2 algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma igreja com...

78
24 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de consolidação da Campanha da Fraternidade como projeto nacional Compreender a Campanha da Fraternidade não é uma tarefa fácil. Neste primeiro capítulo, vamos procurar compreender as suas origens nos fatos da conjuntura social e eclesial brasileira e o seu desenvolvimento inicial para que possamos descobrir, a partir de suas raízes e seus propósitos iniciais, os pressupostos teórico-teológicos que vão fundamentar a sua ação. 2.1. A fundação da CNBB e suas preocupações iniciais A Campanha da Fraternidade é promovida pela CNBB, que possui os direitos sobre este título. Uma melhor compreensão da Campanha da Fraternidade exige conhecimentos sobre a CNBB. A origem e a caminhada da CNBB são, portanto, de extrema importância para que possamos compreender melhor a Campanha da Fraternidade, sua natureza e seus objetivos. Em 1936, o padre Helder Pessoa Câmara foi transferido para o Rio de Janeiro e lá, pouco tempo depois, foi nomeado Assistente Geral da Ação Católica Brasileira. Seu primeiro trabalho foi organizar o Secretariado Nacional da Ação Católica Brasileira, contando com a colaboração de Aglaia Peixoto, Carolina Gomes, Maria Luiza Amarante e Edgar Amarante, Jeanette Pucheu, Vera Jacoud e Frei Romeu Dale, entre outros. Logo começaram a promover Encontros Regionais de Bispos, mostrando a necessidade da criação de um Secretariado Nacional que ajudasse os bispos a equacionar seus problemas locais. Amadurecia a idéia da criação da CNBB. O padre Helder iniciou, por sua própria iniciativa, um diálogo com o Cardeal Montini com objetivo de criar o organismo com autorização da Santa Sé 1 . No dia 20 de abril de 1952, o então monsenhor Helder foi ordenado 1 Cf. CÂMARA, H. “A CNBB nasceu assim” in INSTITUTO NACIONAL DE PASTORAL INP (Org.). Presença pública da Igreja no Brasil. São Paulo: Paulinas, p. 9-10.

Upload: vucong

Post on 11-Nov-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

24

2 Algumas considerações históricas sobre o processo de consolidação da Campanha da Fraternidade como projeto nacional

Compreender a Campanha da Fraternidade não é uma tarefa fácil. Neste

primeiro capítulo, vamos procurar compreender as suas origens nos fatos da

conjuntura social e eclesial brasileira e o seu desenvolvimento inicial para que

possamos descobrir, a partir de suas raízes e seus propósitos iniciais, os

pressupostos teórico-teológicos que vão fundamentar a sua ação.

2.1. A fundação da CNBB e suas preocupações iniciais

A Campanha da Fraternidade é promovida pela CNBB, que possui os

direitos sobre este título. Uma melhor compreensão da Campanha da Fraternidade

exige conhecimentos sobre a CNBB. A origem e a caminhada da CNBB são,

portanto, de extrema importância para que possamos compreender melhor a

Campanha da Fraternidade, sua natureza e seus objetivos.

Em 1936, o padre Helder Pessoa Câmara foi transferido para o Rio de

Janeiro e lá, pouco tempo depois, foi nomeado Assistente Geral da Ação Católica

Brasileira. Seu primeiro trabalho foi organizar o Secretariado Nacional da Ação

Católica Brasileira, contando com a colaboração de Aglaia Peixoto, Carolina

Gomes, Maria Luiza Amarante e Edgar Amarante, Jeanette Pucheu, Vera Jacoud e

Frei Romeu Dale, entre outros. Logo começaram a promover Encontros Regionais

de Bispos, mostrando a necessidade da criação de um Secretariado Nacional que

ajudasse os bispos a equacionar seus problemas locais. Amadurecia a idéia da

criação da CNBB. O padre Helder iniciou, por sua própria iniciativa, um diálogo

com o Cardeal Montini com objetivo de criar o organismo com autorização da

Santa Sé1. No dia 20 de abril de 1952, o então monsenhor Helder foi ordenado

1 Cf. CÂMARA, H. “A CNBB nasceu assim” in INSTITUTO NACIONAL DE PASTORAL –

INP (Org.). Presença pública da Igreja no Brasil. São Paulo: Paulinas, p. 9-10.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 2: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

25

bispo auxiliar do Rio de Janeiro2. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

foi fundada no Palácio São Joaquim, Largo da Glória, no Rio de Janeiro, em uma

reunião que começou no dia 14 de outubro de 1952 e prolongou-se até o dia 17 do

mesmo mês3.

Em seguida, os religiosos se organizaram criando a Conferência dos

Religiosos do Brasil – CRB, após o I Congresso Nacional de Religiosos, realizado

em fevereiro de 1954, no Rio de Janeiro4. Por fim, foi o episcopado continental

quem criou o seu organismo próprio quando, após o 36o Congresso Eucarístico

Internacional realizado em 1955 no Rio de Janeiro, aconteceu na Igreja da

Candelária, na mesma cidade, uma Conferência Geral não conciliar, integrada por

representantes de todos os episcopados latino-americanos e, durante este evento,

ficou decidida a criação do Conselho Episcopal Latino-americano – CELAM. A

sua primeira reunião plena foi na cidade do México em 1956 e, por decisão do

Papa Pio XII, ficou estabelecida a sua sede em Bogotá, na Colômbia, por ser este

o único país que une em si a América Central e a América do Sul5.

Os frutos pastorais da criação da CNBB logo começam a aparecer e os três

primeiros foram a criação de três organismos: o Instituto Nacional de Catequese –

INC, o Centro de Estatística Religiosa e Investigação Social – CERIS, e o Serviço

de Cooperação Apostólica Internacional – SCAI, para intercâmbio de

missionários entre o Brasil e os demais países, aos quais se agregou o Centro de

Formação Intercultural – CENFI6.

Uma das preocupações iniciais da CNBB foi com o mundo rural. A CNBB

chegou à conclusão de que o surgimento das favelas nas grandes metrópoles

brasileiras era fruto do subdesenvolvimento no meio rural, marcado

principalmente pela ausência de organização e de direitos. Por isso, foi realizada

uma parceria entre a CNBB e o Serviço de Informação Agrícola – SIA, do

Ministério da Agricultura, para a realização de semanas rurais buscando despertar

a sociedade para o problema e encontrar caminhos de superação para o mesmo7.

2 Cf. BARROS, R. C. “Gênese e consolidação da CNBB no contexto de uma Igreja em plena

renovação” in INP (org.) opus cit., p. 31-32. 3 Cf. Ibid., p. 30-31.

4 Cf. Ibid., p. 34.

5 Cf. Ibid., p. 36.

6 Cf. Ibid., p. 35.

7 Cf. Ibid., p. 36-37.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 3: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

26

A partir daí, várias iniciativas foram surgindo. Dom Eugênio de Araújo

Sales ajustou ao Rio Grande do Norte a experiência de educação de adultos

desenvolvida na Colômbia por meio de escolas radiofônicas. A experiência logo

se expandiu através da Representação Nacional de Emissoras Católicas – RENEC,

ligada à Secretaria de Ação Social da CNBB, sob a responsabilidade de Dom

Eugênio Sales. Um encontro entre Dom José Távora, bispo de Aracaju, e o

presidente eleito do Brasil, Jânio Quadros, resultou na criação, por Decreto, do

Movimento de Educação de Base, acontecida no dia 21 de março de 1961, e o

estabelecimento de um convênio entre a República e a CNBB para instalação de

75.000 escolas radiofônicas. A experiência foi posteriormente enriquecida com a

proposta pedagógica de Paulo Freire8.

Também merece destaque o processo de sindicalização rural, um dos frutos

do Movimento de Educação de Base. Com o crescimento das Ligas Camponesas,

de inspiração marxista, o Serviço de Assistência Rural – SAR da Arquidiocese de

Natal, a quem estava ligado o Movimento de Educação de Base – MEB, iniciou

um trabalho de sindicalização rural, como oposição às Ligas Camponesas. Este

trabalho também foi desenvolvido em Pernambuco, berço das Ligas Camponesas,

principalmente com a criação do Serviço de Orientação Rural de Pernambuco –

SORP, com o mesmo objetivo do MEB. A CNBB, representada por Dom Helder

Câmara, Dom Fernando Barros e Dom Eugênio Sales, conseguiu do Presidente

João Goulart, a agilização dos processos de reconhecimento dos sindicatos rurais,

que ficou ao cargo do Ministro do Trabalho André Franco Montoro9.

Em 1961, o Papa João XXIII escreveu uma carta aos bispos da América

Latina10

. Nesta carta, o Papa demonstra suas preocupações com o naturalismo de

Charles Darwin, o marxismo, o espiritismo de Allan Kardec e a aliança entre o

liberalismo e o protestantismo, e afirma a necessidade de uma Pastoral de

Conjunto para que a Igreja possa enfrentar esses desafios. Como resposta concreta

a esta carta, a CNBB aprovou o Plano de Emergência, que foi o primeiro plano de

pastoral com a intenção de abranger todo o território brasileiro. O Plano de

8 Cf. Ibid., p. 38-39.

9 Cf. Ibid., p. 39-40.

10 Cf. Anexo 1 deste trabalho.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 4: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

27

Emergência foi aprovado em abril de 1962 e buscou a renovação da Igreja no

Brasil através de quatro eixos11

:

1. renovação das paróquias;

2. renovação do ministério sacerdotal;

3. renovação dos educandários católicos;

4. introdução a uma Pastoral de Conjunto12

.

A importância do plano de Emergência é assim descrita pelo Pe. José Oscar

Beozzo:

No Brasil, o Plano de “Emergência” foi preparado às pressas como o próprio nome o indica

e aprovado durante a V Assembléia Ordinária da CNBB, de 2 a 5 de abril de 1962, já às

vésperas do Concílio.

Ao mesmo tempo em que contemplava o princípio do planejamento pastoral, preparava as

estruturas da própria CNBB e da Igreja do Brasil para aplicá-lo. A principal decisão foi a de

descentralizar a sua implementação, criando-se os sete primeiros regionais da CNBB e

solicitando-se a cada diocese o estabelecimento de um secretariado do PE, para servir de

elo entre as estruturas nacionais e de centro propulsor das diretrizes do plano em âmbito

local13

.

Assim, vemos que a CNBB, originada a partir da experiência de

organização da Ação Católica, apresenta no seu início a preocupação com a

realidade brasileira, procura dar respostas concretas aos desafios por ela impostos,

seja através de suas próprias estruturas, criando organismos quando isso se faz

necessário, seja através do diálogo e cooperação mútua com o poder instituído. É

importante, também, afirmar que a CNBB procura atuar no sentido de coibir o

crescimento de organizações de inspiração marxista, como foi o caso das Ligas

Camponesas. Também vemos a origem da preocupação pela pastoral de conjunto,

vinda com a carta do Papa João XXIII, e que esta preocupação, que marca a Igreja

no Brasil até os dias de hoje, traz logo respostas práticas, como foi o caso do

Plano de Emergência.

11

Cf. GODOY, M. J. “A CNBB e o processo de evangelização do Brasil” in INP, opus cit., p. 388. 12

Evidentemente, sempre existiu, em toda a realização ou concepção da pastoral, uma

preocupação pela conjunção de todos os seus aspectos e setores. Isto foi conseguido, sobretudo,

nas épocas em que a preocupação eclesiológica foi mais clara, já que a Igreja é o fundamento de

toda a ação pastoral e, por conseguinte, de toda pastoral de conjunto. 13

BEOZZO, J. O. “A recepção do Vaticano II na Igreja do Brasil” in INP, opus cit., p. 432.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 5: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

28

2.2. O Concílio Vaticano II como pano de Fundo da Campanha da Fraternidade

O Concílio Vaticano II foi o evento do século para a Igreja. Ignorá-lo ou

desconsiderá-lo seria uma falta muito grave. Quando pensamos na Igreja do

Brasil, pensamos também na atuação de uma Igreja que procura, mesmo durante a

realização do Concílio, adequar-se a ele, criar e lançar mão de todos os meios

necessários para a sua implantação, entre eles, a Campanha da Fraternidade. O

anúncio do Concílio Vaticano II, feito pelo Papa João XXIII, foi acolhido com

alegria no Brasil14

. Em 05 de outubro de 1960, o Papa João XXIII criou dez

comissões preparatórias e a comissão central e, entre os seus 827 membros,

apenas oito eram brasileiros: Dom Jaime de Barros Câmara, cardeal arcebispo do

Rio de Janeiro, Dom Helder Pessoa Câmara, Secretário-Geral da CNBB e

segundo vice-presidente do CELAM, Dom Antônio Maria Alves Siqueira, bispo

auxiliar de São Paulo, Dom José Távora, arcebispo de Aracaju, Dom Vicente

Alfredo Scherer, arcebispo de Porto Alegre, Mons. Joaquim Nabuco, do Rio de

Janeiro, Pe. Estevão Bentia, de São Paulo e Frei Boaventura Kloppenburg.

A pouca presença de representantes da Igreja do Brasil na preparação do

Concílio e o sigilo imposto aos que participavam dos trabalhos das comissões

preparatórias fez com que nem mesmo os bispos soubessem o que aconteceria no

Concílio15

. O Brasil levava para o Concílio a experiência de ser uma Igreja

fortemente comprometida com as populações mais pobres. Este compromisso era

manifesto na luta contra o subdesenvolvimento e nos programas de educação de

base e sindicalização.

Outro elemento importante era o fato de que os bispos brasileiros

pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no

trabalho em equipe, fruto da caminhada inicial da CNBB, e a isto se acrescenta o

fato de que estavam inseridos numa articulação supranacional, o CELAM.

Também convém salientar que o episcopado brasileiro tinha por característica um

profundo amor e fidelidade ao Papa, o que vai fazer com que logo se alinhe ao

bloco que se convencionou chamar da maioria16

.

14

Cf. Id. O. A Igreja do Brasil: de João XXIII a João Paulo II – de Medellín a Santo Domingo.

Petrópolis: Vozes, 1993, 2ª ed., p. 72. 15

Cf. Ibid., p. 73. 16

Cf. Ibid., p. 74.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 6: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

29

Após a abertura solene do Concílio, um fato mudou os rumos estabelecidos

previamente pela Cúria Romana em relação ao mesmo. O primeiro vice-

presidente do CELAM, Dom Manuel Larrain, descobriu que as listas dos

membros das Comissões Conciliares haviam sido elaboradas pela Cúria Romana e

seria apresentada no dia 13 de outubro de 1962, para aprovação. Dom Manuel

procurou Dom Helder, narrou-lhe o fato e, juntos, iniciaram um trabalho de

articulação para que os bispos conciliares pudessem propor membros para as

comissões e não simplesmente se verem obrigados a aprovar a lista da Cúria

Romana17

. Assim, no dia 13 de outubro, quando as listas foram apresentadas, os

cardeais Liénart e Frings propuseram o adiamento das eleições para que os padres

conciliares pudessem, em reuniões, elaborar listas de nomes. Com isso, o controle

do Concílio saiu das mãos da Cúria Romana18

. Em seguida, os dois bispos

articularam, contrariando a Cúria Romana, uma reunião do CELAM para o

mesmo dia, com a finalidade de levantar propostas de nomes para compor as

comissões. O presidente do CELAM não aprovou a reunião e não realizou a sua

convocação, que foi então feita pelo arcebispo de Santiago, o cardeal Silva

Enríquez. Esta reunião encorajou outras Conferências Episcopais a fazer o mesmo

e o resultado foi a eleição e a contribuição valorosa nas comissões de pessoas

completamente desconhecidas em âmbito internacional, como Dom Zoa, de

Camarões19

.

Os bispos brasileiros ficaram todos hospedados na casa Domus Mariae, e o

secretariado-geral da CNBB organizou reuniões e conferências, com teólogos e

peritos, durante todo o Concílio, sob a coordenação do biblista brasileiro Pe.

Antônio P. Guglielmi, que resultaram em poucas, mas grandes intervenções do

episcopado brasileiro no Concílio. Essas conferências se tornaram um verdadeiro

fórum de debates e uma universidade teológica. Os seminaristas brasileiros, no

início, participaram das conferências, porém, a Sagrada Congregação para os

Seminários logo proibiu sua participação, então os bispos passaram a gravar as

conferências para que fossem reproduzidas no seminário20

. Entre os frutos dessas

conferências podemos citar a elaboração do Plano de Pastoral de Conjunto,

17

Cf. Ibid., p. 76-78. 18

Cf. Ibid., p. 75. 19

Cf. Ibid., p. 78-79. 20

Cf. Ibid., p. 79-91.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 7: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

30

estruturando as pastorais do Brasil a partir de linhas que eram definidas pelos

principais documentos conciliares, e a Campanha da Fraternidade como um

projeto nacional da Igreja no Brasil. O Plano de Pastoral de Conjunto elaborado

pelos bispos brasileiros foi copiado no mundo todo.

2.2.1. O Concílio Vaticano II e a compreensão da Igreja

A Eclesiologia do Concílio Vaticano II vai ter uma forte influência no início

da Campanha da Fraternidade. Por enquanto, a questão será abordada apenas para

possibilitar a compreensão da primeira fase da Campanha da Fraternidade, uma

vez que este tema será aprofundado no segundo capítulo deste trabalho.

2.2.1.1. A Igreja Ministério

A Lumen Gentium nos coloca a Igreja como sendo mistério que se manifesta

a partir da sua fundação, é anunciadora e instauradora do reino de Deus na história

dos homens21

.

Em Cristo, a Igreja é sacramento, ou seja, sinal que manifesta a sua união

íntima com Deus e a unidade de todo o gênero humano assim como é também

instrumento para que esta união aconteça. "E, porque a Igreja é em Cristo como

que sacramento, isto é, sinal e instrumento, da união íntima com Deus e da

unidade de todo o gênero humano, retomando o ensino dos concílios anteriores,

propõe-se a explicar com maior clareza aos fiéis e ao mundo inteiro, a sua

natureza e a sua missão universal"22

.

Somos chamados a ser Igreja e este chamado nos destina às realidades

eternas, o que nos mostra que uma das principais características desta pertença à

Igreja é a consumação no final dos tempos.

A Igreja, à qual somos todos chamados em Jesus Cristo e na qual, pela graça de Deus,

adquirimos a santidade, só será consumada na glória celeste, quando chegar o tempo da

restauração de todas as coisas (At 3, 21), e quando com o gênero humano, também o mundo

inteiro, que está intimamente unido ao homem e por ele atinge o seu fim, será totalmente

reconciliado em Cristo (cf. Ef 1, 10; Cl 1, 20; 2Pd 3, 10-1)23

.

21

Cf. LG 5. 22

LG 1. 23

LG 48.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 8: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

31

A Gaudium et Spes fala do mistério da Igreja tanto na sua origem quanto no

plano escatológico quando afirma que a "Igreja, que tem a sua origem no amor do

eterno Pai, fundada, no tempo, por Cristo Redentor, e reunida no Espírito Santo,

tem um fim salvador e escatológico, o qual só se poderá atingir plenamente no

outro mundo"24

.

Como conclusão desta parte, cabe afirmar que a Igreja, originada no

mistério da cruz, cresce pela ação divina como presença do Reino de Deus na

história humana e como manifestação de Cristo, luz que ilumina todo homem que

vem a este mundo e finalidade da existência humana25

.

2.2.1.2. A Igreja Comunhão

O modelo de Igreja comunhão que nos é proposto pelo Concílio Vaticano II

representa a síntese de dois modelos: o primeiro é a Igreja Corpo Místico de

Cristo e o segundo é o modelo Igreja Povo de Deus.

A Igreja é o Corpo Místico de Cristo, corpo no qual a vida de Cristo

comunica-se a todos os membros principalmente através dos sacramentos. Cristo é

a Cabeça deste corpo e todos os membros devem conformar-se a ele para que

possam viver unidos a ele26

. O documento Unitatis Redintegratio, sobre o

ecumenismo, busca no Corpo Místico de Cristo a fundamentação para mostrar a

necessidade da busca da unidade entre as religiões cristãs, o que é atestado pelo

início deste documento, que afirma que Jesus fundou uma única Igreja27

.

O crescimento da vida do Corpo Místico de Cristo através da comunhão

entre as Igrejas é evidenciado no Concílio Vaticano II. O Concílio fala tanto da

comunhão que deve haver em uma Igreja particular como também na comunhão

que deve existir entre as Igrejas Particulares, que devem viver com a Igreja

Universal e fomentar a comunhão com a Igreja Universal entre todos os seus

membros28

.

A imagem de Igreja como Povo de Deus também é manifesta no Concílio

Vaticano II como, por exemplo, a Lumen Gentium que diz: "Assim a Igreja

24

GS 40. 25

Cf. LG 3. 26

Cf. LG 7. 27

Cf. UR 1. 28

Cf. AG 19.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 9: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

32

universal aparece como o 'povo congregado na unidade do Pai e do Filho e do

Espírito Santo'"29

. Este povo vive neste mundo como uma sociedade constituída e

organizada na qual subsiste a Igreja católica, embora fora do seu corpo possam ser

também encontrados muitos sinais de verdade e de santificação que conduzem

para a unidade católica30

.

2.2.1.3. A Igreja Missionária

A Igreja é essencialmente missionária e por isso, o Concílio Vaticano II

dedicou um documento exclusivamente para a missão, que é o Decreto Ad Gentes.

No seu início, procurando estabelecer os objetivos da ação missionária da

Igreja, o Decreto diz que a Igreja, sal da terra e luz do mundo, deve responder às

mudanças do nosso tempo no sentido de renovar todas as pessoas, de modo que

todos se irmanem como membros da única família e único povo de Deus. Esta

obra, que pela ação divina, já vem sendo realizada na história com a participação

de muitas pessoas que se dedicam ao trabalho de preparar a segunda vinda do

Senhor31

.

Todos são chamados a seguir o exemplo dos apóstolos, instruídos e

enviados por Cristo a anunciar a todos os povos o Evangelho do Senhor e a levar

uma vida coerente com o que pregam, procurando converter as pessoas, mas ao

mesmo tempo respeitando os fracos. Esta atividade apostólica seguiu-se desde os

tempos apostólicos até os dias de hoje, com o testemunho de mártires e fiéis. A

Igreja deve ser, apesar de suas fraquezas, continuadora desta obra32

. Desta missão

"derivam encargos, luz e energia que podem servir para o crescimento e a

consolidação da comunidade humana segundo a Lei divina"33

.

2.2.2. O conteúdo do Concílio como fonte dos temas da Campanha da Fraternidade na sua fase inicial

Os temas da CF, inicialmente, contemplaram mais a vida interna da Igreja.

Três documentos conciliares foram importantes para o desenvolvimento da

29

LG 4. 30

Cf. LG 8. 31

Cf. AG 1. 32

Cf. DH 11-12. 33

Cf. GS 42.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 10: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

33

Campanha da Fraternidade: Sacrosanctum Concilium, sobre a liturgia; Lumen

Gentium, sobre a natureza e missão evangelizadora da Igreja; e Gaudium et Spes,

sobre a presença transformadora da Igreja no mundo de hoje.

