1889 laurentino gomes

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FIMDESÉCULOREVOLUCIONÁRIOAlgunsacontecimentos,ideiaseinvençõesquemarcaramoBrasileomundonaépocadaProclamaçãodaRepública

1869TropasdaTrípliceAliançaocupamAssunção,capitaldoParaguai.

1870EstreiaemMilãoaóperaOguarani,dobrasileiroCarlosGomes.OfrancêsJúlioVernepublicaVintemilléguassubmarinas.QuedadeNapoleãoIIIeproclamaçãodaTerceiraRepúblicaFrancesa.UnificaçãodaItália.PublicadonoRiodeJaneirooManifestoRepublicano.

1871AexpectativadevidanaInglaterraatinge41anos.LeidoVentreLivrelibertafilhosescravosnascidosapartirdessadata.

1872CensorevelaqueoBrasiltem8.419.672habitanteslivrese1.510.806escravos.

1873NaConvençãodeItu,fazendeirospaulistaslançammanifestoemfavordaRepública.

1874Americanoscomeçamausaroaramefarpadoemsuasfazendas.BispodeOlindaépresodevidoàQuestãoReligiosa,conflitoentreoImpérioeaIgreja.InauguradaemParisaprimeiraexibiçãodepintoresimpressionistas.

1876AlexanderGrahamBellinventaotelefone.ASétimaCavalariadogeneralGeorgeCusterétrucidadapelosíndiosamericanos.

1877SecanoCearámata200milpessoas,umquartodapopulaçãodaprovíncia.ThomasEdisoninventaofonógrafo.

1879ThomasEdisondesenvolvealâmpadaelétrica.NasceoalemãoAlbertEinstein,futuropaidaTeoriadaRelatividade.

1880CriadasaSociedadeBrasileiracontraaEscravidãoeaAssociaçãoCentralEmancipadora.Invençãodopapelhigiênico,naInglaterra.

1881MachadodeAssispublicaMemóriaspóstumasdeBrásCubas.MariaAugustaGenerosoEstrela,primeiramédicabrasileira,forma-seemNovaYork.OczarAlexandreIIéassassinadoporradicaisrussos.JamesGarfield,presidentedosEstadosUnidos,émorto

ematentado.1882

MorreCharlesDarwin,paidaTeoriadaEvoluçãodasEspécies.InauguradanosEstadosUnidosaprimeirausinahidrelétrica.OalemãoRobertKochdescobreabactériacausadoradatuberculose.

1883MorreKarlMarx,autordoManifestoComunistade1848.InauguradaapontedoBrooklin,emNovaYork.OamericanoLewisWatermaninventaacaneta-tinteiro.

1884ConstruídoemChicagooprimeiroarranha-céudomundo.OamericanoHiramMaximinventaametralhadora.

1885ALeidosSexagenárioslibertaosescravoscommaisdesessentaanos.MorreemParisoescritorVictorHugo,autordeOsmiseráveis.OalemãoKarlBenzinventaomotoracombustãointerna.

1886ComeçaaQuestãoMilitar,quelevariaàquedadamonarquianoBrasil.InauguradaemNovaYorkaEstátuadaLiberdade.OfarmacêuticoJohnPembertoninventaacoca-cola.JosephineCochrane,donadecasaamericana,patenteiaamáquinadelavarroupa.

1887InundaçãonorioAmarelomata900milchineses.

1888OamericanoGeorgeEastmanlançaacâmerafotográficaKodak.CincoprostitutassãomortasemLondresporJack,oEstripador.AprincesaIsabelassinaaLeiÁurea,pondofimàescravidãonoBrasil.

1889NascemoaustríacoAdolfHitler,futurochanceleralemão,eoinglêsCharlesChaplin,futuroastrodocinema.GolpelideradoporDeodorodaFonsecaderrubaamonarquia.OimperadorPedroIIsegueparaoexílionaEuropa.InauguradaemParisaTorreEiffel.

1890ConvocadaaAssembleiaConstituinte,quefariaanovaConstituiçãorepublicana.OpintorVincentvanGoghcometesuicídionaFrança.MetrôdeLondrescomeçaausartrensmovidosaeletricidade.RudolfDieselpatenteiaomotorquelevaseunome.

1891DeodorodaFonsecaéeleitooprimeiropresidentedaRepública.MorreBenjaminConstant.DeodorofechaoCongressoerenuncia.AssumeFlorianoPeixoto.OimperadorPedroIImorreemParis,aos66anos.

1892DeodorodaFonsecamorrenoRiodeJaneiro,aos65anos.OamericanoW.L.Judsoninventaozíper.

1893

IníciodaRevoluçãoFederalistanoRioGrandedoSul.ComeçaaRevoltadaArmadacontraFlorianoPeixoto.NovaZelândiareconhecedireitodevotoàsmulheres.

1894CharlesMillertrazofuteboldaInglaterraparaoBrasil.TerminaaRevoltadaArmada.Tomaposseoprimeiropresidentecivil,PrudentedeMorais.

1895EmParis,osirmãosLumièreinventamocinema.OalemãoWilhelmRöntgendescobreoraioX.OaustríacoSigmundFreudcriaumanovaciência,apsicanálise.TerminaaRevoluçãoFederalista.FlorianoPeixotomorreaos56anos.

1896ComeçanosertãodaBahiaaGuerradeCanudos.

1897PrudentedeMoraissobreviveaumatentadonoRiodeJaneiro.

1898OsEstadosUnidosanexamoHavaí.OpresidenteCamposSallesiniciaaPolíticadosGovernadores.

“SenhorBarão,VossaExcelênciaestápreso!”TENENTEADOLFOPENA,aodarvozdeprisãoaoBarãodeLadário,

ministrodaMarinha,namanhãde15denovembrode1889

INTRODUÇÃO

OQUINZEDENOVEMBROéumadatasemprestígionocalendáriocívicobrasileiro.Aocontrário do Sete de Setembro, Dia da Independência, comemorado emtodoopaíscomdes ilesescolaresemilitares,oferiadodaProclamaçãodaRepública é uma festa tímida, geralmente ignorada pela maioria daspessoas. Sua popularidade nem de longe se compara à de algumascelebraçõesregionais,comooDoisdeJulhonaBahia,oTrezedeMarçonoPiauí,oVintedeSetembronoRioGrandedoSulouoNovedeJulhoemSãoPaulo. Essas efemérides exaltam vitórias, confrontos ou revoltas locais,respectivamente a expulsão dos portugueses de Salvador; a Batalha doJenipaponosertãopiauienseao inaldaGuerradaIndependência;oiníciodaRevoluçãoFarroupilha;eaRevoluçãoConstitucionalista lideradapelospaulistas em 1932. São eventos históricos que nem todos os brasileirosconhecem,porémcomosquaisapopulação local fortementese identi ica.IssonãoocorrecomadatadacriaçãodaRepúblicabrasileira.Personagens republicanos comoBenjamin Constant, Quintino Bocaiúva,

Rui Barbosa, Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto são nomesonipresentes em praças e ruas das cidades brasileiras, mas pergunte aqualquer estudante do ensino médio quem foram esses homens e aresposta certamente demorará a vir. Nas escolas ensina-semais sobre oportuguês Pedro Álvares Cabral, descobridor das terras de Santa Cruz,como o Brasil ainda era conhecido em 1500, ou Tiradentes, o herói daIncon idência Mineira de 1789, do que sobre os criadores da República,episódio bem mais recente, ocorrido há pouco mais de um século. Ahistória republicana é menos conhecida, menos estudada e aindamenoscelebradadoqueosheróiseeventosdoBrasilmonárquicoeimperial,quecobremumperíodorelativamentemaiscurto,deapenas67anos.A julgarpelamemóriacívicanacional,oBrasil temumaRepúblicamal-

amada.Esseestranhofenômenodeindiferençacoletivaencontraexplicaçõesna

forma como se processou a troca de regime. O dia 15 de novembro de1889 amanheceu repleto de promessas cujo signi icado na época asmassas pobres, analfabetas e recém-saídas da escravidão desconheciam.Nas proclamações e discursos dos propagandistas republicanos,anunciava-se o im da tirania representada pelo “poder pessoal” do

imperador Pedro II. Dizia-se que um carcomido sistema de castas eprivilégios,herdadoaindadaépocadacolonizaçãoportuguesa,acabavadeser posto por terra.Na nova era de prosperidade geral, inaugurada pelaRepública,aconstruçãodeumfuturogloriosoestavaaoalcancedasmãos.Haveria menos injustiça e mais oportunidades gerais. Chamados aparticipardaconduçãodosdestinosnacionais,todososbrasileirosteriam,finalmente,vez,vozevoto.[1]Havia, porém, uma contradição entre as promessas e a realidade

daquele momento. Diferentemente do que faziam supor os discursos eanúncios o iciais, a República brasileira não resultou de uma campanhacom intensa participação popular. Em vez disso, foi estabelecida por umgolpemilitarcomescassaetardiaparticipaçãodasliderançascivis.Apesarda intensa propaganda republicana por meio de imprensa, pan letos,reuniões e comícios, a ideia da mudança de regime político nãodeslanchava na população. Na última eleição parlamentar do Império,realizadaem31deagostode1889,oPartidoRepublicanoelegeusomentedoisdeputadosenenhumsenador.Osvotoscolhidospelosseuscandidatosemtodoopaísnãochegarama15%dototalapurado.Oresultadoerapiordoqueoobtidoquatroanosantes,nopleitode1885,quandoforameleitospara a Câmara três deputados republicanos, entre eles os futurospresidentes da República Prudente de Morais (1894-1898) e CamposSalles(1898-1902).Semeconasurnas,oscivisencontraramnosmilitareso elemento de força que lhes faltava para a mudança do regime. ARepública brasileira nasceu descolada das ruas. “O povo assistiu àquilobestializado”, segundo uma famosa frase do jornalista Aristides Lobo,testemunhadosacontecimentos.Outra incongruênciaaparecenamaneiracomoessahistóriavemsendo

contada. “Um passeio militar” é a descrição mais comum que se vê noslivrossobreaProclamaçãodaRepública.Afacilidadecomquesederrubouum regime e se proclamou outro na manhã de 15 de novembro, semreaçãopopular,semtrocadetiros,semprotestos,pareciacon irmar,umavez mais, o mito de que as transformações políticas brasileiras seprocessamsempredeformapací ica.Essaimagem,noentanto,sedesfocapor completo quando se avança um pouco no calendário. Derrubada aMonarquia,osonhodeliberdadeeampliaçãodosdireitosrapidamentesedissipou. Em alguns anos, o país estava mergulhado na ditadura sob ocomandodeFlorianoPeixoto,o“MarechaldeFerro”,aquemaindahojeseatribuiopapeldesalvadordaRepública.O sangue que deixou de correr em 1889 verteu em profusão nos dez

anosseguintes,resultadodochoqueentreasexpectativasearealidadedonovoregime.Duasguerrascivis,somadasàRevoltadaArmada,deixariammarcasprofundasnoimagináriobrasileiro.Nosul,osdoisanosemeiodecombates da Revolução Federalista custaram a vida de mais de 10 milpica-paus e maragatos, como eram chamados os combatentes dos doisladosdocon lito.NosertãodaBahia,osacri ícioépicodaviladeCanudosresultounamortedeoutras25milpessoaseumahistóriadehumilhaçãoparaoExércitobrasileiro,derrotadoemtrêsexpediçõesconsecutivasporumbandodejagunçosesertanejospobresemal-armados,sobaliderançamessiânica de Antônio Conselheiro, ao qual se atribuía, erroneamente, aameaça de restauração da Monarquia. Somadas as 35 mil vítimas, aRepública pagou em sangue um preço in initamente maior do que aGuerradaIndependência,cujonúmerodemortosteria icadoentre2mile3milcombatentesbrasileiroseportugueses.[2]Asferidasabertasnessescon litosmarcaramprofundamenteaprimeira

faserepublicanabrasileira,naqualosmilitarestentaramorganizaronovoregimemediantecensuraà imprensa,oParlamento fechadomaisdeumavez, a prisão e a deportação de opositores políticos para os con ins daAmazônia. A devolução do poder aos civis, com Prudente de Morais eCampos Salles, respectivamente terceiro e quarto presidentes, nem porisso aproximaria o poder das ruas. A chamada República Velha, períodoque vai até 1930, se caracterizaria por uma equação política muitosemelhanteàdosúltimosanosdoImpério.NolugardosbarõesdocafédoVale do Paraíba, entravam os fazendeiros do oeste Paulista e de MinasGerais. Por algum tempo, o número de eleitores diminuiu em relação aototaldevotantesregistradonosanos inaisdoImpério.NestaRepública—também conhecida como “dos Governadores” ou “do Café com Leite” —nãohaverialugarparaopovo,tantoquantonãohavianadosmilitaresde1889. Quemmandava era amesma aristocracia rural que havia dado ascartasnaépocadaMonarquia.Aestranhezaentreaspromessaseapráticarepublicanasesclarece,em

parte, a atual falta de prestígio do Quinze de Novembro no calendáriocíviconacional.Ainda hoje, poucos eventos na história brasileira são tão repletos de

controvérsia quanto a queda da Monarquia, em 1889. No livro DaMonarquia à República: momentos decisivos , a professora Emília Viotti daCosta, da Universidade de São Paulo, faz uma detalhada reconstituição arespeito da forma como essa sequência de eventos foi narrada einterpretada pelos historiadores, cronistas, cientistas sociais e outros

estudiososnosúltimos124anos.Segundoela,estaéumahistóriamarcadapelopermanentecon litoentrevencedoresevencidos,entrerepublicanose monarquistas, entre militares e civis, aos quais mais tarde vieram sejuntarosmuitosdesiludidoscomaexperiênciarepublicana.Pela versão dos vencedores, a República teria sido sempre uma

aspiraçãonacional.SeuideárioestarianagênesedaIncon idênciaMineira,daRevoluçãoPernambucanade1817,naprópriaIndependênciaem1822,naConfederaçãodoEquadorem1824,naRevoluçãoFarroupilhade1835e inúmeros outros con litos e rebeliões sufocados primeiro pela coroaportuguesae,depois,peloImpériobrasileiro.Segundoessepontodevista,a Monarquia teria sido uma solução apenas temporária, imposta pelaselites brasileiras sobre a vontade da nação em nome da defesa dos seusinteresses pessoais ou de classe. A República seria, portanto, uma etapainevitáveldoprocessohistóriconacional,apenasadiadaporcircunstânciasdecadamomento.Na versão dos derrotados, ao contrário, o Império, ao invés de ruína,

teriasidoasalvaçãodoBrasil.SemaMonarquia,argumentam,opaísteriafatalmentesefragmentadonaépocadaIndependência,emtrêsouquatronaçõesautônomasquehojeherdariamcomodenominadorcomumapenassuasraízescoloniaisea línguaportuguesa.Ao imperadorcaberiaopapelde manter o Brasil unido, apaziguar os con litos, tratar com tolerância egenerosidadeosadversários, alémde converterum território selvagemeescassamente habitado numpaís integrado e respeitado entre as demaisnações. Por essa perspectiva, a Monarquia teria raízes culturais ehistóricasmaisprofundasdoqueaRepúblicananacionalidadebrasileira,comforçasu icienteparaenfrentarosdesa iosdofuturo,casonãotivessesidoabortadaporumatraiçoeiraquarteladanamanhãde15denovembrode1889.Observando-se o passado, percebe-se que as duas visões carecem de

consistência. A proclamação da República foi resultado mais doesgotamento da Monarquia do que do vigor dos ideais e da campanharepublicanos. “A República foi o resultado lógico da decomposição doregime monárquico”, a irmou o historiador pernambucano OliveiraLima.[3]Durante67anos,oImpériobrasileirofuncionoucomoumgigantedepésdebarro.OssalõesdoImpérioprocuravamimitaroambienteeoshábitosdeViena,VersalheseMadri,masamoldurarealcompunha-sedepobreza e ignorância. Havia uma lagrante contradição entre a corte dePetrópolis,quesejulgavaeuropeia,easituaçãosocialdominadapelamãodeobra cativa, na qualmais de 1milhãode escravos eram considerados

propriedadeprivada,semdireitoalgumàcidadania.NesseBrasildefazdeconta, destacava-se uma nobreza constituída, em sua maioria, porfazendeiros donos ou tra icantes de escravos. Eram eles os sustentáculosdo trono, que, em contrapartida, lhes conferia títulos de nobreza nãohereditária, tão efêmera quanto a própria experiência monárquicabrasileira.Todo esse precário arcabouço político começou a ruir em 1888, com a

assinaturadaLeiÁurea,queaboliaaescravidãonopaís.Osbarõesdocafédo Vale do Paraíba, que dependiam da mão de obra cativa, se sentiramtraídospelacoroa.Sedependessedeles,aescravidãocontinuariapormaisalguns anos. Em caso de abolição, sustentavam que os proprietáriosdeveriam ser indenizados pelo Estado. E isso não aconteceu. Comoresultado, a Lei Áurea deu mais combustível à campanha republicana.Muitosantigossenhoresdeescravos,queatéalgunsmesesantessediziamfiéissúditosdoimperador,aderiramrapidamenteàRepública.Em seu estudo sobre a Proclamação da República, o historiador

pernambucano José Maria Bello demonstrou que republicanos civis emilitares foram apenas parte das forças que, direta ou indiretamente,contribuíramparaaquedadoImpério.Umadelas—etalvezamaisforte— era composta dos próprios monarquistas, “para os quais o Impérioperdera o derradeiro encanto”. [4] Esse “vasto e perigoso partido dosderrotados” incluía os liberais, os reformadores, os abolicionistas e osfederalistas— gente como o pernambucano Joaquim Nabuco e o baianoRuiBarbosa,que,atéasvésperasdoQuinzedeNovembro,mantinham-sede certa forma iéis àMonarquia,mas exigiamdela reformas capazes dedaralgumasobrevidaaoregime.Haviatambémogrupodos“desgostososedisplicentes”, comoos fazendeiros feridos pela aboliçãoda escravatura.Todos esses grupos, direta ou indiretamente, juntaram forças para dar oempurrãofatalqueselariaodestinodoImpériobrasileiro.Some-se a issoodescontentamento reinantenosquartéis desdeo inal

da Guerra do Paraguai, fator decisivo na queda daMonarquia. O iciais esoldados consideravam-se injustiçados pelo governo do Império. Daí aconferir carta branca aomarechal Deodoro da Fonseca para derrubar otrono foi apenas um passo. “A intervenção militar na política e nasociedade é sinal de fraqueza tanto do Estado como da sociedade”,observou o historiador norte-americano Frank D. McCann, autor deSoldados da pátria, um alentado estudo sobre a história do Exércitobrasileiro.[5] “O sentimento mais generalizado não era o da crença naRepública, mas sim o de descrença nas instituições monárquicas”,

registrou o brasileiro Oliveira Vianna ao re letir sobre as promessas doBrasilmonárquico, com suas instituições liberais, os rituais da nobreza eseuspaláciosdecristalemPetrópolis,eadurarealidadedaescravidão,doanalfabetismoedafraudeeleitoral.[6]O Império brasileiro caiu inerte, incapaz de mobilizar forças e reagir

contra o golpe liderado por Deodoro. Apesar de todas as evidências deuma conspiração em andamento, o imperador Pedro II permaneceu emPetrópolis até a tarde de 15 de novembro, ignorando os conselhos paraque reagisse de alguma forma. Ao chegar ao Rio de Janeiro, perdeu umlongo e precioso tempo, acreditando ingenuamente que no inal tudovoltariaaonormal.“Conheçoosbrasileiros,issonãovaidaremnada”,teriaditonaqueledia.Sónamadrugadade16denovembro,quandoogovernoprovisóriorepublicano jáestavaanunciado,équedomPedroreuniuseusconselheirosmaispróximosetentouemvãoorganizarumnovoministério.Já era tarde. Nas províncias, a única reação em favor da Monarquiaocorreu na Bahia, surpreendentemente liderada pelo marechal HermesErnesto da Fonseca, comandante de Armas de Salvador e irmão deDeodoro. Ao receber as notícias do golpe no Rio de Janeiro, Hermes daFonsecaanunciouquepermaneceria ielaoimperador.Capituloualgumashoras mais tarde ao saber que o próprio irmão liderava a conjurarepublicanaequedomPedroII,àquelaaltura,jáestavaacaminhodoexílionaEuropa.“Naverdade,amonarquianãofoiderrubada,eladesmoronou”,anotou o jornalista francês Max Leclerc, que percorria o Brasil naépoca.[7]Apesar de todas as conquistas de seu longo reinado, o legado de dom

Pedro II permanece ainda hoje envolvido em controvérsia. Grande partedelaresulta,obviamente,damudançaderegime,em1889.DomPedroera,naquele momento, a personi icação da Monarquia. Turvar sua imagemrepresentava, para os vencedores republicanos, uma forma convenientede legitimaronovo regime.A campanha republicana se esforçou sempreem apontá-lo como um homem discricionário, detentor de um poderpessoal nocivo para as instituições. Para os perdedoresmonarquistas, aocontrário,oQuinzedeNovembrorepresentavao imdeumsonho,noqualo imperador era o depositário de grandes esperanças que o país levariamuitasdécadasarecuperarnofuturo.Algunshistoriadores,simpáticosaoantigoregime,seesforçaramparacriara iguradeumsoberanoaustero,culto e educado, bem-intencionado e totalmente dedicado ao interessepúblico, cuja ação era constantemente solapada por ministros e chefespolíticos corruptos e interesseiros. É o caso de Oliveira Vianna, autor do

hoje clássicoO ocaso do Império. “Eram realmente os ministros os quedeturpavam as intenções do monarca”, escreveu o historiador. “Eram osministrososverdadeirosculpadosdetodasasdeturpaçõesdoregime.”[8]Igualmente discutível é ainda hoje o papel desempenhado pelo outro

protagonista desta história, o alagoano Manoel Deodoro da Fonseca, ummilitar idoso e enfermo, cujas forças em 1889 encontravam-se tãoesgotadas quanto as do próprio imperador Pedro II. Convertidotardiamente às ideias republicanas, Deodoro agiu aparentementemovidomais pelo ressentimento contra o governo imperial do que por qualquerconvicção ideológica. Como se verá nos capítulos iniciais deste livro, omarechal relutou até onde pôde a promover a troca do regime, comoexigiam as lideranças civis e os militares liderados pelo professor etenente-coronel Benjamin Constant. Ao contrário do que reza a históriao icial, emnenhummomentoomarechal proclamouaRepública ao longodaqueledia15denovembroesóofeztardedanoite,diantedapressãodeseus companheiros de armas e também da inabilidade política doimperador, que, em uma desastrada e inútil tentativa de resistência,indicou para a che ia do ministério justamente o maior de todos osadversáriospolíticosdeDeodoro,osenadorliberalgaúchoGasparSilveiraMartins.Decorrido mais de um século dos eventos de 1889, que avaliação se

poderiafazerhojedaRepúblicabrasileira?Uma república pode ter muitas faces. Dos 193 países que atualmente

compõem a Organização das Nações Unidas (ONU), 149 se de inem comorepublicanos,ouseja,77%dototal.Di ícil,porém,éatarefadeestabelecercom clareza o regime que os governa. A Coreia doNorte, por exemplo, éo icialmente chamada de “república democrática popular”, embora sejagovernadaporumadinastia,adosKim.Opoderhereditário,quepassadeuma geração a outra dentro da mesma família, é uma característica dosregimes monárquicos. A China se autodenomina igualmente uma“república popular”, mas é comandada por uma oligarquia de partidoúnico, comunista na teoria e capitalista na prática, com escassaparticipação popular. A Inglaterra, com seu estável e secular sistemarepresentativo, no qual todo o poder, de fato, emana do povo e em seunome é exercido, poderia ser considerada hoje uma democraciarepublicana. Prefere, no entanto, ser chamada de monarquiaparlamentarista, na qual a rainha exerce papel meramente igurativo.Brasil, Argentina, Alemanha e Estados Unidos são repúblicas federativas,mascadaqualtemoseuprópriosistemaeleitoral,diferentesinstituiçõese

distintosgrausdeautonomiaparaosestadoseprovíncias.A nomenclatura, portanto, não explica, por si só, o que é um regime

republicano. Para entendê-lo, é preciso estudar as raízes de cada povo esua cultura, ou seja, o complexo conjunto de crenças, valores, sonhos,aspiraçõesedificuldadesqueomoveouparalisaaolongodahistória.Durante décadas, o brasileiro relutou, com certa razão, a se identi icar

com a sua tortuosa história republicana, permeada por golpes militares,ditaduras,intervençõesemudançasbruscasnasinstituiçõesebrevíssimosperíodosdeexercíciodademocracia.Aboanotíciaéqueessahistóriamal-amada talvez esteja inalmente mudando. O Brasil exibe hoje ao mundoquasetrêsdécadasdeexercíciocontinuadodademocracia,semrupturas.Issonuncaaconteceuantes.Éaprimeiravezquetodososbrasileirosestãosendo,de fato, chamadosaparticiparda construçãonacional.Apesardasdi iculdades óbvias do presente, as promessas republicanas começam aser postas em prática na forma de mais educação, mais saúde, maistrabalhoemaisoportunidadesparatodos.É curioso observar que este momento de transformação coincide

tambémcomoutrofenômenointeiramentenovonasociedadebrasileira.Éo interesse pelo estudo da história do Brasil. Ele pode ser observado nomercadoeditorialdelivros,quenuncavendeutantasobrassobreotema,eno grande número de títulos de revistas, sites de internet e outraspublicações dedicadas ao assunto. Por que história se tornou um temapopular nos últimos anos? Existem várias respostas possíveis, mas umadelaséseguramentequeosbrasileirosestãoolhandoopassadoembuscade explicações para o país de hoje.Dessamaneira, procuram também seaparelharmaisadequadamenteparaaconstruçãodofuturo.Issotambémé uma excelente notícia. Uma sociedade que não estuda história nãoconsegueentenderasiprópriaporquedesconhecesuasraízeseasrazõesque a trouxeram até aqui. E, se não consegue entender a si mesma,provavelmente tambémnão estará preparada para construir o futuro deforma organizada. O estudo de história é hoje, talvez até mais do quequalqueroutradisciplina,uma ferramenta fundamentalnaconstruçãodoBrasildosnossossonhosemumnovoambientededemocracia.O propósito deste livro é oferecer uma modesta contribuição neste

ambiente de transformação e renovado interesse pela história do Brasil.Fiel à fórmula das minhas obras anteriores —1808 e1822 —, procurousar aqui a linguagem e a técnica jornalísticas como recursos que julgocapazesde tornarhistóriaum temaacessível e atraenteparaumpúblicomais amplo, não habituado a se interessar pelo assunto. Acredito que,

escrita em linguagem adequada, a história pode se tornar um temainteressante, irresistíveledivertido,sem,contudo,resvalarnabanalidade.Essedesa ioéhojeespecialmente importantequandose tratadeatrair aatençãodeumageraçãojovembastanteavessaàleitura.Comoobrade cunho jornalístico, este livronãopretende, nempoderia,

oferecer respostas para questões mais profundas envolvendo a históriarepublicana, sobreasquais inúmerosebonsestudiososacadêmicos já sedebruçaramcomdiferentesgrausdesucessoaolongodosanos.Oobjetivoé tão somente relatar sob a ótica da reportagem alguns dos momentosmais cruciais daquela época, de maneira a retirá-los da relativaobscuridadeemque se encontramhojenamemórianacional. Caberáaosleitores re letir se deles é possível retirar lições que sejam úteis naedi icaçãodofuturo.“Qualquerquesejaofuturo,paranós,quecremosnanação forte e indivisível, é consolador ver os obstáculos vencidos”,observou certa vez o historiador Américo Jacobina Lacombe. “Isso nosanimaaentreverumfuturojustoepróspero.”[9]Por im,umabreveexplicaçãosobreaestruturadestelivro:oscapítulos

1 e 2 antecipam, como em fotogra ias instantâneas, dois momentos daProclamação da República. O primeiro é um acontecimento repleto desimbolismo—apitorescahistóriadeumpríncipedafamíliaimperialpegode surpresa pela mudança do regime, destituído de seus títulos ehonrariasedaprópriacondiçãodecidadãobrasileiroenquanto tripulavaum navio da Marinha de Guerra nacional do outro lado do planeta. Osegundo é uma descrição da sequência de eventos nas horas queantecederamaquedado Império.OsquatrocapítulosseguintesoferecemumpanoramadoSegundoReinado,umper ildo imperadorPedro IIedastransformaçõesdo revolucionário século XIXqueafetariamprofundamenteoambientepolítico,econômicoesocialnoBrasil.Oscapítulos7a13tratamda campanha republicana, da chamada Questão Militar, da Abolição, em1888,edeseusprotagonistas.Oscapítulos14a17retomam,commaioresdetalhes,oseventos relacionadosà trocado regime,oexílioeamortedePedro II na Europa. A parte inal do livro é dedicada à implantação e àconsolidação do novo regime, incluindo um pequeno balanço, noderradeirocapítulo,dahistóriarepublicanabrasileiraatéosdiasatuais.

LaurentinoGomes,Itu,SãoPaulo,abrilde2013

“VocêsfizeramaRepúblicaquenãoserviuparanada.Aquiagora,comoantes,

continuammandandoosCaiado”CAPITÃOFELICÍSSIMODOESPÍRITOSANTOCARDOSO,bisavôdo

presidenteFernandoHenriqueCardoso,emtelegramaenviadodeGoiásaofilho,JoaquimInácio,queajudaraaproclamaraRepúblicaem1889

1.OPRÍNCIPEEOASTRONAUTA

NASÚLTIMASSEMANASDE1889,atripulaçãodeumnaviobrasileiroancoradonoportodeColombo, capital do Ceilão (atual Sri Lanka), foi pega de surpresa pelasnotícias alarmantes que chegavam do outro lado do mundo. O cruzadorAlmirante Barroso partira do Rio de Janeiro em 27 de outubro do anoanteriorparaumagrandeaventura.Oobjetivoeracompletaremmenosdedoisanosacircum-navegaçãodogloboterrestre,jornadade36.691milhasnáuticas ou cerca de 68 mil quilômetros. Para realizar tão importante earriscadamissão,aMarinhadoBrasildesignaraalgunsdeseusmelhoreso iciais e marinheiros e uma de suas embarcações de guerra maismodernas.Movido a propulsãomista— a vela e a vapor—, oAlmiranteBarroso pesava2.050 toneladas, tinha71metrosde comprimento, levava340tripulanteseviajavaequipadocomseiscanhõesedezmetralhadoras.Desdeapartida,haviasidoalvodehomenagenserecepçõescalorosasemdiversosportosestrangeiros.[10]Depois de cruzar o temido cabo Horn, no extremo sul do continente

americano,onaviobrasileiropassaraalgumassemanasemValparaíso,noChile,ondeatripulaçãoforasaudadacomumbailedegalaoferecidopelasautoridades locais. Em seguida, tinha enfrentado o imenso e aindarelativamente desconhecido oceano Pací ico, com escalas em Sydney, naAustrália;YokohamaeNagasaki,noJapão;XangaieHongKong,naChina;eAchém, na Indonésia. Foram meses de isolamento do resto do mundo,comunicando-se raramente com o Brasil. Uma semana antes do Natal de1889, ao atracar em Colombo, o almirante Custódio José de Mello,comandante do navio, encontrou à sua espera um telegrama com umanotíciaextraordinária.Brasil República... — anunciava a mensagem. —Bandeira mesma sem

coroa...DespachadodoRiode Janeironodia 17dedezembro, o telegrama, na

verdade,sócon irmavaosrumoresqueatripulaçãotinhaouvidonaescalaanterior, na Indonésia. Conforme notícias de segunda mão transmitidaspela tripulação de um navio holandês ali ancorado, o governo do Brasilhavia sido derrubado.Mais do que isso, o país passara por uma drásticamudança de regime. O Império brasileiro, até então visto como a maissólida,estáveleduradouraexperiênciadegovernonaAméricaLatina,com

67anosdehistória,desabaranamanhãde15denovembro.AMonarquiacederalugaràRepública.OausteroeadmiradoimperadorPedroII,umdoshomensmaiscultosdaépoca,queocuparaotronoporquasemeioséculo,foraobrigadoasairdopaíscomtodaafamíliaimperial.ViviaagoraexiladonaEuropa,banidoparasempredosoloemquenascera.Enquanto isso,ocomandoda novaRepública estava entregue àsmãos de ummarechal jáidosoebastantedoente,oalagoanoManoelDeodorodaFonseca.À primeira vista, eram informações tão improváveis que, na escala

indonésia,CustódiodeMellopreferiuignorá-laseseguirviagemnacrençade que o Império brasileiro continuava forte e sólido, como sempre fora.Estava tão seguro disso que, no dia 2 de dezembro, aniversário doimperador Pedro II, ordenou que a bandeira imperial fosse hasteada abordo e saudadapor toda a tripulação, comomandava o regulamento daMarinha e como se nenhuma mudança tivesse ocorrido no Brasil. Otelegrama recebido no Ceilão, no entanto, não deixava margem paradúvidas.Opaís tornara-se,de fato,umaRepública.Segundoas instruçõeso iciais enviadas do Rio de Janeiro, a bandeira nacional continuavapraticamenteamesma,comseulargoretânguloverdesobrepostoporumlosango amarelo. Desaparecia apenas a coroa imperial, que até entãoocupavaocentrodopavilhão.Atéaquelemomento,porém,ninguémsabiaexatamenteoquecolocarno lugardacoroa.Ocomunicadoavisavaqueonavio só receberia a nova e de initiva bandeira republicana quandochegasse a Nápoles, na Itália, meses mais tarde. Um segundo telegramadiziaque,atélá,ocomandanteteriadeimprovisar:

Ice agora mesma (bandeira) nacional, substituindo coroa estrelavermelha.

Emresumo,enquantonãosesoubesseexatamentequesímbolohaveriano centro da bandeira republicana, Custódio de Mello deveria apenastrocar a coroa imperial por uma estrela vermelha — coincidentemente,símbolo do Partido dos Trabalhadores, que, um século mais tarde,assumiriaogovernodaRepúblicabrasileira.Nafaltadeinformaçõesmaisprecisas, o almirante decidiu seguir à risca as instruções telegrá icas:chamou o o icial imediato e ordenou-lhe que desenhasse às pressas umaestrelavermelha,logocosturadasobreacoroaqueatéentão iguravanasdiversasbandeirasusadasnonavio.Havia,porém,umsegundoproblemaaresolver,esteaindamaiscomplicadodoqueoprimeiro.Eraapresençaabordodosegundo-tenenteAugustoLeopoldodeSaxe-CoburgoeBragança,de22anos,maisconhecidocomopríncipedomAugusto.AtéapartidadoRiode Janeiro,domAugustoeraumadas igurasmais

importantes da hierarquia social brasileira. Filho da princesa Leopoldina,falecida alguns anos antes, e neto do imperador Pedro II, ocupava acondição de herdeiro presuntivo do trono, quarto colocado na linhasucessóriadoImpério,depoisdatia,aprincesaIsabel,doprimo,PedrodeAlcântara,edoirmãomaisvelho,PedroAugusto.Tamanhoprestígio izeradele um tripulante especial doAlmiranteBarroso , alvodedeferências emtodas as escalas feitas pelo navio. O telegrama recebido em Colombo, noentanto,o transformavaemumaexcentricidadeabordo.Comoogovernoprovisório republicano havia banido toda a família imperial do territórionacional,domAugustoestavaimpedidodecontinuaraviagemcomoo icialda Marinha. Deveria desembarcar imediatamente. Mais do que isso, naprática, enquanto cruzava o oceano Pací ico, ele tinha perdido não só oposto de o icial e o título de príncipe,mas a própria cidadania brasileira.Eranaquelemomentoumhomemsempátria.Essa incômoda circunstância colocava o príncipe dom Augusto em

situaçãoparecida àquela que, um século depois, enfrentaria o astronautasoviéticoSergeiKrikalev.Em18demaiode1991,ouseja,101anosapósaProclamaçãodaRepúblicanoBrasil,Krikalevfoilançadoaoespaçonabasesoviética de Baikonur, no Cazaquistão, impulsionado por um foguetePróton. Estava em órbita da Terra a bordo da estação MIR quando lhechegou pelo rádio a notícia de que seu país deixara de existir. A UniãoSoviética,umadasmais sólidas instituiçõesnahistóriadahumanidadeaolongo do séculoXX, implodira sob a pressão da Glasnost, o processo deabertura política desencadeado algum tempo antes pelo líder MikhailGorbachev.AsincertezaspolíticasdaquelemomentoobrigaramKrikalevacontinuar sua jornada espacial por mais cinco meses, o dobro do tempoprevistoinicialmente,atéqueasnovasautoridadesdecidissemtrazê-lodevolta,em25demarçode1992.Os313diasemquepermaneceuàderivano espaço, somados aos de outras missões de que participou, otransformaramnoserhumanoquemaistempopermaneceuemórbitaatéhoje,umtotalde803dias,novehorase39minutos.NocasodoAlmiranteBarroso,oBrasil,talqualatripulaçãooconhecera

antesdapartidadoRiode Janeiro, tambémdeixaradeexistirno inalde1889, mas a situação do príncipe era até mais incerta do que a doastronauta soviético. A inal, depois de uma longa espera no espaço,Krikalev conseguiu voltar ao seu país, a Rússia. Dom Augusto não teriaessa oportunidade. O telegrama recebido por Custódio de Mello eracategórico a respeito das intenções do novo governo provisóriorepublicano.

— Príncipe peça demissão serviço, determinava de forma seca amensagem.Ao mostrar o telegrama a dom Augusto, Custódio de Mello estava

visivelmente constrangido diante das ordens que chegavam do Rio deJaneiro. Além de herdeiro do trono, o príncipe era até então um o icialexemplar da Marinha brasileira. Nos anos anteriores, sua dedicação aoserviçomilitarhaviasidosempreelogiada.Em1886,aofazerumaviagemde instrução aos Estados Unidos, a bordo do mesmo cruzadorAlmiranteBarroso, sob o comando do almirante Luís Filipe de Saldanha da Gama,fora recebido em audiência pelo presidente Stephen Grover Cleveland.Nadadisso,porém,serialevadoemcontanaquelemomentocrítico.Depoisde ler o documento em silêncio, dom Augusto procurou ganhar tempo.Respondeu que só tomaria uma decisão depois de consultar o avô, oimperadorPedroII.—SuaAltezafaçacomolheconvier—respondeu-lheoalmirante.As horas seguintes foram de grande tensão e expectativa. Com a

conivência da tripulação, dom Augusto conseguiu comunicar-se portelegramacomoavô,aessaalturaexiladonaEuropa.Arespostaveiologo,patriótica,masinútildiantedaurgênciadadecisãoasertomada:

—SirvaoBrasil,seuavôPedro.[11]Na manhã seguinte, 18 de dezembro, dom Augusto procurou o

comandanteparainformarque,emvezderenunciar,concordavaempedirlicença do serviçomilitar brasileiro por seismeses. Aliviado, Custódio deMellotelegrafouimediatamenteaonovoministrorepublicanodaMarinha,almirante Eduardo Wandenkolk, comunicando a decisão. Recebeu umaresposta igualmente dúbia, mas su iciente para selar o destino do jovempríncipe:

—Príncipepeçarenúnciacargo,outorgolicença.Feitas as contas de quanto deveria receber pelo serviço prestado nos

mesesanteriores,domAugustodesembarcoudoAlmiranteBarroso nodia20dedezembro.AntesfoihomenageadopelosdemaistripulantescomumúltimoeemocionadojantarnossalõesdoHotelOriental,frequentadopelosestrangeiros que visitavam a capital do Ceilão. Ali, o príncipe distribuiupartedeseuspertencesaoscolegasdefarda.Aomaispobre,ofereceuumpiano,quehaviadeixadonoPalácioLeopoldina,noRiodeJaneiro.Aoutro,entregouaespada,pedindo,comovido,quealevassedevoltaaoBrasil.Porim,transferiuorestantedesuabagagemparaoutronavioe,deColombo,seguiuaoencontrodosfamiliaresnaFrança.MorrerianaÁustria,32anosmaistarde,semjamaisterpisadonovamenteemsolobrasileiro.[12]

2.OGOLPE

NA MANHÃ DE 7 DE novembro de 1889, uma quinta-feira, o advogado FranciscoGlicério de Cerqueira Leite recebeu pelo telégrafo em seu escritório deCampinas,interiorpaulista,umacurtamensagem:

Venhajá!O remetente eraManuel Ferraz deCampos Salles, advogado, deputado

provincial de São Paulo e futuro presidente da República. Apesar daaparência cifrada do texto, Glicério sabia exatamente o signi icado dotelegrama.Naquelesdias,os republicanospaulistasandavamalvoroçadoscom as notícias do Rio de Janeiro. As informações mais preocupantestinham chegado na véspera, 6 de novembro. Seu portador era o poeta,jornalistaeprofessorpernambucanoJoséJoaquimdeCamposdaCostadeMedeiros e Albuquerque, futuro autor da letra do Hino da República.MedeiroseAlbuquerqueforadespachadoparaSãoPaulopeloparaibanoetambém jornalista Aristides da Silveira Lobo com a missão de avisar aslideranças republicanas locais que uma revolução estouraria na capital aqualquermomento.[13]Ainda com o telegrama na mão, Glicério consultou o relógio. Como

faltasseumahoraparaasaídadotremparaSãoPaulo,nãohaveriatempode passar em casa e trocar as roupas. Por isso, recorreu ao telefone,novidade tecnológica recém-chegada ao Brasil e já disponível emCampinas. Assim, conseguiu pedir à mulher que lhe preparasse umabagagempara oito dias,mas, por precaução, não lhe contou o destino daviagem.Umportadorentregou-lheamalacomasroupasquandoestavaacaminhodaestação.Oadvogadocampineiro—quehojedánomeàBaixadadoGlicério,área

degradadadocentrodacapitalpaulista—chegouaSãoPauloaocairdatarde e imediatamente reuniu-se com Campos Salles e outro cheferepublicano,omineiroBernardinoJosédeCamposJúnior.Agravidadedomomento exigia máximo cuidado. Por isso, os três — todos ligados àmaçonaria — passaram a noite preparando um código secreto decomunicaçõesaserusadoporGlicérioquandochegasseaoRiodeJaneiro.Pela linguagem cifrada que escolheram, determinadas letras seriamsubstituídas por símbolos que só os três participantes da reuniãopoderiamdecifrar.Namanhãseguinte,8denovembro,malrefeitodanoite

passada em claro, Glicério rumou novamente de trem para a capital doImpério, onde uma semana mais tarde participaria de um dosacontecimentosmaisdecisivosdahistóriabrasileira—aquedadoImpérioeaProclamaçãodaRepública.[14]Ao desembarcar no Rio de Janeiro, Glicério pôde compreender toda a

dimensão dos acontecimentos. O ambiente era de tensão. A conjuraçãoestavaportodolado.Conspirava-senascasasparticulares,nasescolas,nasredaçõesdos jornais,nossalõesenasconfeitariasdaruadoOuvidor,naspraças públicas e nos teatros líricos. Conspirava-se principalmente nosquartéis do Exército. O clima entre os militares era de franca rebeliãocontra o governo. Tramava-se a derrubada do ministério liderado pelomineiro Afonso Celso de Assis Figueiredo, o visconde de Ouro Preto,apontado comohostil às ForçasArmadas.Umaparte da o icialidademaisjovem queria mais do que isso. Queria a troca da Monarquia pelaRepública.Àsonzehorasdanoitede6denovembro,trêsdiasantesdachegadade

Glicério à capital, um grupo de militares havia se reunido na casa dotenente-coronel Benjamin Constant Botelho de Magalhães, professor dematemáticadaEscolaMilitardaPraiaVermelhaediretordo InstitutodosMeninos Cegos. O objetivo era tratar dos preparativos para a revolução.EntreelesestavamocapitãoAntônioAdolfodaFontouraMenaBarreto,ostenentes Saturnino Cardoso e Sebastião Bandeira, o aluno da Escola deGuerraAníbalElóiCardosoeoalferes JoaquimInácioBatistaCardoso.Naconversa, todos se manifestaram de acordo com o uso das armas paradepor a Monarquia. Combinou-se um plano pelo qual os participantesicariam encarregados de agitar os ânimos nos quartéis, estocararmamentoemuniçãoe traçaremdetalhesogolpea serdesfechadonosdias seguintes. A certa altura, porém, Benjamin Constant mostrou-sepreocupadocomodestinodoimperadorPedroII.—Oquedevemosfazerdonossoimperador?—perguntou.Fez-seumminutodesilêncio,quebradopeloalferesJoaquimInácio:—Exila-se—propôs.—Masseresistir?—insistiuBenjamin.—Fuzila-se!—sentenciouJoaquimInácio.Benjaminassustou-secomtamanhosangue-frio:—Oh,osenhorésanguinário!Aocontrário,devemosrodeá-lodetodas

asgarantiaseconsiderações,porqueéumnossopatríciomuitodigno.[15]Por uma ironia da história, o “sanguinário” Joaquim Inácio Cardoso,

entãocom29anos,viriaaseravôdeumfuturopresidentedaRepública,o

mansoFernandoHenriqueCardoso.ParafortunadePedro II,nodia15denovembro haveria de prevalecer a posição de Benjamin. Em vez defuzilado,comoqueriaJoaquimInácio,oimperadorseriadespachadoparaoexílio.Até aquele momento, a conspiração tinha sido essencialmente militar,

masentreosrepublicanoscivisaagitaçãotambémeragrande.Artigosnosjornais assinados, entre outros, pelo advogado baiano Rui Barbosa deOliveira e pelo jornalista luminense Quintino Antônio Ferreira de SousaBocaiúva pregavam abertamente a República, objeto de concorridas eruidosasmanifestaçõespromovidaspeloadvogadoAntôniodaSilvaJardimepelomédicoe jornalistaJoséLopesdaSilvaTrovão.Algunsincitavamosmilitares contra o governo imperial, como era o caso dos textosincendiáriosdogaúcho JúlioPratesdeCastilhosno jornalAFederação, dePorto Alegre, mas raros eram os civis que tinham conhecimento da realmovimentaçãonosquartéis.Elessóforaminformadosdissonocomeçodenovembro. Era esse o conteúdo da mensagem que Medeiros eAlbuquerquelevaraaSãoPaulonaquelasemana.Dois dias depois de chegar ao Rio de Janeiro, Francisco Glicério foi

levado por Aristides Lobo à presença do marechal alagoano ManoelDeodoro da Fonseca, em reunião da qual também participaram QuintinoBocaiúva, Rui Barbosa, Benjamin Constant, o major Frederico Sólon deSampaio Ribeiro e dois o iciais da Marinha, o almirante EduardoWandenkolk e o capitão de fragata Frederico Guilherme Lorena. Aos 62anos, com a vida marcada por atos heroicos na Guerra do Paraguai esucessivosdesentendimentoscomasautoridadesimperiais,Deodoroeraodepositáriodetodasasesperançasdosconspiradoresrepublicanos.O problema é que, àquela altura, o marechal estava gravemente

enfermo. Passava o tempo todo na cama. Temia-se que morresse aqualquermomento.Glicério icou impressionadocomseuaspectoaovê-lopelaprimeiravezàsvoltascomumacrisededispneia, faltacrônicadearproduzidaporarteriosclerose.Atiradosobreosofá,envoltoemumroupão,o marechal nem sequer reunia condições para vestir a farda. O peitoarfava,eelemalconseguiafalar.Oquadroeratãodesalentadorque,peloscálculos do advogado campineiro, Deodoro não sobreviveriamais do quealgumashoras.E, nesse caso, as chancesde sucessoda revolução seriammínimas.Alémdemuitodoente,omarechalatéaquelemomentorelutavaem assumir a liderança domovimento contra o governo imperial. MenosanimadoaindaestavaemrelaçãoàhipótesedeproclamaraRepública.Poressasrazões,oencontronanoitede11denovembro,segunda-feira,

apesar de rápido, foi tenso. Benjamin Constant a irmou que não bastavaderrubaroministério sem trocaro regime.ApreservaçãodaMonarquia,segundoele,serviriaapenasparaagravarosproblemas.EraprecisofazeraRepública.“EstáprovadoqueaMonarquianoBrasilé incompatívelcomum regime de liberdade política”, argumentou Benjamin. “Para que aintervençãodoExército se legitime aos olhos da nação e pelo julgamentode nossas próprias consciências, é necessário que a sua ação se dirija àdestruiçãodaMonarquiaeàproclamaçãodaRepública,recolhendo-seemseguidaaosseusquartéiseentregandoogovernoaopodercivil.”[16]Quandoterminoudefalar,fez-seumprofundosilêncioàesperadeuma

reação de Deodoro. Nas semanas anteriores, sempre que fora exposto atais argumentos, omarechal optarapelaprecaução epelo adiamentodasdecisões. Dessa vez, para surpresa de todos, sua atitudemudara. Depoisderecuperaro fôlegoabatidopormaisumacrisededispneia, começouafalarpausadamente:— Eu queria acompanhar o caixão do imperador, que está velho e a

quemrespeitomuito.Fezumapausa,comose lhefaltasseoar,masemendouemseguida,de

formacategórica:—Benjamin,ovelhojánãoregula,porque,seeleregulasse,nãohaveria

estaperseguiçãocontraoExército.Portanto,jánãoháoutroremédio,leveabrecaaMonarquia!Depoisdemaisumapausa,acrescentou:—Eleassimoquer,façamosaRepública.Benjamineeucuidaremosda

açãomilitar.OsenhorQuintinoeosseusamigosorganizemoresto.[17]Efezumgestodequemlavaasmãos.Eraosinalquetodosesperavam.Feita a divisão de tarefas, cada um se dirigiu para sua casa. No dia

seguinte,enquantoosmilitaresseocupavamdarevoluçãoarmada,osciviscomeçaramaorganizarofuturogovernoprovisóriorepublicano.Foidissoque trataramQuintinoBocaiúva e FranciscoGlicério reunidos na casa deAristidesLobo.Atéaquelemomentonãose tinhacertezaarespeitodadataprecisada

revolta. Nas reuniões realizadas na casa de Deodoro e Benjamin, osconspiradores trabalhavam com duas possibilidades. A primeira, maisprovável, seriaa tardedodia16denovembro,umsábado,quando todosos ministros estariam reunidos com o visconde de Ouro Preto. [18] Asegunda era 20 de novembro, quarta-feira seguinte. Nesse dia sereuniriampela primeira vez noRio de Janeiro os deputados e senadores

eleitos em agosto. A abertura da nova sessão legislativa contaria com apresençadoimperadorPedro II,demembrosdafamíliaimperialedetodooministério. Emqualquer das hipóteses, osmilitares cercariam o prédio,prenderiamosministros,destituiriamogovernoeanunciariamamudançaderegime.Tudoparecia se encaminharparaodesfecho combinado,maso estado

desaúdedeDeodoroinspiravacuidadoscadavezmaiores.Natardede14denovembro,quinta-feira,GlicérioeAristidesLoboandavampelolargodeSão Francisco, no centro da cidade, quando viram Benjamin Constantdescerdeumbonde.Eraumhomemdesolado:— Venho da casa de Deodoro— explicou-lhes o professor e tenente-

coronel.—Creioqueelenãoamanhece,eseelemorrer,arevoluçãoestágorada. Os senhores são civis, podem salvar-se; nós, militares,arrostaremos as consequências das nossas responsabilidades. [19] Nashoras seguintes, no entanto, os acontecimentos se precipitariam a talvelocidade que fugiriam ao controle dos revolucionários— e acabariamportirarDeodorodacamacontrasuaprópriavontade.EnquantoGlicério eAristides se encontravam comBenjamin, umboato

começouatomarcontadocentrodoRiodeJaneiro.Dizia-sequeogovernotinha ordenado a prisão de Deodoro e determinado a transferência deváriasunidadesmilitaresparaoutrasregiõesdopaís,emumatentativadeconterosfocosderebeliãonosquartéis.Falava-setambémqueoviscondede Ouro Preto planejava dissolver o Exército e substituí-lo pela GuardaNacional,supostamentemaisfielàMonarquia.Os rumores eramplantados de forma proposital na rua doOuvidor—

de inidapelohistoriadorAnfrisoFialhocomo“coraçãoeouvidosdoRiodeJaneiro”[20]—porumadas liderançasdo golpe emandamento, omajorFrederico Sólon de SampaioRibeiro, futuro sogro do escritor Euclides daCunha. Seu objetivo era, obviamente, acirrar os ânimos contra o governo.Naquela tarde, antes de sair de casa rumo ao centro da cidade, SólonRibeiro vestira calça e paletómarrons, chapéu de feltro preto, óculos dearos azuis.[21] Acreditava que, com essa indumentária civil, a ação seriamais bem-sucedida do que se aparecesse usando a costumeira fardamilitar. E, de fato, foi o que aconteceu. Da rua do Ouvidor o boatorapidamente chegou aosquartéis e colocou emandamento amáquinadarevolução.Ao cair da tarde desse mesmo dia 14, o ministro da Guerra, Ru ino

Enéias Gustavo Galvão, visconde de Maracaju, recebeu do marechalalagoano Floriano Vieira Peixoto um bilhete premonitório: “A esta hora

deve V. Exa. ter conhecimento de que tramam algo por aí além; não dêimportância;tantoquantoseriapreciso,con ienalealdadedoschefes,quejáestãoalertas”.[22]Era um jogo de faz de conta, que transformaria Floriano Peixoto na

iguramais enigmáticadahistóriadaProclamaçãodaRepública, como severá em capítulo adiante. Ocupante de um dos mais altos cargos nahierarquiamilitar do Império, o de ajudante-general do Exército, cabia aele ser iel ao imperador e seguir as ordens do governo do visconde deOuro Preto. As informações atualmente disponíveis, porém, comprovamque Floriano Peixoto àquela altura já estava envolvido com osrepublicanos.SeubilheteaoministrodaGuerraeraapenasumatentativade dar às autoridades uma ilusória sensação de segurança enquanto astropassepreparavamparaderrubaroImpério.Algumashorasantesdeenviarobilheteaoministro,Florianotiveraum

encontroreservadocomDeodoro,seuconterrâneodeAlagoas,noqualsetratou do golpe planejado por Benjamin e pelas lideranças civisrepublicanas. O marechal explicou a Floriano que, a seu ver, todas aspossibilidades de negociação com o governo estavam esgotadas. Omomento era de ação. Anunciou também que se colocaria à frente dosrevoltosos.— Se a coisa é contra os casacas, lá em casa tenho ainda a minha

espingardavelha—limitou-searesponderFloriano.“Casaca” era a forma pejorativa pela qual os militares se referiam às

autoridadescivis.AlertadoarespeitodobilhetedeFloriano,oviscondedeOuroPretodeu

ordens ao chefe de polícia, conselheiro José Basson de Miranda Osório,para “descobrir a verdade do que porventura se tramasse”, segundorelatariadepoisemsuasmemórias.[23]Porvoltadasonzehorasdanoite,o ministro teve a con irmação de seus temores: o chefe de políciainformava que a Segunda Brigada do Exército, aquartelada em SãoCristóvão,marchavaparaoCampodeSantana (atualpraçadaRepública,na época também conhecida como praça da Aclamação). Igualmenterebelados estavam o Primeiro e o Nono Regimentos de Cavalaria e oSegundoRegimentodeArtilharia.Na tentativa de melhor acompanhar os acontecimentos, Ouro Preto

seguiuprimeiroparaaSecretariadePolícia, situadano centroda cidade.Alichegando,mandouchamarFlorianoPeixoto,queoinformouarespeitodo levante do Segundo Regimento de Artilharia. O marechal disse tertomado conhecimento da rebelião por um aviso que lhe trouxera

pessoalmenteoajudantedeordensdocomandantedobatalhão.—Eporquenãooprendeu?—perguntou-lheumsurpresoOuroPreto.—Paraganhartempoesepoderacautelar—desconversouFloriano.Segundoomarechal explicou aoministro, se o ajudantede ordensnão

voltasse ao quartel, os militares rebelados, supondo que o ministérioestavaprevenido,seporiamemmovimentomaisrapidamente,di icultandoa reação do governo. Ouro Preto discordou novamente da atitude deFloriano:— É mister prender os o iciais e os soldados, distribuindo-os

convenientementepor fortalezasequartéis—alertou.—Ordeno-lhequeassimproceda,senhormarechal!Uma vez mais, o ardiloso Floriano desconversou, limitando-se a dizer

queusariatodaaenergianecessáriaequehaviatomadoas“providênciasprecisas”.[24]Porvoltadastrêshorasdamadrugada,OuroPretodecidiusetransferir

para oArsenal daMarinha, cujas instalações se distribuíam entre o sopédo morro de São Bento, rente ao mar, e a ilha das Cobras, sede doComando Naval brasileiro. Por precaução, despachou um telegrama aoimperador, que se encontrava em Petrópolis, dando conta da revoltamilitar. O tomdamensagem, no entanto, dava a entender que oministroainda tinha total controle da situação. “O governo toma as providênciasnecessárias para conter os insubordinados e fazer respeitar a lei”,tranquilizou.Oimperadorsórecebeuessetelegramapelamanhã,quando,aparentemente, já era tarde para reagir. Às vésperas de completar 64anos, velho e cansado, dom Pedro II sofria de diabetes. Naquela noite,estava tão debilitado quanto o marechal Deodoro. Por isso, havia serecolhido mais cedo. Quem recebeu o telegrama de Ouro Preto foi seumédicoparticular,ClaudioVelhodaMotaMaia,ocondedaMotaMaia,queestava de vigília no palácio de Petrópolis, refúgio da família imperial nosmesesdeverão.Ao leramensagem,MotaMaiaachouquenãoeraocasode incomodar o monarca. Preferiu deixá-lo dormir enquanto o Impériomergulhavanoabismo.Aoalvorecerdodia15,umasexta-feira,diantedasnotíciasdequemais

tropasrebeladasmarchavamparaocentrodacidade,oviscondedeOuroPreto tomou mais uma decisão, da qual haveria de se arrepender pelorestodavida.PorsugestãodoministrodaGuerra,transferiu-sedoArsenalda Marinha para o Quartel-General do Exército, situado no Campo deSantana,vizinhoàatualestaçãodaestradade ferroCentraldoBrasil (naépoca, chamada de dom Pedro II).Mais tarde, Ouro Preto confessaria ter

cometidoumerroestratégicofatal.OCampodeSantanaeraexatamenteopontodeconvergênciadastropasrebeladas.Se tivessepermanecidonoArsenaldaMarinha,oministroestariamais

bem protegido do que no Quartel do Exército. Até aquele momento, aMarinhasemostravamais ielaogovernoimperialdoqueoExército,estesimo foco de toda a rebelião. Vizinha doArsenal e isolada do continenteporumpequenotrechodemar,ailhadasCobras,sededoComandoNaval,imporia obstáculo à chegada dos revoltosos e poderia também oferecerumarotadefugapelabaíadeGuanabara,emcasodenecessidade.Ouseja,nahoramaiscríticadoseventos,oviscondedeOuroPretomudou-separadentro da cova dos leões, onde o seu governo seria acuado e destroçadocom aMonarquia brasileira. “Fomosmiseravelmente traídos”, queixou-sedepoisaoministrodaAgricultura,LourençodeAlbuquerque.“Chamaram-nos para esta ratoeira a im de que não pudéssemos organizar lá fora aresistência;antesmehouvessemmatado!”[25]Ao chegar aoQuartel-General doExército,OuroPreto foi recebido com

informações cada vez mais inquietantes. Várias guarnições militaresmarchavam em direção ao Campo de Santana. Apesar disso, as ruas nasimediações estavam desertas. Nenhuma tropa iel ao governo, nenhumobstáculo ou cordão de isolamento, nada havia sido mobilizado paraprotegeroministério.Nopátiointernodoquartelenapraçaemfrente,umnúmero reduzido de soldados se mantinha em atitude de completaindiferença, comosbraços cruzados e as armas emposiçãodedescanso,como se nada de anormal estivesse acontecendo. “Quem contemplasseaquela força, suporia que ali se achava para uma simples parada ouacompanhamento de procissão”, descreveria Ouro Preto em suasmemórias.[26]DalidespachouumsegundotelegramaadomPedro II,esteemtomdeurgência:

Senhor,doisbatalhõesrevoltados.Venha.OuroPreto.A notícia da movimentação das tropas pegou de surpresa também as

lideranças republicanas, entre elasopróprioBenjaminConstant, que, emsua casa, dormia tranquilamente quando foi acordado por volta das trêshorasdamadrugadapelostenentesAdolfoPenaeLauroMüller.Aosedarcontadequea revoluçãohavia seprecipitado,despachouo tenentePenacom amissão de avisar os civis Quintino Bocaiúva e Aristides Lobo e oscomandantesEduardoWandenkolkeFredericoLorena,daMarinha.Antesdesairdecasa,recomendouàmulher:—Caso techegueanotíciadeque fomosvencidos,queime todosesses

documentos.Voucumpriromeudever!

