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VuJonga - Cadernos Literários | Domingo 19/01/20, Edição nº 008 Pág. 1/47 'Sol do Rio Tejo - foto de Silvya Gallanni © 2016 destaque nas páginas seguintes em mais destaques nas páginas seguintes em António Aleixo | ‘Quando Começo A Cantar’ um poeta algarvio | apresentação de Fátima Domingues ESPECIAL ALGARVE 1 Fátima Domingues: António Aleixo – um poeta algarvio. Mphumo Kraveirinya: Aljezur Minha| IX cantos algarvios. Silvya Gallanni: Albufeira | instantâneo algarvio. Myriam Jubilot: Algarve - canção de amor | colectânea poética

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2016

destaque nas páginas seguintes em

mais destaques nas páginas seguintes em

António Aleixo | ‘Quando Começo A Cantar’

um poeta algarvio | apresentação de Fátima Domingues

ESPECIAL ALGARVE 1

Fátima Domingues: António Aleixo – um poeta algarvio.

Mphumo Kraveirinya: Aljezur Minha… | IX cantos algarvios.

Silvya Gallanni: Albufeira | instantâneo algarvio.

Myriam Jubilot: Algarve - canção de amor | colectânea poética

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Ficha técnica | links d’edições

CULINÁRIA | Dona Cacilda da Conceição Dias:

receitas | gastronomia | memórias associativas mestiças.

FILOSOFIA | Myriam Jubilot:

prosa e poesia | crónicas interculturais | ensaio.

REVISÃO | Fátima Domingues:

textualidade e contexto | pedagogia | revisão de texto.

HISTÓRIA | Adelto Gonçalves:

Brasil – Portugal | resenhas literárias | Lusofonia.

PSICOLOGIA CLÍNICA | Fanisse Craveirinha:

psicoterapias | reflexões sobre saúde mental quotidiana.

INSTANTÂNEOS | Silvya Galllanni:

instantâneos | crônicas | poesia | fotografia | revisão gráfica.

COMUNICAÇÃO e CULTURA |

João Craveirinha [fundador e coordenador]:

comunicação e cultura | resenhas | revisão-geral. .

ARTE | Mphumo Kraveirinya:

infografismo | layout | art work | poesia | crítica de arte.

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VuJONGA – significado.

VuJONGA significa ORIENTE, e também por analogia,

povo vaJonga do ‘Sol Nascente’– em língua Jonga.

ORIENTE – ponto cardeal

de uma das quatro direcções principais da rosa-dos-ventos

[Sul – Norte; Ocidente – Oriente]

ShiJonga ou ‘O Jonga’ é um idioma africano que tem a sua origem

milenar no idioma kiKongo, com sede em Bandundu no ‘Congo-

Kinshassa.’ Daí sairiam migrações cíclicas do povo (ba)Kongo, rumo à

África Austral, tomando rumos diferentes a partir do rio Zambeze, a sul

e a norte.

Posteriormente, em fusão genético-cultural, originou outras

variantes idiomáticas, tais como as dos povos Nhandja (Niassa), Guigóne

(Inhambane), Jonga (Móputso), e ainda outras variantes posteriores tais

como ShiSuate (Suazilândia), Zulo (Natal), Shengane (Gaza), ShiTsua

(Inhambane).

A língua Jonga é, pois, um idioma muito antigo da cultura baNto da

capital de Moçambique. Sofreu várias influências linguísticas no decurso

do tempo. Estas são o registo cultural de épocas em que navegadores

europeus e asiáticos circularam pela costa marítima moçambicana, aí

desenvolvendo relações comerciais – mais pacíficas – umas, e outras

mais conflituosas.

Este idioma, shiJonga, encontra-se actualmente em processo de

extinção, devido a imposições ideológicas do poder político

estabelecido desde 1975.■ coordenador JC.

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1º Esboço de Mapa Etno-Etimológico

da região vaJonga - séculos XVI-XIX

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ANTOLOGIA VUJONGA | POESIA

diáspora algarvia de heranças genético-culturais

pelo mundo Europa – África – Ásia – Oceânia – Américas

Algarve | Galipedia - imagem

https://www.wikiwand.com/gl/Algarve

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Fátima Domingues

Antologia in VuJonga cadernos literários

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O nosso Coordenador, o intelectual e artista João Craveirinha, convidou-me

a criar uma página de ANTOLOGIA, o que muito me agradou pois veio ao

encontro de um projecto que eu própria começava a arquitectar.