2.2.2.1. Sacrosanctum Concilium

O documento Sacrosanctum Concilium faz com que a Campanha da

Fraternidade reflita sobre a sua inserção no tempo quaresmal. A quaresma implica

na penitência também em sua dimensão externa e social34

. No Brasil, a dimensão

comunitária da Quaresma é vivenciada e assumida pela Campanha da

Fraternidade, na qual, a cada ano, a Igreja destaca uma situação da realidade

social que precisa ser mudada.

O documento conciliar acentua a necessidade da formação dos fiéis sobre as

conseqüências sociais do pecado35

. A Campanha da Fraternidade, atendendo a

esta exigência, também procura formar nas pessoas a consciência sobre as

conseqüências sociais do pecado, seja em relação ao próprio pecado, que é sempre

causa de sofrimento, seja em relação aos pecados de outras pessoas. Essas

conseqüências exigem de todos nós solidariedade com os que sofrem e a

necessidade de um trabalho evangelizador que gere mudanças e possibilite a

superação do pecado, seja pela conversão das pessoas, seja a partir de mudanças

na sociedade. Essas mudanças devem eliminar as causas do pecado.

A Campanha da Fraternidade ilumina de modo particular os gestos

fundamentais da quaresma. Pelo exercício da oração, pessoal e comunitária, as

pessoas se tornam sempre mais abertas e disponíveis às iniciativas da ação de

Deus. O jejum e a abstinência de carne expressam a íntima relação existente entre

os gestos externos da penitência, mudança de vida e conversão interior. A esmola

confere aos gestos de generosidade humana uma dimensão evangélica profunda

que se expressa na solidariedade. Coloca a pessoa e a comunidade face a face com

o irmão empobrecido e marginalizado, para ajudá-lo e promovê-lo.

34

Cf. SC 110. 35

Cf. SC 109 b.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 11: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

34

2.2.2.2. Lumen Gentium

A Constituição Dogmática Lumen Gentium apresenta uma nova proposta

eclesiológica. A eclesiologia não pode ser esgotada. Basta apreciarmos as imagens

que nos são apresentadas na Lumen Gentium e que nos revelam a natureza íntima

da Igreja: redil, rebanho, campo onde cresce a oliveira e a vinha, edifício que tem

em Cristo a pedra angular e que é chamado também de casa de Deus, família,

tenda de Deus, templo santo, Cidade Santa, Jerusalém do Alto36

. O Concílio

Vaticano I afirma que a Igreja é o Corpo de Cristo e que o cristianismo não pode

ser praticado a não ser na Igreja. A Igreja é uma sociedade verdadeira, perfeita,

espiritual, sobrenatural, visível e una, e fora da Igreja não há salvação. A Igreja é

indefectível e infalível37

. É interessante percebermos que, se por um lado o

Concílio Vaticano I trabalha a questão eclesiológica a partir de um pano de fundo

institucional, procurando mostrar sua legitimidade diante dos valores da

modernidade, a fundamentação da eclesiologia do Concílio Vaticano II é

eminentemente bíblica.

A Igreja existe em relação com a Trindade. A Trindade está presente no

início da Igreja, com a criação do mundo e do homem à imagem e semelhança da

Trindade para ser capaz de estabelecer um relacionamento com Deus e viver em

comunhão com ele. Em seguida, vemos a Igreja prefigurada e preparada no

Antigo Testamento, com a história do povo de Israel, a Antiga Aliança e os

diferentes sinais que a prefiguram: arca da Aliança, Templo, Reino, caminhada do

povo, vinha, etc. Ela é fundada por Jesus Cristo e manifestada em Pentecostes38

.

A Trindade está presente também na história da Igreja, pois o Pai

acompanha a Igreja pelo Espírito Santo e a acompanha por Jesus Cristo nos

caminhos da história39

. Por fim, a Trindade é o objetivo final da Igreja que busca a

felicidade perfeita no Reino definitivo40

, no qual ela aparece a partir da imagem

da Jerusalém Celeste e é iluminada pelo próprio Deus.

36

Cf. LG 6. 37

Cf. ALBERICO, G. (org.). História dos Concílios Ecumênicos. São Paulo: Paulus, 2005, 5ª ed.,

p. 375. 38

Cf. SANTOS, B. B., “A perspectiva eclesiológica do Vaticano II: perfil da Igreja do terceiro

milênio” In: Diocese de Taubaté, Plano de evangelização – 1997-2000. Taubaté, [s.n.]. [1997 ?].

pg. 4-9. (Mimeografado), p. 5. 39

Cf. Prefácio da Oração Eucarística VI-B. 40

Cf. Prefácio da Oração Eucarística VI-B.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 12: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

35

A Igreja também se manifesta como sacramento, como mistério. É mistério

que se manifesta a partir da sua fundação e tem a missão de anunciar e instaurar o

reino de Deus na história dos homens. Com a prática de Jesus e a pregação do

Reino, se cumprem as promessas feitas por Deus no Antigo Testamento e, em

Pentecostes, quando acontece a efusão do Espírito Santo, a Igreja inicia

historicamente sua missão e se torna o germe e o início desse Reino41

.

Em Cristo, a Igreja é sacramento que manifesta a íntima relação com Deus e

a unidade de todo o gênero humano. É também meio de realização desta

unidade42

. Somos chamados a ser Igreja e destinados às realidades eternas,

vocacionados à santidade, à reconciliação plena em Cristo43

. A Igreja é o reino de

Cristo já presente em mistério, que cresce a cada dia por graça divina para levar as

pessoas a viverem em Cristo44

.

A imagem de Igreja como Povo de Deus mostra a Igreja como povo

congregado na unidade da Trindade45

. Vivendo a unidade como povo de Deus e

Corpo Místico de Cristo, a Igreja vive a comunhão e revela aos homens o mistério

da Trindade na qual se encontra a sua origem e a sua vocação46

.

A Campanha da Fraternidade sofre forte influência da Lumen Gentium.

Inicialmente, a Campanha da Fraternidade vai ser um dos instrumentos mais

poderosos nas mãos da CNBB para a divulgação das idéias do Concílio em geral e

sua eclesiologia em particular, expressa principalmente no Plano de Pastoral de

Conjunto.

Assim, a Campanha da Fraternidade deve “lembrar aos fiéis que eles são

Igreja (fazer entender de modo prático e definitivo o erro de imaginar que a Igreja

são só os bispos e os padres) (...) levar os fiéis a ser responsáveis pelas obras de

apostolado e pelas obras sociais mantidas pela Igreja”47

.

41

Cf. LG 5. 42

Cf. LG, 1. 43

Cf. LG, 48. 44

Cf. LG 3. 45

Cf. LG 4. 46

Este elemento eclesiológico será o fundamento teológico para a realização das Campanhas da

Fraternidade nas suas duas fases iniciais: a Renovação da Igreja e a Renovação do Cristão. A

Igreja é essencialmente missionária, é chamada a salvar e a renovar toda criatura, para que tudo

seja instaurado em Cristo e nele os homens constituam uma só família e um só povo de Deus e a

difundir por toda a parte o reino de Cristo. A missão da Igreja é evangelizar. Sem realizar a obra

evangelizadora, a Igreja perde a sua razão de ser. 47

CNBB. Campanha da Fraternidade. São Paulo: Paulinas, 1983, Coleção Estudos da CNBB n.o

35, p. 22.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 13: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

36

2.2.2.3. Gaudium et Spes

A Igreja está também em relação com o mundo. A constituição pastoral

Gaudium et Spes nos mostra isso. A Igreja está vinculada com o mundo porque é

feita de realidades terrestres e porque é presença de Deus na história dos homens.

Ela está ainda em relação com a missão através da ação inculturada, que penetre a

história de um povo, assim como os seus costumes, hábitos sociais, leis, projeto

de vida, enfim, sua cultura48

.

Nesta relação, a Igreja se vê interpelada diante da injustiça social.

Reconheçamos que existem valores na sociedade moderna, como o avanço

científico, a cooperação entre as diversas formas de conhecer, a solidariedade

internacional, o aumento da consciência e da responsabilidade de todos diante dos

mais sofridos e necessitados, valores que nos revelam a presença atuante de Deus

que prepara o coração dos seus filhos e filhas para o anúncio do Evangelho49

. Mas

devemos reconhecer também que a injustiça social se manifesta na fome, na

pobreza, no analfabetismo, nas formas de escravidão. Diante dos abismos da

sociedade moderna, há a exigência da solidariedade. Também é importante que se

perceba que a preocupação com a ordem temporal cada vez mais deixa de lado a

dimensão espiritual da pessoa humana50

. Jesus exige de todos nós o amor e a

solidariedade, que nos levem a uma comunhão fraterna e à prestação mútua de

serviço51

.

Esta mentalidade manifesta na Gaudium et Spes vai estar fortemente

presente na Campanha da Fraternidade. No seu início, fica a motivação para a

solidariedade que deve ser expressa na coleta do domingo de Ramos, mas a partir

do seu crescimento e do seu comprometimento histórico, passa a unir profetismo,

conversão, solidariedade e ação sócio transformadora.

A partir destes elementos que nos são colocados pelo Concílio Vaticano II, a

Campanha da Fraternidade vai apresentar a sua proposta inicial que é a renovação

da Igreja e do cristão.

48

Cf. SANTOS, B. B., op. cit., pg. 5. 49

Cf. GS 57. 50

Cf. GS 4. 51

Cf. GS 32.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 14: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

37

2.3. A criação da Campanha da Fraternidade e a sua consolidação como projeto nacional

A partir do contexto eclesial colocado nos dois itens anteriores, é possível

analisar o surgimento da Campanha da Fraternidade e o seu rápido crescimento

como ação da Igreja no Brasil. Para isso, o passo inicial é uma exposição do

processo histórico que possibilitou o surgimento da Campanha no Rio Grande do

Norte para, em seguida, expor os fatos que contribuíram para que ela se tornasse

um projeto nacional. A partir de então, são analisadas as Campanhas da

Fraternidade que aconteceram na sua primeira fase, iniciada em 1963 e que se

prolongou até 1972, quando esta Campanha deixa de ser uma simples campanha

de arrecadação de recursos para custear os trabalhos da Caritas Brasileira para,

também, se tornar uma campanha de divulgação das propostas e resoluções do

Concílio Vaticano II.

Inicialmente, precisamos conhecer o processo histórico que deu origem à

Campanha da Fraternidade. Este processo iniciou-se na cidade de Natal, no Rio

Grande do Norte. Durante a Segunda Guerra Mundial, Natal foi escolhida pelos

Estados Unidos como lugar estratégico para comandar as tropas que lutavam no

norte da África e, no final do ano de 1941, a cidade, que tinha menos de 60.000

habitantes, recebeu 20.000 soldados norte americanos, o que gerou uma grande

desordem social52

. O crescimento da cidade foi vertiginoso, de modo que, em

1950, a sua população era de 103.215 habitantes, o que significou um crescimento

populacional de 84,18% em uma década. Se esse índice de crescimento fosse

mantido, Natal seria hoje pelo menos quatro vezes mais populosa e uma das cinco

maiores cidades do país.

Este crescimento veio acompanhado de sérios problemas que desafiaram a

Igreja. Quando terminou a Segunda Guerra Mundial, os soldados norte-

americanos deixaram Natal e, com eles, os recursos que moviam a economia

local, gerando uma crise social de grandes proporções. Quem respondeu

inicialmente aos desafios foi a Ação Católica que, a partir de 1945, deixa de ter

apenas objetivos religiosos e missionários para se preocupar também com os

problemas sociais, o que acontece com a realização da Primeira Semana da Ação

Católica. O assistente eclesiástico das Senhoras da Ação Católica de Natal era o

52

Cf. ARAUJO, E. Quando fala o coração. Londrina: Livre Iniciativa, 2000, p. 44.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 15: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

38

padre Nivaldo Monte. Ainda em 1945, o padre Eugênio de Araújo Sales, diretor

espiritual do Seminário Menor São Pedro, de Natal, criou a Juventude Masculina

Católica, e logo se associou ao padre Nivaldo Monte na tarefa de responder aos

desafios sociais da cidade de Natal. O resultado dessa união foi o estabelecimento

de reuniões mensais, a partir de 1948, para discussão dos assuntos sendo que, aos

poucos, todo o clero de Natal envolveu-se com a questão. Com isso, teve origem o

do Movimento de Natal, que tem como referência de seu surgimento o ano de

1948, com ações sociais em diferentes frentes53

.

Em 1961, a Caritas Brasileira idealizou uma campanha para arrecadar

fundos para as atividades assistenciais e promocionais da instituição, buscando

autonomia financeira para a prática da solidariedade. Era uma campanha de coleta

que deveria acontecer no tempo da quaresma colhendo os frutos do jejum e da

penitência. A atividade foi chamada Campanha da Fraternidade e realizada, pela

primeira vez, na Quaresma de 1962, em Natal (RN), a pedido do então

Administrador Apostólico Sede Plena54

Dom Eugênio de Araújo Sales, que havia

sido nomeado bispo auxiliar em 1954 e, em 1962, assumiu a direção da

Arquidiocese. A iniciativa contou com adesão de outras três dioceses e apoio

financeiro dos bispos norte-americanos. No ano seguinte, dezesseis dioceses do

Nordeste realizaram a Campanha55

, sendo que o local onde ela obteve maior

sucesso foi a Arquidiocese de Fortaleza, principalmente por causa do estímulo,

apoio e comprometimento do seu arcebispo, Dom José de Medeiros Delgado56

.

Em 1963, na cidade de Nísia Floresta, quatro religiosas da Congregação

Missionária de Jesus Crucificado realizaram, à luz do Concílio Vaticano II que

estava em andamento, uma experiência de inserção, indo morar na paróquia que

era sede vacante e atuando como verdadeiras vigárias, inseridas também no

contexto da Arquidiocese de Natal. Ao constatar a péssima condição de vida do

povo e a necessidade de uma ação mais efetiva de solidariedade, criaram a

Marcha da Solidariedade, caminhada a pé passando de casa em casa recolhendo

53

Cf. Ibid., p. 45-46. 54

De acordo com os cânones 312 a 318, do Código de Direito Canônico publicado em 1917 e que

estava em vigor na época, em determinados casos a Santa Sé nomeava um bispo auxiliar como

Administrador Apostólico Sede Plena. O Administrador Apostólico Sede Plena gozava de plenos

poderes na Igreja Particular, embora houvesse outro bispo como titular no cargo. O bispo titular,

por algum motivo estabelecido pelo Direito Eclesiástico, estava impedido de exercer o seu ofício. 55

Cf. CNBB, Documento-base CF 1968, mimeografado, p. 132. 56

Cf. CNBB, Campanha da Fraternidade, p. 20.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 16: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

39

doações para a solidariedade. Esta caminhada usava de todos os recursos

disponíveis como carro de som, faixas, cartazes, etc., e todos os meios de

locomoção e acontecia na semana que precedia o Domingo de Ramos57

. Nesta

caminhada, arrecadavam todos os tipos de doações, como roupas, utensílios

domésticos, alimentos, remédios e, principalmente, produtos da agricultura local

como o coco, mandioca, abóbora, etc. Alguns produtos eram distribuídos

diretamente e outros comercializados nas feiras livres da região. Com os recursos

angariados, eram comprados objetos que respondiam às necessidades da

população como alimentos, redes, roupas, panelas, etc., que as irmãs distribuíam

para as pessoas carentes nas suas próprias casas. A comunidade que mais

participou desta atividade em Nísia Floresta foi a de Timbó, distante cinco

quilômetros da sede, onde estive presidindo a Eucaristia e fiz uma reunião com os

moradores que narraram fatos do início da Campanha da Fraternidade e pediram

explicações sobre a situação atual da referida Campanha.

Durante o desenvolvimento do Concílio Vaticano II, o Cardeal Suenens fez

um discurso, no final da primeira sessão, que gerou uma discussão entre o

episcopado brasileiro sobre a realização de uma campanha de arrecadação de

fundos para a ação social. A conseqüência dessa discussão foi que durante uma

reunião dos Bispos do Brasil, na casa Domus Mariae em Roma, que aconteceu em

outubro de 1963, foi aprovada a realização da Campanha da Fraternidade em

âmbito nacional, seguindo o modelo que acontecia no Estado do Rio Grande do

Norte. A partir das decisões desta reunião, Dom Helder Câmara, Secretário-Geral

da CNBB, escreveu uma circular a todos os bispos do Brasil, datada de 26 de

dezembro de 1963, que ficou conhecida como “certidão de nascimento da

Campanha da Fraternidade” na qual coloca os seus princípios fundamentais58

.

A primeira Campanha Nacional aconteceu na quaresma de 1964 e procurou

unir a coleta com a conversão quaresmal e a implantação das decisões do

Concílio. Para a sua divulgação, havia o cartaz da Campanha, inicialmente

encomendado pela CNBB aos artistas e, a partir de 1976, os cartazes passaram a

ser fruto da realização de um concurso nacional, e eram distribuídos folhetos

57

ARAUJO, E. opus cit., p. 36. 58

Correspondência de Dom Helder encontra-se transcrita no “Anexo 2” deste trabalho.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 17: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

40

volantes a todos os fiéis durante os domingos da quaresma, juntamente com

envelopes para a coleta59

.

Em 20 de dezembro de 1964, os bispos aprovaram o projeto inicial da

Campanha da Fraternidade, através de um documento com o título: “Campanha da

Fraternidade: pontos fundamentais apreciados pelo episcopado em Roma”. Em

1965, a Campanha da Fraternidade foi vinculada diretamente ao Secretariado

Geral da CNBB, que passou a assumir a sua organização, realização e definiu a

sua estrutura básica, trabalho desenvolvido pelo Secretário-Geral, Dom José

Gonçalves da Costa60

.

Em 1967, iniciaram-se os encontros nacionais das Coordenações Nacional e

Regionais da Campanha da Fraternidade. O padre Tomé Morressey, redentorista,

foi nomeado coordenador da CF, e o padre Irineu Bérvian, da Diocese de Passo

Fundo, assessor eclesiástico. No ano seguinte, assumiu a coordenação nacional o

padre redentorista Alfredo Novak, que tinha experiência de coordenação da

Campanha da Fraternidade em Manaus, Belém e Teresina61

. Hoje ele é bispo

emérito de Paranaguá.

Neste mesmo ano, surge também o então chamado Documento-base, um

livreto de orientações, subsídios de planejamento e publicidade62

. Em 1969, o

Documento base foi acrescido de subsídios litúrgicos e, em 1972, passou a ter

também subsídios catequéticos e recebeu o nome de Manual. O manual, com o

conjunto de tudo o que é publicado pela Campanha da Fraternidade, continua

sendo publicado. O Documento base ficou sendo uma parte do Manual e

permaneceu até a Campanha de 1977, quando foi substituído pelo Texto-base, que

passou a adotar o método Ver-Julgar-Agir e foi utilizado pela primeira vez na

Campanha de 1978, e continua nas campanhas atuais63

. Em 1970, teve início a

mensagem do Papa, que era transmitida em cadeia nacional de rádio e televisão na

Quarta feira de Cinzas, quando acontece a abertura da Campanha64

. Hoje, o Papa

envia sua mensagem aos brasileiros por ocasião do início da Campanha da

59

CNBB. Campanha da Fraternidade, p. 40. 60

Cf. Ibid., p. 26. 61

Cf. Ibid., p. 26-27. 62

Cf. Ibid., p. 40. 63

Cf. Ibid., p. 40. 64

Cf. CNBB Documento-base CF 1968, p. 133.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 18: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

41

Fraternidade, que é lida pelo Presidente da CNBB na cerimônia de abertura da

Campanha da Fraternidade, que acontece na Quarta feira de cinzas na sede da

CNBB em Brasília com uma entrevista coletiva, mas a mensagem do Papa não é

mais transmitida em cadeia nacional.

A partir de 1971, tanto a Presidência da CNBB como a Comissão Episcopal

de Pastoral começaram a ter uma participação mais intensa em todo o processo da

CF, que estabeleceu os seguintes princípios para a sua realização:

1 – O objetivo geral da Campanha da Fraternidade é o mesmo do Plano de

Pastoral de Conjunto;

2 – A Campanha da Fraternidade é um instrumento extraordinário que, em

tempo oportuno, quer intensificar a realização dos objetivos ou fins do Plano de

Pastoral Orgânica;

3 – A determinação desses objetivos deve brotar da reflexão conjunta dos

órgãos pastorais da CNBB;

4 – A Campanha da Fraternidade situa-se como órgão intersetorial a serviço

das seis Linhas do Plano de Pastoral Orgânica em dependência direta da Comissão

Episcopal de Pastoral;

5 – Esses mesmos princípios se aplicarão, analogamente, em nível nacional,

diocesano e paroquial.

A Campanha da Fraternidade tem como objetivos permanentes:

“1 – Despertar o espírito comunitário e cristão no povo de Deus,

comprometendo, em particular, os cristãos na busca do bem comum;

2 – Educar para a vida em fraternidade, a partir da justiça e do amor, exigência

central do Evangelho;

3 – Renovar a consciência da responsabilidade de todos pela ação da Igreja

na evangelização65

, na promoção humana, em vista de uma sociedade justa e

65

A 35ª Assembléia Geral da CNBB, que aconteceu em 1997 em Itaici, aprovou a criação da

Campanha para a Evangelização a ser realizada no tempo do Advento com uma coleta específica

para a evangelização. Com isso, os recursos da Campanha da Fraternidade deixaram de custear a

ação evangelizadora da Igreja no Brasil e passaram a constituir os Fundos Nacional e Diocesano

de Solidariedade, destinando recursos apenas para a ação social.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 19: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

42

solidária (todos devem evangelizar e todos devem sustentar a ação evangelizadora

e libertadora da Igreja)”66

.

Desta forma, a Campanha da Fraternidade se consolida como um projeto

nacional. Não apenas porque dela participam todas as Igrejas Particulares do

Brasil, mas também porque acontece o envolvimento de todas as pastorais, através

da Comissão Episcopal de Pastoral. As reuniões que passaram a acontecer entre a

coordenação diocesana e as coordenações dos Regionais vão possibilitando que

aos poucos o processo de escolha do tema e do lema da Campanha e o seu

processo de elaboração, execução e avaliação tornem-se mais participativos.

Assim, a escolha do tema e do lema da Campanha da Fraternidade deixa de ser

apenas resultado do trabalho da Presidência da CNBB – em especial do

Secretário-Geral – juntamente com o coordenador e o assessor eclesiástico.

A Campanha da Fraternidade, em toda a sua história, se caracteriza como

uma atividade ampla de evangelização libertadora desenvolvida no tempo

quaresmal, para realizar a dimensão sócio-transformadora da ação da Igreja, a

partir de um problema específico. Procura desenvolver o espírito quaresmal de

conversão e de prática solidária. Retoma o profetismo confirmado por Cristo na

parábola do bom samaritano (Cf. Lc 10, 25-37) e no discurso sobre o juízo final

(Cf. Mt 25, 31-46).

2.3.1. A primeira fase histórica da Campanha da Fraternidade a renovação da Igreja e do cristão

A primeira fase da Campanha da Fraternidade será voltada para a renovação

da Igreja e do cristão, seguindo as propostas do Plano de Emergência e do Plano

de Pastoral de Conjunto, abrangendo as Campanhas que aconteceram entre 1964 e

1972. Nesta fase, destacamos dois momentos: um primeiro, no qual aconteceram

duas campanhas, 1964 e 1965, na qual a preocupação foi a renovação da Igreja e a

segunda foi a renovação do cristão, abrangendo as demais campanhas do período.