Depois, à paisana seguiu de carro com Lauro Müller ao encontro deDeodoro.Encontrouomarechaldecama,àsvoltascommaisumacrisededispneia.Deodoroouviuasnotíciaseprometeuque,assimquemelhorasseum pouco, iria se juntar às forças rebeladas. Pela sua aparência, noentanto, Benjamin julgou que isso não aconteceria e rumou ao encontrodas tropas no quartel de São Cristóvão. Ao chegar ali, foi recebido comvivaspelosmilitaresefezumbrevediscurso:—Estounomeiodosmeusamigos.Chegouomomentodevermosquem

sabemorrerpelapátria.Seformosvencidos,guardemosaúltimabalaparaquenossalvemosdavergonhadoaprisionamento.Em seguida, trocou as roupas civis pela farda e se posicionou nomeio

dossoldadosquesedirigiamparaoCampodeSantana.[27]Como o objetivo era depor o governo, as tropas marchavam sem

bandeira. Desavisado, no entanto, o sargento Ignácio Teixeira da CunhaBustamante,doSegundoRegimentodeArtilharia, carregavao estandarteimperial, que lhe tinha sido entregue por um o icial superior. Assim,per ilou-secomseuscamaradasdefarda,comosempre izera.Aochegaràesquina da rua do Imperador com a Figueira de Melo, alguém o alertouque não icava bem portar um símbolo do Império no momento dederrubada da Monarquia. Bustamante percebeu o deslize e, semalternativa, enrolou a bandeira e atirou-a para dentro da janela de umacasanasimediações.[28]Outro casopitoresco envolveuumgrupode estudantes. Por orientação

de Aristides Lobo, ao cair da tarde de 14 de novembro o estudante deengenhariaIldefonsoSimõesLopes,presidentedoClubeRepublicanoRio-Grandense, percorreu vários alojamentos estudantis no centro da cidadeconclamando os moradores a se dirigirem ao quartel do SegundoRegimento de Artilharia, onde receberiam armas e se incorporariam àstropas rebeladas. A adesão foi imediata. Pouco depois da meia-noite, osestudantespegaramumbondee seguiramparaoquartel.A certaaltura,porém, o bonde parou ao lado de outro que vinha na direção contrária.DentrodeleestavaFredericoGuilhermeLorena,oo icialdaMarinhaquevoltava da casa de Deodoro frustrado com o rumo dos fatos. Ao ver osestudantes, Lorena anunciou que a revolução estava adiada porque omarechal, gravemente enfermo, talvez não chegasse com vida à manhãseguinte.E,semapresençadeDeodoro,nadasepoderiafazer.Aoouviremo relato, os estudantes mudaram de bonde e, na companhia de Lorena,retornaramaseusalojamentos,perdendoassimachancedetestemunharaProclamaçãodaRepública.[29]

Ohistoriador Celso Castro, um dosmaiores especialistas brasileiros notema, a irma que na manhã de 15 de novembro “a grande maioria dossoldados que integravam as tropas golpistas em 15 de novembro nãoestava consciente de que se pretendia derrubar a Monarquia”. Segundoele, nem alguns o iciais o estavam. Eram, portanto, participantesinvoluntários do drama, levados por seus superiores dos quartéis para oCampodeSantana.Poressarazão,váriosdelessearrependeriamdopapeldesempenhadonaqueledia.PoucomaisdeummêsapósaProclamaçãodaRepública, em 18 de dezembro, estourou uma rebelião de soldados noSegundo Regimento de Artilharia, justamente uma das unidades quehaviam participado do golpe. Os soldados queriam a restauração daMonarquiaeavoltadedomPedro II aoBrasil.Foramtodospunidos,bemcomo os participantes de outras revoltas isoladas contra a Repúblicaregistradasemdiferentesregiõesdopaís.[30]Odia15denovembroestavaamanhecendoquandoomarechalDeodoro

conseguiu, en im, uma trégua na crise de dispneia que o izera passar anoiteemclaro.Naquelamadrugadaestiveratãoabatidoque,parasevirarnacama,precisavadaajudadedoiso iciais,segundocontoumais tardeoseumédicoparticular,CarlosGross.“DeodoroproclamouaRepúblicasemo meu consentimento”, a irmou Gross. Segundo ele, durante a noite,Deodoro e a mulher, Mariana, tinham tido uma áspera discussão.Preocupada,elaqueriaimpedirportodososmeiosqueelesaíssedecasa.Omarechal, no entanto, insistia em se levantar da cama. Ao inal, com amediaçãodeoutrosfamiliares,decidiu-sequeCarlosGrossteriaapalavrainal.Oqueomédicodecidisseseriarespeitadoportodos.“Sedependessedemim,elenãosairia”,a irmariaGrossdepois. Issosónãoaconteceuporuma ironia do destino: o soldado encarregado de chamar o médico foiprocurá-lo no endereço errado. Passou horas vasculhando a rua daQuitanda,emboraGrossmorassenaruadosOurives.Quando inalmenteoachou, era tarde. Contrariando as restrições damulher, Deodoro já tinhasaídoparacomandarastropascontraoImpério.[31]Fraco e cambaleante, Deodoro vestiu a farda, pediu que colocassem o

selim de sua montaria dentro de um saco e tomou uma charrete emcompanhia do alferes Augusto Cincinato de Araújo, seu primo, para ir seencontrarcomastropas.NaruaSenadorEusébio,alturadoGasômetro,viuas forças sublevadas que vinham na direção contrária comandadas pelotenente-coronel João Batista da Silva Teles, tendo ao lado BenjaminConstant. Como ainda se sentiamuito debilitado, continuou de charrete orestantedajornada.

AochegarpróximodoCampodeSantana,omarechalpediuparamontara cavalo, apesar dos protestos dos o iciais, temerosos de que o velhocomandante não tivesse forças para se manter sobre o animal. Porprecaução, o alferes EduardoBarbosa cedeu-lhe o cavalo baio número6,consideradoomenosfogosonatropadoPrimeiroRegimentodeCavalaria.Heróiinvoluntáriodeumaescolhacasual,opacatoanimalseriaoprimeirobene iciário da República brasileira. Aposentado do serviço militar porserviços relevantes prestados ao novo regime, passaria o resto dos seusdiassemfazernada,vivendoconfortavelmentenoestábulodoseuquartelnoRio de Janeiro.[32] Anosmais tarde, ao recordar o episódio enquantoposava para o famoso quadro do pintor Henrique Bernardelli em queaparece sobre o animal, de quepe na mão, proclamando a República,Deodorodiria:— Vejam os senhores, quem lucrou no meio de tudo aquilo foi o

cavalo![33]Na manhã de 15 de novembro, para surpresa geral, um Deodoro

trans iguradosurgiudiantedoso iciaisesoldadostãologoassumiuolugarna seladobaionúmero6. Comvoz irme edecidida, começou adispararordenseaorganizarastropas.EmnadalembravaoanciãoagonizantequeBenjaminConstanteocapitãoLorenahaviamencontradodecamanodiaanterior. Ao comando do marechal, seiscentos homens armados comespadas,fuzisedezesseiscanhõespostaram-seemfrenteaoquartelondeestavam reunidos Ouro Preto e seus ministros. Era um númerorelativamente pequeno comparado aos 1.096 homens que, recrutados àspressas, estavam encarregados de proteger o edi ício. As forçassupostamente leaisao ImpérioeramconstituídasporsoldadosdopróprioExército, marinheiros, bombeiros e policiais militares sob o comando dogeneralJosédeAlmeidaBarreto.Sem que o governo soubesse, entretanto, o general José de Almeida

Barreto também estava comprometido com os revolucionários. Era,contudo, um o icial sem a plena con iança de Deodoro. Por isso, aoobservar de longe a formação das tropas diante do quartel, Deodorochamou um o icial e determinou que levasse ao general a ordem paramudar de posição e colocar-se ao seu lado esquerdo. Passados quinzeminutos, notouqueAlmeidaBarreto aindanão cumprira a determinação.Deodoro repetiu o comando e uma vez mais não foi atendido. Irritado,chamounovamenteooficialeexplodiu:— Menino, vá dizer ao Barreto que faça o que já por duas vezes lhe

ordenei,ouentãoquemetasuaespadanoc...,poisnãoprecisodele!

AfrasedeDeodoro,peloseuóbvioconteúdochulo,temsidorelatadadeformacautelosanos livrosdehistória.Ogeneral JacquesOurique,umdosconspiradoresde1889, se refereauma“frase impulsivaevigorosa”. [34]Raimundo Magalhães Júnior, biógrafo de Deodoro, menciona “umaexclamação violenta”. [35] O coronel Ernesto Senna cita o episódio duasvezes em seu livroDeodoro: subsídios para a história. Em nenhuma delas,noentanto,reproduzapalavrausadaporDeodoro.Naprimeira,dizqueomarechal deu “um recado um tanto enérgico e sugestivo...”. Na segunda,queDeodoromandouBarretometer“aespada...nabainha”.OhistoriadorHeitor Lyra, biógrafo de dom Pedro II e autor de quatro volumes sobre aqueda do Império, chegou perto da gra ia do palavrão, embora ainda deforma não totalmente explícita, como se vê na frase reproduzidaacima.[36] O uso de reticências indica que a expressão correta era bemconhecidaentreastestemunhasdoacontecimento.[37]Controvérsias à parte, a frase funcionou bem. Dessa vez, a ordem foi

cumprida de imediato pelo general AlmeidaBarreto que, ao reposicionarsuas tropas sob o comando de Deodoro, deixou exposta sua adesão aogolperepublicanoeatotalfragilidadedogovernodiantedacircunstância.Logo em seguida começaram a aparecer os civis, incluindo o jornalista

Quintino Bocaiúva, que montava um cavalo também emprestado pelastropasrebeladas.UmaausêncianotadafoiadoadvogadoSilvaJardim,umdos homens que nos meses anteriores mais se empenharam napropaganda republicana percorrendo o país para fazer conferências efundar clubes e jornais favoráveis à nova causa. Desafeto de QuintinoBocaiúva, Silva Jardim não foi avisado da movimentação das tropas eperdeuachancedetestemunharomomentomaiscrucialdaProclamaçãoda República. Por essa razão, se tornaria um homem amargurado peloresto da vida. Dois anos mais tarde, em viagem ao sul da Itália, sofreriaumamorteépica,tragadopelacrateradovulcãoVesúvio,emPompeia.Seucorpojamaisfoirecuperado.NomomentoemqueDeodoro cercavaoquarteldoExército,dedentro

do edi ício o visconde de Ouro Preto disparava ordens para queprovidências enérgicas e imediatas fossem tomadas.Ninguémparecia lhedar ouvidos. Ao seu lado, Floriano Peixoto mantinha atitude de totalserenidade, como se desconhecesse a gravidade da situação. Enquantoisso, o general Almeida Barreto, que oministro julgava responsável pelasua segurança, mas que àquela altura já se submetera às ordens deDeodoro, “passeavae conversavanaextensavaranda”, comoseestivessenomaiscalmodosdias,segundoorelatodeOuroPreto.[38]

Foi então que Floriano Peixoto adiantou-se e avisou Ouro Preto queDeodorohavialhepedidouma“conferência”.—Conferência!—explodiuoministro.—MandeV.Exa.intimá-loaque

se retire, e empregue a força para fazer cumprir essa ordem. Essa é adecisãoúnicadogoverno!Em vez seguir a ordem de Ouro Preto, Floriano se afastou, foi até a

varanda da sala vizinha, voltou, tornou a percorrer a varanda, depoisdesceu as escadas, montou a cavalo, des ilou diante da força dentro dopátio,massemtomarnenhumaatitudeparadeterosrevoltosos.Nesse momento, apareceu numa rua lateral o carro do ministro da

Marinha, José da Costa Azevedo, barão de Ladário. Vinha se juntar aoministério, járeunidono interiordoedi ício.[39]Deodoromandouqueostenentes Adolfo Pena e Lauro Müller o prendessem. Os dois o iciais seaproximaramdoministroquandoelesaíadocarro.—Senhorbarão,VossaExcelênciaestápreso!—gritouotenentePena.Emvezdeserender,Ladáriosacouumapistolaedisparouemdireção

aoo icial, que revidoude imediato.Ambos erraramo alvo. Ladário sacououtrapistola edeuumsegundo tiro.Errounovamente,masdessavez foialvejadoporquatrodisparos,queoatingiramemváriaspartesdocorpo.Adistância,Deodorogritou:—Nãoatirem!Nãomatemessehomem!Comasroupasempapadasdesangue,Ladárioprocurourefúgioemuma

loja próxima, mas caiu na calçada antes de chegar à porta doestabelecimento. Levado a um hospital, sobreviveu milagrosamente.Semanas mais tarde, anunciaria seu apoio ao novo governo provisóriorepublicano.Nasaladosministros,OuroPretocontinuavaadispararordens:— Essa artilharia pode ser tomada à baioneta — a irmou apontando

paraasarmasdosmilitaresrebeldes.—Éimpossível—alguémlherespondeu.—Aspeçasestãoassentadas

demodoquequalquersurtidaserávarridaàmetralha!—Porquedeixaramentãoquetomassemtaisposições?—indignou-se

oministro.—NoParaguai,osnossossoldadosapoderavam-sedeartilhariaembempiorescondições.Floriano, que voltava lá de baixo, encerrou o diálogo com uma frase

curtaereveladoradasuaposição:— Sim, mas lá tínhamos pela frente inimigos, e aqui somos todos

brasileiros![40]Ao ouvir a resposta de Floriano, o ministro inalmente entendeu que

estava sozinho. Resistir seria inútil. Diante disso, redigiu ali mesmo seuterceiroeúltimotelegramaadomPedro IIemPetrópolis,noqualselavadevezasortedaMonarquianoBrasil:

Senhor—Oministério,sitiadonoQuartel-GeneraldaGuerra,àexceçãodo Sr. Ministro da Marinha, que consta achar-se ferido em uma casapróxima, tendo por mais de uma vez ordenado debalde, por órgão dopresidente do Conselho e do ministro da Guerra, que se repelisse pelaforça a intimação armada do Marechal Deodoro para pedir suaexoneração, e diante da declaração feita pelos generais visconde deMaracaju,FlorianoPeixotoebarãodoRioApadeque,pornãocontaremcom a força reunida, não há possibilidade de resistir com e icácia,deponho nas augustas mãos de Vossa Majestade o seu pedido dedemissão. A tropa acaba de confraternizar com o Marechal Deodoro,abrindo-lheasportasdoQuartel.

DomPedro II recebeuo telegramadoviscondedeOuroPretoporvoltadas onze horas da manhã. Ao dar-se, inalmente, conta da gravidade dasituação, decidiu retornar ao Rio de Janeiro, ordenando que lhepreparassemumtremespecial,queolevariadiretoaocentrodacidade.A decisão de dom Pedro II é até hoje motivo de controvérsia. Uma

hipótesemuitodiscutidapelosmonarquistasnosanos seguintes foiqueoimperadorpoderiaterpermanecidoemPetrópolis.DaliteriacondiçõesderecuarparaMinasGeraiseeventualmenteorganizararesistênciaaogolperepublicano.Essahipótesechegouasersugeridaaoconded’Eu,maridodaprincesaIsabel,noprópriodia15denovembrode1889,peloengenheiroAndréRebouças,abolicionistaamigoda família imperial.Sónãofoi levadaem consideração por um problema de comunicação. Naquele momento,dom Pedro já estava no trem a caminho do Rio de Janeiro. Avisá-lo pararecuarseriapraticamenteimpossível.Enquantoomonarcadesciaaserra,noMinistériodaGuerraoclimaeradeconfraternizaçãoentreosvitoriososedecompletadesolaçãoentreosperdedores.Poucodepoisdasnovehorasdamanhã,Deodoroaproximara-sedopátio

doquarteledeterminaraqueoportãolhefosseaberto.—Apresentararmas—ordenou.—Toquemohino!Emseguida,mandouqueotenente-coronelTeles intimasseoministério

a se render. Ao entrar na sala, Teles foi recebido pelo visconde de OuroPreto:—Ossenhores,oquequerem?—perguntouochefedoministério.—Abrigadaqueraretiradadoministério—respondeuooficial.Nesse instante, ouviu-se um grande clamor no interior do edi ício

seguido do som de clarins e salvas de artilharia. Era Deodoro que, semesperarpela resposta, subia ao salãoonde estavamosministros.Quandosua igura imponente, de barba cerrada e olhos penetrantes, transpôs oumbral da porta, fez-se um profundo silêncio. Todos pareciamcompreenderaimportânciadaquelemomento.De pé, diante do ministério, Deodoro fez um discurso permeado de

queixas. Explicouque assumira a liderançadomovimentopara vingar asinjustiçaseofensascometidaspelogovernocontraosmilitares.Dissequesó o Exército sabia sacri icar-se pela pátria. E que, apesar disso, eramaltratado pelos políticos, que só sabiam cuidar dos seus interessespessoais. A irmou que estava doente, mas que, mesmo assim, aceitaraassumirocomandodastropasporquenãoerahomemderecuardiantedeperigoalgum.TemiasomenteaDeus.LembrouosserviçosqueprestaranaGuerradoParaguai,naqualpassaratrêsnoitese trêsdiascombatendooinimigo dentro de um pântano, com a roupa encharcada e a água até acintura—“sacri ícioqueVossaExcelêncianãopodeavaliar”,acrescentou,dirigindo-se ao visconde de Ouro Preto. Por im, avisou que todo oministério estava demitido e que um novo governo seria organizado deacordocomumalistadenomesqueeleprópriolevariaaoimperador.Esse pequeno detalhe indica que, até aquelemomento, Deodoro ainda

não estava totalmente convencido a proclamar a República. Se estivessedepondo aMonarquia, e não apenas o gabinete che iado porOuro Preto,porque levariaumanova listadeministrosàaprovaçãodo imperador?Éum enigma que até hoje desa ia os estudiosos da personalidade domarechaledopapelcrucialquedesempenhounaqueledia.Oquedi icultao trabalho dos historiadores é a guerra de fatos entre monarquistas erepublicanos que se estabeleceu nos anos seguintes. Fatos e mitos semisturam nessa batalha pela verdade histórica. Cada lado se encarregoude espalhar versões contraditórias, de acordo com seus própriosinteresses. O alferes e mais tarde marechal Cândido Mariano da SilvaRondon, que estava ao lado de Deodoro naquele momento, contou tê-loouvido gritar um viva ao imperador Pedro II, saudação habitual naquelaépoca. A mesma história foi relatada pelo ministro do Chile no Rio deJaneiroemdespachodiplomáticoparaseugovernoemSantiago.Deodoronunca negou ter dado esse viva ao imperador, mas a história o icialrepublicanasempreseesforçouparaocultaroepisódio.De concreto sabe-se queDeodoro emnenhummomento proclamou ou

deu vivas àRepública, que nas horas seguintes se imporia comoum fatoconsumadodiantedaincapacidadedopoderimperialderesistiràprópria

implosão. Ao encerrar o improvisado discurso, Deodoro a irmou tambémque todososministrospoderiamse retirarpara suas casas, comexceçãode Ouro Preto e do conselheiro Cândido de Oliveira, ministro da Justiça,queficarampresosalimesmoatésegundaordem.Ouro Preto ouviu tudo em silêncio. Quando Deodoro parou de falar,

declarou:— Não é só no campo de batalha que se serve à pátria e por ela se

fazem sacri ícios. Estar aqui ouvindo o marechal, neste momento, não ésomenos a passar alguns dias e noites num pantanal. Fico ciente do queresolveuameurespeito.Éovencedor:pode icarcomoquelheaprouver.Submeto-meàforça.[41]Deodoro virou as costas e desceu as escadas do quartel. Apesar de

enfermo e exausto pelos acontecimentos das últimas horas, ainda teveforçasparamontaracavaloedesfilarcomatropapelocentrodacidade.O clima entre civis emilitares revoltosos era de completa euforia, com

um senão: faltava proclamar a República. Deodoro, apesar de terdemonstrado irmeza ao destituir o ministério, ainda não anunciaraformalmente a mudança de regime. Ainda no Quartel-General, numatentativa de forçar uma de inição do marechal, Quintino Bocaiúva derainstruçõesaSampaioFerraz,umjovemjornalistaepromotorpúblico,paraque izesse um pronunciamento a favor da República diante das tropas.Seguindoasinstruções,Ferrazcolocou-sediantedasgradesegritou:—VivaaRepública!Aoouvi-lo,Deodorodeterminouquesecalasse.— Ainda é cedo — avisou o marechal. — Não convêm, por ora, as

aclamações![42]Horasmaistarde,quandodesfilavaaoladodeDeodorocomastropasna

rua do Ouvidor, Benjamin Constant encontrou-se com Aníbal Falcão,positivistaecheferepublicanodePernambuco,ealertou:—Agitemopovo.ARepúblicanãoestáproclamada!Emdepoimentoanosdepois,Falcãoconfessouque,aoouviradeclaração

“domestre”, foi tomado por “verdadeiro assombro” e “um sentimento deangústiaque,naquelemomento,oprimiuomeucoração”.[43]AngustiadotambémestavaBenjaminConstantcoma ideiadequeatão

aguardada oportunidade de proclamar a República se perdesse casoDeodoronãotomasseumaatitude.Omarechal,noentanto,ouviatudoemsilêncio, semnadaresponder.Terminadoodes ile,voltouparaamodestacasaemquemorava,emfrenteaoCampodeSantanaeaalgunsmetrosdolocal ondehaviadestituídooministério. Exaurido, caiuna cama.Mariana,

sua mulher, postou-se na porta do quarto e não permitiu que maisninguémseaproximassedomarechal.ARepúblicateriadeesperar.Aoouvir deBenjaminConstant a notícia de que aRepública aindanão

estava proclamada, Aníbal Falcão correu para a redação do jornal Cidadedo Rio, de propriedade do abolicionista José do Patrocínio. Ali, emcompanhiadopróprioPatrocínioedeoutrosdois líderes republicanos—Pardal Mallet e Silva Jardim — redigiu às pressas a única proclamaçãoformal da República ouvida naquele dia. “Era necessário um movimentopopular,audazerapidamenteorganizadoa imdeque,antesdequalquerdeliberaçãodogoverno (...), fosseproclamadaaRepública”, explicoumaistardeFalcão.Amoção,redigidade formatortuosaporFalcãono jornaldePatrocínio,

era endereçada aos “Senhores representantes do Exército e da ArmadaNacional”.Anunciavaque“opovo,reunidoemmassanaCâmaraMunicipal,fezproclamar,na formada lei aindavigente,pelovereadormaismoço (opróprioPatrocínio,entãocom36anos),apósagloriosarevoluçãoque ipsofacto aboliu a Monarquia no Brasil — o governo republicano”.Acrescentava que “os abaixo-assinados”, intitulados “órgãos espontâneosda população do Rio de Janeiro”, estavam “convencidos de que osrepresentantesdasClassesMilitares,quevirtualmenteexercemasfunçõesdegovernonoBrasil,sancionarãoesteato”.[44]“O povo em massa reunido na Câmara Municipal” não passava, na

verdade,demeiadúziadejornalistaseintelectuais.VereadorelíderabolicionistanegronascidoemCamposdosGoytacazes,

ilhobastardodeumpadrecomumaescrava, JosédoPatrocínioeraumaiguracontrovertida.Atéasvésperasde15denovembro,declarava-seumiel súdito e aliado da princesa Isabel. Atribui-se a ele o título de “ARedentora”dadoàprincesaapósaassinaturadaLeiÁurea,em13demaiode 1888. Entusiasmado com a abolição, que tanto defendera, Patrocíniotambémajudouacriaruma“guardanegra”,compostadeescravoslibertos,mulatosecapoeiras, comoobjetivodedefenderosdireitosdaprincesaeassegurar o Terceiro Reinado após amorte do imperador Pedro II. Essasconvicçõesmonarquistas,porém,desapareceramtodasna tardede15denovembro, quando Patrocínio decidiu assumir a glória efêmera queDeodoroparecia recusar.Seriaeleumdosmuitosrepublicanosdeúltimahora que o Brasil haveria de conhecer naqueles tumultuados dias.Concluídootextodamoção,ogruposedirigiuàCâmaraMunicipal.[45] Aimprovisada cerimônia de Proclamação da República aconteceu por volta

dasseishorasdatarde.Nafaltadesímbolosgenuinamentebrasileirosquerepresentassem o novo regime, foi preciso improvisar. Cantou-se aMarselhesa, o hino nacional da França, e hasteou-se uma bandeira cujodesenho imitava os traços do estandarte dos EstadosUnidos daAmérica,substituindo-seapenasascoresazulebrancodasfaixashorizontaispelascores verde e amarelo. Essa bandeira, originalmente usada pelo ClubeRepublicanoLopesTrovão, seriamais tarde substituída pela atual, comaexpressão “Ordem e Progresso” inspirada nos ideais do ApostoladoPositivista, grupo de seguidores do ilósofo francês Auguste Comte, quepregavaumaditadurarepublicanacomosoluçãoparaoBrasil.ApósacerimônianaCâmaraMunicipal,osmanifestantessedirigiramà

casa deDeodoro. Pretendiamentregar-lhe amoção redigida no jornal deJosédoPatrocínio.Comoomarechalestavadecama,proibidopelamulherderecebervisitas,coubeaBenjaminConstantatendê-los.Depoisdeouvi-los,Benjamin,agoramais cautelosodoquenomomentoemquedes ilaracom as tropas pelo centro da cidade, a irmou que “o governo provisóriosaberálevaremcontaamanifestaçãodapopulaçãodoRiodeJaneiro”.Porim,anunciouque,nomomentooportuno,anaçãoseriaconsultadasobreatroca de regime. Omanifesto que o governo provisório divulgou naquelanoite,assinadoporDeodoro,anunciavaqueoExércitoeaArmadatinhamdecretado a deposiçãoda família imperial e o imdaMonarquia,mas emnenhum momento mencionava a palavra república. [46] A consultaprometida por Benjamin Constant aconteceria somente um século maistarde.Emabrilde1993,ouseja,103anosapós15denovembrode1889,osbrasileiros inalmenteforamchamadosadecidiremplebiscitonacionalseoBrasildeveriaserumamonarquiaouumarepública.VenceuaRepública.

3.OIMPÉRIOTROPICAL

NO ANO DA PROCLAMAÇÃO DA República, o Brasil tinha cerca de 14 milhões dehabitantes, 7% da população atual. De cada cem brasileiros, somentequinze sabiam ler e escrever o próprio nome. Os demais nunca tinhamfrequentadoumasaladeaula.Entreosnegroseescravosrecém-libertos,oíndicedeanalfabetismoeraaindamaior,superiora99%.Sóumaemcadaseiscriançascomidadeentreseisequinzeanosfrequentavaaescola.Emtodo o país havia 7.500 escolas primárias com 300 mil alunosmatriculados.[47] Nos estabelecimentos secundários, o número caía deforma dramática: apenas 12 mil estudantes. Oito mil pessoas tinhameducação superior — uma para cada grupo de 1.750 habitantes.[48] Aagriculturarespondiapor70%detodasasriquezasnacionais,eaimensamaioriadapopulaçãoseconcentravanocampo.Oitoentredezbrasileirosmoravamnazonarural.Ocafédominavaapautadeexportação.Sozinho,oBrasilforneciacercade60%daproduçãomundial.Desde a época da Independência o país tinha feito progressos

signi icativos,emboraaindamuitoaquémdesuasnecessidadesemalgunsitens.As fronteirasestavamde inidase consolidadas, comexceçãodeumtrechonaregiãodoRiodaPrataedoestadodoAcre,queem1903seriacomprado da Bolívia por 2,9 milhões de libras esterlinas em negociaçãoconduzidapelobarãodoRioBranco.Aomanterintactoumterritóriopoucoinferior à soma de todos os países europeus, os brasileiros haviamalcançadoumafaçanhaquenenhumdosseusvizinhosconseguirarealizar.O Brasil se mantivera unido, enquanto a antiga América espanhola sefragmentara nas guerras civis do começo do século. Revoltas regionais erebeliões separatistas, que até metade do século XIX ameaçaram aintegridade territorial, tinham sido superadas commuito sacri ício. Comose isso não fosse su iciente, o país tinha ainda passado por outraexperiência traumática, aGuerradoParaguai,maiorde todosos con litosarmadosdahistóriadaAméricadoSul.Iniciada em novembro de 1864, a Guerra do Paraguai foi travada por

mais de cinco anos, até março de 1870. Ceifou a vida de centenas demilharesdepessoas,dasquais33milbrasileiros.Opreçomaisaltocoube,obviamente, ao Paraguai, o país derrotado. A população paraguaia,estimada em 406 mil habitantes no começo da guerra, reduziu-se à

metade. O custo econômico também foi altíssimo. Só do lado brasileiroforam gastos 614mil contos de réis, onze vezes o orçamento do governopara o ano de 1864, agravando umdeficit que já era grande e que oImpériocarregariaatésuaqueda.[49]O Brasil se viu forçado a entrar no con lito pela inabilidade política e

pela ambição desmedida do ditador paraguaio, Francisco Solano López.DeterminadoaampliaropoderdeseupaísnaregiãodoriodaPrataeaconstruir uma saída para o Atlântico, Solano López aprisionou emAssunçãoumnaviobrasileirosempréviadeclaraçãodeguerra, invadiuonorte da Argentina e a cidade de Uruguaiana, no Rio Grande do Sul, eocupouaregiãodeCorumbá,noPantanalmato-grossense.Semaopçãoderesolverasdiferençaspelaviadiplomática,restouaoBrasildefenderseusinteressesnoscamposdebatalha.Aguerraseriamaislongaedesgastantedoqueseprevia.Noiníciodoscombates,oExércitobrasileiroerareduzidoe mal organizado. Suas tropas somavam 18 mil homens contra umcontingente paraguaio de 64mil soldados reforçado por uma retaguardade veteranos calculada em 28 mil reservistas. O cenário desfavorávelmudougraças aumaaliança até então considerada improvável, reunindorivaishistóricos—Brasil,ArgentinaeUruguai—contraoinimigocomum.AchamadaTrípliceAliançaaniquilouasesperançasdesucessodeSolanoLópez. Nos anos inais da guerra, no entanto, os brasileiros lutarampraticamentesozinhos,sobocomandodomíticoLuísAlvesdeLimaeSilva,futuroduquedeCaxias,umavezqueargentinoseuruguaios,àsvoltascomrivalidadesinternas,poucopuderamcontribuir.Internamente, a guerra produziu alguns efeitos colaterais importantes.

Nunca antes tantos brasileiros haviam juntado forças em torno de umacausacomum.Gentedetodasasregiõespegouemarmasparadefenderopaís. Calcula-sequepelomenos135mil homens forammobilizados.Maisdeumterçodessetotal,cercade55mil, faziapartedochamadocorpodeVoluntários da Pátria, composto de soldados que se alistaramespontaneamente. Nos campos do Paraguai, brasileiros de cor brancalutaram ao lado de escravos, negros e mulatos, índios e mestiços.Ribeirinhos da Amazônia e sertanejos do Nordeste encontraram-se pelaprimeiravez comgaúchos,paulistase catarinenses.O imperadorPedro II,chamado de o “Voluntário Número Um”, transferiu-se pessoalmente àfrente de batalha, enfrentando o frio e a intempérie numa barraca decampanha.TudoissohaviaproduzidoumsentimentodeunidadenacionalqueopaísnãoconheceranemmesmonotempodasuaIndependência.Ossímbolosnacionaisforamvalorizados.Ohinoeratocadonoembarquedas

tropas. A bandeira tremulava à frente dos batalhões e nos mastros dosnavios.Finda a Guerra do Paraguai, o país entrara em uma fase decisiva de

transformações. No campo político, reavivou-se a campanha abolicionista,emfavordalibertaçãodetodososescravos.Aresistênciadosfazendeirose barões do café, que dependiam da mão cativa para cultivar suaslavouras, fora enorme, mas, também nesse caso, brasileiros de todas ascores e regiões acabaram se unindo em torno de umamesma aspiração,quelevoumilharesdepessoasàsruasnafasefinaldajornada.Oresultadotinha sido a Lei Áurea, que, assinada pela princesa Isabel no dia 13 demaio de 1888, colocara im a quase quatro séculos de escravidão. Aindacomo decorrência da guerra, o Exército se fortalecera. A presença dosmilitarescomoforçapolíticanasdécadasseguintesseriaumfatordecisivoparaaquedadaMonarquiaeaProclamaçãodaRepública.Em1889, as regiõesmaisdistantes, pormuito tempo isoladasdevidoà

di iculdade de acesso, tinham sido mapeadas, ocupadas e integradas,graças em boa parte às novas tecnologias de transporte e comunicação.Havia9.200quilômetrosdeferroviasemfuncionamentoeoutros9milemconstrução.Ovolumede cartasdespachadopelos correios triplicou entre1881e1889.Nesseano,55milhõesdecartasdacorrespondênciao icialeprivada transitavam pelos correios, número que chegaria a 200 milhõesdez anos mais tarde.[50] O telégrafo, inventado em meados do século,permitiaenviarerecebermensagensinstantâneasaqualquerdistância.Ototalde linhas telegrá icasquintuplicaraemumadécadaemeia, saltandode 3.469 quilômetros em 1873 para 18 mil em 1889.[51] O número demensagenstelegrá icasdespachadasanualmentesaltarade233em1861para528.161em1887,anoemqueosbrasileiros trocaram7milhõesdepalavrasporessenovomeiodecomunicação.[52]Anavegação costeira avapor, inaugurada em março de 1838, reduzira a menos da metade otempodeviagementreoRiodeJaneiroeBelém,noPará.O contato com o resto do mundo também fora alterado de forma

expressiva. Na época dos barcos a vela, uma viagem entre o Brasil e aEuropademoravacercadedoismeses.Tinhasidoesseotempoqueafrotadoprínciperegentedom João levaraparacruzaroAtlânticoem1808,deLisboa a Salvador, fugindo das tropas do imperador francês NapoleãoBonaparte.Agora,comosnaviosavapor,erapossívelirdoRiodeJaneiroaLiverpool, na Inglaterra, em exatos 28 dias a bordo dos ágeis econfortáveispacketboats ingleses,nomeque, traduzidoparaoportuguês,passou a ser chamado de paquete. Segundo o historiador Luiz Felipe de

Alencastro, aviagemera feita com talprecisãoe regularidadequeobomhumor carioca associou o nome paquete ao ciclo menstrual feminino,igualmente de 28 dias, em média.[53] Marco dessa integração com omundohaviasidoainauguração,nodia22dejunhode1874,doprimeirocabosubmarinoligandooRiodeJaneiroàEuropa. InstaladonoprédiodaBiblioteca Nacional, o imperador Pedro II celebrou o acontecimentodespachando telegramasaopapaPio IX, à rainhaVitória, da Inglaterra, aoimperador Guilherme, da Alemanha, ao rei Victor Emanuel, da Itália, aopresidentedosEstadosUnidos,UlyssesGrant, e aopresidentedaFrança,marechalMac-Mahon.Emmeadosdoséculo,poucoantesdaGuerradoParaguai,oBrasilhavia

testemunhadoaindaalgumasmudançasnoseumapapolítico.OAmazonas,desmembrado do vizinho Pará, se tornara província autônoma em 1850.No sul, o Paraná, até então a Quinta Comarca de São Paulo, tambémganhara autonomia em 1853. Outras três províncias ganharam novascapitais:emAlagoas,Maceiófoipromovidaasededogovernoem1839;noPiauí,VilaNovadoPotisubstituiuOeirasem1852,sendorebatizadacomonomedeTeresinaemhomenagemàimperatrizTeresaCristina,mulherdedomPedroII;e,por im,noSergipe,AracajutomouolugardeSãoCristóvãoem1855.CapitaldoImpério,com522.651habitantes,oRiodeJaneiroaumentara

sua população nove vezes desde a chegada de dom João e a família realportuguesa.OportocariocaeraomaismovimentadodoBrasil.Arendadesua alfândega representava 32% da arrecadação geral do Império. Acidadequemaiscresciaem1889,noentanto,eraSãoPaulo,quechegariaa239.820habitantesnoCensode1900.Suapopulaçãosemultiplicariapordezemapenascinquentaanos,impulsionadaemgrandepartepelosnovosimigrantes estrangeiros que chegavam ao Brasil para substituir naslavouras a recém-abolidamão de obra escrava. Salvador, capital colonialaté 1763, tinha 174.412 habitantes e apresentava crescimento estável,enquantonoRecife,com111.556,apopulaçãodeclinavaemrazãodacrisedalavouraaçucareira.Na Amazônia, um fenômeno a ser observado era o crescimento de

Belém,queregistraria96.560habitantesnoCensode1900,impulsionadopela febre da borracha. Desde que o americano Charles Goodyearinventara o processo de vulcanização, em 1839, o produto era usado nafabricaçãodemangueiras,chapéusecapasdechuva,correiasindustriaiseoutrosartigos.Suaprocuraaumentariaaindamaisnosanosseguintes,como surgimento da indústria automobilística, transformando os seringais da

Amazôniabrasileiraemumimensoeldoradoverde.[54]Nasgrandescapitais,apaisagemurbanasetransformaraporcompleto.

Em algumas delas, as ruas centrais eram iluminadas por lampiões a gás,maiseficientesdoqueasantigaslanternasaóleodebaleia,demanutençãodi ícile funcionamento incerto.Otelégrafocontribuíraparaaproliferaçãodosjornaiseacirculaçãomaisrápidadenotícias.Aimprensa,quechegaratardiamente ao Brasil com dom João em 1808, passara por uma fase derápida expansão nas décadas seguintes. Em 1876 já se publicavamcinquentajornaisnoRiodeJaneiro,maisdequarentaemSãoPaulo,trintaemPernambuco,27naBahiae22noPará.[55] Invençãomais recente, otelefone chegou a São Paulo, Salvador, Rio de Janeiro, Campinas e PortoAlegrenosúltimosdezanosdoImpério.Entre1872e1895tambémforaminstaladas redesde tráfegourbanoemSalvador,Riode Janeiro, SãoLuís,Recife, Campinas e São Paulo. Em 1887, sete linhas de bondetransportavam1,5milhãodepassageirosporanonacapitalpaulista.[56]ORiodeJaneiroeraavitrinedetodasasmudanças.Acidaderecebera

arborização em 1820, calçamento com paralelepípedos em 1853,iluminação a gás em 1854, bondes puxados a burro em 1859, rede deesgotoem1862,abastecimentodomiciliardeáguaem1874.Osprimeirosbondes elétricos chegariam em 1892. O nome bonde vinha da palavrainglesabond, cupons em papel que as concessionárias emitiam paradriblar a falta de troco no pagamento das passagens. Eram empresasestrangeiras, como a americanaBotanicalGardenRailroadCompany , cujoscarros ligavamo centroda cidade ao largodoMachado.Aodesembarcarno Rio de Janeiro, em 1883, vindo do Sul, o jornalista alemão Carlos vonKoseritz, diretor do jornalGazeta de PortoAlegre , icou impressionado aoobservar que, ali, todo mundo andava de bonde, incluindo ministros,deputados, senadores, barões e viscondes. “Não creio que exista outracidadenomundoemquehajatantaslinhasdebonde”,anotouKoseritz.“Émesmo incrível como milhares e milhares de pessoas aqui viajam debonde. Toda a cidade, desde Santa Teresa até a Tijuca é, durante léguas,cortada por linhas de bonde em todas as direções, e em todas elas seencontram bondes de cinco em cinco minutos, e estão semprecompletamentecheios.”[57]Maçom e arguto observador da realidade brasileira, Koseritz tinha

chegado ao Brasil em 1851 como mercenário contratado para lutar naguerra contraoditadorargentino JuanManueldeRosas.QuandoonavioatracounoportodeRioGrande,no litoralgaúcho,desembarcou ingindo-sededoente.Emseguida,desertoue,apé,caminhoutrêsdiasatéPelotas,

ondeseestabeleceucomoeditordelivrosdidáticosedeumjornalvoltadopara a colônia alemã.Naquele tempoPelotas era amais rica das cidadesgaúchas.Nomercadolocal,arrematavam-se300milboisgordosporano.Acarne, salgada e curtida nas charqueadas, servia de alimento para osescravos nas lavouras de café de São Paulo e Rio de Janeiro. Graças àprosperidade trazida pelas charqueadas, a cidade tinha caixa-d’águaimportadadaFrança,ruascalçadaseservidasporrededegásencanado.Numapopulaçãode20milpessoas,9mileramescravas.Em 1883, já na condição de um prestigiado editor e escritor, Koseritz

teveasensaçãodeadentraroutromundoaochegaràcapitaldo Império.Ali, nada tinha a ver com a realidade acanhada e relativamentemodestaobservada na província onde morava. “Tudo roda e trepida pelas ruas,fazendo sobre o calçamento de paralelepípedos um barulhoverdadeiramente infernal”, para o qual contribuem com seus pregões os“vendedores de frutas, de jornais, de bilhetes, engraxates”, observou ojornalista alemão. “Nas ruas mais movimentadas”, onde transitam aspessoaselegantes,ouve-se“falarquasetantoofrancêscomooportuguês”.Koseritz icou também impressionado com o caráter alegre edespreocupadodopovo carioca. Apesar da escravidão e da pobreza, queaindadominavamapaisagem, nas ruas cantava-se e ria-se o tempo todo.As festas e os batuques eram frequentes. A observação levou-o a umacuriosa conclusão sociológica. Segundo ele, numa terra de clima tãogeneroso e ameno, di icilmente haveria espaço para revoluções sociais:“Umpovorelativamentebemvestidoealimentadoaoqualoclimadopaíspermite, em caso de necessidade, dormir sobre um banco do jardimpúblico, não atira dinamite,mas ri facilmente, faz boas emás pilhérias enãorespeitamuitoasmajestadesterrenas”.ORiodeJaneirosurpreendeuKoseritzpeloseuaspectocosmopolita.As

mulheres, até algum tempo antes proibidas de sair de casa, eram vistasnas ruas com vestidos longos, chapéus e sombrinhas coloridas. AConfeitariaCarcelervendiasorveteaopreçode320réisocone,produzidoem fábrica de gelo importada dos Estados Unidos. A rua do Ouvidorconcentrava as casas de comércio mais elegantes. Era um espelho daEuropanos trópicos, como indicavamosnomesdealgumasde suas lojas:LaBelleAmazone,NotreDamedeParis,Wallerstein etMasset eDesmarais.Oshomenssevestiampelo igurino inglês.Asmulheres,pelo francês.Umanúncio da empresa Buarque & Maya, de propriedade dos engenheirosManuelBuarquedeMacedoeRaimundodeCastroMaya,colocavaàvendaumanovidade revolucionária, as “machinasde escrever”, comercializadas

nosEstadosUnidosdesde1867:Com estasmachinas se escreve três vezesmais depressa do que àmão.O

seu uso é hoje geral em toda a União Americana, de onde toda acorrespondênciavemescritaàmachina,oqueporsisóconstituiumaprovairrefutáveldesuagrandevantagem.[58]Outroanúncio,de1851,divulgavaoleilão,naruaDireita,deseiscavalos

europeus, “perfeitamente ensinados para sela, sem defeitos nem vícios,mansosapontodepoderemservirparamontariadesenhora”.Umdeles,chamadoWaterloo, era vencedorde corridasnohipódromode Somerset,naInglaterra.[59]Almoçava-seàsdezhorasdamanhãe jantava-seàsquatroda tarde.À

noite,umaceia,porvoltadasoitohoras.Nosrestaurantesmaispopulares,a refeição custava 600 réis. Um copo de refresco saía por 200 réis. Ocafezinho, por 60 réis. Um prato típico era composto de sopa, bife, arrozcom galinha, feijão, farinha, marmelada ou doce de igo, frutas. A vidanoturnaeraanimada.Os teatros, sempre lotados, faziampartedocircuitode companhias e astros internacionais, como a cantora lírica italianaAdelaideRistori,amaisfamosadaépoca,quesetornouamigaecon identedoimperadorPedroIIatéamorte.[60]“Das cidades que tenho visto, não conheço nenhuma tão barulhenta

como o Rio”, escreveu Ina von Binzer, professora alemã contratada paraeducar os ilhos de um rico cafeicultor do Vale do Paraíba, em carta àamiga Grete na véspera do Natal de 1881. “Vendedores de água,vendedores de jornal (...), vendedores de balas, de cigarros, de sorvetes;italianosapregoandopeixe;realejoseoutrosinstrumentos,nãoselevandoem conta os inúmeros pianos soando janelas afora, tudo isso atroa pelasruasestreitas,ondeossonsestridentesseprolongaminde inidamente.(...)Complete essa festa dos ouvidos com o crepitar dos foguetes queimadosdiaenoite.(...)Alémdobarulhoensurdecedor,(...)asujeiraeadesordem.As calçadas, principalmente nos bairros comerciais, são tão sujas como oleitodasruas.”[61]Também no Rio de Janeiro funcionava a escola mais importante do

Brasil. Era o Imperial Colégio Pedro II, criado em 1837. Tinha aprerrogativaexclusivadeconferiraoalunoovaliosotítulodebacharelemLetras, um diploma di ícil de obter, mas que dava o direito a entrarautomaticamente em qualquer das raras escolas de ensino superiorexistentes, como as prestigiadas faculdades de Direito de São Paulo e doRecife. Era, portanto, a chave que dava ingresso ao restrito grupo socialfrequentadordossalõesdaMonarquia.Em1887,dos569alunosdoPedro

II,sódozereceberamaláureadebacharel.Odiplomaeratãopreciosoqueoimperadoracompanhavapessoalmenteasprovas.“EracomosesaíssedoImperialColégioumpequenopríncipe.Comdireitoatodososacessosquedependessemda inteligênciaaprimoradapelosaberhumano”,escreveuosociólogopernambucanoGilbertoFreyre.[62]Como o alemão Koseritz, o jornalista francês Max Leclerc achou tudo

muitoestranhoaoaportarnoRiodeJaneirono inaldedezembrode1889.Segundoele,haviaumacontradiçãoentreapaisagemeoclimadacidade,castigada pelo sol inclemente dos trópicos, e a forma como as pessoas sevestiamesecomportavamnasruas,tentandoimitaramodaeoscostumesdaEuropa:

Sob um clima abrasador, em uma cidade onde o termômetro atingefacilmenteos40grausàsombra,(...)osbrasileirosseobstinamaviverea se vestir como se fossem europeus. Eles trabalham nas horas maisquentes do dia, das 9 da manhã às quatro da tarde, como se fossemnegociantes londrinos. Eles passeiam nas ruas trajando jaquetõesescuros, cartolas de copa alta e se submetem aomartírio com amaisperfeita resignação. O problema é que, apesar das aparências, eles nãodispõem de meios para viver nos trópicos. A municipalidade do Rio deJaneiro não garante sequer o saneamento adequado da cidade,periodicamenteassoladapelafebreamarela.[63]

Nosmesesdeverão, a sededa corte icavaentregueaos comerciantes,funcionários públicos de cargos burocráticos, escravos recém-libertos e àpopulaçãomaispobre.Quemerapoderoso,ricooufamosomudava-separaPetrópolis, a cidade imperial de paisagem europeia, clima ameno eagradável,plantadanasencostasdaserrafluminense.A vida social emPetrópolis se dividia entre asmansõesdanobreza, os

hotéis de luxo e os passeios de carro, a cavalo ou a pé pelas ruas bemarborizadas. O Hotel Bragança, inaugurado em 1848, tinha 92 quartos eumsalãoderefeiçõespara200pessoas.Erao localpreferidoparafestas,baileseconcertos.DepoisvinhaoHotelOriental,doturcoSaidAli,ondesehospedara o duqueMaximiliano, primo austríaco de Pedro II, ao visitar oBrasilem1859—cincoanosantesdesercoroadoimperadordoMéxicoeoito antes de ser fuzilado pelas tropas republicanas de Benito Juárez. OHotelOrleans,inauguradoem1883,reuniaasociedadeimperialdepoisdamissa aos domingos. O Palácio de Cristal que, segundo observou ohistoriadorHeitorLyra, “nuncafoipalácionemnuncafoidecristal”, tinhasido um presente de dom Pedro à princesa Isabel. Destinava-se àsexposiçõesdehorticultura.Haviadois teatros, oFloresta eoProgresso, e

uma cervejaria, a Bohemia, amais antiga do país, fundada em1853pelocolono alemão Henrique Kremer. A Casa das Duchas reunia a clientelamasculinaparabanhosquentes.Umdosfrequentadoresmaisassíduoserao próprio imperador Pedro II. A Crémerie Buisson oferecia queijos emanteigafrescos,importadosdaEuropa.[64]Essailhadeso isticaçãoeuropeiaestavaplantadanomeiodeumadensa

e luxuriante mata tropical brasileira, cujas plantas e animais exóticosfascinavam os viajantes estrangeiros. Uma carta de novembro de 1867enviadapelaprincesaLeopoldina, ilhacaçuladedomPedro II,àirmãmaisvelha, Isabel, contava que dos aposentos no palácio imperial era possívelouvir “o concerto dos sapos” na loresta vizinha. Segundo ela, nas noitesanteriores, o quintal do palácio havia sido visitado por uma onça, queatacara os animais domésticos. “Ainda bem que a onça não comeu senãogalinhas”, relatava a princesa, aliviada pelo fato de seus coelhos deestimaçãoteremsidopoupadospeloanimalselvagem.[65]NosprimeirosanosdoreinadodedomPedro II, levavam-sedoisdiasde

viagemembarcaçasediligênciasparachegaraPetrópolis.NavésperadaProclamaçãodaRepública,opercursoeracobertoemapenasduashorasnos vagões da estrada de ferroMauá, inaugurada emmeados do século.Da estação da praia Formosa, no centro do Rio de Janeiro, ia-se de tremconvencional até o pé da serra luminense. Nesse ponto, os passageirosfaziam baldeação para um segundo trecho da ferrovia a cremalheira,equipada com um conjunto de engrenagens e cabos de aço queliteralmente puxava locomotiva e vagões até o alto da montanha, já naentradadePetrópolis.A ligação ferroviáriaentreRiode JaneiroePetrópolis—aprimeirado

Brasil—tinhasidoumainiciativadeIrineuEvangelistadeSousa,barãoemaistardeviscondedeMauá,ohomemmaisricoemaisempreendedordetodo o Segundo Reinado. Em 1867, a fortuna pessoal de Mauá eracalculadaem115milcontosderéis,18,5%superioratodooorçamentodoImpérioparaaqueleano.Seupatrimônioincluía100milcabeçasdegado,diversasfazendas,dezenovebancosnoBrasil,naArgentina,noUruguai,naInglaterraenosEstadosUnidoseumestaleiro,odePontadaAreia,noRiodeJaneiro,quefabricava72naviosporano,algunsdosquaiseramvistosno rioAmazonas, na foz do rio da Prata ou cruzando a linha doEquadorrumoàEuropaeàAméricadoNorte.[66]Donodefábricas,bancoseestradasdeferro,Mauáeraumpersonagem

exótico em um país agrícola e até então dependente de mão de obraescrava. Sua história representa uma encruzilhada nos caminhos do

desenvolvimentodaeconomiabrasileira.MauáadvogavaaindustrializaçãoaceleradadoBrasil,processonoqualjulgavaqueopaísjáestivessemuitoatrasado. Os números comprovavam essa tese. Em 1868, existiam nosEstados Unidos 353.863 manufaturas, contra apenas duzentas no Brasil.As ferrovias norte-americanas alcançavam nessa época mais de 50 milquilômetros. A primeira linha transcontinental, ligando Nova York, nooceano Atlântico, a São Francisco, no Pací ico, icara pronta em 1869. AInglaterra, país do tamanho da província do Ceará, já tinha 5 milquilômetros de estradas de ferro, enquanto o Brasil, com território 65vezes maior, acabava de inaugurar a sua primeira, em 1854, comminguados 14,5 quilômetros do Rio de Janeiro a Petrópolis — ecuriosamenteparafacilitarosdeslocamentosdacortenasfériasdeverão,enãoparaescoarasriquezasdaterra.Mauá foi à falência em 1875, em boa parte devido às di iculdades de

inanciamento para seus projetos. Foi impossível convencer o Império afornecer o capital necessário para os seus grandes empreendimentosindustriaisedeinfraestrutura.Morreuantesdecompletar76anos,em21de outubro de 1889, três semanas antes da Proclamação da República,sem ver realizada a transformação que sonhava para o país. [67]Profundamente dependente da agricultura de exportação, o Brasilcontinuariaa canalizar todosos seusesforçosparaagrande lavoura.Eraela a base de sustentação do Império tropical. E continuaria a ser a daRepúblicaatépelomenosmeadosdoséculoXX.A sociedadebrasileira era conservadora e patriarcal, fenômenoque se

observava commais nitidez longe das capitais. A vida social se regulavapelasmissas,procissões,cerimôniaseferiadosreligiosos.Até1852,osdiassantossomavam41feriadosaolongodoano.Aaristocraciaruralmandavaem tudo. A realidade nacional nos anos que antecederam a abolição daescravidão e a Proclamação da República podia ser resumida em umafraseatribuídaaosenadorgaúchoGasparSilveiraMartins:

OBrasiléocafé,eocafééonegro!Ocaféproduziraumadrásticaalteraçãonoeixoeconômicodopaís.Nos

duzentos primeiros anos da colonização, a riqueza brasileira seconcentrara na região Nordeste, no chamado ciclo do açúcar. DepoismigraraparaMinasGerais,nacorridadoouroedodiamantequemarcoua primeira metade do século XVIII. Por essa época, Francisco de MeloPalheta,sargento-mordoPará,contrabandeoudeumviveirodeCaienaasprimeirassementesemudasdecafé,plantaorigináriadasterrasaltasdaEtiópia e até então cultivada em segredo na Guiana Francesa. Depois de

aclimatadasemBelém,asmudaslogochegariamaoValedoParaíba,entreo Rio de Janeiro e São Paulo. Começava ali a febre do “Ouro Verde”. Oproduto, que na época da Independência representava apenas 18% dototal da pauta de exportações brasileiras, em 1889 já alcançava 68%, ouseja, quase dois terços do total. O número de sacas exportadas saltou de129milem1820para5,5milhõesem1889.[68]Duas grandes mudanças demográ icas também marcaram o ciclo do

café.AprimeirafoiatransferênciamaciçadeescravosdaregiãoNordestepara o Sul e o Sudeste do país. Essamigração forçada, que se verá commais detalhes no capítulo sobre os abolicionistas, começou por volta de1850, após a aprovaçãoda chamadaLei EusébiodeQueiroz, queproibiude initivamente o trá ico de escravos da África para o Brasil. Como alavoura canavieira estava em crise noNordeste, os senhores de engenhopassaram a vender para os fazendeiros de café de São Paulo e Rio deJaneiro a mão de obra cativa que consideravam ociosa. Criou-se dessamaneiraumintensotrá iconegreirointerprovincialquecontinuariaatéasvésperasdaaprovaçãodaLeiÁurea.O segundo fenômeno demográ ico do ciclo do café foi a chegada de

centenas de milhares de imigrantes europeus. A importação de colonosestrangeiros eraumprojeto antigo, aindada épocada cortededom JoãonoRiode Janeiro,mas tinha sido adiadadevido à abundânciademãodeobraescrava.Comaproibiçãodotrá icoem1850,tudomudou.Ospreçosdosescravosdispararam.Mesmocomo trá ico interprovincial, aescassezdamãodeobracativaeracadavezmaior.Trazerimigrantesbrancosparatrabalhar nas lavouras como trabalhadores assalariados em lugar dosescravos ganhou senso de urgência. Entre 1886 e 1900 São Pauloreceberia 1 milhão de imigrantes europeus— quase o dobro de toda apopulação escrava existente no país no ano daAbolição.O estado de SãoPaulo sozinho concentrou mais da metade dos imigrantes, 529.187 nototal.[69]A imigração estrangeira chegou tarde ao Brasil e em número muito

menordoqueodesejávelporqueopaísnuncaconseguiucriaroambientepara atrair colonos livres. Paraíso do latifúndio, o Brasil tinha, em 1865,80% de suas áreas cultiváveis nas mãos dos grandes proprietários. Serdonodeterraseescravoserasinônimodeprestígiosocialepoderpolítico,mas, em grande parte, eram fazendas improdutivas, que em nadacontribuíam para a produção de riquezas. “O monopólio da terra paradeixá-la estéril e desaproveitada é odioso e causa de inúmeros egravíssimos males sociais”, criticou, em 1887, o carioca Alfredo

d’EscragnolleTaunay,futuroviscondedeTaunay.[70]AbolicionistascomoopernambucanoJoaquimNabucoeobaianoAndré

Rebouças defendiam a criação de um imposto territorial como forma deacabar com o latifúndio improdutivo e democratizar a propriedade daterra. Acreditavam que essamedida, junto com a abolição da escravidão,elevaria o país a um novo patamar de desenvolvimento. “Uma é ocomplemento da outra”, escreveuNabuco. “Ninguém neste país contribuipara as despesas do Estado em proporção dos seus haveres. O pobrecarregadode ilhospagamais impostos (...)doqueo ricosem família. (...)Acabar com a escravidão não basta; é preciso destruir a obra daescravidão.”[71]Ogovernoimperialresistiuatodasastentativasdemudaressequadro.

