19.07 cabelinho cabelao - bÚ! historias de medo e coragem · “que conversinha mais sem pé nem...

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Disse então: “Meu filho querido, antes de ganhar o mundo à procura do amor, quero que escolha. Se quiser, te dou dinheiro, mas se preferir, te dou conselho”. O príncipe ouviu com atenção. Percebendo a preocupação nos olhos do pai, pediu seu conselho. Pai e filho conversaram a tarde inteira e chegou a hora de partir. O príncipe andou pelo mundo. Sem encontrar um amor, o filho do rei pegou um atalho. Chegou a uma casa antiga de onde soava doce melodia: “Quem quiser vatapá, que procure fazer primeiro o fubá, depois o dendê...”. Faminto e sedento, o príncipe desceu do cavalo e tocou a campainha. Saiu da casa uma velha muito velha. Uma criatura curva e corcunda. Magra, fedida e ossuda. Convidou o moço para entrar. Disse, porém, que era uma senhora sozinha e indefesa, e que tinha medo que ele entrasse com a espada em sua casa. Pediu que amarrasse o cavalo na cerca e a espada também. Para isso, a senhora arrancou um fio de cabelo muito comprido de dentro do nariz! O príncipe olhou aquilo espantado, lembrou-se da conversa com seu pai e resolveu colocar o fio sem amarrar tanto sobre o cavalo quanto sobre a espada. A noite estava tranquila, a mesa farta. O príncipe jantou e, exausto, adormeceu no sofá da sala. De repente, no meio do sono, sentiu um cutucão. Era a velha que fez a ele uma estranha proposta: “Ai, que tédio, nada acontece nesse lugar, vamos brincar? Tira um braço de ferro comigo, se eu ganhar você me dá um beijo!”. O príncipe olhou para aquele braço, osso e pele, para a boca ele teve até medo de olhar, mas olhou. Contou a ela sobre sua procura pelo amor e perguntou se ela já tinha amado. A velha ficou invocada do mesmo modo. “Que conversinha mais sem pé nem cabeça é essa?” A velha então deu uma voadora no príncipe! Seguida de um sopapo na barriga e um safanão no pé da orelha, depois pulou em cima de suas costas e deu um bofete fortíssimo na cara dele! Para se defender, o príncipe disse: “Me acode, meu cavalo, me salva, minha espada!”. Mas a velha retrucou na hora: “Engrossa, meu cabelo da napa!”. O fio de cabelo da velha ficou forte como uma viga de aço, mas como o príncipe não amarrara com nó verdadeiro, o cavalo e a espada vieram ao seu encontro e o príncipe rendeu a velha depois da batalha mais esquisita do mundo, com direito a dedo no olho e tudo! Rendida, a velha chorou e libertou de dentro do fosso de sua casa mais de mil homens de todos os lugares do mundo. Entre eles, os irmãos do príncipe. Os irmãos estavam se abraçando emocionados quando sentiram um cheiro tenebroso. A velha estava inchando e tremendo. Depois ficou pálida esverdeada e explodiu. Da explosão restou um ovo. Os irmãos tocaram o ovo e, quando o mais novo pegou o ovo nas mãos, ele se quebrou. Saiu de dentro do ovo uma princesa lindíssima. Ela contou que um feitiço a tornara velha e que agora estava livre. O que houve depois é mistério. Alguns dizem que ela se casou com o príncipe caçula e todos voltaram para o reino, para a alegria do velho pai, que nunca desistira de cuidar de suas árvores. Outros dizem que cada um deles partiu só. Outros ainda dizem que a princesa se casou com os três irmãos e que ela voltava à antiga forma em noite de lua. Cabelinho Cabelão Ministério da Cultura e Endesa Brasil apresentam Patrocínio Realização

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Page 1: 19.07 Cabelinho Cabelao - BÚ! Historias de Medo e Coragem · “Que conversinha mais sem pé nem cabeça é essa?” ... com boa quantidade de moedas de ouro. Feito. Diante da escolha

Disse então: “Meu fi lho querido, antes de ganhar o mundo à procura do amor, quero que escolha. Se quiser, te dou dinheiro, mas se preferir, te dou conselho”. O príncipe ouviu com atenção. Percebendo a preocupação nos olhos do pai, pediu seu conselho. Pai e fi lho conversaram a tarde inteira e chegou a hora de partir.

O príncipe andou pelo mundo. Sem encontrar um amor, o fi lho do rei pegou um atalho. Chegou a uma casa antiga de onde soava doce melodia: “Quem quiser vatapá, que procure fazer primeiro o fubá, depois o dendê...”. Faminto e sedento, o príncipe desceu do cavalo e tocou a campainha.

