 km/h) mas nunca conseguiremos parar um carro que se mova a essa velocidade. O que torna impossível parar o carro é o facto da sua massa ser bastante superior à da bola, pois ambos estão animados da mesma velocidade.

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Esta relação entre massa e velocidade é uma grandeza física e é traduzida pela fórmula p=m.v e o resultado é expresso em Kg.m/s (quilograma metro segundo) e esta unidade de medida é bem mais fácil de entender. Fazendo as contas ficamos a saber que a bola terá uma quantidade de movimento de 0,250kg.m/s (0,050kg x 5m.s) e o carro 5000kg.m/s (1000kg x 5m.s). O inverso acontece com um projétil de uma arma de fogo, apesar de pesar somente algumas gramas mas movendo-se a uma enorme velocidade alcança uma quantidade de movimento incrível. O que realmente importa retirar destes conceitos é o facto de ser possível aumentar o poder de um golpe ao colocar mais massa corporal no mesmo ou imprimindo-lhe maior velocidade. Como isso se faz iremos ver de seguida.

éSem uma técnica correta é muito difícil gerar um momentum considerável, a correta execução do golpe é fundamental para que o mesmo tenha a potência necessária para provocar efeitos significativos. Antes de tentar acrescentar força desenvolva primeiro a velocidade e, antes da velocidade, assegure a aquisição de uma técnica o mais perfeita possível. Lembre-se que técnica consiste em realizar um gesto da forma mais eficiente e com o máximo de eficácia, o que será impossível de alcançar sem uma boa coordenação motora. A coordenação motora resulta da interação entre o cérebro, os músculos e articulações, quanto melhor for esta relação melhores serão os resultados. Importa referir que existem diferentes tipos de coordenação motora: a geral ou grossa apoiada nos grandes grupos musculares (andar, correr ou saltar são exemplos de movimentos de coordenação geral) e a coordenação fina realizada pelos pequenos músculos e associada aos movimentos de precisão (como por exemplo o ato de escrever, recortar ou a pintar). Para além de recrutarem músculos diferentes também as estruturas do cérebro envolvidas na coordenação do movimento fino ou geral diferem. Os movimentos finos necessitam de muito maior capacidade de "computação" ou seja, exigem muito mais empenhamento do cérebro para a realização da tarefa motora o que em ocasiões de stress acrescido pode ser problemático. A coordenação geral é bem mais simples e funciona de forma mais autónoma não exigindo portanto tanto empenhamento do sistema nervoso central. Para a defesa pessoal os movimentos mais simples, apoiados especialmente na coordenação motora geral tendem a ter um maior grau de eficácia maior pois conseguem ser reproduzidos praticamente em qualquer situação mesmo quando sob grande pressão emocional, além disso, por serem realizados pelos músculos de maiores dimensões do corpo mobilizam uma quantidade maior de massa corporal para o golpe o que resulta em maior potência. Cotoveladas e joelhadas são movimentos muito simples mas com grande poder destrutivo. Trabalhar a coordenação permite eliminar os movimentos desnecessários ou "parasitas" que não fazem parte da técnica e que só lhe retiram velocidade e poder.

çãA principal preocupação durante o treino com vista o desenvolvimento da técnica deve ser a correta aquisição da mesma. A repetição a baixa velocidade permite o instalar da “programação” neuromuscular necessária. Treinar frente a um espelho ou filmar a execução é uma boa forma de poder avaliar e corrigir o que se está a fazer. Não hesite em colocar qualquer dúvida que tenha em relação à execução ou aos objetivos e princípios inerentes às técnicas. A compreensão dos objetivos é parte integrante do desenvolvimento técnico.

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Quanto maior for a velocidade maior é o poder destrutivo do golpe. Este facto é facilmente observável quando uma viatura embate contra um muro, se a velocidade é baixa a viatura pára e os danos na mesma ou no muro serão reduzidos ou eventualmente inexistentes, mas se a colisão se der a grande velocidade, todos sabemos o que acontece, um ou ambos os objetos irão sofrer deformações. Esta relação também pode ser diretamente deduzida da fórmula que vimos anteriormente. Digamos que um indivíduo com cerca de 75kg consegue mobilizar para o golpe 50% da sua massa corporal, o que corresponde a 37.5kg. Se conseguir executar o mesmo a uma velocidade de digamos 36km/h (10m/s) o golpe atingirá o alvo com 375kg.m/s o que pode ser suficiente para partir por exemplo uma costela (a resistência de uma costela ronda os 330kg). Se a velocidade do golpe for por exemplo metade o golpe só gerará 187.5kg.m/s (assumindo que a massa solicitada permanece a mesma). Além do descrito, o tempo de atuação da força sobre um corpo também provoca efeitos distintos, quando a transmissão se faz de forma lenta o corpo estará a ser empurrado, quando essa transmissão for muito rápida o corpo sofrerá um impacto e o organismo tem menor capacidade de resistir quanto recebe um elevado valor de energia num espaço de tempo muito reduzido.

çãA Propriocepção consiste na capacidade em reconhecer a localização espacial do corpo, a sua posição e orientação, a força exercida pelos músculos e a posição de cada parte do corpo em relação às demais. Para esta capacidade que por vezes é também denominada por Cinestesia, concorrem dois fatores que funcionam em conjunto, o equilíbrio e a estabilidade. O equilíbrio é a função que visa manter o centro de gravidade dentro da sua base de suporte com o mínimo de oscilações possível. No ser humano, o centro de gravidade ou de massa situa-se genericamente dois dedos abaixo do umbigo. Para manter a postura corporal correta o cérebro recebe informação proveniente de varias fontes como o ouvido interno, a retina ou das células sensitivas existentes nos ossos, articulações e tecidos musculares e ainda a informação proveniente da planta dos pés. Com essas informações o cérebro calcula com precisão a posição em que o corpo de uma forma geral ou determinado segmento do mesmo se encontra e promove as alterações necessárias para manter o corpo na posição correta ou pretendida. A estabilidade, por sua vez, é a capacidade que um corpo tem de resistir à perda de equilíbrio e de retomar à sua posição inicial. A perda de equilíbrio pode dificultar ou impedir a realização de um determinado gesto e comprometer a precisão e o poder dos golpes. Acresce que um corpo em posição de fraca estabilidade é mais vulnerável aos efeitos de uma força que contra si seja exercida. Para gerar um golpe poderoso precisamos de uma base estável para a sua execução, se o corpo estiver em desequilíbrio, o centro de gravidade ou de massa não estará estável o que levará forçosamente à incapacidade de mobilizar o máximo de massa corporal para o golpe. Além do mais, o cérebro estará ocupado em corrigir os desequilíbrios que podem colocar o organismo em risco, lembre-se que sempre que nos movemos, e mesmo quando estamos parados, o cérebro está permanentemente a monitorizar a posição do corpo e a efetuar correções ainda que de forma subtil, portanto não espere que ele se empenhe prioritariamente noutra ação que não essa. É por esse motivo que quando estamos em queda nos é extremamente difícil executar qualquer outro movimento que não esteja diretamente relacionado com a proteção do corpo que reage instintivamente à perda de estabilidade. A instabilidade pode ser explorada pois representa uma vulnerabilidade momentânea mas efetiva, o momento em que se consegue destabilizar o agressor é o momento ideal para fugir ou para neutralizar a ameaça através da aplicação de golpes adicionais.

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Obviamente que os momentos de desequilíbrio ou de instabilidade também poderão ser usados contra si, pelo que manter a sua estabilidade e provocar a instabilidade do adversário é um dos principais fatores que conduzem ao sucesso nas situações de confronto físico. Sem a postura correta não é possível atacar ou defender convenientemente nem se conseguem movimentações fluídas e nunca será possível colocar toda potência pretendida nos golpes. Melhorar a propriocepção resultará numa melhoria da capacidade de mobilizar massa para os golpes e no incremento das hipóteses de sobrevivência.

çãA melhoria da propriocepção pode ser alcançada através de exercícios realizados em bases ou plataformas instáveis que forcem o desenvolvimento do equilíbrio. Exercícios que promovam mudanças de direção conjugadas com saltos e enrolamentos são também bastante úteis ao desenvolvimento desta capacidade. De uma forma geral, todos os exercícios que tenham uma forte interação com o meio envolvente, que deve ser previamente preparado para criar dificuldades acrescidas à movimentação (contornar pinos, transpor obstáculos, executar saltos em profundidade, etc.), contribuem de forma significativa para a melhoria da propriocepção.