Assim, começamos hoje esta nova secção.

Porquê este título - Quando começo a cantar?

“Quando Começo A Cantar” é o título da primeira publicação da Poesia do

Poeta algarvio António Aleixo.

Debruço-me sobre a 3ª edição, um livrinho de 13,4cmX19,6cm, 4mm de

espessura, de 78 páginas, datado de 1960, da “Tip. da 1E.N.P. (Secção Anuário

Comercial de Portugal”.

Este livrinho, já amarelecido, chegou ao meu conhecimento, teria eu uns 16

ou 17 anos. Um aluno do Ensino Primário, em Faro, vendeu este exemplar à sua

professora, minha Mãe. Chegada a casa, ela deu-mo: “Toma isso. É do pai ou avô

de um aluno meu.”

“Quando Começo

A Cantar”

António Aleixo

Fátima Domingues

ESPECIAL ALGARVE 1

apresentação

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Abri. Vi que o prefácio era assinado pelo meu professor de Francês, Dr.

Joaquim Magalhães – professor de Francês do 3º Ciclo, no antigo Liceu Nacional

de Faro.

Isso despertou-me o interesse e incentivou-me à leitura.

Esta primeira colectânea dos poemas de António Aleixo começa assim:

Peço às altas competências

perdão, porque mal sei ler,

p’ra aquelas deficiências,

que os meus versos possam ter. (pág. 13)

Tocou-me esta ingénua humildade. Continuava:

Quando não tenhas à mão

outro livro mais distinto,

lê estes versos que são

filhos das mágoas que sinto. (pág. 13)

Hi, meu deus! Que simplicidade!

...E a minha leitura continuou.

Nas páginas seguintes, havia estas expressões de profundo desgosto:

Compreendo que envelheci

e que já daqui não passo,

como não passam daqui

as pobres quadras que faço. (pág. 14)

Por de Deus ter recebido

tantas provas de bondade,

já lhe tenho até pedido

a morte por caridade. (pág. 16)

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A vida é uma ribeira;

caí nela, infelizmente...

hoje vou, queira ou não queira,

aos trambolhões na corrente (pág. 53)

Além destes desabafos tão claros, tão simples na sua elaboração, mas tão

eloquentes no seu sentimento, havia uma crítica social, muito explícita embora

ingénua:

No mundo – bola que gira,

sendo a mentira um defeito

em nós, dos mais vergonhosos,

até parece mentira

que a mentira tenha feito

ricos, tantos mentirosos. (pág. 71)

Para mim, este livrinho tornou-se precioso. Como professora que fui na

minha vida profissional, o Poeta Aleixo tornou-se um símbolo dos inúmeros

talentos que se perdiam por falta de escolarização... ou por falhas do próprio

Ensino pouco estimulante...

Abro, então, esta página de “Antologia” com esta singela homenagem ao

poeta António Aleixo, um expoente máximo da nossa Poesia dita Popular, que

tanto admiro e amo.

De António Aleixo, o Dr. Magalhães, que conhecia o Poeta pessoalmente,

ajuda-nos, no seu prefácio, datado de Março de 1943, a visualizar um seu retrato:

“O poeta António Aleixo, cauteleiro e guardador de rebanhos, cantor popular

de feira em feira, pelas redondezas de Loulé, é um caso singular, bem digno de

atenção de quantos se interessam pela poesia.

Embora não totalmente analfabeto – sabe ler e tem lido meia dúzia de bons

livros – não é capaz, porém, de escrever com correcção [...]

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Todavia, há nos versos que constituem este livro uma correcção de

linguagem e, sobretudo, uma expressão concisa e original de uma amarga filosofia,

aprendida na escola impiedosa da vida, que não deixam de impressionar.