Este é um período de aprendizado e de grande crescimento da Campanha da

Fraternidade, tanto em termos quantitativos como em termos qualitativos.

66

Cf. CNBB. Campanha da Fraternidade, p. 36-37.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 20: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

43

O Concílio Vaticano II estava em andamento, porém a cada dia ficava mais

clara a proposta de Igreja que seria aprovada no Documento Lumen Gentium. Os

bispos brasileiros tinham a grande preocupação de fazer com que a proposta

conciliar fosse compreendida e assumida por todos os membros da Igreja no

Brasil, de modo que a renovação da Igreja fosse possível, realizando também uma

das metas do Plano de Emergência. A realização da Campanha da Fraternidade

não apenas com a finalidade da coleta solidária, mas também com um conteúdo

evangelizador, apresentava-se como um novo instrumento para que esses

propósitos viessem a se concretizar. Assim, a preocupação foi que a Campanha da

Fraternidade abordasse os dois elementos fundamentais dessa renovação: o

primeiro seria, a partir do modelo de Igreja comunhão, despertar nos fiéis a

consciência de pertença à Igreja a partir da graça batismal; e o segundo seria

voltado para a realidade paroquial, pois nela a dimensão eclesial da fé acontece, já

que a paróquia é a referência eclesial para todos os fiéis, visto que é nela que

participam dos sacramentos e dela recebem os serviços prestados pela Igreja. As

organizações da Igreja que vão além da realidade comunitária e paroquial, como

as dioceses, as províncias eclesiásticas, as conferências episcopais regionais,

nacionais e continentais e os organismos da Igreja Universal são estranhos à

maioria do nosso povo.

Esses objetivos de renovação da Igreja e do cristão se expressam nas

Campanhas da Fraternidade entre 1964 e 1972, conforme a apresentação que

segue.

2.3.1.1. A Campanha da Fraternidade de 1964

Teve como tema: “Igreja em renovação”, e como lema: “Lembre-se: você

também é Igreja”.

A metodologia utilizada foi o envio das folhas volantes às Dioceses para

que fossem mimeografas e distribuídas entre os fiéis.

Os bispos afirmaram que precisamos encontrar a maneira mais adequada

para revisar a vida interna da Igreja e a sua ação apostólica no mundo. Para isso,

todos devem dar o máximo de si procurando, inicialmente, fazer um exame de

consciência no sentido de descobrir as próprias falhas e não as falhas dos outros.

Antes de criticar, as pessoas devem participar do trabalho apostólico e social da

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 21: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

44

Igreja, pois todos são Igreja67

. Todos devem entender de forma prática que é um

erro imaginar que a Igreja são somente os bispos e os padres, mas todos devem ser

responsáveis pelo trabalho apostólico e social da Igreja, procurando conhecer e

divulgar esse trabalho68

. Muitos fazem pouco ou nada e ficam criticando a Igreja,

jogando pedras, sem colaborar com a superação dos problemas eclesiais69

. A

partir de questionamentos sobre a realidade, todos devem discutir o trabalho

apostólico da Igreja e participar dele70

. Todos devem unir-se aos esforços dos

bispos e dar o máximo de si para melhorar a paróquia e a diocese, começando pela

melhora de si, para poder contribuir para a expansão da obra apostólica e social da

Igreja71

.

Embora a Lumen Gentium ainda não tivesse sido aprovada quando a

Campanha da Fraternidade de 1964 foi preparada, pode-se perceber claramente a

influência do modelo eclesiológico de comunhão na sua elaboração,

principalmente quando vemos que os leigos e leigas são também responsáveis

pela obra social e evangelizadora da Igreja, assim como pela superação dos

problemas eclesiais e devem dar a sua contribuição para que a Igreja realize

plenamente a sua missão. Também fica claro o interesse institucional presente na

Campanha, pois discutiu o Concílio em vista de uma nova visão de participação

dos fiéis na diocese e na paróquia, à luz da Lumen Gentium, porém não foi

colocada a questão a participação dos fiéis na ação socio-transformadora da

Igreja, embora também estivesse sendo discutido o documento Gaudium et Spes,

que mostra a necessidade da presença da Igreja no mundo, e não simplesmente na

diocese e na paróquia.

As responsabilidades dos erros que acontecem na vida da Igreja também são

transferidas para os fiéis, sem levar em consideração os erros institucionais. Os

fiéis são chamados a fazer um exame de consciência, procurando descobrir as

próprias falhas, pois as falhas são sempre dos fiéis, nunca da Igreja. Todos devem

participar das atividades da Igreja, porém a crítica é reprimida. Isso revela uma

mentalidade de fundo: a de que os fiéis são para a Igreja e não o inverso, a Igreja

não pensa em mudar para satisfazer as necessidades dos fiéis, pois os bispos e os

67

CNBB. Folhas Volantes CF 1964. p. 1. 68

Cf. Ibid., p. 4. 69

Cf. Ibid., p. 8. 70

Cf. Ibid., p. 9. 71

Cf. Ibid., p. 10-11.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 22: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

45

padres já são muito esforçados e já fazem a sua parte, enquanto que os fiéis não.

Assim, os fiéis precisam converter-se e devem unir-se aos esforços dos bispos e

dos padres. Tudo isso nos mostra uma identificação entre Igreja e hierarquia de

modo que, embora a palavra de ordem seja comunhão, a lógica hierárquica

permanece. O próprio lema da Campanha da Fraternidade coloca os leigos e leigas

em segundo plano: Lembre-se, você também é Igreja72

.

2.3.1.2. A Campanha da Fraternidade de 1965

Teve como tema: “Paróquia em renovação”, e como lema: “Faça de sua

paróquia uma comunidade de fé, culto e amor”.

A Campanha da Fraternidade de 1965 comemora o sucesso da campanha

anterior em levar a mensagem do trabalho apostólico, social e de renovação da

Igreja aos fiéis73

, ao mesmo tempo em que mostra a necessidade – expressa na

Missa voltada para o povo, dialogada e em português – da união de todos os que

são Igreja, Corpo místico de Cristo74

.

Esta união se expressa na vida de comunidade, conteúdo central das Folhas

Volantes da campanha, que deve ser uma comunidade de fé, de culto, de caridade,

missionária em clima de Concílio Ecumênico75

.

A partir do lema, volta-se o olhar para o local da vivência concreta da vida

comunitária, que é a paróquia, local privilegiado do encontro com Cristo para a

transformação da vida do fiel através de um sentido novo, motivo do convite da

Igreja para que todos se tornem membros vivos da comunidade paroquial, que é a

comunidade de todos. A quaresma deve ser a oportunidade para que todos

assumam a vida paroquial como comunidade de fé viva e vivida, tornando-se

também comunidade de caridade76

.

Um elemento que passa a ser mais evidenciado é o da coleta da fraternidade

que aconteceu no dia 04 de abril, Domingo da Paixão. Cria-se assim a consciência

de que tudo o que temos vem de Deus, por isso devemos ser gratos a ele

retribuindo um pouco do dom divino à paróquia para ajudar na sua construção,

72

O grifo é meu. 73

Cf. CNBB. Folhas Volantes CF 1965. Mimeografado, p. 1. 74

Cf. Ibid., p. 4. 75

Cf. Ibid., p. 3, 4, 5, 7, 8, 12, 15, 16. 76

Cf. Ibid., p. 1, 3, 5, 7, 12. 17.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 23: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

46

como sinal do dom de si mesmo, manifestação de viva participação na

comunidade viva que testemunha a presença de Cristo e se torna comunidade de

caridade77

. A coleta deve ser, antes de tudo, manifestação da conversão acontecida

no tempo quaresmal, na qual foram assumidas as responsabilidades diante da vida

paroquial78

.

A preocupação continua sendo institucional, mas agora voltada unicamente

para a paróquia. A partir das mudanças na liturgia, apresenta-se a eclesiologia do

Corpo Místico de Cristo que foi apresentada no Concílio Vaticano I, mas que teve

uma maior expressão com a Encíclica Mystici Corporis Christi, escrita pelo Papa

Pio XII em 1955 e que teve grande influência no Concílio Vaticano II, na

construção da eclesiologia de comunhão.

Fala-se da coleta como manifestação da conversão, mas ela também é

voltada para a paróquia, é retribuição à paróquia de um pouco do dom divino para

ajudar na sua construção. A comunidade se torna comunidade de caridade e a

conversão significa assumir as responsabilidades diante da vida paroquial.

Novamente, os valores que estão sendo discutidos na elaboração da

Gaudium et Spes não aparecem na Campanha da Fraternidade, de modo que a

Igreja volta-se para si mesma e não leva em consideração a realidade e as

necessidades do povo de Deus, embora estas tenham sido as motivações para o

surgimento da Campanha e o elemento fundamental para o discurso da sua

legitimação. Isso demonstra a sua instrumentalização para a satisfação de

necessidades institucionais.

A preocupação da Campanha da Fraternidade, em seguida, passa a ser a

renovação do cristão, e esta preocupação irá abranger sete campanhas, começando

com a de 1966 e seguindo até o ano de 1972.

2.3.1.3. A Campanha da Fraternidade de 1966

Teve como tema: “Fraternidade”, e como lema: “Somos responsáveis uns

pelos outros”.

A Campanha da Fraternidade de 1966 foi muito rica, a sua reflexão foi

muito extensa, profunda, abrangente e original. Trabalhou elementos conjunturais,

77

Cf. Ibid., p. 5, 6, 8, 9, 11. 78

Cf. Ibid., p. 15.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 24: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

47

doutrinais e metodológicos. A mudança de ótica, saindo da Igreja para focar a

vida do cristão, embora mantendo o pano de fundo da reflexão eclesiológica do

Concílio Vaticano II, exigiu que um grande esforço fosse desenvolvido e deu a

esta campanha uma importância ímpar no conjunto histórico da Campanha da

Fraternidade.

Esta campanha teve como objetivo reavivar nos fiéis a consciência de que

são membros do Povo de Deus, co-responsáveis por toda a comunidade da Igreja

local, diocesana, nacional e universal. Todos são chamados a servir todos os

homens, especialmente os pobres79

.

Novamente, temos como referência o Concílio Vaticano II. O espírito do

Concílio deve estar na consciência de todos os cristãos a fim de que comecem a

pensar de acordo com ele80

. Para isso, é importante que todos tenham presente o

momento histórico no qual está inserida a Campanha da Fraternidade e assumam

o 1º Plano de Pastoral de Conjunto, desenvolvido para que a Igreja no Brasil possa

tornar-se mais rapidamente uma imagem da Igreja proposta pelo Vaticano II,

renovando as paróquias, através do compromisso do clero e dos católicos. Um

importante instrumento para que isso aconteça é a Campanha da Fraternidade81

. O

Concílio abriu novos caminhos de renovação da Igreja para que ela seja esposa

sem ruga e sem mancha, e isso desafia a nossa consciência, principalmente na

quaresma, tempo de conversão. A renovação da Igreja começa por nós para

estender-se a toda a comunidade, na qual devemos viver como irmãos82

. Também

é necessária a oração pela renovação da Igreja na linha conciliar para que, tendo

como centro o Cristo e assumindo o Plano de Pastoral de Conjunto, torne-se

autêntica comunidade Igreja, testemunha da verdade e servidora dos pobres83

.

Uma das exigências do Concílio é a pastoral de conjunto84

. O Plano de

Pastoral de Conjunto foi desenvolvido para ser um instrumento que possibilite a

79

Cf. CNBB. Folhas Volantes CF 1966. Mimeografado, p. 1. 80

Cf. Ibid., p. 32. 81

Cf. Ibid., p. 8. 82

Cf. Ibid., p. 35-36, 58. 83

Cf. Ibid., p. 64-65. 84

A eclesiologia do Concílio Vaticano II, contida na Lumen Gentium, expressa uma visão de

Igreja como comunhão, e uma das conseqüências da Igreja em comunhão é a pastoral de conjunto,

que deve ser assumida por todos, inclusive pelos leigos e leigas (Cf. CD 17) que edificam o Corpo

Místico de Cristo (Cf. CD 16). A pastoral de conjunto revela esta unidade da Igreja. Agora não

existe mais lugar para o individualismo ou para iniciativas particulares. Nos somos a Igreja, o

Povo de Deus, o Corpo Místico de Cristo, o sinal da união íntima com Deus e com todos os

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 25: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

48

implantação da pastoral de conjunto na Igreja do Brasil. A Campanha da

Fraternidade deve integrar-se com todas as pastorais procurando levar os fiéis a

participar na solução de todos os problemas e a fortalecer a estrutura da Igreja

para cooperar com as reformas conciliares. Neste sentido, a Campanha da

Fraternidade é uma das grandes esperanças da Igreja no Brasil85

.

A preocupação eclesiológica continua presente na Campanha de 1966. O

tempo da quaresma, como tempo privilegiado de conversão, deve nos levar a

promover a unidade da Igreja a partir da sua relação pessoal com Cristo e da

adesão pessoal dos seus membros a ele, que realiza a íntima união dos homens

com o Pai e dos homens entre si86

. É por isso que o primeiro objetivo da

Campanha é fazer com que todos descubram que cristianismo é vida. Esta

descoberta mostra que todos somos Igreja, irmãos entre nós, filhos do mesmo Pai

e que devemos viver a fraternidade no serviço aos irmãos, principalmente os mais

pobres87

.

Jesus Cristo é o centro da unidade da Igreja e de toda a humanidade. Nele, a

humanidade supera o egoísmo, a divisão, a oposição, o pecado, e caminha para a

fraternidade, para a vivência da filiação divina. Ele, pelo sangue derramado, fez a

aliança da humanidade com Deus, realizando o desejo divino de que todos

encontrem nele a salvação e a amizade divina88

.

Para que isso seja possível, a campanha retoma as campanhas anteriores,

propõe renovar Dioceses e Paróquias conforme o espírito do Concílio e o Plano de

Pastoral de conjunto, o que começa com a renovação da consciência dos fiéis,

homens. Somos povo e não massa ou mera multidão. Temos objetivos comuns, a finalidade última

da nossa existência é a mesma, apesar de apresentar-se de inúmeras formas.

Somos Corpo de Cristo, um corpo, único, orgânico, que tem um único objetivo: a Vida. Devemos

viver a unidade para manifestarmos a Unidade da Trindade.

Somente a unidade da ação pastoral, que é a busca multiforme da realização de um único objetivo

geral, Evangelizar, realiza todos os elementos que são propostos pela eclesiologia do Vaticano II.

Esta unidade da Igreja deve respeitar as diferenças que existem dentro dela. De fato, existem

muitos dons, mas um só é o Espírito que os suscita (Cf. 1Cor 12, 4). Na Igreja existe uma grande

diversidade de ministérios e ambos só encontram o seu sentido quando participam da construção

do todo, que é o Reino de Deus. Porém, devemos levar em consideração que as diferenças não

existem à toa. Se elas existem e foram suscitadas pelo Espírito Santo, é porque elas são essenciais

para a obra do Reino, de modo que essas diferenças precisam ser respeitadas e valorizadas. 85

Cf. CNBB. Folhas Volantes CF 1966. p. 8, 36. 86

Cf. Ibid., p. 36. 87

Cf. Ibid., p. 44, 52, 56. 88

Cf. Ibid., p. 39, 42.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 26: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

49

para que se sintam membros da Assembléia dos batizados, formando um povo,

convocado para a marcha em direção à casa do Pai89

.

Algumas conseqüências práticas dessas afirmações são:

o amor nos torna missionários que se fazem notar pelos seus sinais neste

mundo de egoísmos e conflitos90

;

necessidade de testemunho de vida, que leve as pessoas a perceberem

pela nossa prática que somos uma família reunida, ligados por um

intenso amor, que somos assembléia e comunidade91

;

necessidade do diálogo com o mundo para testemunhar a fé e ser

presença dela entre as pessoas, dando testemunho da palavra de Deus no

meio em que vivemos92

.

Tudo isso vai promover uma ação educativo-evangélica que tem por

finalidade dar aos fiéis a oportunidade de participar de modo prático e concreto na

comunidade eclesial93

. Uma das finalidades da Campanha da Fraternidade é

colaborar para a renovação da Igreja94

.

Todos são chamados a ser membros vivos deste povo e nele se encontram

visivelmente na medida em que vivem o próprio batismo, renunciando ao mal e

renovando sua adesão pessoal a Cristo através da comunidade Igreja. O sinal

visível para o mundo desta assembléia de batizados é a caridade, que realiza a sua

transfiguração, os une a Cristo e revela a santidade presente em todos,

despertando naqueles que não participam da Igreja o desejo de unirem-se a ela95

.

O batismo torna o cristão luz do mundo, testemunha de Cristo e capaz de

ver no próximo outro Cristo. A Campanha da Fraternidade quer recordar esta

verdade: todos são irmãos, filhos do mesmo Pai que está nos céus e devem fazer

do tempo quaresmal uma oportunidade para a renovação da graça que recebem

com esse sacramento96

.

89

Cf. Ibid., p. 10, 38, 65. 90

Cf. Ibid., p. 37. 91

Cf. Ibid., p. 39. 92

Cf. Ibid., p. 42, 43. 93

Cf. Ibid., p. 10. 94

Cf. Ibid., p. 55. 95

Cf. Ibid., p. 39, 40. 96

Cf. Ibid., p. 50, 51, 65,

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 27: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

50

Outra expressão desta comunhão que deve existir na Igreja é o sacramento

da Eucaristia. Todos chamam a Eucaristia de comunhão, participação na mesma

comunidade, unidade formada pela união entre todos os cristãos, expressão da

caridade, do amor fraterno, do reconhecimento da presença de Cristo no próximo.

Na sua celebração, todos se tratam como irmãos e se apresentam a Deus como

família, o que deve ser uma expressão da vida de todos, para que não seja uma

mentira, pois a celebração deve ser traduzida em gestos de comunhão humana.

A Eucaristia gera sentimentos de liberdade, filiação, e não escravidão. Na

Eucaristia, continuação da multiplicação dos pães na Igreja, próprio mistério da

Igreja que vive este sinal, se realiza e pereniza a plenitude da Promessa. É a

própria vitória, na Igreja, do Mistério Pascal, a continuação do “Pão vivo que

desceu do céu tanto no sentido da Palavra evangélica como da presença

sacramental, que realiza a plena comunhão de vida com o Pai e entre nós, em

Cristo, no dom do Espírito Santo, pela mediação visível da Igreja”97

.

A partir destas reflexões, a Campanha da Fraternidade se encaminha para o

gesto concreto, que é a coleta. Esta se faz necessária inicialmente devido à falta

quase permanente de recursos, seja por causa da pobreza, seja por falta de

formação da consciência de pertença eclesial e co-responsabilidade na ação da

Igreja para a colaboração sistemática dos que podem contribuir. Para superar esta

dificuldade, a Campanha da Fraternidade realiza uma coleta em todo o Brasil, no

domingo da Paixão, cujos recursos serão utilizados de acordo com um plano a ser

apresentado à comunidade. A coleta deve ser um sinal, uma prova concreta de que

cada fiel é membro vivo e responsável por sua comunidade98

.

Todos são convidados a participar da coleta, contribuindo para a renovação

da Igreja, a realização do seu trabalho apostólico e para a ajuda aos pobres99

. Esta

participação é fruto do jejum e da abstinência quaresmal, de privações de coisas

supérfluas e de ocupação de parte do tempo livre para contribuir eficazmente para

os movimentos de caridade e para a obra evangelizadora da Igreja. Assim os

recursos obtidos permitirão um impulso novo e mais amplo à ação apostólica e

97

Cf. Ibid., p. 45-46. 98

Cf. Ibid., p. 57-59. 99

Cf. Ibid., p. 54, 61.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 28: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

51

social da Igreja, e as novas responsabilidades advindas do Concílio e do Plano de

Pastoral de Conjunto poderão ser assumidas100

.

Por fim, a Campanha da Fraternidade de 1966 trabalha também a questão

metodológica e o envolvimento dos fiéis leigos101

. A Coordenação Nacional da

Campanha da Fraternidade propõe um temário que pode ser adaptado pelos

Regionais e Dioceses e desenvolvido em sermões, artigos de jornais, programas

de rádio e volantes para serem distribuídos a fim de que as mensagens da

campanha cheguem ao maior número de pessoas e estas participem da coleta com

consciência da grandeza deste gesto102

. Esta divulgação deve acontecer também

em jornais-murais, nas escolas, nos colégios e principalmente nas homilias, que

devem ser adequadas para a formação dos fiéis que desejam ouvir a voz do seu

irmão dedicado ao sacerdócio e encontrar meios para refletir a própria vida em

todas as suas situações. As orações dos fiéis devem fundamentar-se nas idéias

desenvolvidas na homilia103

.

Também se torna clara a preocupação com as pessoas que irão trabalhar na

realização da Campanha da Fraternidade. Para isso, é preciso que haja uma

Comissão Executiva, com tempo para dedicar à Campanha e capacidade para

assimilar seu espírito e seus objetivos. São necessárias também equipes de

trabalho, compostas de dirigentes dos movimentos apostólicos e sociais e outros

grupos de influência local, que se reúnam para a própria preparação e para a

concretização da campanha e envolvam a comunidade, inclusive os doentes, que

podem contribuir com orações e sacrifícios104

.

Para a realização da coleta, é importante a distribuição de envelopes, no 4º

Domingo da quaresma, com uma folha explicativa dos objetivos da campanha e

esclarecimentos sobre as motivações para a doação. Esses envelopes não devem

ser distribuídos apenas na Igreja, mas ter pessoas preparadas e credenciadas para

visitar as famílias da Paróquia, que pode ser dividida em quarteirões ou zonas, a

fim de esclarecer pessoalmente o sentido da campanha e, se for oportuno, recolher

os envelopes do Domingo da Paixão105

.

100

Cf. Ibid., p. 7, 11, 19. 101

Cf. Ibid., p. 11. 102

Cf. Ibid., p. 15, 27, 28, 29, 32. 103

Cf. Ibid., p. 30, 31, 63. 104

Cf. Ibid., p. 13, 14. 105

Cf. Ibid., p. 15, 18.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 29: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

52

Também é importante a elaboração de um relatório de avaliação, tanto da

Paróquia como da Diocese, do Regional e do Nacional para que se possa ter uma

visão de conjunto da Campanha da Fraternidade. Na avaliação deve ser

apresentado, por um membro leigo da Comissão executiva, o resultado da

coleta106

.

A mudança de enfoque da Campanha da Fraternidade de 1966, passando da

renovação da Igreja para a renovação do cristão, criou um número muito grande

de necessidades novas e mostrou a inviabilidade da preparação, realização e

avaliação da Campanha da Fraternidade serem feitas apenas pelos bispos. A partir

desta Campanha, muitas coisas novas vão surgir e o processo começará a ser mais

participativo.

Isso vai fazer com que, na prática, uma nova eclesiologia vai começar a se

tornar presente na Campanha da Fraternidade. Aos poucos saímos de uma visão

de Igreja voltada para a instituição para criar uma eclesiologia de comunhão.