Energia potencial é toda aquela que pode ser armazenada para ser utilizada mais tarde. Existem duas formas de energia potencial que podem ser utilizadas para aumentar o poder dos golpes, a energia potencial gravitacional e a energia potencial elástica. Ainda que possa parecer algo complicado o conceito é na realidade bastante simples de entender. Comecemos pela energia potencial gravítica, se levantarmos um objeto e o estivermos a segurar ele passa a ter energia potencial. No momento em que o largamos ele cai em direção ao solo e a energia que estava armazenada converte-se em energia cinética durante a queda. O corpo humano pode acumular energia potencial gravitacional e é possível fazer uso da mesma em movimentos descendentes. Aprender a colocar o peso do corpo para baixo na execução dos golpes acrescenta energia, aumentando o poder dos mesmos, e também contribui para estabilizar o corpo. Como já vimos um corpo mais estável pode gerar golpes mais poderosos. Para entender a energia potencial elástica imagine uma fisga; à medida que puxamos o elástico para trás a tensão deste aumenta e quando finalmente o largamos a pedra é impulsionada. A energia acumulada no elástico é transferida para a pedra sobre a forma de energia cinética. No corpo humano os músculos têm propriedades elásticas e portanto podem acumular energia que depois pode ser convertida em trabalho e consequentemente em movimento. Quando por exemplo fazemos um agachamento os músculos da coxa (quadríceps) alongam-se (esticam) e esse estiramento pode ser aproveitado para aumentar o trabalho desenvolvido pelos músculos durante a contração. Contudo este efeito elástico não dura sempre, para ser aproveitado é preciso que a contratação ocorra num período inferior a dois segundos após o alongamento ter surgido ou o efeito dissipa-se.

éNa execução dos golpes todo o sistema muscular e esquelético do corpo deve ser envolvido mas para que daí resulte o máximo de poder é preciso que esse envolvimento se faça seguindo uma determinada sequência. A ideia é que as diferentes estruturas do corpo transfiram sequencialmente o momentum gerado de umas para as outras, aumentando a velocidade e o poder dos golpes.

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O recrutamento das diferentes estruturas deve ser no sentido das maiores para as mais pequenas, nunca o inverso. Por exemplo, na execução de um soco a última estrutura a ser recrutada será a mão, mas a energia ou o momentum começou a ser gerado muito antes pelo trabalho conjunto das pernas, da rotação da anca e do tronco, pelos ombros e pelo cotovelo até finalmente atingir a mão que será a estrutura de impacto e responsável pela transmissão da força para outro corpo. A cadeia cinética de um golpe pode ser de alguma forma comparada com o movimento de um chicote onde a energia gerada junto do punho por ação de força muscular vai-se propagando e aumentando até atingir a ponta. Outra forma de visualizar é observando o movimento das antigas locomotivas. As suas rodas ligavam-se umas às outras através de braços metálicos, quando a primeira roda impulsionada pelo motor começava a girar as restantes eram forçadas a movimentar-se fazendo a locomotiva deslocar-se, se um desses braços se partisse a energia não passaria para a roda seguinte e a cadeia cinética seria interrompida. Impedir uma articulação de se mover ou permitir que se mova de forma descoordenada em relação as restantes tem o mesmo efeito que a quebra do braço metálico das rodas da locomotiva, pelo que a energia não flui da forma mais eficiente. O que importa reter é que as rotações são fundamentais, pois a energia passa de uma estrutura para as outras através das diferentes articulações que as ligam, bloquear ou dificultar essa transmissão traduz-se em diminuição do poder destrutivo dos golpes. Os pés, a cintura e os ombros são geradores anatómicos de potência.

Um certo grau de tensão muscular é sempre necessário e obviamente que os músculos agonistas responsáveis pelo trabalho terão sempre de se contrair para criar o movimento pretendido. Relaxar significa neste contexto diminuir as tensões desnecessárias e a ação dos músculos antagonistas que se opõem ao movimento. É preciso compreender que os músculos não empurram as estruturas às quais estão ligados, os músculos apenas puxam as mesmas ao contraírem-se e, para que a estrutura se movimente no sentido oposto é necessário que outro músculo (ou grupo muscular) exerça ação sobre a mesma. Por esse motivo os músculos andam sempre emparelhados em agonistas e antagonistas. Por exemplo, a contratação do bíceps provoca a flexão do antebraço (neste caso o bíceps é o músculo agonista) para que ocorra a extensão do antebraço é necessário que o tríceps se contraia mas também que o bíceps relaxe (o músculo agonista agora é o tríceps e o bíceps passou a opor-se ao movimento portanto será o antagonista) Provocar contrações de músculos que se oponham ao movimento diminui drasticamente a velocidade dos golpes e consequentemente o poder dos mesmos.

çãA retração é um fator que retira poder aos golpes. Para que um golpe tenha poder tem de existir intenção, todo corpo mente e espírito têm de ser colocados na execução da ação. Muitas vezes, ainda que ao iniciar o golpe a intenção esteja presente, no momento do impacto existe uma retração motivada pelo receio da dor. Não é fácil ter de agredir alguém com toda a energia, anos de condicionamento não são fáceis de superar, dentro da nossa cabeça a voz da mãe ainda nos diz que não devemos lutar, que é errado (pelo menos para muitos será assim). Ultrapassar o receio de magoar

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alguém é por vezes mais difícil do que desenvolver a técnica e as capacidades necessárias para o fazer. Outro fator que leva à retração é a consciência de que nos podemos magoar ao executar o golpe. Socar um objeto duro dói, bater com o pé ou a canela em algo resistente também. Sabemos isso por experiência e devido a esse conhecimento algo no nosso cérebro atua fazendo com que no último momento ou no momento do impacto nos retraia-mos, é uma medida defensiva e na maioria das vezes totalmente inconsciente e por conseguinte, difícil de controlar. A retração torna o golpe superficial, podendo este destabilizar mas dificilmente terá o poder necessário para deixar o adversário fora de combate. Para que isso aconteça é necessário que o golpe "passe para lá do alvo". Imagine um eixo vertical no interior do oponente, ao redor desse eixo fica o corpo do mesmo, um golpe superficial não tem a capacidade de atingir esse eixo central e o oponente irá permanecer estável, porém, se o golpe não sofrer nenhuma espécie de retração terá o potencial para atingir e ultrapassar o dito eixo provocando inevitavelmente a perda de estabilidade e eventualmente poderá neutralizar o agressor. O condicionamento das mãos, pés, cotovelos e canelas permite ultrapassar a tendência para retrair os golpes. Após centenas ou milhares de batimentos a confiança para golpear desenvolve-se finalmente, o cérebro fica por fim liberto da preocupação de ter de proteger as superfícies de impacto e portanto deixa de produzir o reflexo de retração, só então os golpes atingem o máximo potencial.

çãComo foi referido a retração é muitas vezes um mecanismo instintivo de proteção e para que este mecanismo desapareça é necessário acima de tudo aumentar a confiança do praticante. Golpear objetos pesados mas que absorvam os impactos irá progressivamente condicionar as estruturas de impacto e desenvolver a confiança para executar os golpes com cada vez mais potência. O treino com plastrons, pads ou sacos são especialmente indicados para estre objetivo. O treino com makiwaras é também extremamente válido.

“Timing” é um multiplicador de potência por combinar o momentum próprio com o do

oponente.

Para entender em que consiste o “timing” pense da seguinte forma: - A e B são dois

corpos distintos e em movimento e que se aproximam mutuamente com trajetórias e

velocidades distintas; a habilidade de reconhecer o momento certo em que o contacto

irá acontecer e saber aproveitar a oportunidade para agir é o que se chama de “timing”.

“Timing” é “matemática intuitiva”, os cálculos não são feitos de forma consciente mas

intui-se onde A e B se irão encontrar em determinado ponto no espaço e no tempo.

