19º concurso literario 2011

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Concurso Literário de Poesia e prosa da ALSJBV - 2011

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FICHA TÉCNICA

COMISSÃO JULGADORA:

POESIA:Antonio “Nino” BarbinCarmen Lúcia BalestrinSílvia Tereza FerranteSonia Maria QuintaneiroVedionil do Império

PROSA:Clineida Junqueira JacominiLuiz Antonio SpadaMaria Célia Campos MarcondesMaria Inês Araújo PradoMaria José Gargantini Moreira

DIAGRAMAÇÃO e CAPA: Neusa Maria Soares de Menezes

REVISÃO GRAMATICAL:Vedionil do Império

INSCRIÇÕES VIA INTERNET:Neusa Maria Soares de Menezes

COORDENAÇÃO GERAL:Ana Lúcia Sguassábia Silveira Finazzi

PRESIDENTE:Francisco de Assis Carvalho Arten

[email protected]

São João da Boa Vista - novembro de �0��

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APRESENTAÇÃO

A Academia de Letras de São João da Boa Vista está completando 40 anos. Tempo precioso para quem se pro-põe a promover e partilhar a literatura nacional e assuntos ligados à lingua portuguesa, num país que tem a fama de ler muito pouco. Realidade ou fama que tornam a nossa Academia de fundamental importância. Tudo o que foi rea-lizado ao longo destes anos nos deixa orgulhosos com re-lação àqueles que nos antecederam e nos aumenta a res-ponsabilidade de zelar pelo prestígio que nossa Instituição conquistou na cidade e região. Fazendo parte das comemorações, estamos lançan-do esta edição com os premiados do Concurso Literário, um dos eventos mais tradicionais de nossa Arcádia. A edição deste ano tem como patrono o confrade e escritor Nege Alem. Nos anos anteriores, foram homenageados Palmyro Ferranti, em �008, Ernani de Almeida Paiva, em �009 e Teófilo Ribeiro de Andrade Filho, em 2010. Queremos que recebam esta edição como uma ho-menagem aos vencedores do nosso concurso e como estí-mulo para que continuem escrevendo. É nossa parcela de colaboração para que o Brasil se torne um país com cada dia mais leitores, desmistificando a fama de que brasileiro lê e escreve pouco. Agradecemos à coordenadora do concurso, Ana Lú-cia Sguassábia Silveira Finazzi, pela eficiência, organização e disponibilidade com que vem conduzindo este evento nos últimos anos.

Francisco de Assis Carvalho ArtenPresidente da ALSJBV

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INTRODUÇÃO

Anualmente, a Academia de Letras de São João da Boa Vista promove o Concurso de Poesia e Prosa que tem como objetivos revelar poesias e trabalhos em prosa, iné-ditos; aprimorar o gosto pela arte literária; e incentivar novos talentos, além de tornar enaltecidos imortais da Ar-cádia, que dão nome aos prêmios do primeiro colocado, em cada categoria literária do concurso, bem como o patrono de cada edição. Para esta edição do ano de �0��, foi escolhido como patrono o acadêmico Nege Além, decano entre outros, que se tem destacado por sua produção literária. Tivemos obras inscritas provenientes das seguintes localidades:

Acre: Rio Branco.Alagoas: Maceió.Bahia: Coaraciba, Lauro de Freitas, Salvador.Ceará: Fortaleza.Distrito Federal: Brasília, Recanto das Emas, Taguatinga.Espírito Santo: Nova Venécia, Vitória. Goiás: Goiânia, Anápolis.Maranhão: Barra do Corda.Minas Gerais: Belo Horizonte, Betim, Contagem, Ipatinga, Juiz de Fora, Mariana, Mutum, Pirapetinga, Poços de Cal-das, Pratápolis, Uberlândia.Mato Grosso: Cuiabá.Mato Grosso do Sul: Campo Grande.Pará: Belém.Paraná: Contenda, Curitiba, Londrina, Maringá, Paranaguá, Rio Bom.Pernambuco: Guaranhuns, Olinda, Passira, Recife. Piauí: Teresina.Rio de Janeiro: Campo dos Goytacazes, Nova Friburgo, Queimados, Rio de Janeiro (capital), São Pedro da Aldeia. Rio Grande do Norte: Natal.Rio Grande do Sul: Canoas, Cotiporã, Porto Alegre, Rio Grande, Santa Cruz do Sul, Santa Rosa.

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Santa Catarina: Florianópolis.São Paulo: Águas da Prata, Alumínio, Americana, Américo Brasiliense, Araraquara, Assis, Bragança Paulista, Caconde, Campinas, Campos do Jordão, Caraguatatuba, Casa Bran-ca, Divinolândia, Embu das Artes, Espírito Santo do Pinhal, Franca, Gavião Peixoto, Itararé, Mauá, Piracicaba, Presi-dente Prudente, Ribeirão Pires, Santa Bárbara D’Oeste, Santo André, Santos, São João da Boa Vista, São Paulo (capital), Taubaté, Tupã, Vinhedo.Sergipe: Aracaju.

Exterior:Japão: Saitama.Portugal: Alverca do Ribatejo, Barreiro, Lisboa, Odivelas, Parede, São Domingos de Rana.Suíça: Zurique.

A Academia de Letras de São João da Boa Vista agra-dece a participação de todos, o que em muito engrandece este evento.

Ana Lúcia S. S. Finazzi Coordenadora

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POESIA

Prêmio Emílio Lansac Thoa

Infantil - até 12 anos�º Lugar: “Animais Sensacionais”- Lara Mauro de Araújo – São João da Boa Vista/SP (Anglo- Ensino Fundamental)�º Lugar: “Todas as coisas da cidade”- Maria Eduarda Moreira Marangoni – São João da Boa Vista/SP (Anglo- Ensino Funda-mental)�º Lugar: “A difícil e inesquecível adolescência”- Beatriz Helena Macari Daros- São João da Boa Vista/SP (Colégio Objetivo) Juvenil – 13 a 18 anos�º Lugar: “A sombra que assombra”- Rafael Palhuca – São João da Boa Vista/SP (Colégio El Shadai)�º Lugar: “Medo de chuva”- Francisco José de Siqueira Borges- Divinolândia/SP- (Colégio Gramense) �º Lugar: “Terror do Homem”- Bryam Cardoso Gianuci- São João da Boa Vista/SP (Colégio El Shadai)�º Lugar: “Amor”- Mariana Brito Marti – São João da Boa Vista/SP (Anglo São João)

Adulto – 19 a 59 anos�º Lugar: “Deus de Helena”- Andréia Aparecida Silva Donadon Leal – Mariana/MG�º Lugar: “De secas e verdes”- Francisco Ferreira – Betim/MG�º Lugar: “Pó de Estrelas”- Ivana Maria França de Negri – Pira-cicaba/SP

Prêmio Otávio Pereira Leite – 3ª Idade – a partir de 60 anos�º Lugar: “A busca do sentido”- Maria Apparecida S. Coquemala – Itararé/SP�º Lugar: “Poema da Vida”- João Baptista Coelho- São Domingos de Rana /Portugal�º Lugar: “Sapo e Balde”- Genilton Vaillant de Sá- Vitória/ES

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POESIA

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1º LugarPoesia Infantil

ANIMAIS SENSACIONAIS

O elefanteApesar de grandeÉ elegante

A girafaQuando o tempo abafaBebe coca de garrafa

O leão Por querer ser o patrãoFicou com fama de mandão

A baleiaSe chateiaPorque não pode usar meia

O passarinhoQuando se sente sozinhoVai procurar seu vizinho

O gaviãoPara nadar no ribeirãoVeste logo o seu calção

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O gatoVive atrás do ratoQue se esconde no mato

A formigaCarregou folha de urtigaE espetou sua barriga

O bodePensa que podeSó porque tem bigode

Nestas rimas bem legaisQuis homenagearAlguns animais

Lara Mauro de Araújo São João da Boa Vista/SP

Escola Anglo – Ensino FundamentalProfessora Alessandra Perucchetti Macedo Romera

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2º Lugar Poesia Infantil

TODAS AS COISAS DA CIDADE

Já morei em muitas cidadesCidades grandes e pequenasE agora, onde eu moroNunca mais quero ir embora.

Quando não estava aquiNão podia ver nem saberDas pessoas importantes Que agora conheci.

Das mãos na caneta de PaguDas mãos no piano da GuiomarDas coisas que agora posso contarAté os pássaros podem declamar!

As águas limpas dançandoAs montanhas nos abraçandoBorboletas voando em minha volta Na cidade silenciosa, maravilhosa!

Maria Eduarda Moreira Marangoni São João da Boa Vista/SP

Escola Anglo – Ensino FundamentalProfessora Alessandra Perucchetti Macedo Romera

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3º LugarPoesia Infantil

A DIFÍCIL E INESQUECÍVEL ADOLESCÊNCIA

Tantas dúvidas,Milhares de perguntas, Coisas sendo questionadas

Primeiro amor,Primeira dor...E mesmo assim crianças.

Tantos problemas,embora pequenos para outrosgrandes para nós...

Corações partidos,pelos cupidos,amores não correspondidos,garotos e garotas adolescentes,confusões e trapalhadas,entre tapas e beijos...

Sentimentos confusos,Ilusões e desilusões,Ninguém sabe o que sente.Apenas amigos,

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ou não...?Dores no coração... Brigas e brigasCom a mãe, amigas e amores.

Ser adolescente é tão...Complicado, delicioso, controversoRealmente é sofrido e maravilhoso.

Ser adolescente é magoarE ser magoado...Ingênuos, mas nem tanto!CertamenteVou rir do que choreiE me arrepender do que achei certo.Por ser uma simples adolescente!

Beatriz Helena Macari DarosSão João da Boa Vista/SP

Colégio ObjetivoProfessora Bruna da Silva Vicente

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1º lugar Poesia Juvenil

A SOMBRA QUE ASSOMBRA

Onde está a razãode ferir, magoar e agredir,

se o resultado é sempre uma lesão,tanto no corpo quanto no coração?

Pessoas brigando, outras rindo,umas escondendo, tantas partindo...

E o pior de toda essa história,são as que permanecem firmes,paradas, olhando e aplaudindo.

E sempre, após a briga,sobra a vítima que sofre

a quem o público mais humilha.

A escola alerta:”Vai haver punição”.O agressor ainda assim ameaça,

e continua a provocara ira, o ódio,

de quem um dia tudo issonão vai mais suportar!

Rafael PalhucaSão João da Boa Vista/SP

Colégio El ShadaiProfessora Lucinda Almeida Noronha

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2º Lugar Poesia Juvenil

MEDO DA CHUVA

Que povo é esse que tem medo de chuva?É gato molhado?É pingo enxugado?É brasa a arder?

Que povo é esse que se esconde em um barraco,um morro logrado,um largo a nascer?

É povo bizarro?É bandido encarnado?É tudo ou nada?É gente ou pata?

É não, é gente coitada, roubada, malograda.

Do pão se perdeu; o ovo roeu;e essa gente foi morar num barraco , num morro logrado,num largo a nascer .

E agora, cadê o morro?Cadê o barraco?Cadê o povo?

O morro cedeu, o barraco ruiu, o povo morreu.

Francisco José de Siqueira BorgesDivinolândia/SP

Colégio GramenseProfessora Maria Cristina

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3º Lugar Poesia Juvenil

TERROR DO HOMEM

Há tanto tempo com outro nome,

frio como o vento.,o terror do homem.

E o que é, afinal,Esse inimigo esse mal,essa sombra do medo

que se esconde em segredo?

Contra o negro, o racismo;Contra o pobre, o preconceito;

Contra o gordo, o apelido;Contra o fraco, o desrespeito.

Vamos dar um bastae com isso acabar!

Não dá mais pra continuar!Não seja a vítima,nem o agressor,

por uma vida sem dor,por uma vida de amor!

Bryam Cardoso GianuciSão João da Boa Vista/SP

Colégio El ShadaiProfessora Lucinda Almeida Noronha

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1º Lugar Poesia Adulto

DEUS DE HELENA Cantai, doce musa do terceiro milênio infinitoslastimáveis echorosos cantos. Chorai, homens,

pobres mortais, encantos de Helena musa estimada de Homero, seus ardilosos desencantos.

Chorai, Adão, pobre imortal,

traições de Eva. Chorai ainda: homens e mulheres homens e homens mulheres e mulheres todos os males de amores.