Porém, o assunto não é discutido nas folhas volantes, de modo que aqui se trata

mais de uma questão prática do que uma reflexão eclesiológica que traz mudanças

na forma de realização da Campanha da Fraternidade.

2.3.1.4. A Campanha da Fraternidade de 1967

Teve como tema: “Co-responsabilidade”, e como lema: “Somos todos

iguais, somos todos irmãos”.

A Campanha da Fraternidade de 1967 sublinha, inicialmente, que todos

devem ter em vista o momento eclesial de então no qual, para levar a efeito as

conclusões do Concílio Vaticano II, a CNBB elaborou o 1º Plano de Pastoral de

Conjunto, que exige reformas nas estruturas temporais, a criação e a dinamização

de movimentos apostólicos e sociais adaptados à época. A Campanha da

Fraternidade é vista pela Igreja como um importante meio para que essas reformas

aconteçam107

.

A Campanha da Fraternidade de 1967 tem por objetivo reativar a

consciência de que todos são membros do povo de Deus, co-responsáveis por toda

a comunidade da Igreja local, diocesana, nacional e universal. Também são

106

Cf. Ibid., p. 17, 18. 107

Cf. CNBB. Folhas Volantes CF 1967. Mimeografado, p. 1, 6.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 30: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

53

chamados a servir a todos os homens, especialmente os pobres. Para isso, é

necessário dar aos fieis a oportunidade, entre outras, de participarem de modo

prático e concreto na Comunidade Eclesial e desenvolver entre os movimentos,

organismos e obras apostólicas e sociais sob responsabilidade da Igreja, a

mentalidade de ação conjunta (planejamento e coordenação). Também é

importante divulgar a ação apostólica e social da Igreja e dar um impulso novo a

esta ação108

.

A Campanha da Fraternidade é um poderoso instrumento para que a Igreja

consiga a disponibilidade de pessoal e os recursos financeiros necessários para

que essa renovação aconteça. Embora o Brasil seja um país pobre, e as obras

sociais e apostólicas da Igreja não possam manter-se por si mesmas, uma

organização corajosa e otimista, que estabeleça objetivos concretos e adote a

firme decisão de usar os meios propostos pode contribuir para a conquista dos

recursos financeiros de que tanto necessita109

.

O tempo da quaresma traz consigo forte apelo à conversão, adesão a Jesus

pela fé, esperança e caridade, e por isso é adequado para a formação da

consciência dos fiéis. Por isso, ele colabora para a contribuição financeira em prol

das obras de caridade e de promoção humana, como também evangelizadora e

civilizadora da Igreja, pois esta pode ser fruto do jejum e da abstinência

quaresmal. Para este processo de conversão, é importante salientar as

conseqüências da pobreza, como a marginalização que multiplica as sementes do

ódio e negam a verdade do amor fraterno. Também deve ficar claro que a

participação de todos na solução dos problemas locais significa participação na

superação dos problemas regionais e nacionais, e uma das formas de participação

é o fortalecimento das estruturas da Igreja110

.

Os recursos financeiros obtidos pela Campanha da Fraternidade devem ser

distribuídos da seguinte forma:

45% para a paróquia

35% para da diocese

10% para o Regional da CNBB

108

Cf. Ibid., p. 8-9. 109

Cf. Ibid., p. 1, 4, 5, 7. 110

Cf. Ibid., p. 6, 9.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 31: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

54

10% para a manutenção da CNBB111

.

A metodologia da Campanha da Fraternidade também é abordada nas folhas

volantes. O primeiro tema analisado é o da Comissão Executiva Diocesana, que

deve dispor de tempo para dedicar à campanha, saber trabalhar em equipe e

assimilar o espírito dos objetivos da Campanha da Fraternidade, na linha do

Vaticano II112

. Esta Comissão deve ser representativa das forças vivas da

Paróquia, das várias classes sociais e das instituições educacionais113

. Também

são analisadas as equipes de trabalho, que devem atingir os membros de

associações religiosas, confrarias, grupos de Ação Católica, etc., assim como

pessoas afastadas da Igreja e os não católicos, porém evitando animosidade em

relação às pessoas abordadas, que traz consigo aborrecimentos e desgastes114

.

Uma novidade apresentada é o Comitê de Honra, que possa contar com

católicos que exercem grande influência sobre a comunidade. Deve ser composta,

se for o caso, o juiz, o médico, o farmacêutico, o industrial, representante de

associações de classe, sob a presidência do católico mais influente de sua

paróquia, aprovado pelo pároco, e obter, inclusive através dele, a participação de

outros nomes de prestígio115

. É interessante uma análise sobre a criação deste

Comitê de Honra, pois é possível verificar que, se por um lado amplia a

participação do laicato na realização da Campanha da Fraternidade, por outro é

possível perceber um modelo de Igreja que faz acepção de pessoas em vista da

conquista dos objetivos propostos. Também podemos perceber que ainda traz

resquícios do tempo do padroado porque continua submissa ao poder temporal,

não mais ao poder político, mas ao poder social e econômico em vista da

satisfação de suas necessidades materiais. O Comitê de Honra é um poder

figurativo que rende. Na verdade, ele nunca foi implantado nas Dioceses.

A metodologia também deve ser levada em consideração, principalmente

porque da sua utilização podem depender os resultados da Campanha, como atesta

a Igreja de Manaus que, a partir da sua organização, na campanha de 1966,

conseguiu um resultado dez vezes maior que na campanha anterior, superando

111

Cf. Ibid., p. 7. 112

Cf. Ibid., p. 13. 113

Cf. Ibid., p. 18 114

Cf. Ibid., p. 19-20. 115

Cf. Ibid., p. 17.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 32: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

55

muitos centros mais ricos116

. A Campanha da Fraternidade deve ser preparada

para que tenha êxito. Para isso, devem ser promovidas reuniões com o clero e com

as forças vivas da Diocese e da Paróquia para estudo dos objetivos da Campanha

da Fraternidade, promovidas pela Comissão Executiva Diocesana, que deve

também formar as Equipes de Trabalho e as Comissões Especiais117

, que devem

planejar suas atividades118

.

Para a divulgação da Campanha, deve ser utilizado o cartaz, a ser afixado

em igrejas, lojas, bancos e em locais de reunião de grande público. Também é

importante a divulgação dos resultados da Campanha anterior119

, acompanhada de

um agradecimento público da parte do bispo diocesano120

.

A Campanha da Fraternidade de 1967 apresentou uma pobreza maior na

elaboração das Folhas Volantes. A reflexão doutrinal-teológica é mínima e, na sua

maioria, são repetições do ano anterior. Os subsídios dão maior importância para

o aspecto organizacional da Campanha.

116

Cf. Ibid., p. 5. 117

Embora esse assunto já seja tema de discussão, a criação das equipes não aconteceu de

imediato. A criação de equipes diocesanas de Campanha da Fraternidade apenas começou a ser

efetivada quando o Regional Sul 1 da CNBB (Estado de São Paulo) convidou o Professor Luiz

Antonio de Souza Amaral para trabalhar a Campanha da Fraternidade de 1982, que teve como

tema “Fraternidade e Educação”. O Professor Amaral desenvolveu um bom trabalho e, por isso,

foi convidado para assumir a coordenação da Campanha da Fraternidade no Regional.

A sua preocupação imediata foi a organização de equipes de Campanha da Fraternidade nas

Dioceses, que fossem permanentes e tivessem condições de trabalhar a metodologia da Campanha

independentemente do tema e do lema, envolvendo a Igreja local e as pastorais na realização da

Campanha. A partir daí, as Dioceses do Estado de São Paulo procuraram organizar as suas equipes

e, aos poucos, os resultados foram aparecendo. Em 1997, o Pe. José Adalberto Vanzella integrou a

Equipe de Campanha da Fraternidade da Diocese de Taubaté e iniciou um trabalho conjunto com o

Professor Amaral.

Em novembro de 2000, o Pe. Vanzella assumiu a Secretaria Executiva da Campanha da

Fraternidade da CNBB e levou a experiência do Regional Sul 1 para os demais Regionais da

CNBB dando início a um trabalho de criação de Equipes Regionais da Campanha da Fraternidade,

de modo que as Equipes multiplicaram-se rapidamente. Também foi desenvolvido um trabalho de

treinamento das Equipes de Campanha da Fraternidade com a finalidade de capacitar os agentes

para o desempenho do trabalho de planejamento, animação, execução e avaliação da Campanha da

Fraternidade. Este trabalho foi continuado pelo Cônego José Carlos Dias Tóffoli, da Diocese de

Marília, que substituiu o Pe. Vanzella em agosto de 2003. Em junho de 2007, o Pe. Vanzella

reassumiu a Secretaria Executiva da Campanha da Fraternidade. Mas este trabalho, até o presente,

não atingiu ainda todos os Regionais da CNBB e, conseqüentemente, muitas Dioceses ainda não

têm Equipes de Campanha da Fraternidade sendo que, em muitas delas, por opção do Bispo

Diocesano. 118

Cf. CNBB. Folhas Volantes CF 1967. p. 23. 119

Os resultados da coleta nacional da Campanha da Fraternidade passaram a ser divulgados a

partir de 1998, pela Caritas Brasileira. Porém, no que diz respeito às Dioceses, são poucas as que

tornam público o resultado e a aplicação dos recursos auferidos pela Campanha da Fraternidade

até o presente. 120

Cf. CNBB. Folhas Volantes CF 1967. p. 29.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 33: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

56

2.3.1.5. A Campanha da Fraternidade de 1968

Teve como tema: “Doação”, e como lema: “Crer com as mãos”.

Esta Campanha apresenta uma novidade: as Folhas Volantes são

substituídas pelo Documento Base.

O Documento Base inicialmente expõe o fato de que o monsenhor Franz

Hongsbach, bispo de Essen e presidente da “Ação Adveniat” afirmou que a Igreja

no Brasil sofre de pauperismo como conseqüência muito mais da falta de

consciência e de responsabilidade do seu povo pela Igreja do que da falta de bens

materiais. Faltam pessoas empenhadas no apostolado, tanto sacerdotes e religiosos

como leigos. Afirmou também que os bispos brasileiros deveriam partir da

Campanha da Fraternidade para realizar, entre o povo brasileiro, um trabalho de

educação em vista da responsabilidade eclesial que teria como conseqüência a

superação do pauperismo121

.

O tempo da quaresma e dedicado ao jejum, à esmola e à oração. Embora os

fiéis tenham sido dispensados do rigoroso jejum de outrora, o espírito de

penitência deve continuar e, por isso, todos devem renunciar a algo de próprio uso

para ajudar o próximo de modo que a Igreja convida a cada um a responder com

amor ao grito angustiado do seu irmão122

.

Com isso, a Igreja convida cada cristão a crer com fé operante oferecendo,

cada assalariado, o salário de um dia, e o não assalariado, o que gasta em um dia

de feriado, para o custeio das atividades sociais e apostólicas da Igreja. Tal oferta

deve ser colocada em envelopes entregues nas missas ou nas casas e recolhidos

em cofres com enfeites de uva e trigo, colocados nas portas principais das igrejas,

sendo que um dos cofres pequenos deve ser levado na procissão do ofertório após

as galhetas e hóstias, permanecendo no altar durante a missa123

. Ao mesmo tempo

em que a coleta é realizada, é necessária também a denúncia da exploração

financeira de certas devoções que trazem a consolação, arrecadando muito e

mantendo as igrejas cheias124

. Esse tipo de exploração depõe contra a Igreja

Católica e prejudica a realização da Campanha da Fraternidade.

121

Cf. CNBB. Documento-base CF 1968. Mimeografado, p. 32. 122

Cf. Ibid., p. 9, 20. 123

Cf. Ibid., p. 5, 7. 124

Cf. Ibid., p. 26.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 34: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

57

O episcopado em geral não parece muito preocupado com a Campanha da

Fraternidade. Em meio a temores de um tecnicismo na realização da Campanha da

Fraternidade que dificultasse a formação da consciência e o medo de reformas, o

assunto é quase deixado de lado. Na 8ª Assembléia Geral da CNBB, que

aconteceu entre os dias 06 e 08 de maio de 1967, o assunto foi abordado apenas

em uma comunicação de uma Comissão encarregada de estudar a Campanha da

Fraternidade. Esta Comissão decidiu não apresentar nenhuma modificação

substancial na Campanha da Fraternidade de 1968125

, o que justifica o fato de

acontecer apenas uma mudança substancial desta Campanha, que foi o surgimento

do Documento Base. Este assunto não voltou a ser discutido na 9ª Assembléia

Geral da CNBB, que aconteceu no ano seguinte no Rio de Janeiro.

É importante salientar que a Campanha da Fraternidade parece totalmente

desvinculada dos fatos da época, sejam da sociedade, como a perseguição contra a

Igreja por parte dos militares, seja da própria Igreja, como a Conferência de

Medellín, que vai procurar caminhos para a implantação das decisões do Concílio

Ecumênico Vaticano II no continente latino-americano.

2.3.1.6. A Campanha da Fraternidade de 1969

Teve como tema: “Descoberta”, e como lema: “Para o outro, o próximo é

você”.

Embora muitas vezes tenha deixado a imagem de um instrumento de

captação de recursos para a manutenção e ampliação da máquina burocrática da

hierarquia, a Campanha da Fraternidade é eminentemente evangelizadora, e quer

despertar o verdadeiro sentido de Igreja na sua catolicidade que deve ser vivida na

fraternidade, buscando a promoção humana e cristã de todos126

. A sua finalidade

essencial é ser uma campanha educativa da consciência de Igreja, desenvolvendo

o senso de responsabilidade para uma participação apostólica e social como

expressão da mais autêntica vivência da missão cristã127

.

125

Cf. CNBB, ATAS NÚMERO 2. Ata da VIII Assembléia Geral da CNBB, Aparecida, 06 a 08 de

maio de 1967, Ata do dia 08 de maio, página 4. Esta ata é datilografada e está disponível em

versão original no Centro de Documentação e Informação da CNBB na sua sede, em Brasília. 126

Cf. CNBB. Documento-base CF 1969. Mimeografado. p. 2, 7. 127

Cf. Ibid., p. 6.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 35: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

58

Influenciada pela publicação da Populorum Progressio de Paulo VI, a

Campanha da Fraternidade de 1969 abordou a questão do desenvolvimento vendo

nele um grave problema, sendo que suas dimensões precisam ser aprofundadas,

principalmente no que diz respeito ao desenvolvimento solidário da humanidade e

ao desenvolvimento integral do homem. Acima da solução técnica, é preciso criar

uma nova mentalidade que dê ao homem uma nova visão, possibilitando a

construção do social numa perspectiva de solidariedade e de fraternidade128

. Essa

mentalidade se fundamenta no serviço, no diálogo e na solidariedade e a

Campanha da Fraternidade pode apresentar metas mais altas e exigentes para esse

desenvolvimento129

. Devemos nos aproximar dos outros “sem esperar que nos

chamem” (ES 4), em espírito de amizade e serviço para estabelecer comunhão,

relações de caridade e cooperação na construção do bem comum e na ajuda da

promoção pessoal, da descoberta de Cristo e da sua Igreja e também no diálogo

inter-religioso130

.

Tudo isso vai contribuir para a educação em vista de uma ética social

voltada para a solidariedade universal, criando laços de amizade e de fraternidade

em uma comunidade humana verdadeiramente universal que una grupos e nações

na ajuda mútua e no amor desinteressado131

.

Esta experiência será para alguns a descoberta da Igreja e para outros a

oportunidade para uma vivência mais profunda da fraternidade que se abre para as

carências materiais e espirituais do próximo. Ao mesmo tempo representará uma

experiência mais profunda de vida eclesial que possibilita a vivência do próprio

cristianismo num profundo espírito fraterno. Durante a quaresma, a Campanha da

Fraternidade nos convida a “tornar mais humana a família dos homens” (GS 4),

tornando realidade a fraternidade para que todos possam viver livremente (PP

47)132

.

Partir o Pão para celebrar a Páscoa significa repartir o pão terrestre. O amor

expresso na Eucaristia nos impele a colaborar com a salvação do mundo e com a

construção da fraternidade. O amor mais forte que a morte é aquele que sabe amar

até morrer. Aquele que ama colabora com Deus na libertação do mundo, na

128

Cf. Ibid., p. 8. 129

Cf. Ibid., p. 9. 130

Cf. Ibid., p. 26-27. 131

Cf. Ibid., p. 9. 132

Cf. Ibid., p. 6, 18.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 36: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

59

ascensão gradativa da comunidade humana de quem Cristo é a energia

vivificadora e ressuscitadora, “o principio e o fim”133

.

A ação catequética e litúrgica se orienta no sentido de as comunidades

eclesiais atingirem uma consciência mais nítida de sua relação sacramental, de

serem sinal e fermento de plenificação em Cristo, da fraternidade entre todos os

homens e se abrirem para o mundo para manifestar o Cristo, como sinal e

fermento. Deve também conduzir os fiéis à co-responsabilidade entre hierarquia e

laicato e entre a hierarquia nos âmbitos diocesano, regional e nacional, como

serviço ao povo de Deus134

.

A ação catequética e litúrgica deve ainda levar a comunidade a preparar o

gesto concreto da Campanha da Fraternidade, ou seja, a coleta, tanto na sua

preparação prática como na formação sobre o seu significado mais profundo e o

seu alcance. Isso deve ser fruto da penitência quaresmal e forma de contribuição

eficaz para os movimentos de caridade e promoção humana, assim como para a

obra evangelizadora da Igreja. Como ponto alto da Campanha da Fraternidade,

deve informar a destinação dos fundos levantados e procurar caminhos para a

continuidade do gesto concreto. Os fiéis também devem ser informados sobre a

organização da Igreja e sobre as necessidades do povo. Quanto à destinação dos

fundos e dos serviços oferecidos, podem eles servir:

1. à promoção das comunidades;

2. à assistência aos necessitados;

3. às obras de evangelização, catequese, liturgia, coordenação pastoral,

formação de pessoal etc.135

.

2.3.1.7. A Campanha da Fraternidade de 1970

Teve como tema: “Participação”, e como lema: “Ser cristão é participar”.

A Campanha da Fraternidade é uma campanha educativa da consciência da

Igreja para desenvolver o senso de responsabilidade que gera uma intensa

movimentação apostólica.

133

Cf. Ibid., p. 34-35. 134

Cf. Ibid., p. 2, 7. 135

Cf. Ibid., p. 8, 11, 12.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 37: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

60

Os objetivos concretos propostos pela Paróquia ou Diocese se constituem no

ponto de partida para educar a comunidade, pois o evangelho deve ser pregado a

partir da realidade, de problemas vivos e sentidos, e não de idéias abstratas. Os

fatos se constituem em pontos de partida para uma efetiva evangelização

extraordinária e maciça da comunidade cristã. A Campanha da Fraternidade

procura, através do fato social concreto, criar uma nova mentalidade, colocando

este fato na perspectiva da solidariedade e da fraternidade, segundo as exigências

do Evangelho, dando à comunidade, a partir de um objetivo concreto,

oportunidade de ação para a solução de um problema vivo de ordem pastoral ou

social136

.

Uma das grandes forças pastorais da Campanha da Fraternidade encontra-se

no uso dos meios de comunicação social para tornar-se um instrumento

extraordinário de pastoral comunitária no melhor estilo de apostolado de opinião

pública. Este apostolado deve levar a sociedade a desenvolver sentimentos

profundos e autênticos de amor fraterno a partir de uma imagem que fale ao

homem hodierno dentro das características de cada veículo de comunicação,

realizando assim tanto os seus próprios objetivos como os objetivos do Plano de

Pastoral de Conjunto137

.

Para a realização da coleta, é importante que inicialmente, no planejamento

da Campanha da Fraternidade, seja feita uma consulta às comunidades sobre a

aplicação do óbolo quaresmal. Assim, identificamos o fato concreto que solicita a

atenção e gera busca efetiva em comum da fraternidade, motivando o gesto

concreto de doação que leva o fiel a vencer a avareza e o egoísmo e a um

engajamento efetivo na promoção da fraternidade entre os homens como

expressão da própria conversão e aprofundamento da vivência evangélica. A partir

disso, devemos criar a consciência de que é mais meritório perante Deus, que

recompensa quem dá sem esperar retribuição.

A Campanha afirma que todos devem conhecer a destinação da oferta e isso

exige clareza e transparência da Igreja nas Paróquias, Dioceses, Regionais e no

136

Cf. CNBB. Documento-base CF 1970. Mimeografado. p. 7, 9, 17. 137

Cf. Ibid., p. 8, 11, 19, 20.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 38: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

61

Nacional, de modo que a prestação de contas de todos os valores auferidos pela

Campanha da Fraternidade e da aplicação desses recursos é indispensável138

.

2.3.1.8. A Campanha da Fraternidade de 1971

Teve como tema: “Reconciliação”, e como lema: “Reconciliar”.

A Campanha da Fraternidade realiza-se especialmente nas paróquias que

encontram no povo e nos subsídios a oportunidade de participar de um raro

momento de unidade na pastoral orgânica da Igreja no Brasil e a possibilidade de

unir forças para a solução de seus problemas. Todos devem acreditar na

Campanha da Fraternidade, imbuir-se de sua mística e estudar o documento-base

para a própria capacitação através de uma reflexão teológico-pastoral mais

prolongada, para que possam corresponder às novas exigências da campanha, que

cresce a cada ano, principalmente devido ao conhecimento de seus métodos que

unem clero e laicato, fazendo da Igreja uma comunidade ativa e viva139

.

A Campanha da Fraternidade é uma missão popular pregada em todo o

território nacional, abrindo a Igreja à comunhão com todos para a realização de

uma evangelização anual extraordinária e maciça que leve os cristãos a realizarem

a justiça no mundo, tendo como fundamento a verdade e como sinal, a liberdade

(DM I, 3). Como campanha evangelizadora, procura desenvolver a consciência

eclesial e a responsabilidade perante a comunidade na construção do mundo,

unindo todas as pessoas na luta pela verdade, pela justiça e pelo bem140

.

Por englobar a edificação da Igreja e a construção do mundo, a Campanha

da Fraternidade convoca os leigos naquilo que lhes é específico: imbuir do

espírito cristão a mentalidade e os costumes, as leis e as estruturas da sua

comunidade de vida (Cf. PP 81) para realizar o reino da justiça, da paz, da

liberdade e do amor, entregando-se a Deus no serviço dos homens. Esta

convocação, que deve ser vista como uma forma de assumir o dinamismo novo

dado pela graça batismal, está sendo ouvida. O engajamento dos leigos está

aumentando de ano para ano, dando origem a novas frentes de trabalho que

respondem às exigências conjunturais do nosso tempo e criam novas relações com

138

Cf. CNBB. Ibid., p. 10, 13, 14. 139

Cf. CNBB, Documento-base CF 1971, Mimeografado. p. 3, 6. 140

Cf. Ibid., p. 7, 8, 9, 12.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 39: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

62

Deus e com os irmãos. Assim, cada pessoa, a partir das suas aptidões e carismas

particulares, contribui para que a Igreja realize a sua missão (Cf. DM I, 4)141

.