É esta capacidade que permite, por exemplo, a um futebolista movimentar-se de forma

a estar no momento certo para responder ao cruzamento de um outro jogador para

dentro da área (não nos apercebemos mas para realizar esta ação o cérebro tem que

fazer uma série de cálculos impressionantes pois tem de avaliar a velocidade da bola,

a trajetória que irá descrever, onde irá cair, etc. E simultaneamente, calcular a que

velocidade terá de se deslocar e até que ponto, quando terá de saltar, com que potência

terá de efetuar o salto, etc. para não falhar o cabeceamento. Tudo isto baseado apenas

na experiência e nos dados que os seus sentidos lhe fornecem e num espaço de tempo

muito reduzido).

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Em situações de luta, aproveitar o momento certo é o segredo para a eficácia de um

golpe, o qual não será eficiente se for dado tarde ou cedo de mais. A correta avaliação

do tempo e distância é fundamental, mas o “timing” apenas pode ser

adquirido/aprendido através do treino, da prática e da experiencia que advém da

exposição contínua às situações e da repetição constante.

çãDesenvolver esta capacidade de intuição é de importância capital mas não deve

comprometer a aprendizagem ou outras características como a precisão, por isso, os

exercícios devem ser progressivos.

Para cada novo gesto ou técnica, a execução não deve conter demasiadas variáveis de

início, logo, o parceiro ou o plastron (ou outro material de treino) deve estar estático o

que facilita o controlo. Logo que o gesto seja assimilado a movimentação deve ser

introduzida, ao invés de socar ou pontapear um alvo estático o gesto deve ser

reproduzido contra um alvo em movimento que se afasta ou aproxima a velocidades

diferentes e de ângulos distintos.

Isso irá forçar e desenvolver a capacidade de calcular o momento certo para executar o

golpe e ainda a compreensão de qual ou quais os golpes que podem ser executados a

cada distância.

O nível de dificuldade pode ser incrementado utilizando mais do que um alvo ou

aumentando a pressão que este exerce sobre o executante.

Um método excelente para desenvolver este aspeto nuclear do treino é o “Sparring”

(luta de treino).

Em situações reais, nunca espere um alvo estático, um agressor dificilmente ficará

parado à sua frente em especial se o confronto se prolongar.

Sem que se compreenda esta relação entre tempo e espaço ninguém estará apto para

se defender lutando. Pouco importa quantos golpes consiga executar, pois se nenhum

apanhar o oponente no momento certo, este dificilmente ficará fora de combate.

Quando pensamos em flexibilidade o que nos vem imediatamente à ideia são pontapés incríveis dirigidos à cabeça do oponente ou espargatas voadoras como se veem nos filmes, mas por muitos impressionante e atrativos que esses movimentos possam ser, pouca valia têm no contexto da defesa pessoal. Associamos flexibilidade a uma grande capacidade de movimentação mas em regra não relacionamos esta capacidade física com o poder dos golpes e no entanto esse é um dos aspetos que a torna tão relevante. Vejamos, quanto maior for a flexibilidade mais livremente se movimentam os diferentes segmentos do corpo ou seja, maior será a velocidade que os golpes podem alcançar e consequentemente, serem mais poderosos. A flexibilidade engloba a mobilidade articular e o alongamento dos tecidos adjacentes às articulações (músculos, tendões, etc.). Quanto maior for a amplitude de movimento que uma articulação consegue executar e quanto maior for a capacidade dos referidos tecidos em se distenderem, maior será a flexibilidade o que leva a que a cadeia cinética de determinado gesto técnico se processe de forma mais eficaz por existir uma menor resistência à passagem da energia gerada de estrutura para estrutura até ao ponto de impacto. Existem várias formas de classificar a flexibilidade, quando nos referimos à origem da força que provoca o movimento dizemos ser ativa ou passiva, o que significa que a força é exercida pelo mesmo ou por um agente externo respetivamente.

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Pode também considerar-se estática ou dinâmica consoante exista movimento dos segmentos ou não. Cada indivíduo tem o seu próprio perfil de flexibilidade, pois não somos todos iguais. Uns são naturalmente mais flexíveis do que outros, a idade e o género têm influência na flexibilidade e a própria genética determina em grande medida esse perfil. Fatores como o comprimento dos músculos, o tipo de fibras musculares, o ângulo de penação, a quantidade de titina (proteína que determina a capacidade de extensibilidade) ou o número de pontes cruzadas de actina-miosina condicionam e influenciam a capacidade de alongamento. Não obstante estas questões é possível melhorar a flexibilidade através do treino.

çãPara desenvolver, melhorar, ou pelo menos manter a flexibilidade, a frequência com que se faz este tipo de treino é mais importante do que o volume de cada sessão, dito de outra forma, é mais útil fazer sessões regulares onde a flexibilidade seja estimulada do que fazer sessões extremamente duras mas muito espaçadas no tempo. Existem vários métodos de treino de comprovada eficácia, a opção por um ou outro depende essencialmente da preferência do instrutor ou do praticante uma vez que os diferentes estudos não revelam a longo prazo diferenças significativas nos resultados obtidos pelas diferentes metodologias. Independente do método, a recomendação aponta no sentido da realização de duas a três sessões semanais onde todas as articulações do corpo devem ser mobilizadas e todos os músculos alongados. A flexibilidade não é generalizada, portanto as estruturas que não forem submetidas ao treino irão perder flexibilidade. Por fim, a melhoria da flexibilidade desempenha um papel muito importante também na prevenção de acidentes e lesões.

é áEste método de treino consiste na colocação de determinada articulação na sua máxima amplitude e os tecidos musculares adjacentes à mesma em máximo alongamento e na manutenção dessa posição por períodos que não devem ser inferiores a 30 segundos. Durante o período de permanência em cada posição não deve ocorrer movimento, os estudos apontam no sentido de o tempo ótimo rondar os 30 segundos não havendo evidências científicas que levem a concluir que períodos mais longos tragam melhores resultados. O limite máximo de alongamento não deve provocar dor mas apenas uma sensação de desconforto. Uma vez atingida a amplitude máxima inicia-se o período de permanência e o objetivo do praticante deve ser conseguir descontrair e evitar toda a contratação muscular (normalmente os músculos antagonistas que se opõem ao alongamento contraem-se num reflexo de proteção ao estiramento, os períodos longos de permanência visam dar tempo suficiente para que este reflexo possa ser combatido. Concentrar-se na respiração ajuda neste objetivo.

é âNo método dinâmico o praticante efetua ciclos de "insistência/descontração" e por esse motivo o tempo de permanência na posição máxima de alongamento é muito reduzido logo os ganhos em termos de flexibilidade são menores no curto prazo quando comparado com os resultados obtidos com o método estático. No entanto, uma vez que os exercícios são mais próximos do que o praticante irá efetuar no decorrer do treino este método é recomendado durante a fase de aquecimento pois não induz uma diminuição ao nível da capacidade de trabalho do músculo (no método estático, devido aos períodos longos de alongamento o músculo apresenta uma diminuição na capacidade de se contrair).

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é çãEste método caracteriza-se pela realização de contrações musculares antes do alongamento que visam estimular os recetores propriocetivos que desencadeiam as respostas reflexas (reflexo miotático e reflexo miotático inverso). Se bem que alguns exercícios possam ser executados sem auxílio externo, os melhores resultados são alcançados quando esse auxílio existe. Na prática este método consiste em "resistir e relaxar" (existem outras variantes) ou seja, o elemento que auxilia puxa ou empurra determinado membro até que este atinja a amplitude máxima permitida pela articulação e o grau máximo de alongamento que os músculos consigam atingir e mantém a posição alcançada durante cerca de 10 segundos (o limite de alongamento é definido pelo elemento executante que deve atingir o nível do desconforto, não de dor). Findos os 10 segundos o elemento que efetua o alongamento deve fazer força durante cerca de 6 segundos no sentido oposto ao alongamento e contra o elemento que auxilia que deve oferecer resistência a essa força (a intensidade da força deve ser superior a 30%). Após os 6 segundos deve deixar de fazer força e o auxiliar volta a exercer pressão sobre o membro a alongar forçando-o um pouco mais para lá do ponto limite alcançado anteriormente. Este ciclo deve ser repetido por 3 vezes.

Fadiga é um fator que por si só pode alterar ou determinar o desfecho de um confronto.

À medida que a fadiga se instala a técnica começa a deteriorar-se, a velocidade

decresce exponencialmente e a potência dos golpes fica reduzida a um fração sem

significado prático.