Enquanto durou a Monarquia, o imposto territorial jamais conseguiuaprovação no Congresso. Em vez de buscar a “democracia agrária”sonhada por Nabuco e Rebouças, o Brasil fez uma reforma agrária àsavessas, concentrando ainda mais a terra nas mãos de poucosproprietários. Ao contrário dos Estados Unidos, que, por meio doHomesteadAct , uma lei de 1862, autorizou a doação de terras a todos osqueneladesejassemseinstalar,noBrasilaLeideTerrasde1850ergueubarreirasàaquisiçãodelasporpartedosimigrantespobresquechegavamda Europa. As terras públicas seriam vendidas à vista e a preçossu icientemente altos para evitar o acesso à propriedade por parte dosfuturos colonos. Além disso, estrangeiros que tivessem passagensinanciadas para vir ao Brasil estavam proibidos de comprar terras atétrês anos após a chegada. Era uma forma de obrigá-los a trabalhar nasfazendasnolugardosescravosantesdeconseguir,amuitocusto,juntarapoupança necessária para comprar umapequena propriedade.Na épocadaaprovaçãodoHomesteadAct,osEstadosUnidos jáhaviamatraídomaisde5milhõesdeimigrantes,especialmentedaEuropa.NoBrasil,onúmeronão passava de 50mil. Com as novas leis de posse da terra, a diferençaaumentouaindamais.[72]Além de tardio, o projeto de imigração foi executado, na maioria das

vezes, de forma improvisada, quandonãodesastrada.Umadasprimeirastentativasaconteceupor iniciativadosenadorpaulistaNicolaudeCamposVergueiro.VergueirohaviaobtidodacoroaportuguesadoaçõesdevastasporçõesdeterrasnaregiãodePiracicaba,LimeiraeRioClaro,nointeriordeSãoPaulo.Em1846,iniciouoassentamentodeimigranteseuropeusnasua fazenda Ibicaba pelo sistema de parceria. As primeiras 364 famíliasvinham da Bavária e da Prússia, na atual Alemanha. Antes de partir da

Europa, os colonos assinavam um contrato pelo qual o fazendeiro secomprometiaalhespagaraspassagensdenavio,transporteealimentaçãoatéo localde trabalho.Em troca, assumiamocompromissode cultivaraslavourasatéressarciroproprietáriointeiramentedessesvalores,pagando6%dejurosaoano.Receberiamumapartedaproduçãodecafé,maseramobrigadosavendê-laaoprópriofazendeiropelopreçoquelheconviesseedo qual seriam abatidos os custos de transporte e bene iciamento dosgrãos,entreoutros.Ao chegar ao Brasil, os imigrantes logo perceberam que as exigências

contratuais de Vergueiro os colocavam na situação de escravos brancos.Como resultado, em fevereiro de 1857 uma revolta de estrangeirosestourou na fazenda Ibicaba. Os colonos alegavam que o fazendeiro lhescomprava o café por preços inferiores aos do mercado, mas ao mesmotempo lhes vendiamercadorias a preços extorsivos.Muitos deles, depoisde trabalhar vários anos, se encontravam mais endividados do que naépoca da chegada ao Brasil. O tratamento dispensado pelos feitores erasemelhanteaovigentenasantigassenzalas.Alguns desses imigrantes voltaram para a Europa, onde escreveram

livros denunciando a fraude da imigração para o Brasil. “Os colonos seachamsujeitosaumanovaespéciedeescravidão,maisvantajosaparaospatrões do que a verdadeira, pois recebem os europeus por preços bemmais moderados do que os dos africanos”, reclamou o suíço ThomasDavatz, no livroMemórias de um colono no Brasil, no qual relata suaexperiência de dois anos na fazenda Ibicaba. “Não passam de pobrescoitadosmiseravelmenteespoliados,deperfeitosescravos,nemmaisnemmenos.”[73]Aculpaportalsituação,noentenderdeDavatz,cabiaaosfazendeirose

também ao governo imperial brasileiro, que permitia propagandaenganosa feita pelo Brasil na Europa com o objetivo de atrair imigrantespobres.“OtratamentomiseráveldoscolonosnaprovínciadeSãoPaulotemsua origem e sua base não apenas nomodo de pensar e de agir próprioaos fazendeiros, donos das colônias, mas também no (...) das altasautoridadespúblicasdoBrasil”,escreveu.“Ogovernodessepaíssustentaeatépratica,emboraindiretamente,semelhantesembustes.”[74]As denúncias demaus-tratos levaram alguns países, como a Prússia, a

proibir a vindade imigrantesparaoBrasil. Em1885, tambémo governoitaliano publicou uma circular na qual desaconselhava seus cidadãos amigrar para São Paulo, apontada como uma região insalubre eperigosa.[75] “Estamos num círculo vicioso”, reclamava o liberal

pernambucano Holanda Cavalcanti, em 1850. “Não podemos ter colonosenquanto o país não se izer digno de ser habitado por homens livres,enquanto eles não tiverem certeza de achar entre nós a felicidade, massemcolonosnãopodemosfazerisso.”[76]Todas essas di iculdades resultavam de passivos sociais, econômicos e

políticos que o Brasil carregava desde a sua fundação. A construção dopaís depois da Independência havia sido di ícil e tortuosa. O Império eraimenso, diversi icado, complexo, di ícil de administrar. De um lado, haviaum grande território, repleto de riquezas naturais e oportunidades. Deoutro, escravidão, analfabetismo, isolamento e rivalidades políticas eregionais. “Amalgamação muito di ícil será a liga de tanto metalheterogêneo, (...) em um corpo sólido e político”, escrevia em 1812, deformaprofética, omineralogista JoséBonifáciodeAndradae Silva, futuroPatriarcadaIndependência.[77]Bonifácioacreditavaqueaúnicamaneirade evitar a guerra civil e manter a integridade territorial era equipar oBrasil independentecomum“centrode forçaeunidade”soboregimedemonarquia constitucional e a liderança do imperador Pedro I. Foi essa afórmula imperialque triunfouem1822.Sua implantação,porém,custariamuitosangueesacrifício.OsnoveanosdoPrimeiroReinadohaviamsidodegrandeinstabilidade,

marcados pelo con lito entre o Parlamento e a índole autoritária de domPedro I, pelos escândalos de sua vida pessoal e pela suspeição, por partedosbrasileiros,dequeoimperadorsepreocupavamaiscomosinteressesdePortugaldoquecomosdoBrasil.Suaabdicação,em7deabrilde1831,foi interpretada por muitos como a “nacionalização da Independência”.Finalmente os destinos nacionais estavam nas mãos dos própriosbrasileiros.Aconduçãodoprocesso,noentanto,cobria-sedeincertezas.Apartida de dom Pedro I para a Europa, embora comemorada nas ruas,criara um vácuo de poder no coração do Império. Naquele momento, oherdeiro da coroa, Pedro de Alcântara, era uma criança de apenas cincoanos, idade insu iciente para assumir o trono. Enquanto não atingisse amaioridade,opaísseriaconduzidoporregentes,homensquegovernavamemnomedofuturoimperador.No período da Regência, entre 1831 e 1840, o Brasil testemunhou um

clima de excitação e liberdades políticas sem precedentes. Liderançasliberais, como o luminense Evaristo da Veiga e o mineiro Teó ilo Ottoni,que haviam lutado contra o absolutismo de dom Pedro I, defendiam aredução do podermonárquico, a ampliação dos direitos individuais e daautonomiadasprovíncias.OpadreDiogoAntônioFeijó,ministrodaJustiça

edepoisregentedoImpério,promoveuumaprofundareformanasForçasArmadas.OExército foi praticamentedissolvido.Emseu lugarorganizou-seaGuardaNacional,sobcontrolecivil,inspiradanasmilíciasdecidadãosdaRevoluçãoFrancesa.Apátriaemarmaszelariapelaprópriasegurança.Um segundo marco da descentralização foi o Código de Processo

Criminalde1832,quecriounovahierarquiadejuízes.Afigura-chaveeraojuizdepaz,magistrado local, sem formaçãoemDireitonemremuneraçãoixa,eleitoporumano,para julgarpequenascausas, conteroscon litosezelar pela ordem. Tinha como auxiliares os inspetores de quarteirão,moradoresdesignadosparavigiarsetorescompelomenos25residências.Segundo a lei, cabia ao inspetor de quarteirão, entre outrasresponsabilidades, “obrigar a assinar termos de bem viver aos vadios,mendigos, ébrios habituais, prostitutas desordeiras, aos turbulentos; que,porpalavrasouaçõesofendemosbonscostumes,a tranquilidadepúblicaeapazdas famílias”. [78]Em1834,oAtoAdicionalàConstituição,votadopelaCâmaradosDeputados,ampliouaautonomiadasprovínciasmediantea criação das assembleias provinciais, com poderes para ixar despesaslocaisecriarosimpostosnecessáriosparacobri-las.OConselhodeEstado,órgão supremo do Poder Executivo nacional, subordinado apenas aoimperador,foiabolido.Aexperiência,noentanto,rapidamentefracassou.Oenfraquecimentodo

podercentralrevelou-seincapazdeconteraagitaçãonasprovíncias.Entre1831e1848opaísfoisacudidopornadamenosque22revoltasregionais.ForamvintenoperíodoregencialemaisduasjánoSegundoReinado—aRevolução Liberal, ocorrida em 1842 em São Paulo e Minas Gerais, e aPraieira, de Pernambuco, em 1848. Só no Rio de Janeiro houve cincolevantesentre1831e1832.As rebeliões da Regência tinham caráter difuso, com reivindicações às

vezes di íceis de entender. Nasceram quase todas nos grupos maishumildes da população. De certa forma, re letiam um sentimento deorfandade no processo de Independência do Brasil entre a populaçãopobreeanalfabeta.OBrasilromperavínculoscomPortugalsemalteraraestruturasocialvigenteatéentão.Aescravidãoforamantida,tantoquantooanalfabetismo,olatifúndioeaconcentraçãoderiquezas.EssapopulaçãodeixadaàmargemdoprocessopegouemarmasnoperíododaRegência,aproveitando-se do enfraquecimento do poder central e das rivalidadesdoschefesregionais.“Ascamadaspobresdapopulaçãoruralexpressaramsuasqueixascontramudançasquenãoentendiameeramdistantesdeseumundo”,observouohistoriadorBorisFausto.[79]

ArevoltadosCabanos,ocorridaemPernambucoeAlagoasentre1832e1835,mobilizoupequenosagricultoresesertanejosdaZonadaMataedoAgreste.LutavapelavoltadedomPedro IaoBrasileemdefesadareligiãocatólica. Perdeu força com a notícia da morte do primeiro imperador,ocorridaemPortugalnodia24desetembrode1834.Entre1835e1840,o Pará foi agitado pela Cabanagem (que não deve ser confundida com ados Cabanos de Pernambuco). Belém, a capital paraense, foi tomada poríndios e ribeirinhos liderados por Eduardo Angelim, um cearense de 21anos.OsrebeldesproclamaramaindependênciadoParáetambémdiziamdefender a religião católica. O número demortos é calculado em 30mil,equivalente a 20% da população da província, fazendo da Cabanagem amaissangrentadetodasasrevoluçõesbrasileirasdoImpério.Nesse mesmo período, o Maranhão foi assolado pela Balaiada,

movimentoquetinhacomolíderesovaqueiroRaimundoGomes,Franciscodos Anjos Ferreira, fazedor de balaios, e dom Cosme, líder negro deescravosfugidos.OsrebeldesocuparamacidadedeCaxias,segundamaiorcidadedaprovíncia,masforamcercadosederrotadospeloentãotenente-coronel Luís Alves de Lima e Silva. Como recompensa pela vitória dastropas imperiais, Lima e Silva ganhou o título de barão de Caxias (seriapromovidoaduquedeCaxiasapósavitórianaGuerradoParaguai).NaBahia, escravos, brancos enegros libertos se enfrentaramnas ruas

de Salvador na chamada Revolta do Malês, liderada por escravosmuçulmanos em janeiro de 1835. Pregavam a abolição dos cativosmuçulmanos e o assassinato de todos os brancos. Setenta pessoasmorreram. Dois anos mais tarde, a Sabinada, liderada pelo médicoFranciscoSabinoÁlvaresdaRochaVieira,proclamoua independênciadaRepública Baiana, derrotada emmarço de 1838. Cerca de 1.800 pessoasmorreramaolongodequatromesesdeluta.ARevolução Farroupilha, doRioGrande do Sul, foi uma exceção nesse

quadrodeerupçãonabasedapirâmidesocialbrasileira.Duroude1835a1845 e, ao contrário das demais rebeliões regionais,mobilizou os gruposmais ricos e in luentes da sociedade gaúcha, em especial a elite dosestancieiros,produtoresdegadodaprovíncia.Entreoutrasreivindicações,os fazendeiros gaúchos reclamavam dos impostos cobrados na produçãodegadoedecharque,principalfontederiquezadaprovíncia.Tambémsequeixavamdaexcessiva interferênciadopodercentralnosseusnegócios.Queriam acabar com a taxação do gado na fronteira com o Uruguai,estabelecendoalivrecirculaçãodosrebanhosquepossuíamentreosdoispaíses. Alguns defendiam o im da Monarquia e a proclamação de uma

República Federativa no Brasil. Outros, mais exaltados, propunham atémesmo a criação de um estado independente no sul junto com osuruguaios.Poressasrazões,aFarroupilhafoiarevoltaquemaisameaçouaintegridadeterritorialbrasileira.Os farroupilhas tinham como líderes os generais Bento Gonçalves e

David Canabarro, ambos estancieiros e veteranos da Guerra Cisplatina,queresultarana independênciadoUruguai,em1828.TambémcontavamcomoapoiodealgunsrevolucionáriositalianosrefugiadosnoBrasil,entreeles Giuseppe Garibaldi, que mais tarde desempenharia papel vital nauni icação da Itália. A revolta começou com a tomada da capital, PortoAlegre,em20desetembrode1835,dataatéhojecelebradanocalendáriocívico gaúcho. Um ano mais tarde, no dia 11 de setembro de 1836, foiproclamada a República Rio-Grandense, sob a presidência de BentoGonçalves e tendo como capital a cidade de Piratini. Em 1839,revolucionários comandados por Garibaldi proclamariam também aRepúblicaJuliana,emSantaCatarina.Ogovernoimperialenfrentouarevoluçãogaúchapormeiodecombates

etambémdeconcessõesaosfarroupilhas.Nomeadocomandante-chefedoexércitoemoperaçõesepresidentedaprovínciaem1842,Caxiasassinoua paz com o general Canabarro três anos mais tarde. Pelo acordo, osrevoltosos foram anistiados, e seus o iciais incorporados ao Exércitonacional.O governo imperial assumiu asdívidasdaRepúblicadePiratini.AtualpatronodoExércitobrasileiro,Caxiasfoiaprincipalliderançamilitardo Império desde os con litos da Regência até o inal da Guerra doParaguai. Por essa razão, passou também para a história com o título “OPacificador”.Morreuem1880.As rebeliões mostravam que o experimento político brasileiro pós-

abdicação do imperador Pedro I era instável demais para ser deixado àprópria sorte. Era preciso estabelecer algum controle sobre ele. “EsteImpério encontra-se nas vésperas de sua dissolução, ou pelo menos deuma crise cujo resultado não pode ser senão fatal”, assustou-se orepresentante inglêsaoobservaroquadroemsetembrode1839. [80] “Aunidade do Brasil é apenas aparente”, observou outro visitanteestrangeiro,ocondedeSuzannet,aopercorreropaísentre1842e1843.“Todasasprovínciasestãobuscandoasuaprópriaindependência.”[81]Nessamesma época, o jornalista conservador Justiniano José da Rocha

a irmavaqueaMonarquiarepresentavaaúnicasoluçãocapazdeevitarafragmentação territorial doBrasil. Era, portanto, precisodotar o tronodeapoio político. O alicerce estaria, segundo ele, no grande comércio e na

grande agricultura. “Dê o governo a essas duas classes toda aconsideração, vincule-as por todos os modos à organização estabelecida,identi ique-as com as instituições do país, e o futuro estará em máximaparteconsolidado.”[82]Areceitaprescritapor JustinianoJosédaRocharesultounomovimento

chamadoRegresso,umretornoaovelhoebem-sucedidomodeloportuguêsde concentração total dos poderes. O objetivo era devolver ao governocentral as prerrogativas que havia perdido em favor das províncias naprimeira fasedaRegência.Esseperíodo, iniciado comapossedo regentePedro de Araújo Lima, futuro marquês de Olinda, em 1838, marca aconsolidaçãodoEstado imperialnoBrasil. “Fui liberal”, justi icou-senessemesmo ano, em tom de mea-culpa, o mineiro Bernardo Pereira deVasconcelos.“Aliberdadeeranovanopaís,estavanasaspiraçõesdetodos,mas não nas leis, não nas ideias práticas. (...) Hoje, porém, é diverso oaspecto da sociedade: os princípios democráticos tudo ganharam emuitocomprometeram; a sociedade, que até então corria o risco pelo poder,corre agora risco pela desorganização e pela anarquia. Como então quis,quero hoje servi-la, quero salvá-la, e por isso sou regressista.” [83]Desgostoso com a obra do Regresso, o também mineiro Teó ilo Ottoni,político de convicções republicanas, iria liderar a Revolução Liberal de1842,sendovencidoporCaxiasnaBatalhadeSantaLuzia,MinasGerais.NoRegresso,opoderdasassembleiasprovinciaisfoireduzido.AGuarda

Nacional icousobcontroledoMinistériodaJustiça,quetambémpassouanomearosmagistrados.Os juízesdepaz, eleitos localmente,perderamospoderes de polícia, transferidos para juízes e delegados nomeados pelopoder central. O Conselho de Estado, braço direito do imperador, seriarecriado em 1841. Dele participava a mais ina lor da aristocraciabrasileira, homens de grande saber, riqueza e experiência política,encarregadosdeorientaromonarcanassuasdecisões.Símbolo máximo da centralização foi a campanha pela antecipação da

maioridade de Pedro II, a essa altura um adolescente ainda imberbe. “Oimperador-menino converteu-se na esperança de todos aqueles que,cansados da experiência regencial, buscavam fórmulas de assegurar asobrevivência do Império em meio à crise”, anotaram os historiadoresLúcia Maria Bastos Pereira das Neves e Humberto FernandesMachado.[84]PelaConstituiçãobrasileira,oimperadorsópoderiaassumiro trono com dezoito anos. Era preciso, portanto, reformar a lei antes decoroá-lo.Emabrilde1840,osliberaisfundaramaSociedadePromotoradaMaioridade do Imperador, na casa do padre e senador cearense José

Martiniano de Alencar, pai do futuro escritor José de Alencar. Tinham oapoio do mordomo imperial Paulo Barbosa, em cuja chácara, situadadentrodaQuintadaBoaVistaedopaláciodeSãoCristóvão,aconteceramasreuniõesseguintes.[85]Otutor,marquêsdeItanhaém,teriaigualmenteconcordadocomaideia.Apresentado na Câmara e no Senado, o projeto de antecipação da

maioridade foi derrotado mais de uma vez. Por essa razão, os chefesliberaisdecidiramlevaraquestãoparaasruas.Cartazes a ixados nas paredes e muros do Rio de Janeiro

propagandeavam:QueremosPedroSegundo,Emboranãotenhaidade;Anaçãodispensaalei,Evivaamaioridade![86]Nodia22dejulhode1840,oregenteAraújoLima,àfrentedeumgrupo

dedeputadosesenadores, levouummanifestoao jovemPedro II,pedindoque aceitasse ser aclamado imperador de imediato. Orientado pelos seustutores,omeninoteriarespondidosemtitubear:—Querojá![87]Dessa forma, à reveliadaConstituição, nodia seguintedomPedro II foi

declarado maior e aclamado imperador diante das câmaras reunidas,episódio que passou para a história como “O Golpe da Maioridade”.Começavaali o longoSegundoReinado,que seria interrompidoporoutrogolpe, o daRepública, quasemeio séculomais tarde, namanhãde 15denovembrode1889.

4.AMIRAGEM

QUEMVIAJAATUALMENTEPELOBRASIL,embuscadosraroslocaishistóricosqueamemórianacional preservou, depara-se vez ou outra com um país perdido notempo. Seus resquícios estão em museus, casas de fazenda, palácios,bibliotecas e prédios públicos do século XIX. São lugares de arquiteturabonita e elegante, de aspecto mais europeu do que tropical. Algunsexemplos são a Chácara da Baronesa, na cidade gaúcha de Pelotas, oPaláciodoCatete,noRiodeJaneiro,eoscasarõesdasfazendasdecafénoVale do Paraíba. De todos eles, o mais simbólico é a cidade imperial dePetrópolis,orefúgiodacortenoverãodoRiodeJaneiroatéasvésperasdaProclamaçãodaRepública.Hojeoquemais impressionaemPetrópoliséasensaçãodeestranheza

quandoseolhaemvolta.Ali,duas cidades convivemnomesmoespaço.Aprimeiraéacidadehistórica,situadanaáreacentral.Asavenidaslargasearborizadas, os canteiros bem cuidados, o Palácio de Cristal, os antigoshotéis de luxo, asmansões onde vivia a nobreza e o corpo diplomático, aimponente igrejamatriz quehoje guardaos restosmortais do imperadorPedroIIedaimperatrizTeresaCristina—tudoaliremeteaumcenáriodecorte europeia. No palácio imperial, os turistas são convidados a calçarpantufas de tecido macio para não ferir o delicado piso de mármoreimportadodeCarrara,naItália,enquantopercorremsalasdecoradascomquadros pintados a óleo emesas repletas de porcelana chinesa, talheresdeprataetaçasdecristal.OsjardinseosdetalhesdaarquiteturalembramVersalhes, na França, ou Schönbrunn, em Viena, na Áustria. Essa é aPetrópolisimperialdoséculoXIX.A outra Petrópolis é maior e mais recente. Construída de forma

atabalhoada a partir de meados do séculoXX, encontra-se afastada docentro,nosbairrosdeclassemédia,ondepessoascomunshabitamprédiosde apartamento, estudam, trabalham e se divertem emuma rotinamuitoparecidacomadosbrasileirosdeoutrasregiões.Nessasegundacidade,apaisagem urbana e a qualidade de vida ainda sãomelhores do que a damaioriadascidadesbrasileiras,masaarquiteturadeconcreto,medianaesem imaginação, nem de longe se compara à dos edi ícios da suntuosaPetrópolis imperial. A distância entre casas e prédios diminui. Hámenosáreasajardinadas,avegetaçãotorna-serarefeitae,nasruas,ospedestres

disputamespaçocomoscarrosconduzidospormotoristasimpacientes.A sensação de estranhamento, porém, cresce à medida que o viajante

desceasencostasdaserraemdireçãoàbaixada luminense.Nocaminho,outra dura realidade se impõe diante dos olhos. Ali o que prevalece é opanoramapobreemonótonodosmorrosefavelas.Aarquiteturaelegantedaestânciahistóricaeturísticadálugaraosbarracosinacabados,feitosdelajes de concreto e paredes nuas de tijolos sem revestimento. Esgotoscorrem a céu aberto e há lixo acumulado nas ruas tomadas porvendedores ambulantes. O cinturão de pobreza que ali se vê é muitosemelhante ao que hoje domina a paisagem na periferia de todas ascapitaisegrandescidadesbrasileiras.Cápsula de tempo preservada na serra luminense, Petrópolis é

testemunha de uma miragem histórica. Miragem, como se sabe, é umailusãodeóticaquedistorceapercepçãodarealidade.VistodePetrópolis,oBrasil da época do Império é uma terramais imaginária do que real. ÀsvésperasdaProclamaçãodaRepública,haviaaliumpaísqueaparentavasermaiscivilizado,rico,eleganteeeducadodoquedefatoeraouserianofuturo.Aosdiplomatas e visitantes estrangeiros, apresentava-se comoumimpério destinado a ser grande, poderoso, desenvolvido, ilustrado— um“gigante adormecido emberço esplêndido”, comodizia a própria letra doHino Nacional. No futuro, seria capaz de assombrar seus congênereseuropeus.O imperadorPedro II eabelacidadeserranabatizadacomseunome eram o símbolo disso tudo. Esse Brasil de sonhos, no entanto,confrontava-se comoutro, real e bemdiferente, criando uma contradiçãodifícildesustentarnolongoprazo.EuclidesdaCunha—engenheiro,escritor,ativistarepublicanoem1889

eautordeOssertões,umadasmaisimportantesobrasliteráriasbrasileiras— certa vez de iniu o Brasil como “o único caso histórico de umanacionalidade feita por uma teoria política”. [88] Segundo ele, asinstituições nacionais construídas no Império baseavam-se em conceitospolíticos e ilosó icos importados de fora, que pouco tinham a ver com arealidadeobservadanasruasenoscamposdeumterritórioermo,pobreeatrasado.OBrasildateoriaeradiferentedoBrasildaprática.A construção desse país de sonhos estava con iada a uma aristocracia

relativamentepequena,quemandavaseus ilhosestudarnaFrançaounaInglaterra,tinhacontatocomasideiasliberaisdiscutidasemuniversidadeseuropeias,mas tirava sua riquezadaexploraçãodamãodeobra cativaedolatifúndio.LeiserituaisdaMonarquiaprocuravamimitaropensamentoe o ambiente dos salões europeus, mas a moldura real compunha-se de

pobreza e ignorância. “A elite era uma ilha de letrados num mar deanalfabetos”,definiuohistoriadormineiroJoséMurilodeCarvalho.[89]AprimeiraConstituiçãobrasileira,outorgadapeloimperadorPedro Iem

1824, era considerada uma das mais avançadas do mundo na de iniçãodos direitos individuais e na liberdade de imprensa, mas em nenhummomentomencionavaaexistênciadeescravosnopaís.Oartigo179definiaa liberdadeea igualdadecomodireitos inalienáveisdohomem,enquantomais de 1 milhão de brasileiros permaneciam cativos nas senzalas,podendo ser comprados ou vendidos como uma mercadoria qualquer,sujeitosaindaaaçoites,usodecorrentesnospés,marcaçãodocorpocomferro em brasa e outras punições conforme a vontade do seu dono. “Aaristocracia daqui é uma caricatura da europeia”, observou o jornalistaalemão Carlos von Koseritz, diretor do jornalGazeta de Porto Alegre , aovisitaroRiodeJaneironosestertoresdoImpério.“Osbarõesdocafévivemcomumluxoquenãoérespeitável,poistemorigemnasenzaladonegroenochicotedofeitor.”OBrasil imaginário, desconectadodoBrasil real, não foi obrado acaso,

mas resultado de uma necessidade— pelomenos do ponto de vista daslideranças que conduziramoprocessode Independência e a organizaçãodo país no Primeiro e no Segundo Reinados. Como se viu no capítuloanterior, em1822 oBrasil independente de Portugal parecia a todos umexperimento perigosamente instável. Havia riscos de toda natureza pelafrente.Escravos,pobreseanalfabetoscompunhamamaioriadapopulação.Asdivergênciasregionaiseramenormes.Oreceiodeumaguerracivil,queameaçasseaunidadenacional,oudeumarebeliãodoscativoscontraseussenhorestiravaosonodaminoriabranca.OarranjopolíticodonovoBrasilprecisava levar em conta todos esses riscos e medos. “Tratava-se (...) deconstruirquasedonadaumaorganizaçãoque costurassepoliticamenteoimenso arquipélago social e econômico em que consistia a ex-colôniaportuguesa”,escreveuJoséMurilodeCarvalho.[90]Os riscos do processo de ruptura com Portugal eram tantos que a

aristocraciabrasileiraoptoupelocaminhomaisconservadoreseguro.Emvez de se arriscar em uma revolução republicana— a exemplo do quefaziam todos os demais países da América—, preferiu se congregar emtorno do imperador Pedro I como forma de evitar o caos de uma guerracivil ou étnica que, em alguns momentos, parecia fatal. Conseguiu, dessaforma, preservar os seus interesses e viabilizar um projeto único naAmérica. O Brasil se converteu em uma “ lor exótica” no continente,segundo a de inição de alguns historiadores. Ou seja, uma monarquia

cercadaderepúblicasportodososlados.ComeçavaalioqueohistoriadorJoséMurilo de Carvalho chamoude “construção da ordem” e tambémde“teatro de sombras”, no qual os personagens representavam papéis quenemsemprecorrespondiamàrealidadenacional.Osatoresdesse“teatrodesombras”compunhamumanobrezaexóticae

tropical. Ao contrário da Europa, onde os títulos de nobreza eramhereditários,ouseja,passavamdepaipara ilho,noBrasilashonrariasseextinguiamcomamortedos seus respectivosdetentores. Eram,portanto,um estado passageiro, tão precário e perecível quanto a própriaexperiência monárquica na história brasileira. [91] A farta distribuiçãodesses títulos, iniciada com a chegada da corte de dom João ao Rio deJaneiro em 1808, resultava de uma relação de troca de favores entre acoroaeos senhoresda terra.Tra icantesdeescravos, fazendeiros,donosde engenho, pecuaristas, charqueadores e comerciantes davam o apoiopolítico, inanceiro e militar necessário para a sustentação do trono. Emtroca,recebiamdomonarcaposiçõesdein luêncianogoverno,bene ícioseprivilégiosnosnegóciospúblicose,especialmente,títulosdenobreza.Usadas comomoeda de barganha nas relações do poder, as honrarias

eram concedidas emmaior número nos momentos de crise, nos quais otronoprecisavaangariarapoiomaisrapidamente.NosseusoitoprimeirosanosnoBrasil, dom Joãohaviaoutorgadomais títulosdenobrezadoqueem todos os trezentos anos anteriores da história da Monarquiaportuguesa. Era um momento em que a corte portuguesa estavaparticularmente necessitada de apoio político e inanceiro, devido àinvasão da metrópole pelas tropas do imperador francês NapoleãoBonaparte. “Em Portugal, para fazer-se um conde se pediam quinhentosanos; no Brasil, quinhentos contos”, ironizou o historiador baiano PedroCalmon.[92]EntreacriaçãodoReinoUnidodePortugal,BrasileAlgarves,em1815,

eaProclamaçãodaRepública,em1889,foramdistribuídosnoBrasil1.400títulosdenobreza,médiadedezenoveporano.Oritmodasconcessões,noentanto,mais do que quintuplicou nos dezoitomeses que antecederam aqueda da Monarquia. No total, foram 155 títulos de nobreza concedidosentreapublicaçãodaLeiÁurea,emmaiode1888,eogolpeprotagonizadoporDeodorodaFonsecaemnovembrodoanoseguinte.Diantedoclimadetensão entre os militares e os civis que precedeu a Proclamação daRepública, o visconde de Maracaju, ministro da Guerra, propôs que ostítulosfossemusadoscomoarmaparaseduziroso iciaisnosquartéis.Peloseu plano, a todos os marechais de campo seriam franqueados,

indistintamente,otítulodebarão.Cadabrigadeiro,porsuavez,receberiaaOrdem da Rosa, outra cobiçada honraria do Império. “Não convémgeneralizar”, reagiu o visconde de Ouro Preto, chefe do gabinete deministroseeleprópriodenobrezarecente,detentordotítulodesde13dejunho de 1888, ummês após a Lei Áurea. Ainda assim, nas vésperas doQuinze de Novembro, nada menos que 35 coronéis da Guarda Nacionalreceberamotítulodebarão.[93]“A concessão de títulos nobiliárquicos em tais ocasiões, (...) para ins

puramente eleitorais, era já tradicional na história política do Brasil”,anotouohistoriadorHeitorLyra.“Estamostodosmarqueses!”,zombouemartigo no jornalDiário de Notícias o baiano Rui Barbosa, ao criticar ain lação nobiliárquica, segundo ele responsável pela legião de “ idalgosbaratos”epela“profusãodegraçasrepartidasemmatulagementreosquecomem e bebem no alguidar o icial (...); essa nobiliarquia de cabala,fidalguiadebaiucaeleitoral”.[94]A Guerra do Paraguai representou outro momento crítico, em que as

honrarias monárquicas eram usadas para seduzir os senhores da terra.Um decreto baixado em 6 de novembro de 1866, durante o governo doconselheiro Zacarias de Góis e Vasconcelos, chefe do Partido Liberalfluminense,determinavaqueosproprietáriosquetomassemainiciativadelibertar os seus escravos para lutar na guerra receberiam títulos denobreza. Era uma situação curiosa: os escravos pegariam em armas eexporiam a vida lutando contra os soldados de Solano López, enquantoseusdonos,semcorrernenhumrisco,setornariambarõesdoImpério.Aotomar conhecimento da notícia, Benjamin Constant, futuro fundador daRepública brasileira, que se encontrava na frente de batalha, reagiu comironia:— Que patriotismo! Quanto é moralizador o nosso governo e o nosso

país!Quebelofuturonosespera.(...)trêsouquatroescravosbastamparaosmaiorestítulosdenobrezaqueoImpériopossadar.[95]NosnoveanosdoPrimeiroReinado,oimperadorPedroIfez150nobres,

média de dezesseis por ano, menos da metade do ritmo do pai, quedistribuiu42títulosporanoentreacriaçãodoReinoUnido,em1815,eavolta da corte para Portugal, em 1821. A parcimônia, no entanto, eraapenas aparente. Pedro I usouashonrariasparaalimentarosescândalosamorosos que marcaram sua vida pessoal. As irmãs Domitila e MariaBenedita de Castro Canto e Melo, ambas amantes do imperador, forampromovidas respectivamente a marquesa de Santos e baronesa deSorocaba. Isabel Maria, ilha bastarda do relacionamento de dom Pedro

com Domitila, ganhou o título de duquesa de Goiás e o direito de serchamada de “alteza”, tratamento normalmente reservado às princesas.TambémfoicondecoradacomaOrdemdoCruzeiro.O Brasil só teve dois títulos de duque, o mais importante na galeria

nobiliárquica.UmfoiparaIsabelMaria.OoutroparaLuísAlvesdeLimaeSilva,oduquedeCaxias.Eraumaestranhacontradição.Caxiastinhadadouma contribuição decisiva para a consolidação do Império brasileiro,combatendo as revoluções da Regência e comandando o Exército nomomentomaisdi ícildaGuerradoParaguai.OméritodotítulodaduquesadeGoiásprovinhaexclusivamentedacama,deumaaventuraescandalosado primeiro imperador com a marquesa de Santos. Nessa circunstância,era impossível que os brasileiros levassem muito a sério os títulos danobreza imperial.O títulodebarão,omenordanobiliarquia,banalizou-sedetalformaqueviroumotivodechacotaedeuorigemaumditopopular:Saidaí,cão,quetefaçobarão![96]Cerca de trezentos cafeicultores de São Paulo, Minas Gerais e Rio de

Janeiro — a nata da aristocracia rural brasileira no inal do SegundoReinado e os que mais se ressentiam da abolição da escravatura —receberamtítulosdenobreza.Erambarõesemsuamaioria—osfamososbarões do café. Os LeiteRibeiro, deVassouras, tinhamoito barões e doisviscondes na família. No mesmo município, os Werneck tinham cincobarões.OsAvelar,seisbarõesetrêsviscondes.[97]Os títulos denobreza custavampequenas fortunas aos agraciados, que

eramarrecadadaspeloTesouro imperial. Paraostentaro títulodeduqueera necessário desembolsar 2:450$000 (dois contos e quatrocentos ecinquenta mil réis). O de marquês, um pouco menos, 2:020$000. Emseguida vinham os títulos de conde, visconde e barão com grandeza,tabelados a 1:575$000. Por im, visconde e barão, que custavam,respectivamente, 1:025$000 e 750$000. Pode-se ter uma ideia dessesvalores comparando-os comosaláriomédiodeum trabalhadorbraçalnaépoca. Um vendedor ambulante em São Paulo ganhava entre 280 e 350réis pordia. Carpinteiros, alfaiates e soldados recebiamem tornode600réisdiários.[98]Otítulodebarãocustava,portanto,oequivalenteaquatrooucincoanosdetrabalhodessesprofissionais.O escritor sergipano Tobias Barreto se referia à “nobreza feita àmão”

queproduzia idalgosdenomespitorescoscomoobarãodeBojuru, títulodadoaobrigadeiroInocêncioVelosoPederneiras;obarãodeBatovi,comoqualfoiagraciadoomarechaldecampoManueldeAlmeidadaGamaLoboCoelho D’Eça; ou o barão de São Sepé, atribuído ao tenente-general Luís

JoséPereiradeCarvalho. [99]OalemãoCarlosvonKoseritzdivertiu-seaover a chegada da nobreza brasileira para a abertura das câmaras em1883:

Umadepoisdaoutrapararamasvelhascarruagensdiantedaentradaeesvaziaram a sua carga: uma dama de honra (a baronesa de Suruí)velhaehorrenda,mas fortementedecotadaecincoou seismilitaresdacorte,metidosemuniformesverdesoutrorabrilhantes,bordadosaouro,otricórniosobobraço,oespadimàcintaeaspernas inasmetidasemcalçõesemeiasdesedas—assimsaltaramelesdosseuscarros,fazendopensarnumcarnaval.[100]

Apeculiargaleriabrasileiradenobrescompunhaocenáriodoteatrodesombras monárquico, cujos atores principais eram o próprio soberano,seus conselheiros e ministros, senadores e deputados, presidentes deprovíncia, comandantes de armas, coronéis da Guarda Nacional e umavasta teia burocrática de cargosmenores que se espalhavapelas regiõesmais distantes do país e tudo controlava na vida brasileira. O Estadoimperial era forte e centralizado. Em 1885, o governo central respondiapor77%dototaldareceitapúblicanoBrasil,cabendoàsprovíncias18%eaosmunicípiosminguados5%.Opesodamáquinapúblicatambémeraexpressivonasdespesas.Entre

1825e1888,oimpérioacumulouumdeficitde855,8milcontosderéis.Ogoverno não tinha como cobrir seus gastos e dependia de empréstimosexternos,quenuncaerampagosemsuatotalidade.Odeficitvinhadesdeaépoca da Independência, quando o Brasil fora obrigado a indenizarPortugal e a tomar sete empréstimos da Inglaterra, em um total de 10milhões de libras esterlinas. Em 1863, quase meio século após aIndependência,opaísaindaseviaforçadoacontrataroutrosempréstimosde 3milhões de libras esterlinas para cobrir os juros daquelas despesasiniciais.[101]O governo controlava e se metia em tudo. Um sistema dessa forma

organizadoerainibidordoriscoedalivre-iniciativa.Até1881,ouseja,oitoanos antes da República, nenhuma sociedade anônima poderia funcionarsem autorização do Conselho de Estado, principal órgão de assessoria doimperador, composto dos homensmais ricos e in luentes do país. Era “océrebrodaMonarquia”,nade iniçãodohistoriadoreensaístamineiroJoãoCamilo de Oliveira Torres. [102] O governo central regulamentava etambém amparava as empresas, locais e estrangeiras, autorizando ouproibindoseu funcionamento,proporcionandosubsídios,garantindo jurosfavorecidos,definindoprioridadeseassegurandoisençõesfiscais.[103]

Um dos resultados óbvios da excessiva presença do Estado na vidanacional foi a proliferação do empreguismo público. Um levantamento dohistoriador JoséMurilo de Carvalhomostra que, em 1877, o Brasil tinha5,4 funcionários públicos para cadamil habitantes. O índice eramais deduasvezessuperioraodosEstadosUnidosnessamesmaépoca,deapenas2,4funcionáriospormilhabitantes.Oempregopúblicorepresentava70%das despesas do governo em 1889. “O funcionalismo é um cancro quedevora e aniquila as forças do país, prejudicial não só no aumento dasdespesas, como pela desorganização do serviço”, a irmava o médicocearense Liberato de Castro Carreira, senador do Império nos sete anosanterioresàRepública.[104]“Estamoléstia—endêmicanoBrasil—éumde seus grandes males”, escreveu o mineiro Afonso Celso de AssisFigueiredo, antes de se tornar visconde de Ouro Preto e chefe do últimogabinetedeministros.[105]O abolicionista pernambucano JoaquimNabuco de iniu o empreguismo

público como um “viveiro político” porque fornecia ao governo osinstrumentosparaacriaçãodeumarededeclientelismo,capazdeabrigar“todosospobresinteligentes,todososquetêmambiçãoecapacidade,masnão têm meios, e que são a grande maioria dos nossos homens demerecimento”.Oresultado,segundoNabuco,eraaatro iaemquasetodasasáreasdoconhecimentonacional. “Issosigni icaqueopaísestá fechadoem todas as direções”, a irmou. “Muitas avenidas que poderiam oferecerum meio de vida a homens de talento, mas sem qualidades mercantis,comoaliteratura,aciência,aimprensa,omagistério,nãopassamaindadevielas; e outras, em que homens práticos, de tendências industriais,poderiam prosperar, são por falta de crédito, ou pela estreiteza docomércio, ou pela estrutura rudimentar da nossa vida econômica, outrastantasportasmuradas.”[106]Durante o Primeiro e o Segundo Reinados, 40% dos senadores

brasileirosreceberamtítulosdenobreza.EntreospresidentesdoSenado,aproporçãodenobreseraaindamaior,80%dototal.Ossenadoreseramvitalícios,nomeadospeloimperador.NoanodaProclamaçãodaRepública,cincodelespermaneciamno Senado já havia quatrodécadas.ObarãodeSouza Queiroz, mais antigo de todos, fora nomeado em 1848. “O apoiodesses homens era decisivo para obter-se um empréstimo bancário, umposto na burocracia, uma pensão do governo, a aprovação de umaempresaoucompanhiaporações,ouparaoêxitonumacarreirapolítica”,anotouahistoriadoraEmíliaViottidaCosta.“Asociedadebrasileiraestavapermeadadealtoabaixopelapráticaepelaéticadapatronagem.”[107]

Arededeclientelismoseestendiaporvirtualmentetodososaspectosdavida nacional. “Quem não tem padrinho morre pagão”, ensinava um ditopopularemvoganaépoca.Apragadoapadrinhamentore letia-setambémnomeio intelectual. Os principais poetas e romancistas do Império eramfuncionários públicos, incluindo Machado de Assis, José de Alencar, RaulPompeia e Gonçalves Dias. “O emprego público era procuradoprincipalmente como sinecura, como fonte estável de rendimentos”,observouJoséMurilodeCarvalho.“Amaioriadosescritoresdaépoca,porexemplo, sobrevivia à custa de algum emprego público que deles exigiamuitopouco.”[108]No Brasil imperial, escrever, pintar, compor era ummeio de ascensão

social,oingressoparafrequentarambienteseossalõesdacorteatéentãovetadosaosintelectuais,especialmentesefossemnegrosemulatos—casodo próprioMachado de Assis. Escritores, poetas, pintores e compositoreserampagos,combolsasdeestudoouempregospúblicos,paraesculpirnasartes o conceito de nação desejado pelo Império. A condição é que suasobras re letissem o esforço de retratar o país ideal em confronto com abarbáriedopaísreal.OprópriodomPedro II inancioucomseusrecursospessoaisosestudosdeváriospintoresecompositoresnaEuropa.Pode-semedir o grau de dependência dos artistas e intelectuais em relação aotronopelostermosdacartaqueocompositorCarlosGomesendereçouaoimperadoremdezembrode1867,aoconcluirumadesuasobras:

Senhor,Aos pés do excelso trono de Vossa Majestade Imperial venhorespeitosamente depor a humilde valsa “A Estrella Brasileira” pedindopermissãoparaoferecê-laaSuaAltezaaSereníssimaPrincesaSenhoraD.IsabelCristina,aquemadediquei.Trabalho mesquinho, pálido re lexo do imenso amor e dedicação quetributoàVossaMajestadeImperialetodaasuaAugustaFamília,sirva-lhedeégideoAugustonomedoAnjodeBondadesobcujasasasbuscouproteção.Permita Vossa Majestade que aproveite o ensejo para beijar-lhe aaugustamãoeconfessar-me

DeVossaMajestadeImperialOmaisreverenteehumildesúdito

CarlosGomes[109]OsartistasenviadosparaaEuropade lávoltavamrepletosdemodelos

artísticos e iconográ icos que pouco tinham a ver com a realidadebrasileira.Os quadros deVictorMeirelles e PedroAmérico, as óperas de

Carlos Gomes e os romances açucarados de José de Alencar re letiam oque se fazia na Europa e não a dura realidade tropical brasileira. Oromantismo, fonte na qual bebiam, buscava redescobrir as raízes danacionalidade brasileira, mas a matéria-prima eram modelos europeus.Coubeaelesatarefadeidealizaçãodoíndio,aessaalturajádizimadoemtoda a costa brasileira e segregado às regiões mais distantes, onde nãopoderiacausarproblemasaosbrancos.Osnegrosemulatos,estessimumaonipresençanarealidadebrasileira,eramignoradosnessasobrasdearte—esóiriamaparecermaistarde,nostrabalhosdeAluísioAzevedo,TobiasBarreto,DiCavalcantieTarsiladoAmaral,entreoutros.MarcodesseesforçodeconstruçãodeumBrasilidealizadofoiacriação

do InstitutoHistóricoeGeográ icoBrasileiro,o IHGB, em1838. Inspiradonomodelo do Institut Historique, da França, congregava a elite intelectual eeconômicadaépocaetinhacomoobjetivoserumcentrodeestudossobreo país, estimulando a pesquisa histórica, cientí ica e literária. Erainanciadopelogoverno,quecontribuíacom75%doseuorçamento.DomPedro foi sempre um de seus mais assíduos frequentadores. No total,presidiu 506 sessões, de dezembro de 1849 a 7 de novembro de 1889,uma semana antes da Proclamação da República.[110] Caberia aoIHGB atarefade“fundaçãodanacionalidade”,naspalavrasdeumseuscriadores,ocônego JanuáriodaCunhaBarbosa,umdosexpoentesdamaçonarianoRiodeJaneiroduranteoprocessodeIndependência,em1822.Erapreciso,segundo ele, “não deixar mais ao gênio especulador dos estrangeiros atarefa de escrever a nossa história”. [111] Nascia dessa forma a tãocontrovertida “história o icial”, empenhada em esculpir o imaginárionacional com base em vultos e personagens exaltados como heróisnacionais,cujosefeitosatéhojesefazemsentirnosbancosescolares.Observado pela perspectiva da história o icial, o Brasil do Segundo

Reinado seria um modelo de democracia. As eleições aconteciam comregularidade exemplar. Os cinquenta senadores eram escolhidos peloimperador em uma lista tríplice dos candidatos mais votados em cadaprovíncia. A Câmara, com 120 deputados, era renovada a cada quatroanos.OsdebatesnoParlamentoeramelegantesecivilizados.Naaparência,tratava-sedeumamonarquiaconstitucionaleparlamentarista,regimepeloqual os eleitores escolhem seus representantes e, combase no resultadodas urnas, o monarca nomeia o chefe de gabinete encarregado deorganizaroministério.Naprática,erabemdiferente.As eleições eram de fachada, pautadas pela fraude e pela perseguição

aos opositores. Frequentemente roubadas, as urnas reapareciam mais

tarderecheadasdevotosquedavamvitóriaconfortávelaochefãoregionale, às vezes por descuido, somavam mais do que o total de eleitoresregistrados. Como o voto não era secreto, os coronéis locais vigiavam aescolhadosseusprotegidoseusavamapolíciaparaimpedirqueeleitoresda oposição votassem. “Quando o voto será livre?”, perguntava,ingenuamente,aprincesaIsabelemcartaaopai,emsetembrode1868,aotestemunharda janeladacasaemqueestavahospedadanobalneáriodeCampanha,MinasGerais,policiaisameaçaremjogarnacadeiaoseleitoresda oposição que se atrevessem a votar nas eleições municipais.[112]“Somos um país de pobretões para meia dúzia de ricos”, constatou osenador Cândido Mendes de Almeida em 1873, ao analisar o sistemaeleitoral.“Comolevantaracabeçaparaelegercâmarasindependentesquepossamresistiraosdesmandoseaoarbítriodogoverno?”[113]Inspirado no modelo europeu, o sistema judicial brasileiro era

igualmenteexemplar.PelaConstituição, todocidadão—categorianaqualnão estavam incluídos os escravos— tinha direito de recorrer à Justiçaparaassegurarosseusdireitos.Oritualpreviaamplodireitodedefesadosréus, só passíveis de condenação depois de esgotados todos os recursos.Ninguémpodiaserpresosemculpacomprovada.Odireitodeliberdadedeexpressãoera tãoamplonoBrasil quantonospaísesmaisdesenvolvidos.Na prática, a execução da lei dependia mesmo dos chefes locais, quemandavam prender adversários ou soltar aliados de acordo com suasconveniências.“Obraçodajustiçanãoénembastantelongonembastanteforteparaabrirasporteirasdas fazendas”, escreveu JoaquimNabuco, aofazerumretrospectodasinstituiçõesimperiaisem1886.[114]DoispartidosdominaramacenapolíticadoSegundoReinado,oLiberale

oConservador.De inircomclarezaasdiferençasentreelestemsidoumatarefa árdua para os historiadores. Os conservadores tinhamrepresentação mais forte nas províncias do Nordeste e, em geral,favoreciam a centralização do poder imperial, enquanto os liberaisrepresentavamasprovínciasdoSuleSudeste—especialmenteSãoPaulo,Minas Gerais e Rio Grande do Sul — e defendiam uma maiordescentralização em favor da autonomia regional. No passado, algunsestudiosos também se esforçaram para vincular os conservadores àaristocracia rural e escravocrata, enquanto os liberais teriam seusinteresses mais associados aos pro issionais liberais e comerciantesurbanos.Naverdade,nãoexistiaentreosdoispartidosumaclarafronteiraideológica. Ambos re letiammais rivalidades regionais do que programasdistintos de governo. Em Pernambuco, o conservador Pedro de Araújo

Lima, marquês de Olinda, e seu rival, Antônio Francisco de Paula deHolanda Cavalcanti de Albuquerque, visconde de Albuquerque, eramambossenhoresdeengenho.Tinhamriquezaeposiçãosocialequivalentes.AraújoLimafoiconservadoraté1862.DepoispulouparaoPartidoLiberal.Na Bahia, Manuel Pinto de Sousa Dantas, chefe dos liberais, começou acarreiracomoprotegidodeJoãoMaurícioWanderley,obarãodeCotegipe,líderdosconservadores.Papel igualmentedúbioeraodo imperador.PelaConstituiçãode1824,

cabiaaeleoexercíciodochamadoPoderModerador. Invençãobrasileira,inspiradanasideiasdopensadorfranco-suíçoHenri-BenjaminConstantdeRebecque, o Poder Moderador se sobrepunha e arbitrava eventuaisdivergênciasentreosoutrostrês—Executivo,LegislativoeJudiciário.Erauma tentativa de reconciliar a Monarquia com liberdade, direitos civis eConstituição. Na opinião de Benjamin Constant de Rebecque, seria tarefadosoberanomediar,balancearerestringirochoqueentreospoderes.NocasodoBrasil, entreasatribuiçõesdo imperadorestavama faculdadedenomear e demitir livremente os ministros, dissolver a Câmara dosDeputadoseconvocarnovaseleiçõesparlamentares.O artigo 98 da Constituição a irmava que o Poder Moderador era “a

chave de toda a organização política, delegado privativamente aoimperador, que, nessa condição, é o responsável pela manutenção daindependência,doequilíbrioedaharmoniaentreospoderespúblicos”.Oartigo seguinte a irmava: “A pessoa do imperador é inviolável e sagrada:ele não está sujeito a responsabilidade alguma”. Lidos ao pé da letra, osdoisartigosdavamaentenderqueoimperadorbrasileiroeraummonarcaabsoluto à moda antiga. Na prática, a simples existência de umaConstituição indicava que o poder imperial tinha algum limite. Isso valiaespecialmenteparaocasodedomPedro II, que sempreseempenhouempassaraimagemdeumsoberanotoleranteemagnânimo.O historiador Sérgio Buarque de Holanda fala numa “constituição não

escrita”,diferentedaConstituiçãoreal,queditavaapolíticado imperadormaisdeacordocomasconveniênciasdojogodepoderdoquenaletradalei.[115] A Constituição real, por exemplo, autorizava a dissolução daCâmara dosDeputados apenas “nos casos em que o exigir a salvação doEstado”. Inferia-se que a medida seria adotada somente em situaçõesextremas, de grave crise institucional. A rigor, nunca houve umaemergênciadessanaturezaemtodooSegundoReinado,masdomPedro II,valendo-sedesuasprerrogativas,dissolveuaCâmarainúmerasvezescomosimplesobjetivodepromoverarotatividadedospartidosnopoder.Nos

49anosdoSegundoReinado,domPedroIIteve36gabinetes,emmédiaumacadaumanoequatromeses.Executava,dessaforma,umaleinãoescrita,com a devida complacência dos dois partidos. Sempre que um delesestivessenaoposição,semchancesdechegaraopoderpelasurnasdevidoafraudeeleitoral,aúnicaformadevoltarasergovernoeraesperarqueoimperadordissolvesseaCâmaraeconvocassenovoministério.Pela Constituição, presumia-se que o ministério deveria merecer a

con iançadaCâmaradosDeputadosparasemanternogoverno.Eraassimque funcionavam os modelos clássicos de parlamentarismo europeu,especialmenteobritânico.Na realidade, a formaçãodogovernodependiamais da vontade do imperador do que do resultado das urnas. Em geral,usandoosprivilégiosdoPoderModerador,domPedro IIprimeirodissolviaa Câmara e depois nomeava o chefe de gabinete, cujo ministério seencarregava de assegurar a vitória nas urnasmediante a corrupção e oataque aos adversários. Era, portanto, umparlamentarismo às avessas.Ogovernomanipulavaaseleiçõese,pormeiodelas,compunhaumaCâmarade Deputados subordinada aos seus desejos, e não o contrário. Naseleições de 1848, o novo gabinete che iado por Pedro de Araújo Lima, omarquêsdeOlinda,conseguiuaproezadereduzirabancadadeoposição,liberal, a apenasumdeputado. “Opartidoque subia aopoderderrubavatudo — quer dizer, sacudia para fora dos cargos públicos, locais,provinciaisegerais,todososocupantesadversários”,relatouohistoriadorOliveira Vianna. “Era uma vassourada geral, que deixava o campointeiramentelimpoeabertoaoassaltodosvencedores.”[116]“Entrenós,oquehádeorganizadoéoEstado,nãoéaNação”,dizia,em

1887, o sergipano Tobias Barreto. “É o governo, é a administração, porseusaltosfuncionáriosnacorte,porseussub-rogadosnasprovíncias,porseus ín imos caudatáriosnosmunicípios, não éopovo, oqualpermaneceamorfo e dissolvido, sem outro liame entre si, a não ser a comunhão dalíngua, dosmaus costumes e do servilismo.”[117] Visão parecida tinha ofrancêsLouisCouty, professor estrangeirodaEscolaPolitécnicadaCorte.Segundoele,nasvésperasdaProclamaçãodaRepública, faltavaaoBrasil“um povo fortemente organizado, povo de trabalhadores e pequenosproprietários independentes (...) por si, sem umEstado-Maior constituídode comandantes de toda a espécie ou de coronéis da GuardaNacional”.[118]Oponto-chavedomodelotinhaavercomanoçãodecidadania,ouseja,

quem podia votar e ser votado, representar e ser representado noImpério, quem tinha acesso ao controle dos recursos do Estado. Em

resumo, quemmandava e quem eramandado. As primeiras restrições àcidadania apareceram logo nas eleições para a constituinte de 1823,convocadas após o Grito do Ipiranga. Para ser eleitor era necessário serhomem,proprietáriodeterraououtrobemderaiz,comidademínimadevinteanos.Mulheres,escravos,índios,assalariados,estrangeirosepessoasquenãoprofessassemareligiãocatólicaestavamexcluídos.AConstituiçãode1824aumentouarestriçãode idadepara25anosepelaprimeiravezintroduziu o critério de renda mínima para os votantes. Para garantir ocontrole do resultado, as eleições eram indiretas em duas etapas. Naprimeira votava o pequeno eleitorado composto de homens com rendaanuallíquidadepelomenos100milréis.Cabiaaelesescolherumcolégioeleitoralmaisrestritoque,nasegundafase,seencarregariadeapontarosdeputados, senadores e membros dos conselhos das províncias. Aexigência de renda anual mínima para os candidatos a esses postosquadruplicava,de100milpara400milréisanuais.Umaleide1846dobrouarendamínimadoseleitorespara200milréis.