Saiu da casa uma velha muito velha. Uma criatura curva e corcunda. Magra, fedida e ossuda. Convidou o moço para entrar. Disse, porém, que era uma senhora sozinha e indefesa, e que tinha medo que ele entrasse com a espada em sua casa. Pediu que amarrasse o cavalo na cerca e a espada também. Para isso, a senhora arrancou um fi o de cabelo muito comprido de dentro do nariz! O príncipe olhou aquilo espantado, lembrou-se da conversa com seu pai e resolveu colocar o fi o sem amarrar tanto sobre o cavalo quanto sobre a espada.

A noite estava tranquila, a mesa farta. O príncipe jantou e, exausto, adormeceu no sofá da sala. De repente, no meio do sono, sentiu um cutucão. Era a velha que fez a ele uma estranha proposta: “Ai, que tédio, nada acontece nesse lugar, vamos brincar? Tira um braço de ferro comigo, se eu ganhar você me dá um beijo!”. O príncipe olhou para aquele braço, osso e pele, para a boca ele teve até medo de olhar, mas olhou. Contou a ela sobre sua procura pelo amor e perguntou se ela já tinha amado. A velha fi cou invocada do mesmo modo. “Que conversinha mais sem pé nem cabeça é essa?” A velha então deu uma voadora no príncipe! Seguida de um sopapo na barriga e um safanão no pé da orelha, depois pulou em cima de suas costas e deu um bofete fortíssimo na cara dele! Para se defender, o príncipe disse: “Me acode, meu cavalo, me salva, minha espada!”. Mas a velha retrucou na hora: “Engrossa, meu cabelo da napa!”. O fi o de cabelo da velha fi cou forte como uma viga de aço, mas como o príncipe não amarrara com nó verdadeiro, o cavalo e a espada vieram ao seu encontro e o príncipe rendeu a velha depois da batalha mais esquisita do mundo, com direito a dedo no olho e tudo! Rendida, a velha chorou e libertou de dentro do fosso de sua casa mais de mil homens de todos os lugares do mundo. Entre eles, os irmãos do príncipe.

Os irmãos estavam se abraçando emocionados quando sentiram um cheiro tenebroso. A velha estava inchando e tremendo. Depois fi cou pálida esverdeada e explodiu. Da explosão restou um ovo. Os irmãos tocaram o ovo e, quando o mais novo pegou o ovo nas mãos, ele se quebrou. Saiu de dentro do ovo uma princesa lindíssima. Ela contou que um feitiço a tornara velha e que agora estava livre. O que houve depois é mistério.

Alguns dizem que ela se casou com o príncipe caçula e todos voltaram para o reino, para a alegria do velho pai, que nunca desistira de cuidar de suas árvores. Outros dizem que cada um deles partiu só. Outros ainda dizem que a princesa se casou com os três irmãos e que ela voltava à antiga forma em noite de lua.

CabelinhoCabelão

Ministério da Cultura e Endesa Brasil apresentam

Patrocínio Realização

Page 2: 19.07 Cabelinho Cabelao - BÚ! Historias de Medo e Coragem · “Que conversinha mais sem pé nem cabeça é essa?” ... com boa quantidade de moedas de ouro. Feito. Diante da escolha

Em um reino viviam três príncipes. O rei, que amava plantas, havia plantado uma árvore em comemoração ao nascimento de cada um dos filhos. Certo dia, o mais velho desejou conhecer o amor. O pai fez um baile para que escolhesse, entre as moças do reino, uma para esposa. De nada adiantou baile tão cheio de luxo e fricotes. O príncipe dançou com todas. Uma a uma e desgostou de todas. Todinhas!

Na manhã seguinte, disse ao pai que desejava andar pelo mundo em busca de seu amor. O pai, um pouco contrariado, teve que acatar o desejo do coração jovem de seu filho. No momento da partida, o rei sentiu um arrepio fino na espinha. Pensou que o mundo era perigoso e que deveria orientar o rapaz. Disse então: “Meu filho querido, antes de ganhar o mundo à procura do amor, quero que escolha. Se quiser, te dou dinheiro, mas se preferir, te dou conselho”. O príncipe riu. Pensou que conselho era coisa sem valor, que diante das aventuras que viveria melhor mesmo era se calçar com boa quantidade de moedas de ouro.

Feito. Diante da escolha do filho, o rei apenas acatou. Despediu-se com abraço apertado e pediu que um dia voltasse para casa. Sete anos se passaram rápidos como ventania, e nada de notícia do príncipe.

O príncipe andou pelo mundo até que toda sua fortuna terminasse. Sem dinheiro e sem ter encontrado um amor, o filho do rei pegou um atalho. Chegou a uma casa antiga de onde

soava doce melodia, “com açúcar, com afeto, fiz seu doce predileto para você parar em casa...”. Faminto e sedento, o príncipe desceu do cavalo e tocou a campainha.