No extremo a fadiga pode mesmo impedir a realização de qualquer ação ofensiva ou

defensiva deixando-nos completamente à mercê das intenções do agressor.

Independentemente da estratégia que se adote face à situação, seja ela fugir ou lutar,

a capacidade de resistir aos efeitos da fadiga é fundamental e ficar "sem gás" é algo

que nunca deve acontecer pois os riscos inerentes a essa situação são demasiado altos.

Imagine que opta por fugir do perigo, se desata a correr à máxima velocidade é provável

que em poucos segundos fique exausto sem conseguir dar nem mais um único passo.

Agora imagine que o agressor o perseguiu e o alcançou nesse momento em que mal

consegue respirar, como irá conseguir defender-se?

O mesmo pode suceder se a sua opção for a de lutar para se defender, pois se a sua

condição física for fraca, a fadiga poderá derrotá-lo mais depressa do que as ações

efectuadas pelo agressor.

Em maior ou menor escala já todos sentimos os efeitos da fadiga e sabemos como esta

pode ser incapacitante.

Fadiga é sentir o coração a querer sair do peito, é a "respiração" ofegante, é o ardor nos

músculos, a náusea e por vezes o vómito, é o querer falar e não ser capaz, é a

incapacidade de realizar uma atividade que costumávamos ser capaz de executar e que

nesse momento não conseguimos, é a perda da determinação para realizar algo ou de

prosseguir na consecução de um objetivo.

Em termos técnicos, é definida como "a perda de capacidade funcional que acarreta

uma redução ou a incapacidade para desempenhar uma determinada tarefa" e é

explicada por diversos modelos.

Os primeiros estudos sobre a fadiga remontam a 1907. O modelo clássico atribui a

fadiga muscular à acumulação de lactato ou ácido lático no interior das células

musculares esqueléticas o que resultaria da insuficiência de oxigénio durante a

realização de trabalho muscular.

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Apesar de esta visão ainda permanecer fortemente enraizada, estudos posteriores

revelaram que a presença de lactato é um indicador do nível de acidez muscular mas

que não é o causador direto da incapacidade do músculo para realizar trabalho.

Mais de 100 anos depois dos primeiros estudos ainda não existe uma conclusão sobre

o que de facto provoca a fadiga. Os modelos mais recentes apontam no sentido de que

a mesma resulte de múltiplos fatores com origem nervosa e química.

Uma outra visão aponta no sentido de a fadiga ser um complexo mecanismo de proteção

controlado ao nível subconsciente pelo sistema nervoso central com vista a impedir que

ocorra destruição celular em consequência de esforços demasiado intensos.

Para entendermos um pouco melhor esta questão vejamos como se processa o trabalho

muscular.

çãO trabalho muscular é realizado através da contração e

descontração das fibras musculares e para que tal

suceda é necessário que o cérebro envie "ordens"

através do sistema nervoso sob a forma de impulso que

estimulem a célula. Simultaneamente é também forçoso

que exista energia disponível para a realização do

trabalho muscular (contração/descontração).

Quando o impulso enviado pelo cérebro atinge as

sinapses neuromusculares (local onde uma fibra

nervosa comunica com os recetores da membrana

sarcoplasmática das células musculares) ativa um

neurotransmissor químico (acetilcolina) que estimula

uma despolarização de membrana sarcoplasmática

através do influxo de iões de sódio. Essa

despolarização é propagada até aos Túbulos-T da

célula o que leva à saída dos iões de cálcio

armazenados dentro do reticulo sarcoplasmático para

os sarcómeros.

Os sarcómeros são compostos por proteínas

contrácteis em especial a actina e a miosina, é o cálcio

que ao ligar-se à actina expõe os pontos de junção que

permitem a miosina ligar-se a actina.

Para que essa ligação ocorra é preciso energia (sobre

a forma de ATP), uma vez ligadas, os feixes de miosina

(que se situam no centro do sarcómero chamada a linha

M) puxam os feixes de actina (situados na extremidade,

linha Z) provocando a contratação muscular.

Para que essa ligação se desfaça e o músculo volte a

relaxar é preciso voltar a fornecer energia ATP.

O problema surge quando existem esforços intensos que podem levar ao aumento da

acidez nas fibras musculares (o valor do ph pode cair para cerca de 6,4) facto que

dificulta o retorno do cálcio ao reticulo sarcoplasmático diminuindo a capacidade do

músculo produzir trabalho.

O aumento da acidez no músculo resulta do excesso de iões de hidrogénio (H+) em

consequência dos processos de produção de energia e não da existência de ácido

lático.

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çãTodas atividades consomem energia, correr, saltar, andar, pensar, estudar, tudo o que

possa imaginar acarreta dispêndio de energia e mesmo o que não pode visto por ocorrer

ao nível celular consome energia.

O ATP que é gerado durante a respiração celular é a molécula responsável por fornecer

a energia necessária para que o organismo possa realizar as diferentes atividades.

Contudo esta molécula não pode ser armazenada pois existe somente para consumo

imediato.

No corpo humano as reservas de energia provêm dos hidratos de carbono sob a forma

de glicose existente nos músculos e na corrente sanguínea, do glicogénio armazenado

no fígado e ainda dos Lípidos armazenados nos tecidos adiposos (gordura corporal) ou,

em última instância, das proteínas que constituem os tecidos.

Ao nível muscular existe ainda uma reserva muito pequena de fosfocreatina que pode

ser utilizada.

No geral as atividades humanas decorrem em regime aeróbio o que significa que o

oxigénio que entra no organismo através do sistema respiratório é suficiente para

assegurar a produção de energia através da degradação completa das moléculas de

glicose ou dos lípidos e proteínas se necessário.

À medida que as atividades se vão tornando mais intensas, as necessidades de energia

também sobem exponencialmente, e os sistemas produtores de energia começam a

sentir dificuldade em responder a essa demanda.

De forma a conseguir produzir a energia tão rapidamente como o esforço o exige

ocorrem várias alterações fisiológicas com vista a que todos os elementos necessários

possam chegar em tempo útil aos centros de produção da mesma.

A respiração11 torna-se mais intensa de forma a poder prover maiores quantidades de

oxigénio e também para que seja possível eliminar o dióxido carbono gerado. O coração

bate mais forte e mais rapidamente para que o sangue possa transportar os nutrientes

e o oxigénio para dentro da célula e retirar da mesma os produtos residuais.

Quando o esforço atinge uma intensidade tal que é

impossível fazer chegar oxigénio em tempo útil então o

trabalho é realizado em regime anaeróbio mas só pode ser

mantido durante um espaço de tempo muito curto.

Vejamos como se processa.

Como o trabalho é tão intenso não há tempo para produzir

energia por isso o único recurso imediatamente disponível

é o ATP que existir na célula (lembre-se que esta molécula

não pode ser armazenada). Num espaço de tempo inferior

a 7 segundos todas as moléculas de ATP terão sido

degradadas gerando ADP + P.

A forma mais rápida de voltar a constituir de novo o ATP é combinando o ADP com a

fosfocreatina mas como as reservas desta substância são muito limitadas o esforço

apenas pode ser mantido por mais alguns segundos (sensivelmente até aos 15

segundos).

Este sistema é por vezes também designado de "Sistema Fosfogénico" e

resumidamente pode ser esquematizado da seguinte forma.

11 – O termo respiração é utilizado em sentido lato, e refere-se à ventilação pulmonar.

(molécula de ATP)

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A molécula de ATP é composta por Adenosina e

três fosfatos, para libertar a energia é preciso partir

a ligação de um dos fosfatos o que se consegue

por hidrólise ou seja com a ajuda de uma molécula

de água. Quando perde um fosfato o ATP

transforma-se em ADP ou Adenosina mais dois

fosfatos, para voltar à forma com três fosfatos

(ATP) liga-se à fosfocreatina de onde retira o

fosfato em falta.

Se o esforço continuar e uma vez que as reservas

de fosfocreatina já foram esgotadas, o ATP tem de

ser fornecido pela respiração celular.

çãA respiração celular é o processo através do qual as células produzem a energia

necessária ao seu funcionamento, transformando a energia contida nos compostos

orgânicos (hidratos de carbono, glícidos e proteínas) em ATP.