Eramuito, considerandoque,nessaépoca,o saláriomédioanual emumaprovínciarica,comoMinasGerais,nãopassavade144milréis.Por im,areformaeleitoralconduzidapeloconselheiroJoséAntônioSaraivaem1881estabeleceu pela primeira vez o voto direto para as eleições legislativas,acabandoadistinçãoentrevotanteseeleitores.Emcontrapartida,excluiuosanalfabetos.Comoresultado,opercentualdevotantes,quetinhasidode10,8% do total da população em 1872, caiu para 0,8% em 1886. Haviacasos de deputados que se elegiam com poucomais de uma centena devotos. “A manutenção do envolvimento popular em níveis baixos foi umtraço constante da lógica do sistema político”, a irmou José Murilo deCarvalho. Essa lógica se manteria nas primeiras décadas do regimerepublicano, também caracterizado pelo diminuto número devotantes.[119]Aoconstruirumestadoforteecentralizado,oImpérioconseguiuvencer

umprimeirodesa ioque,naépocadaIndependência,pareciainsuperável:amanutençãoda integridade territorialeo controledas tensões sociaiseregionais, em especial as que envolviam os escravos. Fracassaria, noentanto, no segundo e maior desa io, o de forjar uma nação capaz deintegrartodososbrasileirosem“umcorposólidoepolítico”—segundoaexpressãodeJoséBonifáciocitadanocapítuloanterior.Ouseja,atarefadaconstruçãodacidadania.Aescravidão,oanalfabetismo,aconcentraçãoderiquezas e a exclusão da imensa maioria da população do processoeleitoral se manteriam como marcas registradas do Império até as

vésperasdesuaagoniafinal,em1889.Comsuapeculiarcapacidadedeobservararealidadesobângulosnovos,

o sociólogo pernambucano Gilberto Freyre a irmou: “A Monarquia (...)nunca aceitou de modo direto e franco o desa io do trópico úmido àcivilizaçãobrasileira.Contornou-osempre”.[120]Caberia à República enfrentar esse segundo desa io — mas o preço

pagoseriaaltíssimo,comoseverámaisadiantenestelivro.

5.DOMPEDROII

PEDRO DE ALCÂNTARA JOÃO CARLOS LeopoldoSalvadorBibianoFranciscoXavierdePaulaLeocádioMiguel Gabriel Rafael Gonzaga de Habsburgo e Bragança, maisconhecidocomodomPedro II,governouoBrasilpor49anos,trêsmesese22dias.No séculoXIX, sóa rainhaVitória,da Inglaterra,permaneceumaistempo no trono do que ele, um total de 63 anos, setemeses e dois dias.Quandoassumiuo trono,nodia23de julhode1840,eraumadolescenteainda imberbe. Tinha quinze anos incompletos. Ao ser deposto pelaRepública,em1889,aduassemanasdecompletar64anos,eraumsenhorde barbas brancas, semblante cansado emuitomais envelhecido do queindicaria a idade real, como se verá emdetalhes emoutro capítulo destelivro.Sofriadediabetes,dependiadecuidadosmédicospermanentese,emalgumas ocasiões, nem mesmo tinha forças para se levantar e se vestirsozinho.Ao inal de quase meio século na condução dos destinos brasileiros,

deixava um legado impressionante. A unidade do país estava, inalmente,consolidada. A escravidão havia sido abolida no ano anterior. O Impérioenfrentara rebeliões regionais e guerras externas mantendo sempre omesmosistemarepresentativo,comarealizaçãoininterruptadeeleições.AConstituição e os regulamentos básicos também haviam permanecido osmesmos, sem rupturas. Seria esse, até hoje, o conjunto de leis maisduradouro de toda a história brasileira. Havia um sistema judiciário emfuncionamento, em que as pessoas tinham direito de defesa e ninguémseria condenado semprévio julgamento.A imprensa gozavade liberdadede expressão. Como se viu no capítulo anterior, muitos desses atributoseram mais aparentes do que reais, porém, graças a eles, o Brasil semantivera como uma nação relativamente estável, ao contrário dosvizinhos, dominados por caudilhos e permanentemente às voltas comgolpesdeestadoeguerrascivis.Dom Pedro II eraumhomemtímido,arredioa festas,bailes, cerimônias

públicas e eventos sociais. À primeira vista, causava boa impressãopeloscabelos aloirados, os olhos muito azuis, a estatura imponente, a barbacerrada, que lhe davam um ar pragmático e circunspecto. Bastava queabrisse a boca para que essa boa imagem inicial rapidamente seesvanecesse: a voz era a lautada, ina e aguda, como em falsete, mais

própriadeumadolescenteem iníciodapuberdadedoquedeumadulto.Em dias de cerimônia, aparecia emmeias de seda, deixando àmostra aspernasmuito inas,quedestoavamdo ísicoavantajado.[121]Vestia-sedenegro e deixava-se fotografar sempre com um livro nas mãos, como aindicarque,emumpaíscarentedeculturaeeducação,osoberanoeraumexemplo a ser seguido. Ele próprio, no entanto, se encarregava demenosprezar seusdotes culturais dizendo-se produtomais do esforçodoquedotalento intelectual. “Cadavezreconheçomaisqueseimuitomenosdo quemuita gente e que não é pela inteligência queme distingo,muitoembora com perseverança tudo possa aprender”, a irmou em 1879 emcartaàamigacondessadeBarral.Até falecernoexílionamadrugadade5dedezembrode1891emum

modestoapartamentodehotelemParis,PedrodeAlcântara,comogostavade ser chamado, carregou em um só corpo dois personagens distintos. Oprimeirofoioserhumanoemcarneeosso,cujaexistênciaestevesempremarcada pela tragédia familiar, pela orfandade de pai e mãe e pelacarência afetiva desde a mais tenra idade. O segundo foi o mito,sustentáculo de um império do Novo Mundo e de um Brasil que, emdeterminados momentos, necessitava desesperadamente de um símboloque o conduzisse ao futuro em meio às ameaças de rupturas de todaordem.DomPedroincorporouessesdoispersonagensecomelesconviveucom certa di iculdade, segundo revelam suas cartas, diários eapontamentos nasmargens dosmuitos livros que leu e anotou. Era essatambémaimpressãoquedeixavanosdiplomataseoutraspersonalidadesqueovisitavamnoRiodeJaneiro.“Oimperadornãofalanunca”,estranhouo francês conde Suzannet. “Encara com olhar ixo e sem expressão.Cumprimenta ou responde apenas por um meneio de cabeça ou ummovimentodemão.Deixa-nosuma impressãodesagradável estepríncipe(...)queparecetãotristeetãoinfeliz.”[122]Pedro, o homem em carne e osso, nasceu com 47 centímetros na

madrugada de 2 de dezembro de 1825. Era o sétimo ilho do imperadorPedroIedaimperatrizLeopoldinaeoterceiropríncipehomemdadinastiaportuguesa dos Bragança a nascer no Brasil. Os dois primeiros,Miguel eJoão Carlos, morreram ainda recém-nascidos, parecendo con irmar umaantigamaldiçãoque,segundosedizia,acompanhavaafamíliadeBragança.Por essa lenda, todos os primogênitos homens da casa real morreriamantesdeassumiracoroa—oquedefatoaconteceuatéaProclamaçãodaRepúblicanoBrasil, em1889, e emPortugal, em1910.AlémdeMiguel eJoão Carlos, Pedro e Leopoldina só tinham tido ilhas. Maria da Glória, a

mais velha, seria rainhadePortugal, comonomedeMaria II. Emseguidavieram Januária Maria, Paula Mariana e Francisca Carolina. Por im,quando o casamento dos pais já estava esgarçado pelo escândalo doromancedo imperadorcomDomitiladeCastroCantoeMelo, amarquesade Santos, nasceu o pequeno Pedro de Alcântara. A mãe, Leopoldina,morrerianoano seguinte,maltratadapelomaridoemergulhadaemumacrisededepressãoeabandonoqueescandalizouaEuropa.Pedro II, omito, começou a entrar em cena no dia 7 de abril de 1831,

datadaabdicaçãodeseupaiaotronobrasileiro.Naquelamadrugada,domPedroIrefugiou-seabordodeumanauinglesaezarpouparaaEuropa,nacompanhiada segundamulher, a imperatrizAmélia, enquantoas ruasdoRio de Janeiro eram ocupadas pela multidão que exigia a sua queda. Aimagem de herói da Independência, conquistada nove anos antes àsmargens do riacho Ipiranga, em São Paulo, havia sido corroída pelosescândalos da vida pessoal, pela índole autoritária e pelo impossívelequilíbrioentreosinteressesbrasileiroseportuguesesquediziadefender.Aopartir,deixavaparatrás,noPaláciodeSãoCristóvão,opequenoPedroII, de cinco anos, em companhia de três das quatro irmãsmais velhas. Ascrianças estavam dormindo quando o casal imperial se esgueirou naescuridãoatéavizinhapraiadoCajuparaembarcarnonavioinglês.Paieilhonuncamaissereencontraram.Emvezdisso,trocariamcartasrepletasdesofrimentoeemoçãoatéamortededomPedroemPortugal, trêsanosmais tarde. “Tenho tantas saudades de VossaMajestade Imperial e tantapenadelhenãobeijaramão”,diziaumadessascartinhas,emquea letramiúda do imperador-menino aparece trêmula e insegura . Em outra,dilacerado pela saudade, pedia que o pai lhe enviasse uma mecha decabelocomorecordação.OBrasilviviaumafaseturbulenta,àsvoltascomasrevoluçõesregionais

doperíododaRegência.Tudo faziapreverodesastre.Achancedeopaísse manter unido era mínima. Na falta de qualquer outro elo capaz deasseguraraintegridadenacional,coubeàquelegarototristeefranzinosero depositário de todas as esperanças dos brasileiros naquele momento.“Este menino é o único entre os brasileiros que liga o presente aopassado”, observou o botânico francês Auguste de Saint-Hilaire, que naépocapercorriaoBrasil.[123]Chamado de “órfão da nação”, foi, desde a infância, um homem

prisioneiro do próprio destino, alvo das intrigas que faziam deleinstrumento do jogo de poder na corte do Rio de Janeiro. Teve de seconformar.AoembarcarparaaEuropa,domPedro Inomearacomo tutor

do ilho o santista José Bonifácio de Andrada e Silva, um homem sábio,determinado e experiente, cuja atuação em 1822 lhe valhera o título dePatriarca da Independência. A estatura política de Bonifácio, no entanto,era insuportável para uma parte da elite brasileira, que o via comdescon iança e o queria longe do trono. Afastado da tutoria em 1833, oPatriarca foi preso por “conspiração e perturbação da ordem pública”.Acusavam-no de liderar um complô para trazer dom Pedro I de volta aoBrasil. Julgado à revelia e absolvido depois de dois anos, Bonifáciorecolheu-seemexíliovoluntárioà ilhadePaquetá,nabaíadeGuanabara,atémorrer,em1838,desiludidocomosrumosdopaísqueajudaraacriar.Segundo tutordedomPedro II,o luminenseManuel InáciodeAndrade

SoutoMaiorPintoCoelho,marquêsdeItanhaém,preparouaoassumirumdetalhado regulamento, que todos os encarregados da educação e darotinado jovem imperadordeveriam seguir aopéda letra. Essa rigorosarotina de estudos e exercícios diários ia das sete da manhã, hora dedespertarseguidadetoaleteeoração,àsdezdanoite,horadeapagaraluzedormir:

Oitohoras:comida,evitando-sequeomeninocomademasiado.Refeiçãofeitanapresençadomédico;Das nove às onze horas e meia: aulas, estudo, descanso. PequenosbrinquedosdentrodoPaço.Toaletepararefeição;À uma da tarde, refeição, em presença do médico, do camarista e dacamareira-mor, os quais têm como dever entreter a conversação,evitando-se ao mesmo tempo que ela descambe para assuntosdesagradáveis, e procurando que se encaminhe, de preferência, sobre otempoousobreassuntoscientíficos.Nenhum criado,mesmo particular, tem autorização para se dirigir aopríncipe.Apenaspoderesponderàssuasperguntas.Após o almoço, todos devem se empenhar para que a criança não façaesforçosexagerados,nãopule,nãocorra,nãodurma,nãobrinque.Passeios no jardim quando o tempo permitir. Esses passeios devemcomeçaràsquatroemeiadatardeeterminamàscinco.Querapé,queracavalo,osexercíciosdevemsermoderados.Seapósessesexercíciosopríncipeestiversuado,novatoalete,mudançaderoupae,depois,leituradepequenoscontos.Àsoitodanoite:orações.Àsnove:ceia.Depoisdaceia:leituraatéasdezdanoite.Àsdez,apagaraluzedormir.

Tudo era regulado e controlado. Osmédicos cuidavamda temperaturadobanho. As camareiras, da roupa, que deveria sempre combinar com aestação do ano e a temperatura do ambiente. O imperador-menino sópodia visitar as irmãs após o almoço, quando o quarto delas já estivessearrumado e não houvesse nenhuma peça íntima de vestuário feminino àvista, segundo instruções expressas de frei Pedro de Santa Mariana eSousa, que governava os aposentos de dom Pedro. Vindo do SeminárioMariano de Olinda, Pernambuco, o frei era um homem extremamenterigoroso. Aos 51 anos, em 1833, cuidava da orientação espiritual dopríncipeeeratambémseuprofessordelatimematemática.Osdeputados supervisionavamaeducaçãodo imperadoremrelatórios

periódicos que seus mestres enviavam à Câmara. O de 1837 anunciavaqueelefalavaeescreviafrancês,liaetraduziainglês.Ode1838diziaqueera um estudante dedicado e disciplinado. O do ano seguinte informavaqueo alunodominavabemo latim e tinhadeixado todas as brincadeiraspara só ler e estudar. [124]Comsete anos, já era capazde conversar eminglêscomodiplomatabritânicoHenryS.Foxe,queovisitounoPaláciodeSão Cristóvão. Fez dos idiomas estrangeiros uma de suas paixões. Aoatingir a idade adulta, conseguia se comunicar em seis línguas, além dopróprioportuguês,segundoodepoimentodaprincesaTeresadaBavária,queovisitounoRiode Janeiro: francês, inglês, alemão, italiano, espanhol,provençal.Tambémestudougrego, latim,hebraico,russo,árabe,sânscritoe tupi-guarani. No próprio navio que o levou para o exílio, em 1889,enquanto o mundo parecia desmoronar ao seu redor, dedicou parte dotempoatraduzirdoalemãoparaoportuguêsAcançãodosino,poemaem426versosdeFriedrichSchiller.Tinhaasaúdeprecária.Comoopai,sofriadeepilepsia,síndromequefaz

opacienteperderossentidosesedebateremconvulsões.Háregistrosdeváriosataquesentre1827e1840.[125]Em1833,teveumacrisenervosa,de origem desconhecida, mas aparentemente causada pela carênciaafetiva.Emoutubrode1834,semanasapósreceberanotíciadamortededom Pedro I emPortugal, teve “umataquede febre cerebral” seguidade“frequentesdoresnoestômago”,segundorelatosdaépoca.Arecuperaçãofoi lentaedi ícil.Algunschegaramaduvidarquesobrevivesse.“Omeninocontinuacomsaúdedébil,de temperamentonervoso”, registrouem1835seututor,omarquêsdeItanhaém.[126]Na ausência da mãe e da madrasta, apegou-se a Mariana Carlota de

VernaMagalhães Coutinho, futura condessa de Belmonte, dama da corteencarregadade sua criação a quem chamavadeDadama. Eraumaviúva

portuguesa,muitoreligiosa,quechegaraaoBrasilcomacortededomJoãoem1808. “Pedro II passouuma infância tristíssima,naqual experimentoucarência emocional e manipulação psicológica”, escreveu o historiadorbritânico Roderick J. Barman. “Refugiou-se no mundo dos estudos,particularmente nos livros, que lhe davam prazer e uma sensação desegurança.”[127]Opapeldeinstituiçãoquelheestavadestinadodesdeainfânciafezcom

quetudolhechegassedeformaantecipada,comoseprecisasseenvelheceràspressasparadarumarde seriedadeao também jovempaís entregueaoseucomando.Assimfoinoritualdacorte,emqueeratratadocomoumadulto embora a aparência fosse de uma criança. Ao conhecer omeninoaosdozeanos,emjaneirode1838,opríncipedeJoinville, futurocunhadopelo casamento com a princesa Francisca, anotou em seu diário: “Seusmodossãoosdeumhomemdequarentaanos”. [128]Assimfoitambémnacoroação, ainda no início da adolescência, antecipando de formaatabalhoada a maioridade que, pela Constituição do Império, só deveriachegar aos dezoito anos. Em 1840, às vésperas de assumir o trono nochamado Golpe da Maioridade, era um rapaz “alto, cabelos louro-bronzeados, magro, olhos azuis”, segundo a descrição de LídiaBesouchet.[129]Ao atingir a idade adulta, tinha1,90metrode altura e acabeçagrande.Sóavoz inaeagudadestoavadoconjuntoelembravaumainfânciaperdidapelaorfandadeprecoce.Acerimôniadesagraçãoecoroação,realizadaem18de julhode1841,

durounovedias, encerrada comumbaile de gala para1.200 convidadosno Paço da Cidade. O traje do imperador, símbolo da tropicalização dadinastiadeBragançanoBrasil,compunha-sedeummantoverdedecoradocom ramos de cacau e tabaco coberto por umamurça feita de penas degalo-da-serra. A peça tinha sido confeccionada por índios tiriós para acoroação do seu pai, dom Pedro I, em 1822. Nos anos 1860, seriasubstituídapor outra, feitadepenasdepapode tucano.O cetro, de ouromaciço, tinha 1,76 metro, bem maior do que a estatura do jovemimperador. Na cabeça, a coroa, com altura de dezesseis polegadas, eraigualmente pesada e feita especialmente para a ocasião.[130] “Como mecustaumcortejo, comomói!”, reclamouo imperador-meninoemanotaçãoemseudiário.[131]À pressa da coroação seguiu-se a do casamento, por procuração, em

maio de 1843, sete meses antes de completar dezoito anos de idade. Anoiva,TeresaCristinaMaria,eratrêsanosenovemesesmaisvelhadoqueele. Irmã do rei de Nápoles e princesa das Duas Sicílias, descendia dos

HabsburgoedosBourbon,duasdas casas imperiaismais importantesdaEuropa.SuachegadaaoBrasilrepresentouumadasmuitasdecepçõesqueo imperador acumulou na vida. No começo daquele ano, os diplomatasbrasileiros encarregados de negociar o casamento na Europa lhe tinhamenviado três imagensdaprincesa.Naprimeira, a quemais lhe chamouaatenção, Teresa Cristina aparecia como uma jovem de traços delicados,olharinsinuante,osombroseobustogenerosoemolduradosporumcolarde pérolas. Ao fundo, a silhueta do vulcão Vesúvio, símbolo de Nápoles.DomPedrogostoude imediato.Aoconhecê-lapessoalmenteemsetembrode 1843, porém, levou um susto. Ao contrário do que indicavam asimagens, Teresa Cristina era feia, baixa, rechonchuda emancava de umaperna. Tinha braços curtos e mãos gorduchas. O rosto redondoemolduravaumolharinexpressivo,noqualsedestacavaonarizcompridoe pontiagudo. Os cabelos negros e lisos partiam-se ao meio e icavampresos em forma de coque à moda usada na época pelas matronasitalianas.A primeira reação do imperador, ao vê-la no convés do navio que a

trouxe da Itália para o Rio de Janeiro, foi rejeitá-la. Era tarde. Naquelaépoca, casamentos entre príncipes envolviam negócios de Estado e nãocompetiaaosnoivosfazerescolhas.Inconformado,oimperadorchorounosbraços da condessa de Belmonte. “Enganaram-me, Dadama”, teriareclamado.[132] “Ele passou várias semanas recusando-se a ter relaçõessexuais com a esposa e tratando-a com glacial indiferença”, conta ohistoriador Roderick Barman.[133] Teresa Cristina, ao contrário,apaixonou-sedeimediatopelomarido.“Eunãofaçosenãopensaremvocê,meuqueridoPedro”, escreveu-lhe em julhode 1844, durante umabreveseparação.Superadasasdi iculdadesiniciais,domPedromantevecomaimperatriz

umrelacionamentoeducado,mornoeprotocolar,comotudooqueenvolviao seu personagem mito-instituição. A vida do casal esteve marcada pelatragédia desde o início. Dos quatro ilhos, dois morreram antes decompletar dois anos — Afonso, nascido em fevereiro de 1845; e PedroAfonso,queveioà luzemjulhode1848.Con irmava-sedessaforma,umavez mais, a temível maldição dos Bragança. Restou a dom Pedro umadescendência só demulheres. Isabel, herdeira do trono e futura regentedo Império, nasceu em 1846. Leopoldina Teresa, em 1847, mas estatambém só viveria até os 23 anos. Amorte do segundo ilho causou umprofundo abalo no imperador, que a ele dedicou um soneto repleto detristeza:

TiveomaisfunestodosdestinosVi-mesempai,semmãenainfâncialinda,Emorrem-meosfilhospequeninos.[134]Fora do casamento, dom Pedro II teve uma vida amorosa mais

movimentadadoque faz suporahistóriao icial,mas, ao contráriodopai,conseguiu manter-se sempre discreto, relativamente protegido dacuriosidade pública. Enquanto dom Pedro I envolveu-se em relaçõesescandalosas, como o romance com a marquesa de Santos, o ilhoconseguiu preservar a imagem demarido iel e bem-comportado. Era sóaparência, no entanto.AhistoriadoraLídiaBesouchet catalogouuma listade catorze namoradas conhecidas de dom Pedro II. O número não é tãogrande quanto o das amantes de dom Pedro I, mas inclui atrizes, váriasdamas da corte e até a mulher do embaixador uruguaio, André Lamas.“Viveria inteiramente tranquilo emminha consciência se meu coração jáfosse um pouco mais velho do que eu; contudo respeito e estimosinceramente a minha mulher”, anotou o imperador em seu diário dosanos de 1861 e 1862, revelando certa culpa pelos relacionamentosextraconjugais.Muitas dessas paixões foram platônicas, mais idealizadas do que

concretizadas.Outrasdeixarammarcasinegáveisdeintimidadequeforammuitoalémdo lertecasualnossalõesdacorte. “Que loucurascometemosna cama de dois travesseiros”, escreveu o imperador em 7 de maio de1880 a Ana Maria Cavalcanti de Albuquerque, condessa de Villeneuve,mulherdeJúlioConstânciodeVilleneuve,condedemesmonomeedonodoJornaldoCommercio .“Nãoconsigomaissegurarapena,ardodedesejodetecobrirdecarícias.”Elarespondiaascartasnomesmotom.“Cadaumadetuasexpressõestãoapaixonadasmefazemestremecerdeamor”,registrouem uma delas, avisando que incluía no envelope uma foto com o vestidodecotado, como ele pedira. “Eu te amo e sou tua de toda aminha alma.”Nascida em 1834, Ana Maria era nove anos mais nova que dom Pedro.ComelaoimperadormanteveencontrossecretosemBruxelas,PariseRiodeJaneiro.[135]A lista de supostas amantes incluiu Anne de Baligand, a quem dom

Pedro envioupresentes e cartas apaixonadasdurante a viagemàRússia,em1876;VeradeHaritoff,célebrepelabelezaepelociúmequeprovocavaentre os homens; Eponine Octaviano, primeira mulher de FranciscoOctaviano, jornalistaepolíticodoPartidoLiberal,companheirodeinfânciado imperador. Os arquivos guardam cinco cartas de Eponine para omonarca, com letra miúda e redondinha, começando sempre por “Meu

Amorzinho”ou“MeuQueridinho”.Emumadelas,rezapelarecuperaçãodoimperador porque o quer ver “bom e forte para omeu prazer”. Ao inalescreve: “Adeus,meuquerido, amordeoutras,mesmoassimeu tequeromuitíssimo. Aceite mil beijos amorosos e o abraço de tua sempre tua”.Segundoohistoriador JoséMurilodeCarvalho,ascartas revelamsempreumtoqueoportunista.Emduasdelasfezpedidosdeemprego,parao ilhoeparaocunhado.[136]NasanotaçõesdodiáriopessoaldedomPedroemCannes, jáàsvésperasde suamorte, em1891, aparece com insistênciaonomemisteriosodeAntônia. Segundo a historiadora LídiaBesouchet, eraumaprimadedomPedroemsegundograu,netadedomMiguel,irmãodedomPedroI,comquemteriatidoumrelacionamentosecreto.[137]NenhumadessaspaixõessecomparouàqueligoudomPedro IIàbaiana

LuísaMargaridaPortugaldeBarros, condessadeBarral.Noveanosmaisvelhadoqueo imperador,Luísaeraumamulherdemeia-idade,estaturamediana, pelemorena, nariz bem desenhado e grandes olhos negros. Oscabelos lisos e parcialmente grisalhos lhe davam um ar de experiência eso isticação. Vestia-se com estilo e demonstrava autocon iança nas rodassociais.Alémdeportuguês,falavafrancêseinglêscom luênciaeelegância.Erabrasileiradenascimento,maspassaraamaiorpartede suavidanossalões europeus. Seupai,DomingosBorgesdeBarros, viscondedePedraBranca,donode fazendasnoRecôncavoBaiano, foradeputadonascortesportuguesasdeLisboa eprimeiro embaixadorbrasileiro emParis após aIndependência. Em 1837, Luísa casou-se com um nobre francês, JeanJosephHoraceEugènedeBarral,ocondedeBarral.FoidamadehonradedonaFrancisca, irmãdedomPedro IIecasadacomopríncipedeJoinville.Em 1856, o imperador contratou-a para supervisionar a educação dasduas ilhas, Isabel e Leopoldina. Começava ali uma história de amor queduraria até o im da Monarquia brasileira e o exílio do imperador naEuropa. “Foram almas gêmeas e unidas até o im, cujos corações nãoenvelheceram”, observou a historiadoraMary Del Priore, autora de umabiografiadacondessa.[138]AcondessadeBarralpermaneceunoveanosnacortedoRiodeJaneiro

eexerceusobredomPedroumfascíniocomonenhumaoutramulher.Elafoisuamaioremaisíntimacon identeatéo imdavida.QuemmaissofreucomissofoiaimperatrizTeresaCristina,queadetestava,mas,conformadacom seu destino de mulher feia e insossa, dissimulou os sentimentos,fazendo vistas grossas à óbvia paixão do marido pela rival baiana. Oimperadoreacondessatrocaramcentenasdecartasao longodemaisdeduasdécadas.Elerecomendavaqueelaasdestruísse,emumavãtentativa

de impedir que seus segredos fossem revelados. O desejo foi atendidoapenas em parte. Hoje se conhecem cerca de trezentas cartas de domPedro para a condessa e outras noventa dela para ele. É umacorrespondênciaquerevela,comonenhumdocumentooufontehistórica,adimensão humana do imperador. “Adeus, cara amiga!Nadame interessacompletamentelongedevocê”,escreveueleduranteaviagemaoEgito,em1881. “Olho sempre com imensas saudades para os quartinhos do anexodoHotelLeuenroth”,acrescentouem23defevereirode1876,indicandoolocalemPetrópolisonde,supostamente,teriammantidoencontrosíntimos.“Nunca pensei que tivesse tantas saudades de Você”, a irmou em 1º deagostode1879.DomPedroeacondessamorreramnomesmoano,1891,elaemjaneiro,eleemdezembro,semnuncadeixardesecorrespondereseencontrarquandoasviagenspermitiam.Nos trinta primeiros anos do seu reinado, domPedro II viajou bastante

pelo território brasileiro, mas nunca se animou a ir para o exterior. Em1845,quatroanosapósacoroação,estevenoRioGrandedoSul,emSantaCatarina e em São Paulo (incluindo passagem pelo território do Paraná,que nessa época ainda não tinha conquistado sua autonomia). Era umaviagemde grande signi icado político. O principal alvo era a província doRioGrandedoSul,queacabaradesereintegraraoImpérioao inaldedezanosdaRevoluçãoFarroupilha.DomPedro recebeuos cumprimentos deBentoGonçalves,chefedarevolução.Doisanosdepoispercorreuointeriordo estadodoRiode Janeiro, onde reinavamos barões do café, principaissustentáculosdaMonarquia.Entre1859e1860visitouaregiãoNordeste,sendo recebido com festa na Paraíba, em Pernambuco, Sergipe, Bahia,Alagoas e, antes de retornar ao Rio de Janeiro, passando pelo EspíritoSanto.Maistarde,em1881,iriatambémaMinasGerais.A primeira viagem ao exterior aconteceu em 1871, em roteiro que

incluiu Europa e Oriente Médio. Ao chegar a Lisboa, primeira escala daviagem, teve de permanecer em quarentena por dez dias devido a umaepidemia de febre amarela. O escritor Eça de Queiroz, que o viu pelaprimeira veznessaocasião, o chamoude “PedrodaMala”, emvirtudedeuma pequena valise de couro escuro que sempre carregava consigo nasviagens, e icou encantado ao observar a naturalidade com que serelacionavacomopovonasruas:

NapraçadaFigueiramisturou-secomopovoecomasvendedeiras,deumadessas comprou três enormesmaçãsque ele próprio levouparaocarroepagougenerosamentecommeialibra.

Nosdocumentosoficiais,assinava-secomo“Imperador”,masnasviagens

aoexterioredepoisdoexílio,faziaquestãodeserchamado,singelamente,de Pedro de Alcântara. “Nãome trate de Vossa Majestade”, implorou aojornalista James J. O’Kelly, doNew York Herald , que o acompanhou naviagem aos Estados Unidos em 1876, ano do primeiro centenário daIndependência americana. “Chamo-me Monsieur de Alcântara, que é onome sob o qual faço minhas viagens. E não gosto de outrotratamento”.[139] As viagens ao exterior incluíram diversos paíseseuropeus,EstadosUnidos,Egito,Grécia, Jerusalémeoutras localidadesdaÁsiaMenor.A complexa personalidade de dom Pedro II revela um conjunto notável

deheranças familiares.Apaixãopelaciênciaepelos livroseraumlegadodamãe, Leopoldina.Do avô, dom JoãoVI, herdouumacaracterísticamuitopeculiarda realdinastiadeBragança:ogostopor carnede frango.Comose viu no livro1808, dom João gostava de franguinhos passados namanteiga, que levava no bolso da algibeira para comer durante osfrequentes passeios ao redor do Rio de Janeiro. Mais elegante, o netoPedro IIpreferiacanjadegalinhae,aexemplodopai, comiadepressa.Asreclamaçõesdosconvidadoseramfrequentes.O protocolo da corte previa que, uma vez terminada a refeição, se o

imperadorselevantassedamesa,todosospresentesdeveriamsegui-lo.Oproblema é que, commuita frequência, isso ocorria nomomento em quemuitosdosconvidadosnemsequertinhamcomeçadoacomer.Eracomumirem embora com fome. Por essa razão, alguns, mais precavidos,almoçavam ou jantavam antes de sair de casa para o encontro com oimperador.Outros saíamdopalácio e iamdiretoparao restaurantemaispróximo.Umdesses jantares,oferecidoao ilhodo imperadorAlexandre II

daRússia,durouvinteminutos.DomPedrofezobrindeeseretirouparaosalão ao lado. Além de ruim, a comida estava fria e foi mal servida porempregados vestidos com displicência, segundo o depoimento de umconvidado.[140]Dopai, herdoua austeridadenousododinheiropúblico.Adotaçãoda

família real, de oitocentos contos por ano, nunca mudou durante todo oSegundoReinado e acabou corroída pela in lação. No início representava3%dadespesadogovernocentral.No inal,estavareduzidaa0,5%.Paranão depender de dinheiro público, recorria a empréstimos dos amigos ealiados.Foram24empréstimosnototal.Em1867,mandoudescontar25%desuadotaçãoorçamentária comocontribuiçãoparaoesforçodeguerracontra o Paraguai. Também usava o dinheiro para custear bolsas deestudos no exterior para jovens que julgava talentosos. Ao todo, 151

estudantes obtiveram ajuda de custo do imperador, 41 dos quais paraestágios fora do país. Entre eles estavam os pintores Pedro Américo eAlmeida Júnior e a carioca Maria Augusta Generoso Estrela, primeirabrasileiraaobterodiplomadeMedicina(formadaemNovaYork,porqueatéentãooensinosuperioreraproibidoparamulheresnoBrasil). “Nadadevo, e quando contraio uma dívida cuido logo de pagá-la”, anotou domPedro II em seu diário. “E a escrituração de todas as despesas deminhacasapodeserexaminadaaqualquerhora.Nãoajuntodinheiro.”[141]Como o pai, era também meticuloso na administração dos negócios

públicos. Envolvia-se em tudo, mesmo nos detalhes mais insigni icantes.Essa característica fazia dele “um modelo de empregado público, umexemplar burocrata, (...) sisudo, metódico, pautado, grave...”, na de iniçãodo folclorista potiguar Luís da Câmara Cascudo.[142] Parecia querermostrar trabalho, desmentir a impressãodequeocupavao trono apenaspordireitodinástico,semfazeresforço.Noanode1857,leueanotoumaisde quatrocentos recortes de jornais que chegavam das províncias comnotíciasdasdiversasregiões.[143]QuaselevouàloucuraÂngeloMunizdaSilva Ferraz, futuro barão de Uruguaiana e entãoministro da Guerra, naviagem que fez ao Rio Grande do Sul com os dois genros no começo daGuerra do Paraguai. “O imperador atropela tudo”, reclamou Ferraz emcartaaoconselheiroJoséAntônioSaraiva.“Emdoisdiascomsuasmarchasforçadasestragou todaa cavalhadaeaboiadadas carretase carretilhas;não quer ouvir ninguém nas marchas, não dá descanso. (...) Estouenvelhecendoememortificando.”Numa viagem à Bahia, em 1859, domPedro II percorreu trinta cidades

doRecôncavoemdezdias,médiadetrêslocalidadesacada24horas.UmrepórterdojornalAMarmotaregistrou:

O imperador é incansável; demanhãmuito cedo, quandoaindamuitosoperários estejamna cama, já ele é visto na rua, visitando repartições,quartéis,estabelecimentospúblicos,estradas...

JovemnoRiodeJaneirodo inaldoSegundoReinado,oescritorRodrigoOtáviogravouemsuasmemóriasa forte impressãocausadapelacorreriadoimperadornasruasdacidade:

“Foi sempre com sobressalto e exaltação patriótica que na minhamocidade eu via o imperador. Ver o imperador era, aliás, ver passar ocortejo imperial. Em frente dois batedores de espada desembainhada, aseguir a grande sege, puxada a quatro com lacaios montados nasalimárias, tendo por detrás, de pé, ainda outros dois, todos com unschapéus de veludo redondos, de pala; e por im o grande piquete, que

seguia ao lado da portinhola do coche.O cortejo passava; toda a genteparava,olhava,tiravaochapéue,comoeu,semdúvida,seinundavacommaior ou menor intensidade, de um e lúvio estranho, (...) desobrenatural, de inacessível. Geralmente, na passagem do cortejoimperial, pouco se via do Imperador; dele, sentado no fundo do carrosombrio, na disparada em que passava, quando a vista o alcançava,apenassevislumbravaobrancodasgrandesbarbas.”[144]

UmresumodesuasideiasarespeitodoBrasiledoexercíciodapolíticapodeserobservadonodocumentoquedeixouporescritoà ilha,princesaIsabel, em 1871, ano em que ela assumiu a regência do Império pelaprimeira vez durante sua viagem à Europa. Ao todo são 26 páginasmanuscritas, nas quais o imperador trata de eleições, administração,educação política (“a principal necessidade do povo brasileiro”),comunicação, colonizaçãoeemancipação, relaçõesexternaseexercíciodoPoderModerador,entreosoutrosassuntosquejulgavamereceraatençãodomonarca brasileiro. Com letramiúda e caprichada, orientava a ilha aprestar atenção na opinião nacional, “di icílimo estudo”, antes de tomardecisões.Isabeldeveriasemanteracimadaspaixõespartidárias,massemconsiderar “como excessos as aspirações naturais e justas dos partidos”.Para isso, deveria ouvir, “com discreta reserva das opiniões próprias, aspessoas honestas e mais inteligentes de todos os partidos”. Deveriatambém icaratentaaoquesepublicavanaimprensaeaoquesediscutianascâmaraslegislativasdasprovíncias.[145]Generoso, recomendava tolerância em relação aos adversáriospolíticos

internos: “Entendo que a anistia deve-se sempre conceder,mais cedo oumais tarde, pelos crimes políticos”. Isso valia especialmente em relação àliberdade de imprensa, que deveria ter autonomia para atacar o própriosoberano:“Osataquesaoimperador,quandoeletemconsciênciadehaverprocurado proceder bem, não devem ser considerados pessoais, masapenasmanejo, oudesabafopartidário”.Emresumo,paraele, o exercíciodapolíticaera,sobretudo,umaquestãomoral,deforomais íntimodoquepúblico. “Tudo depende da consciência e da inteligência do imperador edosministros.”Emseguida,alertava Isabeldeque“aconsciência tambémpodeseapaixonar”.Por im, lembravaque“nossosistemadegovernoéodacalmaedapaciência”—sistemaque, segundoele, “o imperadordeveseroprimeiroarespeitar,efazerrespeitar”.[146]Cartasedocumentossugeremque,emborafosseoimperadordoBrasil,

domPedro II tinhainegáveissimpatiasrepublicanas.Emjunhode1891, jánoexílio,anotouàmargemdeumlivroqueestavalendo:

Desejaria (...) que a civilização do Brasil já admitisse o sistemarepublicano, que, para mim, é o mais perfeito, como podem sê-lo ascoisas humanas. Creiam que eu só desejava contribuir para um estadosocial em que a República pudesse ser “plantada” (...) por mim e darsazonadosfrutos.[147]

Ao escritor, poeta e historiador português Alexandre Herculano, querecusara uma honraria do Império alegando convicções republicanas,escreveu:“Tambémnãosoupartidárioemabsolutodenenhumsistemadegoverno”,acrescentandoque,paraoBrasil,amelhoralternativaseriaumarepública compresidente hereditário. “Di ícil é a posição de ummonarcanesta época de transição”, escreveu à condessa de Barral, dizendo-sedesconfortável na posição de imperador. Se dependesse de sua vontade,preferiaserapenasumpresidentedaRepúblicatemporário:“Eu,decertomodo, poderia ser melhor e mais feliz presidente da República do queimperadorconstitucional”.[148]OstraçosrepublicanosdedomPedro II,aessaalturajábemconhecidos

nomundotodo,levaramopresidentedaVenezuela,RojasPaúl,areagirdeformairônicaaosaberdanotíciadaquedadoImpériobrasileiro,em1889:—Foi-seaúnicarepúblicadaAmérica!

6.OSÉCULODASLUZES

EM1876,A JOVEMREPÚBLICAdosEstadosUnidoscomemorouoprimeirocentenáriodesuaIndependênciacomumeventodeencherosolhos.RealizadanacidadedeFiladél ia,a“ExposiçãoInternacionaldeArte,ManufaturaeProdutosdoSoloedasMinas”ocupavaumaáreade1,2milhãodemetrosquadrados,igualàsomade290camposdefutebolouquaseotamanhodoParquedoIbirapuera, em São Paulo. Reunia 60 mil expositores de 37 paísesdistribuídos em 250 pavilhões e recebeu 9 milhões de visitantes, oequivalente a 20% da população americana na época. A feira era umsímbolodogênioempreendedordanovapotênciaindustrialemergentedaAméricadoNorte.Entreasúltimasnovidadesdaciênciaedatecnologiaaliexibidas estavam a RemingtonNumber 1, primeiramáquina de escrevercomercializadaporE.Remington&Sons,ummodelodemotoracombustãointerna que nos anos seguintes Henry Ford usaria para construir seuprimeiro automóvel e um sistema automático de envio de mensagenstelegrá icas desenvolvido por Thomas Edison, também inventor dalâmpadaelétricaedofonógrafo(aparelhocapazdereproduzirsons).Nesse ambiente de excitação e curiosidade, o professor escocês

AlexanderGrahamBell,de29anos,pareciadeslocado.Seusprimeirosdiasna feira foramdedesânimoe frustração.Ele traziadeBoston, cidade emquemorava, uma engenhoca chamadaprovisoriamente de “novo aparatoacionadopelavozhumana”.AochegaraFiladél ia,descobriuquepartedaiação tinha se extraviado com a bagagem. Enquanto tentava recuperá-laàspressas,deu-secontadequeaorganizaçãoda feira lhedestinaraumapequenamesa demadeira escondida no fundo de um corredor distante.Era um espaço pouco frequentado pelos visitantes e fora do roteiro dosjuízesencarregadosdeavaliarepremiarasinvenções.Comoseinscreveranaúltimahora,seunomenemsequeraparecianaprogramaçãoo icialdaexposição.Achancedequealguémvisseoseuinventoeramínima.[149]Tudoissomudoudevidoaumaextraordináriacoincidência.Emum inal

de tarde, o acabrunhado GrahamBell observava a distância, no pavilhãocentralda feira,os juízessepreparandopara iremborasemterpassadopelo localemqueexibiao seunovoaparelho.De repente,umavoz inaeesganiçadachamou-lheaatenção:—MisterGrahamBell?

Ao se virar, Graham deparou-se com um senhor de barbas brancas eolhos muito azuis. Usava roupas escuras, cartola e bengala. Era oimperador do Brasil, dom Pedro II. Os dois tinham se conhecido semanasantes,emBoston,ondeGrahamBellcriaraumaescolaparasurdos-mudos,assunto de grande interesse do soberano. O imperador lhe pedira paraassistiraumadasaulase icaraimpressionadocomosmétodosutilizadospelo jovem escocês. Depois, acompanhado de numerosa comitiva, tinhaseguido viagem para a Filadél ia, onde participara da cerimônia deabertura da exposição ao lado do presidente Ulysses Grant. PrimeiromonarcaavisitarosEstadosUnidos,eraamaiorcelebridadeinternacionalconvidada para o evento. Nos três meses anteriores, visitara diversasregiõesdopaís,sempretratadocomdeferênciaeadmiração.Suapresença,destacada quase que diariamente nos jornais, atraía multidões dejornalistasecuriosos,exigindoàsvezes intervençãodapolíciaparaevitartumultos. Ao se reencontrar casualmente comGrahamBell no saguão dafeira, estava acompanhando os juízes, como convidado de honra, notrabalhodeavaliaçãodosinventos.—Oqueosenhorestáfazendoaqui?—perguntoudomPedro.GrahamBellcontou-lhequeacabaradepatentearummecanismocapaz

de transmitir a voz humana, mas, cheio de modéstia, explicou que setratava de um protótipo ainda passível de muitos ajustes eaperfeiçoamentos.—Ah,entãoprecisamosdarumaolhadanisso...—reagiudomPedro.Acenaqueseseguiuéhojepartedosgrandesmomentosdahistóriada

ciência.EscoltadopeloimperadordoBrasil,porumbatalhãoderepórterese fotógrafos e pelos juízes, que, àquela altura, tinham desistido de irembora, Graham Bell esgueirou-se pelas escadas e corredores daexposiçãoatéoobscurolocalemquehaviamconfinadoasuaaparelhagem.Aochegarlá,pediuquedomPedro IIsepostasseaumadistânciadecercade cem metros e mantivesse junto aos ouvidos uma pequena conchametálica conectada a um io de cobre. Por im, atravessou a galeria e, noextremo oposto da iação, pronunciou as seguintes palavras, retiradas dapeçaHamlet,deWilliamShakespeare:—Tobeornottobe(Serounãoser).— Meu Deus, isso fala! — exclamou dom Pedro II. — Eu escuto! Eu

escuto![150]Em seguida, pulando da cadeira, correu ao encontro de Graham Bell

paracumprimentá-lopelaproeza.Maistarderebatizadocomotelefone,o“novoaparatoacionadopelavoz

humana” seria considerado amaior de todas as novidades apresentadasna Exposição Universal da Filadél ia. Foi também um dos marcos maisimportantes do séculoXIX, chamado de “Século das Luzes” devido a umasériedeinovaçõescientíficasetecnológicasquemudaramdeformaradicala vida das pessoas. Elas afetaram praticamente todas as atividadeshumanas, mas tiveram especial impacto nas áreas de transporte ecomunicação. Seus efeitos podem ser observados ainda hoje na maneiracomoaspessoasviajam,estudam,trabalhamousedivertem.Umconjuntoainda mais notável de transformações ocorreu nas ideias, alterandoradicalmente a forma como as sociedades se organizavam e segovernavamatéentão.Foiumperíodomarcadoporguerraserevoluçõesque abalaram crenças e convicções, redesenharam fronteiras de países,derrubaram sistemas de governo e estabeleceram novos padrões deconvivênciaentreossereshumanos.Para ter uma noção da importância do século XIX, basta ver a

impressionante galeria de pensadores, inventores, cientistas, artistas erevolucionáriosqueviveramnessaépoca.Algunsexemplos:Naciênciaenatecnologia,RobertFulton,MichaelFaraday,Jean-Baptiste

Lamarck,PierreLaplace,CharlesDarwin,AlexanderGrahamBell,ThomasEdison,KarlBenz,GottliebDaimler,IrmãosAugusteeLouisLumière,LouisPasteur,SigmundFreud,MaxPlanck.Na literatura , Johann Wolfgang von Goethe, Stendhal, Mary Shelley,

Irmãos Jacob e Wilhelm Grimm, Jane Austen, Leon Tolstoi, FiódorDostoiévski, Alexandre Dumas, Victor Hugo, Honoré de Balzac, GustaveFlaubert, Charles Dickens, Edgar Allan Poe, Robert Louis Stevenson, JúlioVerne,MarkTwain,HenryJames,OscarWilde,WaltWhitman.Napintura, Francisco de Goya, John Constable, ÉdouardManet, Claude

Monet, Eugène Delacroix, Edgar Degas, Jean-Auguste Ingres, Pierre-Auguste Renoir, Paul Cézanne, Camille Pissarro, Edvard Munch, VincentvanGogh.Na música, Ludwig van Beethoven, Joseph Haydn, Franz Schubert,

Gioachino Rossini, Niccolò Paganini, Richard Wagner, Frédéric Chopin,Giuseppe Verdi, Robert Schumann, Hector Berlioz, Georges Bizet, FranzLiszt,JohannesBrahms,PiotrTchaikovsky,ClaudeDebussy.Na iloso ia, FriedrichNietzsche,GeorgFriedrichHegel,AugusteComte,

HerbertSpencer,KarlMarx,FriedrichEngels.Osprenúnciosdovendavaltransformadorhaviamsemanifestadoainda

no século anterior. A Revolução Industrial, na Inglaterra, tinhatransformado por completo os meios de produção. Graças ao uso da

tecnologia do vapor, as fábricas inglesas passaram a produzir bens emercadorias numa escala até então nunca vista. A Independência dosEstados Unidos, em 1776, criara a primeira democracia republicana dahistória moderna e servira de inspiração para a Revolução Francesa de1789.Atéentão,comrarasexceções,ospaíseseramgovernadosporreiseimperadores, que reivindicavam direitos divinos para dirigir os destinosdospovos.Nonovoregimehaviaoutrafontedepoder,aprópriasociedadeorganizada e consciente do seu papel político na condução das coisaspúblicas. “Todopoderemanadopovoeemseunomedeveserexercido”,era o seu lema. Os revolucionários franceses haviam proclamado aDeclaração Universal dos Direitos do Homem, segundo a qual todas aspessoasnascemlivreseiguaisemdignidadeedireitos.As ideiasdoséculoXIX ecoavamessas transformações.Reivindicava-sea

redistribuição das riquezas e dos privilégios na sociedade, incluindo apropriedade da terra e dos meios de produção. No campo, agricultorespobrespassaramadefendera reformaagrária.Nas cidades, aburguesia— camada da população que se havia enriquecido no comércio e emoutrasatividades,masnãotinhatítulodenobreza—passouaexigirqueopagamentodeimpostosestivessecondicionadoàparticipaçãonosnegóciosdo Estado. A taxação era a contrapartida do direito de representação: sópagaria impostosquemtivessevozevoto.Nasfábricas,operáriosexigiammelhoressaláriosecondiçõesde trabalho,aprerrogativadeseorganizarem sindicatos e, eventualmente, de entrar em greve na defesa de seusinteresses. “Proletários do mundo, uni-vos”, conclamava o alemão KarlMarxnoManifestoComunistade1848.O Brasil, obviamente, sofria o impacto de todas essas transformações,

embora elas chegassem ao país sempre com certo atraso. Um exemplodisso havia sido a própria Independência, em 1822, precipitada pelasguerras napoleônicas na Europa. A invasão de Portugal pelas tropasfrancesas forçaraacortedoprínciperegentedomJoãoa fugirparaoRiode Janeiro, em 1808, iniciando um processo irreversível que levaria àruptura dos vínculos entre colônia e metrópole catorze anos mais tarde.Nasdécadasseguintes,ferrovias,serviçosdeiluminaçãopública,redesdecabos telegrá icos e telefônicos, jornais diários e serviços postaisorganizados, entre outras novidades, haviam ampliado em muito acapacidade de movimentação de pessoas e informações. Às vésperas daProclamação da República, novos meios de produção, transporte ecomérciotinhammudadooregimedetrabalhoeasrelaçõessociais.Jovenso iciais do Exército, abolicionistas, professores e advogados, jornalistas,

escritorese intelectuaisqueajudaramaderrubaraMonarquiabrasileiraestavamprofundamentein luenciadosporideiasdesenvolvidas,discutidaseàsvezestestadasaocustodemuitosangueesacri ícioemoutrospaísesemumasériedeeventosdecisivosnahistóriadahumanidade.Curiosamente, muitas dessas convicções eram compartilhadas pelo

próprio dom Pedro II, cujo regime em breve tombaria vitimado pelastransformaçõesdoséculo.Oimperadoracompanhavadepertoadiscussãodas ideias e o ritmo das invenções quemodi icavam a face do planeta. Otelefone, encomendado por ele pessoalmente a Graham Bell enquantoviajava pelos EstadosUnidos, chegou ao Rio de Janeiro quatro anosmaistarde — antes ainda de ser adotado em alguns países europeussupostamente mais desenvolvidos do que o Brasil. Foi também dosprimeiros a adotar a fotogra ia, de inida pelo escritor americano EdgarAllan Poe como “omais extraordinário triunfo da ciênciamoderna”. [151]DomPedroerachamadode“primeirosoberano-fotógrafo”domundo.Suavidaeseureinadoforamdocumentadosemdetalhespelanovatecnologiadesenvolvidaem1839pelofrancêsMandéDaguerre.Nas suas viagens ao exterior, dom Pedro II foi colecionando uma

impressionante galeria de celebridades internacionais do meio artístico,cientí icoe intelectual, comasquais se correspondeuatéo imdavida.Alista inclui os portugueses Camilo Castelo Branco, Almeida Garrett eAlexandre Herculano, os franceses Victor Hugo, Lamartine e Pasteur, oalemão Richard Wagner. Um exemplo da devoção e do respeito quededicava aos intelectuais e às ideias do séculoXIX foi seu encontro comVictorHugo,em1877,emParis.Aos75anos,autordealgumasdasobrasmais importantes da literatura universal, como o romance Os miseráveis,Victor Hugo era a maior celebridade da França na época. Havia seconvertido também em ativista político radical, senador da esquerdarepublicana, e detestava os regimes monárquicos. Ele e dom Pedro IIestavam, portanto, em lados opostos do espectro político. Aparentemente,nenhumdosdois terianada a ganhar comumencontroquepudesse serdivulgado publicamente. Para os monarquistas, soaria como umaconcessãodesnecessáriaaosideaisrepublicanos,queaessaalturajátinhaum número considerável de adeptos no Brasil. Para os republicanos,franceses e brasileiros, também soaria mal a reunião de um de seusmaiores expoentes mundiais com um velho monarca, que acusavam degastarotempoociosoemtertúliasintelectuaisnaEuropa.DomPedro ignorou todas asponderações e decidiu, por contaprópria,

procurar Victor Hugo, a quem admirava profundamente. Por intermédio

daembaixadabrasileira,mandouperguntar seoescritor concordariaemvisitá-lonohotelemqueestavahospedadoemParis.Arespostaveiosecae dura: “Victor Hugo não vai à casa de ninguém...”. Depois demais duastentativas e duas recusas, domPedro decidiu ir pessoalmente, e sozinho,aoapartamentodoescritor,situadonoquartoandardeumprédiodaruedeClichy,21,nocentrodacapital francesa.Semavisoprévio,bateuàsuaporta namanhã de 22 demaio. A surpresa desarmou o grande escritor,quenãosóconcordouemreceberoilustrevisitantecomosetornouamigoe admirador dele pelo resto da vida. O primeiro encontro durou váriashoras.Doisdiasmais tarde, foiavezdeVictorHugovisitá-lonohotel.Nodia 29, novamente o imperador foi à casa dele. Victor Hugomorreu oitoanosmaistarde,em1885.Orespeitoentreosdoiseratãograndeque,aosaberdamortededomPedro,em1891,a ilhadoescritorfezquestãodeprestar-lhehomenagensfúnebres.Navios a vapor, locomotivas, o telégrafo e o telefone encolheram o

mundo no séculoXIX em uma escala jamais imaginada. Até então os sereshumanos se moviam a pé, a cavalo, em carruagens, barcos a remo ounavios a vela. Essencialmente, eram os mesmos meios de transporteusadosnos10milanosanteriores,desdeoestabelecimentodaagriculturaeosurgimentodasprimeirascidadesnaregiãodaMesopotâmia.Cemanosmais tarde, tudo se transformara por completo. Em 1900, as pessoasviajavam de trem, navios a vapor, automóveis movidos a motor decombustão interna. Inaugurado nesse ano, ometrô subterrâneo de Paristransportaria 15 milhões de pessoas nos primeiros doze meses deoperações. Três anos depois, uma nova e revolucionária forma detransporteentrariaemcena,oavião,desenvolvidoquasesimultaneamentenosEstadosUnidospelosirmãosOrvilleeWilburWrightenaFrançapelobrasileiroAlbertoSantosDumont.Em1800,umaviagemoceânicaentreaInglaterraeaÍndia,contornando

ocabodaBoaEsperança,nosuldaÁfrica,demoravasetemeses.No inaldoséculo,graçasaosnaviosavapor inventadosem1807peloamericanoRobertFultoneàaberturadocanaldeSuez,nomarVermelho,em1869,essetempohaviasereduzidoparaapenasduassemanas.ÀsvésperasdaPrimeira Guerra Mundial, em 1914, a extensão de ferrovias nos quatroprincipais países envolvidos no con lito — Grã-Bretanha, França,Alemanha e Rússia — era de aproximadamente 200 mil quilômetros,equivalente à metade da distância entre a Terra e a Lua. Nessa mesmaépoca, o número de carros e caminhões trafegando pelas estradas docontinenteeuropeuerasuperiora2milhões.[152]