Saiu da casa uma velha muito velha. Uma criatura curva e corcunda, cheia de verrugas e de uma magreza assustadora. Convidou o moço para entrar. Disse, porém, que era uma senhora sozinha e indefesa, e que tinha medo que ele entrasse com a espada em sua casa. Pediu que amarrasse o cavalo na cerca e a espada também. Para isso, a senhora arrancou um fio de cabelo muito comprido. O príncipe teve nojo, mas a fome era tanta que acabou acatando o pedido e amarrando tanto o cavalo quanto a espada.

A noite estava tranquila, a mesa farta. O príncipe jantou e, exausto, adormeceu no sofá da sala. De repente, no meio do sono, sentiu um cutucão. Era a velha que fez a ele uma estranha proposta: “Ai, que tédio, nada acontece nesse lugar, vamos brincar? Tira um braço de ferro comigo, se eu ganhar você me dá um beijo!”. O príncipe olhou para aquele braço, osso e pele, para a boca teve até medo de olhar! Desconversou, mas a velha ficou invocada! “Você acha que sou fraca? Ou tá com medo do beijo? Tá me achando feia, é?” O moço ficou sem reação! A velha então deu uma voadora no príncipe! Seguida de um sopapo na barriga e um safanão no pé da orelha, depois pulou em cima de suas costas e deu um bofete fortíssimo na cara dele! A velha era um monstro, era mais forte que um gorila! Batia com gosto! Para se defender, o príncipe disse: “Me acode, meu cavalo, me salva, minha espada!”. Mas a velha retrucou na hora: “Engrossa, meu cabelo!”. O fio de cabelo da velha ficou forte como uma corrente e o cavalo e a espada mal conseguiam se mexer! Depois da batalha, o príncipe desmaiou. A velha apertou um botão, o chão se abriu e o príncipe caiu no fosso da casa.

No castelo, o segundo príncipe seguia o mesmo destino do irmão. Queria um amor. Não havia mulher no reino que tocasse seu coração. Pediu para partir. Entre conselho e dinheiro, escolheu o segundo. O pai se preocupava. A árvore plantada no nascimento do primeiro filho estava com a folhagem rala e seus troncos racharam com um estranho mal desconhecido.

“Seja feito seu destino”, disse o rei. O príncipe andou pelo mundo até que toda sua fortuna terminasse. Sem dinheiro e sem ter encontrado um amor, o filho do rei pegou um atalho. Chegou a uma casa antiga de onde soava doce melodia, “eu dou um doce, maninha, para o dono do meu coração...”. Faminto e sedento, o príncipe desceu do cavalo e tocou a campainha.

Saiu da casa uma velha muito velha. Uma criatura curva e corcunda. Seus olhos eram fundos e sua magreza assustadora. Convidou o moço para entrar. Disse, porém, que era uma senhora sozinha e indefesa, e que tinha medo que ele entrasse com a espada em sua casa. Pediu que amarrasse o cavalo na cerca e a espada também. Para isso, a senhora arrancou um fio de cabelo muito comprido da canela. O príncipe teve nojo, mas a fome era tanta que acabou acatando o pedido e amarrando tanto o cavalo quanto a espada.

A noite estava tranquila, a mesa farta. O príncipe jantou e, exausto, adormeceu no sofá da sala. De repente, no meio do sono, sentiu um cutucão. Era a velha que fez a ele uma estranha proposta: “Ai, que tédio, nada acontece nesse lugar, vamos brincar? Tira um braço de ferro comigo, se eu ganhar você me dá um beijo!”. O príncipe olhou para aquele braço, osso e pele, para a boca teve até medo de olhar! Desconversou, mas a velha ficou invocada! “Você acha que sou fraca? Ou tá com medo do beijo? Tá me achando feia, é?” O moço ficou sem reação! A velha então deu uma voadora no príncipe! Seguida de um sopapo na barriga e um safanão no pé da orelha, depois pulou em cima de suas costas e deu um bofete fortíssimo na cara dele! A velha era um monstro, era mais forte que um gorila! Batia com gosto! Para se defender, o príncipe disse: “Me acode, meu cavalo, me salva, minha espada!”. Mas a velha retrucou na hora: “Engrossa, meu cabelo da perna!”. O fio de cabelo da velha ficou forte como uma corda de aço e o cavalo e a espada mal conseguiam se mexer! Depois da batalha o príncipe desmaiou. A velha apertou um botão, o chão se abriu e o príncipe caiu no fosso da casa.

Sete anos se passaram e nada se sabia do paradeiro do príncipe. No castelo, o terceiro príncipe seguia o mesmo destino dos irmãos. O pai se preocupava. A árvore plantada no nascimento do segundo filho estava seca e um inseto asqueroso soltara em seus galhos um líquido venenoso mortífero.

Ainda assim o caçula insistia. “Seja feito seu destino”, disse o pai. No momento da partida, o rei sentiu um arrepio fino na espinha ainda mais forte do que antes. Pensou que o mundo era perigoso, que devia orientar o rapaz. Que não gostaria de perder também este filho.

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