Este processo de transformação ocorre em três etapas, Glicólise, Ciclo de krebs e

Cadeia respiratória (também denominada de cadeia de eletrões ou fosforilação

oxidativa).

íO Sistema Glicolítico é logo após o Sistema ATP-PC, o que

exige reações químicas mais simples para gerar energia.

Neste sistema a energia é obtida por um processo

conhecido por glicólise que corresponde à primeira etapa

da respiração celular.

A glicólise consiste na quebra da molécula de glicose

(obtida a partir da transformação dos hidratos de carbono)

em duas moléculas de piruvato. Apesar de esta reação

queimar 2 ATPs, liberta 4 e portanto apresenta um saldo

positivo de 2 ATPs.

Além do ATP ocorre ainda a libertação de hidrogénio que é captado por uma partícula

chamada NAD+ que se transforma em NADH (o seu papel será analisado mais à frente).

Este processo tem lugar no citosol da célula e não necessita de oxigénio para ocorrer

sendo portanto um processo anaeróbio (significa que pode ocorrer na ausência de

oxigénio).

Apesar do oxigénio não participar na quebra da molécula de

glicose, ele vai desempenhar um papel importante pois se

existir em quantidade suficiente o piruvato segue para

dentro da mitocôndria (uma organela celular) onde irá

ocorrer o Ciclo de krebs, caso não exista oxigénio

suficiente então o piruvato é convertido em lactato e será

expelido para fora da célula para a corrente sanguínea onde

posteriormente será metabolizado no fígado.

Este sistema permite prolongar um esforço até a um limite de 2 minutos (até aos 45

segundos pelo metabolismo anaeróbio alático daí em diante em regime anaeróbio

lático).

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O sistema oxidativo é composto pelo Ciclo de krebs e pela Cadeia respiratória e é o

responsável pela produção de ATP em larga escala.

Este sistema usa prioritariamente as moléculas de glicose mas pode também recorrer a

moléculas de gordura ou de proteína uma vez que as reservas de glicose se situam

entre 300g e 400g o que corresponde a 1200-1600 Kcal. Esta possibilidade de recorrer

a outros nutrientes não acontece no sistema glicolítico.

Para esforços superiores a dois minutos a energia tem de ser obtida maioritariamente

por via aeróbia mas este processo é mais demorado por exigir reações químicas mais

complexas, pelo que não se consegue manter esforços de alta intensidade com elevada

demanda energética.

A via aeróbia não pode acontecer se não existir oxigénio em quantidade suficiente.

Existindo oxigénio suficiente as moléculas de piruvato são transportadas para dentro da

mitocôndria mas o ciclo de krebs não se inicia de imediato.

Primeiro, é transformada em acetil, ou seja, a molécula de piruvato perde um átomo de

carbono que se liga ao oxigénio formando dióxido de carbono que será expelido através

da corrente sanguínea até aos pulmões e daí para o meio ambiente. Neste processo

são formados mais dois NADH.

O acetil liga-se então a uma vitamina formando a

Acetil coenzima A (Acetil-CoA) e o ciclo pode então

começar.

O ciclo é complexo e diversas quebras e junções vão

ocorrendo até que todas as ligações existentes na

molécula original de glicose tenham sido quebradas

não restando nada mais que energia e iões de

hidrogénio.

De todas as reações que ocorrem resulta a formação de mais dióxido de carbono, 6

novos NADH, 2 ATPs e duas novas partículas semelhantes ao NADH mas menos

energéticas, o FADH2 (a energia transportada pelo NADH pode gerar 3 ATPs e no caso

dos FADH2 2 ATPs).

óNo final do ciclo de krebs não restam mais ligações para serem quebradas e de onde

se possa retirar energia, a molécula original foi totalmente desfeita e tudo o que resta

são os referidos NADH e FADH2.

Estas partículas transportam o hidrogénio que se foi libertando e por conseguinte

carregam a maior parte da energia resultante que se não fosse armazenada pelas

mesmas e fosse libertada toda de uma só vez teria destruído a célula por incineração.

Nesta etapa, que ocorre na crista mitocondrial, o hidrogénio

é forçado a passar por várias proteínas que vão forçar os

protões a seguirem para um lado e os eletrões para outro.

Como os protões e eletrões se atraem mutuamente (têm

cargas elétricas opostas) tendem a unir-se, mas para que

essa união ocorra os protões são forçados a passar por uma

proteína denominada ATP sintase, que atua como se de

uma turbina se trata-se e ao girar produz ATP em grande

quantidade (30).

O hidrogénio é retirado da célula ao ligar-se com o oxigénio formando moléculas de

água.

ATP sintase

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Quando todos os três processos se completam, a molécula de glicose terá libertado toda

a energia existente nas suas ligações produzindo um total de 38 ATPs (em alguns casos

somente 36) e calor (o ATP representa sensivelmente 40% da energia gerada o restante

resulta em calor aproveitado para manter a temperatura corporal).

Os produtos residuais são água e dióxido de carbono, se a degradação tiver sido

completa e, lactato se tal não acontecer.

C6H12O6 + O2 = 6Co2+6H2O+Energia

O seguinte exemplo procura demonstrar a sequência destes processos:

Se efetuarmos cerca de 10 pontapés com potência máxima as reservas de ATP serão

totalmente consumidas, mas se o esforço for interrompido o ATP retornará aos níveis

normais em cerca de 2 minutos (em regra, por cada segundo de execução são

necessários 10 a 12 segundos para recuperação total).

Vamos agora prolongar um pouco mais o exercício e executar não 10 mas 20 pontapés

com toda a potência que conseguirmos, provavelmente não vamos conseguir manter a

intensidade máxima durante todo o exercício, o ATP será consumido durante os

primeiros 7 segundos e será necessário recorrer ao glicogénio para prolongar o

exercício até ao final.

Para prolongarmos ainda mais o exercício, digamos 50 pontapés, o ritmo ou intensidade

do exercício terá forçosamente que baixar e o sistema glicolítico entrará em ação de

forma a fornecer a energia necessária, primeiro em regime anaeróbio alático

progredindo com o decorrer do tempo para anaeróbio lático.

Os esforços de média intensidade com uma duração entre os 2 e os 10 minutos são

efetuados num regime misto entre anaeróbio lático e aeróbio.

Acima dos 10 minutos os esforços serão predominantemente aeróbios.

àDesenvolver resistência à fadiga, seja ela de origem psicológica ou física é algo que

pode e deve ser treinado, pois negligenciar este aspeto é um risco demasiado alto.

Ao nível mental, a resistência ou a falta da mesma é o resultado dos pensamentos, dos

medos e inseguranças, das incertezas e da confiança.

Todas estas emoções coabitam lado a lado impulsionando-nos para o sucesso ou

arrastando-nos para o abismo, o pensamento positivo ou negativo é um fator que pode

influenciar decisivamente o resultado final do confronto.

Alguém que ainda antes de a violência ocorrer já se considera derrotado, estará já

inevitavelmente derrotado mesmo antes de sofrer qualquer golpe. Ninguém,

absolutamente ninguém, consegue fazer aquilo que não acredita ser capaz, quem não

acreditar que pode vencer não vencerá!

Treine na sua mente a visualização, desenvolva a capacidade de imaginar um desfecho

favorável para si, veja-se a vencer e a sair ileso do confronto, não permita nunca que

imagens de derrota lhe aflorem na mente.

A ação deve ser a concretização da ideia formulada, na sua mente a luta precisa estar

ganha ainda antes de se ter iniciada. O oponente somente deve ser atacado em duas

situações, quando você estiver pronto e quando ele não estiver.

Estimule a confiança e elimine a dúvida, a falta de uma e o excesso de outra conduzem

invariavelmente à hesitação e ao fracasso, durante o confronto o seu único pensamento

deve ser "EU CONSIGO". Nada, absolutamente nada o deve demover dessa motivação.

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O pensamento positivo é um trunfo precioso e detém a capacidade de gerar confiança,

mas esta resultará fundamentalmente do treino. Se existirem dúvidas em relação às

suas capacidades ou quanto à aplicabilidade das técnicas aprendidas terá muita

dificuldade em manter a robustez mental necessária para lidar com a violência.