A Igreja, segundo as perspectivas de renovação do Vaticano II, busca o

engajamento na promoção humana e traz à memória o compromisso secular com a

educação do Brasil, que nos desafia até os dias de hoje. Por isso, a Campanha da

Fraternidade propõe como movimento de conjugação de forças para o ano de

1971 a alfabetização de adultos. Precisamos alfabetizar o Brasil para tirar da

marginalidade os adultos analfabetos142

.

Antes de realizar o trabalho de alfabetização, é necessária a realização de

uma propaganda que, para ser eficiente e viável, deve ser padronizada em todo o

território nacional. A partir do sábado e domingo de carnaval, é de fundamental

importância que a propaganda seja intensificada nas igrejas, tanto para a inscrição

como para pedidos de oferta de local, condução, material, etc. Para isso, um meio

a ser utilizado é a colocação de faixas em locais públicos com os seguintes

dizeres: RECONCILIAR-SE COM QUEM NÃO SABE LER É ENSINÁ-LO A

LER. Esta propaganda atinge o seu auge na Quarta feira de cinzas, inclusive com

o uso dos meios de comunicação social. Na semana seguinte, são abertas as

inscrições para alfabetização e acontece a convocação de voluntários para o

exercício do magistério. As comunidades religiosas também são convidadas a dar

a sua contribuição143

.

Os meios de comunicação são capazes de atingir multidões e a sociedade

humana inteira e não podem ser negligenciados na tarefa de propagar e firmar o

Reino de Deus (Cf. IM 1-2). Por isso, o seu uso durante a quaresma é necessário

para que a Campanha da Fraternidade se torne um instrumento extraordinário de

pastoral comunitária e de formação catequética e litúrgica, levando a sociedade a

sentimentos profundos e autênticos de amor fraterno144

.

A Campanha da Fraternidade deve motivar a conversão para uma vivência

mais intensa da graça batismal através da renúncia ao pecado e de uma vida mais

fraterna, manifesta também pela reconciliação. Esta conversão deve também

significar doação de si, da qual a coleta da fraternidade é uma expressão e um

141

Cf. Ibid., p. 10, 11, 16, 66. 142

Cf. Ibid., p. 12-13, 20, 21. 143

Cf. Ibid., p. 21, 23, 24, 25, 28, 29. 144

Cf. Ibid., p. 8-9, 10, 12.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 40: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

63

caminho para superarmos a miséria, realidade anti-evangélica (Cf. DM I, 1-16),

expressão da injustiça presente na nossa sociedade e causa de violência145

.

Os párocos devem escolher cinco coordenadores que participarão do curso

diocesano de formação para depois realizarem reuniões e simpósios que tenham

por finalidade discutir um problema vivo da comunidade para, a partir dele,

mostrar os objetivos da campanha. Assim, motivarão elementos da Paróquia para

descobrir e realizar atividades para o bem da comunidade146

.

Pela primeira vez, nós vemos o material da Campanha da Fraternidade

apresentar textos do magistério, seja pontifício, como é o caso da Populorum

Progressio, seja do CELAM (Documento de Medellín), porém não reflete sobre

os textos citados, de modo que os mesmos são utilizados apenas para legitimar as

propostas da Campanha.

Também é importante percebermos que o Documento base, que ainda não é

o texto base, conforme vimos no item 1.3, não se abre para as discussões que

estão acontecendo na época como conseqüência do momento eclesial pós

conciliar, da realidade brasileira, marcada pelo regime de exceção e não leva em

consideração o surgimento e crescimento da Teologia da Libertação na América

Latina. Simplesmente se limita a expor a própria proposta de ação. Os grandes

problemas do país e as discussões sobre as dificuldades e os desafios na atuação

da Igreja, como os convênios estabelecidos com o governo, no caso da

Superintendência Nacional do Abastecimento – SUNAB e do MEB estão

presentes nas assembléias gerais, mas estão longe da Campanha da Fraternidade,

que trabalha sempre as mesmas questões.

2.3.1.9. A Campanha da Fraternidade de 1972

Teve como tema: “Serviço e vocação”, e como lema: “Descubra a felicidade

de servir”.

Os bispos afirmam que a história da Campanha da Fraternidade nos mostra

que ela é um privilegiado momento de ação e unidade pastoral visando despertar e

formar o espírito comunitário cristão a partir de um objetivo concreto. É uma

campanha curta com prazos fixos: o tempo litúrgico da quaresma. Ela está

145

Cf. Ibid., p. 14-18. 146

Cf. Ibid., p. 30, 57, 58, 61,63.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 41: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

64

inserida na pastoral de conjunto, o que lhe garante a continuidade e

aprofundamento e mobiliza todos os agentes de pastoral, lançando mão de todos

os meios disponíveis. O fato de a Campanha da Fraternidade acontecer durante o

tempo quaresmal não prejudica, antes contribui para a vivência espiritual deste

tempo de conversão147

.

Esta história, embora reconhecidamente marcada por lacunas, trouxe para a

Igreja um saldo expressivo de educação comunitária, de modo que a Campanha da

Fraternidade é uma realidade pastoral irreversível. A experiência de oito

campanhas realizadas trouxe o aperfeiçoamento tanto da sua realização como da

assessoria nacional148

, além de possibilitar à Igreja do Brasil a colheita de muitos

frutos149

, não explicitados pelos bispos, e deixar a esperança de bons resultados

com a realização da Campanha de 1972150

.

Para que haja integração entre a Campanha da Fraternidade e a pastoral

orgânica, é necessária a observação dos seguintes pontos:

1) O objetivo geral da CF é o mesmo objetivo geral do PPC.

2) A CF é um instrumento extraordinário que, em tempo oportuno, quer

intensificar a realização de objetivos ou fins específicos do PPC.

3) A determinação desses objetivos deve brotar da reflexão conjunta dos

órgãos pastorais da CNBB.

4) A CF situa-se estruturalmente como ÓRGÃO INTERSETORIAL a

serviço das linhas151

, em dependência direta do Conselho Episcopal de

Pastoral.

147

Cf. CNBB, Manual CF 1972, Mimeografado p. 4, 5, 6. Cf. VANZELLA, J. A. Verbete

Campanha da Fraternidade in VVAA. Dicionário de Catequética. São Paulo: Paulus, 2004, p. 98-

99. 148

Já existente desde 1967 e composta por um coordenador nacional e um diretor espiritual, e que

conta com a colaboração dos demais assessores da CNBB e dos coordenadores regionais da

Campanha da Fraternidade, a partir da reunião nacional que acontece anualmente. 149

Os coordenadores regionais reunidos no 5o Encontro dos Coordenadores Regionais da CF que

aconteceu na sede da CNBB no Rio de Janeiro entre os dias 20 e 22 de maio de 1971, afirmaram

que o tema reconciliar trouxe resultados fabulosos para a Igreja e que 50% das dioceses adotaram

o plano nacional de alfabetização. Houve muitos esforços para melhorar a CF como a procura de

material e subsídios litúrgicos, além da produção de subsídios locais. Cf. CNBB, Comunicado

Mensal no 224, de maio de 1971, p. 65-66.

150 Cf. CNBB, Manual CF 1972, p. 7, 8.

151 O Plano de Pastoral de Conjunto se apresentava como uma proposta acabada para colocar a

Igreja do Brasil no compasso das conclusões do Concílio Vaticano II. Possuía uma técnica de

planejamento adequada e inovadora além de uma abrangência teológica impressionante e

revolucionou o modo de fazer pastoral no Brasil, dando uma nova estrutura à CNBB, ao tomar os

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 42: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

65

5) Estes mesmos princípios se aplicarão analogamente em nível regional,

diocesano e paroquial152

.

O lema: Descubra a felicidade de servir mostra em primeiro lugar o serviço

não como escravidão, mas como liberdade de quem descobre a felicidade na

doação ao próximo, conforme nos ensina a “Oração de São Francisco”. Também

nos ensina o Concílio Vaticano II: “O homem desenvolveu-se em todas as suas

qualidades e pode corresponder a sua vocação mediante a comunicação com os

outros, pelas obrigações mutuas, pelo dialogo com os irmãos” (GS 25). O ser

humano precisa aprender que “é mais feliz dar do que receber”153

.

A felicidade humana consiste em realizar o plano de Deus, vivendo a

fraternidade cristã pelo amor-serviço. Jesus Cristo se fez homem para nos ensinar,

pessoalmente, esta verdade. Ele é a motivação para esta Campanha da

Fraternidade, não só por suas palavras, mas também pelo seu exemplo, tornando-

se modelo para todos nós. Devemos mostrar este Cristo vivendo no mundo de

hoje através do cristão, na adesão a ele e na realidade concreta de cada um154

.

principais documentos do Concílio para criar as seis linhas fundamentais de ação em torno das

quais foi estruturada toda a ação pastoral:

Linha 1 – baseada na Lumen Gentium, dava as coordenadas para uma eclesiologia que, mais tarde,

ganharia o nome de comunhão e de participação;

Linha 2 – baseada na Ad Gentes, visava introduzir no Brasil a preocupação com o anúncio do

Evangelho além de suas fronteiras e reunir todas as iniciativas surgidas em torno do pólo

missionário;

Linha 3 – baseada na Dei Verbum, buscava tornar o cristão uma pessoa adulta, capaz de dar razão

de sua fé e de sua esperança. Mais tarde, essa linha ficou conhecida como bíblica e catequética;

Linha 4 – baseada na Sacrosanctum Conclilium, busca adequar toda a dimensão orante e

celebrativa da Igreja no Brasil às conclusões conciliares e dá novos rumos à liturgia;

Linha 5 – baseada na Unitatis Redintegratio e Nostra Aetate, trata do relacionamento da Igreja

Católica Romana com as outras Igrejas cristãs, advindas dos cismas antigos ou depois da reforma

protestante, e com as outras religiões não cristãs;

Linha 6 – baseada na Gaudium et Spes, leva a Igreja do Brasil à radicalidade em viver a evangélica

opção pelos pobres. 152

Estes pontos foram decididos no 5o Encontro dos Coordenadores Regionais da CF (Cf. CNBB,

Comunicado Mensal no 224, de maio de 1971, p. 70) e aprovados na reunião da Representativa da

CNBB e estão publicados no Comunicado Mensal no 227 de Agosto de 1971, p. 70. É importante

salientar que após esta reunião, a Campanha da Fraternidade deixou de ser um organismo próprio

ou uma iniciativa isolada para tornar-se uma atividade intersetorial de todos os órgãos pastorais e

esta decisão foi aplicada a partir da Campanha de 1972. A partir de então, e isso vigora até hoje, a

Campanha da Fraternidade é considerada uma atividade global da CNBB e vinculada diretamente

ao Secretariado Geral. 153

Cf. CNBB, Manual CF 1972, p. 8, 9. 154

Cf. Ibid., p 10-12.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 43: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

66

A Campanha da Fraternidade de 1972 teve como objetivo motivar

fortemente o povo para descobrir, na mentalidade de serviço, a mensagem da

fraternidade, como fonte de felicidade155

.

Após a realização dessas Campanhas, encerra-se a primeira fase de sua

história, que enfocou a renovação da Igreja e do cristão. A Campanha da

Fraternidade, influenciada pelas grandes mudanças conjunturais que acontecem no

país e também pelas decorrências do Concílio Vaticano II, como as Conferências

do CELAM e as reflexões teológicas sobre a Igreja em geral e a realidade da

América Latina em particular, entra em uma nova fase, com um enfoque novo: a

realidade social do povo, o problema do pecado social e a necessidade da

promoção social. Esta mudança vai exigir que seja aprofundada a questão

metodológica da Campanha da Fraternidade, tendo como conseqüência o seu

desenvolvimento e o surgimento da estrutura que temos até os dias de hoje.

2.3.2. A segunda fase da Campanha da Fraternidade: Medellín, Puebla, a preocupação com a realidade social do povo, a denúncia do pecado social e a promoção da justiça

Em 1973, a Campanha da Fraternidade entra em uma nova fase, os seus

temas deixam de ser em torno da renovação da Igreja e do cristão e passam a ser

em torno da realidade social. Muitos fatores, tanto de natureza sócio-política como

eclesial e teológica, causaram esta mudança e garantiram a sua continuidade. O

Brasil vive um período de regime político de exceção, com a negação de direitos

políticos e sociais, aprofundamento da injustiça social com o aumento do acúmulo

de bens e o distanciamento entre ricos e pobres ficando cada vez maior, além da

violação dos direitos humanos. As Conferências do Episcopado latino-americano

procuram implantar no continente as propostas do Concílio, trazendo novos

modelos eclesiais e novas perspectivas de ação pastoral. Surge também a Teologia

da Libertação, que tem como lugar teológico o pobre. O conhecimento desses

elementos possibilita a compreensão do porquê da nova fase da Campanha da

Fraternidade, que irá perdurar até o ano de 1984. Nesta fase, a Campanha da

Fraternidade também completa o seu processo de construção metodológica, com a

155

CNBB. Datashow da celebração dos 40 anos da Campanha da Fraternidade ocorrida no dia 27

de abril de 2004, em Itaici, durante a Assembléia Geral dos Bispos do Brasil.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 44: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

67

realização da Campanha de 1978, quando é adotado o Texto-base e o método Ver-

Julgar-Agir. Por isso, é necessária uma apresentação das Campanhas acontecidas

até 1978 para que possamos conhecer a Campanha da Fraternidade como tal, na

sua natureza, nos seus objetivos, nos seus conteúdos, nos seus subsídios e na sua

metodologia.

2.3.2.1. O momento histórico brasileiro

O trabalho de formação da opinião pública sobre a iminência de um golpe

comunista, desenvolvido entre 1963 e 1964, principalmente através de

movimentos financiados pelo capital estrangeiro, fez com que membros do

episcopado, numa reunião que aconteceu em maio de 1964 no Rio de Janeiro, com

a presença de todos os arcebispos do Brasil, juntamente com os membros da

Comissão Central da CNBB, expressassem sua confiança no novo governo militar

que se iniciava156

. Mas a violenta repressão, a injustiça social e os limites

impostos à Igreja pela Escola Superior de Guerra, buscando reluzi-la aos assuntos

estritamente religiosos e de foro íntimo e impedindo sua ingerência ou cooperação

em questões de justiça ou solidariedade humana, fez com que o episcopado

brasileiro mudasse de posição157

. Logo os conflitos entre a Igreja e a ideologia da

Escola Superior de Guerra começaram, envolvendo leigos e leigas, clérigos e

bispos. Assim, logo surgiram manobras de intimidação; censura no acesso aos

meios de comunicação social, acintes de todo gênero; intensas campanhas de

difamação sem conceder às vítimas a mínima chance de defesa; invasão de

instituições ligadas à Igreja, de residências paroquiais e episcopais; tentativas de

cooptação pela oferta de honrarias e condecorações; interpretações malévolas das

dimensões sociais do Evangelho; prisões e torturas, processos esdrúxulos;

deportações sumárias de estrangeiros; seqüestros, execuções e assassinatos. A

freqüência desses fatos acelerou-se a partir de 1968 e atingiu o seu clímax no

governo Médici. A partir do Ato Institucional n.o

5, a Igreja tornou-se, na prática,

a voz de quem não tem voz dentro do regime autoritário158

.

156

Cf. BARROS, R. C. “A CNBB e o Estado Brasileiro durante o interlúdio espartano” in INP,

opus cit. p. 171. 157

Cf. Ibid., p. 171-172. 158

Cf. Ibid., p. 171-174.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 45: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

68

Durante o período da ditadura militar, a Igreja no Brasil viveu um de seus

momentos mais fortes de comunhão, de serviço à sociedade e de exercício da

missão, especialmente do profetismo. Enquanto as ondas renovadoras corriam o

risco de um certo triunfalismo, a vida nova no Espírito insuflada na Igreja do

Brasil pelo Vaticano II concedeu a ela a força e a coragem de renovar-se,

purificada pela dor e pelo sofrimento, despojada de elogios, reconhecimento e

conivência com os poderes constituídos. A Igreja, desde o início da década de

1970, concentrou seus esforços em quatro setores específicos: direitos humanos,

avaliação crítica do modelo econômico, agravamento do desafio agrário e

sobrevivência e respeito aos direitos da população indígena159

. Assim, a CNBB

buscou exercer, ante o Estado constituído, sua missão profética a partir de cinco

frentes de atuação: recusou-se a aceitar o tipo de relação entre Igreja e Estado

formulado pela Doutrina de Segurança Nacional, que permitia ao regime indicar a

maneira pela qual a Igreja deveria evangelizar; lutou contra a violação dos direitos

humanos, tanto os direitos fundamentais como os direitos políticos de qualquer

pessoa que pudesse ser considerada como hostil ao regime; procurou estar a

serviço dos pobres e necessitados; criou e montou instituições capazes de

contribuir para uma resposta a esses problemas, como a Comissão Brasileira de

Justiça e Paz – CBJP, a Comissão de Pastoral da Terra – CPT e o Conselho

Indigenista Missionário – CIMI; articulou-se com as instituições da sociedade

civil, especialmente a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, a Associação

Brasileira de Imprensa – ABI, as organizações empresariais e as organizações de

trabalhadores160

.

O período entre 1964 e 1978 foi para a Igreja no Brasil um período heróico,

mas o fervor missionário e a extrema docilidade ao Espírito que animou a Igreja,

neste intervalo de tempo, fizeram com que ela não esmorecesse161

.

Esses fatos contribuíram muito para uma mudança de ótica nos temas da

Campanha da Fraternidade a partir de 1973, mas a eles devemos acrescentar as

reações que surgiram no Brasil e na América Latina em relação ao Concílio

Vaticano II. Para tornar possível a compreensão da influência dessas reações na

159

Cf. Ibid., p. 181-185. 160

Cf. Ibid., p. 212-213. 161

Cf. Ibid., p. 214.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 46: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

69

Campanha da Fraternidade, é importante, a título de informação histórica, uma

breve apresentação dessas reações.

2.3.2.2. Medellín, Puebla e a Teologia da Libertação

2.3.2.2.1. A discussão eclesial pós conciliar

O Concílio Vaticano II gerou uma série de publicações sobre eclesiologia

abordando múltiplos aspectos. No Brasil, o principal veículo utilizado na época

para esse fim foi a Revista Eclesiástica Brasileira – REB. Outra revista que trazia

artigos para a reflexão teológica neste período foi a Concilium, porém não trazia

artigos de teólogos brasileiros, de modo que a REB discutia melhor as questões

pertinentes à realidade brasileira. A título de ilustração, serão citados alguns

exemplos.

Sem sombra de dúvidas, um dos grandes pensadores da época foi o Frei

Boaventura Kloppenburg, de Petrópolis que, como vimos no capítulo anterior, foi

um dos poucos peritos brasileiros que participou do Concílio Vaticano II. Ele

abordou questões como a unidade da Igreja Católica e as múltiplas formas como

ela se apresenta162

; a presença da Igreja no mundo não deve ser um pequeno

número de eleitos no meio de uma multidão condenada, como se fosse uma seita,

mas sim atender aos sinais dos tempos, ser capaz de adaptar-se às novas situações

para que possa verdadeiramente se inserir e penetrar na realidade do mundo163

; os

novos acentos do Concílio Vaticano II e as tensões entre os tradicionalistas e os

progressistas164

e a questão da identidade e da missão da Igreja165

.

Outro autor que publicou artigos interessantes na REB foi o Pe. José

Comblin, do Instituto de Teologia do Recife – PE, que centrou a sua discussão na

vida religiosa, mas publicou também artigos interessantes sobre a vida em

162

Cf. KLOPPENBURG, B. “Pluralismo na Una e Única Igreja” in REB, vol. 27, fasc. 3,

Setembro de 1967, p. 610-641. 163

Cf. Id., “Por uma Igreja interpenetrada no mundo” in REB, vol. 28, fasc. 1, Março de 1968, p.

22-45. 164

Cf. Id., “Tradição e Progresso no Equilíbrio do Vaticano II” in REB, vol. 28, fasc. 4,

Dezembro de 1968, p. 793-810. 165

Cf. Id., “A Natureza e a missão da Igreja” in REB, vol. 29, fasc. 4, Dezembro de 1969, p. 785-

837.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 47: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

70

comunidade analisando a evolução do conceito de comunidade no século XX166

, o

conceito sociológico de comunidade e perspectivas para a Igreja167

em vista da

discussão sobre a vida comunitária, a pastoral urbana e as comunidades eclesiais

de base168

.

Também merece destaque o Pe. Eduardo Hoornaert, professor do Seminário

Regional do Nordeste, em Recife – PE, que discutiu a eclesiologia a partir da

realidade brasileira169

e realizou algumas reflexões pastorais sobre as

comunidades e a cultura no interior do Brasil170

.

Outros autores também discutiram questões conseqüentes do Concílio

Vaticano II como, por exemplo, Monsenhor Marcelo Pinto Cavalheira, da

Arquidiocese do Recife, que abordou a questão da sociologia, da teologia e da

história no contexto de um mundo secularizado171

; Pe. Paulo Eduardo Andrade

Ponte, de Fortaleza – CE, que trabalhou o engajamento, a luta profética e a

libertação172

; Dom Eugênio de Araújo Sales, Administrador Apostólico de

Salvador – BA, e presidente do Departamento de Ação Social do CELAM, que

escreveu sobre a Conferência de Medellín, a promoção humana e a fidelidade à

Igreja173

; Pe. Aloísio Weber, professor de Dogma em Passo Fundo – RS, que

analisou os sacramentos, a pastoral e a devoção particular do povo de Deus, tendo

como pano de fundo o conceito de Igreja como Sacramento174

; Frei Honório Rito,

professor de Dogma no Instituto Teológico de Salvador – BA, que analisou a

questão da colegialidade episcopal como imperativo para a ação pastoral175

.

166

Cf. COMBLIN, J. “O Conceito de Comunidade e a Teologia” in REB, vol. 30, fasc. 118,

Junho de 1970, p. 282-308. 167

Cf. Id., “O Conceito de Comunidade e a Teologia – II” in REB, vol. 30, fasc. 119, Setembro de

1970, p. 568-589. 168

Cf. Id., “Comunidades Eclesiais e Pastoral Urbana” in REB, vol. 30, fasc. 120, Dezembro de

1970, p. 783-828. 169

Cf. HOORNAERT, E. “O Concílio Vaticano II e a Igreja no Brasil” in REB, vol. 27, fasc. 1,

Março de 1967, p. 43-54. 170

Cf. Id., “Problemas de Pastoral popular no Brasil” in REB, Vol. 28, fasc. 2, Junho de 1968, p.

280-307. 171

Cf. CAVALHEIRA, M. P. “Aspectos Culturais da Crise na Igreja” in REB, vol. 30, fasc. 118,

Junho de 1970, p. 257-281. 172

Cf. PONTE, P. E. A. “A Morte de Cristo e a Libertação Temporal do Homem” in REB, vol.

28, fasc. 2, Junho de 1968, p. 328-341. 173

Cf. SALES, E. A. “A Igreja na América Latina e a Promoção Humana” in REB. vol. 28, fasc.