Além disso, o tom sentencioso da maior parte das quadras que se reuniram e

o facto de serem produto de uma espontaneidade quase inacreditável para quem

não conheça pessoalmente o poeta, justificam suficientemente a tentativa de dar a

conhecer e de registar, em livro, uma inspiração raríssima, que seria injustiça não

divulgar.

António Aleixo compõe e improvisa nas mais diversas situações e

oportunidades. Umas vezes, cantando numa feira ou numa festa de aldeia, outras,

a pedido de amigos que lhe beliscam a veia; ora aproveitando traços caricaturais

de pessoas conhecidas, ora sugestionado por uma conversa de tom mais elevado e

a cuja altura sobe facilmente. De todas as maneiras, passeando sozinho, a guardar

umas cabras ou a fazer circular as cautelas da lotaria – sua mais habitual ocupação

– ou acompanhado por amigos, numa ceia ou num café, o poeta está presente e

alerta e lá vem a quadra ou a sextilha, a fixar um pensamento, a finalizar uma

discussão, a apreciar um dito ou a refinar uma troça. E, normalmente, a forma é

lapidar, o conceito incisivo e a vocabulário justo e preciso.

Os motivos e temas de inspiração são bastante variados. Note-se, porém, que

não fere, com a habitual pieguice sentimental lusitana, a nota amorosa. E isto é

bastante singular; uma ou outra pequena composição com esse caráter lírico foi

quase sempre, de certeza, de inspiração alheia ou a pedido de qualquer moço

amigo.

O que caracteriza a poesia de António Aleixo é o tom dorido, irónico, um

pouco puritano de moralista, com que aprecia os acontecimentos e as acções dos

homens. E, no fundo, muito embora não seja um revoltado, é a chaga aberta de um

sofrimento íntimo, provocado por certas injustiças, a fonte dos seus desabafos. [...]

Quem nada tem, nada come;

e ao pé de quem tem comer,

se alguém disser que tem fome,

comete um crime, sem querer.”

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António Aleixo era natural de Vila Real de Santo António, onde nasceu a 18

de Fevereiro de 1899, e faleceu em Loulé, a 16 de Novembro de 1949.

O seu nome tem sido atribuído a instituições, escolas, e ruas.

A sua Poesia tem sido objecto de vários estudos, não só em Portugal como

no Brasil.

António Aleixo foi recordado emotivamente pelo poeta e artista plástico

Tóssan, igualmente algarvio, igualmente natural de Vila Real de Santo António,

numa edição do programa ZIP-ZIP, um programa de 1969 da RTP, pois Tóssan e

António Aleixo tinham-se conhecido no antigo sanatório dos Covões, em Coimbra,

onde ambos se encontraram em tratamento.

Algumas das suas quadras foram inspiração para Zeca Afonso.

Na Internet, poderão os leitores encontrar mais informação sobre este Poeta.

Muitas das suas quadras e outros poemas figuram no site Pensador, donde

retirei a fotografia acima reproduzida.

_______________________

1 E. N. P. - iniciais de Empresa Nacional de Publicidade. _______________________

Mais informação sobre António Aleixo:

Biografia sucinta, com indicação dos seus livros, publicados entre 1943 e 1979: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ant%C3%B3nio_Aleixo

Citações e poemas: https://www.pensador.com/autor/antonio_aleixo/

Fundação António Aleixo

https://fundacaoantonioaleixo.com/antonio-aleixo/

Inéditos – António Aleixo: Edição de Vitalino Martins Aleixo (filho do poeta). Loulé, 1978.

Selecção, prefácio e notas; fixação do texto e títulos por Ezequiel Ferreira. Orientação gráfica

de Tòssan. Prefácio de Joaquim Magalhães. In-8.º de 251-I págs. Br. Primeira edição.

https://www.homemdoslivros.com/2016/02/aleixo-antonio-quando-comeco-cantar.html

Quadras de António Aleixo, cantadas por Zeca Afonso: http://cantosdaterra.net/ct/site/letras/letra.asp?id=1861

Toponímia de Lisboa | António Aleixo numa artéria dos Sete Céus (imagem a corpo inteiro) https://toponimialisboa.wordpress.com/2015/02/18/antonio-aleixo-numa-arteria-dos-sete-ceus/

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Tóssan: https://www.sulinformacao.pt/2018/08/livro-vai-reunir-todos-os-textos-de-tossan-o-poeta-do-absurdo-

algarvio/ – O conhecido esboço a carvão, de António Aleixo com o seu chapéu de palha, é da autoria

deste artista (Tóssan) que a partir da estadia de ambos no referido sanatório, nunca lhe faltou

com a sua Amizade e o seu apoio.