Qual deusa mortal bordou tantos fios funestos a grandes mortais em tristes e desumanas pelejas? Não sei cantar, doce Helena de Homero,

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cabelos brilhantes sedosos fios de seda,

vossos ardilosos desencantos.

Exortai, Helenaolhos de mortais inebriados com perfume estonteante de vossa beleza malévola, Deidade mortal! Fostes, Helena Maldita Deusa de

Dissabores morticínio echacinadeGregos e Troianos.

Que segredos trazeis, Helena:pestessífilisdesgraçasdesavenças,desejos desmedidosousimplesmente melancolias?

Talvez, doce amarga, Helena,fostes nada mais do que encantos ou

sonhos de homens e mulheres ...

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Talvez, Helena de Homero,olhos, boca, corpo e coração:que a terra nunca há de ter nem Menelau, Páris e nenhum mortal;nem seja vossa culpa..vossa tão grande culpa, mas, desculpa de deuses ehomenspor suas desmedidas fraquezas,viciadossedentoseenlouquecidosde desejo.

Lágrimasdos maresdos cavalos de Tróiados deuses e dos mortaiséculpa, somente culpa do Engenhoso fabulador .Deus único de Helena!

Andréia Aparecida Silva Donadon LealMariana/MG

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2º Lugar Poesia Adulto

DE SECAS E VERDES

Cantador se quiseres cantar;vê que te não aconselho,os tempos são difíceis!Mas se imperativo for,que cantes aleluiasàs alegrias da chuva novana poeira velha e o cheiro bomdo bom barro de telha branco.Ou o ocre dos ceramistas,o branco das terracotase o ocre dos santeirosnos cheiros molhados dos terreiros.

Não é que te queira ensinaro ofício -de padre dizer missa -(longe de mim)é que os tempos são de seca,são difíceis.O mundo está sinistro.digo isto só para parecer mais jovial.

Mas se quiseres calar(vê que não te censuro).se acaso, porém insistires,que cantes a paz. As harmonias de abelhas e vespase formigas em seu fatigar-operárias em construçãona produção de alimentos

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e no tornar fronteiras mais seguras.Vidas mais úteis, vidinhas miúdas...Ah, cantador, se os governosfossem assim, tão eficientes! Seríamos formigas maiorese mais úteis, te garanto!E nossas vidas, melhores.Não que me queira queixaré que a seca destes tempos sombriostornou agreste a minha almae desertificou o meu espírito.O nosso destino de veredas é alimentar rios.

Se calado quiseres cantar e depois emudecer, (vê que não te pressiono, nem apresso),já que, por ti, tenho tanto apreço.É que nestes tempos secosde dificuldades, cantar é dorido.Mas, se de todo, quiseres te expressar,que cantes jardins belezas de moral em cachos,canteiros floridos de ética,floradas de justiçae leiras e leiras de democracia.

Não é que te queira dizer o que dizeré que aqui, ao sul do equador,são tempos de seca, qualquer fagulha pode atear incêndiose tiranias.

Francisco FerreiraBetim/MG

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3º LugarPoesia Adulto

PÓ DE ESTRELAS

Fui gerado no universo nas esferas siderais

Guardo em mim todas as erasdesde as do fogo às glaciais

Trago comigo a sapiênciade remotos ancestrais

Em meu âmago acumuloenergias minerais

Sou um verme rastejanteo menor dos animais

Um mísero grão de pólenoculto nos vegetais

Luz brilhante e coloridadifundida nos vitrais

Sou gota da branca espumana onda a quebrar no cais.

A lava rubra que escorrede vulcões imemoriais

Sou o princípio divinoque anima os elementais

Sou a alma que alça voologo após os funerais

O que resta destes corposnos despojos sepulcrais

Sou ínfima poeira cósmicapó de estrelas, nada mais...

Ivana Maria França de NegriPiracicaba/SP

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1º Lugar Poesia - maiores de 60 anosPrêmio Otávio Pereira Leite

A BUSCA DO SENTIDO

E saí a procurar o sentido da vida-fonte primordial da inquietude humana-nas mais longínquas plagas do Universo.

Ansiava pela verdade inteira, imutável,não aquela verdade de ontemlogo desmentida no alvorecer do amanhã.

E o procurei nos campos, nas cidades,observando homens, mulheres e crianças,busquei-o nos templos, livros sagrados, rituais,na Ciência, na Filosofia, nas Artes...

Sem encontrá-lo

O tempo foi passando, quase perdida a esperança,fui além do humano, dos olhos do Hubble me apropriei.

E entre nebulosas e galáxias distantes,mergulhando nas entranhas do mundo sideral,cheguei à explosão do Big Bang, que me abriria o caminho ao sentido inicial.

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Não o encontrei.Era preciso então buscá-lo no universo quântico,entre as mínimas partículas subatômicas:lá estaria ele recôndito.Mas, o sentido tal como eu queria,não estava lá.

Para encontrá-lo, era preciso mais,mais que um olhar devassador sobre os astros do céu,mais que um mergulho no coração da matéria.

Era outro o caminho, era precisochegar ao íntimo da humanidade,talvez ali, bem escondido, estaria ele.

E mergulhei na psique de homens e mulheres,chegando ao inconsciente humano,mundo de angústia, sofrimento e dor.

Faltam-me palavras para descrevê-lo,de tal modo me tomei de compaixão pela humanidadeem sua longa e penosa caminhada rumo...a quê? Ao nada?Ou, que grande segredo guardaria só para si o Criador?

Crescia a minha angústia,tornava-se premente encontrá-lo,ainda que ignotos fossem os caminhos.Servi-me então da lucidez de Nietzsche,do super-homem me apossei.

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E vi, a meus pés, a humanidade,frágil, subjugada, acima de tudo cegaao que tão claramente me parecia ver agora.Enfim, o poderia encontrar como o queria,Mas, um filósofo grego surgiu em meu caminho,cobrindo-o de sombras.

E, de repente, me vi numa caverna escura,enquanto lá fora o sol tudo dourava.Era lá que estava ele, fora da caverna,mas o brilho do sol me ofuscava o olhar.Podia vê-lo, porém, multifacetado.Como possuí-lo como eu o desejava?Mergulhara na mais profunda tristeza,quando um jovem poeta, compassivo,sentou-se a meu lado e falou-me brandamente,Inútil a tua procura, a vida não tem sentido.

O tempo passou, fui interpretando melhoraquela imagem multifacetada, exposta ao sol dourado:a vida pode não ter sentido, como queria o poeta:entre as dores do caminho, perdem-no os desiludidos.ou ter sentido, sim, construído pelo próprio homem.

Maria Apparecida S. CoquemalaItararé/SP

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2º Lugar Poesia - maiores de 60 anos

POEMA DA VIDA

I

A Vida é o tempo que Deus nos empresta,que o homem consome ao sabor da aventura;em guerras de irmãos, em canseiras, em festa;em prantos, em risos, em raiva, em ternura.

Em busca da paz; da que ainda lhe resta!Da tal que adivinha no fim da lonjura!Da paz que, mal chega, se evola, bem lesta,nas asas dum verso que há muito procura.

A Vida é, por si, esse imenso mistérioque o Homem dissipa sem tento ou critério,medindo-a, tão-só, no valor da ambição.

Mil vezes alheio ao valor que ela tem,quando é percorrida nas sendas do bem; quando é partilhada sem outra intenção.

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II

Quando é partilhada sem outra intenção,o Homem se avulta aos olhos de Deus:é raio de sol; lucidez de oração;tesouro sem fim dos mais pobres plebeus.

A Vida é a água, é o ar, é o pão;um sonho constante de crentes e ateus;bonança, infortúnio, poema, canção, ...que um dia nos deixam, num simples adeus.

A Vida são ruas e becos sem fim;também labirintos num grande jardime estradas perdidas de imensa floresta.E acabo a dizer-vos, agora, sozinho, que, olhando-me atrás, já no fim do caminho,a Vida é o tempo que Deus nos empresta.

João Baptista CoelhoSão Domingos de Rana/Portugal

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3º Lugar Poesia - maiores de 60 anos

SAPO E BALDE

Viver! que ledo engodo este mundo nos prega

sem dó e nem piedade! Céus, que disparate!

Qual infernal denodo de ímproba refrega,

espargindo maldade assaz e sem resgate!

O mundo como um todo agora, ninguém nega,

virou barbaridade, um campo de combate

onde somente o lodo triunfa, cala e cega,

sem, pois, que autoridade alguma desbarate!

Viver! Quem viu, jamais vai ver tal qual de novo!

Mas vida é, ademais, tudo! Assim pensa o povo,

crendo valer a pena esse tudo do nada !

Ah! vil vida terrena atroz e complicada,

misto de sapo e balde. Quanta insensatez!

Ou se engole a debalde, ou se chuta de vez!

Genilton Vaillant de SáVitória/ES

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PROSA

Prêmio Fábio de Carvalho Noronha

Infantil- até 12 anos�º Lugar: “Um concurso cheio de pessoas sem importância, mas...”- Maria Eduarda Moreira Marangoni – São João da Boa Vista/SP - Anglo- Ensino Fundamental.�º Lugar: “Uma Lenda em Gropo”- Letícia da Silveira Terra Jun-queira- São João da Boa Vista/SP - Anglo – Ensino Fundamen-tal.�º Lugar: “Animais defensores da natureza”- Lívia Costa Azevedo Loup – São João da Boa Vista/SP - Anglo- Ensino Fundamental.

Juvenil – 13 a 18 anos�º Lugar: “Minhocas na cabeça”- João Paulo Lopes de Meira Her-segel – Alumínio/SP. �º Lugar: “Saudades de Minha Infância”- Larissa Gulin Gazato – São João da Boa Vista/SP - Centro Educacional SESI-���.�º Lugar: “O Bem-Te-Vi”- Rafaella Maria Bossonello Bianchini – Espírito Santo do Pinhal/SP - E.E. Cardeal Leme.

Adulto – 19 a 59 anos�º Lugar: “Na Cabeça”- Tatiana Alves Soares Caldas – Rio de Janeiro/RJ.�º Lugar: “O Castelo”- André Telucazu Kondo- Caraguatatuba/SP.�º Lugar: “Agora e Sempre”- Fátima Soares Rodrigues – Belo Horizonte/MG.3º Lugar: “Reflexos”- Eduardo de Paula Nascimento” - Franca/SP.

Prêmio Otávio Pereira Leite – 3ª Idade – a partir de 60 anos�º Lugar: “Refúgio dos Anjos”- Nilton Tadeu da Silva Silveira – Porto Alegre/RS.�º Lugar: “O Apelo”- Joaquim Lopes Duarte Bispo – Odivelas/Portugal.�º Lugar: “Didi”- Amélia Marcionila Raposo da Luz – Pirapetin-ga/MG.

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PROSA

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1º LugarProsa - Infantil- até 12 anos

UM CONCURSO CHEIO DE PESSOAS SEM

IMPORTÂNCIA, MAS...

Era uma vez um monte e princesas conhecidas de todos pela beleza e delicadeza. Só que, como todo mundo, já estavam velhas, feias, tortas, com cabelos brancos e sem seus príncipes, pois tinham-se divorciado. Elas sempre diziam, quando os outros questiona-vam: - Mas, e o final feliz? Por que vocês se separaram? Era sempre a mesma coisa e, as princesas diziam: - Essa história de final feliz é tudo mentira! Não exis-te um final feliz!! Não era diferente com os príncipes. Eles pensavam o mesmo e já haviam perdido toda a magia. Então, um dia, Cinderela e a Bela (ex Fera), estavam andando na rua, com vestidos horrorosos, fora de moda, e, uma menina encontrou-as e disse: - Nossa, como vocês estão horríveis! Já que viveram em contos de fadas deviam fazer um concurso e a vence-dora ganharia o prêmio de ser bonita para sempre. Que tal? As princesas disseram na mesma hora: - Nós não gostamos de concursos, mas eu tô fora de ficar assim! Topamos. Você pode organizar para a gente? Vamos falar com as outras. A menina respondeu: - Tudo bem. Logo aviso vocês. Então Cinderela e Bela foram falar com as outras princesas e todas concordaram, mas a Cinderela, que era uma velha metida, disse:

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- É claro que este concurso já tem uma vencedora... Eu! Todas responderam juntas: - Tudo bem. Você será uma princesa linda para sem-pre, mas... Solteira! Agora não tem mais Fada Madrinha para te ajudar! - Muito engraçado, estou morrendo de rir! Já ouvi-ram aquela história que diz “Quem ri por último, ri melhor?” Pois então, me aguardem. – Disse Cinderela mais confiante do que nunca. Passada uma semana, chegou o grande dia! Todas as princesas estavam presentes e preocupadas se iriam perceber suas celulites, plásticas e rugas. Então, a princesa Aurora foi a primeira a desfilar para os juízes. Todos deram ZERO! Coitada, tão acabadinha... Aí foi a vez da velha metida Cinderela e, ela recebeu a nota UM! Em seguida entrou Bela e ganhou UM E MEIO! Assim, o concurso seguiu com todas as outras prin-cesas recebendo notas muito baixas. Até que um dos juízes percebeu que aquilo não levaria a nada e resolveram, de comum acordo, levantar e ir embora sem terminar o con-curso de princesas feias. Vocês devem estar se perguntando... E as princesas tão famosas? Ora, ficaram horríveis para sempre!