Nos meios de comunicação o impacto das novas tecnologias foi aindamaior do que nos transportes. No começo do século XIX, cartas e notíciasviajavam na mesma velocidade das pessoas, a pé ou transportadas emlombosdecavalos,carroçasenavios.UmacorrespondênciadespachadadeLisboa demorava doismeses para chegar aoRio de Janeiro. Impressorasmecânicas a vapor, o telégrafo e o telefonemudaram tudo.A informação,queantesviajavaporterraoupormar,agoraeratransmitidademaneirainstantânea na forma de sinais elétricos por cabos metálicos. Em 1880,apenas 43 anos após a invenção do telégrafo pelos ingleses WilliamFothergill Cooke e CharlesWheatstone, o planeta já era coberto por umarededecabossubmarinosde156milquilômetros,conectandolugarestãodistantes quanto Inglaterra, Canadá, Índia, Brasil, África e Austrália. Nocomeçodoséculo,opapelrepresentavaumterçodocustototaldeumlivroouexemplardejornal.Cemanosmaistarde,graçasaprocessosindustriaismais e icientes, essa proporção havia caído para apenas um décimo dovalorinicial.Ogastomenorcommatéria-primacontribuiuparaoaumentonacirculaçãodejornaiselivros.Onúmerodeleitoresseampliou.Na Inglaterra, uma em cada vinte pessoas lia jornais dominicais em

1850.Meioséculomaistarde,em1900,onúmeroeradeumaemtrês.Em1814,ojornalTimes,deLondres,começouaserpublicadoemimpressorasmovidasavapor.Em1850,JuliusReutercriouaprimeiraagêncianoticiosadomundo, capaz de suprir jornais de diferentes países com informaçõesatualizadasdiariamente.Em1870,osprópriosjornalistasjáeramcapazesde transmitir suas reportagenspor telégrafo, criandoumanovacategoriade pro issionais, os chamados repórteres correspondentes ou enviadosespeciais, que trabalhavam longe das redações, muitas vezesacompanhando o desenrolar de uma guerra diretamente nas frentes debatalha.Nosanosseguintespassariamaincorporartambémotelefoneeafotogra iaàsuarotinadetrabalho.Oimpactopolíticodousodainformaçãoe do conhecimento foi imediato. Novos leitores, mais bem informados,passaram a pressionar os governos a tomar decisões com a mesmaagilidade. “Opinião se fabrica com tinta e papel”, constatou o escritorfrancêsHonorédeBalzac.[153]O séculoXIX viu nascer ou lorescer uma longa lista de ideologias

caracterizadas pelo su ixo “ismo”, como liberalismo e capitalismo,socialismo e comunismo, nacionalismo e imperialismo. Cada uma delaspropunha um novo modelo de sociedade e caminhos diferentes paraatingi-lo. Liberais e capitalistas defendiam liberdade de mercado e deiniciativa, interferência mínima do Estado na economia e na vida das

pessoas, a acumulação de capital como forma de gerar novosempreendimentos, mais empregos, maior produção de bens e serviços.Socialistas defendiam o oposto: maior envolvimento do Estado naorganização de todas as atividades, na redistribuição de oportunidadesentre os mais e os menos favorecidos, redes de proteção para os maispobres. Comunistas eram mais radicais. A irmavam que a História secaracterizava por uma irreconciliável luta de classes entre nobres eplebeus, ricos e pobres, capitalistas e trabalhadores. Caberia aostrabalhadores industriais, os chamados proletários, liderar a revoluçãocontra o monopólio do capital e dos meios de produção e assumir ocontrole do Estado, que, no futuro, distribuiria as oportunidadesigualmentedeacordocomaspotencialidadesdecadaindivíduo.O nacionalismo e o patriotismo exaltavam o sentimento nacional e,

muitas vezes, a superioridade de umanação sobre outra.Outro “ismo”, oimperialismo,serviudedesculpaparaqueospaíseseuropeusrepartissementre si vastas porções do planeta, em especial a África, em forma decolônias oumercados dependentes do seu poder econômico emilitar. Asferramentasdosnovosimpérioscoloniaiseramasmetralhadoras,osfuzis,ostrensdecargaeosbarcosencouraçados.Avançosnosaneamentoenamedicina também deram contribuição decisiva na ocupação de novosterritórios.Comadescobertadaquinina,substânciausadaparapreveniretratar a malária, as potências europeias conseguiram pela primeira vezadentrarosriosafricanosefatiarocontinenteentresi.Oimpériobritânicoestendeuseusdomíniosportodooplaneta,apontodeseorgulhardeque,sob sua bandeira, o sol jamais se punha. Até as vésperas da PrimeiraGuerraMundial, cerca de 444milhões de seres humanos, um quarto dapopulação do planeta, eram súditos diretos ou indiretos da rainhaVitória.[154]AsgrandesideologiasdoséculoXIXtinhamemcomumanoçãodequeera

possível reformar as sociedades e o Estado para acelerar o progressohumano rumo a uma era de maior prosperidade e felicidade geral.Acreditava-seque a ciência e a tecnologia seriam capazesde conduzir osseres humanos a um novo patamar de desenvolvimento, conforto eautorrealização. Dizia-se que uma era de obscurantismo, ignorância esuperstiçãoficaraparatrás,sepultadapelousodarazãocomoinstrumentoinfalível para explicar não só os fenômenos da natureza, mas também ofuncionamentodasociedade.“Deusestámorto”,concluíao ilósofoalemãoFriedrich Nietzsche no seu clássicoAssim falou Zaratustra . O francêsAuguste Comte sustentava que a observação dos fenômenos sociais, em

especial pela lente da História, e o cuidadoso planejamento das açõeslevaria necessariamente a um futuromelhor. O século XX—marcado porduasgrandesguerrasmundiais,ousodabombaatômicaemHiroshimaeNagasaki e uma sequência inacreditável de genocídios — acabaria pordesmentir boa parte dessas crenças. No inal do século XIX, porém, elaspareciam seguir um curso predeterminado e irrevogável. Novasdescobertasnaáreadeciênciasnaturaispareciamconfirmá-las.Em 1859, Charles Darwin publicou um livro revolucionário de título

longo:Sobre a origem das espécies por meio da seleção natural ou apreservaçãodas raças favorecidasnadisputapelavida .No estudo, baseadoem viagens por diversos continentes e pesquisas de laboratório, Darwinargumentava que todas as espécies de vida existentes noplaneta tinhamevoluído de formas anteriores, por meio de um processo de seleçãonatural, incluindo os próprios seres humanos, que, segundo o naturalistainglês,teriamevoluídoapartirdeumancestralcomumcomosmacacos.Olivroproduziuumaondadechoqueporquecolocavaemxequeumdogmareligioso importante. Segundo aBíblia, Deus teria criado o Universo, aTerrae todosos seresvivosemseisdias, incluindoohomemeamulher.Sendo produto da sabedoria divina, essas formas de vida teriam de sernecessariamenteperfeitaseimutáveis.Darwin,elepróprioumprotestanteàs voltas com crises de consciência pelas suas descobertas, sustentava ocontrário: todososseresvivosestariamempermanentemutação,sujeitosa um processo errático de seleção natural que dependeria mais de umprocessodetentativas,erroseacertosdoquedeumdesígniopreviamentedeterminado. Nem sempre o melhor e o mais forte sobreviveriam.Dependendo do ambiente e da circunstância, uma forma de vidasupostamente inferior poderia triunfar sobre outra, mais forte eaparentementemaisevoluída.O impactoda teoriadeDarwinnão icou restrito ao campodabiologia.

Na iloso ia,napolíticaenaeconomiapensadorescomoHerbertSpencereKarlMarxacreditavamqueaspremissasdaevoluçãopelaseleçãonaturaleram aplicáveis também às ciências sociais e econômicas. Seria possívelqueassociedadesevoluíssemdamesmaformaqueosseresvivos,porummecanismo interno de seleção natural? Isso parecia fazer todo o sentidonuma época em que, graças às revoluções industriais, cientí icas etecnológicas,associedadesestavamemrápidoprocessodetransformação.Durante o século XIX, a população do continente europeu saltou de 205milhões em 1800 para 414 milhões, sem contar outros 38 milhões queemigraram para outras partes do mundo, entre elas Brasil e Estados

Unidos.CidadescomoLondres,Paris,SãoPetersburgoeBerlimdobraramouatétriplicaramdetamanhoemapenascinquentaanos.Maior concentração urbana signi icava maior transformação política.

Pessoas que antes viviam isoladas no campo, a quilômetros de distânciaumasdasoutras,agorafrequentavamosmesmosambientes,participavamde festas públicas, encontravam-se em missas e cultos dominicais.Operáriosempregadosem linhasdeprodução industrialagorapodiamsereunir no inal do expediente para discutir e reagir ao que julgavaminjustiçadoschefesepatrões,edecidiratéparalisarafábricaparaforçá-loa voltar atrás. O resultado foi a eclosão do movimento operário e dossindicatos, com poder político até então nunca visto. A urbanizaçãoaceleradatambémcriouoquealgunsobservadoreschamavamde“massasanônimas e perigosas”, matéria-prima para rebeliões repentinas eanárquicasquepareciamfugiraqualquertipodecontroledasinstituições.FoiocasodaComunadeParis,amaiorrevoluçãopopulardoséculo,entreosdias18demarçoe28demaiode1871,naqual,emnúmeroestimado,20 mil pessoas foram executadas de forma sumária nos subúrbios dacapitalfrancesa.Em 1866, ao contemplar o panorama devastador das transformações

ocorridas na história da humanidade ao longo das décadas anteriores, oescritor russo FiódorDostoiévski resumiu suas conclusões na história docriminosoRodionRaskólnikov,protagonistade seu romancemais famoso,Crimeecastigo.No iníciodo livro,Raskólnikov,umex-estudantepobredacidadedeSãoPetersburgo,matadeformainescrupulosaumavelhaagiota,proprietária de uma casa de penhores, por duas razões. A primeira éroubar o dinheiro dela e usá-lo para realizar boas obras, comocontrapartida para o crime pavoroso que cometera. A segunda, testar ahipótesedequealgumaspessoasseriamnaturalmentecapazesdepraticaressetipodeatrocidadesemsofrergrandesdilemasdeconsciência.Trata-se,portanto,deumpersonagemsímbolodeumséculoemque, graçasaosuposto avanço das ciências e das ideias políticas, os seres humanosjulgavam-senoplenocontroledeseusatos,inclusiveparamatar.Na parte inal do romance, já preso e condenado pela justiça,

Raskólnikovtemumsonho,noqualelesevêcomopartedeummundoquesofre“umflageloterrívelesemprecedentes”:

“Aldeias, cidades, povos inteiros eram atacados por aquela moléstia eperdiama razão. (...) Ninguém se entendia sobre o bem e sobre omal,nem sabia quem se havia de condenar e quem se havia de absolver.Matavam-se uns aos outros, movidos por uma cólera absurda. (...)

Abandonaramoso íciosmaiscorriqueiros,porquecadaumpropunhaasuaideia,assuasreformasenuncahaviaacordo.Aagriculturatambémfoi abandonada. Aqui e acolá homens reuniam-se em grupos,combinavamumaaçãoemcomum,juravamnãoseseparar—masuminstante depois começavam a fazer outra coisa inteiramente diferentedaquela que acabaram de acordar, punham-se a acusar-se uns aosoutros, a bater-se, a apunhalar-se. Houve incêndios e fome. Homens ecoisas pereciam.O lagelo estendia-se cada vezmais.Nomundo inteirosó podiam salvar-se alguns homens, predestinados a refazer o gênerohumano, a renovar a terra, mas ninguém via esses homens em partealguma,ninguémouviaassuaspalavras”.[155]

Di icilmentepoderiahavermelhordescriçãodoturbulentoséculoXIX.FoinesseclimademudançaerupturaquesedeuaProclamaçãodaRepúblicanoBrasil.

7.OSREPUBLICANOS

UMADEMORADAERUIDOSASALVAdepalmasacolheuoadvogadoAntôniodaSilvaJardimno plenário da CâmaraMunicipal de Campinas, interior de São Paulo, nanoitede26de fevereirode1888.OoradoracabaradechegardeSantos,ondemorava,etraziaumamensagemradicalparaaplateiaalireunida:aexecução sumária de membros da família imperial brasileira queeventualmenteresistissemàtrocadaMonarquiapeloregimerepublicano.Na opinião de Silva Jardim, os republicanos deveriam aproveitar o anoseguinte,primeirocentenáriodaRevoluçãoFrancesa,parainstalaronovoregime.À família imperial seriamdadasduasopções.Aprimeira, o exílio,na Europa de preferência. A segunda, em caso de resistência, morte empraçapúblicaemnomedosinteressesnacionais.Lembravaque,em1789,osrevolucionáriosparisienseshaviamexecutadonaguilhotinaoreiLuís XVIe a rainha Maria Antonieta, entre outros nobres franceses. A atitude,segundo ele, deveria guiar os brasileiros nas di íceis decisões a seremtomadasnosmesesseguintes.—Execução?Sim,execução!—a irmouSilvanaquelanoite,oolhar ixo

naplateia.—Matar,sim,setantoforpreciso;matar![156]O in lamado discurso de Silva Jardim era parte da propaganda

republicana, que àquela altura empolgava os brasileiros mais beminformadosemoradoresdosgrandescentrosurbanos.Em1889,haviaemtodo o Brasil 237 clubes republicanos, 204 dos quais concentrados nasprovíncias do Sul e do Sudeste. Um total de 74 jornais pregavaabertamente a queda do Império e funcionava livremente nas diversasregiões.[157]Algunstinhamnomescuriosos,comoOMequetrefe,doRiodeJaneiro.Outrostítulosindicavamasuatendênciarevolucionária,casode OCombate, O Atirador Franco eA Revolução. Os mais importantes, cujosartigoscausavamgranderepercussãonacorte,erama GazetadeNotícias,dirigidaporFerreiradeAraújo,o DiáriodeNotícias,quetinhaRuiBarbosacomo colaborador, e O País, de Quintino Bocaiúva. Nos pasquins epublicaçõessatíricas,oimperadorPedroIIerachamadode“PedroBanana”ou “Pedro Caju”. A pena demolidora do baianoRui Barbosa se referia aosoberano como “ iguradecadentedevelho coroado” e àMonarquia como“coisasenil,gangrenosa,contagiosa,queapodrecianoBrasil”.Antônio da Silva Jardim era omais radical de todos os propagandistas

republicanos.NascidoemumalocalidadedoestadodoRiodeJaneiro,ViladeCapivari,e formadopelaEscoladeDireitodeSãoPaulo,eracasadonacidadede Santos comuma sobrinha-netade JoséBonifáciodeAndradeeSilva,oPatriarcadaIndependência.Nosmesesqueantecederamaquedada Monarquia, percorreu diversas regiões do Brasil fazendo discursosincendiários.Numa incursão aMinasGerais, visitou 27 cidades em trintadias, viajando a cavalo, em carro de boi ou mesmo a pé. “A revoluçãobrasileira deve estalar pujante e vitoriosa no ano de 1889; não além!”,anunciava, para delírio dasmultidões que se reuniampara ouvi-lo. “Paranós,comoparatodaahumanidade,esteanosoleneédebomagouroparaaliberdade.”[158]Muitas vezes Silva Jardim enfrentava ambientes hostis. Na cidade

luminensedeParaíbadoSul,redutodosbarõesdocafénaregiãodoValedoParaíba,falousobumachuvadepedrasdisparadasdaruaporadeptosdo regime monárquico. Alguns dos convidados saíram feridos. Em outraocasião,noRiode Janeiro, tevede interromperodiscursoao ser atacadopela Guarda Negra, a milícia organizada pelo abolicionista José doPatrocínio e composta de escravos libertos simpatizantes da princesaIsabel,herdeiradotrono.Nem todos os republicanos eram tão radicais quanto Silva Jardim.

Alguns, mais moderados, como o jornalista Quintino Bocaiúva, preferiamaté esperar a morte do idoso imperador Pedro II para, só então, fazer atroca de regime. Outros, como o professor e tenente-coronel BenjaminConstant,achavamquearevoluçãoteriadeaconteceromaisrapidamentepossível,porém,nessecaso,afamíliaimperialdeveriasertratadacomtodoo respeito e consideração. Alguns, como o paulista Campos Salles,acreditavam que seria possível chegar à República pelas urnas,convencendo os eleitores paulatinamente de que o novo regime era amelhor opção ao estágio de desenvolvimento do país e também a maisadequada aos novos ventos libertários que sopravam da Europa e dosEstados Unidos. Outros discordavam frontalmente dessa alternativa poracreditarqueocorrompidosistemaeleitoraldoImpério jamaispermitiriao acesso dos republicanos ao poder em eleições regulares. A solução,portanto,deveriaserrevolucionária.Eraocasodogaúcho JúlioPratesdeCastilhos,doparaenseLauroNinaSodréeSilvaedopróprioSilvaJardim,todosfamosospelosseusdiscursoseartigosincendiários.Apesar das divergências circunstanciais quanto ao meio de chegar ao

novo regime, a campanha republicana ecoava um sonho alimentado pormuitosbrasileiros emdiversosperíodosdahistórianacional.Até então, o

Brasiltinhasidogovernadosempresoboregimemonárquico,noqualtodopoderemanavadosoberanoeemseunomeeraexercido.Foram322anosde administração da coroa portuguesa durante o período colonial — doDescobrimento,em1500,atéa Independência, em1822—mais67anosdo Primeiro e do Segundo Reinados, sob a liderança dos imperadoresPedro I ePedro II.Osrepublicanosdefendiamumamudançaradicalnessesistema. A palavra “república” vemdo latim ResPublica, expressão usadaparadesignaracoisapública,ouseja,osbenscoletivosouosrecursosdoEstado. Sob o regime republicano, o poder seria exercido porrepresentantes eleitospelopovo comvistas a servir ao interesse comum,ouseja,àcoisapública.Emnomedesseconceito,nasegundametadedoséculoXIXopaístinhajá

uma história republicana signi icativa, embora trágica. Nelacontabilizavam-sealgunsmártiresquehoje iguramnopanteãodosheróisnacionais, caso do mineiro Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes,enforcadonaConjuraçãoMineirade1789,edopernambucanoJoaquimdoAmorDivinoRabelo, o frei Caneca, fuzilado na Confederação do Equadorde 1824. Ambos morreram defendendo o sonho de fazer do Brasil umaRepúblicasemelhanteaosseusvizinhosdocontinenteamericano.Além da Conjuração Mineira e da Confederação do Equador, o ideal

republicanoestiveraportrásdeepisódioscomoaGuerradosMascates,de1710, em Pernambuco; a Revolta dos Alfaiates (também chamada deConjuração Baiana), de 1798; a Revolução Pernambucana, de 1817; aSabinada, de 1837, na Bahia; a Revolução Farroupilha, de 1835, no RioGrande do Sul; e a Revolução Praieira, de 1848, novamente emPernambuco. Na Independência, era esse o projeto de Brasil defendidopelas correntes mais radicais da maçonaria, que incluíam o advogadoJoaquim Gonçalves Ledo, o brigadeiro Domingos Alves Branco MunizBarreto, o médico Cipriano J. Barata de Almeida e o cônego Januário daCunha Barbosa. “Pedro I semII”, defendia nessa época o jornalista JoãoSoares Lisboa, redator do jornalCorreio do Rio de Janeiro , dando aentenderqueaMonarquiaseriaapenasumasoluçãotransitóriaduranteoperíodode rompimentodosvínculos comPortugal.Depois,opaísdeveriacaminharrapidamenteparaaRepública.Umdos primeiros jornais republicanos de que se temnotícia noBrasil

foioSentineladoSerro,publicadoemMinasGeraisentre1830e1832,sobadireçãodeTeó iloOttoni, advogado e político liberal. “Somosde opiniãoquesedevelentamenterepublicanizaraConstituiçãodoBrasil”,propunhao jornal mineiro mais de meio século antes da Proclamação da

República.[159] Em 1869, um jovem estudante chamado Julio Cesar daFonsecaFilhotevedeseesconderdapolíciadepoisdepublicarnacidadedeAracati,nolitoralcearense,aprimeiraeúnicaediçãodojornal BarretePhrygio, referência ao chapéu usado como símbolo dos revolucionáriosfranceses. Impresso empapel vermelhopara demarcar aindamais a suaposiçãopolítica, o jornaldizia-se “monitorda revoluçãoedaRepública” etraziamensagensque,maistarde,soariamproféticas:FaçamosaRepública!Foraorei!Cuidado com o Exército: onde ele predomina, a liberdade é uma

mentira.[160]Reprimidas pelas autoridades quando ameaçavam a integridade

nacional(casodasrevoltasregionais)ousimplesmentetoleradas(casodosataquesaoimperadornaimprensa),essasiniciativaseramemgeralvistascomo movimentos isolados, que não chegavam de fato a ameaçar asinstituiçõesdaMonarquia.Ocenáriocomeçariaamudarnãopropriamentepor forçado ideáriorepublicano,masdevidoaumarachaduranoedi ícioimperial. Em julho de 1868, o imperador Pedro II insistiu em nomear umministério dominado pelos conservadores, desprezando a opinião damaioria liberalnaCâmaradosDeputados.Erauma formadeprestigiaroduque de Caxias, líder do Partido Conservador no Rio Grande do Sul eàquela altura personagem fundamental na condução da Guerra doParaguai,mas representavaumamudançadrásticano ritualdepoderdoSegundo Reinado, no qual o ministério re letia sempre a composição daCâmara.Sentindo-sedesprestigiados,os liberaisdivulgaramummanifestoem que acusavam o soberano de promover um “golpe de estado”. Doisanos mais tarde, alguns deles deixariam o Partido Liberal para aderir àcausa republicana, que, a partir daí, ganharia um vigor até então nuncavisto.Odia3denovembrode1870éconsideradopeloshistoriadorescomoo

marco do início da jornada política que levaria à queda do Império duasdécadas depois. Nessa data foi criado noRio de Janeiro o primeiro cluberepublicanodoBrasil.Dele faziamparte os jornalistasQuintinoBocaiúva,Francisco Rangel Pestana, Aristides da Silveira Lobo, Miguel VieiraFerreiraeAntônioFerreiraViana,osadvogadosHenriqueLimpodeAbreue Salvador de Mendonça, o médico José Lopes da Silva Trovão e oengenheiro Cristiano Benedito Ottoni. Eram quase todos dissidentes doPartidoLiberal,aindamagoadoscomaatitudetomadapordomPedroIIem1868. Na reunião inaugural do clube, foram tomadas três decisões: a

redaçãodeummanifestoànação,acriaçãodeumpartidorepublicanoeolançamentodeumjornalqueexpressariaasideiasdogrupo.[161]Redigido por uma comissão che iada pelo advogado Joaquim Saldanha

Marinho, ex-deputado liberal por Pernambuco, ex-governador dasprovíncias de São Paulo e Minas Gerais e grão-mestre da maçonaria, oManifesto Republicano foi publicado em 3 de dezembro de 1870 noprimeironúmerodeARepública, jornaldequatropáginascomtiragemde2mil exemplares e três edições por semana. Em resumo, o texto tentavaprovarqueamonarquiajánãorepresentavaosanseiosdanação,criticavao “poder pessoal” do imperador Pedro II e terminava com uma fraseemblemática:SomosdaAméricaequeremosseramericanos.Entre os 58 signatários do Manifesto Republicano contavam-se doze

advogados, oito jornalistas, nove médicos, quatro engenheiros, trêsfuncionários públicos, dois professores, nove comerciantes e umfazendeiro.[162]Arepercussãofoitímida.OprópriodomPedroII,aosaberda notícia, não lhe deu importância. “Ora, se os brasileiros não mequiseremparaseuimperador,ireiserprofessor”,teriaditoaomarquêsdeSão Vicente, presidente do Conselho de Ministros, que o aconselhara adefender a Monarquia e a reagir contra os responsáveis pelapublicação.[163]Apesar da pequena repercussão inicial, oManifesto de 1870 lançou as

sementes para que iniciativas semelhantes brotassem em outras regiões.Nosdoisanosseguintes,foramlançados21jornaisrepublicanosemtodoopaís. Da lista faziam parte oArgos, no Amazonas;O Futuro, no Pará;OAmigo do Povo, no Piauí;A República Federativa, O Seis de Março, OAmericanoeOManifesto,emPernambuco;OHorizonte,naBahia;OCorreioPaulistano,AGazetadeCampinas,OSorocabanoeOComérciodeSantos ,emSãoPaulo;eOAntonino,noParaná.NoRioGrandedoSul,oprimeirojornalrepublicanofoiADemocracia,lançadoemfevereirode1872porFranciscoCunha. O mais importante, no entanto, foiA Federação, inaugurado emjaneiro de 1884, sob a direção de Venâncio Aires e, depois, de Júlio deCastilhos, dois dos personagens mais importantes da história daProclamaçãodaRepública.Em Minas Gerais,O Jequitinhonha, publicado na cidade de Diamantina

por Joaquim Felício dos Santos, declarou sua adesão à ideia republicanaem 1º de janeiro de 1871. “Os amigos que compõem a redação deOJequitinhonha resolvem aderir explicitamente ao programa do ClubeRepublicano recentemente criado no Rio de Janeiro como noticiamos”,

anunciavao jornalnessaedição,dizendo-se tambémórgãoo icialdonovoPartido Republicano mineiro.O Jequitinhonha foi à falência quatro anosmais tarde, mas logo surgiram outras publicações com o mesmo ideário,casodeOColombo,dacidadedeCampanha,eOMovimento,deOuroPreto.Coube a Itu, no interior de São Paulo, ser o berço do mais bem

organizadomovimentorepublicanobrasileiro.Nessacidadeaconteceu,em1873, a Convenção de Itu, marco da fundação do Partido RepublicanoPaulista(PRP),cujaatuaçãoseriadecisivanaquedadoImpério,em1889,eprincipalmente na consolidação do novo regime nos anos seguintes. Aconvenção foi realizada na casa do fazendeiro Carlos de Vasconcelos deAlmeida Prado, onde hoje funciona o Museu Republicano, instituiçãomantida pela Universidade de São Paulo. Tinha o objetivo de “autorizarumaeleiçãoderepresentantesparaumfuturocongressorepublicanocomsedenacapital”,ouseja,nacidadedeSãoPaulo.Presidida pelo fazendeiro João Tibiriçá Piratininga e secretariada por

Américo Brasiliense de Almeida e Mello, ex-deputado paulista e ex-presidentedasprovínciasdaParaíbaedoRiodeJaneiro,reuniaa ina lorda agricultura cafeeira na região. Estiveram presentes delegados dedezesseismunicípiospaulistaseumacomissãodoRiodeJaneiro.Dos133convencionais, 78 se declaravam agricultores. Entre os demais 55participantes, havia de tudo um pouco, incluindo dez advogados, oitomédicos, cinco jornalistas, farmacêuticos, dentistas e alguns comerciantesdeescravos.[164]UmadaspresençasdemaiordestaquefoiadeCamposSalles, representante de Pirassununga e futuro presidente da República.Outrofuturopresidente,PrudenteJosédeMoraiseBarros,teveseunomeincluído entre os participantes mais tarde, embora não comparecesse àreuniãonemfosseaindarepublicanonessaépoca.[165]HáumaironianahistóriadaConvençãodeItu:omaisimportanteevento

da propaganda republicana em São Paulo teve de pegar carona em umacomemoraçãodaMonarquiaparaalcançararepercussãodesejada.Adataescolhidaparaoencontro,18deabrilde1873,foiplanejadaparacoincidircom a inauguração da Estrada de Ferro Ituana, construída com capitaisprivados edestinadaa conectar a regiãode Itu aos trilhosdaEstradadeFerroSantos-Jundiaí.Asolenidadedeaberturadanova ferrovia,ocorridano dia anterior, atraiu as atenções da imprensa e do mundo o icial.Tratava-se de um evento do governo imperial, mas era tudo de que osrepublicanosprecisavam.Aoanoitecerdodia17,todososconvidadosparaa inauguração se dirigiram ao largo da Matriz, onde republicanosmisturadosaos simpatizantesdaMonarquiaouvirambandasdemúsicae

assistiram à queima de fogos promovida pelas autoridades do Impérioparacelebraronovoramalferroviário.Nodiaseguinte,osrepublicanossereuniriamnosolardosAlmeidaPrado,bemao ladoda igrejaMatriz,paradiscutirasbasesdomovimentoquelutariapelamudançadoregime.[166]Àsvésperasdeserreativadocomoatraçãoturística,depoisdemuitosanosde abandono, um trecho dessa antiga estrada de ferro, com setequilômetros de extensão entre Itu e a vizinha cidade de Salto, é hojechamado de “Trem Republicano”, emmais uma prova de que a história,quasesempre,écontadaereescritapelaóticadosvencedores.Itu foi escolhida para sediar a convenção de 1873 não apenas pela

coincidência da data relacionada à inauguração do ramal ferroviário.Situada a cerca de cem quilômetros de São Paulo, entre Campinas,PiracicabaeSorocaba,essacidadere letia,no inaldoséculo,asprofundasmudanças ocorridas na economia cafeeira nos anos anteriores. Como seviu nos capítulos anteriores, na segunda metade do século o café era aprincipal riqueza brasileira. O eixo da produção, no entanto, havia sedeslocadorapidamentedoValedoParaíbaparaas terras férteisdanovafronteira agrícola do oeste paulista, a região dominada pelos fazendeirosrepublicanos.Haviammudadotambémastécnicasdecultivoeasrelaçõesde trabalho nas lavouras. “O fazendeiro dessa área distinguia-se peloespírito progressista”, observou a historiadora Emília Viotti da Costa.“Procurava aperfeiçoar os métodos de bene iciamento do café, tentavasubstituiroescravopelo imigrante,subscreviacapitaisparaampliaçãodarede ferroviária e para a criação de organismos de crédito. Era umpioneiro,ativoeempreendedor.”[167]O contraste entre a moderna lavoura cafeeira do oeste paulista e as

decadentespropriedadesescravagistasdoValedoParaíbaeramarcante.Nos anos derradeiros do Império, cerca de setecentas dessas antigasfazendas,comumtotalde35milescravos,estavamhipotecadasaoBancodo Brasil nas províncias de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais eEspírito Santo por falta de pagamento das dívidas. Seus donos estavamquebrados.[168] O cultivo do café no Vale do Paraíba pautava-se emtécnicas rudimentares. A produtividade era baixíssima. A abundância deterra e mão de obra escrava desobrigava os barões a realizarinvestimentosparamelhorarastécnicasdeprodução.Em todo o Vale do Paraíba, os cafeeiros eram plantados nas encostas,

sem nenhum cuidado para deter a erosão do solo. Depois de quinze adezoito anos, toda a camada fértil tinha sido lavada pelas chuvas ecarregada para o fundo dos vales e dos rios. Para trás icava a terra

desmatada e improdutiva pontilhada de cupinzeiros que se veem aindahoje na região. Em vez de usar adubo para tentar recuperá-las, osfazendeiros simplesmentederrubavamasmatas vizinhas e abriamnovaslavouras,que,depoisdeumaouduasdécadas, tinhamde ser igualmenteabandonadas.Eramas “lavourasnômades”,nade iniçãodo francêsLouisCouty, professor de ciências agrícolas que visitou a região alguns anosantes da Proclamação da República. “Em geral cultivamos hoje a terracomo há um ou dois séculos, e o regime de trabalho escravo é a únicaexplicação plausível para esse retardamento da principal de nossasindústrias em acompanhar o movimento das ideias”, diagnosticava oRelatório do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas de1882.[169]SituaçãobemdiferenteeraadasnovasfazendasdeCampinas,RioClaro,

Itu, Piracicaba, Pirassununga e outras cidades do oeste paulista. Emboraainda usassem mão de obra cativa, os cafeicultores dessa região forampioneiros na substituição dos escravos pelo trabalho assalariado deimigrantes europeus — caso de Nicolau Pereira de Campos Vergueiro,donodafazendaIbicaba,emLimeira, jávistoemcapítuloanterior.Outrasmudanças ocorreram no bene iciamento do café, etapa executada após acolheitaeasecagemdosgrãos.Máquinasmodernas,comodespolpadores,ventiladoreseseparadores,realizavamsozinhasatarefaque,antes,exigiaotrabalhodeaténoventaescravos.Tambémaumentaramaprodutividademédiadasfazendaseelevaramaqualidade inaldoproduto,quepassouaterpreçosmelhoresdoqueodeseusconcorrentesdoValedoParaíba.Oscustosdiminuíram.[170]A prosperidade resultante desse surto de desenvolvimento

impressionava a todos. Ao passar por Campinas em 1859, o jornalista eescritor Augusto Emílio Zaluar icou admirado ao observar que a cidadetinha três fábricasde licores,duasdecerveja,umadevelasdecera,umadechapéus,trêshotéis,diversasalfaiatarias,sapateiros,umjornal,quatroigrejas e um teatro— “melhor do que o da capital” e que “faz honra aobomgostoeariquezadapopulação”,segundoanotou.Alémdemudaro cenáriodedecadência até então reinantenoValedo

Paraíba, a nova fronteira agrícola injetou novas ideias e reivindicaçõespolíticasnaelitecafeeiradoBrasil.A formacomoos fazendeirosdooestepaulistaviamoBrasileseu futuroerabemdiferentedaqueladosbarõesdoValedoParaíba.Paraeles,aMonarquiajánãoseencaixavanomodelodepaísquealmejavam.AsoluçãotinhadevirdaRepública.“OValeeraumbaluarte de reacionários, apoiados na tradição, enquanto os fazendeiros

paulistas tinham uma consciência empreendedora”, explicaram oshistoriadores Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves e HumbertoFernandesMachado.[171]Em1874, alguns dos fazendeiros participantes da Convençãode Itu se

reuniramnovamenteemCampinascomoobjetivodeangariarfundosparaa criação do órgão o icial do novo Partido Republicano Paulista. No anoseguinte era lançadoA Província de S. Paulo, jornal que, mais tarderebatizadocomonomedeOEstadodeS.Paulo,marcariaprofundamente,até hoje, a história da imprensa brasileira. Seu “plano de ação”, redigidopor Américo Brasiliense e datado de 2 de outubro de 1874, defendia a“descentralização completa” do Estado brasileiro, liberdade de ensino eaprendizagem obrigatória, separação entre Igreja e Estado, casamento eregistro civil de nascimentos e mortes, secularização dos cemitérios,Senado temporário e eletivo, “eleição direta sobre bases democráticas” e,como meta particularmente desejada pelos paulistas, “presidentes deprovíncias eleitos por estas”. [172] Embora o novo jornal evitasse, pelomenos no início, declarar-se confessamente favorável à queda daMonarquia, seus dezessete proprietários eram todos conhecidos chefesrepublicanos, incluindo os dois diretores e sócios principais, FranciscoRangelPestanaeAméricoBrasíliodeCampos.NosanosqueseseguiramàdivulgaçãodoseuprimeiromanifestonoRio

de Janeiro e àConvençãode Itu, os republicanosbrasileiros enfrentaramumdilema que se revelaria insuperável. Era a escassez de votos. ApesardareaçãodeentusiasmodopúbliconasconferênciasdeSilvaJardimedosartigos in lamadosna imprensa, a campanha republicananão encontravaeco nas urnas. Por mais animados que fossem os comícios e por maisbarulhenta que fosse a campanha, com raras exceções seus candidatossimplesmente não conseguiam reunir votos su icientes para se eleger. Écomoseoeleitoradobrasileirofossesurdoàsideiasepromessasdonovoregime.Obviamente,partedessafrustraçãosedeviaaosvíciosdosistemaeleitoral do Império, totalmente controladopelos chefões dapolítica local,habituados amandar prender os adversários e a fraudar as urnas paragarantir a eleição de seus protegidos. Mas isso era apenas parte doproblema.Mesmo nas cidades maiores, como Rio de Janeiro e São Paulo,

supostamente menos vulneráveis à manipulação dos coronéis daMonarquia, os resultados eleitorais dos republicanos haviam sido,sistematicamente, medíocres ao longo de duas décadas. Nas eleições deagostode1889,ouseja, trêsmesesantesdaProclamaçãodaRepública,a

somadosvotosrepublicanosemtodoopaísnãochegoua15%dototal.SóMinas Gerais conseguiu eleger dois representantes do partido à CâmaradosDeputados—MartinianodasChagaseGabrieldeAlmeidaMagalhães.Nasoutrasprovíncias,alistadosderrotadosincluía igurõescomoCamposSalles,PrudentedeMorais, JúliodeMesquita,FranciscoGlicério,AristidesLobo e Lopes Trovão.No Paraná, VicenteMachado da Silva Leme obteveminguados trinta votos. No Sergipe, o desempenho de Sílvio Romero foiainda pior, apenas seis votos—o dele próprio e demais cinco amigos efamiliares. No Maranhão, os republicanos simplesmente deixaram dedisputaraseleiçõesporfaltadecandidatos.[173]Alémdefracoseleitoralmente,osrepublicanosestavamdivididos.Havia

entreelesrivalidadesprofundase irreconciliáveis.Noprimeirocongressonacional do Partido Republicano, realizado em junho de 1887 no Rio deJaneiro, compareceram delegados de apenas nove províncias mais acapital,Riode Janeiro.No segundo, emoutubrodoano seguinte, tambémna sede da corte, estavam representadas apenas seis províncias. Só emmaiode1889,quasevinteanosapósapublicaçãodoManifestode1870eseis meses antes do Quinze de Novembro, conseguiram eleger seuprimeiropresidentenacional, o jornalistaQuintinoBocaiúva.Aindaassim,com a deserção de Silva Jardim e seus aliados, que julgavam Bocaiúvaexcessivamentemoderadoetolerantecomapolíticaimperial.Asmaiores divergências relacionavam-se à fórmula de república a ser

implantadanoBrasil e ao caminhopara chegar a ela.Os cafeicultores dooestepaulistaepartedosjornalistas,professores,advogadoseintelectuaisdo Rio de Janeiro autores do Manifesto Republicano de 1870 sonhavamcom uma democracia liberal e federalista, semelhante à dos EstadosUnidos, com sufrágio universal e liberdade de expressão, queresguardasse,porém,osdireitosdepropriedadeeolivre-comércio.Naalamais radical dos civis, representada por Silva Jardim e Lopes Trovão,estavam os chamados jacobinos, admiradores da Revolução Francesa edefensores da instalação da Repúblicamediante insurreição popular nasruaseatéaexecuçãoda família imperial.Umterceirogrupoera formadopelos positivistas, seguidores da doutrina do ilósofo francês AugusteComte e que pregavam a instalação de uma ditadura republicana. Eramcomandados no Rio de Janeiro por Miguel Lemos e Raimundo TeixeiraMendes, e no Rio Grande do Sul pelo advogado Júlio de Castilhos. Essacorrente tinha grande in luência no meio militar, onde se destacava oprofessor e tenente-coronel Benjamin Constant, líder da chamada“mocidademilitar”,comoseverácommaisdetalhesnopróximocapítulo.

Outro focodedivergênciasestava relacionadoàescravidão,omaiordetodos os problemas brasileiros na época. No Manifesto de 1870 e nodocumento aprovado na Convenção de Itu, os republicanos passaram aolargodo tema.Aaboliçãodaescravatura,diziamos fazendeirospaulistas,deveria ser tratada “mais ou menos lentamente” pelas províncias, deacordocomaspossibilidadesdesubstituiçãodoescravopelamãodeobralivre e levando em conta sempre o “respeito aos direitos adquiridos”. AresoluçãodeItufoiaprovadacontraoúnicovotodoadvogadoabolicionistaLuísGonzagaPintodaGama,queprotestoucontra“asconcessões feitasàopressão e ao crime”. Por causa dessas diferenças, Gama se afastou doPartidoRepublicanoPaulista.[174]O motivo da omissão era óbvio: muitos dos signatários, incluindo a

família do futuro presidente Campos Salles, eram senhores de escravos.Seria demais esperar quedefendessema abolição contra seus interessespessoais. Em uma população de 10.821 habitantes, o município de Itucontavanaépocacom4.425escravos.Ouseja,decadadezituanos,quatroeram cativos. Numa carta ao amigo e correligionário Bernardino deCampos, em 10 de julho de 1884, o advogado campineiro FranciscoGlicério de iniu bem a posição dos republicanos em relação ao assunto:“Nosso objetivo é fundar aRepública, e não libertar os escravos”.No seuentender, a escravidão era uma herança daMonarquia, portanto caberiaao Império resolver o problema e arcar com os imensos custos políticosque a decisão envolvia. Por isso, recomendava que os republicanosevitassem o desgaste distanciando-se do tema na sua propaganda. “Todareservaemnossaatitudenostraráimensosresultados”,aconselhava.[175]AsobrasdeAlbertoSales,umdos ideólogosdomovimentorepublicano

paulista, oferecem um resumo das ideias dos fazendeiros a respeito daescravidão.Sãoconceitosquehojesoariamracistasepreconceituosos,masque, na época, eramdiscutidos commuita naturalidadena imprensa, noslivros e em discursos no Parlamento. “O africano, além de ser muitodiferente do europeu, debaixo de muitos pontos de vista anatômicos eisiológicos, ainda se acha em um grau muito embrionário da evoluçãomental”, sustentava Alberto Sales. Segundo ele, a ausência de“desenvolvimento e de consistência” no cérebro dos escravos teriacontribuído para a degeneração racial brasileira. “A raça africana”,a irmava, “pela sua inferioridade moral e pela sua inaptidão social epolítica, sendo introduzida brusca e violentamente no seio de populaçãointeiramente distinta, certamente não podia contribuir para o seudesenvolvimento moral e intelectual, senão para o seu atraso.”

Acrescentavaque “SãoPaulo icouaindapormais tempo livredo lagelo”devido ao número relativamente menor de escravos e de miscigenaçãoracialemsuas lavouras,oque,porsuavez, teria feitodaregião“ocentrodeumnotáveldesenvolvimentomoraleintelectual”.[176]Até 1889, os diferentes grupos republicanos agiam de forma isolada,

com pouca articulação entre si, mas todos aderiram rapidamente namadrugadade15denovembroaogolpedomarechalDeodorodaFonseca,que, por sua vez, até então não se identi icava com nenhuma dessasfacções—e, segundo todas as evidências, nem republicano era. Emumareunião realizada em 21 de março de 1889 na fazenda da Reserva,propriedade de Júlio de Castilhos situada na região missioneira, osrepublicanos gaúchos traçavamumprogramaquenãodeixavadúvidas arespeitodospassosaseguiremdireçãoàRepública:

OImpériodeviaseratacadoantesda implantaçãodoTerceiroReinado,isto é, quando menos espera o ataque; o método preferível é voltarcontra o Império suas próprias armas, isto é, fazê-lo atacar peloExército,sobainfluênciaedireçãodoPartidoRepublicano.[177]

Otextoéumindicativodequeasomadasdi iculdadeseleitoraiscomasdivergênciasinternasjogouoscivisnocolodosmilitares.Semressonâncianas urnas, o Partido Republicano passou a enxergar no Exército uminstrumento para acelerar amudança de regime. Cabia-lhes fomentar aomáximoasdivergênciasentreosmilitareseasautoridadesimperiais.Nosmeses seguintes, o jornalA Federação, dirigido por Júlio de Castilhos,aproveitariatodasasoportunidadesparaexplorarosressentimentoseasissuras abertas entre o comandomilitar e o governo imperial. Em razãodisso, a troca de regime, em vez de percorrer um caminhomais suave einstitucional, como desejavam algumas das lideranças republicanas maismoderadas, veio por um golpe planejado às escondidas e executado nacaladadanoite.

8.AMOCIDADEMILITAR

AODESEMBARCARNORIODEJANEIRO,em1879,oestudantecearenseJoséBevilacqua icoudeslumbrado com a vida na corte. No primeiro passeio pelo centro dacidade encantou-se comos bondes puxados a burro, novidade que aindanão existia no Ceará. Transportavam milhares de pessoas e cortavam acidade em várias direções. As elegantes vitrines das lojas da rua doOuvidor faiscavamcomaúltimamodadeParis eLondres.Os cafés, ondese reuniam os políticos e intelectuais, estavam sempre lotados. Nas ruas,jornaleirosapregoavamemvozaltaasúltimasnotíciasquechegavampelotelégrafo. O tropel de animais de carga se confundia com o alarido dosvendedores ambulantes. Numa carta aos pais, contou ter achado tudo“muitobonitoeadmirável”.Porfim,sentenciou:

—ORiodeJaneiroéoBrasilearuadoOuvidoréoRiodeJaneiro!Com apenas dezesseis anos, Bevilacqua vinha de uma pequena cidade

do interior cearense, onde sua mãe era professora primária e seu pai,mestredeobras.Decidira semudarparaoRiode Janeiro comoobjetivode completar os estudos e ingressar em uma faculdade, privilégio aindamuitoraroentre jovensbrasileirosdesua idade.Naquelaépoca, ilhosdefamíliaspobres,comoele,sótinhamduasalternativasparafazerumcursosuperior: ser padre ou militar. Bevilacqua tentou as duas. Primeiro foiseminarista em Belém, no Pará. Ao perceber que não tinha vocaçãoreligiosa,sentoupraçanoExército,pré-requisitopara ingressarnaEscolaMilitar da Praia Vermelha, na capital do Império. Essa decisão também olançarianoolhodofuracãoresponsávelpelaProclamaçãodaRepública.ORiodeJaneiroeaEscolaMilitardaPraiaVermelhaeramoceleiroda

“mocidademilitar”,grupodeaspirantes,cadeteseoficiaisquepreparariaeexecutariaogolpecontraaMonarquiaem15denovembrode1889. [178]Bevilacqua estaria na tropa que nesse dia des ilou pelo centro da capitalemcomemoraçãoàquedadoImpério.Eramtodosjovenscomper ismuitosemelhantes, caso do capitão Serzedelo Corrêa, seu colega de academia.Nascido no Pará em 1858, órfão desde criança, Corrêa estudou noSeminário Menor de Santo Antônio, em Belém. Em 1874, também aosdezesseisanos,alistou-senoExércitoedessemodofoiadmitidonaEscolaMilitar.Amocidademilitarfoiofermentodeumboloaoqualsejuntariammais

tarde, jáàsvésperasdogolpe,osdemais ingredientesdaProclamaçãodaRepública, incluindo o iciaismilitaresmais veteranos, como osmarechaisDeodorodaFonsecaeFlorianoPeixoto,osfazendeirosdooestepaulistaetoda a galeria de jornalistas, advogados e intelectuais republicanos. Asrelações pro issionais e pessoais desse grupo eram tão estreitas que ocearense Bevilacqua viria a ser genro de Benjamin Constant Botelho deMagalhães, professor na escola da Praia Vermelha e mentor intelectualdesse grupo de jovens. Também colega de Bevilacqua, o luminenseEuclidesdaCunha,futurojornalista,escritoreautordoclássicoOssertões,casariacomafilhadomajorSólonRibeiro,igualmenteintegrantedogrupo.AlunodaEscolaMilitar,emjunhode1888EuclidesdaCunha,entãocom

22anos,de inia-secomo“umoperáriodofuturo”emartigoparaa Revistada Família Acadêmica. “Hoje”, escrevia ele, “que os nossos ideais são, defato, os verdadeiros e únicos materiais para a prodigiosa construção dacivilização pátria — nós, os operários do futuro, (...) devemos em breveatirar na ação toda a fortaleza de nossa vitalidade, todos os brilhos donosso espírito, todas as energias do nosso caráter (...).” Em outro artigoa irmouque“orepublicanobrasileirodeveser,sobretudo,eminentementerevolucionário”.[179]Na Escola Militar estudava-se muito. O currículo incluía álgebra,

geometria analítica, cálculo diferencial, ísica experimental, químicaorgânica, trigonometria esférica, ótica, astronomia, geodesia, desenhotopográ ico,tática,estratégiaehistóriamilitar,direitointernacional,noçõesde economia política e de arquitetura civil e militar. Era ali também queestudantespobres,vindosdasmaisdiferentesregiõesdoBrasil,entravamemcontatocomasideiasquenaquelemomentogerminavamrevoluçõesaoredor do mundo. Por isso, a escola era também chamada de “OTabernáculodaCiência”.Seusalunosseidentificavamcomo“oscientíficos”,homens contaminados pelo Século das Luzes, imbuídos da missão deentenderetransformaromundo.Nenhum pensador teve tanta in luência sobre o pensamento da

mocidademilitardoRiode Janeiroquantoo francêsAugusteComte.Com1,59metrodealtura, rostomarcadopelavaríolaeumacicatriznaorelhadireita,resultadodeumgolpedesabrequesofreraduranteumabriganaadolescência, Isidore Auguste Marie François Xavier Comte foi o pai do“positivismo”, conjunto de ideias ilosó icas e políticas que seduziuprofundamente toda uma geração de intelectuais brasileiros na segundametade do séculoXIX, em especial nomeiomilitar. Nascido em janeiro de1798,Comteapoiavaos ideaisdaRevoluçãoFrancesa,que incluíamo im

da Monarquia, a ampliação dos direitos individuais, a separação entreEstado e religião, mas assustava-se com o caráter sanguinário que arevolução tinha adquirido, especialmente durante o chamado Regime doTerror, emquemilharesdepessoas foramdecapitadasna guilhotinapordivergênciaspolíticas.Ao contrário dos Estados Unidos, um modelo relativamente estável de

República, no começo do séculoXIX o experimento francês parecia não terlimites.Apósarevolução,aMonarquiaeaRepública foramderrubadaserestauradas na França inúmeras vezes, sempre emmeio a novos banhosdesangue.ORegimedoTerrorhaviadadolugaràsguerrasnapoleônicas,nasquaisosfrancesestentaramimporpelaforçadasarmasasideiasquea revolução falhara em implantar nas assembleias populares. Após aderrotadeNapoleãoBonaparteemWaterloo,em1815,reisegovernantescivis se revezariam no poder pormais demeio século, até 1870, ano daconsolidação da República francesa. Cada fase vinha com novas receitaspara velhos problemas. As ideias de Comte, resultadode sua experiênciapessoal, procuravam dar certa ordem ao caos instalado no continenteeuropeunessaépoca.OpositivismodeComtebaseia-seemumsistema ilosó icochamado“Lei

dosTrêsEstados”.Porele,oserhumanopassariaportrêsetapasdistintasdeevolução.Aprimeiraseriaafaseteológica,naqualaspessoastentariamexplicar os mistérios da natureza pela crença na ação de espíritos eelementosmágicos.Seriaumestágiomarcadopelacon iançaabsolutanosfenômenossobrenaturais.Aimaginaçãoserevelariasempremaisfortedoquearazão.SociedadesaindapresasàfaseteológicatenderiamaaceitaraideiadequeaautoridadedosreiseopoderdoEstadoteriamumaorigemdivina, decorrentes de uma delegação sobrenatural e não de um pactolivre entre as pessoas.Amonarquia, portanto, seria o regimede governonatural de um estágio ingênuo e primitivo na evolução humana, maispróximodabarbáriedoquedaracionalidade.O segundo estado na evolução humana, segundo Comte, seria o

meta ísico. A imaginação daria lugar à argumentação abstrata. A ação dosobrenatural seria substituída pela força das ideias. Nesse patamarestariam, por exemplo, os ilósofos gregos, que passaram a usar a razãopara explicar os fenômenos naturais. Em decorrência dessamudança defoco, a organização e o governo das nações passariam a basear-se nasoberania popular, não mais em uma suposta origem divina. Este seria,porém, um estágio evolutivo apenas intermediário, no qual os sereshumanos ainda não teriam acesso ao instrumento mais fundamental na

aquisiçãodo conhecimento—ométodo cientí ico.A ciência sópassaria aorientar o entendimento e as ações humanas na fase seguinte, a terceirana escala de valores de Auguste Comte, que ele chamou de estado“científico”ou“positivo”.NopontodevistadeComte,eraparaesseterceiroestágioqueboaparte

dos seres humanos se encaminhava no século XIX — pelo menos nassociedadesqueelejulgavamaiseducadasedesenvolvidas,casodospaíseseuropeus.Noestado“positivo”,aciênciaassumiria, inalmente,opapeldeorientadora do conhecimento e da evolução dos povos. Pela cuidadosaobservação cientí ica dos fenômenos seria possível, em primeiro lugar,tirar conclusões seguras a respeito do universo e também docomportamentohumano.Opassoseguinteseriaodaaçãotransformadorano ambiente social. O correto entendimento das leis naturais e sociaistornaria possível não só explicar o presente, mas também prever eorganizarofuturo.Como se vê, o sistema de Comte resultava da aplicação pura e simples

dosprincípiosdasciênciasexatasnasciênciashumanas.Damesmaformacomo, na matemática, dois mais dois são quatro, na história tambémhaveriaelementosconcretosque,devidamenteanalisadoseinterpretados,poderiam levar a conclusões lógicas e desdobramentos previsíveis. Essanoção estaria na base da moderna sociologia, ciência da qual Comte éconsiderado o fundador. Dela resultou também a expressão “Ordem eProgresso”, quehoje igurano centrodabandeiranacional brasileira.Noentendimento de Comte, se existe umaordem estática nas sociedades,possívelde ser compreendidapelaobservaçãocientí ica,haveria tambémuma dinâmica social, responsável pelas leis do seu desenvolvimento, ouseja, oprogresso. Uma vez entendida aordem da sociedade seria possívelreformarassuasinstituiçõesdemaneiraaaceleraroseuprogresso.Nopensamentodo ilósofofrancêsestava,igualmente,agênesedeoutro

conceitoquemoveuaspaixõesdos “cientí icos”daEscolaMilitardaPraiaVermelha—odaditadurarepublicana.Atarefadereformarasociedade,segundo a proposta de Comte, deveria ser levada a cabo por uma elitecientí ica e intelectual situada na vanguarda dos três estágios evolutivos.Orientado pela ciência, consciente de seu elevado papel na sociedadepositiva, esse grupo seria capazde estabelecer e executarplanos rumoaum futuro de paz e prosperidade gerais. A enormemassa da população,pobre, analfabeta e ignorante, teria de ser conduzida e controlada pelaeliterepublicana,poraindanãoestarprontaparaparticiparativamentedoprocessodetransformação.ARepública,portanto,deveriaser implantada

de cima para baixo, de maneira a prevenir insurreições e desordenspopularesquepudessemameaçaraboamarchadosacontecimentos.Auguste Comte levou tão a sério o seu sistema que, nos anos inais de

sua vida, havia plantado as sementes de uma nova religião baseada nosconceitos do positivismo. A “Religião da Humanidade” tinha templosdecorados com símbolos e instrumentos cientí icos nos quais os iéis sereuniam. No seu código doutrinário, a igura de um Deus cristão erasubstituídapelaprópriahumanidade.Nosnichosatéentãoocupadospelaenormegaleriadesantosdedevoçãocatólicaentravamosgrandesvultosdopensamentohumano.Dessemodo,em lugardesãoPaulo, sãoPedroesanto Antônio, os iéis eram orientados a cultuar Homero, Aristóteles,Dante, Gutenberg, Shakespeare, Descartes e outros grandes nomes dasciênciasedafilosofia.Enquanto desenvolvia os fundamentos da “Religião da Humanidade”,