É preciso compreender que nada, em nenhum dos aspetos da vida, é garantido a 100%,

portanto, esperar que toda a técnica vá funcionar sempre, qualquer que seja a situação

ou contexto, é uma expectativa irrealista, isso simplesmente não irá acontecer, uma vez

que o confronto físico tem demasiadas variáveis para que uma única receita seja

suficiente ou infalível.

Mantenha por isso um pensamento positivo mas tenha presente que o erro e a falha são

uma realidade com que poderá ter de lidar. No entanto, falhar não é sinónimo de ter de

desistir ou da inexistência de qualquer hipótese de sucesso, falhar somente significa

que o seu objetivo ainda não foi alcançado. Se ainda está de pé não se deixe vencer

pelo erro, tente uma e outra vez, nunca desista e, enquanto não estiver a salvo não páre

nunca de tentar.

A sua mente precisa de ser forte e a sua vontade indestrutível, só assim obterá a

determinação inquebrantável que o conduzirá ao sucesso e à segurança mas o seu

corpo precisa também de conseguir resistir aos efeitos da fadiga para que possa auxiliar

a mente nessa difícil missão de o manter a salvo.

Ao nível físico a resistência à fadiga depende da condição física ou do grau de treino do

praticante. Indivíduos altamente treinados conseguem resistir ou retardar o

aparecimento da fadiga e conseguem-no melhorando o desempenho dos seus sistemas

cardiovascular e respiratório e pela utilização mais eficiente da energia disponível.

No extremo, os esforços exigidos em defesa pessoal são do tipo anaeróbio alático, um

ou dois golpes com potência e intensidade máxima que permitam resolver de imediato

a situação, mas digo no extremo porque o mais realista, até devido a todo o stress

inerente às situações de conflito, é que o regime predominante seja o anaeróbio lático.

De qualquer forma e apesar dos regimes anaeróbios serem predominantes, uma boa

resistência de base ou aeróbia será sempre necessária.

Como vimos, para que os músculos funcionem é preciso que o oxigénio e os nutrientes

cheguem aos mesmos em tempo útil e isso depende da capacidade que os sistemas

cardiovascular e respiratório têm para fazer esse transporte. Quando a resistência é

interpretada sob este prisma (cardiorrespiratório) estamo-nos a referir a uma

capacidade orgânica, quando nos referimos à capacidade de executar contrações

musculares dinâmicas ou estáticas durante um determinado período de tempo estamos

a falar de resistência muscular que muitas vezes é confundida com força, mas força é

a quantidade máxima de tensão que um grupo muscular pode produzir num movimento

realizado a determinada velocidade.

As duas capacidades são distintas e para melhor compreensão considere o seguinte

exemplo, alguém que tenha capacidade (força) para fazer 3 repetições de agachamento

levantando 200kg pode muito bem não ser capaz de fazer 50 repetições contínuas e

rápidas sem peso algum (resistência muscular). A existência de uma capacidade não

pressupõe a existência da outra, ambas precisam ser treinadas.

O treino de força deve ser um complemento ao treino específico para defesa pessoal

mas de forma alguma poderá ser um substituto.

Treinar com pesos deve ter como objetivo melhorar a capacidade funcional dos

diferentes músculos permitindo a execução por períodos mais longos sem decréscimo

de rendimento, não o aumento do volume dos mesmos. Body building, weight-lifting,

power-lifting ou outras atividades similares utilizam pesos mas têm objetivos diferentes.

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Trabalhar com máquinas de musculação pode ser útil mas no geral, trabalhar com pesos

livres e leves ou somente utilizando o peso do próprio corpo trará melhores resultados

para o treino direcionado para a defesa pessoal.

Músculos muito volumosos consomem muita energia só para se manter e o aumento da

massa muscular, acima de determinado patamar, tende a fazer diminuir a velocidade de

execução pelo que músculos maiores não significam necessariamente maior potência

nos golpes.

çãO sedentarismo e as patologias associadas ao mesmo (obesidade, diabetes, etc.) são

das maiores ameaças que o homem moderno enfrenta, a obtenção de uma boa

condição física é fundamental não só para a sua segurança pessoal mas acima de tudo

para que tenha uma vida mais saudável.

Uma vez que a defesa pessoal não é uma atividade desportiva com um calendário pré-

determinado, não é viável elaborar um programa de condicionamento físico que vise um

pico de forma para determinado período temporal.

Neste contexto, o fundamental é assegurar um condicionamento regular e a

manutenção de um nível médio constante que permita em qualquer momento fazer face

a qualquer circunstância.

Se você já mantém uma atividade física regular, não necessita de alterar todas as suas

rotinas de treino ao iniciar-se na prática da defesa pessoal, basta que incorpore nas

mesmas os aspetos que estejam negligenciados na sua atividade normal.

A defesa pessoal deve ser uma forma de vida, algo que traga reflexos positivos para

seu dia-a-dia, portanto, se correr, andar de bicicleta, ir ao ginásio ou qualquer outra

atividade fazem parte dos seus hábitos ou gostos, não existe motivo para que as deixe

de praticar.

No mundo atual em que andamos em permanente correria, um dos fatores que mais

afasta as pessoas do treino é a falta de tempo que nos parece ser sempre curto para

tudo o que precisamos fazer. Ceder a esta "desculpa" é demasiado fácil. Além disso,

prevalece ainda a crença que se o treino não for longo não vale a pena.

Não é assim, os resultados do treino são determinados quer pelo volume (duração) quer

pela intensidade (ritmo) o que significa que resultados excelentes podem ser alcançados

com treinos de curta duração desde que a intensidade dos mesmos seja elevada.

Treinos em circuito e treinos intervalados ou conjugações de ambos (HIIT's - High

Intensity Interval Training ou Cross Training) são formas de trabalho que apresentam

resultados excelentes apenas com sessões que podem não ir além dos 30 minutos.

O treino em circuito (TC) surgiu em meados dos anos 50 do século passado e foi

desenvolvido com o objetivo de treinar vários praticantes em simultâneo num curto

período de tempo.

O trabalho pode ser realizado com ou sem pesos e visa essencialmente o

desenvolvimento da resistência muscular.

Os exercícios que compõem o TC devem respeitar o princípio da alternância de esforços

de forma a não solicitar sucessivamente a mesma região corporal ou os mesmos grupos

musculares.

Todos os exercícios devem ser executados a uma intensidade alta durante períodos

que podem variar entre os 15 e os 45 segundos durante os quais o praticante deve

procurar efetuar o maior número possível de repetições, os períodos de repouso podem

variar entre os 15 e os 30 segundos ou ser inexistentes.

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A título puramente demonstrativo podemos tomar como exemplo o seguinte conjunto de

exercícios como fazendo parte de uma sessão de TC:

Ex1= extensões de braços no solo; Ex2= agachamento; Ex3= abdominais; Ex4=

elevações na barra; Ex5= saltos laterais a pés juntos; Ex6= dorsais; Ex7= ... (podem ser

acrescentados mais exercícios não devendo contudo o número total exceder os 12).

Os tempos de execução e de descanso devem ser estipulados previamente.

Podem ser executadas até 3 séries (uma série corresponde à execução de todos os

exercícios).

O treino intervalado foi desenvolvido com o intuito de permitir que os praticantes possam

treinar com níveis de intensidade mais altos desenvolvendo assim não só a resistência

aeróbia mas também a anaeróbia.

Este tipo de treino tem por base a alternância do ritmo de execução de um determinado

exercício e intercala períodos de baixa intensidade com outros de média ou alta o que

se traduz na solicitação dos diversos sistemas de produção de energia já referidos.

Na sua forma tradicional somente um exercício é realizado a ritmos diferentes, por

exemplo:

- Executar 10 minutos de corrida lenta seguida de 3 séries de 2 minutos de corrida a

média intensidade com intervalos de recuperação entre séries de 1 minuto (o período

de recuperação deve ser feito através de corrida a um ritmo muito baixo ou em marcha).

- Após a última série executar corrida lenta durante 3 minutos e de seguida executar 3

séries de 1 minuto de corrida rápida com intervalos de 30 segundos para recuperação.

- Finalizar com realização de 5 minutos de corrida lenta para recuperação.

Estes tipos de treino são mais recentes e de alguma forma reúnem características dos

dois métodos anteriores.