Maria Eduarda Moreira MarangoniSão João da Boa Vista/SP

Colégio Anglo Ensino FundamentalProfessora Alessandra Macedo Romera

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2º LugarProsa - Infantil- até 12 anos

UMA LENDA EM GROPO

Um dia, James estava assistindo ao filme “Uma Len-da em Gropo”. Ele já havia assistido várias vezes, mas, não até o final. Resolveu pegar um refrigerante e, quando abriu a geladeira, viu um clarão estranho e... foi sugado para den-tro dela! Logo que acordou do susto, viu árvores roxas, gra-ma laranja e flores douradas como ouro. Foi quando se deu conta que uma multidão estranha, de pequenos animais, estava olhando para ele e, bem lá no meio, um ratinho de cartola o observava e logo correu em sua direção, dizen-do: - Oi! Você é James? Sem entender nada, ele respondeu: - Sim, sou eu... O ratinho vira-se para a multidão e diz: - Esse é o nosso herói! James, ainda atordoado, pergunta: - Onde estou? O que está acontecendo? O ratinho explica tudo de uma vez: - Você está em Gropo, nós esperávamos por você, ou melhor, alguns de nós, porque existia uma lenda de que um jovem forte, moreno, chamado James, viria para nos ajudar a derrotar o terrível Spim! E, a propósito, eu sou o Senhor Cartola, tenho o poder de voar e jogar o que quiser, desde que esteja com a minha cartola.

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James, animado em ser um herói, seguiu o ratinho até uma cabana. Quando entraram, percebeu que lá havia várias ar-maduras e o ratinho falou: - Escolha uma! Você agora tem coisas a fazer! Tudo o que você verá não será uma coincidência. James pegou uma das armaduras, colocou-a por cima de sua roupa e saiu caminhando. Durante o percurso, sem entender bem o que acon-tecia, viu uma espada no chão. Pegou-a e levou consigo, lembrando-se do que o Senhor Cartola havia dito. Mais à frente, James viu folhas se mexendo, como se houvesse alguma coisa andando por ali. Senhor Cartola já estava desesperado, falando: - Suba em uma árvore, depressa!! James, assustado, subiu o mais rápido que pode e, o Senhor Cartola atrás. Quando viram que já estavam bem alto, sentaram-se em um galho. O rato subiu um pouco mais e pegou uma espécie de creme, que dizia ser muito poderoso e que só era encontrado na parte mais alta das árvores. Ele colocou o creme nos olhos de James, que dis-se: - Aaaaiiii!! O que é isso? Arde muito! O rato falou muito compenetrado: - Agora olhe para baixo. Quando James olhou, viu vários bichos estranhos, verdes com manchas roxas e, no meio deles, estava Spim! Com um cabelo arrepiado, uma capa preta e uma cartola vermelha, parecida com a do ratinho. Senhor Cartola falou em tom desesperado: - Este é o Spim, por favor, ajude-me a derrotá-lo! James, que nunca havia visto o final daquele filme, não sabia como derrotá-lo, mas foi tentar do mesmo jeito. Pulou da árvore e, como ele é muito corajoso, tirou sua

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espada e acabou com os bichos verdes. Senhor Cartola desceu da árvore e lançou agulhas em Spim, mas o vilão defendeu-se. James correu atrás dele e tirou sua cartola, percebendo que era ela que lhe dava poderes. Neste mes-mo instante, Senhor Cartola jogou mais agulhas e James cortou-lhe a cabeça, derrotando, de uma vez por todas, o terrível vilão. O Senhor Cartola percebeu que os habitantes do lu-gar começaram a aparecer e, batendo palmas, deram uma coroa a James, nomeando-o rei. Ele, sabendo que deveria voltar, agradeceu a todos e perguntou o caminho de volta. Apontaram para uma porta que estava no tronco de uma árvore. Todos se despediram dele e o Senhor Cartola aproximou-se, dizendo: - Adeus, meu amigo. Volte para nos visitar e, muito obrigado! James, emocionado disse a todos: - Voltarei sim, fiquem tranquilos! Agora vocês estão protegidos, porque esse ratinho é o cara! James entrou na porta da árvore e voltou ao mundo real e até hoje aluga o filme “Uma Lenda em Gropo” para lembrar-se de seus amigos.

Letícia da Silveira Terra JunqueiraSão João da Boa Vista/SP

Anglo Ensino FundamentalProfessora Alessandra Macedo Romera

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3º LugarProsa - Infantil- até 12 anos

ANIMAIS DEFENSORES DA NATUREZA

Em uma cidade muito suja, moravam três animais: o cachorro Bob, a gata Lily e o porco espinho Espinhoso. Havia uma garota chamada Isabela e ela sempre quis salvar o Planeta Terra. Estava sempre na floresta que tinha perto de sua casa. Neste dia, ouviu um barulho e dis-se: - Oi, tem alguém aí? Bob, Lily e Espinhoso vieram correndo. Lily olhou para a menina e falou: - Quem é você? Isabela ficou pasma ao ver a gata falar. - Eu... sou.. sou Isabela! E quem são vocês? - Somos seus novos amigos: Lily, Bob e Espinhoso, sempre vemos você por aqui! Isabela propôs: - Na verdade, eu sempre venho para tentar fazer novos amigos, porque preciso de ajuda para começar “SAL-VAR O PLANETA”!! E vocês, não querem vir comigo? Bob olhou para Lily, Lily para o Espinhoso... e os três falaram: - Nós queremos sim! Até ficará mais fácil. Vamos te contar um segredo... Temos alguns poderes! Isabela ficou de “queixo caído” ao descobrir que os animais, além de falar, tinham poderes. Isto foi muito bom, porque ela sempre desejou que seu planeta fosse todo anil. Então, os três caminharam pela floresta, para recolher o lixo que estava sempre pelo caminho. E, para eles era fácil, porque usavam seus poderes. Bob tinha o poder de sugar o lixo, como se fosse um aspirador de pó; Lily derretia toda a poluição e Espinhoso

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rolava feito uma bola e o lixo “grudava” nele. Depois de um tempo, os quatro já estavam cansados de tanto lixo que haviam recolhido, e Espinhoso disse: - Vamos descansar embaixo daquela árvore! Todos foram e conversaram muito tempo sobre a vida de cada um e o quanto gostariam de ver o planeta diferente. Então, Isabela comentou: - Eu tenho dois sonhos: o primeiro é salvar o planeta e o segundo é ter poderes como vocês! Então, Bob disse a ela: - O primeiro já está sendo realizado, você está sal-vando o planeta! E o segundo, vamos realizar para você. Nós podemos dar poderes a você! - Sério?! Vocês são demais!! Os três juntaram seus poderes e deram um pouco a Isabela. A menina ficou muito feliz, pois agora poderia ajudar muito mais o planeta. Saíram dali e fizeram coisas maravilhosas por onde passaram. Depois de um dia cheio de aventuras, perceberam que já era bem tarde e Isabela tinha de voltar para casa. No dia seguinte, de manhã, Isabela ligou a televisão e o jornalista falou que algo de muito bom havia aconte-cido. O planeta amanheceu muito mais limpo e sem polui-ção! Isabela ficou radiante e correu para contar a seus novos amigos, que também ficaram muito felizes. Por fim, todas as pessoas descobriram que foram os quatro os salvadores do planeta e, assim, eles viraram SU-PER HERÓIS: O Super Bob, a Lily Cat, o Capitão Espinhoso e a Incrível Isa. Os quatro ficaram felizes, pois muitas crianças vira-ram fãs deles e, toda vez que saíam, diziam:- Se cada um fizer a sua parte, o planeta será um lugar muito MELHOR!!

Lívia Costa Azevedo LoupSão João da Boa Vista/SP

Anglo Ensino FundamentalProfessora Alessandra Macedo Romera

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1º LugarProsa - Juvenil – 13 a 18 anos

MINHOCAS NA CABEÇA

A perspicácia do Verão foi calorosa. Na distribuição das estações, soube escolher o melhor período, obteve a sorte de trabalhar com a companhia do Sol e ganhou a oportunidade de receber o ano com um sorriso radiante de boas-vindas, bem como a de lhe dizer adeus com um ar-dente beijo de despedida. Pode, até, se gabar por acolher os três maiores feriados, Natal, Ano Novo e Carnaval. Além de bancar o bonzinho com os jovens por ter abraçado, tam-bém, as férias escolares. Às vezes, porém, o que deveria ser descanso acaba resultando em tédio. Na chácara do avô, nada para fazer, ninguém com quem falar — nem as três filhas da emprega-da, de idades consecutivas aos doze anos dele, arriscavam conversa. Para se livrar do contrastante frio do desprezo, distanciou-se da casa e adentrou uma trilha abandonada, onde seguiu até encontrar um riacho. A grama tão alta parecia estar de pé. Ele deitou o corpo sobre ela, as mãos se fizeram travesseiro, os olhos admiravam as nuvens que bailavam no cenário azul do céu. Coisa mais chata, mas servia para passar o tempo e se es-quecer do desejo alucinado de chupar sorvete. A bermuda de poliéster e a camiseta sem mangas deixavam à mostra as pernas e os braços, que já carregavam os primeiros fios da puberdade. Passou quatro horas ali. Percebeu ter encontrado algo mais que um lugar bo-nito: descobriu o aconchego. Sentia-se relaxado, a brisa morna fazendo-lhe cair no sono. As pálpebras pesavam, mas, antes que elas se fechassem, a bexiga tornou-se um incômodo. A sensação de preguiça era muito boa, por isso

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cruzou as pernas e tentou enganar o organismo. Há coisas, no entanto, que não adianta nem tentar; impedir a vontade da natureza é uma delas. O banheiro mais próximo ficava longe, e o barulho da correnteza não contribuía muito para o autocontrole. Teve de tomar uma atitude tipicamente masculina: infiltrando-se entre arbustos e correndo para trás de uma árvore, fez do musgo mictório. Por fim, olhou para baixo — ficou cara a cara com uma minhoca. Como ela era feia, pobrezinha... e aparentemente estava infeliz; pelo menos não sorria, se é que tinha algum dente para isso. O sol a deixava estorricada e sem forças, um caule de margarida exposto ao calor, completamente murcho. O garoto quis fazer alguma coisa com ela, embora não tivesse a mínima ideia do que pudesse ser feito. A mi-nhoca era indiferente ao olhar do rapazinho. O som de passos fez o garoto virar-se abruptamen-te; a minhoca apenas fez um leve movimento. As filhas da empregada apareceram para tomar um banho de riacho. O verde circundava o lugar, e o garoto, espiando entre os ve-getais, sentiu seu mundo colorir. Uma morena, uma loura e uma ruiva: sorvete de napolitano em forma humana. Os olhos brilhantes baixaram e viram que a minhoca havia encontrado sombra e se reidratava aos poucos. Ele baixou a mão direita e a aproximou dela, numa tentativa de brincar — uma brincadeira da qual não sabia certamen-te quem sairia vencedor. Tomou entre os dedos algo mole e esquisito de segurar. Voltou a observar entre as folhagens e deparou com uma imagem nunca vista pessoalmente por ele antes: as camisetas não poderiam ser molhadas, por isso as garo-tas as tiravam. O garoto colocava um sorriso malandro na face. A minhoca se contorceu, espreguiçando-se, como se a sombra, a temperatura ou algum outro fator do momento fosse responsável por que ela se esticasse. À beira do riacho, a loura e a morena usavam os delicados dedos para desfazer o nó dos cordões de seus shorts, enquanto a ruiva descia calmamente a saia. O garo-to continuava a espreita e se divertia com a cena. Começou

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a balançar os dedos, uma massagem malfeita na minhoca. Ela, mesmo assim, demonstrava gostar e o recompensava fazendo pequenas cócegas. Não sabia se ria ou se segurava, se olhava para a isca de peixe ou para as três sereias. Sem perceber, a situ-ação dos dois novos amigos se inverteu: a minhoca estava rígida, procurando algo para olhar, e ele se contorcia, sen-tindo uma estranha alegria interior nunca sentida antes.Reposicionou os olhos a tempo de assistir ao desfecho da cena. As moças analisaram o ambiente e, sem notar a pre-sença do neto do patrão, se desfizeram das roupas de bai-xo e pularam na água cristalina, refrescando seus corpos. Uma inesperada e repentina chuva de fim de tarde escorreu de uma nuvem passageira. As garotas saíram es-pontaneamente do riacho e, vestindo-se rapidamente, vol-taram para casa. O garoto permaneceu estático — as gotas do suor imprevisto que vazava da testa se misturaram com as gotas do suor vindo do céu. A minhoca, agora molha-da, se encolheu na palma da mão. A mão estava pegajosa — celoma de anelídeo, talvez — e mostrava o poder que ela teria dali em diante. Perspicaz foi o Verão. Merecedor de uma menção honrosa por representar uma época que é tida, por muitos, como a da descoberta da adolescência.