3, Setembro de 1968, p. 537-554. 174

Cf. WEBER, A. “Pequeno Ensaio sobre a Função Eclesial dos Sacramentos” in REB, vol. 28,

fasc. 3, Setembro de 1968, p. 579-606. 175

Cf. RITO, H. “A Colegialidade dos Bispos a Serviço da Igreja” in REB, vol. 29, fasc. 4,

Dezembro de 1969, p. 838-849.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 48: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

71

Com isso, percebemos que o Concílio Vaticano II gerou muitas discussões,

com posições diferentes sobre a Igreja e a sua missão. Porém, essas discussões

não provocaram reflexos nos textos da Campanha da Fraternidade.

A discussão sobre a Igreja, aos poucos, deixa de ser feita simplesmente a

partir da sua constituição ontológica para ser realizada também a partir da sua

ação e da sua relação com a realidade na qual está inserida e no diálogo com o

mundo, mostrando claramente a influência da Carta Encíclica Ecclesiam Suam, do

Papa Paulo VI, e da Constituição Pastoral Gaudium et Spes, do Concílio Vaticano

II. Esta discussão vai afetar a Campanha da Fraternidade que vai deixar de ter

como foco a vida da Igreja para voltar-se para os problemas da realidade latino-

americana176

.

2.3.2.2.2. Contribuições de Medellín

Segundo o Documento de Medellín, a verdadeira promoção humana não

pode acontecer sem que haja verdadeira justiça e isso é fruto de um trabalho

evangelizador que leve ao crescimento da fé e exige uma revisão evangélica da

Igreja visível e de suas estruturas para animar as forças vivas da Igreja e bem

utilizar os meios disponíveis para evangelizar177

. A injustiça marca a nossa

realidade fere a consciência cristã, exige o empenho da Igreja no sentido de que

haja justiça para todos e deve envolver todos os cristãos e todas as pessoas de boa

vontade, como dever de consciência, na construção de uma nova ordem firmada

na justiça e no amor, que se constituem o verdadeiro fundamento da justiça

internacional178

.

176

Percebemos também uma Igreja dividida entre Progressistas e Conservadores. Esta divisão

também vai influenciar a Campanha da Fraternidade, que vai ser mais assumida pelas dioceses

onde os bispos são progressistas. A divisão entre os bispos exerce influência sobre a Campanha da

Fraternidade até os nossos dias, principalmente no que diz respeito à abordagem das questões. Um

exemplo disso é a Campanha da Fraternidade de 2008, Fraternidade e defesa da vida, que no seu

Texto-base abordou questões sobre a vida que, conforme diz a Oração da Campanha, é ameaçada

no seu início, no seu decurso e no seu declínio, mas na maioria das dioceses, reduziu-se à questão

do aborto. Esta divisão também fez com que a atual presidência da CNBB decidisse que todos os

textos da Campanha da Fraternidade deveriam ter o aval da Comissão Episcopal de Doutrina para

a sua publicação. 177

Cf. CELAM. Conclusões da conferência de Medellín, 1968: trinta anos depois, Medellín é

ainda atual? São Paulo: Paulinas, p. 7. 178

Cf. CELAM. “Mensagem aos povos da América Latina de 06 de setembro de 1968” in

Conclusões da Conferência de Medellín..., p. 27-35.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 49: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

72

Assim como o povo de Israel é conduzido por Deus que o liberta da

opressão do Egito e reconhece a sua presença salvífica, devemos sentir e

reconhecer a presença salvífica de Deus na nossa história. Esta é uma história de

passagem de condições menos humanas para condições mais humanas, superando

carências materiais, carências morais, estruturas opressoras, abuso de poder,

exploração dos trabalhadores, injustiças nas transações, as calamidades sociais, a

falta de conhecimento, a desconsideração pela dignidade das pessoas, a falta de

cooperação no bem comum, o descompromisso com a paz, a desconsideração dos

valores supremos e de Deus. A falta de fé e a falta de unidade na caridade de

Cristo dificultam a conquista da promoção do homem e dos povos, os valores da

justiça, da paz, da educação e da família179

.

Medellín observa que embora se encontrem muitos esforços no sentido de

assegurar a justiça no continente, muitos estudos mostram a situação de miséria de

grandes grupos humanos na América Latina, fruto de injustiça que clama aos céus

e gera certa frustração de legítimas aspirações e cria um clima de angústia

coletiva180

. A Igreja tem uma mensagem de justiça para todos, a qual mostra o

amor incondicional de Deus pela pessoa humana, criada à sua imagem e

semelhança, assim como a destinação universal dos bens e as exigências da justiça

decorrentes dessa destinação. A Igreja prega que o Pai enviou seu Filho feito

homem para libertar a humanidade de todas as escravidões que o pecado sujeita.

Libertação implica necessariamente em conversão e mudança de estruturas

sociais. Os bispos enfatizam que só teremos um continente novo quando homens

se renovarem à luz do Evangelho e tornarem-se verdadeiramente livres e

responsáveis, viverem o amor autêntico, relacionarem as tarefas temporais com a

santificação, manifestando a esperança que se fundamenta na fé em Jesus Cristo e

lutando pela justiça social para superar antagonismos e gerar a unidade que traz

verdadeiro desenvolvimento e liberta do neocolonialismo181

.

Concretamente, o texto de Medellín recomenda promover as Comissões de

Justiça e Paz, buscar a colaboração de Igrejas cristãs não católicas que lutam para

instaurar a justiça nas relações humanas, estimular as organizações da sociedade

civil criadas e dirigidas por cristãos que têm por objetivo a promoção humana e a

179

Cf. DM, Introdução 6, 8. 180

Cf. DM 1, 1. 181

Cf. DM 1, 3. 4. 5. 13.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 50: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

73

aplicação da justiça e apoiar os leigos no cumprimento das tarefas de

conscientização em favor da transformação das estruturas, de promoção humana e

vigência da justiça182

.

Embora em muitos casos a miséria em nossos países tenha causas naturais

difíceis de superar, os bispos lembram: não podemos negar que a injustiça

também é uma causa que se expressa em situações de pecado e ameaça à paz,

mostrando insensibilidade dos setores mais favorecidos diante da miséria dos

marginalizados. Um exemplo claro é a desvalorização da matéria prima e a

supervalorização dos produtos industrializados, condenando os países

monocultores à pobreza enquanto os industrializados enriquecem e, se contribuem

para diminuir a pobreza, retiram esta contribuição através da exploração

econômica. Esta situação gera também a fuga de técnicos e de pessoal

competente, formados a alto custo pelo país pobre183

.

Para Medellín, a paz é obra da justiça e supõe a justiça e só pode ser obtida

onde exista uma justiça mais perfeita entre os homens. A passagem de condições

menos humanas para condições mais humanas é o novo nome da paz, de modo

que a paz deve ser construída historicamente pelos cristãos que enfrentam o

egoísmo, a injustiça pessoal e a injustiça social como expressão de amor e

fraternidade que se fundamentam em Cristo, o Príncipe da Paz, e remetem a

gestos de solidariedade184

.

A América Latina apresenta fortes tensões e elementos que possibilitam a

violência institucionalizada por falta de satisfação de necessidades básicas e de

oportunidades de participação social e política para grande parte da sua

população. Na medida em que as pessoas adquirem consciência de sua dignidade

e seus direitos e que suportam uma condição assistencial inaceitável, a tentação

para a violência cresce e pode gerar uma insurreição revolucionária ou uma

revolução armada, que geram novas injustiças, novos desequilíbrios e provocam

novas ruínas. Todos os que possuem meios para a promoção da justiça social e da

paz e não fazem bom uso deles, contribuem para o agravamento da situação185

. A

Igreja deve, ao explicitar os valores da justiça e da fraternidade, numa perspectiva

182

Cf. DM 1, 21-23 183

Cf. DM 2, 1. 5. 9a.b. 184

Cf. DM 2, 14a-c. 185

Cf. DM 2, 16. 18. 19.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 51: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

74

escatológica, formar consciências, contribuir para a formação humana e denunciar

a injustiça e o abuso que destroem a paz, usando os meios de comunicação,

defendendo o direito dos pobres e oprimidos, encorajando todos os esforços de

organização de base para a conquista de direitos e busca da verdadeira justiça e

dialogando com o poder público instituído. A família também deve fazer seu

papel, seja na educação dos filhos, seja na promoção da justiça e na prática do

serviço aos necessitados186

.

Segundo o Documento de Medellín, a catequese deve reconhecer a

exigência do processo de transformação social para ajudar na evolução integral do

homem e orientar os cristãos para a fidelidade evangélica, promovendo a justiça e

a paz, o diálogo e o ecumenismo, preparando os leigos para o compromisso nos

seus diferentes campos de atuação e criando condições para uma pastoral mais

atualizada, que responda ao dinamismo do progresso humano187

.

A Igreja deve, apesar de tantas fraquezas e fracassos seus no passado,

assumir seu papel na América Latina como promotora da justiça e da paz,

traduzindo o espírito de pobreza que faz dela um sinal autêntico de Jesus. O

episcopado do continente, em comunhão com a Santa Sé e com o episcopado de

outros continentes, não pode ficar indiferente diante das injustiças; deve denunciar

profeticamente a pobreza como um mal em si188

. Os vocacionados devem

desenvolver uma sensibilidade aos problemas sociais e assumir o seu papel na

transformação da realidade através de iniciativas pastorais, inserção na realidade e

cuidado com a própria formação189

.

Uma das conseqüências da opção pelos pobres desenvolvida pela

Conferência de Medellín foi o desenvolvimento da Teologia da Libertação na

América Latina, que foi se tornando, aos poucos, uma peça de fundamental

importância para a pastoral no Brasil em geral e, em especial, para a Campanha da

Fraternidade.

186

Cf. DM 2, 20-23. 27; 3, 7. 13. 21a; 10, 2. 187

Cf. DM 8, 7. 11; 10, 1. 15; 12, 13c. 188

Cf. DM 14, 1. 7. 10; 15, 28. 189

Cf. DM 13, 4; 14, 4a

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 52: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

75

2.3.2.2.3. A Teologia da Libertação

A valorização das Igrejas locais pelo Concílio Vaticano II e o diálogo com a

Modernidade possibilitaram o surgimento de teologias contextualizadas190

e, na

América Latina, este esforço tem início com a Teologia da Libertação, com

Gustavo Gutierrez em 1971191

, desenvolve-se nas décadas seguintes e ganha

espaço até que a sua temática encontra receptividade em Roma, com a Exortação

Apostólica Evangelii Nuntiandi, do Papa Paulo VI192

.

A Teologia da Libertação se propõe pensar toda a Revelação a partir da

libertação e utiliza um método original que substitui a mediação filosófica,

normalmente utilizada pela Teologia, pela sociológica,193

utilizada pela Ação

Católica a partir da experiência da Juventude Operária Católica – JOC, na

França194

. Isso faz da Teologia da Libertação um modo de fazer teologia, o qual

reflete sobre todos os tratados a partir da perspectiva do pobre e de sua libertação,

com um estatuto próprio. “Seu objeto formal é a perspectiva dos pobres”195

. A

mediação sócio-analítica ajuda a compreender cientificamente a realidade. Com o

auxílio das ciências sociais, se busca detectar as causas da situação em que se

encontra o pobre e entender esta realidade196

.

Uma das fontes da Teologia é a fé prática, compreendida como o

compromisso cristão em geral, que pode ser tanto a matéria prima, fonte, origem

ou princípio cognitivo da construção teológica. Assim, a prática se constitui num

princípio epistemológico do pensar teológico.

A prática é o que se teologiza. Não é, a rigor, o princípio da Teologia, que

é a Palavra da fé. A Palavra da fé determina a prática e a prática “sobredetermina”

a fé. Assim, a fé-palavra é o princípio formal ou determinante, a fé-experiência é o

princípio existencial e a fé-prática é o princípio interpelador e verificador. Deste

190

Cf. ANDRADE, P. F. C. “O significado permanente da Teologia da Libertação” in

BINGEMER, M. C. e ANDRADE, P. F. C. (orgs.). O mistério e a história. São Paulo: Loyola, p.

156-157. 191

Cf. Ibid., p. 158. 192

Cf. Ibid., p. 160. 193

Cf. Ibid., p. 137. 194

Cf. Item 1.3.3 deste trabalho 195

GONÇALVES, P. S. L. Liberationis Mysterium: o projeto sistemático da teologia da

libertação. Um estudo teológico na perspectiva da regula fidei. Roma: Editriche Pontifícia

Universitá Gregoriana, 1997, p. 32. 196

SEGUNDO GALILEA, Teologia da Libertação: ensaio de síntese, São Paulo: Paulinas. p. 19.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 53: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

76

modo, temos os três níveis epistemológicos da Teologia da Libertação: a fé-

palavra, a fé-experiência e a fé-prática197

.

A Teologia da Libertação nos propõe talvez não tanto novo tema para a reflexão quanto

novo modo de fazer teologia. A teologia como reflexão crítica da práxis histórica é assim

uma teologia libertadora da história da humanidade, portanto também da porção dela –

reunida em ecclesia – que confessa abertamente Cristo. Teologia que não se limita a pensar

o mundo, mas procura situar-se como um momento do processo através do qual o mundo é

transformado: abrindo-se – no protesto ante a dignidade humana pisoteada, na luta contra a

espoliação da imensa maioria dos seres humanos, no amor que liberta, na construção de

uma nova sociedade, justa e fraterna – ao dom do Reino de Deus198

.

Para Juan Luis Segundo, uma teologia libertadora não é uma teologia de

genitivos que se preocupa apenas com um aspecto da realidade, mas um esforço

reflexivo de fé no sentido de contribuir para uma crescente humanização. É uma

interpretação coerente e significativa da revelação porque faz avançar o círculo

hermenêutico na direção da “verdade mais plena”199

.

O conceito libertação surge unido ao conceito de desenvolvimento integral

proposto pelo papa Paulo VI na Populorum Progressio, assumido pela

Conferência de Medellín e confirmado pelo Papa Paulo VI na Evangelii Nuntiandi

como “o esforço e a luta por superar tudo aquilo que os condena (os povos) a

ficarem à margem da vida”200

.

Outro momento metodológico é constituído pela mediação hermenêutica,

que acontece a partir da mediação das Escrituras, da doutrina social da Igreja e de

toda a tradição teológica. Esta mediação é confrontada com a realidade

analisada201

a partir da categoria de Reino de Deus, enquanto elemento que

articula a história e a transcendência tendo como critério Jesus Cristo e sua missão

em meio aos pobres202

.

A raiz mais profunda da teologia da libertação está na fé objetiva que

articula dialeticamente revelação e realidade histórica dos pobres com primazia

determinante da fé e ótica do oprimido. Parte da análise da realidade usando

instrumentos sociais com a presença da fé positiva, escuta o clamor do oprimido

por justiça e libertação e responde articulando fé positiva e negatividade histórica,

197

Cf. BOFF, C. Teoria do Método Teológico. Petrópolis: Vozes, 3ª Ed. P. 157-159. 198

GUTIÉRREZ, G. O que é “Teologia da Libertação” in BOFF, C. op. cit., p. 195. 199

MURAD, A. ”A teologia visionária” in SOARES, A. M. L. (org.). Dialogando com Juan Luis

Segundo. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 81. 200

EN 31. 201

GONÇALVES, P. S. L. opus cit., p. 64. 202

Cf. Ibid., p. 65-66.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 54: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

77

como resposta adequada aos sinais dos tempos, articulando as dimensões

histórica, pessoal e escatológica203

.

A teologia da libertação apropria-se de teologias elaboradas no século XX

sob a perspectiva do pobre, principalmente as teologias da história de O.

Cullmann, J. Daniélou, M. D. Chenu, H. de Lubac e Y. W. Pannenberg, as

teologias da práxis de E. Schillebeeckx, J. Moltmann e J. B. Metz e a teologia

transcendental de K. Rahner204

.

A teologia da libertação não foi plenamente aceita por parte do Magistério.

Através da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, a Igreja se posicionou

diante da teologia da libertação em duas ocasiões nos anos 80: na primeira vez, de

uma maneira mais específica, através da Instrução sobre alguns aspectos da

„Teologia da libertação‟ (06/08/1984); na segunda vez, de uma forma mais

genérica, através da Instrução sobre a Liberdade cristã e Libertação

(09/04/1986).

Aos poucos, começou a ser organizada e executada por altas instâncias da

Igreja na América Latina uma campanha contra a Teologia da Libertação, com a

finalidade de levá-la ao descrédito a partir da afirmação de sua não legitimidade

por não ser de raiz européia205

.

De 02 a 06 de maio de 1975, aconteceu em Roma um “Coloquium” dirigido

pelos bispos Hengsbach e Lopes Trujillo, sobre a Teologia da Libertação, com o

objetivo de impedir a reinterpretação da fé num programa social e político206

. Tem

início uma campanha organizada contra a Teologia da Libertação, sendo um dos

seus maiores expoentes Dom Lopes Trujillo, que então ocupava o cargo de

secretário-geral do CELAM, responsável pela preparação da Conferência de

Puebla207

.

A Igreja no Brasil, conforme já vimos, desde o início da década de 1970,

concentrou seus esforços em quatro setores específicos: direitos humanos,

avaliação crítica do modelo econômico, agravamento do desafio agrário e

sobrevivência e respeito aos direitos da população indígena. Em 1972, foi criado o

203

Cf. Ibid., p. 32-43. 204

Cf. Ibid., p. 87-98. 205

Cf. BEOZZO, J. O. A Igreja do Brasil de João XXIII a João Paulo II de Medellín a Santo

Domingo, p.137. 206

Cf. Ibid., p. 138. 207

Cf. Ibid., p. 139.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 55: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

78

Conselho Indigenista Missionário – CIMI. Em 1973, a Igreja lançou uma

campanha de informação e esclarecimentos sobre a Pacem in Terris de João

XXIII e a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Neste mesmo ano, a

Assembléia Geral aprovou um projeto internacional com o objetivo de promover e

defender mais eficazmente os direitos humanos, sob a coordenação de Dom

Cândido Padin, no Brasil, e de Francisco Whitaker, na França. O projeto

estendeu-se até 1979, quando aconteceu o Encontro Internacional em João Pessoa.

O movimento chegou a contar com a participação de 1.500 membros de cerca de

90 países. A partir de 1975, a Comissão Brasileira de Justiça e Paz, ligada à

CNBB, desenvolveu um grande esforço para criar comissões análogas nas

dioceses. Em 1975, na Conferência Nacional sobre o desafio agrário brasileiro,

em Goiânia, foi criada a Comissão de Pastoral da Terra – CPT. O diálogo entre

Igreja e governo não eliminou as tensões que esses quatro setores criavam

continuamente, mas serviu para conte-los dentro de certos limites, porém o clímax

dessas tensões foi o “Pacote de Abril” de 1977 com o fechamento do Congresso

Nacional e mudanças constitucionais que acabaram por possibilitar a lei do

divórcio. A Assembléia Geral da CNBB, neste mesmo ano, aprovou por maioria

esmagadora (203 a 3) o documento Exigências cristãs de uma ordem política,

apontando o fracasso do regime militar em atender às exigências evangélicas de

uma ordem política digna desse nome. Em 1978, a Igreja do Brasil passa a se

dedicar à preparação e realização da Conferência de Puebla. A contribuição

brasileira revelou-se marcante em Puebla208

.

A rejeição à Teologia da Libertação foi se tornando muito forte e vai se

tornar mais visível na década de 1980, com apoio do papa João Paulo II que, em

10 de dezembro de 1980 dirige uma carta aos bispos do Brasil afirmando que a

Igreja perderia a sua identidade mais profunda se as questões sociais a distraíssem,

assim como as contingências políticas a dominassem, e ela perdesse a visão da sua

missão essencialmente religiosa de edificação do Reino que começa aqui. O papa

indicava, desde o início do seu pontificado, que via com apreensão a forte atuação

social da Igreja no Brasil. Mas mesmo assim, a década de 1980 conheceu uma

Igreja bastante vibrante, com um crescente abismo entre uma ala que incentivava

208

Cf. BARROS, R. C. “A CNBB e o Estado Brasileiro durante o interlúdio espartano” in INP

(org.) op. cit., p. 181-185.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 56: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

79

a participação a Igreja na construção de uma sociedade democrática e outra que

crescentemente se fechava nos assuntos internos, mas, a partir de meados dessa

década, a missão social vai diminuindo, principalmente por causa de algumas

medidas tomadas pela Santa Sé em relação à Igreja no Brasil, como a visita

apostólica aos seminários, ocasionando um mal-estar nas orientações da formação

presbiteral da arquidiocese de São Paulo e o fechamento do SERENE ITER, da

Arquidiocese de Recife. A isso, acrescenta-se a desqualificação dos teólogos mais

avançados, a nomeação de bispos de tendência conservadora e de confiança de

Roma, o reforço da Nunciatura Apostólica e ataques às CEBs e à Teologia da

Libertação. Todo esse clima faz com que a Igreja no Brasil busque uma nova

metodologia para a sua ação pastoral, mas continue sendo um referencial para os

pobres e para toda a luta pelos direitos humanos209

.

Em 1985, no 20o aniversário do Concílio Vaticano II, João Paulo II

convocou um sínodo extraordinário para fazer um balanço desses anos. Surgiram

duas interpretações diferentes: uma primeira, otimista, e uma segunda, pessimista.

A primeira vê os avanços do Concílio como o aprofundamento da vida

religiosa, renovação bíblica, litúrgica e catequética, desterramento dos sermões

tradicionais moralizantes e terrificantes, o surgimento e desenvolvimento das

CEBs, a defesa dos direitos humanos, da justiça, da paz e da liberdade, a opção

pelos pobres e a inculturação, e a co-responsabilidade na Igreja, com os leigos

assumindo com muito mais consciência o seu papel210

.

A segunda, fundamentada nas palavras do cardeal Ratzinger: “Os resultados

que se seguiram ao Concilio parecem cruelmente opostos às expectativas de

todos (...) esperavam uma nova unidade católica e em vez disso foi-se a um

dissenso que (...) pareceu passar da autocrítica à autodestruição”211

. Sob a

influência do cardeal, levantaram-se os pontos negativos que demonstram uma

Igreja em crise que só pode ser superada por um reforço do centralismo, pois

perdeu-se clareza e nitidez da “identidade católica”, e o pluralismo penetrou a

209

Cf. GODOY, M. J. opus cit., p. 393-394. 210

Cf. LIBANIO, J. B. Igreja contemporânea: Encontro com a modernidade. São Paulo: Loyola,

p. 153-155. 211

Ibid., p. 155.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 57: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

80

Igreja de modo que, ao lado do falar da hierarquia, existem muitos discursos

diferentes e críticos, rompendo a identidade eclesial única e comum212

.

O projeto proposto visa uma nova evangelização. Nova em seu ardor, em

seus métodos e em sua expressão. Pressupõe uma mensagem fundamental,

organiza forças para implementá-lo e resiste aos opositores. Na sua concretização

formula uma mensagem fortemente compacta e uniforme, semelhante ao projeto

tridentino. É um projeto ambicioso, pois a situação quantitativa atual do

cristianismo no mundo se constitui o desafio para que os cristãos assumam um

duplo movimento de revigoração da própria fé e de testemunho da mesma pelo

anúncio do evangelho, tendo como horizonte o jubileu do ano 2000213

.