Auguste Comte apaixonou-se por Clotilde de Vaux, dezessete anos maisnovadoqueele.Vinhamambosdeumprimeirocasamentofracassado.Eleade iniucomosua“arrebatadorapaixãocrepuscular”.Sobinspiraçãodela,Comte escreveu uma de suas derradeiras obras, o Sistema de iloso iapolítica,basedoutrináriadareligiãopositivista,emcujopanteãoaprópriaClotildefigurariacomosantaemusainspiradoradetodososdiscípulos.ApósamortedeClotilde,Comteproclamou-seoprimeiroSumoPontí ice

da nova religião, adotou o voto de castidade e recolheu-se em casa, ondepassouaconsumirumcopodeleitepelamanhãeumpedaçodecarnecomlegumesànoite,àsvezesacompanhadodepãoseco,em“solidariedadeaosque não dispunham sequer disso para saciar a fome”. Morreu em 1857,aos59anos.[180]NasegundametadedoséculoXIX,opositivismo jáestavaemdecadência

naEuropa,tantocomoreligiãoquantocomosistema ilosó ico.NoBrasil,noentanto, chegaria ao apogeu nessa época e seria o germe da grandetransformação ocorrida em 1889 — como demonstra o lema “Ordem eProgresso” inserido na bandeira nacional. “Para termos uma Repúblicaestável, feliz epróspera, énecessárioqueo governo sejaditatorial, enãoparlamentar”,defendeuemdiscursode14dedezembrode1889,ummêsapós a Proclamação da República, o ministro da Agricultura do novogoverno provisório, o gaúcho Demétrio Nunes Ribeiro, iel seguidor doideáriodeAugusteComte.[181]AprimeiraagremiaçãopositivistabrasileirafoicriadanoRiodeJaneiro

em abril de 1876 com o objetivo de “promover um curso cientí ico” econstruir uma biblioteca. Entre os sete fundadores estavam dois

professoresdaEscolaMilitardaPraiaVermelha, o entãomajorBenjaminConstant e o engenheiromilitar Roberto Trompowsky Leitão de Almeida.Cinco anos mais tarde, a agremiação entraria em crise. Dois de seusmembros,MiguelLemoseRaimundoTeixeiraMendes,ex-alunosdaEscolaPolitécnica, insistiram em transformá-la em igreja Positivista do Brasil,subordinada à orientação de Pierre Laf ite, sucessor espiritual de Comtena França. Benjamin Constant e outros sócios pediram o afastamentoalegando discordar dos desdobramentos religiosos das ideias do ilósofofrancês.Algumtempomaistarde,aotratardotemacomofuturoviscondede Taunay, Benjamin recomendou: “Não siga apertadamente o sistematodo(...);emnãopoucospontosdelemeaparto,nempraticoareligiãodahumanidade,masestudeoslivrosdomestre;disciplineassuasideias”.A partir daí a história do positivismo no Brasil icou dividida em duas

vertentes. A primeira, religiosa, tornou-se irrelevante. Em 1890, primeiroano da República, a “Igreja da Humanidade” contava com apenas 159adeptosemtodoopaís.[182]Comoideologiapolítica,noentanto,as ideiasdeComteteriamumimpactoenormeeduradouronahistóriarepublicana.Alguns estudiosos chegaram a estabelecer ligações entre elas e aRevolução de 1930, liderada pelo gaúcho Getúlio Vargas, ele próprio umex-adepto do positivismo. Da mesma forma, haveria no golpe militar de1964 um eco positivista tardio, tão profundamente arraigado nopensamento militar estaria a ideia de um grupo iluminado capaz deconduzirdeformaditatorialosrumosdaperigosamenteinstávelRepúblicabrasileira.Em 1878, os alunos da Escola Militar da Praia Vermelha criaram um

clubesecretorepublicano,quefuncionavaemumapequenacasanobairrode Botafogo. Outro clube, também secreto, foi fundado em 1885, sob odisfarcedeassociaçãobene icente.Seussóciosrecebiamregularmenteosexemplares deAFederação, jornal republicanodirigido noRioGrandedoSul pelo positivista Júlio de Castilhos. Esse grupo se caracterizava pelarejeição às práticas religiosas tradicionais, vistas como retrógradas epróprias da primeira fase de evolução humana descrita por AugusteComte.Os jovens “cientí icos” da Escola Militar se declaravam ateus ou

agnósticos.Paraeles,odesa iodareformadasinstituiçõesincluíamudaraprópria religião católica, tida como uma das razões do atraso brasileiro.“Temos pelo catolicismo, e pelas entidades que o representam, o mesmoreligioso respeito que temo arqueólogo pelos restos da civilização antigaescavados sob os montões de ruínas”, escreveu o tenente Lauro Sodré,

estudante da Escola Militar entre 1876 e 1884, que na República setornaria o primeiro governador do Pará. “A Bíblia do futuro é o livro daciência.”[183]Em1886, Lauro Sodré fundou emBelémo primeiro clube republicano

do Pará, cujo objetivo seria “a eliminação da realeza, que, para nós,representaacausadonossoatraso”.A linguagemdomanifestodivulgadopor Sodré era incendiária, pregando abertamente a revolução populararmadacontraaMonarquia:

Cremos irmemente que há de vir de baixo a revolução destinada aquebrar as armas da tirania, consagrando os instrumentos dademocracia. Nós reconhecemos aos povos o direito à insurreição. Hámomentosemqueosempecilhos levantadospeloobscurantismocontrao avanço da engrenagem social têm de ser removidos pela força dasmultidões. (...) É sobre as ruínas e os destroços do passado que selevantará o futuro. Progredir é continuar, mas a construção tem porpreliminarindispensávelademolição.[184]

A propagação dessas ideias em um país católico e conservador geravadesconforto e preocupações. Exemplo disso é um episódio engraçadoenvolvendo o cearense José Bevilacqua e sua família. Em abril de 1886,quandoelejáeraummembroativodasreuniõesesociedadessecretasdamocidademilitar,suamãe icouassustadaaosaberqueo ilho iriamoraremuma“república”deestudante.NointeriordoCeará,ondeelamorava,asimples menção da palavra “república” era considerada perigosa. Porcarta, o ilho procurou tranquilizá-la explicando tratar-se de um mal-entendido:

Não tem razão para sentir calafrios ante a palavra República; emprimeiro lugar porque ela simboliza a forma de governo em que osdireitos dos cidadãos são melhor de inidos, porquanto não admitindoprivilégiosdefamíliasoudeclasses,asleisigualamtodososcidadãoseaúnica distinção é aquela que é oriunda do mérito e das virtudesindividuais (...); demais ali tratava-se de uma casa de estudantes, quecostuma-sedesignarporessenome.[185]

Emresumo,a“república”quetantoassustavaamãedeBevilacquanãopassavadeumalojamentoestudantil—denominaçãoaindahojeutilizadaem cidades de concentração universitária, caso de Ouro Preto, emMinasGerais.Maserajustamenteemlocaiscomoessequegerminava,em1889,a semente da derrubada do Império. E não por acaso se chamavamrepúblicas.

9.ACHAMANOSQUARTÉIS

COMEÇOU PELO PIAUÍ O RASTILHO do incêndio que atearia fogo aos quartéis e botariaabaixo o edi ício imperial brasileiro. Foi a chamadaQuestãoMilitar, sériede con litos envolvendo o Exército e o governo imperial entre agosto de1886 emaio de 1887 e cujos desdobramentos levaria ao golpe contra aMonarquiadoisanosemeiomais tarde.Elaabriria fendasprofundasnasrelaçõeshierárquicas,criandoumambientedeinsubordinaçãonoqualoschefesmilitarespassaramasepronunciarabertamentecontraocomandocivil do Império. A situação chegou a tal ponto que, às vésperas daProclamação da República, a Monarquia não tinha mais autoridade paraimpordisciplinaaosquartéis,deixandoasForçasArmadasumainstituiçãoàderivaeàmercêdamarérevolucionáriaqueassediavaotrono.Em fevereiro de 1886, durante viagem de inspeção ao Piauí, o coronel

Ernesto Augusto da Cunha Matos apontou diversas irregularidadesadministrativascometidaspelocapitãoPedroJosédeLima,comandantedaCompanhia de Infantaria e ligado ao Partido Conservador. As denúnciascitavam casos de desvio do dinheiro que deveria ser usado naremuneraçãodossoldadoseroubodefardamentoematerialpertencentesao Exército. Em julho, o deputado piauiense Simplício Coelho de Resendetomou as dores do acusado, seu amigo e correligionário. Em discurso naCâmara,tentoudesquali icaraimagemdeCunhaMatosa irmandoque,naGuerra do Paraguai, havia traído seus colegas de farda ao dirigir aartilhariainimigacontraastropasbrasileiras.Ocoronelreagiuaodiscursopublicando violentos artigos contra o deputado nos jornais cariocas. Ogovernoavaliousuaatitudecomoumaquebradoregulamentoqueproibiaaos militares usar a imprensa na discussão de assuntos políticos oucorporativos. Por essa razão, o ministro da Guerra, deputado AlfredoRodriguesFernandesChaves,mandouprendê-lopordoisdias.[186]Apartirdaí,aQuestãoMilitarganhariacontornoscadavezmaisgraves.

A punição de CunhaMatos, considerada injusta por outros o iciais, gerounovos pronunciamentos e trocas de acusações entremilitares e civis, emumareaçãoemcadeiacujavelocidadepegariadesurpresaasautoridadesgovernamentais. No início de agosto, o assunto chegou ao Senado, quereunia asmais importantes personalidades políticas do Império. SenadordoPartidoLiberalpeloRioGrandedoSul,ogeneral JoséAntônioCorreia

daCâmara,viscondedePelotas, saiuemdefesadeCunhaMatos.A irmouqueapuniçãodecretadapeloministrodaGuerraeraumaofensaa todosos o iciais do Exército. CunhaMatos, em sua opinião, fora “ferido em suahonramilitar, no que tem o soldado demais respeitável”. Portanto, tinhatodoodireitodesedefenderpelaimprensa.O visconde de Pelotas era das iguras mais importantes do Exército

brasileiro.Ficara conhecidopor comandarodestacamentoque, em1870,surpreendeu e matou o ditador paraguaio Francisco Solano López emCerroCorá,pondofimàGuerradoParaguai.Poressarazão,foraagraciadopeloimperadorPedro IIcomotítulodevisconde,quejápertenceraaoavô,estancieironoRioGrandedoSul.Suaentradaemcenadava,portanto,umpesomaioraosincidentes.Tambémcontribuiuparareabrirantigasferidasainda mal cicatrizadas no relacionamento entre o governo e as ForçasArmadas.Em aparte ao discurso de Pelotas, o senador Felipe Franco de Sá, ex-

ministrodaGuerra,lembrououtroepisódiodeindisciplinanosquartéisnoqualestiveraenvolvidoem1884.Emabrildaqueleano,aEscoladeTirodeCampo Grande, Rio de Janeiro, comandada pelo tenente-coronel SenaMadureira, recebeu com festa a visita de uma estrela do movimentoabolicionista brasileiro, o jangadeiro cearense Francisco José doNascimento,o“DragãodoMar”,comoficaraconhecidodepoisdepromoverumboicoteaoembarquedeescravosnoportodeFortaleza.Ahomenagemfoi considerada um ato de indisciplina pelo governo, uma vez que, atéaquelemomento,oImpériobrasileiroaindaera,o icialmente,escravocrata.Porlei,cabiaaoExércitobrasileiroauxiliaratarefados“capitãesdomato”,encarregadosderecapturarescravosfugitivos.InterpeladoporFrancodeSá,entãoministrodaGuerra,SenaMadureiraserecusouadarexplicaçõessobre a iniciativa de seus comandados. Acabou demitido do posto erepreendido formalmenteemordemdodia.Agorasenador,oex-ministrosó lamentava não ter sido aindamais rigoroso na punição, considerandoquenaocasiãoSenaMadureiratambémusaraosjornaisparaatacá-lo.Ao saber dos comentários do senador Franco de Sá, Sena Madureira,

que a essa altura comandava a Escola de Artilharia de Rio Pardo, no RioGrandedoSul,decidiuusarnovamentea imprensaparasedefender.Emartigo publicado no jornal republicanoA Federação, de Júlio de Castilhos,afirmou:

Nós, velhos soldados, nem sempre tomamos a sério os generaisimprovisadosqueperpassamrápida e obscuramentepelasaltas regiõesdopoder.

Noestágioseguinte,aQuestãoMilitarpassariaaenvolverasmaisaltasautoridadesdoImpérioeninguémmenosdoqueofuturoproclamadordaRepública,omarechalDeodorodaFonseca,entãocomandantedeArmasepresidente em exercício da Província do Rio Grande do Sul. Nessacondição, Deodoro era o superior hierárquico de SenaMadureira e teriade responderpela sua atitude.Nodia 2 de setembro, o ajudante generaldo Exército, Manuel Antonio da Fonseca Costa, visconde da Gávea,interpelouomarechal.Queriasaberseocoronelhaviapedidoautorizaçãoparasepronunciarnaspáginasdojornalgaúcho.Portelegrama,Deodororespondeuquenão,mas em seguida despachoupor correio umo ício noqual defendia a atitude do subordinado. Fazendo coro aos argumentosusadospeloviscondedePelotasnoSenado,lembravaqueSenaMadureiraforaagredidopublicamenteporFrancodeSá.Tinha,portanto,odireitodetambém se pronunciar domesmomodo. Além disso, argumentava que alegislação proibia a discussão pública apenas entre militares. Como umadas partes era um senador, ou seja, uma autoridade civil, o regulamentomilitarnãodeveriaseraplicadonessecaso.Umatodeprecipitaçãodogoverno jogoumais lenhana fogueira.Antes

que o o ício de Deodoro chegasse ao Rio de Janeiro, o ministro AlfredoChavespuniuSenaMadureiracomrepreensão,medidaquedesagradouaomarechalemexeunosbriosdaoficialidadegaúcha.Nodia30desetembro,o iciaisdaguarniçãodoRioGrandedoSulpediramaDeodoroautorizaçãoparaumareuniãodestinadaaprestarsolidariedadeaocoronelpunido.Omarechalconcordou.Nareunião,comaparticipaçãodosalunosdaEscolaMilitar de Porto Alegre, os o iciais decidiram delegar a Sena Madureirapoderes para advogar “os interesses da classe militar”. No dia seguinte,tambémosalunosdaEscolaMilitardaPraiaVermelha,noRiode Janeiro,reuniram-separasolidarizar-secomoscolegasgaúchos.OspromotoresdareuniãoforampresosporordemdoministrodaGuerra.Nessa sequência de eventos, um episódio até então restrito às

rivalidades da política piauiense rapidamente ganhou repercussão edimensõesnacionais.Jánãosetratavamaisdeumarixaentredoiso iciaisdemédioescalãonahierarquiadasForçasArmadas.AgoraeraoExércitointeiroquesediziaofendidoemaltratadopelogoverno.Tratava-sedeuma“questão de honra da classe militar”, segundo enfatizavam ospronunciamentos. Os republicanos civis, por sua vez, enxergaram naQuestãoMilitaraoportunidadequeesperavamparaatacaroImpério.Emartigosobotítulo“Arbítrioeinépcia”,publicadonodia23desetembronoseujornal,AFederação, JúliodeCastilhosa irmouqueaMonarquiaestava

ofendendo a honra do Exército, instituição que, no seu entender, era umsímbolodahonranacional.AoatacaroExército,portanto,ogovernoferiaaprópria dignidade nacional. Em outro artigo, no dia 30, dizia tratar-se de“uma questão de honra militar, de dignidade do Exército, e afetadiretamenteosmaisrespeitáveisinteressesmoraisdanossaPátria”.Como se viu em capítulo anterior, nos anos inais da Monarquia os

militares sentiam-se frustrados,mal recompensados,desprestigiadospelogoverno. Reclamavam dos soldos, congelados havia muitos anos, daredução dos efetivos das ForçasArmadas depois daGuerra do Paraguai,dademoranaspromoções,da faltademodernizaçãodosequipamentoseregulamentos.Essaseoutrasreivindicaçõesapareciamcomfrequênciaemartigos dos jornaisO Soldado eTribuna Militar e daRevista MilitarBrasileira. O ambiente de expectativas frustradas favorecia o clima deindisciplina e revolta. Segundo um relatório apresentado no Senado pelovisconde de Pelotas, em 1884 tinham ocorrido 7.526 prisões porindisciplinanoExército,númeromuitoelevadoparaumefetivode13.500homens.—Não temos Exército; (...) e a sua disciplina é péssima, queixava-se o

senador gaúcho. — Mais de metade do efetivo do Exército esteve naprisão! E não foram apenas praças de pré ( soldados rasos). Desses, 54eramoficiais.[187]Umcasogravedeindisciplinaocorreraemoutubrode1883,depoisque

o jornalOCorsário,doRiodeJaneiro,criticouomauusodorecrutamentomilitar para ins políticos e atacou o comportamento de o iciais do 1ºRegimento de Cavalaria da Corte. Em resposta, um grupo de o iciais esoldadosdoregimento invadiuasededo jornaledestruiua tipogra ianaqual era impresso.Ameaçadodemorte, o editorApulcrodeCastropediuproteçãoàpolícia.Foiinútil.Ojornalistaacaboumortoafacadasetirosnovestíbulo do próprio quartel-general da polícia. Um inquérito, logoarquivado, apontou onze o iciais como responsáveis pelo assassinato.Nenhum foi punido. Entre os acusados estava o capitão Antônio MoreiraCésar,que,anosmais tarde, icaria famosoporcomandar fuzilamentosderebeldes em Santa Catarina e perderia a vida no comando de umaexpedição derrotada de forma humilhante pelos jagunços de AntônioConselheironaGuerradeCanudos,naBahia.Nosmesesdeoutubroenovembrode1886, a crisedaQuestãoMilitar

chegava aos escalõesmais altos do governo e da hierarquiamilitar, comtrocas de mensagens entre o presidente do Conselho de Ministros, JoãoMaurícioWanderley, barão de Cotegipe, e o marechal Deodoro. Em uma

carta, Cotegipe alertava Deodoro para o perigo de um “Exércitodeliberante”, que, futuramente, poderia voltar-se contra a liberdade civilda nação. O marechal respondeu que os fatos ocorridos até entãohumilhavamosmilitaresefaziaalusõesaumsupostoplanodogovernodeextinguir ou reduzir o Exército, cujas funções passariam para a GuardaNacional. “Se a sorte determinar o rebaixamento da classe militar”,escreviaDeodoro, “nodiaemqueeudescon iarqueà frentedesoldadosnão passarei de um comandante superior da Guarda Nacional (...) esimples vulto político, quebrarei minha espada e, envergonhado, ireiprocurar, como meio de vida e a exemplo de muitos, uma cadeira dedeputado,paratambémpoderinsultaraquemquerqueseja”.Irritado com essa carta, cujo tom julgava inaceitável, Cotegipe decidiu

exonerar Deodoro das funções que exercia no Rio Grande do Sul etransferi-lo para o Rio de Janeiro, onde icaria à espera de uma novamissão,aindanãode inida.Emsolidariedadeaomarechal,SenaMadureiratambém pediu exoneração do comando da Escola de Artilharia de RioPardo. No dia 8 de janeiro de 1887, ambos foram homenageados peloscolegasdefardaemPortoAlegre.Nodia10,embarcaramnomesmonavio,ovaporRioParaná,emdireçãoaoRiodeJaneiro.AcriseiniciadanoPiauíeatéentãorelativamentecontidanoSulagorasedeslocavaparao coraçãodacorteimperial.AochegaraoRiodeJaneiro,nodia26,DeodoroeSenaMadureiraforam

recebidos como heróis pela mocidade militar. Sabendo que homenagensestavam sendo preparadas a eles em várias unidades do Exército, ogoverno tentou tomar precauções. Por ordem do barão de Cotegipe, ocomandante da Escola Militar da Praia Vermelha, general SeverianoMartins da Fonseca, irmão de Deodoro, mandou fechar os portões dainstituição. Era uma tentativa de impedir manifestações a favor dos doisrebeldes que chegavam do Sul. Foi inútil. Os estudantes ignoraram aproibição, pularam omuro e, fardados, foram ao encontro de Deodoro eSena Madureira. O aluno catarinense Lauro Müller falou em nome doscolegas.Constrangido,Severianopediudemissãodoposto.Nodia2defevereiro,DeodoroeSenaMadureiracompareceramauma

nova reunião noTeatroRecreioDramático escoltados pelo entãomajor eprofessor Benjamin Constant. Estavam presentes cerca de duzentosmilitares, dos quais 180 eram alunos da Escola da Praia Vermelha.Tratava-se,portanto,demaisumamanifestaçãoda“mocidademilitar”.Pelaproposta apresentada na reunião, os militares presentes não seconsiderariam satisfeitos até que o governo cancelasse as notas de

advertência que tinham sido dadas a Cunha Matos e Sena Madureira.Animado com as manifestações de solidariedade, o marechal fez umdiscurso alertandoque “a disciplinamilitar exige o brio e a dignidadedafardadosoldado”.Acrescentouque,“sembrioesemdignidade,osoldadonãocumpriráodeverquelheéimposto:odeverdesangue!”.Aoterminar,foiovacionadodepépelamocidademilitar.Nessa reunião,Deodoro também foi escolhidopara levarpessoalmente

ao imperadorPedro IIopedidodecancelamentodaspunições.Cumpriuatarefa à risca, sem levar em conta que, no episódio, a hierarquia militarhavia sido posta de cabeça para baixo; desta vez, eram alunos de umaescolamilitarquediziamaummarechaloquefazer,enãovice-versa.Nodia 5, Deodoro apresentou-se no Palácio de São Cristóvão com o peitocobertopelascondecoraçõesquehaviaconquistadonaGuerradoParaguaieentregouumacartaao imperadornaqual criticavaaspuniçõesepediaque ele resolvesse a questão em favor dos militares ofendidos. “Adisciplinamilitarnãopermiteaosoldadoreceberafrontasevilipêndios;adisciplinaquernosoldado—eissonomaisaltograu—brio,dignidadeehonra”, insistia o documento, repetindo quase asmesmas palavras que omarechalusaranodiscursoperanteosestudantes.[188]AlarmadocomaatitudedeDeodoro,nomesmodiaoministrodaGuerra,

Alfredo Chaves, sugeriu a reforma do marechal. O imperador preferiucontemporizar e recusou a proposta. O ministro pediu demissão. Osubstituto, Joaquim Del ino Ribeiro da Luz, anunciou que as puniçõespoderiam ser canceladas desde que os atingidos pedissem. SenaMadureira e Cunha Matos, no entanto, se negaram terminantemente apedir o cancelamento. Exigiam que o governo tomasse a iniciativa porcontaprópria.ReceberamoapoiodeDeodoro,masforamcensuradosporBenjamin Constant, ciente do perigo representado pela resistência da alamaisradicaldiantedogestoconciliatóriodogoverno.—Os senhores são uns turbulentos que querem fazer a República—

alertouomajor-professor.—Devemrequererotrancamentodasnotas.—Cortem-me amão,mas não requeiro— teria respondido de pronto

Madureira.[189]Em14demaiode1887,DeodoroeoviscondedePelotasassinaramum

manifesto “ao Parlamento e à Nação” no qual criticavam o governo “quenos ludibria, arrancando-nos a dignidade de cidadãos armados, para nãonos deixar mais que a subserviência dos janízaros”. A expressão“janízaros” referia-se ao exército de escravos dos sultões do ImpérioOtomano. O impasse só foi resolvido no dia 20 de maio, data em que o

Senadoaprovouumamoçãonaqual “convidava”o governoa cancelar asnotas de punição, o que aconteceu logo em seguida. A questão pareciaencerrada,masnapráticaerapúblicoqueogovernocapitularade formahumilhante perante um grupo de o iciais e estudantes rebeldes. Estavaquebrada a cadeia de comando que durante todo o Segundo Reinadosubordinaraosmilitaresaopodercivile izeradoBrasilumpaísdiferentedetodososdemaisvizinhoslatino-americanos,permanentementeàsvoltascomquarteladasegolpesdeEstado.O óbvio enfraquecimento do governo naQuestãoMilitar produziu uma

nova aliança dentro das Forças Armadas reunindo três grupos que, atéentão, agiam dispersos. O primeiro era a já conhecida mocidade militar,que tinha seu principal reduto na Escola Militar da Praia Vermelha. Osegundo, os o iciais republicanos situados na faixa intermediária dacarreira, caso do próprio Sena Madureira e de Benjamin Constant. Oterceiro e último grupo era o dos generais da velha guarda,Deodoro e ovisconde de Pelotas, veteranos da Guerra do Paraguai que, a rigor, nãocompartilhavamatéentãodoentusiasmopelaRepúblicademonstradopelamocidademilitarepeloso iciaismaisjovens,masforamempurradosparadentro da conspiração republicana devido aos ressentimentos contra ogovernoacumuladosatéentão.Sentindo-sevitoriosas,asliderançasdessestrêsgrupospassaramaagir

de forma articulada, em busca de pretexto para novos confrontos com ogoverno, a essa altura desgastado pelos episódios anteriores. Umaconsequência foi a fundação do Clube Militar, em 26 de junho de 1887,entidadeque,apartirdali, teriapapel importantenaarticulaçãodogolperepublicano.Oobjetivodoclubeera“uniraclasseparaadefesadenossosinteressescomunseprepararmo-nosparaalutaqueteremosdesustentarcontra as becas”, segundo a explicação de Sena Madureira, um de seusfundadores.A expressão “becas” era uma referência jocosa às autoridades civis,

oriundasemsuamaioriadasescolasdeDireito.Filhosde famílias ricaseprestigiadas, os “becas”, às vezes também chamados de “casacas”,dominavam os principais postos do governo e eram vistos como hostispelos militares de origem mais humilde. É interessante observar aconstante referência aos militares como uma “classe” situada à parte e,supostamente, acima dos interesses mundanos alimentados pelos civis.“Generalizara-se entre os militares a convicção de que só os homens defarda eram puros e patriotas, ao passo que os civis, os casacas, comodiziam, eram corruptos, venais e sem nenhum sentimento patriótico”,

observouahistoriadoraEmíliaViottidaCosta.[190]Cerca de 150 militares participaram da primeira sessão do clube, no

qual foramaprovadososestatutos.Entreoutrasdisposições,odocumentoa irmava que caberia ao clube “defender pela imprensa e junto aospoderes do Estado os direitos e legítimos interesses da classemilitar”. Omarechal Deodoro da Fonseca foi eleito presidente. Como vice, icou ocapitão demar e guerra Custódio José deMello, até então presidente doClube Naval. Benjamin Constant ocupou o cargo de tesoureiro. Uma dasprimeiras açõespolíticas concretasdo clube foi apoiar, nomesmoanodesua criação, a candidatura de Deodoro ao Senado pelo Rio de Janeiro. Omarechal icouemquartoeúltimo lugar, recebendoapenas7,6%dototalde votos, mas sua candidatura serviu para manter acesa a chama nosquartéis e aproximar os militares de outros movimentos, como osabolicionistas,quetambémseengajaramnasuacandidatura.Enquanto isso,osatosde indisciplinasucediam-sea todomomento.Um

caso de grande repercussão aconteceu no dia 3 de novembro de 1888,duranteavisitadoconselheiroTomásCoelho,ministrodaGuerra,àEscolaMilitar da Praia Vermelha. No dia anterior, um grupo de alunos, todosrepublicanos fervorosos, havia combinado um ato de protesto diante doministro.Peloplano,nomomentoemqueTomásCoelhopassassea tropaemrevista, emvezde apresentar armas, todosdariamvivas àRepública.Nahora“h”,porém,osestudantesnegaramfogo,assustadoscomaameaçadepuniçõesprevistasnoregulamentomilitar.AúnicaexceçãofoiocadeteEuclidesRodriguesdaCunha(ofuturoautordeOssertões).Noinstanteemque o ministro passou à sua frente, Euclides tentou quebrar a espadaarcandoalâminacomasduasmãos.Emseguida,jogouaarmaaochãodeformaostensiva.Comoresultado,foiexpulsodaEscolaMilitaretrancafiadodurante um mês na fortaleza de Santa Cruz. Foi solto no dia em que ocomandantedafortalezarecebeupelotelégrafoaseguintemensagem:EuclidesdaCunha,liberdade.Era uma ordem do imperador Pedro II. Livre da cadeia, Euclides

matriculou-senaEscolaPolitécnicaedelávoltouparaaEscolaMilitarapósaProclamaçãodaRepública,umanomaistarde.[191]

10.OMARECHAL

ATÉ AS VÉSPERAS DE 15 de novembro de 1889, Manoel Deodoro da Fonseca, ofundadordaRepública,nãoera republicano.Pelomenoséoque indicaacorrespondência que trocou um ano antes com o sobrinho Clodoaldo daFonseca,alunodaEscolaMilitardePortoAlegre. Integranteda“mocidademilitar” lideradaporBenjaminConstant, admiradordas ideiasdo francêsAugusteComteeardorosodefensordaRepública,Clodoaldoescreveuumacarta ao tio em meados de 1888 na qual expressava suas convicções.Recebeuemrespostaumareprimenda:

República no Brasil é coisa impossível, porque será uma verdadeiradesgraça—escreveuDeodoro.Osbrasileirosestãoeestarãomuitomaleducados para republicanos. O único sustentáculo do nosso Brasil é aMonarquia;semalcomela,piorsemela.

Emoutracarta,poucodepois,omarechalrecomendouaosobrinho:Nãotemetasemquestõesrepublicanas,porquantoRepúblicanoBrasiledesgraçacompletaéamesmacoisa;osbrasileirosnuncaseprepararãoparaisso,porquesemprelhesfaltarãoeducaçãoerespeito.[192]

Documentos como esses ajudam a explicar os momentos de indecisãodemonstrados por Deodoro no dia 15 de novembro. Nos momentoscruciais do golpe que liquidaria o Império, omarechal ainda relutava emassumir o papel que lhe caberia na história, contra a opinião de outraslideranças militares e civis que o pressionavam para proclamaro icialmente a República. “Deodoro ainda não tinha (...) a mais leveinclinação pelo regime que se pretendia fundar”, assegura seu biógrafoRaimundo Magalhães Júnior. [193] Aparentemente, só se converteu aoprojeto republicano forçado pelas circunstâncias e a contragosto, aoperceberqueamudançaderegimesetornarainevitável.Nascido na província de Alagoas em 5 de agosto de 1827, Deodoro da

Fonseca cresceu em uma família de militares. Seu pai, natural dePernambuco, chamava-se Manoel Mendes da Fonseca Galvão, mas,preocupadocomacacofoniageradapelaproximidadedassílabas ca ega,eliminara o Galvão do sobrenome. Mendes da Fonseca ingressara noExército em 1806, dois anos antes da chegada da corte de dom João aoBrasil,comopraçadeinfantaria.ApósaIndependência,em1822,ajudaraa suprir de armas e munições as tropas imperiais de dom Pedro I que

expulsaramosportuguesesdaBahia.Promovidoaalfereslogoemseguida,fora transferido do Recife para Alagoas, onde se casou com Rosa MariaPaulina,dezesseteanosmaisnovadoqueele.Ocasaltevedezfilhos—oitohomens e duas mulheres. Como era comum naquela época, Mendes daFonsecaacabou se envolvendonapolítica local.Eleitovereador, chegouaacumularasfunçõesdechefedepolíciaejuizdedireitointerinonaviladeAlagoas, a primeira capital da província, atual município de MarechalDeodoro.[194]Em1839,quandoDeodorotinhadozeanosdeidadeeseupaiocupavao

postodemajor,oshabitantesdaviladeAlagoas,ondemoravam,souberamda notícia de que a capital da província seria mudada para Maceió, 27quilômetros ao norte. Pelo plano já traçado, o primeiro órgão a sertransferido para a nova sede de governo seria a Tesouraria da Fazenda.Ferozopositordamudança,MendesdaFonsecareuniuseuscomandados,dirigiu-seaopalácioedepôsopresidentedaprovíncia,AgostinhodaSilvaNeves. Poruma ironiado calendário, a rebelião, logo sufocada, aconteceuno dia 15 de novembro, exatomeio século antes do golpe que o ilho domajor liderariaem1889contraaMonarquia.Sitiadoportropas imperiaisdespachadasdePernambucoedaBahia,MendesdaFonsecafugiuparaoSergipe,onde foipresoeenviadoparaasededacorte,noRiode Janeiro.SubmetidoaConselhodeGuerra,conseguiuserabsolvidoemmaiodoanoseguinte,masaousadialhecustoucaro.[195]Reformado no posto de tenente-coronel após a fracassada revolta,

Mendes da Fonseca terminou a vida endividado e perseguido peloscredores. Como não tinha dinheiro para sustentar a família, fez com quetodos os ilhos se alistassem no Exército. Em 1854, enviou um apelopatético ao imperador Pedro II suplicando por auxílio inanceiro que oajudasse a saldar as dívidas e permitir que os três ilhos mais jovenscompletassemosestudos:

Minhafamília,coitada,sempremantidapeloapertadorepuxo,jánãodejustaseconomias,masdedolorosasmisérias,nuncacomeumaisdoqueonecessárioparanãomorrerdefome,nuncatrajouluxo,aindanãoviuas paredes internas de um teatro, nunca foi mesmo a um baile dosmuitosconcorridosnestaCorte,ondevivemosháquinzeanos.[196]

AtéhojenãosesabeseasúplicadopatriarcadosFonsecafoiatendida.Manuel Mendes da Fonseca morreu em 24 de agosto de 1859, quandoDeodorotinha32anoseeracapitãodoExército.Asdi iculdadesdafamíliateriamdeixadoprofundasmarcasnapersonalidadedofuturoproclamadordaRepúblicabrasileira.SegundoseubiógrafoRaimundoMagalhãesJúnior,

o fracasso do golpe liderado pelo pai em 1839 teria também in luênciadecisivanoseucomportamentomeioséculomaistarde,quandopegouemarmascontraoImpério.Namanhãde15denovembrode1889,Deodoromuitoprovavelmente tinhavivasnamemória asdi iculdadesenfrentadaspelo pai naquele episódio e, portanto, sabia perfeitamente asconsequências de um novo eventual fracasso. Tudo isso, segundoMagalhães Júnior, teria contribuído para sua indecisão diante daperspectiva de derrubar o imperador Pedro II do trono e proclamar aRepública.[197]No Exército, Deodoro pertencia à categoria dos “tarimbeiros”, como

eram conhecidos os o iciais veteranos da Guerra do Paraguai e oriundosde famílias pobres. A expressão fazia referência à tarimba, estrado demadeirausadocomocamaimprovisadanosacampamentosdeguerra.Eraum símbolo das agruras que essesmilitares haviam enfrentado ao longoda carreira, vivendo em condições precárias nos alojamentos e quartéis,mudando com frequência de cidade, enquanto lutavam em defesa doImpério brasileiro. “Deodoro era um pobre homem, de alma franca ecavalheiresca”, de iniu o historiador Oliveira Vianna. “Pertencia bem aotipo das naturezas ardentes e francas, capazes de dedicações profundas,mastambémdeantipatiasirredutíveis.” [198]RaimundoMagalhãesJúnior,seubiógrafo,odescreveucomo“uma iguraimponenteebizarra,deolharvivo,agudo,penetrante,revelandodeterminaçãoemcadagestoeemcadaatitude”.[199]Alunodaturmade1843naEscolaMilitar,ondefezocursodeartilharia,

Deodoroteveumacarreiraapagadaedi ícilatéaGuerradoParaguai.Seubatismo de fogo aconteceu em 1849, durante a Revolução Praieira dePernambuco, onde combateu nas ileiras das tropas imperiais. Depoisdisso, seu currículo registra repetidos casos de indisciplina, sempre pordesacato ou problemas com os superiores imediatos. Em menos de doisanosfoipresocincovezes.Ocomportamentoexplosivoseriasuamarcaatéofimdavida.Promovidoacapitãoem1856etransferidoparaMatoGrosso,Deodoro

casou-seemCuiabá,quatroanosmaistarde,comMarianaCecíliadeSousaMeireles,órfãdeumcapitãodoExércitoeumanomaisvelhadoqueele.Ocasalnuncateve ilhos.Em1864,entãocom37anos,foidespachadoparaaGuerradoParaguai.Seriaagrandeexperiênciadesuavida—etambémadetodaasuafamília.DosseteirmãoshomensdeDeodoro,seispartirampara a guerra. Três deles morreram nos campos de batalha. Deodoropermaneceu seis anos foradoBrasil lutando contraosparaguaios.Nesse

período,foipromovidosucessivamenteamajor,tenente-coronelecoronel,sempre por atos de bravura. “Só tive um protetor: Solano López”, diriamaistardeemumaentrevistaaojornalDiáriodaManhã,emSantos,litoralpaulista. “Devo a ele, que provocou a Guerra do Paraguai, a minhacarreira.”[200] Ferido na batalha de Itororó, embarcou para o Brasil emmeadosde1870,quandooconflitojáchegavaaofim.Em1874,comopeitorepletodemedalhaseoutrosgalardões, foipromovidoabrigadeiro,postoequivalente ao de general na atual hierarquia do Exército. Com essapatente,serviuemdiversasregiõesdopaís.DepoisdaGuerradoParaguai,asegundagrandetransformaçãonavida

deDeodoroaconteceriaem1883,anoemquefoinomeadocomandantedearmasdaprovínciadoRioGrandedoSulecomeçouaseenvolvercadavezmaiscomapolítica local.Ali tambémcomeçaramsuasdivergênciascomoestancieiro e conselheiro do Império Gaspar Silveira Martins, a maisimportante iguradapolítica gaúchanaquele período.OhistoriadorHélioSilva a irma que a briga entre os dois tinha origem em “uma competiçãoemqueapareceumabelasenhoradaépoca”.SeriaabaronesadeTriunfo,viúva bonita e elegante, fazendeira e ilha do general gaúcho AndradeNeves.Nessadisputa,Deodoro levaraapior. SilveiraMartins,umhomemgalanteador, mais culto, inteligente e viajado do que o marechal, teriaconquistadoocoraçãodabelabaronesa—edesdeentãoasrelaçõesentreos dois azedaram de vez.[201] Seria a notícia da escolha de SilveiraMartins para che iar o ministério de dom Pedro II na noite de 15 denovembro de 1889 que levaria o até então relutante Deodoro a aderirdefinitivamenteàRepública,comoseveráemcapítulomaisadiante.Em1886,depoisdeumbreveretornoaoRiodeJaneiro,Deodoropassou

aacumularo comandode armas comapresidência interinadaprovínciadoRioGrandedoSul, emsubstituiçãoaoamigopernambucanoHenriquePereiradeLucena,futurobarãodeLucena,que,eleitodeputado,tiveraderenunciar ao cargo. Na condição de presidente provisório, coube aDeodoro o privilégio de inaugurar a primeira linha telefônica de PortoAlegre, novidade que chegava aos gaúchos apenas dez anos depois deexibida pela primeira vez por Graham Bell a dom Pedro II na ExposiçãoUniversaldaFiladél iade1876.FoideDeodorooprimeiro“alô”ouvidonasededaCompanhiaTelefônicaem15de setembrode1886.PortoAlegreeraasextacidadebrasileiraaadotarainvenção,depoisdeRiodeJaneiro,Petrópolis,Niterói,SãoPauloeSantos.Ocomércio icoucomamaioriadosprimeirosaparelhos.Aassinaturaanual,de120milréispagosadiantados,equivaliaaosaláriodeumfuncionáriopúblicodecategoriamédia.[202]

Deodoroencontrava-senessapoderosacondição—desimultaneamentechefemilitar e civil dos gaúchos—quando estourou a chamadaQuestãoMilitar. De lá seguiria para o Rio de Janeiro, onde se envolveria com a“mocidade militar” de Benjamin Constant e passaria a participarativamente da conspiração contra o Império. Anfriso Fialho, o icial doExércitoedeputadopiauiensequeoconheceunessaocasião,descreveuomarechaldaseguinteforma:

É alto, magro, moreno bronzeado, tem os olhos negros e penetrantes,lábios inos, nariz pontudo e aquilino, narinas rasgadas: todos estestraçosdão-lheà isionomiaumaaparênciadeáguiaedegrandeenergia.Usa toda a barba, curta, quase branca; os cabelos ainda pretos erarefeitos no alto da cabeça, formando uma calva em coroa irregular;tem ombros largos e quadrados, mantém-se direito como um soldadoperfilado.[203]

Outra testemunha da época, o coronel e futuro historiador ErnestoSenna relatou que, a despeito da aspereza da vida na caserna, Deodoroconhecia latim e gostava de música. Segundo ele, o marechal tinha ocurioso hábito de cruzar os dedos e rodar os polegares enquantoconversava sentado em uma poltrona. Vaidoso, costumava aparecer àporta da Alfaiataria Rabelo, situada na rua do Ouvidor, Rio de Janeiro,trajando roupas civis. “Quase sempre usava chapéu alto, preto, fraquecurto damesma cor, um tanto apertado na cintura, calça larga, deixandover pendente do colete a corrente do relógio”, descreveu Ernesto Senna.Usava também uma bengala “cujo cabo representava a cabeça de umfrade”.[204]No inal de 1888, superados os momentos mais tensos da Questão

Militar,ogovernobuscavaummotivoparaafastaromarechalDeodorodoRio de Janeiro e do centro das conspirações. O pretexto surgiu quandoParaguai e Bolívia romperam relações em virtude de uma disputaterritorial na região do Chaco. Temia-se que uma guerra entre os doispaísespudesseameaçaras fronteirasdoBrasil.Comadesculpadequeoclimadetensãoexigiaapresençadeumo icialdealtapatentenaregião,oMinistériodaGuerradespachounovamenteomarechalparaMatoGrossocomaduplafunçãodecomandantedearmasdaprovínciaechefedeumaexpediçãomilitar de observação das fronteiras. “Na realidade, tratava-sede um desterro mal disfarçado”, como observou o historiador CelsoCastro.[205] Embarcou para Cuiabá em 27 de dezembro, deixandoBenjaminConstantnapresidênciainterinadoClubeMilitar.Ao chegar a Mato Grosso, Deodoro deu-se conta de que fora, de fato,

atraiçoado. Não havia muito o que fazer ali. A disputa entre Bolívia eParaguai estava longe de representar qualquer ameaça aos interessesbrasileiros. Surpresa maior ele teve ao ser informado de que o governohavia nomeado para administrarMato Grosso o coronel CunhaMatos—aquelemesmo o icial que havia detonado a QuestãoMilitar durante umavisita de inspeção ao Piauí. Na condição de comandante de armas daprovíncia,Deodoroestariasubordinadoaonovogovernador.Portanto,ele,um marechal, iria responder a um coronel! Por im, Deodoro recebeu anotícia de que o conselheiro Gaspar Silveira Martins, seu rival na vidaprivadaenapolíticagaúcha,acabaradesernomeadoparaapresidênciada província doRioGrande do Sul. Foi a gota d’água. Irritado como quejulgava ser uma afronta direta aos seus brios pessoais, o marechalabandonouopostosemantespedirautorizaçãoetomouumnaviodevoltaparaoRiodeJaneirosemnuncaterexercidoasnovasfunções.A caminho da capital, Deodoro viajava triste também com a notícia do

falecimentodoirmãoSeveriano,ocorridoemmarço,duranteseudesterroem Mato Grosso. Severiano Martins da Fonseca tinha sido, de todos osirmãos, o mais próximo da Monarquia. Fora conselheiro de guerra doimperador, veador (cargo equivalente ao de inspetor ou intendente) daimperatriz Teresa Cristina, comendador das ordens de Cristo e de Aviz,o icial da Rosa e do Cruzeiro. Em 2 de março de 1889, dom Pedro II oagracioucomotítulodebarãodeAlagoas“comgrandeza”,emretribuiçãoaosbonsserviçosprestadosaoImpério.Morreudezessetediasmaistarde.Deodoro tinha grande admiração por ele e costumava ouvir os seusconselhos. Por isso, icara transtornado ao saber da morte do irmão.“Morreu a única pessoa que ainda podia me conter”, a irmou naocasião.[206]Ao desembarcar no Rio de Janeiro, em 13 de setembro de 1889,

Deodoroera,portanto,umcopodemágoajátransbordado.E,maisdoqueantes, convertia-se no candidato natural da “mocidade militar” e dosoficiaisrepublicanosparaassumiraliderançadarevolução.Em 14 de setembro de 1889, dia seguinte ao do retorno domarechal

DeodorodeMatoGrossosemautorizaçãopréviadogoverno imperial,umincidente menor ocorreu no Rio de Janeiro. Ao visitar a repartição doTesouro, o presidente do Conselho deMinistros, visconde de Ouro Preto,nãoencontrouemseupostoocomandantedaguarda,que,peloprotocolo,deveria prestar-lhe continência. Pelo relato do ministro, o tenente PedroCarolino estava dormindo. Na versão dos republicanos, tinha ido aobanheiro. Sentindo-se ofendido em sua autoridade, Ouro Preto mandou

prendê-lo. Os jornais republicanosO País eDiário de Notícias publicaramartigos em que criticavam a “ignorância” do ministro. Dessa maneira, otenente,queatéentãoerauma iguraapagadae“bempoucoestimadodosseuscolegas”,segundoodepoimentodeXimenodeVilleroy,foipromovidoacelebridadedanoiteparaodia.EmcartasaopresidentedoClubeMilitar,dizia-seinjustiçadoeultrajadopelopresidentedoConselhodeMinistros.No dia 16 de setembro, quarenta sócios do ClubeMilitar enviaramum

requerimentoaDeodoronoqualpediamquese convocasseumareuniãocom o objetivo de “tratar-se de negócio urgente e relativo aos direitos egarantiasda classe”. [207]Todosos signatários eram tenentesou alferes-alunos da Escola Superior de Guerra, ou seja, a “mocidade militar” deBenjamin Constant. Deodoro devolveu o requerimento com umamensagemcurtaeseca:“Pororanãohánecessidadedereunir-seasessãopedida”. O caso do tenente Carolino era, de fato, irrelevante, uma faltadisciplinar menor que poderia ter sido tratada com uma advertência ouuma pequena punição dentro da cadeia de comando militar. No climaexplosivoquese instalaraentreosmilitareseogoverno,noentanto,tudoerapretextoparaaradicalização.OsrepublicanosaproveitaramaocasiãoparaesticarajámornaQuestãoMilitar.Eraaarrancada inaldoprocessoquelevariaaogolpede15denovembro.Pelos jornais, os civis continuavam a instigar os militares contra o

governo imperial. No dia 10 de novembro, um artigo no diárioO País,dirigido por Quintino Bocaiúva, botou lenha na fogueira ao anunciarsupostas medidas que o governo estaria preparando contra militaresrebeldes.“EntreasmedidaspreviamenteasseguradasparaainstalaçãodoTerceiro Reinado, nos consta que será apresentado ao Parlamento, pelogoverno imperial, um plano de desmobilização do Exército”, a irmava ojornal.Peloplano, as forçasdoExércitoatéentãoconcentradasnoRiodeJaneiro seriam espalhadas “pela vasta super ície do Império”, emcontingentespequenos, “distribuindo-se,paraesse im,osbatalhõespelasprovíncias”. À Guarda Nacional, mais iel à Monarquia, icaria con iada aguarda da capital do Império. Outrasmedidas afetavam o valor do soldodos militares e autorizavam o governo a demitir qualquer o icial semprocessoprévio.[208]Em outra manobra desastrada, às vésperas do golpe de 15 de

novembro,ogovernohaviatransferidoparaoRiodeJaneiroalgunsoficiaisgaúchos conhecidos pela militância e pela radicalização na campanharepublicana. Eram o major Frederico Sólon de Sampaio Ribeiro, de 46anos, ilho de um fazendeiro gaúcho ligado aos liberais. Sólon passara a

maiorpartedesuacarreiranoRioGrandedoSul,mas,comaascensãodeSilveira Martins à presidência da província, foi removido para o Rio deJaneiro, onde passou a comandar o 9º Regimento de Cavalaria em SãoCristóvão.Nodia6deoutubrode1889tambémchegouàcorte,vindodoRioGrandedoSul,ocapitãoAntônioAdolfodaFontouraMenaBarreto,de43 anos. Como Deodoro, era opositor de Silveira Martins, vítima doexpurgopromovidopelonovopresidentedaprovíncia.AochegaraoRiodeJaneiro, passou a servir no mesmo 9º Regimento comandado por SólonRibeiro,ondetambémestavaoalferesJoaquimInácioBatistaCardoso.Nosdoismeses seguintes, os três o iciais teriam participação fundamental naorganizaçãodogolperepublicano.Dessemodo,enquantotentava“limpar”as ileiras do Exército no Rio Grande do Sul, vistas como um foco desubversão republicana, o governo na verdade reforçava o poder de fogodos conspiradores concentrando-os no próprio coração do Império, o RiodeJaneiro.Os temores se con irmaram no dia 10 de novembro, quando o 22º

Batalhão de Infantaria, conhecido reduto da campanha republicana,embarcou no navioMaranhão com destino ao Amazonas. Era comandadopelo coronel Carlos Magno. Ele e seus o iciais icariam sabendo daProclamação da República ao chegar a Pernambuco às sete horas damanhã do dia 16. Retornariam ao Rio de Janeiro só em 2 de janeiro de1890.[209]Tudoissoteveaforçadeumestopimacesonoânimodosmilitaresjáem

francoestadoderebelião.No dia 14, interrogado sobre os boatos pelo ministro da Guerra,

viscondedeMaracaju,FlorianoPeixotorespondeu:—Estamossobreumvulcão![210]Semqueoviscondesoubesse, entreosquealimentavamocombustível

dentro do vulcão estava ninguém menos que o próprio Floriano, a essaalturajácomprometidocomosrepublicanos.