João Paulo Lopes de Meira HersegelAlumínio/SP

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2º LugarProsa - Juvenil – 13 a 18 anos

SAUDADES DE MINHA INFÂNCIA

Infância. Via-me brincando de boneca, casinha, ma-mãe e filhinha. Com os joelhos ralados, chorava nos braços daquela que desde sempre chamei de mãe. Um beijo e os dizeres de que meu casamento seria a cura de todos aque-les raladinhos. Nunca entendi direito essa tese, é verdade. Oras bolas! Ou queriam casar-me cedo, ou então cheia de cicatrizes durante longo tempo. Quem me dera, naquele momento, saber que a vida não para, que a gente cresce, e que um dia acaba se ca-sando mesmo. Quem me dera percorrer toda uma vida com apenas esta simples dúvida, sem mais nenhuma pre-ocupação de gente grande. As que hoje, por mal, tenho em mim. Saudades de meus pensamentos e sonhos utópicos, de acordar pela manhã com uma única obrigação: a de ter a cama para refazer. Saudades de resmungar somente dos deveres da escola ou por ter de banhar-me nos dias frios. Quero minha inocência de volta! Estes olhos estão cansados de enxergar um mundo ensanguentado. Quero castelos, fadas, quero poções mágicas e es-perar pelo Papai Noel no Natal. Quero de volta minhas impugnações sobre as roupas que mamãe escolhia, ou pelas marias-chiquinhas que em mim fazia. Sinto saudades de só pensar em brincar. De descer a ladeira, de pintar as bonecas das outras meninas - o que me parecia toda a maldade cabível no coração humano.

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E hoje, bicho-papão para mim é o homem, papai tinha razão. Esse sim é malvado,assombra e assusta... E agora o que pensariam, se eu voltasse a cantar alto, a querer bancar a artista ou tirar meleca do nariz, en-quanto trabalho? Quero o colo de minha avó novamente. Dona Elisa e seu cafuné com dengo. Quero meus heróis de volta, e continuar acreditando que eles têm super poderes. Da família simples, me lembro bem, de tempos an-tigos, o almoço de domingo. Era aquela panelada de arroz, às vezes macarronada. Criança correndo pra todo canto daquela humilde casa, lá na roça, lar dos meus avós. Toa-lha, pratos, talheres e comida sobre a mesa, hora de todos se sentarem quietos, cada um se servia por si só. E eu, ain-da obrigada a comer aquele tanto, duas conchas de arroz e ainda era pouco para minha mãe. Ela queria me ver saudável. Ou comia bem, ou fi-cava sem poder brincar depois. Certa vez, achei que fosse deboche, desconfiei, deixei comida no prato. Vi meus pri-mos na euforia, enchendo o garfo, com pressa de dar conta do prato. Quis contrariar. Queria ver se minha mãe não me deixaria mesmo brincar. Tolice de criança, essas coisas bobas. E não é que a danada estava falando sério mesmo? Disse que eu não brincaria mais. Não brinquei. Fiquei ali amuada no canto do sofá, e nem minha cara de dó a amolecia. E no meio do pega-pega, meus primos todos lá no quintal, eu quieta. Isso é engraçado hoje, concordo e dou risada ao lembrar o episódio. E o bolo de aniversário da Janaína, a minha amiga na época de colégio? Aniversário sem bolo não existia. Por mais simples, um bolinho, uma festinha e - claro! –aquele chapeuzinho personalizado cujo barbante ou é largo, ou justo demais. Fato é que ou arrebenta, ou não está colocado direi-to. A aniversariante toda arrumada, de fita no cabelo

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- era moda na época. Maldita ideia a minha de me escon-der debaixo da mesa do bolo. Brincávamos de esconde-esconde, quando precisei sair rápido daquele improvisado esconderijo. Criança não pensa, só faz (e fala) o que vem à cabeça. Foi assim. Resultado: um galo cantando bem no alto da minha cuca e um bolo deformado, depois do ba-lanço da mesa. O morango da cobertura tinha rolado e o bolo -antes retangular - mais parecia um pudim malfeito. Foi constrangedor. Todos olhando, comentando, fingi que não falavam de um atentado provocado por mim. Janaína cantou o parabéns irritada, parecia inconformada com a cena. Fingi que não tinha culpa, mas não resolveu. A me-nina estava mesmo envergonhada - não mais do que eu -, chateada e enfezada. Tudo quanto é coisa terminada em “ada”. Cruzes! Naquele ano, nos formamos no primário e até hoje nunca mais topei com essa amiga. Nunca mais fui a ne-nhum aniversário seu. Hoje, só restam lembranças dessas amizades, des-sas artes, desses tempos. Minha mente já esgotada, quase desmemoriada. Marcas do tempo. Eu não posso reclamar, pois aproveitei cada milésimo de segundo que me foi con-cedido. Infância. Ah, infância! Esse tempo que não volta é o melhor tempo da vida. Permita-me, Deus, quando tirada dessa existência, ter em mim um coração de criança, alma ingênua. Vejo as distorções do mundo, a hipocrisia dos ho-mens, e não me encontro em nenhum deles. Ainda bem! Mas, se em um lar de pequeninos eu estiver, então, eu serei feliz.

Larissa Gulin Gazato São João da Boa Vista/SP

Centro Educacional SESI-���

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3º LugarProsa - Juvenil – 13 a 18 anos

O BEM-TE-VI

E ele pousava de novo, aquele bem-te-vi insistente. Sempre no mesmo horário, o mesmo muro, de canto triste, postura murcha. Sua presença, após o terrível incidente, me causava um estranho incômodo. Tentava espantá-lo, desde que percebi que ele não perdia aquele hábito. Mais do que isso, ele me chateava. Não sabia o que deveria fazer, como deveria agir, não sabia se deveria deixá-lo com sua dor. Está certo que o bem-te-vi não fazia de propósito, nem era a sua intenção me magoar, mas me fazia mal de qualquer forma, porque sua presença não me deixava esquecer a morte de meu ca-chorro. Mas, tinha pena do pássaro. Tínhamos, meus pais e eu, consolo uns dos outros. O bem-te-vi solitário só tinha o consolo dos velhos hábitos, e todos os dias, religiosa-mente, cumpria sua rotina, sentia-se na obrigação de não trair o amigo canino, embora ele já tivesse partido havia semanas. É como quando as coisas ruidosamente saem dos trilhos certos; o pássaro não devia entender porque seu amigo não estava mais ali. Não teve sorte nosso amigo bem-te-vi, sua amizade nasceu já na velhice do cão, quando, em um ninho, na ár-vore ao lado da casinha do cachorro, ele nasceu, aprendeu a voar e, tempos depois, voltou (já pássaro adulto) para ‘roubar’ a comida de meu cachorro e passar a tarde toda cantando, enquanto olhava para ele. Deviam mesmo gostar um do outro. Era uma parceria desproporcional e esquisita, por vezes cômica, mas bonita. Cheguei até ao cúmulo de invejar aquela amizade. Nós, humanos, não costumamos

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cultivar sentimentos tão verdadeiros assim. Com seis anos, introspectiva e começando a notar a maldade das outras crianças na escola, eu não entendia como poderia haver tamanho sentimento de amizade entre dois seres tão dis-tintos. Naquela tarde, fui com meu pai à casa de minha avó. Adorava explorar todos os cantos, todos os armários, todas as gavetas e também adorava admirar o retrato de meu avô (que não cheguei a conhecer em vida) e tinha uma curiosidade imensa de saber mais sobre ele. No re-trato, ele era jovem, bonito, tinha uma aparência elegante e, com seus cabelos loiros e ondulados, seus olhos azuis da cor do céu, assemelhava-se ao meu conceito de como deveriam ser os anjos. Sei que sonhava muito com ele e também acreditava que ele podia me ouvir e conversar. Meu pai sorriu para mim, ao me ver perdida nos olhos de meu avô. Começou a me mostrar os pertences dele e, quando estava me apresentando o terno favorito de seu pai, encontrou em um dos bolsos um pedaço de papel dobrado, com um nome, um endereço e um telefone. Meu pai começou a chorar. O que foi? – perguntei. - Está vendo este papel, Gabi? É o endereço e tele-fone do melhor amigo de seu avô. O número era antigo, mas pelo endereço, encontrou um novo número de telefone e conseguiu contato com o Sr. Agenor. Perguntou a ele se lembrava-se de Pierre, e a resposta, estremecida, foi positiva. Então, meu pai disse ser filho dele e começou a contar sobre o temo. Choravam os dois por telefone. Até hoje me lembro da visita do Sr. Agenor. Ele me causou grande impacto, parecia ter uma luz própria, era dono de uma calma e de uma bondade infinitas. Falava pausadamente, contando sobre a amizade de infância, so-bre a internação causada pela hanseníase, que os levou a se conhecerem com três anos, ganharem alta juntos aos dezenove e a continuarem amigos pelo resto da vida, ape-

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sar da distância. Era muito bem disposto e tinha um sorriso encantador e sábio. Viúvo, aposentado e escritor, adotara dois filhos excepcionais e doava todo o dinheiro da venda de seus livros à instituição que tratava de seus filhos. Dizia ter vontade de escrever sobre meu avô. Elo-giava muito o meu avô e passou também a elogiar os meus desenhos e pinturas pregados nas paredes. Lembro-me até hoje de quando me disse baixinho que eu tinha uma gran-de missão a cumprir. Foi mais umas quatro ou cinco ve-zes visitar-nos. Ainda chegou a mandar um e-mail dizendo estar escrevendo seu livro de memórias sobre meu avô, mas três meses depois desse e-mail, quando eu tinha onze anos, soube que ele havia falecido. Era como se eu houves-se perdido outro avô. Passaram-se quatro anos. Eu estava com quinze anos, e já expondo e vendendo desenhos em parceria com uma amiga. Mas ainda havia o vazio. Eu me lembrava da-quela história de amizade e parecia que eu estava devendo algo ao meu avô de sangue e ao meu avô de coração. Mas, o quê? Veio-me a lembrança do livro ainda não terminado. Se eu conseguisse juntar os pedaços daquelas memórias, seria uma boa forma de homenageá-los e, ao mesmo tem-po, compartilhar com as outras pessoas aquela história tão linda. E não haveria paz enquanto eu não fizesse isso. Mas, como eu faria? Comecei a revirar de novo as coisas de meu avô. Não sabia de fato o que estava procurando, mas sabia que seria difícil encontrar algo relevante. Entretanto, algo me chamou a atenção. Era uma cai-xa de madeira, um pouco maior que uma caixa de sapatos, e dentro dela, a descoberta: cartas de Sr. Agenor a meu avô. Eram correspondências incontáveis, com datas varia-das, desde o ano da saída do hospital/internato até alguns anos antes da morte de meu avô. Como o meu pai nunca havia encontrado isso? Era um tesouro. Como ninguém atendia no número de Agenor, decidi mandar uma carta.