Este artigo acrescenta pormenores curiosos ao ‘retrato’ de António Aleixo e às circunstâncias

que rodearam a divulgação do seu primeiro livro:

O primeiro livro de António Aleixo

http://www.avante.pt/pt/1799/temas/24651/O-primeiro-livro-de-Ant%C3%B3nio-Aleixo.htm

Também o poeta algarvio, Fernando Reis Luís, abre a sua página no FB –Ciclo de Poetas

Algarvios – evocando este Poeta:

CICLO DE POETAS ALGARVIOS - Nº. 1 | VILA REAL DE SANTO ANTÓNIO https://www.facebook.com/groups/1402860459929900/permalink/1423914991157780/

“O poeta António Aleixo, cauteleiro e guardador de rebanhos, cantor popular de

feira em feira, pelas redondezas de Loulé, é um caso singular, bem digno de atenção de

quantos se interessam pela poesia. (…) Embora não totalmente analfabeto – sabe ler e

tem lido meia dúzia de bons livros – não é capaz, porem, de escrever com correcção e a

sua preparação intelectual não lhe dá certamente qualificação para poder ser considerado

um poeta culto."

“Todavia, há nos versos que constituem este livro uma correcção de linguagem e,

sobretudo, uma expressão concisa e original de uma amarga filosofia, aprendida na

escola impiedosa da vida, que não deixam de impressionar.” Joaquim Magalhães (in

Fundação António Aleixo)

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Aljezur Minha de Encantos e desencantos © IX Cantos Algarvios

Mphumo Kraveirinya©2007

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Aljezur Minha de Encantos e desencantos |

Poema épico. IX Cantos Algarvios.©

Quase roteiro de uma viagem, de um Craveirinha Moçambicano e

2º JOÃO | Poema inédito rascunhado algures entre o Além-Tejo e

o Algarve a caminho de Lisboa em 25.03.2007.

Imagens de arquivo histórico, representações iconográficas da família

Craveirinha de Aljezur, Portugal (1917 e décadas 1930-40-60). Compilações

e outras fotos originais de *JOÃO Craveirinha.©

Bandeira do Reino Unido de Portugal,

do Brasil e dos Algarves em 16.12.1815.

Fonte:

http://realfamiliaportuguesa.blogspot.pt/2011/

05/reino-unido-de-portugal-brasil-e.html

*JOÃO Craveirinha (aliás Mphumo Kraveirinya©)

Poeta, contista, artista plástico, académico, geneticamente luso-moçambicano –

neto de europeus algarvios e abrantinos, além de áfricos va-jonga.

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I / IX

meus cantos algarvios

Aljezur Minha de Encantos e desencantos©

I

De súbito,

Perante meu olhar afro

tropical

Surge Aljezur.

Ao longe,

(“Bunhêra” e Rogil)

Terras ancestrais de meus avós

De Encantos e desencantos

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II

Aljezur minha,

Na poeira do tempo

Conflitos

Cristãos-Mouriscos

Gritos, cavalos relincham.

Espadas desembainhadas, cimitarras,

tinem no entrechoque

por nossa Fé.

A nossa e a dos outros.

III

Aljezur minha,

dos Sarauís – saloios,

sefardim-ladinos,

no auto-da-fé

amaldiçoados, insultados: - “marranos”!

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IV

Aljezur minha

no tempo perdida,

Chibatadas, no áfrico – escravo

esquecidas

no cruel pelourinho

das casas senhoriais

arrogantes morgados

de fartos cabedais.

Lampejos da história

no remanso da memória,

hoje, luminosa Aljezur,

de meus encantos.

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V

Aljezur minha,

dos moçárabes,

exilados sefardins-judeus

outros judeus convertidos

ou não tanto, cristãos-novos

de alheiras no arco da portada

à inquisição escapando.