Tal como acontece no treino em circuito, são compostos de exercícios variados mas

não sobre a forma de estações e conjugam ritmos diversificados para estimular a

utilização dos diferentes sistemas energéticos.

Todos os métodos apresentados permitem a obtenção de bons níveis físicos com

treinos de curta duração.

Os treinos com focus pad ou plastrons também desenvolvem a resistência muscular

necessária para as atividades de defesa pessoal desde que os exercícios sejam

executados com uma intensidade elevada (considera-se que a intensidade é alta

quando atinge valores superiores a 75% da frequência cardíaca máxima. Uma forma

sucinta de calcular a frequência cardíaca máxima é subtrair a idade a 220 no caso dos

homens e 226 para as mulheres. Por exemplo um praticante masculino com 30 anos de

idade terá um valor de FCMax de 190 pulsações por minuto, este valor não possui um

alto rigor científico, mas serve como indicador para o treino. E em atividades de alta

competição são utilizados métodos muito mais precisos bem como testes de

laboratoriais.

Treinos de "sparring" e saltar à corda são também um bom método para melhorar a

resistência ao nível cardiovascular.

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O stress ocorre quando existe um desequilíbrio entre o que é solicitado e os recursos

que estão disponíveis para responder a essas solicitações.

Sempre que enfrentamos algo para o qual não nos sentimos preparados ou com o qual

não estamos acostumados o stress estará presente.

Se colocarmos uma tábua no chão e pedirmos a dez pessoas que andem sobre ela sem

que percam o equilíbrio provavelmente teremos um aproveitamento de 100% pois é uma

tarefa comum que não apresenta qualquer tipo de dificuldade.

No entanto se colocarmos a mesma tábua elevada do chão, mesmo a uma altura

relativamente pequena, é muito provável que o façam com alguma dificuldade ou até

que não consigam.

Se por fim a tábua for colocada a alguns metros do chão, o mais provável é que a maioria

não tente sequer.

Para complicar ainda um pouco mais, vamos pedir aos poucos que chegaram a esta

fase que voltem a caminhar sobre a tábua, (que se encontra à alguns metros do solo)

mas agora num dia de muito vento e chuva e é bem possível que ninguém cumpra a

tarefa.

Este facto é curioso, a tarefa a executar nunca mudou, consistia simplesmente em

andar, algo que todos dominavam completamente e há muitos anos.

Se a tarefa a executar era sempre a mesma e se todos os elementos a conseguiam

executar à partida, então por que motivo deixaram de o conseguir fazer?

Não foi a capacidade funcional para executar a tarefa que deixou de existir, mas as

condições em que essa tarefa teria de ser executada alteraram-se significativamente,

ao invés de executar a mesma em condições favoráveis e costumeiras (ao nível do

solo), foram introduzidos fatores de pressão ou “stress”, neste caso particular, a altitude

e condições meteorológicas adversas.

Se transportarmos este cenário para a defesa pessoal podemos concluir que as

situações que originam stress podem alterar a capacidade de desempenho do

praticante. Conseguir realizar determinado gesto técnico em situações padronizadas ou

num ambiente controlado é uma coisa, conseguir o mesmo desempenho sob pressão é

algo totalmente diferente porém crucial.

Quando o conflito surge e a adrenalina começa a fluir pelo organismo muitas alterações

ocorrem comprometendo o desempenho normal, importa portanto que os exercícios de

treino reflitam esta realidade e tenham um índice de stress adequado ao

desenvolvimento do praticante.

Um nível demasiado baixo não provoca estímulos suficientes para que o

desenvolvimento ocorra, mas, níveis demasiado altos podem traduzir-se em

incapacidade de realizar a tarefa.

De uma forma genérica pode-se aplicar uma regra simples para adequar o nível de

stress aos exercícios de treino, se, em reação a determinada situação o praticante

consegue responder de forma eficaz em mais de 80% das vezes, isso significa que o

grau de exigência do exercício é baixo e será portanto necessário introduzir mais ou

novas situações de pressão (maior velocidade, fadiga, condições adversas, etc.).

Se por outro lado o praticante apenas consegue responder eficazmente em menos de

20% das vezes isso significa que o grau de exigência é demasiado alto para as suas

capacidades, sendo por isso necessário baixar o nível dos elementos de pressão

introduzidos.

Um exemplo para ilustrar o exposto:

Determinado praticante é confrontado com ataques de punhos com um nível de

agressividade força e velocidade previamente definidos, se em dez ataques ele

conseguir evitar e responder a mais de oito (>80%), é necessário aumentar os fatores

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de pressão, mas se for atingido pelos golpes mais do que duas vezes (>20%), o grau

de dificuldade poderá estar a ser demasiado alto.

Poderá colocar-se a questão se o ideal não seria que o praticante conseguisse

responder de forma eficaz em 100% das situações?

Não! Em situações de treino isso não é recomendável. O treino é o local onde se pode

errar e o erro faz parte da aprendizagem, um praticante que nunca é tocado pode

desenvolver uma falsa sensação de invencibilidade e essa ilusória invencibilidade pode

resultar não das suas reais capacidades mas de um grau de exigência inferior ao

recomendado e necessário.

Existe uma tendência para ensinar para o sucesso, levando o praticante a pensar que

ao executar determinada técnica de determinada forma o resultado será sempre o

mesmo e que o desfecho será sempre a seu favor e o sucesso absoluto.

Não é assim, pois por muito bom que se seja (na maioria das vezes que se julga ser)

ninguém é invencível, por isso devem ser introduzidos variáveis no treino em que o

praticante não saia sempre vencedor.

Desenvolver capacidade de “encaixe” é importante uma vez que numa situação real as

probabilidades de ser atingido pelo agressor são muito grandes.

Se o praticante não tiver essa noção ao ser atingido por um golpe poderá perder toda a

confiança nas suas capacidades e consequentemente bloquear, o que a acontecer

numa situação real, poderá por em risco a sua vida.

Na minha perspetiva é mais importante que o praticante consiga manter a capacidade

para executar um conjunto relativamente limitado de gestos sob qualquer condição do

que conseguir executar inúmeros gestos mas não conseguir reproduzi-los sob pressão.

O processo de treino deve centrar-se não na memorização de dezenas de técnicas

diferentes, a maioria das vezes completamente díspares entre si, mas sim na execução

dos diversos gestos técnicos sob diferentes abordagens em cenários cada vez mais

próximos da realidade.

áUm gato e uma raposa conversavam sobre como fugir dos cães. A raposa dizia

conhecer centenas de maneiras de enganar os cães e fugir e demonstrava orgulhosa

as suas habilidades ao gato. O gato por sua vez confessou saber apenas uma que

consistia em fugir o mais rápido que conseguisse para cima da árvore mais próxima.

A raposa desdenhava do gato gozando com a sua limitação quando se começaram a

ouvir cães a ladrar. O gato sem hesitar desatou a correr para a árvore mais próxima

colocando-se a salvo, enquanto a raposa, assustada com o aproximar dos cães e

incapaz de decidir sobre qual a melhor opção a tomar, acabou por ser apanhada.

çãComo referi, os exercícios devem progressivamente aproximar-se tanto quanto possível

da realidade e nesta tudo pode acontecer.

O ambiente "esterilizado" do Dojo ou do ginásio não reproduz fielmente o meio ambiente

natural e o fato de treino ou o tradicional Gui ou kimono são práticos para treinar mas

não são as roupas que usualmente envergamos no dia-a-dia.

Efetuar treinos ocasionais em locais diferenciados, reproduzindo atividades quotidianas

e envergando diversos tipos de indumentária é algo que pode melhorar

substancialmente o treino.

Pratique a reação às ameaças enquanto carrega sacos de compras ou qualquer outra

coisa que lhe ocupe as mãos ou dificulte os movimentos.

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Faça o treino em espaços confinados de onde seja difícil fugir e treine também sob

condições de visibilidade reduzida.

Ponha em cena qualquer receio que tenha, crie o cenário e encontre através do treino

a melhor forma de enfrentar os mesmos.

Incorpore novos e inesperados fatores nos exercícios, como, por exemplo: defenda-se

de um soco mas o agressor não deve ceder com tanta facilidade como nas fases iniciais

do treino e mesmo sofrendo o seu contra-ataque ele deve procurar continuar com a

intenção de o atacar. O agressor pode até simular a queda para depois o agarrar pelas

pernas e derrubá-lo levando o confronto para outro patamar.