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Nela pedi que alguém, próximo a ele, me ajudasse a encontrar as cartas e mais alguma outra coisa que remon-tasse à história deles. Respondeu-me o sobrinho e afilhado dele, Pierre, dois anos mais velho que eu. Ele não apenas sabia das cartas e de toda a história, como também era ligado a ela. Seu nome, escolhido por seu tio, era uma ho-menagem ao meu avô. Pierre e eu decidimos começar a resgatar essas me-mórias através dos escritos, das pessoas que os conhece-ram e também dos documentos, dos lugares onde foram internados para tratar da hanseníase e estudar. Também conversávamos sobre outros assuntos. Tudo através de cartas, afinal, eu morava no interior e ele na capital. E apesar de nunca o ter visto pessoalmente, era a pessoa que eu mais conhecia de fato. Aos dezoito anos, tive a maior decepção de minha vida. Minha amiga havia me traído; ganhara um concurso de arte internacional com os meus projetos. Eu estava desolada, mas tinha o consolo de que,depois de tanto tempo trocando cartas, estava próximo o dia em que Pierre e eu havíamos marcado para nos encontrar . E assim sucedeu. Enfim, eu descobrira a face daquele com quem troquei opiniões, lembranças de família e outras coisas. E descobrira também o porquê de seu nome. Ele era realmente muito parecido com meu avô, quase idênti-co, a mesma aparência de anjo. Conversamos sobre vários assuntos, como se já nos conhecêssemos há séculos, mas ele estava ali para se despedir: -Eu não sei como dizer isso, nós mal nos conhe-cemos e eu... estou indo embora do país. Consegui uma oportunidade como músico. Era o meu grande sonho. Você vai ter de terminar o livro sozinha. Perdoe-me. Duplamente traída. E pelas pessoas em quem mais confiava. Tentando escrever um livro sobre uma amizade sincera, sem nunca ter vivido uma. Era assim que eu me sentia. Mas, como já escrevera Machado de Assis: “Não te irrites se te pagarem mal um benefício; antes cair das nu-

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vens que de um terceiro andar” . Já que todos estavam indo embora, aproveitei o “embalo” também. Fui morar na França. Passei doze anos desenhando paisagens e turistas e até conseguira o reco-nhecimento de meu trabalho, algumas exposições gran-diosas e, com elas, várias vendas, mas nada daquilo me animava mais. Descobri, nas ruas de Paris, entre as coisas mais simples e as lanchonetes mais baratas, a verdadeira felicidade. Mas, a paz não viria enquanto eu não cumprisse o dever de terminar aquele livro. E sem Pierre eu não con-seguiria, faltava a outra parte, aquela que eu não tinha, a outra metade da história, a outra parte da amizade. Sen-tei-me às margens do Rio Sena, pensando em tudo, pen-sando em como poderia encontrá-lo e, dessa vez, obrigá-Io a me ajudar. Mas, já fazia tanto tempo... -Ouvi notícias sobre suas exposições. Agendei um concerto aqui só para te encontrar. Como vai, Gabrielle? -Pierre? -indaguei surpresa. -Olhe só para nós... Tudo isso que vivemos, toda essa angústia, essa aventura, para acabarmos aqui, senta-dos às margens do Rio Sena. -Pelo menos não é o Tietê - brinquei. Depois de longas risadas, ele abriu a maleta que car-regava, tirou um livro de Agenor e leu: -”Acho que a felicidade deve ser assim, simples e calma, como uma casinha branca com um grande jardim.” -Acho que foi por isso que os dois moraram em ca-sinhas brancas com grandes jardins após se casarem -con-cluí eu. -Eu acho que eles planejaram isso tudo. Onde quer que estejam devem estar rindo de nós agora. Eu abri a minha mochila e tirei meus escritos (a mi-nha parte do livro): -Olhe só. Sou uma pessoa incompleta com um livro incom-pleto. Ele pegou da maleta uma pasta cheia de folhas: -Aqui está a outra metade do livro. Aqui estão as

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nossas metades. Agora estamos completos - e juntou os dois blocos de folhas. Ele continuou: -Eu prometo ser teu amigo, assim como foram seu avô e meu tio. Não vou te abandonar nunca mais. Pedi silêncio a ele e disse: -”Não é amigo aquele que alardeia a amizade: é tra-ficante; a amizade sente-se, não se diz.” - Machado de Assis. -Correto. E, em silêncio, ele colocou por cima das folhas uma aliança. O livro de memórias, um cachorro, o piano em que ele tocava, as tintas e os lápis com os quais eu pintava e desenhava, tudo parecia combinar com uma casinha bran-ca. Desde então, nosso quintal enchia-se de bem-te-vis e eles não me causavam mais incômodo, e sim, uma pro-funda sensação de paz.

Rafaella Maria Bossonello BianchiniEspírito Santo do Pinhal/SP

E.E. Cardeal Leme

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1º Lugar Prosa Adulto

NA CABEÇA

Seu Leal era funcionário público, atividade que exer-cia com pompa, mas sem nenhum entusiasmo. A única coi-sa de que gostava – e isso, sim, lhe conferia importância – era o carimbo que depositava em alguns documentos oficiais. Como num ritual, pressionava a almofada de um lado, do outro, e pronto! Carimbava, com solene agressivi-dade os papéis, de resto já rendidos ao seu crivo. Entretanto, até esse prazer lhe fora tirado, com o advento do carimbo automático. Paralela à sua atividade funcional, havia a paixão por jogos de azar. Apenas dos cavalos escapara, para alívio da esposa. Já, as loterias, essas, eram visitadas quase que diariamente. Nada escapava de sua fezinha: Mega Sena, Loto, Loto Mania, raspadinhas de todos os tipos. Sua espe-cialidade, contudo, era mesmo o Jogo do Bicho: conhecia todos os animais, em ordem, com as respectivas dezenas e grupos, além do simbolismo contido em cada um. O desencanto com o trabalho era inversamente pro-porcional ao seu empenho como representante de sua se-ção junto aos bicheiros locais. Cedinho, perambulava pelas salas do setor, orientando quem eventualmente tivesse al-gum palpite. – Sonhou com a sogra? Joga na cobra! �� na cabeça, tenho certeza! – Ih, o seu João veio todo embecado hoje. Vai dar pavão. Quando a pessoa não entendia bem os trâmites do processo, ele explicava, pacientemente: – Se o sonho foi com bicho e não com um número, joga no grupo. Para garantir, cerca pelos sete lados. Aí, você ganha mesmo se não der na cabeça. O carro estava

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de ré? Joga o número da placa invertido. Outro ponto que ele fazia questão de frisar: o palpite só valia para o dono. E nisso ele era de uma ética ímpar. Jamais utilizava um palpite que não fosse seu. Com o passar do tempo e com a automação das fun-ções, seu Leal foi ficando mais e mais obsoleto. Sentia-se uma máquina de escrever em meio a computadores de última geração. Apenas uma coisa ninguém lhe tirava: o know-how do Bicho. Passou a jogar pra valer. Duas vezes por dia. Busca-va pistas e sinais nas situações mais corriqueiras, como o número da comanda do restaurante ou o preço do cafezi-nho. Precisava ganhar um prêmio milionário. Não aguenta-va mais o trabalho. O chefe tolerava-o. Afinal, era um senhor, o servidor mais antigo do setor. Era só uma questão de tempo até ele se aposentar. Leal conferia mais uma vez o jogo. Nada. Ainda não fora dessa vez. A mulher via o companheiro definhar de tristeza. – Eu vou ganhar. Foi por pouco... – Desiste disso, homem! Você tem um emprego se-guro, onde ninguém te aporrinha. Se você somar tudo o que já gastou em jogo... – Quem não joga não ganha! E eu vou ganhar! Os dias se passavam, e Leal auxiliou vários colegas, vendo-os ganharem prêmios. Ele mesmo conseguiu faturar um dinheirinho em alguns bolões, mas nada que lhe permi-tisse jogar tudo para o alto. Faltavam mais ou menos seis meses para a apo-sentadoria quando ele morreu. Um mal súbito. Coroas de flores eram enviadas pelos colegas. A viúva, inconsolável, voltava para casa quando viu um dos bicheiros, aos gritos, entrando no cemitério com o número da sepultura num pedaço de papel amassado. Dera na cabeça.

Tatiana Alves Soares CaldasRio de Janeiro/RJ

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2º Lugar Prosa Adulto

O CASTELO

Como uma tempestade, milhares de guerreiros tro-vejaram contra o grandioso castelo de Himeji. Os olhos dos samurais, incendiados pelo brilho de suas espadas, relam-pejavam na escuridão da guerra. Os senhores feudais lan-çaram-se todos contra o domínio universal do xogum. Cada qual pleiteava para si uma parcela do poder, desejando, no íntimo, não uma parte, mas a soberania total. Este era um tolo plano de guerra: primeiro, destruir o xogum e, depois, destruir-se uns aos outros. Quem sobrevivesse seria o go-vernante de uma nação em ruínas. Não seria uma guerra rápida. Tomar o castelo de assalto era uma tarefa quase impossível. Primeiro, os in-vasores deveriam ultrapassar o profundo fosso e a colossal muralha que cercavam todo o complexo fortificado. Depois, deveriam passar por um confuso labirinto de passagens. Surgiria outra muralha interna... E mais outra. Enquanto isso, lançada das torres, uma chuva de flechas, pedras e óleo fervente cairia sobre suas cabeças. Se chegassem ao coração da fortaleza, a torre principal de cinco andares, eles estancariam diante de uma base rochosa impenetrá-vel. Portanto, tomar o castelo não era apenas uma questão de força. Era, principalmente, uma questão de paciência. Se não podiam invadir o castelo, deveriam esperar que o inimigo saísse. Deveriam sitiar a fortaleza. Com esta con-clusão, os inimigos prepararam-se para um longo cerco. Os conselheiros procuraram o xogum, que caminha-

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va tranquilamente pelo jardim. Apresentaram uma lista de provisões e cálculos, demonstrando que poderiam resistir por meses dentro das muralhas. Porém, em uma situação como aquela, a vitória era difícil. A verdade era uma só, a situação estava perdida. Mesmo assim, o xogum parecia mais interessado nas flores do jardim do que em guerra. – A florada das cerejeiras deste ano me parece a mais bela de todas que já vi na vida... Creio que nunca haverá outra mais bela que esta. Conselheiros, guerreiros e cortesãos demonstraram grande inquietação ante o aparente descaso do xogum. – Perdoe-me, senhor. Mas como pode pensar em flo-res quando as nossas vidas correm perigo? Uma leve brisa soprou, derrubando uma flor de ce-rejeira. O xogum abriu a mão e evitou que ela caísse. – Posso evitar que esta flor caia agora... Entretanto, não posso segurá-la para sempre. Lamento que as suas vidas estejam em minhas mãos, pois não serei capaz de mantê-las eternamente – dizendo isso, o xogum deixou a flor ser carregada pelo vento. Houve grande comoção, pois parecia que o xogum já havia desistido de lutar e aceitado capitular. Um dos gene-rais insistiu em trazer a mente do líder à situação de guer-ra. Abrindo uma planta do castelo, exibiu o seu plano de defesa. Após ouvir as preocupações do general e de todos os conselheiros, o xogum apontou para o mapa, dizendo: – Acredito que todos pensem que esta planta é uma representação do castelo. Para mim, nada mais vejo do que a representação de um homem... Observem o fosso que ele abre para se separar de tudo aquilo que julga ser “invasor”, isto é, diferente de suas convicções. Vejam as muralhas que ele edifica, mascarando as suas fraquezas para enganar os seus medos. Observem o confuso labirinto de aparências que ele traça para enganar outras pessoas,

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para confundir todos os que querem chegar à torre princi-pal – o seu coração... Todos ouviam o xogum com grande emoção. Sen-tiam que faziam parte das pedras de seu castelo. E o xo-gum continuou: – Todos os homens são castelos de si mesmos. Mas, o que temos de diferente de todos os outros? O que o nos-so castelo de Himeji em cada um de nós tem de especial? Quando todos observam de fora a nossa torre principal, o coração da nossa fortaleza, eles só enxergam cinco anda-res. Mas, nós sabemos que existe um sexto andar, oculto na câmara superior. Esse andar que os estranhos desco-nhecem e que até nós nos esquecemos de sua existência não tem nome. Dele temos a visão geral dos quatro cantos do castelo, temos a consciência de tudo o que nos cerca. Este andar oculto, da consciência em nosso coração, é o mistério da vida. E por ser inominável, invisível e inexplicá-vel... faz do nosso coração um mistério capaz de alcançar o impossível. Todos os guerreiros no interior do castelo sentiram o coração bater mais forte. Os olhos, antes receosos, pare-ciam decididos agora. Os olhos do xogum se iluminaram: – Agora, vejam a verdadeira força que este castelo possui – dizendo isso, o xogum percorria com o dedo o tra-çado da fortaleza. – Vejam que as muralhas, que parecem arraigadas à terra, tomam a forma de um pássaro prestes a alcançar os céus! Talvez seja por isso que, a partir daquele dia, o cas-telo de Himeji passou a ser conhecido como Shirasagi-jo, o castelo do pássaro branco, pois realmente o traçado de suas muralhas desenha um pássaro se preparando para alçar voo. Dizendo isso, o xogum bradou: – Não podemos nos tornar prisioneiros de nosso pró-