VI

Ah, Aljezur minha,

doces sabores

batata-doce actuais

“Caldêrada” de “pêxe”,

Sorriso afável das Marias Franciscas

Moças morenas, trigueiras,

ruivas outras, das nórdicas paragens

ou da Bretanha, maior.

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VII

Aljezur, do Saber dos ti-Manéis,

Josés e Joões Fernandes,

Craveirinhas de Sacêra

com vacas na remada

a comer a roçar a mata,

na labuta da lavoura,

por dez tostões na jorna:

“Pórquêra” de vida!”

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VIII

Aljezur minha,

na faina da pesca,

esforçados outros, ainda

Desafiando o encrespado

“Mar Português”

cantado

como “Lágrimas de Portugal”

pela Pessoa de Fernando.

IX

E, se

“Valeu a pena?”

“Se a alma não é pequena?”

Perguntem também ao Fernando,

mas… o da Ofélia!

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Manha nublada O Sol rasga as nuvens

Dia de vera o

poema e foto de Silvya Gallanni© 26 / 08 / 2013

Albufeira - Algarve

Praia de Santa Eulália - Albufeira - Algarve

Silvya Gallanni | instantâneo algarvio

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Imagem da página seguinte:

Algarve excepcionalmente sob grande nevão; Alte 1954.

Foto original do Pai da autora Myriam Jubilot de Carvalho.*

Algarve - canção de amor.

colectânea de poemas de Myriam Jubilot

especial para VuJonga – cadernos literários

* Myriam Jubilot de Carvalho é o pseudónimo literário de Fátima Domingues. Formada

em filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa

(hoje FLUL). Foi professora do Ensino Básico, 2º Ciclo. Pesquisadora há várias

décadas, da cultura d’ Al Andalus, atlântico-mediterrânica e arábico-persa. Estudiosa

igualmente da antiguidade clássica grega e romana (latina), bizantina e oriental. Inscrita

como investigadora no Centro de Estudos do CLEPUL da Universidade de Lisboa

(FLUL) | cidade universitária.

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VuJonga - Cadernos Literários | Domingo – 19/01/20, Edição nº 008 – Pág. 23/47

Algarve - canção de amor.

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Cronologia dos poemas de 1982 a 2013

01 - Algarve - 1982

02 - Olhos d’Água - 1983

03 - Alte, Fonte Grande - 1985

04 - Canaviais da Ribeira, e as histórias que o meu pai me contava - 1988

05 - Alcoutim e o Guadiana - 1990

06 - Ribeira de Alte - 1993

07 - Lagos, mercado de Escravos - 1994

08 - Vila de Olhão da Restauração – 1994

09 - A nora da Quinta do meu Avô - 1994

10 - Albufeira, ao amanhecer - 1994

11 - São Braz d’Alportel, corridinho - 1994

12 - Ilha de Faro 1995

13 - Praia da Galé - 1995

14- Os algares, de Barlavento - 1995

15 - Tavira, Cacela, Ria Formosa - 1996

16 - O Farol de Vila Real de Santo António – 1997

17 - Sagres - 2000

18 - Silves, Monchique - 2000

19 - Rio Arade, Ferragudo e Portimão - 2002

20 - Figos tunos - 2013

Colectânea organizada em 17 de Janeiro de 2020, especialmente para VuJonga –

cadernos literários, por Myriam Jubilot de Carvalho©, a convite do coordenador

desta publicação, João Craveirinha.

N.B. A sequência dos poemas não segue a cronologia, mas sim a sensibilidade da

autora na localização dos mesmos nesta publicação.