11.OPROFESSOR

AMAISCONHECIDA IMAGEMDAProclamaçãodaRepúblicaéumquadroaóleodopintorHenrique Bernardelli exposto hoje na biblioteca da AcademiaMilitar dasAgulhas Negras, situada no município de Resende, Rio de Janeiro.Reproduzida nos livros didáticos do ensino fundamental, essa é a versãoo icial dos acontecimentos que passou para a história. Nela, o marechalDeodorodaFonsecaaparecesobreumfogosocavalobaioquedominatodoo primeiro plano. Com o braço direito esticado segura o quepe, a indicarumgestodevivaàRepública.Oolhar ixoparaoalto,abarbaeocabeloeriçados,oporterijoemarcial,tudoindicaardor,energiaedeterminação.Ao fundo, relegadas ao segundo plano, aparecem diversas iguras detamanho reduzido e tons escuros, meras coadjuvantes da cena principaldominada por Deodoro e seu cavalo. Só um especialista conseguiriadiscernir suas identidades. Ali estão, entre outros, o jornalista QuintinoBocaiúva e o professor e tenente-coronel Benjamin Constant Botelho deMagalhães. Dos dois, Benjamin é o mais injustiçado pelo planorelativamenteobscuroaqueorelegouBernardelli.Aocontráriodoquesugereoquadro,Benjaminnãofoiumpersonagem

secundárionaquedadoImpério.Arigor,deveriaestaremprimeiroplano,talvezcomdestaqueaindamaiordoqueodadoaomarechalDeodoro.Foiele o cérebro da revolução de 1889, “o catequista, o apóstolo, oevangelizador, odoutrinador, a cabeçapensante, opreceptor, omestre, oídolo da juventude militar”, na de inição do historiador José Murilo deCarvalho.[211] A Deodoro caberia um papel simbólico importante, o decatalisador das energias do meio militar. Sem ele, o golpe de 15 denovembro provavelmente teria fracassado. Era o único chefe das ForçasArmadas com autoridade e legitimidade su icientes para se colocar àfrente das tropas e confrontar o governo imperial. Sem a prévia açãodoutrinadora de Benjamin, porém, é possível que Deodoro nem sequertivesse tropas a comandar naquele dia. Por essa razão, o historiadorVicenteLicínioCardosode iniuaProclamaçãodaRepúblicacomoumcasoúniconaHistóriadoBrasil—“odeumarevoluçãopolíticadirigidaporumprofessordematemática”.[212]Alvo de grande polêmica desde os primeiros dias do novo regime, o

quadrodeHenriqueBernardellire leteumasinaquepareciaacompanhar

Benjamin Constant. O fundador da República injustiçado pela históriaoficialfoidesdesempreumheróiimprovável.Suatrajetóriapessoalesteve,desdeocomeço,marcadapelatragédia.Órfãodepaiaostrezeanos,tentousuicídio atirando-se às águas barrentas de um ribeirão. Salvo por umaescrava,mudouadatadoaniversárioparamarcaroqueconsideravaodiado seu “segundo nascimento”. Aos quinze, tornou-se arrimo de família,responsável pelo sustento dos quatro irmãosmenores, damãe e de umatia. A mãe enlouqueceu em seguida e teve de ser internada em umhospício. Às voltas com di iculdades inanceiras, Benjamin alistou-se noExército, mas sempre vestiu a farda a contragosto. Preferia usar roupasciviseserreconhecidocomoprofessordematemática.Apesardoinegáveltalento em sala de aula, foi inúmeras vezes preterido em concursos epromoções em favor de candidatos menos quali icados. Dizia-se infeliz einjustiçado na carreira militar. O espírito rebelde custou-lhe diversasprisões por insubordinação. Teve participação controversa na Guerra doParaguai. Suas cartas despachadas do campo de batalha revelam umhomemempenhadoemdesmentirafamademedroso.A soma de todos esses atributos impôs aos estudiosos de Benjamin

Constantumdesa iocomplicadonahoradetraçar-lheoper ilpsicológico.Cartas e anotações guardadas no seu arquivo pessoal, somadas aosdepoimentosdaspessoasquecomeleconviveram,poderiamsugerirumapersonalidadedepressiva,quadrocaracterizadoporreduzidaautoestimaecrises persecutórias que, muitas vezes, beiram a paranoia. O historiadorRenato Lemos, autor de uma alentada e bem documentada biogra ia dopersonagem, preferiu resumir o diagnóstico a uma expressão brasileiraemvogano inal do séculoXIX. Segundoele,Benjamin sofriade “síndromedocaiporismo”.[213]O “caiporismo” tem origem em uma conhecida igura mitológica do

folclore brasileiro, o Caipora. Na descrição do folclorista potiguar Luís daCâmara Cascudo, trata-se de “um pequeno indígena, escuro, ágil, nu ouusando tanga, fumando cachimbo, doido pela cachaça e pelo fumo,reinando sobre todos os animais e fazendo pactos com os caçadores,matando-os quando descobrem o segredo”. Ainda segundo CâmaraCascudo,naregiãoNordesteoCaipora faz-sepassarpor“umaindiazinha,amigadocontatohumano,masciumentaeferozquandotraída”equemaencontra “ ica infeliz nos negócios e em tudo quanto empreender.” [214]Emresumo,oportadordo“caiporismo”éumazaradonavida.Di icilmentepoderiahavermelhormolduraparaenquadrarBenjaminConstant.As referências ao próprio “caiporismo” são frequentes nos textos e

bilhetesdeBenjaminConstant.“Seanãotenhofeitofeliz,nãoéporquenãoodesejeemuitoenãotenhafeitoesforçoparaisso,éporquenãooqueraminhamá sorte”, a irmou em correspondência àmulher,Maria Joaquina,em fevereiro de 1867, quando estava naGuerra do Paraguai. Namesmacarta,Benjaminserefereàidaparaoscamposdebatalhacomoumaprovacabaldomauagouroqueoacompanhava,restandoassim“curvaracabeçaàsortequenunca(me)quisserfavoráveleseguirocaminhoqueahonrae o dever(me) apontam”. O destino ruim seria, no seu entender, umaherança familiar. “Parece que um mau fado acompanha-me e à minhafamília(enão)cansadeperseguir-nos”,anotou.BenjaminConstanteraumhomemcorpulento,masdeestaturareduzida

paraospadrõesatuais,mediaapenas1,55metro.Usavaóculosovais,semhastes, sustentadosporumcordãopreso à casaca.Obigodeespesso caíasobre os cantos da boca, emoldurando um cavanhaque ralo. Andava efalava de forma cadenciada, com voz cavernosa. A expressão era séria,compenetrada. Em lugar da fardamilitar, preferia sair à rua sempre desobrecasaca preta, calça e gravata damesma cor. Frequentava pouco oslugarespúblicosenuncabebiaálcool.[215]No começo de 1889, era um homem de grande prestígio no Rio de

Janeiro. A “mocidade militar” o havia promovido à condição de mentorintelectual e líder espiritual na jornada rumo à esperada revolução. Nasreuniõesdosoficiaisrepublicanos,suapresençaserenaajudavaamoderaros ânimos e dar algum rumo à crise de lagrada pela espinhosa QuestãoMilitar. Era também cortejado pelos republicanos civis, que o viam comoum elo fundamental de ligação no meio militar. Entre seus admiradorescontava-seninguémmenosdoqueo imperadorPedro II,queanosantesoconvidaraparadaraulasdematemáticaaosnetosnoPaláciodaQuintadaBoaVista.Benjaminaceitaraoconvite,maslogopedirademissãodocargopornãosuportaromaucomportamentodospríncipes.Apesar da boa reputação, às vésperas da Proclamação da República

Benjamin Constant andava visivelmente frustrado e assombrado pelasinjustiças que lhe marcavam o caminho. Na carreira militar, sentia-seestacionado, caroneado e mal reconhecido. Conseguiu ser promovido atenente-coronel emmaiode1888,depoisde treze longosanosdeesperano posto de major. Embora tivesse lutado no Paraguai, a promoção veionãopormerecimento,comogostaria,masporantiguidade.Comoprofessor,ganhava mal e trabalhava muito. Para pagar as contas domésticas, eraobrigadoaacumulardiversosempregose fazerdívidas frequentes, comorevelamasanotaçõesdoseuarquivopessoal.Emjunhode1887,deviaao

Banco Auxiliar, do Rio de Janeiro, 3:160$320, soma equivalente a seismesesdeseussalárioscomoprofessor.Asdecepçõesnavidapro issional,somadas à personalidade persecutória, o levaram a se distanciar doambiente da Monarquia, onde via as portas se fecharem, e a abraçar acausa republicana. “A malfadada vida foi o caldo de cultura daradicalizaçãopolíticadeBenjaminConstant”,afirmouRenatoLemos.[216]Benjamin nasceu em 9 de fevereiro de 1837 em localidade próxima a

Niterói. Era o primeiro dos cinco ilhos de LeopoldoHenriqueBotelho deMagalhães,voluntáriodoExércitoportuguêsque,transferidoparaoRiodeJaneironoiníciode1822,aderiuàsforçascomandadaspordomPedro Iedecidiu permanecer no Brasil após a Independência. O nome escolhidoparao ilho,indicadordasconvicçõespolíticasdopai,foiumahomenagemaHenri-Benjamin Constant deRebecque, o pensador franco-suíço (citadoem capítulo anterior) cujas ideias inspiraram a introdução do PoderModeradornaConstituiçãobrasileirade1824etiveramgrandein luêncianapolíticadoPrimeiroReinado.DepoisdelutarpelacausadedomPedro InaguerradaIndependência,

LeopoldoHenriquederabaixadoExército,mas,àsvoltascomdi iculdadesinanceiras, fora obrigado a mudar de cidade com frequência e exercerdiversaspro issões.FoiprofessoredonodeescolaemMacaéeMagé,RiodeJaneiro,epadeiroemPetrópolis,naserra luminense.Por im,aceitouoconvite para administrar uma fazenda de propriedade do barão de LageemMinasGerais.Ali,morreudefebretifoide,em15deoutubro1849,diaassinalado nas memórias do ilho Benjamin como o do “trovão doinfortúnio”. A morte do patriarca foi uma catástrofe para a família.Benjamin tentou o suicídio, sendo salvo pela escrava. A mãe começou ademonstrarosprimeirossinaisdeloucura,quealevariaaterminaravidatrancafiadaemumhospício.Em 1850, Benjamin matriculou-se no curso de latim do colégio do

MosteirodeSãoBento,noRiode Janeiro. Seuhistóricoescolar revelaumalunosemmotivação.Noprimeiroano, foi colocadodecastigo,obrigadoapermanecer de pé diante dos alunos e do professor, em razão dosinúmeros erros cometidos nas lições. No segundo, teve 57 faltas em umtotal de 182 dias de aula e foi novamente submetido a castigos queincluíramousodepalmatória.Noterceiroano,frequentouasaulassóatémarçoedesistiudocurso.[217]Emseguida,alistou-secomovoluntáriodoExército, condição para a entrada na Escola Militar da Praia Vermelha,porém, uma vez mais, revelou-se um mau aluno, sendo reprovado noprimeiroano.

Em1858, últimoanodo cursode engenharia, protagonizouum famosoepisódio de indisciplina em uma ocasião em que os estudantes foramconsiderados suspeitosdeum rouboocorridona escola.Nomomento emqueoajudantesepreparavaparaleraordemdodiacontendoaacusaçãodocomandante,Benjamintomouasdoresdoscolegas.Irritado,arrancouopapel das mãos do o icial e, depois de atirá-lo ao chão e pisoteá-lo,anunciou:—Estaordemdodianãohádeserlida,porqueéuminsultoaosalunos!OinesperadogestodeBenjamindesencadeouumarebeliãoquevarreu

as salas e corredores da EscolaMilitar durante três dias. No inal, váriosalunos foram expulsos ou presos, entre eles o próprio Benjamin, quepassou25diasdetidona fortalezadaLaje, situadanaentradadabaíadeGuanabara. O episódio desde cedo revelou um traço de comportamentoqueoacompanhariapelorestodavida—odasolidariedadeirrestritacomos seus colegas de farda, em especial os estudantes das escolas em quedavaaulas.[218]Aos dezoito anos, ainda como estudante de engenharia, começou a dar

aulasdematemática, funçãoque exerceupelo restoda vida—naEscolaNormal,noInstitutoComercial,noInstitutodosCegos,naEscolaCentral,naPolitécnicae, inalmente,naprópriaEscolaMilitardaPraiaVermelha.Foiumacarreiramarcadapelas frustraçõesepela injustiça.Benjamin tentoucincovezesacadeiradeprofessortitularemconcursospúblicos.Emtodaselas, embora se classi icasse sempre em primeiro lugar, a vaga acabouicando com um candidato menos quali icado graças ao apadrinhamentopolítico,muito comum no Segundo Reinado. Em uma dessas ocasiões, em1862, concorreu à cadeira de matemática da Escola Normal do Rio deJaneiro.Comosempre,classi icou-seemprimeirolugar,porémavaga icoucom o segundo colocado, que tinha a preferência do presidente daprovíncia. Amágoa foi tão grande queBenjamin chegou a preencher umrequerimentoaoministrodaGuerrapedindodemissãodoserviçomilitar,atoquenãoseconfirmou.Em abril de 1863, aos 26 anos, casou-se com Maria Joaquina, que

acabaradecompletarquinzeanos.Era ilhadocatarinenseClaudioLuísdaCosta,diretordo Imperial InstitutodosMeninosCegosehomem in luentena corte imperial. Cirurgião formado pela Escola de Medicina do Rio deJaneiro, Claudio era sogro do escritor e poeta maranhense AntônioGonçalvesDias.Tambémforaamigodoescritor,políticoepintorManoeldeAraújoPortoAlegreedopintorJean-BaptisteDebret—umdosprincipaisintegrantes da Missão Artística Francesa trazida para o Brasil por dom

JoãoVI. Em 1825, recebera de dom Pedro I a comenda de Cavaleiro daOrdem de Cristo. Em 1855, tornara-se membro do Instituto Histórico eGeográ ico Brasileiro ( IHGB), que reunia alguns dos mais importantesintelectuaisdaépoca.OcasamentocomMaria Joaquina funcionaria,dessemodo, como uma alavanca de ascensão social para Benjamin Constant,depois das inúmeras frustrações da carreira militar e do magistériopúblico. Por coincidência, no mesmo ano do casamento, Benjamin tentounovo concurso, para a vaga de professor titular do Instituto Comercial.Classi icou-se novamente em primeiro lugar e dessa vez, inalmente, foinomeadoparaavaga.Convocadopara aGuerradoParaguai, permaneceu apenasumanona

frentedebatalha,semnuncaparticipardiretamentedoscombates.Emvezdisso, atuou em tarefas de abastecimento das tropas, construção detrincheiras e elaboração de esboços topográ icos. Nas cartas que enviouparaafamílianesseperíodo icaevidenteoseudesinteressepelacarreiramilitar. “Trago às costas uma pesada farda que nenhum futuro dá aninguém neste nosso desgraçado país, e que, no entanto, impõe-medeveres”,escreveuem29demarçode1867.Referindo-seàguerra,diziaesperarque“todaestaporcariaacabeomaisdepressapossível”.Emoutracarta,semanasmaistarde,prometia“darpartededoenteepedirinspeçãode saúde para retirar-me ao Brasil” tão logo fosse possível. De fato,Benjamin Constant recebeu licença de saúde em agosto de 1867, doismesesapósescreveracarta.Segundoosregistrosmédicos,teriacontraídomalária no Paraguai. Ele desembarcou no Rio de Janeiro em outubro, àsvoltas comumacrise febril, e,mediante sucessivas renovaçõesda licençade saúde, nunca mais voltou à guerra. Em 1869, com a morte do sogro,assumiu seu lugar na direção do Instituto dos Meninos Cegos, entidadesituadanasproximidadesdoPãodeAçúcarequehojelevaseunome.UmmanuscritodeBenjaminConstant localizadoemseusarquivospelo

antropólogo e historiador Celso Castro revela que, em 1868, ele ensaiouum pedido de demissão do Exército, “deixando a carreira das armas eseguindo outra (a do magistério), a que o suplicante se tem dedicado eparaaqualsenteamaisdecididavocação”.Orequerimentonãochegouaserencaminhado,eBenjaminprosseguiunacarreiramilitaracontragosto.No título de eleitor que tirou em 1881, no campo reservado à pro issãodeclarou “magistério”, emvez demilitar. Oito anosmais tarde, em agostode1889,àsvésperasdaProclamaçãodaRepública,aorenovarotítuloejápromovido ao posto de tenente-coronel, declarou novamente“magistério”.[219]

A carreira de Benjamin no magistério contém um segundo episódiocuriosoenvolvendooimperadordomPedro II(noprimeiro,jácitadoacima,o imperadoro convidouparadar aulas aosnetos, tarefaque ele exerceuporpoucotempo).Em1872,aoprestarconcursoparaumavaganaEscolaMilitardaPraiaVermelhanapresençadomonarca,Benjaminfezquestãode avisar a banca examinadora de que professava as ideias do francêsAuguste Comte. Foi uma atitude corajosa, uma vez que os positivistas,seguidores de Comte, defendiam a troca da monarquia pela república.Apesar de honesta, a con issão, no entanto, implicava algum risco. Aoadmitir o credo positivista e suas inclinações republicanas diante dopróprioimperadordoBrasil,Benjaminpoderiaperderavagadeprofessorantes mesmo de começar a disputá-la. Para surpresa de todos, oimperador, ao ser consultado sobre a questão, respondeu que não viaproblemaalgum.Benjaminprestouoconcurso,passouemprimeirolugarefoiimediatamentenomeadoparaocargo.A junção domagistério com a fé positivista o levariam ao encontro da

mocidade militar e ao destino que lhe era reservado na históriarepublicanabrasileira.“Apartirdo inalde1886,abiogra iadeBenjaminConstant não pode ser desvinculada de sua relação com a “mocidademilitar”,observouCelsoCastro. “Éno ‘Dr.Benjamin’queos jovenso iciais‘cientí icos’ irão se ixar na busca por um líder da conspiraçãorepublicana.”[220]No agradecimento aos alunos ao inal das aulas de 1888, Benjamin

enumerou o que, no seu ponto de vista, eram “os altos destinos sociais epolíticosreservadosaoExércitobrasileiro”nofuturopróximo:

Os exércitos têm hoje um alto destino a desempenhar: concorrer deconcerto com as outras classes para o advento do regime industrial epací ico, para o fraternal congraçamento dos povos — servindo àsinstituiçõesemnomedosaltos interessesdapátriaedahumanidade, eenquantoelassatisfazemaessenobreobjetivo.(...)Daíresultaquemaisaindadoqueasoutrasclassesprecisaaliaràsuaconvenienteinstruçãoteóricaumasã instruçãogerale cívica.Porqueháumaciênciaqueeladeveconhecermuitomaisdoqueaciênciadaguerra,éaciênciadapaz.Um exército ignorante e sem a conveniente educação moral e cívica,embora perito nas operações de guerra, poderá ser uma boa espadasemprevencedoranaslutasmateriais,masserátambémumaespadadedoisgumesquetantopoderáferirapátria,comoaosinimigosdela.

SeriaemnomedessesprincípiosqueosjovensseguidoresdeBenjaminConstantergueriamsuasarmascontraoImpérionoanoseguinte.

Emmaio de 1888, quando Benjamin Constant, inalmente, conseguiu apromoção aopostode tenente-coronel, por antiguidade, os estudantes daEscola Militar aproveitaram a ocasião para lhe prestar grandeshomenagens.Entreoutrosmimos,onovocoronelrecebeudepresenteumexemplar do livro Synthèse subjective , de Auguste Comte, ricamenteencadernado e encerrado num estojo com a inscrição do lema dopositivismo gravado em letras douradas: “O amor por princípio, a ordempor base, o progresso por im”. Na dedicatória, lia-se: “Ao venerandomestreBenjaminConstantBotelhodeMagalhães.HomenagemdosalunosdaEscolaMilitardaCorte”.Paracompraropresente,osestudanteshaviampromovidouma listadesubscriçãocom163assinaturaseumtotalde69mil réis arrecadados. Benjamin icou profundamente tocado pelashomenagens. A partir daí, sua ligação com os jovens cientí icos da EscolaMilitarseriaindissolúvel.Nos dias que antecederam o golpe de 15 de novembro, uma vezmais,

Benjaminrecebeudosestudantese jovenso iciais inúmerashomenagens.No dia 26 de outubro, ao terminar a aula, o professor viu a sala serinvadida por alunos e o iciais inferiores. “Mestre! Nós delegamos em ti onossomododepensar, de agir e de sentir na transformação republicanade nossa pátria”, a irmou o alferes-aluno Tasso Fragoso. Umamensagemassinada por 39 alunos da Escola Militar, também entregue na ocasião,terminavacomapeloidêntico:

Mestre, sedeonossoguiaembuscada terradapromissão—osolodaliberdade![221]

Namesmaocasião,osestudantes lheentregaramseisabaixo-assinadossecretos, conhecidos como “pactos de sangue”, que lhe hipotecavamsolidariedadeirrestritaatéamorteemsuaatuaçãocomorepresentantedaclassemilitarcontraogoverno.Aotodo,173pessoasassinaramos“pactosde sangue”, todas militares. Entre elas havia apenas dois o iciaissuperiores. Os restantes eram 13 capitães, 37 tenentes e 120 alunos deescolasmilitares(maisumsignatáriocujapatenteatéhojenãofoipossívelidenti icar). Os alunos da Escola Militar da Praia Vermelha e da entãorecém-criada Escola Superior de Guerra representam, portanto, 70% dototaldesignatários.Alarmado com a movimentação da “mocidade militar” em torno de

Benjamin, o governo bem que tentou neutralizá-la. No começo de 1889,dividiuaescolamiliar emduas.Naprimeiraunidade,naPraiaVermelha,permaneceram somente os cursos de infantaria e cavalaria. Para asegunda,denominadaEscolaSuperiordeGuerrae instaladanobairrode

São Cristóvão, foram transferidos todos os alferes-alunos quefrequentavam os cursos das armas consideradas “cientí icas”. Com amudança,ogovernotambémtentoucooptarBenjaminConstant,convidadoaassumiradireçãodanova ESG, cargoqueelerecusou.Acreditava-seque,com a criação da nova escola, o governo faria desaparecer o clima deindisciplina e “promiscuidade” hierárquica entre os alunos que até entãoimperavanaPraiaVermelha.Otirosaiupelaculatra.SegundoanotouCelsoCastro,a instalaçãoda ESG

em São Cristóvão teve como principal resultado fomentar o ambiente deinsurreiçãonoprópriobairroemquemoravaoimperadoreondeestavamsediadoso1ºRegimentodeCavalariaeo2ºRegimentodeArtilharia,duasdas unidades militares mais importantes da corte. Seriam essas asprimeiras tropas quemarchariamemdireção ao campode Santanaparaderrubar o governo na madrugada de 15 de novembro de 1889. SãoCristóvão havia se tornado, assim, o novo reduto da “mocidademilitar”.[222]

12.OSABOLICIONISTAS

NOS ÚLTIMOS ANOS DO IMPÉRIO, o Brasil testemunhou um acontecimento semprecedentes na sua história. O movimento abolicionista, que levou àlibertação dos escravos pela Lei Áurea em 13 de maio de 1888, foi aprimeira campanha de dimensões nacionais com participação popular.Nuncaantestantosbrasileirossehaviammobilizadode formatão intensapor uma causa comum, nem mesmo durante a Guerra do Paraguai.Envolvendo todas as regiões e classes sociais, carregou multidões acomícios e manifestações públicas, dominou as páginas dos jornais e osdebatesnoParlamentoemudoudeformadramáticaasrelaçõespolíticasesociais que até então vigoravam no país. Como efeito colateral, deu oempurrão que faltava para a queda da Monarquia e a proclamação daRepública. “Nunca se viu no Império, nem se veria depois, como nessaépoca, um movimento que empolgasse tanto a consciência da nação”,observouohistoriadorHeitorLyra.[223]Até a campanha abolicionista, a escravidão era uma sólida instituição

nacional,quepareciaimuneàstransformaçõeseaosventoslibertáriosdoséculoXIX. O Brasil foi o maior território escravagista do hemisférioocidentalpormaisde350anos.Estima-seque,deumtotalde10milhõesdecativosafricanostrazidosparaasAméricasnesseperíodo,40%tiveramcomodestinoterrasbrasileiras.Foitambémopaísquemaistemporesistiuapôr imaocomércionegreiroeoúltimodocontinenteamericanoaaboliramãodeobraescrava—quinzeanosdepoisdePortoRicoedoisdepoisde Cuba. “Neste país, os pretos representamo papel principal; acho que,no fundo, sãomais senhoresdoqueescravosdosbrasileiros”, anotouemseu diário de agosto de 1881 a educadora alemã Ina von Binzer,contratadaparadaraulasaos ilhosdecafeicultoresdoValedoParaíbaedaregiãodeRioClaro, interiordeSãoPaulo.“Todootrabalhoérealizadopelos pretos, toda riqueza é adquirida por mãos negras, porque obrasileiro(branco)nãotrabalha.”[224]Viciado em escravidão, o Brasil resistiu enquanto pôde aos esforços

abolicionistas.EmmeadosdoséculoXIX,asituaçãochegouatalpontoqueaInglaterra, maior potência econômica e militar do planeta e cuja opiniãopúblicaexigiaa imediataaboliçãodotrá iconegreiro,passouadedicaraoBrasil tratamento equivalente ao reservado aos estados barbarescos do

Norte da África envolvidos com a pirataria. Sob a mira dos canhõesbritânicos, navios negreiros eram aprisionados a caminho do litoralbrasileiro e submetidos à Corte de Justiça inglesa, que geralmentecon iscava as embarcações e devolvia suas cargas humanas ao litoralafricano.Nadadissopareciaamedrontarostraficantes.Aprimeiraleibrasileiradecombateaocomércionegreiro,aprovadaem

1831porpressãodogovernobritânico,nuncapegou.Era,comosedizianaépoca, “uma lei para inglês ver”. Mesmo o icialmente proibido no país econdenado por tratados internacionais, o trá ico continuou de formaintensaesobasvistasgrossasdasautoridades.Calcula-sequeentre1840e 1850 entraram no Brasil, em média, de 30 mil a 40 mil escravosafricanos por ano. O contrabando, altamente lucrativo, compensava osriscos.Em1843,ocapitãodeumnavionegreiropagavanaÁfricacercade30 mil réis por escravo e o revendia no Brasil por soma vinte vezesmaior.[225]Comoa iscalizaçãoemáguasinternacionaisparecianãosurtirefeito,no

começode1850aMarinhabritânicapassouaatacarosportosbrasileirosembuscadenegreiros.Noepisódiodemaiorrepercussão,umnavioinglêstrocoutiroscomofortesituadonaentradadabaíadeParanaguá,nolitoralparanaense,atingindocincoembarcaçõesquealiestavamancoradas.Era,obviamente, uma circunstância humilhante para o governo imperial,desa iado em sua soberania territorial por uma nação estrangeira.Assustado com a pressão dos ingleses, nesse mesmo ano o Parlamentobrasileiro aprovou a chamada Lei Eusébio de Queiroz, que, inalmente,acaboucomotrá ico.Osúltimosdesembarquesclandestinosdequesetemnotíciaocorreramem1856,seisanosapósapublicaçãodanovalei.Ofatofoi denunciado pela imprensa, e os quinhentos africanos desembarcadosforamimediatamentepostosemliberdade.OfimdotráficonegreirocomaÁfricacriouumanovaformadecomércio

de escravos no Brasil, já citado brevemente em um dos capítulosanteriores, desta vez entre as províncias do norte e as do sul. Donos deengenhos de açúcar em decadência no Nordeste passaram a vender osseuscativosparaosbarõesdocafédoValedoParaíbaedeMinasGerais.O resultado foi a maior migração forçada de pessoas em toda a históriabrasileira.Noespaçodeapenasdezanos,entre1864e1874,onúmerodeescravos nas províncias nordestinas declinou de 774 mil para 435 mil.Enquantoisso,nasregiõescafeeirasapopulaçãoescravasaltoude645milpara809mil.SónaprovínciadeSãoPaulo,onúmeromaisdoquedobrou,de80milpara174milcativos.[226]Aconcorrênciainternatambémfezo

preço dos cativos triplicar entre 1855 e 1875. Os impostos regionaiscobradospelasaídadoescravo—equivalentesaoatualICMS—setornaramum item importante no orçamento dos governos provinciais. Em 1862, amaior parte da arrecadação do governo alagoano era gerada pelaexportaçãodeescravosparaosul.[227]DepoisdaLeiEusébiodeQueiroz,opaísdemoroumaisdeduasdécadas

paradarumnovopassorumoàabolição.ALeidoVentreLivre,de1871,estabelecia que todo ilho de escrava nascido no Brasil a partir daqueladata teria liberdademediante as seguintes condições: o proprietário dosescravos poderia manter a criança junto aos pais na senzala até os oitoanos de idade, quando então teria a opção de entregar o menor aogoverno,emtrocadeindenizaçãode600milréis,oucontinuarcomeleatéos 21 anos. Os defensores da nova lei previam que o tempo seencarregaria de acabar com a escravidão brasileira. À medida quemorressem os escravos mais velhos e nascessem as crianças livres, onúmerodecativosdiminuiriaaténãohavermaistraçodelesnopaís.Dessamaneira,oproblemaseresolverianaturalmentesemmaioressobressaltosou prejuízos para a ordem estabelecida. “Não perturbem a marcha doelementoservil”,alertoupoucoantesdemorreroviscondedoRioBranco,responsávelpelaaprovaçãodalei. [228]Oscríticosdamedida,noentanto,discordavam desse ponto de vista. Diziam que, na prática, o problemacontinuava do mesmo tamanho e que, uma vez mais, o país haviaencontradoumaformadeempurrá-locomabarriga.Sob a vigência da Lei do Ventre Livre, a maioria dos proprietários

preferiumanter os ilhos das escravas no cativeiro após os oito anos deidadeemvezdeentregá-losaogovernomedianteaindenizaçãoprometida.Ouseja,osfazendeiroscontinuaramautilizá-loscomomãodeobracativa,comosenadativessemudado.Em1882,onzeanosdepoisdaaprovaçãodalei, um relatório do Ministério da Agricultura informava que apenas 58criançasemtodooBrasilhaviamsidoentreguesaostutoreso iciais.Todasas demais permaneceram nas fazendas, vivendo na companhia dos paisnassenzalasetrabalhandonaslavourasdebaixodavigilânciadosfeitores.A lei previa também que, para viabilizar a iscalização, os fazendeirostinhamderegistraronascimentodascrianças.Poucos izeramisso.Comaconivência dos párocos locais, a quem cabia fazer os registros, elesfraudavamascertidõesdebatismo,comoseascrianças tivessemnascidoantes da Lei do Ventre Livre. O abolicionista pernambucano JoaquimNabucocalculavaque,nesseritmo,aindahaveriaescravidãonoBrasilatémeadosdoséculoXX.[229]

Contrariando todas as expectativas, a situação mudaria de formasurpreendentenosanosseguintesemrazãodomovimentoabolicionista.Otema,queatéentãoerasistematicamenteevitadoemdiscussõespúblicas,derepenteganhouaspraçaseruasdetodoopaís.Clubesantiescravistascomeçaram a brotar em ritmo acelerado em todas as províncias, caso daSociedade Abolicionista Cearense, da Libertadora Pernambucana, daAbolicionista do Espírito Santo e da Libertadora Sul-Rio-Grandense. Amobilização culminou com a criação da Confederação Abolicionista,reunindo treze associações menores e que, a partir dali, passou aorganizar a campanha. Pan letos, manifestos, jornais e livros contra aescravidão eram produzidos aos milhares no Brasil inteiro. Discursos epalestras dos líderes abolicionistas atraíam multidões. Em São Paulo, oadvogado Luís Gama organizava uma campanha jurídica para libertarescravosapoiando-senaleide1831—aquelaque,o icialmente,aboliraotrá ico negreiro, mas que nunca tinha sido respeitada pelos tra icantes.Nos tribunais, Gama conseguiu provar que uma boa parte dos cativosexistentesnaslavouraspaulistasnessaépocahaviaentradonopaísdepoisde1831,portantolegalmenteestavamlivres.BaianodeItaparica, ilhodeumanegralivreedeum idalgoportuguês,

o mulato Luís Gama tornara-se abolicionista depois de viver na pele asinjustiças da escravidão. Era ainda uma criança de dez anos quando seupai, às voltas comdi iculdades inanceiras, não teve pudores de vendê-locomoescravoparaumcomerciantedoRiode Janeiro. Levadomais tardepara Campinas, interior de São Paulo, fugiu do cativeiro, estudou letrascomo autodidata e tornou-se um rábula— praticante da advocacia semdiploma universitário. Era um homem ousado e corajoso. Sozinhoconseguiu libertarmais de quinhentos escravos. Emum famosoprocessode1870,defendeuumescravoquematarao seu senhor. Seuargumentoassustouos fazendeiros: todocativoquemataoseudonoageemlegítimadefesa.Pordefenderposiçõescomoessa,Gamarecebiaameaçasdemortee andava armado. Faleceuvítimadediabetes em1882, aos52 anos, semverasuaobracoroada.ApósamortedeLuísGama,doishomensdeper isopostospassarama

dominar a cena domovimento abolicionista— o pernambucano JoaquimNabuco e o luminense José do Patrocínio, fundadores da SociedadeBrasileira contra a Escravidão, em 1880. Nascido no Recife em 1849,Nabuco era ilho de um dos mais importantes políticos do Império, osenador Nabuco de Araújo. Foi amamentado por uma mulher negra epassou a infância longe da família em um “engenho de fogo morto” —

propriedade da zona da mata de Pernambuco que ainda cultivava cana,masnãoproduziaaçúcar.Aosoitoanos,mudou-separaacasadospais,noRiode Janeiro, epassoua frequentaros salõesdacorte imperial.Eraumambientesolene,quevalorizavaaetiqueta,aoratóriaeosgestos teatrais.NoColégioPedro II,noRiodeJaneiro,foicolegadeRodriguesAlves,futuropresidente da República. Mais tarde, como estudante de Direito daFaculdade do Largo São Francisco, em São Paulo, tornou-se amigo deCastro Alves, Rui Barbosa e de outro futuro presidente, Afonso Pena. Aolado de Machado de Assis, seria um dos fundadores da AcademiaBrasileiradeLetras.[230]Em um país de analfabetos, rural e atrasado, Nabuco era um homem

cosmopolita. Passou a maior parte de sua vida viajando pela Europa epelos Estados Unidos e privou da amizade de alguns dos homens maisin luentes do seu tempo, como o presidente americano TheodoreRoosevelt. Em Londres, onde morou, manteve intenso contato com omovimentoabolicionistabritânico.Magro,com1,86metrodealtura,usavapulseira de ouro, chapéude palha, sapatos ingleses e roupas impecáveis.Tornou-seconhecidocomo“Quincas,oBelo”.Najuventude,foiumdândi—estilo de vida celebrizado por intelectuais europeus, como OscarWilde eMarcel Proust, que valorizava a aparência e o comportamento mundanodossalões.Em uma viagem de navio para a Europa, Nabuco conheceu Eufrásia

Teixeira Leite, com quem teria um longo e apaixonado relacionamento.Eufrásia era neta do barão de Itambé, por sua vez irmão do barão deVassouras, ou seja, gente da ina lor da aristocracia rural do SegundoReinado. O casal se correspondeu por catorze anos, mas o romance nãoprosperoudevidoabarreiraspolíticase familiares.Nabuco,o absolutista,era ilhodeumpolíticodecarreira.Comonãotinhabensderaiz,àsvezesse submetia a trabalhos menores para ganhar a vida, como sercorrespondente de um jornal carioca em Londres. Eufrásia, ao contrário,vinha de uma família que era o símbolo da riqueza e o própriosustentáculo da escravatura no Vale do Paraíba. Estavam, portanto, emlados opostos na política e na conta bancária. Terminado o romance comEufrásia, Nabuco casou-se tarde, aos quarenta anos, com Evelina Soares,dezesseisanosmaisjovemdoqueele, ilhadebarãoeeducadanaFrança,masnemde longedonade fortuna comparável adosTeixeiraLeite.Comelateveduasfilhasetrêsfilhos.Em artigos de jornal e discursos que atraíam multidões no Recife,

Nabuco dizia que o Brasil estava condenado a continuar no atraso

enquanto não resolvesse de forma satisfatória a herança escravocrata.Para ele, não bastava libertar os escravos. Era preciso incorporá-los àsociedade como cidadãos de pleno direito. O regime de escravidão, dizia,corrompia tudo e impedia que a sociedade evoluísse. “A escravidão nãoconsentiu que nos organizássemos, e sem povo as instituições não têmraízes,aopiniãonãotemapoio,asociedadenãotemalicerces”,escreveu.Defensor das instituições, Nabuco a irmava que fora delas não havia

soluçãoparaos con litosda sociedadebrasileira. “ÉnoParlamentoque aemancipação deve ser decidida — e não na praça pública”, defendeudurante a campanha abolicionista.[231] Achava que a monarquiaparlamentar, àmoda inglesa, era preferível à república—embora tenharecusado um título de nobreza, o de visconde, que lhe foi oferecido peloimperador Pedro II após a assinatura da Lei Áurea. Segundo ele, em umpaís de instituições fracas como o Brasil, seria di ícil construir umademocracia sólida como a americana apenas pela mudança do regimemonárquico pelo republicano. “A grande questão para a democraciabrasileiranãoéamonarquia,éaescravidão”,dizia.Comoseucolegapernambucano,JosédoPatrocínioteveumavidadigna

de roteiro de cinema, mas suas origens sociais eram muito diferentes.Nascido em 1853 na vila de São Salvador dos Campos dos Goytacazes,nortedoRiodeJaneiro,era ilhodovigáriodacidade,ocônegoJoãoCarlosMonteiro,edeumaescrava,ajovemJustinaMariadoEspíritoSanto. [232]Fazendeiro, dono de um numeroso plantel de escravos, vereador,deputado provincial e iliado à Loja Maçônica Firme União, o padre JoãoCarlos era famoso pelas bebedeiras, jogatinas e aventuras sexuais. Teveinúmeros ilhoscomasjovensescravas,dasquaisseserviasemqualquerpudor—como,aliás,eracomumemtodooBrasilnaquelaépoca.Justina,amãe de Patrocínio, havia sido entregue a ele quando tinha doze ou trezeanos,comopresentedeEmerencianaRibeirodoEspíritoSanto,uma ieldaparóquiadeCampos,donadeescravose,segundoacreditamosbiógrafos,tambémamantedopadre.Em 1868, aos catorze anos, Patrocínio deixou o município de Campos,

sem que o padre jamais o reconhecesse como ilho. No Rio de JaneirotrabalhoucomoserventeaprendiznaSantaCasadeMisericórdiae,graçasaoapoiodeumprofessordaEscoladeMedicina,conseguiuestudarefazero curso de farmácia. Em vez de seguir a carreira de farmacêutico, noentanto, virou professor e jornalista. Casou-se com uma de suas alunas,MariaHenriquetadeSenaFigueira, ilhadocapitãoEmilianoRosadeSena,avô do futuro pintor Di Cavalcanti. Com a ajuda do sogro, um homem

bastante rico, republicano e abolicionista, comprou seu próprio jornal,Cidade do Rio, por cuja redação passariam nomes famosos, como o poetaOlavo Bilac e o engenheiro André Rebouças, também um importanteabolicionistaeamigodaprincesaIsabel.Patrocíniofoiumjornalistaagressivoepolêmico,cujapenanãopoupava

ninguém, nem mesmo os amigos e aliados republicanos. Na política, suabiogra ia é pontilhada de contradições. Como se viu nos capítulos iniciaisdeste livro, na tarde de 15 de novembro de 1889, enquanto omarechalDeodoroaindarelutavaemaceitaramudançadoregime,Patrocíniotomoua iniciativa de proclamar a República perante um grupo reunido naCâmara Municipal do Rio de Janeiro. Ao que tudo indica, no entanto, nofundo, era mais abolicionista do que republicano. Em 1888, após aassinaturadaLeiÁurea, icaradetalformagratoaopapeldesempenhadopela princesa Isabel quedeu a ela o título de “ARedentora”. Também seatribui a Patrocínio a criação da Guarda Negra, milícia composta de ex-escravosquetinhaporobjetivodefenderotronoeoTerceiroReinado.Companheiros de jornada abolicionista, Nabuco e Patrocínio se

distanciaram na República. Desgostoso com a queda da Monarquia, opernambucano se retirou da política por alguns anos, mas logo faria aspazes com o novo regime por amor à vida diplomática. Em 1905 foinomeado primeiro embaixador da República Brasileira nos EstadosUnidos, responsável por um trabalho exemplar de aproximação entre osdois países. Morreu em Washington, em 17 de janeiro de 1910, aossessentaanos.Seuprestígioera tãoelevadoqueogovernoamericano fezquestão de lhe dar homenagens só reservadas aos chefes de Estado.Transportado de Nova York para o Brasil em um navio de guerra, seucorpofoisepultadonoRecifeemmeioagrandecomoçãopopular.José do Patrocínio, ao contrário, perdeu rapidamente as ilusões em

relação ao regimeque ajudara a fundar.No governoFlorianoPeixoto, foipreso e deportado para uma localidade distante no Amazonas. Anistiado,retornou aoRiode Janeiro,mas tevedepassarmeses escondidona casadeparentes.Aoabandonarapolítica,tornou-seumhomemfascinadopelasinvençõesquerevolucionavamomundo.Foiumdosprimeirosbrasileirosa importar um automóvel, da França e movido à vapor, em 1892. Etambém o primeiro a se envolver em um acidente de trânsito: seu carroespatifou-se de encontro a uma árvore algumas semanas apósdesembarcarnoRiodeJaneiro.No imdavida,tentouconstruirumbalãodirigível, com o qual sonhava sobrevoar a cidade. O arcabouço do seuprojeto ainda estava em construção quando chegou de Paris a notícia de

que o também brasileiro Alberto dos Santos Dumont havia acabado decircundaraTorreEiffelcominventosemelhante.Morreuem1905,aos51anos, pobre e vivendo de favores dos amigos no bairro de Engenho deDentro,noRiodeJaneiro.OabolicionismodeAndréRebouças,LuísGama, JoaquimNabucoe José

do Patrocínio era um movimento urbano, enquanto a escravidãopermanecia como uma realidade rural. Na segunda metade do século XIX,ocorreraumdeclínioacentuadononúmerodeescravosurbanosemtodooBrasil. Na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, a população totalpraticamente dobrara entre 1864 e 1887, enquanto o númerode cativoscaíra de 100 mil para 7 mil no mesmo período. Em São Paulo, os 4 milescravosregistradosem1872reduziam-seaseiscentosem1886. [233]Nacampanha abolicionista havia, portanto, dois Brasis em confronto. Oprimeiro, o dos defensores do im da escravidão, era representado pelosadvogados, professores, médicos, jornalistas e outras pro issões urbanas—umpaísque frequentavaescolas,atualizava-sepelos jornais, reunia-senos cafés para discutir as ideias e novidades do século XIX. O outro Brasileraodos fazendeiros,aindamuitoparecidocomodaépocadacolônia—agrário,isolado,analfabeto,semcomunicaçõeseconservador.Os debates da época re letiam esse confronto. Em junho de 1884, o

ImperialInstitutoBaianodeAgriculturaenviouumapetiçãoàCâmaradosDeputados na qual reclamava do movimento abolicionista. “A escravidãotendo entrado em nossos costumes, em nossos hábitos, em toda a nossavidasocialepolítica,acha-sepor tal formaaelavinculadaqueextingui-lademomento será comprometer a vida nacional, perturbar sua economiainterna, lançar esta na indigência, na senda do crime e no precipício deuma ruína incontável”, alertava o documento. [234] Parlamentaresescravocratas ecoavam as reivindicações dos fazendeiros evocando emseusdiscursosumcenáriodecatástrofe.“Osabolicionistassãosalteadores;mas, para estes, tenho omeu revólver!”, ameaçavaMartinho de Campos,do Partido Liberal.[235] “Quem se atreverá a decretar de chofre umamedida que vai de encontro à vida da nossa pátria, que será amorte dalavouraedaindústria,oesfacelamento,adestruiçãoearuínadestevastoImpério?”,perguntavaogaúchoGasparSilveiraMartins.[236]Em 1884, Ceará e Amazonas se tornaram as primeiras províncias a

aboliraescravidãonoBrasil—quatroanosantesdaLeiÁurea.Ummotivoéque,nessas regiões, o trabalho cativodeixarade ser importanteparaaeconomia.Nocensode1872,osescravosrepresentavamapenas4,5%dototaldapopulaçãocearense.NoAmazonas,aproporçãoeraaindamenor,

de1,7%.[237]Acabarcomaescravidãonessasprovíncias teria,portanto,pouco impactonaeconomia local, aocontráriodoqueacontecianosuldoBrasil, especialmente no Vale do Paraíba, cujas fazendas de cafédependiam totalmente dos cativos. Ainda assim, as decisões tomadas porcearenses e amazonenses tiveram grande repercussão nacional pelo seuóbviosigni icadopolítico.Eraumavitóriadomovimentoabolicionistae foiusadacomoferramentadepropagandaatémesmonaEuropa.Um episódio ocorrido em 1881 no porto de Fortaleza contribuiu para

atrair asatençõesparaa luta contraa escravidãonoCeará.Foioboicoteao embarque de cativos liderado pelo jangadeiro Francisco José doNascimento, na época conhecido como “Chico da Matilde” e mais tarderebatizado como “Dragão do Mar”. Durante três dias, Nascimento e oscolegasserecusarama transportarparaosnaviosumgrupodeescravosvendidos para fazendeiros do sul do país. Em represália, o jangadeiro foidemitido do cargo de prático da barra que ocupava na Capitania dosPortosdoCeará.Apunição,noentanto,opromoveudeimediatoàcondiçãodeheróidomovimentoabolicionistabrasileiro.[238]Em março de 1884, José do Patrocínio estava em Paris, fazendo

propagandadomovimentoabolicionista,quandorecebeuanotíciadeque,graças à luta do “Dragão do Mar” e seus jangadeiros, o presidente doCeará, SátiroDias, acabarade anunciaro imda escravidãonaprovíncia.Algunsdiasmaistarde,aoembarcardevoltaparaoRiodeJaneiro,traziacomotroféunabagagemumacartinhadoescritorVictorHugocelebrandoofeitocearense:

UmaprovínciadoBrasilacabadedeclararaescravidãoabolida(...)estanotícia temumalcance imenso. (...) OBrasil in ligiu na escravidão umgolpe decisivo. O Brasil tem um imperador, e este é mais do que umimperador, éumhomem.Quecontinue.Nós lhedamososparabénseohomenageamos.Antesdo inaldoséculo,aescravidãoterádesaparecidodaTerra.Aliberdadeéaleihumana.[239]

Nos primeiros anos do movimento abolicionista, o imperador Pedro IIguardara uma atitude de reserva em relação ao assunto. Temia ferir osinteresses da aristocracia rural que compunha a base de sustentação daMonarquia. A todos estava claro que, sem uma ação mais irme domonarca,asoluçãodoproblemanãoavançaria. “Aescravidãobrasileiraéirmã gêmea da Monarquia”, escreveu o autor anônimo de um pan letopublicadoem1884noRiodeJaneirocomotítuloCartadeumagricultoràSuaMajestadeo Imperador sobrea questãodo elemento escravo . “As duasinstituições se defendem, ambas pelosmesmos argumentos: a tradição, o

costumeealei.”[240]Sob pressão das ruas, em 28 de setembro de 1885 o governo deu,

inalmente, mais um passo rumo à abolição. Foi a chamada Lei dosSexagenários,que libertavatodososescravoscommaisdesessentaanos.Naprática,eramaisumpaliativo.Aexpectativadevidaentreosescravosera tão ín imaque chegar aos sessenta anosno cativeiro seria quaseummilagre.Alémdisso,libertarumescravonessaidade,jábastanteavançadaparaaépoca,equivaliaaabandoná-loàprópriasorte, justamentequandoelemaisprecisavadeabrigoeproteçãodosenhorqueohaviaexploradoavidatoda.A lentidão do governo serviu de combustível para a campanha

abolicionista.Em1886,cincocativosforampresosnacidadedeParaíbadoSul, província doRio de Janeiro, acusadosdematar o feitor.Umdeles foicondenadoàprisãoperpétua.Osdemais,a trezentaschibatadascadaum.Eraumnúmerotãograndedeaçoitesqueapenademoroutrêsdiasparaser cumprida. Ao inal, com as costas lanhadas pelo chicote, os quatroforamobrigadosavoltarapédacidadeatéa fazendaonde trabalhavam.Nocaminho,doismorreram.Osoutrosdesmaiarameforamtransportadosemcarrosdeboi.Arepercussãodoepisódiofoitãograndeque,empoucosdias, o Senado aprovou uma lei colocando im nas punições comaçoites.[241]Em São Paulo, um grupomais radical chamado “Os Caifazes”, liderado

pelo advogado republicano emaçom Antônio Bento, promovia a fuga emmassa dos escravos, surrava os capitães do mato contratados pararecapturá-los,ameaçavaosfazendeirosefeitoresacusadosdemaus-tratos.Sob a proteção desse grupo, foi organizado o mais famoso quilombo daépoca, o do Jabaquara. Situado nas imediações das cidades de Santos eCubatão,nabaixadasantista,chegouareunir10milescravosfugidos.No Rio de Janeiro, a Confederação Abolicionista, de José do Patrocínio,

também criou um esquema para proteger escravos fugidos por meio decartasdealforriafalsi icadas.Onomeeaassinaturadoproprietárioeramictícios,masaconfederaçãoseencarregavadelegalizarodocumentocomcarimbo e irma reconhecida graças à cumplicidade do juiz da 2ª VaraCível, JulioAcciolydeBrito,edotabeliãoBustamanteSá,ambosferrenhosabolicionistas.Dessamaneira,oescravo fugitivopodiacircular livrementepelas ruas da cidade sem se preocupar com a polícia.[242] Preocupadoscom o grande número de fugas, alguns proprietários apressaram-se emconceder alforrias verdadeiras sob determinadas condições. Os escravoseramemancipados,masassumiamaobrigaçãode trabalharnas fazendas

por um período que variava de dois a cinco anos. Desse modo foramregistradasemSãoPaulo40milalforriasemmenosdeumano.[243]Ainda no Rio de Janeiro, a Confederação Abolicionista iniciou uma

campanhapara libertaros escravosnosquarteirõesdo centroda cidade.Uma das primeiras a aceitar o desa io foi a rua Uruguaiana, ondefuncionavao jornalGazetadaTarde .Emseguidafoiavezdabadaladaruado Ouvidor, onde foram libertados de uma só vez os 28 escravos doproprietário da Confeitaria Paschoal. Foi um ato de grande podersimbólico. A confeitaria era o local de reunião de poetas, políticos eescritores. Namesma época, o Centro Abolicionista da Escola Politécnica,que tinha à frente André Rebouças e Benjamin Constant, obteve alibertação dos escravos do largo São Francisco de Paula. O movimentoabolicionista avançava,dessemodo, comoemumcampodebatalha: cadarua,cadapraça,cadametroconquistadomereciaumacelebração.Em1887,duasvozesqueatéentãorelutavamemdefenderosescravos

cerraram ileiras com os abolicionistas. A primeira foi a do PartidoRepublicano paulista, que decidiu apoiar publicamente um projeto de leilibertando todosos escravosbrasileiros até14de julhode1889,datadoprimeiro centenário da Revolução Francesa. A segunda foi a da Igrejacatólica, que até então, com exceção de vozes isoladas, nunca izera umacondenaçãooficialàescravidão.Emoutubrodessemesmoano, ummanifestodoClubeMilitar assinado

pelomarechalDeodoropediaàregenteprincesaIsabelqueoExércitonãofossemaisutilizadonacaçaaosescravosfugitivos:

Senhora, os o iciais, membros do Clube Militar, pedem a Vossa AltezaImperialvêniaparadirigiraogoverno Imperialumpedido,queéantesuma súplica. Eles todos (...) esperam que o Governo Imperial nãoconsintaque,nosdestacamentosdoExércitoqueseguempara interior,(...) os soldados sejam encarregados da captura de pobres negros quefogem à escravidão, ou porque vivam já cansados de sofrer-lhe oshorrores, ouporqueum raio de luz da liberdade lhes tenhaaquecido ocoraçãoeiluminadoaalma.[244]

Nocomeçode1888,amaréabolicionistaatingiratal ímpetoque incluíaninguém menos que os ilhos da princesa Isabel, netos de dom Pedro II.Amigo da família imperial, o engenheiro André Rebouças conta em seudiário que nessa época catorze escravos africanos foragidos de fazendasvizinhas a Petrópolis foram convidados a almoçar com os príncipes —supostamentedeformaclandestina—nopalácioimperial.Comoapoiodamãe, os príncipes também inauguraram um jornalzinho abolicionista

chamadoCorreio Imperial , dirigido pelo mais velho deles, dom Pedro deAlcântaradeOrleanseBragança.Naediçãode21defevereiro,referindo-seàemancipaçãodeescravosiniciadaemPetrópolis,ojornalanunciava:

Para coroar estabela obra, falta somentequeos senhoresde escravos,inspirando-se em sentimentos generosos, facilitem por seu lado aemancipação, diminuindo, ao menos, o valor dos libertandos destacidade.[245]

No inal demarço daquele ano, a aristocrática e imperial Petrópolis foideclaradalivredaescravidão.LideradapelaprincesaIsabel,umacomissãodemoradoresarrecadaraosfundosnecessáriosparacompraraliberdadede102dos127 cativos existentesna cidade. Curiosamente, na cerimôniade entrega das cartas de alforria, apareceram mais cinquenta escravosfugitivos,pedindoparaseremincluídosentreosbene iciadospelaação.Alimesmo foi providenciada uma nova arrecadação de fundos para libertá-los.[246]O recadoera claro: a tarefadeeliminara escravidãopassavadas ruas

paraotronodoBrasil.EraessaaagendadaprincesaIsabelaoassumiraRegênciadoImpériopelaterceiraeúltimavez,emjunhode1887,durantemais uma viagem do pai ao exterior. Por determinação da regente, naaberturadasessãolegislativa,em8demaiodoanoseguinte,oministrodaAgricultura, conselheiroRodrigoAugustodaSilva, apresentouumprojetodeaboliçãoincondicionaldosescravos.Amedidafoipromulgadanoprazodeapenascincodias.Oitentaetrêsdeputadosvotaramafavordoprojeto.Apenasnovecontra,todosmembrosdoPartidoConservador.ComexceçãodeumdeputadodePernambuco,todososdemaiseramrepresentantesdaprovínciadoRiodeJaneiro,oúltimoredutodaescravidãonoImpérioe“amaisreacionária”nadefiniçãodoabolicionistaJoaquimNabuco.Mais de 5 mil pessoas se reuniram nas proximidades do prédio da

Câmara para acompanhar a discussão. No dia 13 de maio, um domingo,Isabeldeslocou-sedePetrópolisparaoRiodeJaneiro,paraassinaranovalei. Uma onda de entusiasmo tomou conta das ruas. “Foi o único delíriopopular que me lembro de ter visto”, relatou o escritor Machado deAssis.[247] Seguiram-se três dias de celebrações públicas, ofuscadasapenaspela chegadadasnotíciasdeagravamentodoestadode saúdedoimperadornaEuropa.A abolição, segundo o historiador pernambucano Manuel de Oliveira

Lima,significouoresgatedograndeerroaindadaépocadaIndependênciadoBrasil,que libertarapoliticamenteosbrancossemlibertarsocialmenteosnegros.Ocustodesseresgate,noentanto,seriaopróprioholocaustodo

Império e seu idoso monarca. “Eu vejo a Monarquia em sério perigo equase condenada”, escreveu Joaquim Nabuco ao barão de Penedo dozediasapósaassinaturadaLeiÁurea.“Aprincesatornou-semuitopopular,mas as classes (conservadoras) fogemdela e a lavoura está republicana.”[248]Ao todo, cerca de 700 mil escravos ganharam a liberdade com a Lei

Áurea. Em proporção ao total de habitantes do país, era um númerorelativamente pequeno. Na época da Independência, o Brasil tinha cercade 1,5 milhão de cativos, que representavam quase 40% do total dapopulação.Em1888,essaproporção tinhacaídoparaapenas5%.Mesmoassim, os ex-escravos foram abandonados à própria sorte. No Brasil nãohouve nada parecido com o Freedmen’s Bureau, instituição criada pelogoverno americano para dar assistência aos escravos libertos após aGuerra da Secessão. “A Lei Áurea abolia a escravidão, mas não o seulegado”,observouahistoriadoraEmíliaViottidaCosta. [249]Mesmoentreosabolicionistas, forampoucososquemanifestaramalgumapreocupaçãocom a sorte dos ex-cativos. “Estavam mais interessados em livrar asociedade brasileira do câncer da escravidão do que em cuidar da sortedoslibertos”,acrescentouViottidaCosta.“Umavezconquistadaaabolição,amaioriadeu-seporsatisfeita:tinhaalcançadoseuobjetivo.”[250]Alémdoabandonoaque foramrelegadososex-cativos,haviaumtraço

mais sutil e duradouro da escravidão que, a rigor, jamais se apagou naculturabrasileira.Éopreconceitocontranegrosemulatos.ExemplodissoéahistóriaenvolvendotrêsfundadoresdaAcademiaBrasileiradeLetrascontada pela professora Emília Viotti da Costa. Segundo ela, quandoMachado de Assis morreu, um de seus amigos, o escritor paraense JoséVeríssimo, escreveu um artigo de jornal em sua homenagem. Violou, noentanto,umaconvençãosocialaochamarofalecidode“omulatoMachadode Assis”. Joaquim Nabuco, que leu o artigo, não gostou da expressão epediu a Veríssimo que a retirasse do texto. “Seu artigo no jornal estábelíssimo”,escreveuograndeabolicionistapernambucano.“Masestafrasecausou-mearrepio.(...)Rogo-lhequetireisso(...).Apalavranãoéliteráriaeépejorativa.(...)OMachadoparamimeraumbrancoecreioqueportalsetomava...”Como imaginava Nabuco, Machado de Assis, de fato, passara a vida

atormentado por três pesadelos: os ataques epiléticos frequentes, asorigens modestas e a cor escura da pele. Casou-se com uma mulherbranca,manteveumaatitudediscretaemrelaçãoàcampanhaabolicionistaesuasobrasliteráriassãopovoadasporpersonagensdepeleclara.Raras

vezes se referiu anegrosoumulatos em seus romances e contos. “Todossabiam que Machado era ummulato, mas reconhecer isso publicamenteseriaumagafe,umaofensaaMachado”,resumiuViottidaCosta.[251]

13.AREDENTORA

GETÚLIODORNELLESVARGAS,omaisimportantepersonagemdaRepúblicabrasileiranoséculoXX, era ainda ummeninode quatro anos quando os vereadores desua cidade, São Borja, no Rio Grande do Sul, viraram notícia nacionaldevidoaumapolêmicadecisão.Em requerimento aprovadonodia13dejaneiro de 1888, a Câmara Municipal gaúcha propunha que, no caso defalecimento do imperador Pedro II, os brasileiros fossem consultados arespeitodaoportunidadeounãodeumterceiroreinado.Segundoo textodo documento, caberia ao país decidir, “por meio de um plebiscito, seconvémasucessãonotronobrasileirodeumasenhoraobcecadaporumaeducaçãoreligiosaecasadacomumpríncipeestrangeiro”.Àprimeiravista,poderiaparecermaisumadas inúmerasatitudessem

consequências que as CâmarasMunicipais ainda hoje adotam em todo oBrasil. Na verdade, era bem mais do que isso. Tratava-se de açãoorquestrada de uma parte da maçonaria brasileira contra a princesaIsabel,herdeiradacoroa,eseumarido,ofrancêsGastãodeOrleans,conded’Eu.[252]UmanoantesdechegaraoplenáriodaCâmaradeSãoBorja,aproposta

forasubmetidaàdiscussãodosmembrosda lojamaçônica local,chamada“VigilânciaeFé”,nosseguintestermos:

A Maçonaria que se levante, opondo-se irmemente, no caso fatal damortedo imperante,à sucessãode Isabel.Queevitepor todososmeioshonrosos, embora violentos, a coroação da princesa. O povo que segoverneeaMaçonariaque intervenhaparaafundaçãodeumgovernolivreemoralizado.