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prio castelo. Somos homens livres! Não podemos deixar que o medo nos prenda. Não podemos permitir sobreviver se o preço do resgate é deixar de viver, pois uma vida apri-sionada é um suicídio sem morte! Lutemos para conquistar as asas da vida! Um forte vento soprou entre as muralhas do castelo fazendo as flores de cerejeira voar em todas as direções, envolvendo o xogum e seus guerreiros, que bradavam a uma só voz. Suas espadas voaram contra os inimigos, que ficaram totalmente surpresos com aquele ataque. Afinal de contas, os papéis haviam se invertido. Aturdidos e prepa-rando-se para uma situação de sítio e não de combate, pereceram diante da maior arma da vitória: o valor secreto que se revela inesperadamente no coração de um homem livre. E aquela batalha memorável nunca mais seria es-quecida, porque mostrou a todos que um homem não me-rece o poder apenas por ser forte como um castelo, mas também por ter a coragem de abandonar o seu ninho e usar suas asas. Após a grande vitória, caminhando entre as cerejei-ras do jardim, o conselheiro comentou: – De fato, meu senhor, nunca houve nem haverá uma florada mais bela do que a deste ano... E o xogum respondeu: – Imagino, agora, que a do ano que vem será ainda mais bela...

André Telucazu Kondo

Caraguatatuba/SP

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3º LugarProsa Adulto

AGORA E SEMPRE

Carregava o fardo da solidão acompanhada. Esta viuvez de marido vivo, este desquite de cama de casal ain-da ocupada e, por isso, não quite com o coração. Existe ainda a sombra do biombo que reinava no meio da cama. Biombo imaginário, mas instalado com os gestos reais da separação de corpos que não mais se encontravam. Almas desconhecidas, mas unidas pelos frutos do matrimônio que ainda não ganharam o futuro. Constantemente, questionava o coração e a mente se havia coerência entre os dois, uma vez que o coração pedia que partisse, enquanto a mente racionalizava o fi-car. A dupla jornada de anos a fio, como se sustentasse o peso do mundo pelo excesso de responsabilidades com o estômago, a cabeça e a vida. Ah! Esse amor às avessas de uma felicidade emoldu-rada nos filhos, em um casamento duradouro! Mera casca de ovo... Tão frágeis as relações que, à mais leve bicada, expõem-se as vísceras, explodindo a ira, desfazendo o ni-nho.. Este silêncio de vida, esta eterna busca de si, dos seus eus espalhados no tempo, fragmentados em tantas posturas, meras molduras expostas em horas, às vezes, tão secas, tão mortas... Penélope-aranha tece a teia que a enleia com mãos e mente, noturnamente, que lhe traz esperança de mudan-ça, mas que se desfaz na aurora, no embate da realida-

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de... Dez, vinte, trinta quarenta anos de procura, de bus-ca... Eis que chega o futuro promissor: a casa requintada, o carro importado, o marido próximo, mas sempre afasta-do... O culto ao corpo e a preservação da jovialidade não foram suficientes para manter o interesse do parceiro. Tris-teza de ser só, sabendo-se, no final, pó... Mas a vida insiste e é necessário que, a ela, se cur-ve. Reinventar alegrias, sonhar mentiras, para se acreditar feliz. Se amor não há, Roma existe e Paris insiste em fis-gá-la anualmente, com bálsamos perfumados, em cruzei-ros marítimos, ou em voltas do cruzeiro do sul. Em plena era de aquecimento global que gera a ter-rível espera da seca total, ela se faz manancial ao comple-tar setenta anos. Abre portas, pois, o coração comporta... recebe amigos, filhos, e transborda, solta a corda, desfaz amarras e reinventa a felicidade. Canta, dança e sorri sozinha na pista, na vista dos olhares que despistam... E, ele, já calvo, mantém o alvo no novo, esquecen-do-se de que se restou raiz. Antes do raiar da aurora, apagam-se as luzes, os brilhos e os brios. Ao nascer do sol, é necessário limpar a casa, retirar o tão pisado _ por pés jovens e velhos _ e pesado tapete, e recolhê-lo, definitivamente da vida. O que assusta na velhice é o isolamento. A falta de acasalamento. É o ensaio para a solidão derradeira!

Fátima Soares RodriguesBelo Horizonte/MG

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3º LugarProsa Adulto

REFLEXOS

A lembrança da infância que vinha à sua mente era de seu pequeno rosto refletido em uma poça d’água. En-contrar-se nas poças barrentas deixadas pelas chuvas pas-sou a ser uma espécie de ritual para a pequena Ágata. Cerrava os olhos e via-se apoiada às margens do espelho d’água a esperar que as marolas, avivadas pelas mãozi-nhas rechonchudas, se acalmassem. Enquanto ainda esta-vam por aquietar-se, observava atentamente as oscilações de seu reflexo, inicialmente disforme, a metamorfosear-se, aos poucos, nas delicadas feições infantis, quando chegava a calmaria plena das ondulações. – A princesa do lago! – exclamava Edivaldo, o pai, aproximando-se da poça e permitindo que Ágata abrisse um sorriso pleno ao vislumbrar o reflexo dele por sobre os próprios ombros. A menina agitava novamente a água, demonstrando nítido prazer ao observar as imagens fundi-rem-se na poça, enquanto, dentro de si, fundiam-se tam-bém os reflexos de Antígona e Narciso.

DESTINO Viu a face de seu pai pela derradeira vez refletida no espelho do banheiro. Edivaldo sorriu um sorriso largo en-tremeio à espuma de barbear que lhe cobria parcialmente o rosto. Ágata correspondeu sem compreender porque seu reflexo não estava junto ao do pai. Confusa, agarrava-se às barras do roupão de Edivaldo que lhe envolvia a cintura com um dos braços e erguia-a, de tal modo que pudessem ver-se, lado a lado, dividindo o pequeno espelho. Ágata encostava seu diminuto rosto ao do pai. Ele acreditava que era para que os reflexos coubessem no limitado cristal. Ela, na verdade, achava que podiam fundir-se, como nas ma-rolas da poça. Afastavam-se e o rosto de Ágata sempre trazia os resquícios do creme de barbear. Ambos passavam

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o indicador no rosto e desenhavam, cada um, a metade de um coração no desgastado espelho. Olhavam-se e sorriam. Terminavam o que Edivaldo chamava de brincadeira com um inocente toque de lábios afunilados, normalmente se-guido pela entrada esbravejante da mãe a arrancar Ágata dos braços do marido. Naquele dia, Joelma extrapolou os limites do ciúme e chegou a agredir Edivaldo, jogando em seu rosto as tor-radas besuntadas com geléia de morango que estavam à sua frente, sobre a mesa. No momento em que Edivaldo agarrou o braço da esposa, intentando descarregar sobre ela sua raiva, viu Ágata a observá-los sob o portal. Edival-do limpou o rosto, pegou o paletó sobre a cadeira, e saiu, batendo porta e ruminando raiva que pôde ser novamente ouvida em uma arrancada de pneus. Na mesma manhã, Joelma chorava a perda do ma-rido acidentado. Ágata nada entendia. Lembra-se apenas de passar por entre vários adultos a observá-la enquanto aproximava-se de uma cruz e de um caixote de madeira, onde podia ver algumas flores a trespassar pelas bordas. Recorda-se ainda da voz da mãe a dizer que era melhor que ela ali ficasse, para que se recordasse da imagem do pai ainda vivo.

SAUDADES Passou vários dias a buscar o reflexo do pai nas po-ças d’água barrentas. – Foi morar no céu. – insistia a mãe. Mas, Ágata não via reflexos no céu. Quando, enfim entendeu a eterna ausência do pai, naturalmente culpou a mãe. Talvez por isso tenha adoles-cido precocemente. Talvez por isso pôs brincos em quase toda a borda de sua orelha aos ��, colocou o primeiro pier-cing aos �4 e tatuou-se aos �� com o nome do rapaz que lhe pilhara a virgindade, garoto de �9 anos cuja barba já cerrada conferia-lhe feições muito mais maduras. Tentou cobrir aquela tatuagem com outra, tribal, aos ��, quando o sujeito sumiu sem dar notícias. Cheirou a primeira carreira de cocaína logo depois que terminaram o ensaio do projeto de banda de rock’n roll, na qual insistia em ser compositora e primeira voca-lista. Queria gritar ao mundo o quanto a vida era injusta.

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Queria levantar-se para si mesma e ser forte. Queria cuspir na mãe toda a raiva engasgada e dar-lhe a bofetada que o pai segurou quando a viu sob o portal da cozinha. Queria que a morte tivesse levado a mãe, mesmo sabendo ser errado aquele sentimento, mas trocaria mil vezes a vida da mãe pelo vislumbre do reflexo do pai. Nos ensaios subseqüentes, drogava-se antes mes-mo de iniciarem a primeira música. Os demais integrantes da pequena banda admiravam suas composições, mas, o estado deplorável de Ágata impedia qualquer evolução. O inevitável ocorreu e seus amigos a abandonaram. Simplesmente não foram ao pequeno salão onde ensaia-vam. Deixaram apenas breve mensagem dizendo que suas músicas seriam mais bem interpretadas na voz de um ho-mem e que, caso fizessem sucesso, reconheceriam seu di-reito autoral nas composições.

REFLEXOS Inalou solitária uma última fileira antes de sair do medíocre salão que chegou a chamar de estúdio. Camba-leou ao descer as escadas que davam acesso à estação mais próxima do metrô e sentiu que não seria forte o sufi-ciente para suportar as �4 horas seguintes. Agarrou-se ao corrimão e depois apoiou-se nas pa-redes até chegar ao banheiro da estação. Aproximou-se da pia, retirou o papelote do bolso e estendeu uma espessa carreira sobre o granito negro. Antes de inalar, apoiou as duas mãos nas bordas e ergueu o olhar diretamente para o espelho. Observou o cabelo desgrenhado e pintado de negro, as marcantes olheiras roxas e o último piercing co-locado no lábio inferior, onde se avistava uma gritante ver-melhidão infecciosa. Era seu reflexo, mas não era Ágata, aquela que tem nome de pedra; era seu reflexo, queria, porém, que fosse o de Medusa. A cabeça não se sustentava e movimentava de um lado para outro, cambaleante. Levou uma das mãos à face, queria tatear-se, talvez assim encontrasse naquela tosca imagem a sucumbida princesa do lago. Tentou passar a mão no olho procurando retirar o excesso de sombra negra das pálpebras. O espelho, en-tretanto, enganava-a em sua maldita inversão reflexiva. Cambaleou novamente e tentou apoiar-se à borda da pia,

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não conseguiu e caiu de joelhos, batendo o queixo. Sequer sentiu a dor. Sequer recordava-se do que era a dor exte-rior. Ainda de joelhos, fitou a cocaína à sua frente. Ina-lou-a de uma só vez. Estendeu os antebraços sobre a pia e apoiou o rosto neles. Fechou os olhos e esperou pela viagem. Foi quando ouviu um breve sussurro: Olhe no es-pelho, Baby. Entreabriu os olhos e franziu a testa, como tentasse se concentrar. Olhe no espelho, Baby. Reconheceu nitidamente a voz do pai. Sobressaltada, apoiou o cotovelo e ergueu-se, fitan-do rapidamente o espelho. Toque no espelho, Baby. Ága-ta levou o indicador na direção do espelho, tocando-o le-vemente. Assustou-se ao sentir que seu dedo atravessou o sólido cristal, e recolheu rapidamente a mão. Pequenas marolas concêntricas formaram-se a partir do ponto tocado e seu reflexo transformou-se em feições ainda mais disfor-mes e toscas. As marolas vagarosamente aquietaram-se, trazendo o reflexo da adolescente gótica metamorfoseado na pequena Ágata ainda criança. A princesa do lago! Ou-viu, finalmente, ao vislumbrar, sobre seu ombro, o refle-xo do pai a aproximar-se do espelho. Ágata sorriu, havia muito não sorria. Passou o dedo sobre os resquícios do pó branco e levou o dedo ao espelho, desenhando a metade de um coração. Estendeu o corpo sobre a pia e, afunilando os lábios, beijou o reflexo do pai que correspondeu com o mesmo gesto.