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Algarve

Teus olhos de peixe

tua boca de mar

Poetas são estelas

Aleixo a cantar

Teus olhos são velas

tuas mãos o luar

Casinhas são moiras

feitas para amar

Teus olhos a noite

com mãos de amanhã

Esta é que é a terra

minha mãe e irmã

De uns olhos de amora

de mãos de medronho

Esta é que é a terra

que eu vivo num sonho

Ó meu setestrelo

meu castelo e guia

meu solo, e meu selo,

Ó terra algarvia

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Olhos d’Água

Foi num berço de gaivotas que eu nasci

- espuma, maresia, boletras, farrobas, flor

de amendoeira

Maré baixa, sol postinho

- sílfides, barcarolas

Dançares de rolas

O areal, um espelho

Os brilhos da distância

Seurat

Olheiros, água doce

borbulhando

sob as rochas

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Alcoutim e o Guadiana

A Criação é o dia-a-dia,

este deslumbramento das horas sucessivas

a acontecerem,

a dizerem que estou viva

A Criação não tem que ser a Perfeição,

por definição inatingível e

assim, ociosa ambição

da minha fraqueza mais antiga

A Criação é esta união com o Mar azul e a Terra vermelha,

E o verde-escuro dos pinhais e das estevas

e o lento e pachorrento sussurrar do Rio –

luminoso e ocioso,

a caminhar de olhos vendados, inocente

e espraiado, feliz por chegar à foz

A Criação, Terra minha, é a tua mão amiga,

esta sabedoria antiga

que me inspira e

me abriga

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Ilha de Faro

Pressinto a vaga quando se aproxima. Sei

quando e como vai crescer, o minuto

preciso do seu clímax não constitui

mistério para mim

Sei quando passa na rua o varredor. Esse

que figura pintado com uma pestana na caixa

japonesa de papier mâché e me assalta

em taquicárdias insuportáveis nos sonos REM

Sei captar os pardais

para que venham debicar migalhas

nas esteiras do meu almanxar,

hoje em dia desguarnecido

Sei esperar a Lua Nova para depilar

o buço ou transplantar as violetas

que me transbordam dos vasos do parapeito

da janela da sala

Só não sei o que é este ruído

lá fora

O que é, donde vem, por que me percorre as cordas

vocais com tal fúria

Só não sei onde poisar os pés

Só não sei donde me vem

a tua voz

(que no entanto

é a minha...)

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Praia da Galé

As casas desalojaram os pinhais

e os helicópteros vieram

implantar-se na falésia

Os carros invadiram

as dunas...

Mas eu fixo os meus olhos

no Sol de todos-os-dias,

cerro na mão esquerda a minha eterna

aliança com o Mar,

guardo a sete-chaves os olhos do meu Amor...

...e escondo no sótão todos

esses medos de bailarina-do-templo...

...E tento continuar

como se não vivesse

num tempo… ameaçado...

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Os algares, de Barlavento

É maré cheia. O vento

enrola e desenrola a canção das ondas

As rochas, minadas desde os primórdios

da eternidade por este incansável trabalho

de Sísifo, desenham

caprichosas formas de animais – manadas

de elefantes, dinossáurios, náutilos

Chorões, piteiras, pinheiros mansos.

Gaivotas. Turistas

que passam com a câmara fotográfica

E as ondas!

Riem-se de nós todos!

Dançam, redançam, saltam. E

fogem.

Brincam connosco, às escondidas.

Grotescas. Ou trágicas. Mas sempre

indiferentes. Como

a vida

Um par de namorados, sobre a arriba.

Beijam-se.

Por que e como – só o tempo do Amor

nasceu tão breve?

Lá longe, sobre a última rocha,

poiso com as gaivotas

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Lagos, Mercado de Escravos

Guardei os teus olhos, furtivas prendas,

no fundo do mar

Teus lábios, tentáculos difusos no grasnar

das gaivotas, guardei. No fundo

do mar

Prendi, em oculta gruta, teus olhos

de gigante. Lancei-os

ao mar

Galeão à deriva, sem remos

nem âncoras

– Aromas calcinados,

olhar desesperado,

corpos destroçados,

pés acorrentados –

são

cativas ânforas

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Vila de Olhão da Restauração

À maneira de Mário de Sá Carneiro

As minhas cinzas lancem à terra,

onde cresçam searas ou roseirais.

Ao mar as lancem em tardes de vento,

que o vento as leve e não voltem mais

As minhas cinzas lancem ao mar,

em tardes loucas de chuva e trovões.

Que se dispersem contra os rochedos,

devoradas sejam por tubarões

Com minhas cinzas, repiquem sinos,

sinetas, guizos, ou carrilhões.

Povoem grutas, túneis, degredos,

castelos-fantasma, ou duros grilhões.