Em seguida, foi elaborado um programa em três movimentos:

1. a busca de um ponto dogmático e central, em torno do qual tudo deve

girar, que se concretiza na elaboração e publicação do Catecismo da Igreja

Católica;

2. voltado para o interior da Igreja, busca organizar as estruturas, disciplina

e a vida interna da Igreja;

3. voltado para fora da Igreja, nas pegadas da Gaudium et Spes e em

continuidade com o ensinamento social do magistério, sobretudo pontifício, a

Igreja adota posição destemida e intransigente na defesa dos direitos humanos,

vinculados à pessoa de Cristo214

.

Um outro projeto de Igreja e de evangelização discorda dessa linha e

fundamenta-se em outras prioridades como uma Igreja rede de pequenas

comunidades, especialmente de CEBs com presença no mundo dos pobres. Este

projeto estabelece um diálogo aberto e respeitoso com o pluralismo cultural e

religioso de hoje, desenvolve uma teologia crítica em confronto com a

mentalidade moderna e com a práxis e favorece uma concepção participativa e

colegiada de poder na Igreja. Também luta por uma presença responsável e crítica

do laicato, incentiva a leitura da Escritura em pequenos grupos, prefere os meios

pobres para evangelizar, defende a presença mais decisiva da Igreja nos meios

populares em colaboração ecumênica e se abre ao diálogo inter-religioso. Por fim,

212

Cf. Ibid., p. 156-158. 213

Cf. Ibid., p. 159-160. 214

Cf. Ibid., p. 164-165.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 58: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

81

o projeto privilegia, principalmente na América Latina, os pobres como sujeitos e

destinatários da obra evangelizadora215

.

2.3.2.2.4. Os modelos da Igreja

Este assunto será abordado apenas em vista da compreensão da segunda fase

da Campanha da Fraternidade. Seu aprofundamento se dará no capítulo seguinte.

Em 1974, o teólogo americano Avery Dulles apresentou uma forma nova

para abordar a questão eclesiológica: os modelos216

, que não são simplesmente

aspectos ou dimensões, mas sim abordagens da Igreja para entender o seu caráter

enquanto mistério. Esta obra foi publicada no Brasil em 1978. Ele indica seis

modelos de Igreja: instituição, que tem como fundamento a visibilidade e a

organização da Igreja; comunhão mística, que considera a Igreja como o povo de

Deus ou o Corpo de Cristo; sacramento, que apresenta a Igreja como

manifestação visível de Cristo na comunidade humana; arauto, que se difere do

modelo sacramento por ter a Palavra como elemento principal e o Sacramento

como elemento secundário; e serva, que identifica a Igreja com o Servo sofredor,

o homem para os outros, o que deve fazer da Igreja uma comunidade para os

outros. A Igreja deve ser auxílio para as pessoas, onde quer que estejam. A

competência especial da Igreja é manter viva nas pessoas a esperança no Reino de

Deus e sua aspiração por ele, o que deve ser feito a partir da diaconia.

A partir desses modelos, o Pe. José Marins desenvolveu modelos próprios

para a América Latina, tendo como pano de fundo o seu trabalho com as

Comunidades Eclesiais de Base. Além dos modelos apresentados por Dulles, mas

acrescidos de algumas características próprias da realidade da América Latina, o

Pe. Marins apresenta um novo modelo: o que vê a Igreja como Libertadora217

,

sendo que neste modelo, a Igreja analisa a realidade para determinar o que deve

permanecer e o que deve ser mudado para realizar sua ação libertadora. Este

modelo une a fé ao compromisso político, valoriza a religiosidade popular, a

215

Cf. Ibid., p. 174-175. 216

DULLES, A. Models of the Church, Doubleday & Company, inc., Garden City, New York,

1974. 217

Cf. MARINS, J., TREVISAN, T. M. e CHANONA, C. Modelos de Igreja – comunidade

eclesial de base na América Latina. São Paulo: Paulinas, p. 48-103.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 59: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

82

Comunidade Eclesial de Base e a Teologia da Libertação e utiliza o método Ver-

Julgar-Agir.

A proposta dos modelos de Igreja enriqueceu a reflexão eclesiológica no

Brasil e contribuiu muito para a compreensão da ação pastoral. A Campanha da

Fraternidade também foi influenciada por esta discussão e oscila entre o modelo

institucional e o modelo serva até adotar o método Ver-Julgar-Agir e assumir o

modelo libertador, na edição de 1978.

2.3.2.2.5. Contribuições de Puebla

O Documento de Puebla também influenciou a Campanha da Fraternidade.

Inicialmente podemos analisar a sua influência no que diz respeito ao sofrimento

humano. O sofrimento pode ser causado pelas carências decorrentes da pobreza,

mas também pode encontrar os fundamentos da sua existência na falta da

concórdia e da alegria, como também na desagregação da família218

.

O homem latino-americano é acolhedor, pratica a caridade, caracteriza-se

pelo desprendimento, principalmente os pobres, e se compadece com o sofrimento

alheio219

. Assim também a Igreja que, na sua ação evangelizadora, tem como pano

de fundo as aspirações e os sofrimentos dos que vivem na América Latina220

a

exemplo de Cristo que quis participar das alegrias, dos trabalhos e sofrimentos da

condição humana221

. Ela é solidária com todos na busca da liberdade e da

fraternidade, que manifestam de forma mais plena o Reino de Deus222

.

É necessário que a América Latina transforme seus sofrimentos em

crescimento para uma sociedade verdadeiramente participativa e fraterna a partir

da educação de todos para construírem a história a partir da conversão pessoal que

leva à solidariedade com todos os sofredores223

, vivendo o que é mais

característico da mensagem cristã a respeito da dignidade humana, aceitando as

bem-aventuranças e praticando de modo realista o serviço aos outros224

,

218

Cf. DP 581. 219

Cf. DP 17. 220

Cf. DP 163. 221

Cf. DP 169. 222

Cf. DP 181. 223

Cf. DP 279. 224

Cf. DP 339.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 60: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

83

explicitando melhor o mistério da encarnação do Verbo225

. Neste sentido, tem

grande importância o papel das Igrejas particulares226

.

O sofrimento não pode ser superado através da violência, dos jogos do

poder ou dos sistemas políticos, mas mediante a verdade sobre o homem que

contribui para a construção de uma nova civilização, justa, fraterna e aberta ao

transcendente227

. Para que isso aconteça, é necessário criar no homem da América

Latina uma sã consciência social, um sentido evangélico crítico face à realidade,

um espírito comunitário e um compromisso social228

que mostre, a partir da opção

preferencial pelos pobres, o Cristo que revela a dignidade humana, é parceiro nos

esforços de libertação das carências e leva todas as pessoas à comunhão com o Pai

e com os irmãos através da vivência da pobreza evangélica229

.

O sofrimento e a miséria não se constituem numa etapa casual, mas na

verdade são produtos de determinadas situações e estruturas econômicas, sociais e

políticas, entre outras, que revelam a existência da injustiça social e exigem

mudanças que já estão acontecendo, embora lentamente230

. Este fato torna-se

terreno fértil para a difusão das ideologias marxistas que sacrifica valores cristãos,

cai em irrealismos utópicos e incrementam a violência231

. A injustiça social

também gera reflexos na vida de família causando a sua desagregação232

.

A Igreja responde a esta situação através da publicação de numerosos

documentos sobre a justiça social, criando organismos de denúncia contra a

violação e pela defesa dos direitos humanos e encorajando a opção pelos pobres e

marginalizados. Também denuncia o capitalismo liberal marcado pelo pecado233

,

que está a serviço da sociedade de consumo que defende uma visão individualista

da pessoa, reduzindo sua dignidade à eficácia econômica, sem considerar as

exigências da justiça social234

. Faz parte da missão da Igreja resgatar os direitos

sociais: educação, moradia, trabalho, saúde, lazer, justiça social, etc.235

.

225

Cf. DP 454. 226

Cf. DP 741. 227

CF DP 551. 228

Cf. DP 1308. 229

Cf. DP 1153. 230

Cf. DP 30. 231

Cf. DP 48. 232

Cf. DP 572. 233

Cf. DP 92. 234

Cf. DP 312. 235

Cf. DP 1272.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 61: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

84

O materialismo individualista, presente na nossa sociedade, atenta contra a

comunhão e a participação, impedindo a solidariedade236

e a crise de valores

morais também contribui para que isso aconteça, enfraquecendo a comunhão com

Deus e a fraternidade237

. A comunhão com Deus nos possibilita fazer a

experiência da solidariedade divina para conosco e nos torna capazes de vivificar

pelo amor nossa atividade transformando, assim, nosso trabalho e nossa história,

fazendo de nós protagonistas com Deus na construção da convivência e das

dinâmicas humanas que refletem o amor de Deus238

. Em face da situação de

pecado, surge por parte da Igreja o dever de denúncia, que deve ser objetiva,

denodada e evangélica; que não intenta condenar, mas sim salvar o culpado e a

vítima239

.

O compromisso com os pobres e oprimidos e o surgimento das

Comunidades Eclesiais de Base ajudaram a Igreja a descobrir o potencial

evangelizador dos pobres porque muitos deles realizam em sua vida os valores

evangélicos de solidariedade, serviço, simplicidade e disponibilidade para acolher

o dom de Deus240

.

A Igreja deve progredir na realização de sinais que dêem testemunho de sua

vitalidade interior241

. A comunidade eclesial deve ser um modelo de convivência

marcado pela liberdade e a solidariedade, abrindo caminho para um tipo mais

humano de sociedade que manifeste sua radical comunhão com Deus em Jesus

Cristo242

e, assim, possa educar as pessoas segundo a práxis de Jesus243

para

fundamentar a sua cultura, impregnada pela fé, mas sem uma catequese

conveniente244

. Essa convivência exige reformulações e reacentuações para

responder às exigências de uma civilização urbano-industrial através de um

crescimento da fé que desenvolva uma personalização crescente, uma

solidariedade libertadora, alimente uma espiritualidade capaz de assegurar a

236

Cf. DP 55. 237

Cf. DP 69. 238

Cf. DP 213. 239

Cf. DP 1269. 240

Cf. DP 1147. 241

Cf. DP 976. 242

Cf. DP 273. 243

Cf. DP 279. 244

Cf. DP 413.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 62: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

85

dimensão contemplativa, plasmando formas culturais que resgatem a nossa

sociedade do tédio opressor e do economicismo frio e asfixiante245

.

A comunidade eclesial de base procura viver este modelo de convivência

enquanto integra todos os que dela participam numa íntima relação interpessoal de

fé. É comunidade de fé, esperança e caridade que realiza a Palavra de Deus na

vida através da solidariedade fundamentada no mandamento do amor246

que traz

comunhão, participação, solidariedade, domínio de si mesmo, alegria, esperança,

justiça realizada na paz, castidade e entrega desinteressada de si mesmo vivendo a

santidade247

.

Os leigos devem encontrar os critérios adequados para a sua atuação na

doutrina social da Igreja para que possam encontrar opções cada vez mais

conformes ao bem comum e às necessidades dos mais fracos248

e que respondam a

um grande anseio de justiça e um sincero sentimento de solidariedade, num

ambiente social caracterizado pelo avanço do secularismo e pelos demais

fenômenos próprios duma sociedade em transformação249

.

Esta visão histórica e eclesiológica possibilita a compreensão das

Campanhas da Fraternidade que aconteceram na segunda fase da sua realização, a

partir de 1973. No próximo item serão apresentadas as Campanhas entre 1973 e

1978 com o objetivo de explicitar a construção da sua metodologia e da sua

estrutura, que ainda estão vigorando.

2.3.2.3. A segunda fase da Campanha da Fraternidade e a construção da sua estrutura

No período compreendido entre 1973 e 1984, a Campanha da Fraternidade

assume as decisões das Conferências Episcopais de Medellín e Puebla, voltando-

se para a realidade social do povo, a denúncia do pecado social e a promoção da

justiça. Neste mesmo período, a Campanha se organiza, adotando o método Ver-

Julgar-Agir e o Texto-base. O método Ver-Julgar-Agir somente não foi utilizado

245

Cf. DP 466. f. 246

Cf., DP 641 247

Cf. DP 960 248

Cf. DP 525. 249

Cf. DP 622.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 63: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

86

nas Campanhas de 2000 e 2005, que não foram organizadas pela CNBB, mas pelo

CONIC, por serem ecumênicas.

O objetivo deste capítulo não é fazer uma abordagem histórica de todas as

Campanhas da Fraternidade, mas mostrar como se deu a construção da sua

estrutura e da sua metodologia. Por isso, serão abordadas apenas as Campanhas da

Fraternidade do período que se inicia em 1973 e vai até 1978, pois é neste período

que a Campanha assume a sua configuração definitiva.

2.3.2.3.1. A Campanha da Fraternidade de 1973

Esta Campanha teve como tema: “Fraternidade e libertação”, e como lema:

“O egoísmo escraviza, o amor liberta”.

O objetivo geral da Campanha de 1973 foi: “ser um movimento de

evangelização extraordinária e maciça, um privilegiado momento de unidade

pastoral em todos os recantos do País”250

.

Como podemos perceber, o tema e o lema expressam os termos utilizados

em Medellín e a necessidade da descoberta do outro, mas o objetivo geral

continuou voltado para uma visão institucional de Igreja, preocupada com a sua

ação e deixando de lado a necessidade da transformação da realidade. O modelo

libertação e o modelo de Igreja serva podem ser percebidos no tema e no lema,

mas no desenvolvimento da campanha, não.

2.3.2.3.2. A Campanha da Fraternidade de 1974

Esta Campanha voltou-se novamente para a realidade do próximo, tendo

como tema: “Reconstruir a Vida”, e como lema: “Onde está teu irmão?”

O objetivo Geral da Campanha de 1974 dizia: “A vida é o dom que mais

fortemente ambicionamos e mais desesperadamente defendemos, a partir do

próprio instinto de sobrevivência. A vida é o dom que mais devemos respeitar e

promover em nossos irmãos. Toma-se aqui a vida nos mais diversos níveis e

circunstâncias: a vida da graça, a vida moral, a vida da honra, a vida do

nascituro, a vida do enfermo e do velho, a vida do pobre e do faminto, a vida

250

CNBB. Power Point comemorativo dos 40 anos da Campanha da Fraternidade.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 64: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

87

vítima de violência e injustiças... É este o dom que devemos construir, e em

muitos casos, reconstruir como modernos samaritanos”251

.

Como podemos ver, o objetivo geral ainda não é expresso de uma forma

técnica, iniciando com um verbo no infinitivo e expressando a finalidade e a

metodologia, mas expressa idéias e conceitos. No caso da Campanha de 1974,

tanto o tema como o lema remetem para a realidade do outro, mas agora são

enfatizados os elementos marcantes dessa realidade e um caminho de superação

através de um modelo de Igreja serva, expressa na expressão “modernos

samaritanos”. Assim, podemos perceber que o Concílio Vaticano II começa a

influenciar a Campanha da Fraternidade não mais como uma necessidade

institucional, mas a partir de um modelo de Igreja que passa a ser colocado em

prática.

2.3.2.3.3. A Campanha da Fraternidade de 1975

Esta Campanha teve como tema: “Fraternidade é repartir”, e como lema:

“Repartir o pão”.

O objetivo desta Campanha dizia: “A fraternidade entre os brasileiros,

desde os que convivem na mesma comunidade local, até os distantes, dos quais

conhecemos só as carências. Esta fraternidade deriva do amor a Deus, Pai

comum, e do exemplo heróico de Cristo, morto por todos. Trata-se de uma

fraternidade afetiva e efetiva, que terá inúmeras formas de expressão, mas que

deverá levar a atitudes concretas e sinceras. Fraternidade é repartir”252

.

Como podemos perceber, aparece a palavra comunidade e a fraternidade,

afetiva e efetiva, deve expressar-se em atitudes que superem as carências. Assim,

vemos o modelo de Igreja serva continua presente, mas o modelo de Igreja

comunidade começa a ser levado em consideração pela Campanha da

Fraternidade, preparando caminho para a Campanha de 1976.

251

Ibid. 252

Ibid.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 65: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

88

2.3.2.3.4. A Campanha da Fraternidade de 1976

Esta Campanha teve como tema: “Fraternidade e comunidade”, e como

lema: “Caminhar juntos”.

O objetivo geral foi: “Insistir na idéia de comunidade, dizendo sempre de

novo e de muitas maneiras que só seremos irmãos, se nos convertermos em

comunidades vivas... O ser humano precisa da comunidade, tende para a

comunidade, personaliza-se na comunidade... Queremos rever as diversas

comunidades, que devemos formar e integrar: a Família, a Escola, a Comunidade

Civil e Política, a Empresa, a Paróquia, a Comunidade Eclesial de Base...”253

.

Agora temos uma eclesiologia bem clara, presente no tema, no lema e no

objetivo: o modelo de Igreja de comunhão. Esta foi a primeira campanha que

conseguiu agir além das fronteiras da Igreja, tendo grande repercussão, sendo que

foram compostas músicas populares sobre ela. As músicas de ofertório (Sabes,

Senhor) e comunhão (É bom estarmos juntos) são cantadas com entusiasmo até os

nossos dias.

2.3.2.3.5. A Campanha da Fraternidade de 1977

Esta Campanha teve como tema: “Fraternidade na Família”, e como lema:

“Comece em sua casa”.

O objetivo geral da Campanha de 1977 foi: “Os órgãos competentes da

CNBB escolheram como tema da próxima CF o seguinte: „Fraternidade e

Família‟. Isto quer dizer que a próxima Campanha procurará, por todos os

meios, promover os valores da família e curar suas feridas. De maneira especial,

será posta em relevo a influência que tem a Família sobre a verdadeira

fraternidade entre os homens”254

. Transcrevo o texto para mostrar as dificuldades

presentes na sua redação.

O tema desta Campanha foi escolhido por causa da discussão da Lei do

Divórcio e sua conseqüente aprovação. Com isso, vemos o retorno do modelo de

Igreja institucional, voltada para as suas questões. O curioso é que a preocupação

253

Ibid. 254

CNBB. Manual da Campanha da Fraternidade de 1977. São Paulo: Escolas Profissionais

Salesianas, p. 4.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 66: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

89

maior era a não aprovação da Lei e não a formação da consciência dos fiéis em

relação aos valores da família. A necessidade da força da Lei está mais para a

realidade do Antigo Testamento do que para a da Igreja. O mesmo aconteceu com

a Campanha da Fraternidade de 2008.

2.3.2.3.6. A Campanha da Fraternidade de 1978

Esta Campanha inaugurou a era do Texto-base e o método Ver-Julgar-Agir.

Teve como tema: “Fraternidade no mundo do trabalho”, e como lema: “Trabalho e

justiça para todos”.

O lema desta Campanha da fraternidade deverá provocar muitos e salutares

gestos concretos. Será a coleta financeira inteligentemente preparada e realizada,

será uma nova e permanente atitude de justiça com os outros, será uma corajosa

contribuição para a promoção do trabalhador; será um esforço para reanimar a

Pastoral do mundo do Trabalho; enfim será aquilo que as condições concretas

sugerirem ou exigirem de cada um.

Novamente a Igreja volta-se para a realidade do mundo, como Igreja serva,

buscando a promoção do trabalhador.

A partir dessa Campanha, a CNBB passa a contar com a participação de

peritos e agentes de pastoral num seminário que segue o método Ver-Julgar-Agir

para elaborar o Texto-base da Campanha da Fraternidade, que passa a ser o

instrumento para a elaboração de todos os subsídios da Campanha.

2.3.3. O método Ver-Julgar-Agir

Em 1924, León Joseph Cardijn, sacerdote belga conhecido como “apóstolo

dos jovens”, funda a JOC, com o propósito de cristianizar a classe operária,

contribuindo para que o Papa Pio XI, em 1938, oficializasse a Ação Católica255

. A

preocupação pelo laicato em si foi crescendo em todos os setores do apostolado

255

“A Ação Católica – Associação de leigos que têm seu ponto de agregação e referência na

paróquia – funde suas raízes em 1867, na Sociedade da Juventude Católica Italiana, aprovada no

ano seguinte por Pio IX. Foi estabelecida com o nome e a configuração atual pelo Papa Pio XI

(1922-1939)”. Disponível em < HTTP://www.zenit.org/article-18323?|=portuguese >. Acesso em:

14 jun. 2009.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 67: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

90

leigo. Tratava-se de implantar de novo a Igreja nas zonas urbanas, industriais,

trabalhadoras, turísticas, etc.

Uma nova ajuda surgiu da sociologia religiosa através da análise da situação

global:

- Godin, H. Daniel Y. La France, pays de mission? Paris: 1943. Sobre a

Igreja no mundo operário.

- Boulard, F. Problèmes Missionnaires de la France rurale. Pesquisa de

sociologia religiosa no ambiente rural.

- Michonneau, G. Paroisse, communauté missionnaire. Conclusion de cinq

ans d‟experience au milieu populaire. (1945) Anotações de Michonneau sobre a

vida cristã na paróquia urbana.

Em 1931 G. Le Bras publica um manifesto com o qual ele abre novas

perspectivas para explicar a ação da Igreja nas diversas regiões da França256

. De

1931 a 1940 Le Bras esteve sozinho; porém, mais tarde, com o contato com a

Mission de France, fundada em 1941, a experiência dos padres operários, nascida

no calor da segunda guerra; a renovação da missão paroquial dos anos 1943-1945

e o auge da Ação Católica, foi despertando um intenso movimento de renovação

pastoral total.

Boulard apresenta três etapas no seu estudo:

1. ruptura entre a vida e a religião;

2. ação conjunta do sacerdote e do leigo;

3. dimensão episcopal da pastoral, isto é, o deferimento de toda a ação

pastoral em relação ao bispo e à diocese.

A ação católica desenvolveu o método Ver-Julgar-Agir, uma maneira nova

de se considerar e experimentar a ação de Deus na história. Inicialmente, é

necessário ver a realidade do povo e os seus problemas. Em seguida, a partir de

textos bíblicos, realiza-se o julgar dessa situação, de modo que Deus se comunica

a partir dos fatos iluminados pela Sagrada Escritura. Esta comunicação pelos fatos

faz com que as pessoas possam agir de maneira nova. Como vimos no capítulo

anterior, a Ação Católica teve um papel fundamental na criação da CNBB.

256

Cf. LE BRAS, G. “Pour um examen detaillé et pour une explication historique de l‟etat du

catholicisme das les diverses régions de la France”: RevHustEg1Fr 17, 1931.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 68: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

91

Com a crise da Ação Católica Especializada, o método Ver-Julgar-Agir foi

deixado de lado e os trabalhos pastorais foram desenvolvidos principalmente a

partir do método dedutivo, mas a partir da Teologia da Libertação e a realidade

sócio-econômica passando a ser considerada o ponto de partida da ação pastoral, o

método Ver-Julgar-Agir voltou a ter a sua importância e tornou-se a base do

trabalho pastoral na América Latina. No Brasil, as Diretrizes Gerais da Ação

Pastoral e, a partir do Projeto Nova Evangelização, as Diretrizes Gerais da Ação

Evangelizadora contemplam esse método. Também não podemos ignorar o fato de

que as Conferências do CELAM realizadas em Puebla e Aparecida utilizaram este

método.