***** Encontraram o corpo horas depois, debruçado sobre a pia. No espelho, pouco acima do corpo, havia um coração esbranquiçado, desenhado a dedo, em duas partes distin-tas que se completavam.

Eduardo de Paula NascimentoFranca/SP

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1º Lugar Prosa Maiores de 60 anos

Prêmio Especial Otávio Pereira Leite

REFÚGIO DOS ANJOS

Sem condições de visibilidade material, encontro-me neste espaço obscuro, a relembrar o passado. Tudo acon-teceu tão de repente. Porém, como num filme, posso des-cortinar, com os olhos do intelecto, alguns fatos ocorridos durante a minha existência. Penso que tudo começou antes mesmo do meu apa-recimento, nos idos do século XVIII, quando as cidades ainda não possuíam iluminação pública; o que havia eram os chamados oratórios rústicos, ou murais, nos quais se acendiam velas e/ou candeeiros de azeite. Mais tarde, sur-giram os lampiões de gás, que eram colocados em algumas esquinas. Não obstante, quem queria andar à noite usava archotes ou incumbia escravos dessa tarefa. Fui um dos primeiros postes de luz elétrica, e minha trajetória como tal ─ isso por volta de 1880 ─, começou num Dia de Finados, quando me assentei como fonte de iluminação no pórtico do cemitério que estava situado no sopé do vulcão Destin. No buraco em que fiquei, a água transbordava. Não fossem os pedregulhos ─ e até dois crâ-nios sem destino ─, ajeitados em torno de minha base, não sei se eu conseguiria manter-me no prumo, visto que a fúria do vento era um tanto ameaçadora. Mesmo assim, como o cemitério estava sendo inaugurado, não faltaram fanfarra e discursos. Nas falas oficiais ninguém se referiu a mim. Entretanto, muitos dos curiosos presentes eram pró-digos na exaltação dos meus dotes físicos e insistiam: Ele é tão bonito, mas... Eu odiava esse “mas” e essas reticências! E o pior era que, mesmo a completarem os comentários aos co-chichos, eu sempre escutava o que eles diziam. Contudo,

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devo ressaltar que me agradava ficar estático, desempe-nhando meu importante trabalho de iluminador; ainda mais de um cemitério, esta cidade silenciosa habitada por seres que não disputam espaços, mas que, por conta de quem permanece vivo, de um lado vêem-se coroas e ricos mausoléus, enquanto de outro se verifica a pobreza ma-nifesta em montes de terra destituídos de flores e cruzes. Cemitérios... refúgios de anjos da luz e anjos das trevas, em que, dentre contrastes gritantes, somente as lágrimas de saudade dos que bebem a dor da morte de seus entes queridos evidenciam a conexão entre monumentos sepul-crais e covas rasas, onde a última visita de todos é para ficar. Fiquei por bom tempo neste cemitério e, além de os vira-latas ficarem a mijar em mim, e das cenas previsí-veis em qualquer cortejo fúnebre, testemunhei fatos inu-sitados. Entre estes, lembro-me do enterro de um homem pranteado por três viúvas que só se deram conta do adul-tério do marido no exato instante do sepultamento. A briga entre elas foi tão feia que uma chegou a cair na cova em que o falecido iria ser enterrado... Tem também a história da mulher cataléptica tida como morta, que sofria de rinite alérgica e, ao colocarem próximo ao seu nariz um buquê de amarilis, ela espirrou... Outro defunto teve de ser reco-lhido do chão e colocado em outro caixão com um fundo que aguentasse os seus mais de duzentos quilos... Presen-ciei até a manifestação de um morto que, através de uma mulher que se dizia médium, insistia para que ela própria fosse a mais beneficiada entre os herdeiros. Só que, ao ser inquirido sobre particularidades da família, o pretenso espí-rito, que afirmava ser o próprio morto, não soube respon-der e, sem outra saída, alegou que tinha de “subir” imedia-tamente, pois o chamavam do além... Já outra ocorrência foi muito interessante: a alma da defunta materializou-se diante de todos; a debandada só não foi geral porque no recinto havia estudiosos do assunto, que convencer a todos sobre a existência do ectoplasma, a parte mais externa do citoplasma, que, segundo pesquisadores do fenômeno, flui do corpo de certos médiuns e possibilita a ação dos espíri-

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tos no mundo material. Há outra história inesquecível, a de um casal de na-morados, que não posso deixar de citar... Antes, porém, devo abrir um parêntese: para que ninguém diga que nego o meu passado, revelo que, antes de me destacar como poste do cemitério, fui lampião de gás. E, posto que tenha sido por um curto período, além de ter conhecido muitos lampianistas, experimentei as emoções e sensações da vida em uma zona de meretrício, onde homens e mulheres, admiradores da boêmia, transitavam, alegres, a esbanjar licenciosidade ao som de modinhas, maxixes e chorinhos. Como contrapontos, não faltavam ópio, haxixe, bebedei-ras, brigas... Também houve mortes naquele local, e a pior delas foi a de Adelaide, uma mulher que levava vida dupla: de dia, ela era dama da alta sociedade; à noite, porém, colocava barbitúricos no chá do marido e, transformada na mais abjeta rameira, dirigia-se aos lupanares, em busca de satisfação com vários homens ao mesmo tempo. Essa situ-ação durou anos, até que o marido, avisado que a esposa o traía, tramou um modo de flagrá-la. Na noite fatídica, então, ele não tomou o tal chá e, assim que ela saiu, pe-gou, rapidamente, sua fantasia de arlequim, o maior dos fetiches eróticos de Adelaide, e a seguiu. Não tardou, e estava diante dela, nua, num quarto malcheiroso. Apesar disso, diante da cena que o aviltava, ele aproximou-se, len-tamente, e, ao tirar a máscara, com os olhos ejetados e a boca espumando, disse: ─ Que prazer inusitado estar com vossa mercê aqui, minha colombina! Aterrorizada, Adelaide só teve tempo de levar a mão à própria garganta e tombar, estrebuchante, degolada por uma navalha. Mas, voltando ao caso do casal de namorados, devo dizer que essa é a história por que tenho a maior admira-ção. Bem, como disponho de pouco tempo, vou contá-la rapidamente. Aconteceu que, sem saberem das mortes re-pentinas um do outro, ocorridas em momentos próximos, mas em locais diversos, a moçoila e o mancebo foram ve-lados num único esquife e, em meio a guirlandas de açu-

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cenas e ao som da marcha nupcial da ópera Lohengrin, de Richard Wagner, foram sepultados. Lindo, não? São muitas as histórias, mas, na situação em que estou, não consigo lembrar-me com riqueza de pormeno-res. Ah, tem mais uma, a do vigia que, a um voo rasante de uma coruja sobre ele, pensou tratar-se de um fantasma e tentou escafeder-se, mas acabou caindo numa sepultura aberta, em cujo interior havia restos mortais a serem leva-dos ao crematório. E na queda, como a madeira da u r n a funerária estava apodrecida, ele acabou dando de cara com o crânio do esqueleto, que, por ironia, sorria sem a falta de um dente sequer, sendo que os incisivos eram de ouro. Nos períodos em que não havia enterros e, conse-quentemente, havia escassez de lágrimas, eu ficava a di-vagar. Como agora, por exemplo, que penso na gradual transformação do mundo... Esta é inevitável; usos e costu-mes se modificam sempre. As tentações e os apelos serão sempre os mesmos, mas tornar-se-ão cada vez mais sofis-ticados. Do jeito que segue, em futuro muito próximo não haverá discernimento entre o certo e o errado em muitas situações. E, ainda que a falta de valores ideológicos possa ser o parâmetro da pós-modernidade, a dúvida “ser ou não ser” prevalecerá, porque muitos humanos, usufrutuários de inúmeras dádivas que passam por eles despercebidas, seguirão matando, roubando e sofrendo sem saberem os porquês da vida e da morte. Bem, neste momento, embora eu pense estar certo de que vivenciei todas as cenas descritas, já não sei se algumas delas não passaram de alucinações ou meras con-jeturas. Ao longe, ouço o dobrar de sinos que comemoram a chegada do século XX, mas, jazo fundido sob a lava do Destin, vulcão diante do qual registrei acontecimentos mil, que, depois de séculos adormecido, entrou em erupção e causou a maior devastação nas cercanias. Na verdade, o que sinto sobre mim não é somente o magma, mas, muito mais o peso do destino, do meu destino, que desde sempre fui tachado de louco e vivi a eternidade ouvindo: Coitado, é um homem tão bonito!... É uma pena que ele pense ser um poste!...

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Ora... homem!... Nunca ninguém fez ideia de tudo o que senti durante a minha existência como poste... E nunca fará, pois, como ninguém escapa da morte, todos os que aqui viviam estão comigo, derretidos, neste formidável evento. Não sei o que eles estão sentindo, mas, ainda que seja bastante assustadora, esta situação proporciona-me uma ampla visão de que, paradoxalmente, no mesmo tem-po em que os humanos se desintegram, nunca deixam de ser entes integrais; isto me leva a crer que eles são, indu-bitavelmente, Princípios Inteligentes do Universo: livres na ação, mas, suscetíveis à reação. Agora, de modo bom e conveniente, devo tomar novos rumos... E, se é que também aos postes a vida con-cede o direito de ter seus elementos transformados em ou-tros tantos que virão a ser partes integrantes do processo evolutivo dos mundos, é minha vez de dizer como o espí-rito manifesto numa das histórias que narrei: com licença, chegou minha hora de partir; algo além me chama... Ainda não estou certo se é o céu ou o inferno, mas, parafrasean-do Shakespeare, também entre estes há mais mistérios do que sonha a minha vã filosofia.

Nilton Tadeu da Silva SilveiraPorto Alegre/RS

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2º Lugar Prosa - Maiores de 60 anos

O APELO

O nome de batismo era Armindo, mas, “Rolhas” foi o que passaram a chamar-lhe, desde que a namorada o deixou e ele começou a pedir rolhas ao Sr. Mário do Estrela – um restaurante na Calçada da Ajuda –, ninguém sabia para quê. Desde pequeno, era um miúdo metido consigo, e o fato de ser muito magro e alto também não ajudava a fazer amizades. O pai era “arrasta” na praça da Ribeira e a mãe vendia hortaliça, de manhã, na praça da Travessa da Boa-Hora. Nem para uma coisa nem para a outra arranjaram, os pais, maneira de o entusiasmar. De vez em quando, a mãe conseguia que lhe dessem trabalho – carregador em lojas de móveis, marçano em mercearias – mas rapida-mente abandonava o trabalho, quando não era o patrão a dizer à mãe que o rapaz andava sempre nas nuvens e não dava conta do recado. Deambulava pelo bairro da Ajuda e do Caramão ou refugiava-se na mata de Montes Claros. Ou, então, isolava-se na biblioteca do Centro Paroquial a ler poesia. Numa dessas vezes, escreveu nas costas do cartão de leitor:

Vagueio por um mundo que me não conhece A minha alma anseia o além

Aí pelos dezenove anos, começou a namorar uma vizinha, a Alcina, que achava graça ao seu ar desajeitado. Sentavam-se aos domingos num banco do Jardim Botâni-co, debaixo dum choupo. Ele recitava-lhe pequenos poe-mas de Cesário Verde e ela sentia que não havia nenhum homem tão sensível como o Armindo. Numa dessas tardes, à sombra do choupo, ele recitou-lhe um poema de sua au-

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toria, como se fosse de Cesário, para ver se ela notava a diferença. Começava assim: Olhaste-me graciosa e prazenteira Como se eu fora de todos o mais nobre…

Ela não notou diferença, o que muito o envaideceu. Foi um namoro agradável e alegre, enquanto durou. Pas-sado um ano, Alcina sentiu que a mesa não se ia guarnecer com poesia e passou-se para o filho do dono da serralharia do Altinho, com o qual casou pouco depois. Foi um rude golpe para Armindo. Alguns diziam que o moço desatinara e apontavam o fato de ter passado a andar sempre com um bolso cheio de rolhas de cortiça. Por essa altura escreveu numa carteira de fósforos:

O poema só brota nos peitos esfacelados

Uns meses depois, um tio, que trabalhava no Jar-dim Tropical, puxou-o para jardineiro. Tratar das plantas e dos canteiros, manter o jardim limpo, eram tarefas que lhe agradavam. O contato com as plantas e os animais, a per-cepção dos seus ciclos, faziam-no sentir-se em comunhão com o mistério da Natureza. Escrevia:

Deixa a palmeira para a algazarra dos pardais e a araucária para o bulício dos demais! Na paz do dragoeiro faz, melro, o teu poleiro!