Outro exemplo de como introduzir fatores acrescidos de pressão é começar o exercício

com o adversário desarmado mas a dada altura uma arma de fogo ou branca (sempre

simuladas) são introduzidos sem aviso prévio por qualquer um dos contendores.

Suponha que está a treinar uma técnica de libertação no solo, o agressor está por cima

de si procurando estrangula-lo ou agredi-lo e de repente puxa de uma faca.

A situação inversa também pode ser interessante, ao invés de ser o praticante que

agride que puxa pela faca será o que está por baixo que o faz como forma de se

defender e com isso coloca uma pressão muito grande sobre o agressor que agora tem

que se defender ou tentar fugir.

Durante um treino de “sparring” este elemento também pode ser introduzido ou em

qualquer dos exemplos fazer surgir mais adversários.

A única limitação que existe à introdução de fatores de stress é a necessidade de

segurança, o treino deve ser realista mas não deve colocar em risco a integridade física

dos praticantes.

Drills são exercícios padronizados que visam a melhoria ou a aquisição de determinada

habilidade e são muito úteis para o desenvolvimento do praticante, no entanto, é preciso

não confundir um drill com a aplicação real de uma técnica.

Os drills ensinam princípios de movimentação, coordenação e velocidade ou transmitem

ideias e conceitos mas não têm uma transferência direta para a realidade logo não são

focados na eficácia em confronto.

Muita gente não compreende esta diferença e uma de duas situações pode acontecer;

ou tentam aplicar o drill em situações reais, geralmente com maus resultados, ou

abdicam de treinar os drills por não lhes reconhecer qualquer mérito.

Drills, tal como Kata têm vindo a se utilizados como forma de treino à muitos anos e são

métodos válidos desde que se compreenda onde residem as suas falhas.

Na essência, o papel de qualquer drill é desenvolver a coordenação neuromuscular pelo

que de início são difíceis de executar. Ao iniciar um drill desconhecido a primeira fase

consiste em memorizar a sua sequência, até que esta esteja interiorizada o praticante

não conseguirá executar de forma fluída ou veloz.

A necessidade de memorização é um dos fatores que os detratores do uso de drills em

treino apontam aos mesmos, uma vez que na sua perspetiva qualquer coreografia deve

ser evitada e o foco deve ser colocado na realidade.

Esta perspetiva conhecida por "reality based" surge quase sempre em oposição aos

métodos tradicionais mais focados na repetição.

Na minha perspetiva pessoal ambas as ideologias têm méritos e defeitos e não têm de

ser antagónicas.

Uma boa dose de repetição e memorização será sempre necessária antes de se poder

avançar para exercícios baseados na realidade.

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Quase todos os defensores do "reality based" têm um longo back ground nas artes

marciais tradicionais e esse fator permite-lhes uma compreensão do que é possível

fazer ou não em determinada situação bem como perceber algumas das lacunas que

eventualmente o treino tradicional possa ter.

A adaptação à realidade atual é importantíssima mas não é motivo para retirar todo e

qualquer mérito ao que foi feito durante tantos anos, conjugar o melhor das duas visões

é a meu ver o caminho mais acertado.

Os drills podem ser alterados para que a necessidade de memorização não aconteça.

Esse tipo de drills toma o nome de "free flow drills" e apenas o objetivo e as regras são

transmitidas aos praticantes, fora isso, a sequência e as técnicas a utilizar são

totalmente livres.

Um exemplo deste tipo de trabalho pode ser observado com o "six count drill"

(contagem até 6) onde cada praticante executa 5 golpes de forma livre e sem oposição

do outro elemento. O sexto golpe deve ser bloqueado e os papéis invertem-se, sendo

então a vez do elemento que bloqueou efetuar 5 ataques livres sendo bloqueado

também ao sexto. As regras, estipuladas antes do início, determinam por exemplo se a

troca de golpes só pode acontecer de pé ou se pode também ocorrer no solo e podem

também ditar se podem ser introduzidas armas no drill ou não, ou qualquer outro fator.

À parte as regras, qualquer técnica ou sequência é válida.

Uma vez que é um drill tem forçosamente de ter alguma "falha" que o afaste da

realidade, neste caso, ela é encontrada no facto de os golpes terem de ser efetuados

com uma potência controlada. Como cada elemento dispõe de 5 golpes sem oposição,

se o fizesse com toda a intenção deixaria o parceiro de treino muito provavelmente fora

de combate e o drill seria impossível de realizar.

A falta de intenção ou a complacência é de facto algo muito comum durante os drills,

seja porque o elemento que sofre o contragolpe não se movimenta, ou porque mantem

o braço esticado após efetuar o golpe, ou porque se deixa agarrar sem oferecer

resistência, ela existe, é normal que assim seja, ou de outra forma o exercício acabaria

sempre numa luta ou com algo quebrado. O importante é que se alerte os praticantes

para qual é a "falha" que o drill encerra, para que o mesmo compreenda o que terá que

alterar se quiser transpor o dril para uma situação real.

Este tipo de drills são muito fluídos e excelentes para desenvolver a criatividade dos

praticantes.

çãQuando começamos o treino de uma atividade física, seja ela qual for, somos movidos

por um enorme desejo de evolução. De início a nossa motivação é enorme, o que é

bom, mas é preciso ter atenção para não cair no exagero.

O desejo de treinar todos os dias, a toda a hora ou sempre na máxima intensidade, caso

exista, deve ser contido pois para que o treino resulte é preciso que existam períodos

de descanso que permitam ao organismo a regeneração e reconstrução das estruturas

degradas durante o treino.

Para essa regeneração ser possível a alimentação tem um papel fundamental12. Se não

fornecer ao seu corpo os nutrientes que este necessita ele entrará numa espiral negativa

e deixará de conseguir responder às exigências que lhe são colocadas.

Muitas vezes não é por treinarmos mais que vamos obter resultados de forma mais

rápida. Os resultados dependem mais da qualidade do que da quantidade de trabalho

realizado.

Para o treino de defesa pessoal recomendo duas a três sessões semanais de hora e

meia a duas horas.

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Lembre-se que a sua vida nunca se pode resumir a um único aspeto, os amigos, o

trabalho, os seus “hobbies” ou passatempos e principalmente a família são aspetos que

não podem ser descurados.

Tudo em defesa pessoal gira em torno do equilíbrio, se o treino se tornar um elemento

desestabilizador perde a utilidade.

12 -Link para a publicação: “Alimentação e treino”

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Vista por demasiado tempo como uma atividade menor e como um subproduto quer das

Artes Marciais quer dos desportos de combate, a defesa pessoal viveu quase sempre

na sua sombra o que dificultou e continua ainda hoje a dificultar a sua emancipação

para fora desse quadro de referência.

Creio contudo que a defesa pessoal pode ser entendida como uma atividade física

autónoma e que detém potencial suficiente para contribuir para o desenvolvimento

físico, psíquico, emocional e social do cidadão.

Treinar defesa pessoal permite que nos tornemos mais conscientes da real dimensão

dos perigos quotidianos e é meu entendimento que uma vez despertos tudo faremos

para os evitar. Praticantes que interiorizaram os verdadeiros princípios da defesa

pessoal certamente não serão pessoas violentas, a compreensão e a exposição à

violência contribui decisivamente para a que se procure por todos os meios evitar os

conflitos e situações de risco que possam surgir nas suas vidas.

O lema “Per árdua ad pax”, que numa tradução liberal pode significar “por caminhos

difíceis até à paz”, reflete a minha forte convicção de que a dor e o sofrimento no treino

funcionam como que um antídoto para a violência real.

Quem sofre na pele os efeitos dos golpes ainda que em treino, compreende que não

existe “glamour” algum numa luta pela sobrevivência. Quem não passa por esse

processo de aprendizagem só entenderá a dura realidade da violência se esta lhe bater

à porta, honra e glória não é algo que se obtenha lutando, pois são conceitos falaciosos

que somente visam alimentar o ego e não têm lugar quando o que está em jogo é a

segurança ou a sobrevivência.

Gostaria de terminar deixando o código de conduta que tento transmitir aos praticantes

de defesa pessoal:

1 é ú

à í

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é é

é

çã