A Campanha da Fraternidade passou a utilizar o método Ver-Julgar-Agir a

partir da edição de 1978, quando surgiu o Texto-base. O trabalho de elaboração,

realização e avaliação de uma Campanha da Fraternidade tem a duração de dois

anos, envolvendo toda a estrutura da CNBB, assim como grupos de especialistas e

agentes de pastoral que são convidados a colaborar na sua construção.

Este trabalho de elaboração, realização e avaliação da Campanha da

Fraternidade é muito complexo. Por isso, é necessário que sejam apresentados em

detalhes todos os seus elementos, desde o processo de escolha do tema da

Campanha até a sua avaliação. Esta apresentação será feita a seguir.

2.4. A construção da Campanha da Fraternidade

Por fim, é necessária uma exposição sobre o processo segundo o qual a

Campanha da Fraternidade acontece, ou seja, os diferentes caminhos de escolha

do tema e do lema da Campanha, o processo de elaboração do Texto-base e dos

demais subsídios, a escolha das músicas e do cartaz, o treinamento das equipes de

trabalho nos Regionais, nas dioceses e nas paróquias, a realização da Campanha

em si, durante o tempo da quaresma, a coleta da Campanha e, por fim, o processo

de avaliação da Campanha.

O tempo entre a escolha do tema de uma Campanha da Fraternidade e a

Quarta feira de cinzas que marca o seu início geralmente é em torno de vinte

meses. Sua realização é relativamente rápida, limitando-se ao tempo

compreendido entre a Quarta feira de cinzas e o domingo de Ramos. O processo

de avaliação da Campanha tem início duas semanas após a páscoa e se estende até

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 69: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

92

o mês de junho, quando acontece a avaliação nacional e encerram-se os trabalhos

referentes a essa Campanha e tem início o trabalho de outra Campanha, que irá

acontecer na quaresma, dois anos depois. Assim, a Secretaria Executiva da

Campanha da Fraternidade está sempre trabalhando duas Campanhas ao mesmo

tempo.

2.4.1. Os diferentes processos de escolha do tema e do lema de cada Campanha

A Campanha da Fraternidade é uma ação global do Secretariado Nacional.

Como o Conselho Episcopal de Pastoral – CONSEP é responsável pela promoção,

execução e coordenação da Pastoral Orgânica em âmbito nacional257

, é ele quem

define o tema e o lema de cada Campanha da Fraternidade. A escolha do tema de

uma Campanha da Fraternidade segue basicamente dois processos. O primeiro é

participativo e o segundo é definido pela Presidência da CNBB e pelo CONSEP.

No processo participativo, as Paróquias propõem temas no seu relatório de

avaliação como, por exemplo, no Questionário de Avaliação da Campanha da

Fraternidade de 2008258

, que é enviado para a Diocese por ocasião da avaliação

diocesana da Campanha. Ao preencher o Questionário de Avaliação para a

Diocese, são reunidas as sugestões enviadas pelas paróquias acrescidas de outras,

que são enviadas para o Regional. O Regional coleta as sugestões das Dioceses e

as propõe na reunião nacional de avaliação da Campanha da Fraternidade, que

acontece na reunião do CONSEP do mês de junho. A este processo somam-se o

grande número de abaixo-assinados das mais diferentes origens com propostas de

temas para a Campanha que irá acontecer dois anos depois. É de praxe que o tema

com maior representatividade seja o escolhido pelo CONSEP.

Em outros casos, o tema é escolhido pelo próprio CONSEP ou pela

presidência da CNBB como, por exemplo, a Campanha de 2002: “Fraternidade e

povos indígenas”. Nesses casos, a CNBB apresenta argumentos que motivaram tal

decisão. Na Campanha da Fraternidade de 2002, o que motivou a CNBB a

escolher o tema foram os acontecimentos em Porto Seguro e Coroa Vermelha por

257

Cf. CNBB. Estatuto Canônico da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. São Paulo:

Paulinas, art. 224. 258

Cf. CNBB. Texto-base da Campanha da Fraternidade de 2008, p. 150.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 70: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

93

ocasião da celebração dos 500 anos do descobrimento do Brasil. Os povos

indígenas realizaram uma grande marcha nacional e promoveram, em Coroa

Vermelha – BA, uma Assembléia Nacional, que foi engrossada com a

participação de diversas entidades representativas das populações excluídas do

país. Diversos organismos da sociedade organizada também estiveram presentes.

A Igreja fez-se presente através do CIMI, com o seu então presidente, Dom

Franco Masserdotti, bispo de Balsas, no interior do Maranhão. Terminada a

Assembléia, os indígenas resolveram fazer uma caminhada pacífica de Coroa

Vermelha até Porto Seguro, mas foram violentamente reprimidos pela Polícia

Militar e pelas Forças Armadas. Cenas da repressão foram divulgadas no mundo

todo, sendo que ficou famosa a cena em que o cacique pataxó Matalauê ajoelha-se

diante da tropa repressiva. Por ocasião da celebração eucarística presidida pelo

Legado Pontifício, Cardeal Ângelo Sodano, em Porto Seguro, que marcava os 500

anos da primeira missa no Brasil, os indígenas, liderados por Matalauê, entraram

na celebração e pediram a palavra, que foi concedida pelo presidente da CNBB,

Dom Jayme Chemello. Após o pronunciamento de Matalauê, denunciando os 500

anos de massacre dos povos indígenas e, em muitos casos, a cumplicidade da

Igreja do Padroado no Antigo Sistema Colonial, Dom Jayme Chemello pediu

perdão aos índios em nome da Igreja do Brasil e prometeu atos de reparação, que

se concretizaram no Projeto Missionário da Coroa Vermelha, mantido pela

CNBB, no Projeto Amazônia e na Campanha da Fraternidade de 2002:

“Fraternidade e povos indígenas”.

2.4.2. A construção do Texto-base e a elaboração dos subsídios

Após a escolha do tema e do lema da Campanha da Fraternidade, acontece

na primeira semana de setembro, na sede da CNBB em Brasília, um seminário,

dirigido pelo Secretário Executivo da Campanha da Fraternidade, do qual

participam o Secretário-Geral da CNBB, especialistas no tema, assessores da

CNBB e agentes das pastorais mais ligadas ao tema da Campanha. Este seminário

tem a duração de dois dias e o seu objetivo é propor os objetivos da Campanha e a

estrutura do Texto-base.

Utilizando o método Ver-Julgar-Agir, o seminário, na primeira manhã, faz

um levantamento de todos os assuntos que devem ser tratados no Ver e organiza a

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 71: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

94

sua estrutura. Na parte da tarde, o mesmo é feito em relação ao Julgar. Na manhã

do segundo dia, é realizado um diálogo entre o Ver e o Julgar para estabelecer um

diagnóstico pastoral, a partir do qual é definido o objetivo geral da Campanha e o

seu desdobramento em objetivos específicos. Na parte da tarde, a partir dos

objetivos específicos, o grupo reflete sobre o Agir, apresentando e

esquematizando propostas.

Esta estrutura inicial é apresentada e discutida na reunião do CONSEP do

final de setembro, sendo analisada, criticada e, algumas vezes, sofrendo

modificações. Em seguida, acontece o mesmo processo na reunião do Conselho

Permanente da CNBB, que se realiza no mês de outubro.

Com a aprovação da estrutura do Texto-base, o Secretário Executivo da

Campanha da Fraternidade elabora a sua primeira versão, que é enviada para a

Presidência da CNBB, membros do CONSEP e assessores, que com as pastorais e

agentes por eles escolhidos, fazem a crítica ao texto e apresentam emendas ao

mesmo. O resultado deste trabalho é a redação de uma nova versão, que passará

pelo mesmo processo, até a quinta versão, que é apresentada na reunião do

CONSEP de junho do ano seguinte, para aprovação. Esta reunião define a sexta

versão, que passa pela correção técnica, pela correção da Comissão Episcopal de

Doutrina e pela correção editorial, sendo que a oitava versão é a publicada. O

esquema é apresentado ao episcopado brasileiro durante a Assembléia Geral

Ordinária, que acontece sempre após a festa da Páscoa.

A partir das versões iniciais, as assessorias da CNBB elaboram os demais

subsídios e lançam os concursos nacionais de cartazes e música. Todos os

subsídios são aprovados na reunião do CONSEP do mês de junho e passam pelas

correções da Comissão Episcopal de Doutrina e editorial, sendo que todos os

subsídios são publicados no mês de agosto. Alguns Regionais da CNBB e

algumas dioceses têm o costume de publicar subsídios próprios, a partir da

publicação do Texto-base.

2.4.3. A preparação da Campanha nos Regionais e Dioceses

Após a publicação do Texto-base e dos subsídios, a Secretaria Executiva da

Campanha da Fraternidade elabora os materiais didáticos e a metodologia a ser

utilizada na formação das Equipes Permanentes de Campanhas dos Regionais e

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 72: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

95

das Dioceses. A partir daí, seguindo uma agenda previamente estabelecida que

tem seu início na segunda semana de setembro e termina no último domingo antes

do carnaval, acontecem os encontros de capacitação de acordo com a realidade

dos Regionais, seguindo o método Ver-Julgar-Agir. A partir desses encontros, as

dioceses fazem o trabalho de planejamento da Campanha, que envolve a

capacitação dos multiplicadores, a realização de atividades comuns, a distribuição

dos subsídios e a veiculação da Campanha nos meios de comunicação social.

Os materiais didáticos elaborados pela CNBB são disponibilizados no site e

utilizados para a capacitação dos multiplicadores da Campanha nas Dioceses e

Paróquias e enriquecidos com publicações diversas e dois DVDs, elaborados pela

editora Mundo Jovem e pela Verbo Filmes, que também elabora os spots

publicitários da Campanha para rádio e televisão.

2.4.4. A realização da Campanha

A Campanha da Fraternidade tem o seu início na Quarta feira de cinzas e o

seu término oficial acontece no domingo de ramos, com a Coleta da Fraternidade.

Durante esse tempo, acontecem celebrações litúrgicas e paralitúrgicas,

manifestações públicas, atos políticos e programas nos meios de comunicação

social. São envolvidas as paróquias, as escolas, os meios de comunicação social,

são realizadas parcerias as mais diversas.

As políticas públicas também são privilegiadas e muitas iniciativas são

assumidas nessa área, desde a organização da sociedade em torno da proposta da

Campanha até a criação de organismos políticos ou propostas de Projetos de Lei.

Também é preparada e motivada a Coleta da Solidariedade através da prestação

de contas da coleta anterior, feira pela Caritas Brasileira, e distribuição de

materiais para a coleta, assim como a veiculação dos seus objetivos, de acordo

com o tema da Campanha da Fraternidade.

2.4.5. A avaliação da Campanha

A avaliação da Campanha da Fraternidade acontece, num primeiro

momento, nas paróquias, depois nas dioceses e, em seguida, nos Regionais,

seguindo um calendário pré-estabelecido. O instrumento de avaliação fazia parte

do Texto-base, mas a partir de 2008, passou a ser disponibilizado no site na

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 73: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

96

CNBB e deve ser preenchido por todas as dioceses do Brasil. O instrumento de

avaliação, a partir da Campanha da Fraternidade de 2009, passou a ser elaborado

por uma equipe independente, formada por profissionais da Universidade Católica

de Brasília.

Após o preenchimento do site por parte das dioceses, o resultado dos

trabalhos é distribuído para os Regionais e analisado pela equipe de profissionais

da Universidade de Brasília, que apresenta os dados acompanhados de suas

análises e de propostas para a realização das próximas Campanhas na reunião

nacional de avaliação da Campanha da Fraternidade, que acontece no CONSEP

do mês de julho, encerrando um trabalho de dois anos. Este material é

disponibilizado no site da CNBB e publicado no Comunicado Mensal do mês de

junho.

2.5. Análise conclusiva

Esta visão histórica da Campanha da Fraternidade no seu início nos traz

alguns elementos que exigem uma reflexão.

O surgimento da CNBB está diretamente ligado à organização nacional da

Ação Católica. A experiência do Secretariado Nacional da Ação Católica no Rio

de Janeiro vai levar Pe. Helder Câmara a descobrir a importância do aspecto

organizacional para a Igreja. Esta descoberta vai ser seguida de um empenho

muito grande por parte dele, que resultou no surgimento da CNBB, em 1952. Mas

a organização da CNBB está muito mais voltada para a Igreja enquanto

Instituição, de modo que, se por um lado, a Ação Católica contribuiu para a

organização da CNBB, a CNBB não contribuiu para o crescimento da Ação

Católica, ao contrário, os interesses institucionais da CNBB, principalmente no

relacionamento com o governo federal no início do regime de exceção resultou no

fim da Ação Católica. A organização da Igreja encontra o seu fundamento teórico-

teológico em um modelo de Igreja, e o que percebemos é que a eclesiologia da

Ação Católica, que contribuiu para o surgimento da CNBB, é diferente da

eclesiologia da CNBB, que resultou na extinção da Ação Católica.

Outra questão que devemos analisar é a dos fatos históricos que

contribuíram para que a Campanha da Fraternidade viesse a existir e as reações da

Igreja a esses fatos. Como vimos, a presença norte americana em Natal não trouxe

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 74: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

97

nenhum tipo de benefício para a cidade. Ao contrário, esta presença trouxe

problemas que geraram um processo rumo ao caos social e que exigiram atuações

corajosas por parte da Igreja. Essas atuações caminharam na direção da criação da

Campanha da Fraternidade na Arquidiocese de Natal. Neste ponto dois elementos

chamam a atenção, como vemos a seguir.

O primeiro é a atuação do Padre Nivaldo Monte e do Padre Eugênio de

Araújo Sales que mais tarde realiza a primeira Campanha da Fraternidade como

administrador da Arquidiocese e a sua relação com Nísia Floresta. Esses dois

presbíteros iniciam o trabalho e logo percebem a necessidade de criar uma

iniciativa organizada para enfrentar os graves problemas que vão surgindo e se

avolumando, e procuram em experiências realizadas em outros países as bases

para esta organização. A partir da experiência das coletas dos Estados Unidos da

América e da Alemanha, organizam e realizam a primeira campanha com sucesso,

de modo que ela cresce e adquire as proporções que vemos hoje. Em Nísia

Floresta, a experiência de inserção das Irmãs Missionárias de Jesus Crucificado e

a realização da Marcha da Solidariedade foi algo diferente. Não buscam fora da

realidade local modelos de atuação, mas criam este modelo a partir do

relacionamento com a própria comunidade, que é envolvida no processo de

criação, planejamento e realização da atividade. O fundamento eclesiológico

também aparece aqui como elemento de base teórico-teológica das diferentes

atuações. A Campanha da Fraternidade é uma atividade reflexo de modelos

consagrados de primeiro mundo que vão acontecer a partir da Instituição. Já a

Marcha da Solidariedade aparece como atividade original decorrente da

experiência de Igreja Comunhão.

O segundo diz respeito à própria atuação da Igreja em Natal. Se por um lado

podemos afirmar que é uma atuação que tem como ponto de partida a realidade

com os seus problemas concretos, por outro também devemos afirmar que a

realização da Campanha da Fraternidade é muito mais um efeito de uma situação

do que o protagonismo. Existe resposta, mas não existe projeto, não há proposta

de algo novo a partir da realização da Campanha. Com isso, percebemos que a

Campanha da Fraternidade procura dar respostas aos efeitos dos problemas

sociais, mas não aos problemas sociais em si. A isso se soma o fato de que o

próprio Dom Eugênio realizava, como vimos, o trabalho radiofônico de

alfabetização dos adultos, com grande sucesso, trabalhando a partir de um fato

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 75: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

98

concreto, o analfabetismo em si, mas também como resposta a uma situação, sem

proposta de algo novo.

Assim, aparece um elemento comum: a atuação da Igreja é muito mais um

efeito que tem como causa uma situação do que causa de algo novo, já que não

transforma a realidade, mas é transformada por ela. Responde às exigências do

seu tempo, mas não constrói algo novo, corrige efeitos, mas não supera causas. É

muito mais uma atuação que mantém a ordem social instituída do que uma

atuação profética e transformadora, uma atuação que, de modo diferente, é reflexo

do passado e não criação do novo. Também é importante ver que ambos os

trabalhos, embora sob a responsabilidade da mesma pessoa, não se integram.

Numa visão cartesiana de idéias claras e distintas, temos atuações claras e

distintas. Nesta questão, a experiência de Nísia Floresta também responde ao

problema da fome, mas também não vai além, não discute as causas e não procura

superação, mas apenas respostas concretas para o problema tal qual se apresenta.

É claro que estamos no início de um momento novo na caminhada da Igreja e que

as idéias ainda vão ter que percorrer um longo processo de amadurecimento.

Com a realização do Concílio Ecumênico Vaticano II, a Campanha da

Fraternidade, que já vinha ganhando espaço e conquistando resultados, passa a ser

nacional, o que atesta a sua necessidade e a sua legitimidade, mas novos

elementos surgem para a nossa reflexão. No seu primeiro momento, a Campanha

da Fraternidade tem como tema a renovação da Igreja, à luz do Concílio, o que

revela muito mais uma preocupação institucional do que com os problemas

sociais. Assim, a Campanha da Fraternidade prega uma eclesiologia de comunhão,

à luz da Lumen Gentium, mas a partir de uma visão de Igreja instituição, que não

deve ser criticada, mas sim contar com a adesão dos seus membros em suas ações,

de modo que a realização da Campanha da Fraternidade favorece muito mais a

instituição do que os pobres e necessitados. Basta lembrar que a finalidade da

coleta é o custeio das ações evangelizadora da Igreja, de modo que esses recursos

também são destinados à manutenção das estruturas da CNBB259

e superação dos

259

Cf. CNBB. Folhas Volantes CF 1966, p. 8, 11; CNBB. Folhas Volantes CF 1967,p. 9: CNBB.

Documento base CF 1968 p. 50.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 76: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

99

seus apertos financeiros260

, muitas vezes com discursos mais voltados para a

teologia da retribuição, do tipo:

É nesta ocasião que podemos dar o testemunho de nosso sentido católico, incentivando o

espírito comunitário dos fiéis. É muito mais meritório perante Deus dar sem esperança

de receber, do que dar esperando retribuição. Por isso, o dinheiro que não permanece na

paróquia, mas vai para a Diocese, para o Regional ou para o Nacional da CNBB, é dinheiro

que frutifica para as nossas comunidades. Não é dinheiro dado para fora; é dinheiro

dado a Deus, que mais juros receberá do mesmo Deus261

.

A Assembléia Geral dos Bispos do Brasil de 1998 criou a Campanha para a

Evangelização com a finalidade de apoiar as estruturas da Igreja e a atividade

evangelizadora262

. Somente a partir daí é que os recursos da Campanha da

Fraternidade passaram a constituir o Fundo Nacional de Solidariedade e o Fundo

Diocesano de Solidariedade, para o enfrentamento de problemas da vida da

população em situação de exclusão social263

.

Dentro desta questão, não podemos deixar de lado a questão da imagem da

Igreja no Brasil como dependente financeiramente do episcopado estrangeiro para

o custeio de suas atividades, recebendo vultuosas somas da Igreja dos Estados

Unidos e da Alemanha264

. O Brasil precisa liberar suas obras sociais e apostólica

da falta crônica de recursos que faz com que muitas sobrevivam, em boa parte, às

custas da ajuda de católicos da Alemanha e dos Estados Unidos. O

pronunciamento do Cardeal Suenens, na primeira Sessão do Concílio, deixou

claro aos bispos brasileiros que a Igreja no Brasil deixa muito a desejar, e isto foi

fundamental para o início da Campanha da Fraternidade em nível nacional, que

sempre teve como elemento fundamental o crescimento da coleta265

que tem como

um dos objetivos, na linha financeira, “livrar a Paróquia e a Diocese da prisão a

subvenções para as obras sociais, subvenções, que, embora sendo questão de

justiça, não raro são interpretadas como favor e tomam tempo e paciência para

serem recebidas”266

.

260

CNBB. Folhas Volantes CF 1966, p. 19. 261

CNBB, Documento base CF 1970, p. 14. O grifo é meu. 262

Cf. CNBB. Evangelizando e mobilizando a solidariedade: Manual de Animação de

Campanhas, p.26-27. 263

Cf. Ibid., p. 18. 264

Cf. CNBB. Folhas Volantes CF 1966, p. 19. 265

Cf. CNBB. Folhas Volantes CF 1967, p. 4. 266

CNBB. Campanha da Fraternidade, p. 22.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 77: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

100

Esta questão também diz respeito aos dois temas das Campanhas da

Fraternidade: Igreja e Paróquia. A apresentação desses dois temas como início de

um trabalho nacional de solidariedade é, no mínimo, estranha, principalmente

quando vemos que se pede adesão ao invés de críticas, com o argumento do tipo

“faça você o que não fazemos” ou “está errado porque você não fez”. Não se

pode, é claro, negar a importância da participação de todos na comunidade

eclesial, mas este, pelo menos no espírito da campanha, não era o seu propósito, e

a questão da coleta para a caridade, não é muito lembrada. Parece que a novidade

do Concílio sufocou os apelos da realidade local.

A Campanha da Fraternidade de 1966 pode ser considerada um marco. Ao

sair da questão institucional e voltar-se para a pessoa do cristão e o espírito de

fraternidade, aparece a pessoa do pobre e, com ela, os problemas que afligem o

nosso povo. Aparece também a necessidade da formação das Equipes em nível de

CNBB e a necessidade dos encontros nacionais, que começam a ser realizados no

ano seguinte. Com isso, abrem-se as portas para que a Campanha da Fraternidade

passe a ser mais participativa desde o seu planejamento, de modo que a

eclesiologia da própria Campanha começa a mudar e, com ela, os enfoques, a

metodologia, as preocupações de ordem técnica, etc., que vão cada vez mais

ganhando espaço nas campanhas seguintes e criando as condições necessárias

para que surja a preocupação com os problemas sociais, como é o caso do

analfabetismo analisado na Campanha da Fraternidade de 1971, e possibilitando o

próximo passo que é a preocupação com a realidade social do povo, a denúncia do

pecado social e a promoção da justiça267

.

O período compreendido entre 1973 e 1978 foi muito interessante e muito

rico para a Igreja em geral e para a Campanha da Fraternidade em particular. A

Campanha vai, aos poucos, assumindo a discussão eclesiológica e sendo

determinada por ela, mas vivendo a contradição de um episcopado dividido, mas

desafiado pelos acontecimentos da sua época.

Vai cada vez mais descobrindo a sua identidade de Campanha quaresmal

que busca um processo de transformação da sociedade em vista do mistério da

ressurreição, o que só é possível na medida em que se descobre Corpo Místico de

Cristo, o Servo Sofredor que, a partir da realização da obra da cruz, prestou seu

267

CNBB. Manual da CF 2008. p. 15.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA
Page 78: 2 Algumas considerações históricas sobre o processo de ... · pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada

101

grande serviço à humanidade. Este serviço deve ser continuado pela Igreja nos

caminhos da história.

Na medida em que a Igreja procura, através da Campanha da Fraternidade,

contribuir para que a quaresma seja tempo de conversão a nível comunitário

através da formação da consciência de todos de modo que haja um grande mutirão

para a transformação da sociedade, o povo de Deus assume o papel de Igreja

Serva e Libertadora e contribui efetivamente para que a páscoa seja celebrada,

mas também vivida na história da humanidade.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0420966/CA