Quando ganhou experiência, encarregaram-no dos alfobres nas estufas, onde pode trabalhar sozinho, como gosta. Prepara as pequenas leiras de terra, semeia e cobre as sementes, identifica as plantações, rega as pequenas plantas quando rebentam, transfere-as para vasos ou can-teiros, quando atingem tamanho adequado, e cuida delas até serem mudadas para o ar livre. Embora atento ao que faz, a sua mente arquiteta frases, avalia rimas e sonoridades, sobretudo ausculta o coração. Depois, à hora de almoço, senta-se num banco e verte, num caderno de papel colorido, o que o íntimo lhe inspira: Todo o caule por minhas mãos tange. Esgrimo da mandrágora o alfange,

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o aloendro murmura e range. Quando o dia de trabalho termina, dirige-se para a beira Tejo, a jusante da estação dos barcos, com uma bolsa de lona a tiracolo. Senta-se no paredão e fica a contemplar o rio. «Para onde irão todas estas águas? Alguém lhes marca o destino? Alguém as aguarda?», são perguntas que lhe acodem ao espírito. «Como admiro a serenidade com que seguem, resolutas, na direcção do sol-pôr! Lá longe, outros olhos de outras pessoas nelas pousarão e delas co-lherão a beleza que eu vejo.» Armindo tira então da bolsa uma garrafa vazia de vidro transparente, separa a folha de caderno com o seu pequeno poema, enrola-a, ata-a com um junco seco e in-trodu-la meticulosamente na garrafa. Num ritual sempre igual, tira do bolso uma das rolhas e veda a garrafa cuida-dosamente. Então, levanta-se e atira a garrafa ao rio, tão longe quanto a sua força alcança. Solene, fica a observá-la, primeiro com o gargalo a esbracejar, como se apelasse por socorro, depois num suave gesto de adeus e, por fim, a deslizar lentamente, imperceptivelmente, em direção ao mar. À noite, antes de adormecer, com o “Só” de António Nobre à cabeceira, sente às vezes algo indefinível, como que uma sintonia com um espírito desconhecido, mas tão íntimo como si próprio. Gosta de imaginar que, lá longe, numa praia remota, alguém, vagueando ao sabor dos seus pensamentos solitários, encontra uma das suas garrafas e lê:

Penso em ti, minha amiga, alma gêmea, minha irmã. Só e triste. Anseio por te conhecer. Pensa em mim, assim nos vamos encontrar!

E adormece mansamente.

Joaquim Lopes Duarte BispoOdivelas/Portugal

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3º Lugar Prosa - Maiores de 60 anos

DIDI

Desde que me entendo por gente, tenho minhas complicações. Lá em casa, eu parecia sido feito de cristal, cuidados daqui, cuidados dali, um ovinho de pele fina. A molecada crescia, jogava bola, soltava pipa e tantas coisas mais. Eu, não! Sempre agarradinho com a mamãe, meio gorduchinho, feioso, moleirão, cheio de denguinhos. Quando me matricularam na escola, levei um monte de apelidos. Os colegas riam muito da minha cara. Eu não sabia correr, gritar, pular e vivia enfurnado na sala de aula acom-panhando com os olhos a bagunça da criançada. Minha professora, tia Alice, havia assumido um segundo papel de mãe, e a história se repetia. Era bilhetinho e telefonemas para a mamãe que me controlava a distância. Nas aulas de Educação Física, eu era um fracasso, na piscina, nem pensar, nadava como um martelo jogado na água. Minha professora tinha toda paciência tentando me ajudar para aliviar um pouco da gozação da turma. O chato é que eu já estava me dando conta de que eu era mesmo esquisito, ou melhor, esquisitão, diferente dos de-mais. Acabei ficando com medo de todos, de tudo e até de mim mesmo. E não podia “nada”! Tudo era perigoso e fazia mal! Na minha mochila tinha sempre um lanche especial. Eu nunca podia ir à cantina e comprar as guloseimas que a meninada exibia, lambendo os dedos na minha cara só para me fazer inveja. Então, me decidi! Afinal, precisava saber o que esta-

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va havendo comigo. Não aguentava mais aquela situação na escola, os paparicos em casa, as visitas periódicas ao médico, sempre a mesma história, desde pequenino. Tam-bém comecei a notar que não estava enxergando direito. Um dia, no recreio, passou um avião de propaganda e a turma começou a se alvoroçar. Esforcei-me para tentar en-xergar e nada vi do que eles tanto falavam. Cheguei a casa decidido! Desta vez, a mamãe não escapa! Era aniversário da Julinha, minha melhor amiga de sala. Mamãe disse que eu não poderia ir porque esta-va de dieta. Dieta??? Fiquei encucado! Nunca tinha ouvido palavra tão feia e cruel! Enfrentei o caso... Tomei banho, embora deselegante e de olhos fundos botei a minha roupa predileta e disse: -Vou ao aniversário da Julinha! Mamãe deu um ataque, disse que ia telefonar para o meu pai no escritório, que ia ligar para o Dr. Silveira para se informar e foi um Deus nos acuda! Papai chegou, to-mou-me pelas mãos, sentou-se bem perto de mim e falou com carinho: -Meu filho, entenda. Você é um menino com um pro-blema especial no sangue... Você tem açúcar no sangue, por isso é tão docinho que nós cuidamos tão bem de você e o amamos tanto. Açúcar no sangue??? Logo açúcar??? O veneno, a proibição, o bicho papão de toda a minha vida! Quanta injustiça! Assim me dei conta de todas as limita-ções, do chato do Dr. Silveira me pegando sempre pelo pé, das análises periódicas de sangue e... da tal insulina (odeio esse nome) a que eu julgava a minha maior inimiga. Naquele dia o mundo caiu na minha cabeça. Desco-bri que o meu apelido DIDI - eu me chamava Manoel Carlos - que toda a molecada me zoava era um pedaço da palavra diabético. Fiquei revoltado! Ora bolas, logo eu, por quê to-mei consciência do que seria a minha vida dali para frente e de todas as limitações futuras?

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Didi, um trapalhão inocente, pensei, bagunçando logo o meu sangue! O diabetes, que minha mãe sempre dizia que tinha herdado da família dela de raiz alemã. Eu era louco por doce. Chegava a imaginar, sonhar com um pedacinho de torta de maçãs, de verdade! Daquela que eu provei escon-dido na geladeira da casa da tia Lúcia e me fartei sem que ninguém visse! Belisquei um tiquinho e a torta me chama-va: -Vem cá, tem mais!!!Volta! Volta! Até o último fare-lo! Eu me vinguei, todos distraídos vendo a novela das oito e fui me fartando e no outro dia o que me aconteceu??? Internação de emergência, mamãe apavorada, Dr. Silveira me cuidando com os seus terríveis remédios... Daquele dia em diante fiquei mais triste. A mole-cada me chamava de Didi e eu nem me tocava. Isolei-me dos outros. Distraía-me desenhando e fui me dedicando ao desenho, embora com dificuldade visual. Tornei-me um pe-queno cartunista. Fazia minhas charges, sacava tudo com rapidez e inteligência e assim, descobri a palavra supera-ção. O que era proibido, era proibido! Fazer o que??? Se eu era vítima desse mal incurável não havia outra saída a não ser lutar para sobreviver, con-vivendo com o tratamento, as gozações e os paparicos da mamãe. Só de um fato eu não me esqueço! Certo dia, passei com os meus irmãos na avenida mais importante da cidade onde havia uma padaria de nome sinistro: “Doces Delícias”, com vitrinas encantadoras. Precisava ter esse nome? Logo esse? Por dentro do vidro percebi uma pequena formiga experimentando os sabores diversos das guloseimas ex-postas... Então, naquele momento, na minha inocência de criança, eu pensei que aquela tão feia formiga era bem

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mais feliz do que eu por estar ali provando de todos aque-les sabores. E chorei, chorei uma lágrima secreta que me escorreu pelo rosto. Zezinho, meu irmão mais velho, per-cebeu e perguntou: - Que foi cara? Tá chorando na rua? Cabisbaixo, eu disfarcei e respondi: -Não, não foi nada, foi uma formiga, uma formigona detestável que caiu logo aqui, no meu olho. Segui em fren-te! Trilhei caminhos, cresci, amadureci. Quem sou??? Nem precisa perguntar! Sou o Didi assumido, pseudônimo que uso para assinar todos os meus desenhos que fazem su-cesso em todas as revistas e jornais importantes do país.

Amélia Marcionila Raposo da LuzPirapetinga/MG

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Presidentes e diretorias da Academia de Letrasdos dias atuais até sua fundação em �9��

Lucelena Maia Francisco de Assis Carvalho ArtenMaria Célia de Campos Marcondes Sérgio Ayrton Meirelles de OliveiraMaria Aparecida P.l Mangeon de Oliveira - três gestõesMaria Célia de Campos MarcondesJosé Edgard Simon AlonsoWildes Antonio Bruscato Octávio Pereira Leite - três gestõesDom Tomás Vaquero - três gestões

Diretorias:Biênio 2013/2014

Presidente- Lucelena Maia�º Vice-presidente- Antônio Carlos Rodrigues Lorette�º Vice-presidente- João Sérgio Januzelli de Souza�º Secretária- Silvia T. Ferrante Marcos de Lima�º Secretária-Maria Cândida de Oliveira Costa �º Tesoureiro- Lauro Augusto Bittencourt Borges�º Tesoureira- Vânia Gonçalves Noronha�º Bibliotecária- Maria Célia de Campos Marcondes�º Bibliotecário- Antonio “Nino BarbinConselho fiscal:Donisete Tavares Moraes de OliveiraLuiz Antonio SpadaRonaldo Frigini

Biênio 2011/12PRESIDENTE: Francisco Assis de Carvalho Arten�º VICE PRESIDENTE: Vedionil do Império�º VICE PRESIDENTE: Sérgio Ayrton Meirelles de Oliveira�º SECRETÁRIO: Gilberto Brandão Marcon�ª SECRETÁRIA: Sílvia Tereza Ferrante Marcos�º TESOUREIRO: Lauro Augusto Bittencourt Borges�ª TESOUREIRA: Sônia Maria Silva Quintaneiro�ª BIBLIOTECÁRIA: Maria Célia de Campos Marcondes �ª BIBLIOTECÁRIA: Gilda Magalhães NardotoCONSELHO FISCALDonisete Tavares Moraes OliveiraJosé Rosa CostaLuiz Antônio Spada

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ACADÊMICOS NA ATUALIDADEAntônio “Nino” Barbin

Antonio Carlos Rodrigues Lorette

Antonio de Pádua Barros

Beatriz Virginia C. Castilho Pinto

Carmen Lúcia Balestrin

Carmen Lia Batista Romano

Celina Maria Bastos Varzim

Clineida de Andrade Junqueira Jacomini

Décio Teixeira Noronha

Donizete Tavares Moraes Oliveira

Ernani de Almeida Paiva

Francisco de Assis Carvalho Arten

Gilberto Brandão Marcon

João Baptista Scannapieco

João Batista Rozon

João Batista Gregório

João Otávio Bastos Junqueira

João Sérgio Januzelli de Souza

Jorge Gutemberg Splettstoser

José Benedito Almeida David

José Carlos Sibila Barbosa

José Rosa Costa

Lauro Augusto Bittencourt Borges

Lucelena Maia

Luiz Antonio Spada

Maria Cândida de Oliveira Costa

Maria Cecília Azevedo Malheiro

Maria Célia de Campos Marcondes

Maria José Gargantini Moreira Silva

Nege Além

Neusa Maria Soares de Menezes

Plínio de Arruda Sampaio

Ronaldo Frigini

Sérgio Ayrton Meirelles de Oliveira

Silvia Tereza Ferrante Marcos

Sonia Maria Silva Quintaneiro

Vânia Gonçalves Noronha

Vedionil do Império

Wildes Antônio Bruscato