Com minhas cinzas, batam as palmas!

Mas alimentem as multidões

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A nora da Quinta do meu Avô

Deu à luz o alcatruz

Picou o dedo – catrapus

Cheio de pus

Guinchou – Jesus

Deu ao vento, sem cabimento,

Num momento – que jumento,

olhou o ferimento

Murmurou: Que tormento

Sem drama nem glória

Casou-se – perdeu a memória

Pôs-se a cantar vitória

Poças! – Que história

junto à nora do Avô da autora do poema

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Albufeira, ao amanhecer

Nunca terei os ouvidos cheios bastante do

vai-e-vem das ondas, dos gritos

da espuma, do grasnar das gaivotas

Não sou um búzio vazio

Moldo a curva dos pés nas

areias molhadas, ao longo

da linha do mar, nos reflexos do sol

Como a onda que vai e vem, como um

grito de espuma, como o grasnar das gaivotas

ou os saltos dos golfinhos, paralelos uns

aos outros entre a praia

e o horizonte

Assim o Amor

Arca de aliança sempre perdida e sempre

por achar

Barca da vida num reino de sombras

Estrela da tarde no céu

cinzento

Fecha os teus olhos, meu Bem,

Companheiro das horas mortas,

E olha, dentro de ti, todas as manhãs,

docemente,

a estrela Vénus se levanta

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São Braz d’Alportel

Corridinho

Fechaste o coração a cadeado

e lançaste a chave ao rio

Lá vamos, lado a lado

eu e tu, de olhos fechados,

– tenho a vida por um fio...

...e teus passos ancorados, sempre

na mesma curva do rio...

Meu amor, sigo viagem,

que eu quero ver a paisagem

que se estende à nossa frente!

Hei-de encontrar a coragem

para entrar na outra margem –

Outras vidas – outras gentes

Se um dia por lá passares,

Não me hás-de conhecer:

Faz bem a mudança de ares,

dá-nos cor, e bom parecer

Meu amor, não digo adeus

A quem não me acompanhou,

A quem não sabe voar.

Passa bem, e diz aos teus

“Essa ingrata não voltou,

não ficarei a chorar”

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Sagres

Caminhante empolgada, também a mim me desafronta

o Mar, essa massa infusa onde, Sol,

te espelhas e onde eu, Lua,

te venho buscar

Tanto teu brilho me encandeia, me ofusca, tanto

meus olhos se queimam de ti

Que tesouros guardas, vulgar, comum adorador de cifras,

o olhar suspenso em imediatas tenças e medidas?

Tão poucos sonhos se albergam em minha cama

para só tu seres real? Desigual de tudo o que já vi,

que parcela de mim precisa de ti?

À minha frente, as ondas, pesadas, vão e regressam. Vão

e regressam. Não podem parar. Nuvens avançam, ocultam

o espelho vivo, onde me queimo. Do mar

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Figos tunos

Os preconceitos são como os picos

dos figos tunos

Nunca mais saem

É preciso queimar as pestanas

como quem passa pelas brasas –

E mesmo assim,

sempre sobra uma raiz

mais renitente

Quem quer ver-se livre

dos preconceitos

tem que estar sempre alerta!

Sempre:

Eles irrompem pelas frinchas do caruncho

das velhas palavras –

da forma aparentemente

mais inócua, e inocente.

E conseguem trair as raízes

que pensávamos arrancadas

e lançadas ao fogo…

Porque fomos inoculados na infância – vacinas

eficazes

destinadas a preservarem o establishment.

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Tavira e Cacela, Ria Formosa

Oh minha terra natal, que rimas com

Portugal

Ó meu país, pequenino,

que inscrito estás

no meu Destino

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O Farol de Vila Real de Santo António

Brilham as pétalas de seda silenciosa

das rosas quando

no leito da noite escura

sobre elas se passeiam

os raios circulares do farol.

O farol que acena às traineiras

distantes,

aos beijos ululantes

das ondas invernosas,

às estrelas

além das nuvens

fuzilantes na tempestade

Apaga-se, de manhã,

a luz intermitente do farol

do cabo.

E as pétalas silenciosas

de seda penitente ficam

pacientes

à espera que a noite lhes realce

uma vez mais a majestade...

E venham famintos os

duendes

convidá-las para

uma última dança no adro

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Silves e Monchique

O branco ofuscante das paredes, o branco

compacto dos jarros nos jardins, o branco

laminar da luz

O azulão do céu. O azul

das faixas debruando portas e janelas, o azul –

azul-azul, do mar

O vermelho barrento dos barrocais! O vermelho

envelhecido dos telhados, o vermelho

das malvas nos vasos de barro das janelas

O verde transparente das latadas!

O verde tenro das amendoeirinhas floridas – o verde

sequioso das relvas

O verde

queimado das estevas – das palmeiras,

dos ciprestes,

das figueiras.

Das alfarrobeiras

Os quentes medronheiros

Os milenares olivais

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Rio Arade, Ferragudo e Portimão

O mar é parte do meu Karma,

meu confidente,

só tu –

que sabes os meus gostos, e sonhos, e desejos,

e cobres o meu corpo

da tua espuma branca de infinitos beijos

Eu já vi, fisicamente, com os olhos da minha mente,

os dois naufrágios de duas vidas passadas.

Mas só naufraga

quem está vivo.

E não te quero mal.

Pétala voando, pairando sobre o roseiral...

Ganido de animal ferido, traído por beijo letal...

Laranja atrofiada, no meio do laranjal.

Que podemos fazer

se o Karma assim o manda, tal e qual

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Alte, Fonte Grande

A Cândido Guerreiro

Ensinaram-me as águas a ouvir,

A sentir, as canções das árvores, e dos montes,

Dos grilos, das pedras, das cigarras,

Dos canaviais apaixonados pelas fontes,

Essas águas rendilhadas pelas moiras

Em cascatas onde fluem as estrelas,

O burrinho a dar à nora eternamente,

As cheias arrastando as margens e as pontes,

Os meus olhos são verdes, de alecrim,

E as mãos, do barro velho, soalhento,

Das tardes lentas que bordaram minha infância...

...E tudo isto é só verdade dentro em mim,

E esse tempo é sempre – sempre – este momento

Que só a emoção recupera! Na distância

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Canaviais da Ribeira,

e as histórias que o meu Pai me contava

A toada louca dos canaviais, aqui. Onde o vento

ora geme, ora clama “A princesa tem orelhas de

burra! A princesa tem orelhas de burra.”

Morrer nesta curva. Desta estrada, aqui. Onde as

palavras nascem do meu corpo como as flores, da

laranjeira, como as uvas do pinhal. Aqui,

onde não sei semente que

me fecunde. Nem adubos, que mas acrescentem.

Aqui, onde o

vento, indolente, continua a toada “A princesa

tem orelhas de burra! A princesa tem orelhas de

burra.”

Falar, falar terá seu preço?

Enlouqueço. Com este vento, invejoso. Que ora

geme, ora clama “A princesa tem orelhas de burra!

A princesa tem orelhas de burra”.

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Ribeira de Alte

Para a cigarra é sempre Verão

Um breve desespero

Em forma de canção

Passam as formigas, interesseiras,

As abelhas, trabalhadeiras

Cigarra alguma entende quanto vê

Nem o porquê de tamanhas canseiras

Quem nasceu para cantar

Segura o Verão às mãos ambas

E para que todos o vejam

Ergue-o acima do chão

Que importa o falatório persecutório das formigas,

o finório palratório das abelhas

– Se o seu canto dá mais azul ao céu,

um verde mais retinto aos alfarrobeirões,

– É mais esfuziante o fulgor do Sol –

e deixa mais anões os ralos e as rãs?

A Ribeira secou. É Verão, não pode morrer.

Mas lá vai o desespero esbraseado das cigarras

que não a deixam morrer

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Myriam Jubilot de Carvalho em 12/02/1955

junto à Ribeira de Alte no Algarve.

[Foto original tirada pelo pai da autora]

A autora Myriam Jubilot de Carvalho em 2017.

[Instantâneo tirado por Silvya Gallanni]

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Algarve: Alte 1950. Foto original do tio da autora

Myriam Jubilot de Carvalho – o artista Carlos Ribeiro.

Algarve - canção de amor.

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