O autor da iniciativa, Aparício Mariense da Silva, era, além de maçom,fazendeiroevereador.NapolíticalocalestavaligadoaocoronelManueldoNascimento Vargas, pai do menino Getúlio e correligionário do cheferepublicanoJúliodeCastilhos.AprovadapelaCâmaradeSãoBorjadepoisdepassarpelocrivodosmembrosda loja“VigilânciaeFé”,aproposta foiem seguida enviada a diversas outras entidades maçônicas brasileiras,onde ponti icavam alguns nomes importantes domovimento republicano,comoosfuturospresidentesCamposSallesePrudentedeMorais,QuintinoBocaiúva, BenjaminConstant, Rangel Pestana, FranciscoGlicério, AméricoBrasiliense,UbaldinodoAmaral,AristidesLobo,BernardinodeCampose

Lauro Sodré. Dividido entre monarquistas e republicanos, o GrandeOriente do Brasil, órgão máximo da maçonaria no Rio de Janeiro, seabsteve de tomar uma posição o icial, o que não impediu querepresentações regionais aderissemde imediato à proposta dos gaúchos.Foi o caso das lojas “Independência e Regeneração III”, de Campinas, e“EstrelaD’Oeste”, deRibeirãoPreto, que aprovarammoções semelhantesemjunhode1888.Apesardamobilizaçãodaslojasmaçônicas,adecisãodaCâmaradeSão

Borja poderia ter caído no vazio não fosse a reação precipitada dopresidenteinterinodaprovínciadoRioGrandedoSul,oadvogadoJoaquimJacintodeMendonça.Conservador,adversáriodogrupodeManuelVargase Aparício Mariense da Silva, Mendonça determinou que os vereadoresfossem afastados dos seus cargos e processados. Foi o que bastou paraque se levantasse um clamor nacional em solidariedade aos gaúchos.Jornais e pan letos de todo o país passaram a repercutir o assunto e aatacarogovernoimperial.Em Santos, litoral paulista, o advogado Antônio da Silva Jardim,

igualmente membro da maçonaria, promoveu uma grande manifestaçãopública que marcaria o início de sua épica campanha republicana nasdemais regiões.[253] Diversas Câmaras Municipais aprovaramrequerimentos de igual teor no Rio Grande do Sul, em São Paulo, MinasGerais e Rio de Janeiro. Curiosamente, o processo contra os vereadoresnãoprosperounaJustiça,ondepromotoresejuízesligadosàmaçonariaseencarregaramdesustarseuandamento.[254]O episódio envolvendo a Câmara de São Borja ilustra o papel dúbio

desempenhado pela princesa Isabel nos acontecimentos que levaram àProclamaçãodaRepública.AoassinaraLeiÁurea,em13demaiode1888,Isabel propiciou um derradeiro e fugaz momento de popularidade daMonarquia brasileira, já abalada pelos con litos daQuestãoMilitar e peloavançodapropagandarepublicana.Emrazãodisso,recebeuhomenagensecelebraçõesem todoopaís, emespecialporpartedenegros,mulatoseex-escravosqueviamnaprincesaaprotetoraque jamaishaviam tidoemtodaahistóriabrasileira.Comoseviunoscapítulosanteriores,umdeles,omulatoeabolicionistaJosédoPatrocínio,lhedeuotítulode“ARedentora”,comoqualéreconhecidaatéhojeentreosbrasileiros.AmesmaLeiÁurea,no entanto, tirou do trono o seu mais sólido pilar de sustentação: aaristocracia rural e escravagista representada, principalmente, pelosbarõesdocafédoValedoParaíba.Paraossenhoresdeescravos,aaboliçãohaviasidoumatentadocontra

odireitodepropriedade.Elesconsideravamoscativosumbemparticular,tãovaliosoquantoasfazendas,aslavourasdecaféecana,osengenhosdeaçúcar e outros itens de seu patrimônio. Forçados a aceitar o im daescravidão depois de décadas de resistência, exigiam que o governoconcordasse, ao menos, em indenizá-los pelos prejuízos que julgavamsofrer. Os abolicionistas, porém, discordavam desse ponto de vista. Umdeles, o engenheiro André Rebouças, sustentava que, após a abolição,quem deveria receber indenização não eram os proprietários, mas osescravos, em razão do trabalho forçado e dos abusos a que foramsubmetidosaolongodavida.O governo adotou essa linha por uma questão prática: aos preços

vigentes na época da Lei Áurea, os 700mil escravos ainda existentes nopaís valeriam cerca de 210 milhões de contos de réis, enquanto oorçamento geral do Império não passava de 165 milhões de contos deréis.[255] Indenizar os senhores de escravos seria, portanto, impossível.Aoversuas reivindicações ignoradas,aaristocracia rural sentiu-se traídapelaMonarquia.Comoresultado,nosmeses seguintesàassinaturada lei,aderiuemmassaàcausarepublicana.Aaboliçãofoiapenaspartedoproblemaenvolvendoaprincesaimperial

easucessãodotronobrasileiro.Profundamentereligiosaeconservadora,ela era apontada pelos críticos como sendo mais iel às orientações daIgrejadoqueaosinteressesdosbrasileiros.“Hojenóspassamosodiatodona igreja, começandopor assistir àmissa”, escreveu Isabel aomaridoem15 de outubro de 1875. “Estoumuito cansada com a lavagem da igreja”,relatou em outra ocasião, referindo-se à limpeza semanal da catedral dePetrópolis.[256] Em reconhecimento à assinatura da Lei Áurea, o papaLeãoXIII lhe concedeu a Rosa de Ouro, uma das mais altas honrarias doVaticano.Aorecebê-ladasmãosdonúncioapostóliconacapelaimperialdoRiodeJaneiro,em28desetembrode1888,Isabelprestouumjuramentode obediência ao papa. Isso só contribuiu para a erosão de sua imagementre os republicanos, que na época defendiam a separação entre ospoderes da Igreja e do Estado. Para eles era inaceitável que a eventualfutura imperatriz do Brasil se subordinasse ao Vaticano de maneira tãoincondicional.AreaçãocontraIsabelpodesermedidaporumacartaqueofazendeiro

Cândido Teixeira Tostes, um dos homens mais ricos de Minas Gerais,conhecidocomoo“reidocafé”naregiãodeJuizdeFora,enviounaépocaao amigo e futuro genro Saint-Clair José de Miranda Carvalho. No texto,CândidoTostesserefereàLeiÁureacomo“celebrírrimaleide13demaio,

obramonumentaldessaidiotaquesópensahojenaRosadeOuroquelhefoi conferida pelo papa e que espera alcançar domesmo ser canonizadamuito brevemente”. Acrescentava em seguida: “Felizmente o que vaiacontecer é ser enxotada pela barra afora. (...) Caminhamos a passos degigante para riscarmos da América essa instituição que se chamaMonarquia”.[257]Os republicanos também acusavam a princesa de ser excessivamente

submissaaomarido.Naimprensa,dizia-seque,naeventualidadedamortedoimperadorPedroII,seriaoconded’Euoverdadeirosoberanobrasileiro.Nessecaso,oBrasilvoltariaasergovernadoporumpríncipeestrangeirocomohaviaacontecidoatéaabdicaçãodedomPedro Iaotrono,em1831.“O reinado de Isabel e Gastão de Orleans (...) será a nossa desonra,governodeagiotagem,desacristia,dapátriaembalcão,dopunhalcovardee assassino vibrado nas trevas”, a irmava o jornal ARepúblicaFederal, daBahia.[258]“Oterceiroreinadoéogovernodoterroredosangue”,ecoavaAristides Lobo noDiárioPopular, deSãoPaulo. “Ouopartido republicanoresolve-seaesmagaravíboraqueopretende sufocar, ou realmente terádesucumbir.” [259]Silva Jardim se referia à princesa como “uma senhorade espírito ignorante, frágil e fútil, educada pelomarido no carolismo desacristia,nãonareligião,emsarausburgueses”.[260]Isabel e a maçonaria estavam em rota de colisão desde a chamada

Questão Religiosa, série de con litos envolvendo o governo brasileiro e oVaticanoentre1872e1875.Naépoca,ospoderesdaIgrejaedoEstadoseconfundiamesemisturavam.Porumaprerrogativachamada“padroado”,herdadaaindadaMonarquiaportuguesa,omonarcaerasimultaneamenteochefedoEstadoeorepresentantesupremodaSantaSénopaís.Cabiaaele nomear bispos e padres, que recebiam salários do governo e lhedeviamobediência, como todososdemais funcionários.Tambémporesseprivilégiocompetiaao imperadorsancionarbulasedecisõespapaisantesque entrassem em vigor no país. Tudo isso funcionou relativamente bematémeadosdoséculoXIX,quandoascisõescomeçaramaaflorar.Uma das divergências dizia respeito à maçonaria. Alvo de críticas por

parteda Igreja,amaçonaria tinhagrande in luêncianapolíticabrasileira.Entre os maçons proeminentes da época estava José Maria da SilvaParanhos, o visconde do Rio Branco. Chefe do gabinete de ministrosresponsável pela promulgação da Lei do Ventre Livre, em 1871, RioBranco era também o grão-mestre — ou seja, líder supremo — damaçonariabrasileira.OpróprioimperadorPedroII,emboranuncatenhaseiliadoàmaçonaria, frequentavaas lojaseacompanhavacominteresseas

discussões políticas e ilosó icas que ali ocorriam. Por essa razão, oimperadordeixoudesancionaralgumasbulasdopapaPio IXqueproibiamos iéis católicos de frequentar as lojas maçônicas. Enquanto o soberanonãosemanifestasse,asdecisõesdopapanãoteriamvalorlegalnoBrasil,oquegerouumproblemaparaosbisposepadres,obrigadosaoptarentreas orientações do Vaticano e as do governo imperial que pagava os seussalários.Ocon litoveioàtonaemdoisepisódiosquasesimultâneos.Emmarçode

1872, o GrandeOriente do Brasil promoveu no Rio de Janeiro uma festaem homenagem ao visconde de Rio Branco pela promulgação da Lei doVentre Livre. Entre os presentes estava o próprio imperador. O oradorescolhidoparahomenagear oministro foi umpadremaçom, José Luís deAlmeidaMartins.Fielàorientaçãodopapa,oentãobispodoRiodeJaneiro,dom Pedro Maria de Lacerda, quali icou o ato de indisciplina e puniu osacerdote com a suspensão de suas ordens. [261] Namesma época, umalojamaçônica do Recifemandou celebrarmissa em comemoração ao seuaniversáriode fundação.ObispodeOlinda,domVitalMariaGonçalvesdeOliveira, proibiu a cerimônia e determinou a excomunhão de todo ielcatólicoquecontinuasseafrequentaraslojasmaçônicas.Posição semelhante foi adotada pelo bispo de Belém, dom Antônio de

Macedo Costa, em solidariedade ao colega pernambucano. Chamado aopinar, o governo anunciou que, antes de responder ao papa, bispos epadres brasileiros deviam obediência ao imperador. “O bispo é umempregadopúblico”,determinavaoparecerassinadopelosenadorNabucodeAraújo,paidoabolicionistaJoaquimNabuco.Em1874,domVitaledomMacedoCosta foram julgados e condenados a quatro anos de prisão comtrabalho forçado, pena depois reduzida para prisão simples porinterferênciadoimperadorPedroII.[262]Católica fervorosa, a princesa Isabel, que estava em viagem à Europa,

tomouasdoresdosbispos.“Ogovernoquer-setambémmeterdemaisemcoisasquenãodeveriamserdeseualcance”,protestouemcartaenviadaao pai. A seu ver, o governo imperial deveria zelar pelos direitos doscidadãos brasileiros e pelo cumprimento da Constituição,mas nada dissofaria sentido “se não obedecemos em primeiro lugar à Igreja”. [263] Em1875, os bispos foram anistiados mediante um acordo diplomáticopreviamente negociado com o Vaticano. Maçons e republicanos, porém,nuncaseconformaramcomodesfechodocasoemenosaindacomopapeldesempenhadopelaherdeirado trono.A concessãoda anistia aosbisposfoiatribuídaàin luênciadaprincesaIsabel.Avingançaviriaduasdécadas

maistarde,àsvésperasdogolperepublicano.Isabel foiherdeirado tronobrasileiropor43anos, entre1846, anode

seunascimento, e 1889, data da queda daMonarquia. Governou oBrasilem três ocasiões, na condição de princesa regente, sempre durante asviagensdeseupaiaoexterior.Alémdela,sóoutrasoitomulheresemtodoomundoocuparamopostodeautoridademáximadeseuspaísesduranteo séculoXIX: MariaII, de Portugal (a ilha primogênita de dom Pedro I);Vitória, da Grã-Bretanha; Isabella II, da Espanha; Liliuokalani, do Havaí;Guilhermina, da Holanda; Maria Cristina de Bourbon, de Napóles; MariaCristina de Habsburgo, da Espanha; e Emma deWaldeck e Pyrmont, daHolanda.[264]Mulher e candidata ao mais alto posto na administração pública do

Brasil imperial, Isabel era uma excentricidade em ummundomasculino,conservador e patriarcal.No século XIX, prevalecianopaís anoçãodequeas mulheres deveriam ser educadas para assumir o papel de esposa emãe. Por lei, estavam proibidas de votar e serem votadas. A elas estavatambémproibidooacessoaoensinosuperior,privativodoshomens,oqueobrigou a carioca Maria Augusta Generoso Estrela, primeira médicabrasileira,aobterodiplomaemNovaYork,em1881,conformeseviuemcapítulo anterior. Defendido já em 1832 pela potiguar Nísia Floresta(precursora do abolicionismo, da República e da luta pela igualdade degêneronoBrasil),odireitodasmulheresàeducaçãoeaovotodemorariaum século para virar realidade. O sufrágio feminino, ignorado pelaprimeiraConstituiçãobrasileira, de1824, seria novamente recusadopelaprimeira assembleia constituinte republicana, de 1891, e só incorporadoao Código Eleitoral por Getúlio Vargas em 1932, ainda assim comrestrições.Aoassumiraregênciapelaprimeiravez,emmaiode1871,com25anos

e nenhuma experiência política, Isabel viu-se à frente de um gabineteministerial compostode sete homensmaduros e circunspectos. Caberia aela, ainda que temporariamente, governar um país de 10 milhões dehabitantesedimensõescontinentais.Emvezdeseassustar,escreveuumacartabem-humoradaaopai,queestavanaEuropa:

Coisa tão esquisita ver-me assim do pé para a mão uma espécie deimperadorsemmudardepele,semterumabarba,semterumabarrigamuitogrande.

Na mesma carta, brincava dizendo que um eventual colapso doministério na ausência do pai a deixaria de “calças pardas”, expressãoequivalentea“borraracueca”noambientemasculino.[265]

Isabel nasceu no inal da tarde de 29 de julho de 1846, depois de umprolongado trabalho de parto da mãe, a imperatriz Teresa Cristina.Seguindoatradição,opai,domPedro II,alevouimediatamenteàpresençade um grupo composto de ministros, conselheiros de Estado e dospresidentesdaCâmaraedoSenado—todoshomens.Comoexigiaalei,alimesmo irmou-se uma declaração o icial em três vias na qual todos areconheciam como herdeira presuntiva ao trono. A pequena princesa foialimentada por uma ama de leite branca e católica, selecionada nacomunidade de imigrantes teuto-suíços de Nova Friburgo, e batizada nodia15denovembrodaqueleanonacapelaimperialdoRiodeJaneirocomágua benta trazida do rio Jordão, na Palestina (o mesmo rio em que oprofeta João Batista batizara Jesus Cristo, segundo os Evangelhos).Recebeu o nome de Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela GabrielaRafaela Gonzaga. Até a adolescência, assinava as cartas como IsabelCristina,ouapenasasiniciais“IC”.Na infância, Isabel submeteu-se com a irmã, Leopoldina, um ano mais

nova do que ela, a um formidável programa de educação concebido pelopai.[266]Arotinadiáriadeestudosprolongava-sepornovehorasemeia,seis dias por semana. Incluía aulas de latim, inglês, francês e alemão,história de Portugal, da França e da Inglaterra, literatura portuguesa efrancesa, geogra ia e geologia, astronomia, química, ísica, geometria earitmética,desenho,pianoedança.Maistarde,passaramaincluirtambémo italianoeogrego,históriada iloso iae economiapolítica.No começo,oimperador encarregava-se pessoalmente das aulas de geometria eastronomia. Chegou a escrever um tratado sobre astronomia para asprincesas.Aocompletarcatorzeanos,em1860,Isabelfoio icialmenteapresentada

àcorteemcerimôniapública.UmcortejodeseiscarruagensescoltadasporfuncionáriosdopalácioedoisesquadrõesdecavalariasaiudoPaçodeSãoCristóvãolevandoaprincesa.AochegaraoprédiodoSenado,nocentrodoRio de Janeiro, foi recebida por uma comissão de parlamentares. Noplenário, como previa o regimento, jurou “manter a religião católicaapostólica romana, observar a Constituição política da Nação brasileira eserobedienteàsleiseaoimperador”.Isabel estudou muito, mas curiosamente, vivendo numa sociedade

conservadora e masculina, cresceu ignorante das peculiaridades dopróprio corpo.Éoque sedepreendeda cartaque escreveuaomarido, oconde d’Eu, em agosto de 1865. Referia-se ao próprio ciclo menstrual:“Estemêseutivemenosomeuperíodo,jánãootenhohoje.Diga,seráque

não terei o período no próximomês se você não voltar? Eu não sei nadadessascoisas,querido,enãomeatrevoaperguntarsenãoavocê”.Nessemesmo ano, recebeu domarido, em viagem com o imperador Pedro II aosuldopaís,rigorosasinstruçõessobrecomosecomportarnasuaausência:

Nuncarecebashomens,anãosernacompanhiadeoutramulherNãorelaxesnapostura:ficaerguidaebemplantadanosdoispésCuidadoteufísicoTodasasnoitesenamissa,rezapeloBrasil,pormimeporteupaiRelêtudoistoalgumasvezes

Obedienteaomarido,Isabelrespondeutambémporcarta:Lioteubilheteevoutentarfazeroquemepedes[267]

Como era comumnos regimesmonárquicos, o casamento com o conded’Eu resultou de uma longa e meticulosa discussão entre o Impériobrasileiro e algumasdas famílias reaismais importantesdaEuropa.DomPedro II pessoalmente cuidou de tudo, conduzindo uma negociação embloco, que incluiu o destino não só de Isabel, mas também da ilhamaisnova, Leopoldina. Coube a ele pesquisar, negociar e acertar o casamentode ambas. Em carta ao cunhado, príncipe de Joinville, que o ajudou aencontraroscandidatosnaEuropa,rea irmouqueIsabel“hádecasarcomquemeu escolher, no que ela concordapor sermuito boa ilha”. Isabel eLeopoldina só souberam da identidade dos futuros maridos vinte diasantesquechegassemaoRiode Janeiro.EramosprimosLuísFilipeMariaFernandoGastãodeOrleans,oconded’Eu,eLuísAugustoMariaEudesdeSaxe-Coburgo-Gotha, o duque de Saxe, também conhecido como Gousty.Tinham22e19anos,respectivamente.A negociação, que durou seis meses, “muito se assemelhou a uma

transação imobiliária moderna”, na de inição do historiador britânicoRoderick J. Barman, autor de uma biogra ia da princesa Isabel.[268] Oscontratos de casamento previam, entre outras coisas, transferência depropriedade, rendas vitalícias previstas em orçamento público,indenizações em caso de algum imprevisto. “Nós lhe despachamosmercadoria de primeira”, comemorou o rei da Bélgica, Leopoldo I, tio dosdoisrapazes,aosaberqueestavamacaminhodoBrasil.Comose,defato,fossem mercadorias, os noivos eram descritos em detalhes nas cartastrocadas entre as autoridades envolvidas na transação. Um exemplo é acartaqueopríncipedeJoinvilleteveaprecauçãodeenviaradomPedro IIem fevereiro de 1864, na qual enumerava as qualidades e também umdefeitodofuturogenrodoimperador:

Eleéalto, forte,bonito,bom,gentilemuitosimpático,muito instruído,

amante do estudo e, ademais, já tem certo renomemilitar, 21 anos. Éum pouco surdo, é verdade, mas não tanto que chegue a ser umaenfermidade.

O imperador respondeu em seguida dizendo ter repassado todos osdetalhesàsprincesas:

Transmiti-lhes a informação (...) semomitir, porém, a surdez do conded’Eu,afimdeevitarqualquersurpresa.

Curiosamente, enquantoosnoivosviajavamparaoBrasil, aindanão sesabia exatamente quem casaria com quem. O acordo previamentenegociadopordomPedro IIeocunhadopreviaapenasqueosdoisprimossecasariamcomasprincesasbrasileiras,semespeci icaraquemestavamdestinados.AhistoriadoraMaryDelPriorecontaque,duranteaviagemabordo do navioParaná, queos trouxedaEuropa,Gastão eGousty teriamdisputadoasnoivasemjogosdecartaseatéemdados.[269]Sóa4desetembrode1864,doisdiasapósodesembarquedosnoivos

no Rio de Janeiro, o imperador Pedro II teve condições de comunicaro icialmente ao representante francês encarregado de acompanhar osrapazes na condição de conselheiro que Isabel escolhera Gastão, icandoGousty para Leopoldina. Uma anotação no diário da princesa Isabelconfirmaaincertezadaescolhaatéaquelemomento:

Pensava-seno conded’Euparaaminha irmãenoduquede Saxeparamim.Deuseosnossoscoraçõesdecidiramdiferentemente.

Aprimeira impressão dos noivos ao ver Isabel e Leopoldina noRio deJaneironãofoinadaboa.“Asprincesassãofeias”,a irmouoconded’Euemcarta à irmã, Marguerite d’Orleans, que morava em Londres. “Mas asegundaédecididamentepiordoqueaoutra,maisbaixa,maisatarracadae, em suma,menos simpática”, completou, referindo-se a Leopoldina. Emoutra correspondência, duas semanas mais tarde, alertou a irmã: “Paraque não te surpreendas ao conhecerminha Isabel, aviso-te que ela nadatem de bonito; tem sobretudo uma característica que me chamou aatenção.Éque lhe faltamcompletamenteassobrancelhas.Masoconjuntode seu porte e de sua pessoa é gracioso”. Mesma avaliação faria mesesmais tarde o tio de Isabel, príncipe de Joinville, ao conhecê-la durante aviagemde luademelnaEuropa. “Amulheré feianaplenaexpressãodapalavra”,relatouàirmã,Clementina.“Elaéumaprincesafeia,mastemumarbomeevidentementerecebeuumaeducaçãomuitoacurada.”[270]Isabel e o conde d’Eu casaram-se em cerimônia realizada na capela

imperial em 15 de outubro de 1864, dia em que uma tempestade degranizo causou grandes estragos no Rio de Janeiro. Para comemorar o

casamento,aprincesapediuaopaiquelibertassedezescravosdoPaláciodeSãoCristóvão.Ocasalpassousuaprimeiranoiteemaisduassemanasem Petrópolis, na casa da família de uma amiga de infância da princesa,antes de seguir para a Europa em viagem de lua de mel que incluiuPortugal,Inglaterra,Bélgica,Alemanha,ÁustriaeEspanha.Sabe-sedainiciaçãosexualdaprincesa,nessaprimeiranoite,pelacarta

queelaescreveuaomaridoumanomaistarde:Decerto esta noite eu vou dormir mais do que há um ano, mas quediferença!Euestavaagitada,éverdade,mas,devescompreender,estavatãocontenteefeliz!!!

Emoutracarta,nodiaseguinte,novasrecordações:Hoje faz um ano que me deste um beijo de manhã, ao te levantares.Comoissomeagradou!!!

Começavaali uma relaçãoapaixonada,quedurariapelavida toda,masuma sombra haveria de turvar os anos iniciais do casamento: o casaldemoroudezanosparater ilhos—oquea inaldecontaseraaprincipalobrigação da herdeira do trono brasileiro, segundo observou ahistoriadoraMaryDelPriore.Fofocasmaldosasnacorteperguntavamseaprincesa seria infértil ou se o “reprodutor” francês não funcionava.Enquanto isso, para constrangimento ainda maior do casal imperial, oscunhadosGoustyeLeopoldinatinhamumfilhoporano.Em1869,aindaàsvoltascomasdi iculdadesemter ilhos,oconded’Eu

conseguiu convencer o imperador Pedro II a enviá-lo para a Guerra doParaguai. Era uma reivindicação antiga. Até então, ele sentia-se inútil epoucoprestigiadonoRiode Janeiro. Irparaaguerraseriauma formadedemonstrar seus talentos militares e também assumir as altasresponsabilidades que julgava merecer na administração do Império.“Fragilizado na cama, é provável que quisesse compensar sua frustraçãonos camposdebatalha”, observouMaryDelPriore. “Senão era capazdeinsuflarvida,podiasemearamorte.”[271]O conded’Eu foi nomeado comandante supremodas tropas brasileiras

no Paraguai no dia 22 de março de 1869 em razão de uma criseenvolvendo o então marquês de Caxias, cuja liderança havia sido, atéaquele momento, fundamental para a vitória dos aliados. Em janeirodaquele ano, as forças aliadas haviam entrado inalmente em Assunção,uma cidade abandonada à própria sorte pelo ditador paraguaio SolanoLópez, a essa altura refugiado na cordilheira. Idoso e enfermo, Caxias,comandanteemchefedaTrípliceAliança,achavaque,comaocupaçãodacapital inimiga, o con lito, iniciado em1864, chegara ao im. Caçar Solano

Lópezseriaprolongá-lomuitoalémdonecessário.“Aguerrachegouaoseutermo”,proclamounaordemdodiaexpedidaa14dejaneiro.“OExércitoeaesquadrabrasileirapodemufanar-sedehavercombatidopelamaisjustaesantadetodasascausas.”Nãoeraesse,porém,oentendimentodedomPedro II. “Eu não negocio com López! É uma questão de honra, e eu nãotransijo!”, escreveu o imperador em carta à amiga condessa deBarral.[272] Contrariado, Caxias pediu demissão e voltou para casa semdar satisfações ao governo imperial. Caberia ao conde d’Eu terminar atarefa fazendo a caçada a Solano López. “Seria uma etapa despida deglórias”,observouohistoriadorVascoMariz.[273]Ao chegar aAssunção, o conded’Eu tinha27anosde idade.Umo icial

brasileiro,Alfredod’EscragnolleTaunay,futuroviscondedeTaunay,queoconheceunaocasião,registrouemsuasmemóriasdetalhescuriososdesuaaparênciaepersonalidade:

Um narigão temível, (...) desajeitado, deselegante, frequentementedespenteado, vestia-se mal, não dançava bem, instável no trato diário,meio surdo, avarento e propenso ao desânimo e à depressão (...). Seusotaqueáspero,porvezesdemasiadoacentuado,desagradava.[274]

Estranhamente, uma das primeiras decisões tomadas pelo conde aochegaraoParaguaifoiaboliraescravidãonopaísvizinho.Anotíciacausouenormesurpresaentreosbrasileiros.Porumlado,con irmavaossincerossentimentos abolicionistasda família imperial brasileira. Por outro, criavauma dissonância entre a realidade do país vencedor e a do vencido. OBrasilqueimpunhaaaboliçãonoParaguaieraaindaumpaísescravocrataconvicto.Opior,noentanto,aindaestavaporvir.Oditadorparaguaio foimortopelas tropasbrasileirasna localidadede

Cerro Corá em março de 1870, mais de um ano após a ocupação deAssunção. Acuado e sem meios de se defender, usou como escudosmulheres, crianças, velhos e adolescentes, que foram trucidados sempiedade pelas tropas brasileiras. Os números são imprecisos,mas algunshistoriadores falam em mais de 100 mil mortos, entre 10% e 15% dapopulaçãoparaguaia,de1milhãodehabitantesnessaépoca.Omassacre,considerado desnecessário por muitos estudiosos, manchou de maneirairremediávelabiogra iadoconded’Eu.JúlioJoséChiavenato,autordeumahistóriadocon litosobaóticadaesquerdade1979,oacusoude“sádico”e“sanguinário”, responsável por “uma crônica fantástica pelos crimes quecometeu”.[275] Francisco Doratioto, um pesquisador mais equilibrado ecriteriosonousodas fontes, aindaassimodescreveucomoumcriminosodeguerra,capazdedegolarprisioneirosdesarmadoseexecutarasangue-

friomulheres,criançaseadolescentesnacaçadafinalaSolanoLópez.[276]De regresso ao Rio de Janeiro, em abril de 1870, o conde d’Eu foi

recebidocomfestasnasruasehomenagensoficiais.Logochegariamaofimtambémsuasangústiasconjugais.Em15deoutubrode1875,Isabeldeuàluz o tão aguardado primogênito, batizado com o nome do avô, Pedro deAlcântara. O segundo ilho, Luís, viria em 1878. O terceiro, Antônio, em1881. “A inal, o reprodutor francês funcionava bem...”, cutucou ohistoriador Vasco Mariz.[277] A felicidade do casal, no entanto, seriarapidamente ofuscada pelas di iculdades políticas enfrentadas pelaMonarquiabrasileira.Isabel e o conde d’Eu se tornaram o alvo predileto dos ataques da

campanha republicana, acusados de serem os responsáveis porvirtualmentetodasasmazelasnacionais.Entreoutrascríticas,ocondeeraapontado como dono de cortiçosmiseráveis no centro do Rio de Janeiro,onde explorariade formadesumanaosmoradorespobres cobrando-lhesaluguéis extorsivos.Diziamatéque cobravapessoalmente esses aluguéis.Um de seus biógrafos, o historiador e sociólogo potiguar Luís da CâmaraCascudo, garante que nada disso era verdade. [278] Nem por isso aimprensarepublicanalhedavatrégua.“Gastão de Orleans, conde d’Eu, (...) é o futuro imperador do Brasil”,

sentenciou aRepública Federal, da Bahia, em abril de 1889. “É clerical,intolerante,monarquista de direito divino, aristocrata, usurário, avarento.(...) O que esperar deste rebento corrompido, ilho degenerado de umafamília que traz no sangue o gérmen de todos os vícios que coram deapresentar-seà luzdosol?”[279]Empúblico,ocondesuportava tudoemsilêncio, mas reclamava da situação nas cartas enviadas à família naEuropa. “Estou cansado de ser usado aqui como bode expiatório pelaimprensa,ostensivamenteresponsabilizadoportudo,semnarealidadetervozneminfluência”,queixou-seemcorrespondênciaaopai.Isabel, por sua vez, era atacada pelo conservadorismo e pelo apego

extremado à religião católica. O fanatismo da princesa causava profundairritaçãonasliderançaspolíticas,queaviammaisempenhadaemcumprirsuas obrigações religiosas do que em preocupar-se com os destinos dopaís. “Estou convencido de que o terceiro reinado será uma desgraça”,escreveu em dezembro de 1887 o jornalista João Capistrano de Abreu aJosé Maria da Silva Paranhos Júnior, futuro barão do Rio Branco. “Aprincesa não tem popularidade e, infelizmente, faltam-lhe muitas outrasqualidadesparaocuparolugardopai”,reforçouo JornaldoCommercio ,omaisimportantedaépoca.[280]

Essascríticaseramcompartilhadasnãoapenaspelosrepublicanos,mastambém pelos monarquistas, e continuariam mesmo depois daProclamação da República. Episódio exemplar disso foi o encontro que ochefe liberal gaúcho Gaspar Silveira Martins, um monarquista convicto,relatouter tidocomaprincesaemnovembrode1891, jáduranteoexílioda família imperial em Paris. Ao tomar conhecimento de que omarechalDeodorohaviadissolvidooCongressoNacionaleimplantadoumaditadurade fato no Brasil, Silveira Martins procurou Isabel e insistiu inutilmenteparaqueela retornasseaopaís comamissãode liderarosesforçospelarestauração da Monarquia. A princesa, segundo o político gaúcho, teriarecusado a proposta alegando ser antes de tudo católica. Como tal, nãopoderiadeixaracargodeprofessoresbrasileirosrepublicanosaeducaçãodosfilhos,cujaalmaelajulgavanaobrigaçãodesalvar.—Então,senhora,seudestinoéoconvento—teriarespondidoSilveira

Martins, dando por encerradas as esperanças de restauração dotrono.[281]Aprincesamorreunoexílio,em14denovembrode1921,aos75anos.

Seus restos mortais, transferidos inalmente para o Brasil em 1953,repousamatualmentenacatedraldePetrópolis,ao ladodomarido,conded’Eu,edopaiedamãe,Pedro IIeTeresaCristina.Aindahoje,maisdeumséculo após a Proclamação da República, Isabel continua a ser umapersonalidade popular entre os brasileiros. Entre seus admiradoresmonarquistas existe até um movimento destinado a convencer a Igrejacatólicaacanonizá-la,ouseja,declará-laoficialmentesanta.Sua popularidade entre as pessoas mais pobres foi comprovada

recentementeemconcursonacionalpromovidopeloSistemaBrasileirodeTelevisão, o SBT, rede de comunicação que tem seu público principal nasclassesCeD.Emmeadosde2012,ostelespectadoresforamconvidadosavotaremuma listade celebridadeshistóricasparaaescolhade “Omaiorbrasileiro de todos os tempos”. Como se podia prever, a relação traziaexcentricidades como o goleiro Marcos, do Palmeiras, e o bispo EdirMacedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus. Igualmenteprevisível foiavitória inaldomineiroChicoXavier,omédiumespíritadeUberaba, Minas Gerais, falecido em 2002. Ainda assim, causou surpresaobservar entre os inalistas a princesa Isabel ao lado de Alberto SantosDumont, superando em popularidade outros nomes importantes, comoTiradentes, os presidentes Juscelino Kubitschek e Getúlio Vargas e opróprioimperadorPedroII.

14.OIMPERADORCANSADO

UM ENIGMA DESAFIA ATÉ HOJE historiadores e outros estudiosos da Proclamação daRepúblicanoBrasil.Apesardetodasasevidênciasdeumaconspiraçãoemandamento,ogovernoimperialpermaneceuinerte.Nosdiasanterioresaogolpe republicano, o imperador Pedro II comportou-seo tempo todocomose nenhuma ameaça rondasse o trono. A seu ver, estava tudo tãoabsolutamente calmo que julgou desnecessário reunir-se com qualquermembro do governo nos dias que antecederam a queda do Império.Nenhumde seusministros, por sua vez, preocupou-se emalertá-lo sobreos insistentesboatosque tomavamcontada cidadee sobreoóbvio climadeagitaçãonosquartéis.ProclamadaaRepública,nenhumcomandantedearmas ou governador de província saiu em defesa da Monarquia. Asreações foram raras e isoladas, na maioria dos casos nas camadas maishumildes da população, que, obviamente, não tinham meios paracontrapor-seaofatoconsumado.Comoexplicartamanhaapatia?Max Leclerc, o jornalista francês que percorria o Brasil na época —

citadonoscapítulosiniciaisdestelivro—,registrou:Arevoluçãoestáterminadaeninguémparecediscuti-la.Masaconteceuqueosque izeramarevoluçãonãotinhamdemodonenhumaintençãode fazê-la e há atualmente na América um presidente da República àforça. (...) Deodoro desejava apenas derrubar umministério hostil. EracontraOuro Preto e não contra aMonarquia. (...) AMonarquia caíra.Colheram-na sem esforço como um fruto maduro. Ninguém levantouumdedoparadefendê-la.[282]

Maisadiante,falandodaverdadeiracausadaquedadoImpério,LeclercafirmouqueaprópriaMonarquia,obsoletaeincapazdesereinventar,foradecisivaparaotriunforepublicano:

O edi ício imperial, mal construído, edi icado para outros tempos eoutros destinos, já não bastava às necessidades dos novos tempos.Incapazderesistiràpressãodasideias,dascoisasedoshomensnovos,jásetornaracaducoetinhaseusalicercesabalados.[283]

Ninguém simbolizava mais esse quadro de letargia e torpor do que opróprio monarca. No crepúsculo do Segundo Reinado, um dom Pedro IIdoente, cansado e “velho antes do tempo”, como de iniu o sociólogopernambucanoGilbertoFreyre,nemdelongelembravaa igurapoderosa

ecarismáticaqueporquasemeioséculoconduziracom irmeza,paciênciae sabedoria os destinos da nação.[284] Confrontado com o avanço dapropagandarepublicanaeaindisciplinanosquartéisgeradapelaQuestãoMilitar, parecia incapaz de exercer a liderança que omomento exigia. “Oimperador cada vez mais esquecido das coisas presentes e alheio aosassuntos políticos”, anotou o visconde de Taunay em seu diário de 19 deabrilde1889.[285]Como jáseviuemcapítuloanterior,domPedro II eraumhomemfrágil,

najuventudesujeitoafrequentesataquesdeepilepsiae,apartirdameia-idade,vítimadediabetes.Osproblemasdesaúdeseagravarammuitonosdoisanos inaisdoseureinado.Emfevereirode1887,enquantoassistiaaumconcertonoHotelBragançadePetrópolis, foiatacadoporumadordecabeça tão forte que se viu obrigado a se retirar do camarote em queestava. O desconforto persistiu por dois meses. Em abril, os médicosdiagnosticaram um ataque de febre palustre, agravado pelo avanço dodiabetes.Suamemória icoubastanteabalada.Algunsauxiliareschegaramasuspeitarqueestivesseperdendoa sanidademental.Aprincesa Isabel,que se encontrava na Europa, foi chamada a voltar às pressas ao Brasil.“Fiqueimuitomalimpressionadocomoaspectodoimperador”,escreveuobarãoVonSeiller,representantedaÁustrianoRiodeJaneiro.“Envelheceumuito,estámagro,orostoabatidoenãotemamesmaalegriadeantes.Dáa impressão, às vezes, de que tem di iculdade em falar. Em suma, é umhomemdoente.”[286]O quadro pareceu tão grave que osmédicos aconselharam tratamento

na Europa. Embarcou no dia 30 de junho de 1887, em companhia daimperatrizedonetoPedroAugusto,enquantoaprincesaIsabelassumiaaregênciapela terceira vez.Na suaausência, deumanoedoismeses, eratalaconvicçãodequeoimperadornãoretornariacomvidaque,emartigono jornalO Paiz, o jornalista republicano Quintino Bocaiúva referiu-se aonavioqueo transportava como “esquifedaMonarquia”. [287] Na Europa,domPedro II icouaoscuidadosdosprofessoresCharlesBouchardeJean-Martin Charcot, duas sumidades médicas. Internado durante dois mesesemumaestaçãodeáguasterapêuticasnaSuíça,pareceuserecuperar.Namanhã de 3 de maio, no entanto, teve uma súbita recaída em Milão.Chamado às pressas, seumédico particular, Claudio Velho daMotaMaia,registrouqueoaspectodedomPedroeraassustador.Prostradonacamadohotel,pareciaagonizar.Chegouareceberaextrema-unçãodeumpadreconvocado às pressas, enquanto os médicos lhe aplicavam injeções decafeína,umpoderosoestimulante.

A situação era tão delicada que, ao receber o telegrama do Brasil comnotícia da aprovação da Lei Áurea, a imperatriz Teresa Cristinainicialmenterelutouemmostrá-loaomarido.Temiaqueaemoçãopudesseagravar-lheoestadodesaúde.Por im,decidiuqueeramelhorcontarlogoas novidades que ele esperava havia muito tempo. Dom Pedro II abriulentamenteosolhosemalteveforçasparaperguntar:—NãohámaisescravosnoBrasil?—Não há— respondeu a imperatriz.— A lei foi votada no dia 13; a

escravidãoestáabolida.— Demos graças a Deus — murmurou dom Pedro. — Grande povo!

Grandepovo!Edesatouachorarcopiosamente.[288]Ao retornar da Europa, em agosto de 1888, tinha a aparência de

inválido,semânimoparanadaeincapazdeconduzirosdestinosdanação.“Todo o sistema de governo, que durante quarenta anos dependera daorientaçãoedainspiraçãodoimperador,perdeuorumonosmesesqueseseguiram ao seu retorno”, observou o historiador britânico Roderick J.Barman.[289] “Aos 62 anos”, relatou Heitor Lyra, biógrafo de Pedro II,“dava a impressão de um homem velho de corpo e de espírito, com aaparênciadeumancião,barbaecabelosembranquecidos,andarpesadoearrastado—otodoumardehomemcansado.”[290]Tornou-seforteorumordeumaabdicaçãoemfavordaprincesaIsabel,

o que, por sua vez, só fez aumentar a resistência a um eventual terceiroreinado,pelassuspeitasqueaprincesaeomaridodespertavamentreboaparte da elite brasileira. Uma hipótese muito discutida foi que a própriaIsabel tambémabdicariaemfavordosobrinho,opríncipePedroAugusto,ilho de sua falecida irmã Leopoldina. Afastaria assim o risco de que otrono brasileiro fosse ocupado, indiretamente, por um estrangeiro, ofrancêsconded’Eu.Aos22anos,formadoemengenhariapelaantigaEscolaPolitécnica,com

especialização em mineralogia, Pedro Augusto era um rapaz bonito einteligente. Acima de tudo, era homem, portanto um candidato mais aogosto da elite imperial masculina. Este jovem príncipe teria, porém, umtriste im,vítimadeumgravedistúrbiomental.Em1892,trêsanosapósaquedadaMonarquia,seriainternadopelopaiemumsanatórionaÁustria,depoisde tentarosuicídioatirando-sedas janelasdoPaláciodeCoburgo,em Viena. Seus acessos de loucura atraíram a atenção de ummédico jáfamoso na época, Sigmund Freud, pai da moderna psicanálise. PedroAugusto jamais saiudosanatório,ondemorreuem julhode1934, aos68

anos.Aspreocupaçõesarespeitodasaúdedoimperadoresuacapacidadede

conduzir os destinos da nação eram partilhadas na família real. “Nunca,nos últimos quarenta anos, a situação da Monarquia brasileira pareceumais instável do que hoje”, escreveu o conde d’Eu numa carta ao pai, oduque deNemours, em 23 de agosto de 1888. “O declínio daMonarquianão faz senão se acentuar cada vez mais”, anotou em outra carta, denovembro do mesmo ano. “O imperador, por maior que seja a sua boavontade,jáéincapazdegovernarcomogovernavaantesdeadoecer.”Emmaiode1889,oconded’Euanunciouquefariaumalongaviagemàs

províncias do Norte e do Nordeste. O objetivo era defender o Impériocontraosataquescadavezmaisagressivosdosrepublicanos.Di icilmentehaveriapiorgaroto-propagandaparaaMonarquia.Ocondeviajousozinho,deixando a princesa Isabel no Rio de Janeiro. Os críticos viram nisso aprova de que, na eventualidade de um terceiro reinado, seria ele overdadeiro imperadordoBrasil.Cienteda impopularidadedoadversário,oadvogadoSilvaJardimdecidiusair-lheaoencalço.Aondefosseoconde,láestaria também o mais radical dos propagandistas republicanos. Porcoincidência, embarcaram no mesmo navio. O conde foi recebido comfestasemtodasascidades,maslogosecon irmouasuafaltadehabilidadepolítica.EmdiscursopremonitórionoRecife,a irmouque,seaMonarquiafossederrubadapelaRepública,afamíliaimperialteriadedeixaroBrasil.A declaração causou polêmica no Rio de Janeiro. Enquanto isso, SilvaJardim enfrentava problemas com a polícia em meio a manifestações afavorecontraoImpério.No dia 15 de julho, quando a família imperial saía do teatro no Rio de

Janeiro,alguémgritou“VivaaRepública!”.Emseguida,ouviu-seumtiroderevólver,queteriapassadoderaspãonocochededomPedro II.Oautordodisparo,oportuguêsAdrianoAugustodoVale,presoemseguida, eraumcaixeiro desempregado, sem nenhuma ligação com o movimentorepublicano. Nomomento da prisão, estava embriagado, na porta de umbar onde, diante dos fregueses, vangloriava-se em alta voz de haveratirado contrao imperador, prometendovoltar à cargavisto ter erradooalvo.[291] Era um caso banal, mas serviu de combustível no clima deradicalizaçãoreinantenacidade.Emrespostaaosupostoatentado,ochefeda polícia do Rio de Janeiro, conselheiro José Basson deMiranda Osório,publicou um edital proibindo qualquer pessoa de dar vivas à República,medidaquelogocaiuemdescrédito.Enquanto isso, o governo perdia apoio também no Congresso. Às

vésperas da viagem do conde d’Eu, caiu o ministério de João AlfredoCorreia de Oliveira, responsável pela aprovação da Lei Áurea. Em seulugar assumiu o visconde de Ouro Preto, chefe do último gabinete doImpério.Aos52anos,deputadoporMinasGeraisdesde1864esenadorapartir de 1879, formado pela Faculdade de Direito de São Paulo, era ocandidato favorito da princesa Isabel. Todos viam sua chegada ao podercomoumapreparaçãoparaoimpopularterceiroreinado.Antes de Ouro Preto, dom Pedro II tentara convencer o liberal baiano

José Antônio Saraiva a assumir o posto. Saraiva recusara alegandoproblemas de saúde,mas teve a coragemde entabular como imperadorumaconversafrancaarespeitodoque,nasuaopinião,viriaaocorrernosmeses seguintes. Na sua opinião, a República parecia inevitável. Erapreciso preparar o país para recebê-la. Preocupava-o a possibilidade deanarquia ederramamentode sanguenumaeventualmudançade regimepela via revolucionária. Sugeriuque, porprecaução, o governo tomasse ainiciativa de propor reformas para atender a algumas reivindicaçõesrepublicanas, como a federação, de modo a tornar a transição o menosdolorosapossível.—Eoreinodaminhafilha?—perguntou-lheoimperador.—Oreinadodevossa ilhanãoédestemundo—terialherespondidoo

político baiano, fazendo ver ao imperador que o “devotamento aoclericalismo”daprincesaIsabeleaimpopularidadedomarido,conded’Eu,tornavamahipótesedeumterceiroreinadoinviável.[292]Ao assumir o governo, Ouro Preto apresentou ao Congresso um

ambiciosoprogramadereformas.Propôso imdavitaliciedadenoSenado,a redução dos poderes do Conselho de Estado, que passaria a ser umórgão meramente administrativo, sem funções executivas, a eleição dasautoridadesmunicipais, a escolha dos presidentes e vice-presidentes dasprovíncias entre os candidatos mais votados (e não mais por meraindicaçãodo imperador),osufrágiouniversal, liberdadedeculto,reformanosistemadeeducaçãoa imdeestimularainiciativaprivada.“Asituaçãodo país de ine-se, a meu ver, por uma frase: necessidade urgente eimprescindíveldereformasliberais”,resumiuonovochefedogabinente.Àprimeiravista,eraumprogramaousado,masnapráticatratava-seda

mesma proposta apresentada duas décadas antes pelo mesmo PartidoLiberalagoracomandadoporOuroPreto,semnuncatersidocolocadaemprática.Paraos republicanoseramaisumacabaldemonstraçãodequeoImpério não seria capaz de reformar-se a si mesmo, travado pelas suaspróprias forças internas, uma prova de que só a mudança de regime

poderia levar opaís adiante. Por essa razão, ao ouvir odiscursodeOuroPreto, Pedro Luiz Soares de Sousa, deputado conservador pelo Rio deJaneiro,levantou-seegritou:—ÉocomeçodaRepública!Aoqueoministroretrucou:—Não,éainutilizaçãodaRepública.Ouseja,atéaquelemomentoOuroPretoaindaacreditavaqueoImpério

teriacondiçõesdeatenderàsreivindicaçõesquevinhamdasruase,dessaforma, assegurar a própria sobrevivência, pelo menos por mais algumtempo.Foidesmentidopelosacontecimentosdassemanasseguintes.Irritado com a apresentação do programa de reformas dos liberais, o

deputado conservador Gomes de Castro, do Maranhão, apresentou umamoçãodedescon iançaaoministério,quefoiaprovadapor79votoscontravinte. “O resultado da votação testemunhava a incapacidade dos gruposdominantesdeaceitaramudançaeas reformasnecessárias”,observouahistoriadora Emília Viotti da Costa.[293] Durante os acalorados debates,dois deputados—o advogado Cesário Alvim, deMinas Gerais, e o padreJoãoManuel de Carvalho, do Rio Grande do Norte— subiram à tribunaparafazerprofissãodeférepublicana.—Nãonos iludamos,aRepúblicaestá feita—a irmou JoãoManuel.—

Ela existe de fato em todos os espíritos, em todos os coraçõesbrasileiros.[294]Diantedo impasseproduzidopelamoçãodedescon iança,o imperador

decidiu, pelaúltimaveznos67 anosdaMonarquia, dissolver aCâmara econvocar novas eleições, emuma tentativa de recompor a base aliada noParlamento.Realizadoem31deagosto,opleito,de fato, conferiumaioriaesmagadoraaopartidodogoverno,comotinhaacontecidoaolongodetodooSegundoReinado.Dessavez,noentanto,osnovosdeputadosnãoteriamtempodeassumirseusmandatos.ARepúblicachegariaantes.

15.OBAILE

NOSDIASENSOLARADOSESEMneblinadoRiodeJaneiro,todavezqueosaviõesfazemaaproximaçãodoaeroportoSantosDumontapartirdaponteRio-Niterói,ospassageiros têm oportunidade de contemplar um marco da queda doImpériobrasileiro.Éumailhotarochosa,dominadaporumedi íciodecoresverdeada em estilo gótico provençal, que aparece sob a asa direitasegundos antes que a aeronave toque a pista de pouso. Ali aconteceu ofamosoBailedaIlhaFiscal.FoioúltimograndeeventosocialdaMonarquiabrasileira, realizadonanoite de9 denovembrode1889, um sábado, emhomenagem aos o iciais e marinheiros do encouraçado chilenoAlmiranteCochrane.As relações do Brasil com o Chile sempre foram as mais cordiais

possíveis. Entre todas as nações sul-americanas vizinhas, eram as quetinhammenoscon litosemaisinteressescomuns,situaçãoque,arigor,semantém até hoje. Além disso, no inal do séculoXIX os dois países eramvistoscomopoliticamenteosmaisestáveisdaregião,diferentesdetodososdemais, sempre envolvidos em golpes militares e lutas entre caudilhoslocais. Por essas razões, as demonstrações recíprocas de amizade entrechilenos e brasileiros incluíam visitas frequentes de diplomatas eautoridadesetambémdenaviosdasrespectivasMarinhasdeGuerra.Emjaneirodaquele ano, o cruzadorbrasileiro AlmiranteBarroso , já citadonoprimeiro capítulo deste livro, havia passado várias semanas no porto deValparaíso,escaladesuaviagemdenavegaçãoaoredordomundo.ComolevavaabordoumnetodedomPedro II,otenenteepríncipedomAugusto,foraalvodegrandesdeferênciasporpartedogovernochileno.O Almirante Cochrane entrou na baía de Guanabara no dia 11 de

outubro daquele ano. Vinha de um período de reformas na Inglaterra.Comandado pelo capitão Constantino Bannen, tinha capacidade para 210tripulantes e carregava treze canhões, onze metralhadoras e três tuboslançadores de torpedos. Fora batizado com o nome de um heróicompartilhadoporchilenosebrasileirosnahistóriadaIndependênciadosdoispaíses,oalmiranteescocêsThomasAlexanderCochrane,mercenáriocontratado para comandar as forças navais do Chile e do Brasil contraespanhóis e portugueses, respectivamente, entre 1817 e 1823. O iciais emarinheiroschilenospermaneceramnoRiodeJaneiroaté18dedezembro

e acabaram se tornando, involuntariamente, personagens importantes dahistória da Proclamação da República. Durante as dez semanas de suatemporada carioca, participaram da celebração das bodas de prata docasamento da princesa Isabel e do conde d’Eu e foram alvos de diversashomenagens—primeiro por parte dosmonarquistas e, depois de 15 denovembro,dosrepublicanos.Duas semanas antes do baile, em 23 de outubro, os chilenos haviam

testemunhado, também de forma involuntária, um dos muitos incidentesdaquele período envolvendo os militares e o governo imperial. O fatoocorreu durante um banquete oferecido pela Escola Militar da PraiaVermelhaà tripulaçãodoAlmiranteCochrane . Entreos convidadosestavao tenente-coronel Benjamin Constant, ídolo da “mocidade militar”. O quedeveria ser apenas uma festa de caráter diplomático acabou setransformando numa celebração republicana. Os alunos aproveitaram aocasião para homenagear o professor Benjamin na presença doministrointerinodaGuerra,CândidodeOliveira.— Viva o mestre Benjamin Constant! — gritou o aluno Vicente de

Azevedo.Seguiram-sequinzeminutosdevivas,palmase lores.Benjamintomoua

palavra e fez um discurso violento contra o Império. Reclamou contra otratamento dado aosmilitares pelas autoridades e terminou dizendo que“sob a farda de cada soldado pulsa o coração de um cidadão e de umpatriota!”.Sentindo-se ofendido pelo discurso, o ministro Cândido de Oliveira

retirou-seantesdeBenjaminacabardefalar.Enquantooministrodeixavao recinto, ouviu-se de várias partes do salão um brado jocoso dosestudantes:—VivaaRepública...doChile!Aotomarconhecimentodoincidente,oviscondedeOuroPretocriticouo

ministro Cândido de Oliveira dizendo que, em vez de se retirar do salão,deveria ter prendido o tenente-coronel imediatamente e na frente dosalunos e o iciais chilenos. Em seguida, procurou o imperador, sugerindoque Benjamin fosse substituído no comando daESG e punido pelo novodiretor.Parasuagrandesurpresa,domPedroIIrespondeu:—Olha, o Benjamin é uma excelente criatura, incapaz de violências, é

homemdeXmaisB,ealémdissomuitomeuamigo.Mandechamá-lo, falecomfranquezaeveráqueeleacabarávoltandoaobomcaminho![295]Por essas e outras razões, o Baile da Ilha Fiscal foi um evento sem

paraleloemquasemeioséculodeSegundoReinado.AcortededomPedro

II era famosa pela ausência de festas, saraus ou celebrações sociais. OhistoriadorJoséMurilodeCarvalhochegouaincluiresseaspectoentreosmotivosparaaquedadoImpério.Segundoele,emtodososoutroslugaresdo mundo em que a Monarquia fora bem-sucedida o regime semprecontoucomumacortesocialmenteatuantee,sepossível,brilhante.Eranasfestas, bailes e concertos que a nobreza acertava negócios públicos eparticulares, combinava o casamento de seus ilhos e promovia aliançaspolíticasque,ao inaldascontas,asseguravamasobrevivênciadostronos.“As cortes tradicionalmente atraíam e congregavam as elites sociais, edistribuíam títulos e benesses”, observou o historiador mineiro. “Eramfocosdesociabilidade,acercavamosreisdaeliteefortaleciamaslealdadessociais.”[296] Mais afeito aos livros do que às festas, dom Pedro II abriumãodissotudo.Até a recepção da ilha Fiscal, uma semana antes da Proclamação da

República, o último grande baile oferecido pelo imperador tinha ocorridoquasequatrodécadas antes, em31de agostode1852, no encerramentoda sessão legislativa. Compareceram 548 senhoras e 962 cavalheiros. Afesta terminou às cinco horas da manhã. A partir daí, a corte brasileiramurchara por completo. As atividades sociais se fragmentaram pelossalões de casas particulares. O imperador deixou de ser o ponto deconvergência dessas reuniões. Muito raramente ia aos bailes do CassinoFluminense, mas logo voltava para casa exausto e entediado. “Quemaçada”,anotouemseudiárioem1880.Suafaltadeânimopeloseventosdessanaturezapreocupavaorestantedafamíliaimperial.“Tudoissoédeum efeito péssimo”, reclamava da Europa, em tom profético, a princesaFrancisca, irmã de dom Pedro. “Pode fazer mal ao prestígio social daMonarquia. Se ele nos foge estamos perdidos sem dúvida.” [297] AprofessoraalemãInavonBinzer,jácitadanestelivroequemoravanoRiodeJaneironaépoca,confirmou:

Vida social praticamente não existe fora dos limites do corpodiplomático;oimperadornãodárecepções.[298]

Com exceção do palácio imperial de Petrópolis, as instalações da cortebrasileira surpreendiam os viajantes e diplomatas pelo aspecto deabandonoedecadência. “Umabarraca”,de iniuo jornalistaalemãoCarlosvonKoseritz ao visitar oPaçodaCidade, no centrodoRiode Janeiro, em1883.Segundoele,ocasarãoqueabrigaraacortedoprínciperegentedomJoãoaochegaraoBrasilem1808,naquelaocasião,apresentava-se“velho,pobre,arruinado,maltratado,nuncapintadodenovo”.Todooandartérreoestava alugado a negociantes e barbeiros, o que dava ao edi ício uma

aparência mais de feira livre ou mercado público do que de palácioreal.[299] Outro que se surpreendeu com o despojamento e a falta decharme da corte foi o escritor português Ramalho Ortigão. “Semmundanismo, sem arte, semmoda, sem equipagens, sem uniformes, semfestas,sem lores,sembibelôs,oPaláciodeSãoCristóvãoeraumdesterromortíferoparatodagentealegre,paratodososhomensnovos,paratodasasmulheresbonitas”,registrouOrtigão.[300]Inicialmenteprogramadoparaodia19deoutubro,oBailedaIlhaFiscal

tevedeseradiadopelachegadadenotíciastristesdePortugal.OreidomLuísI,sobrinhodedomPedroII,estavamuitoenfermoeagonizante.Temia-se que não sobrevivesse mais do que alguns dias, portanto não fariasentido promover uma celebração daMonarquia brasileira em ambientedelutodosseusparenteseuropeus.DomLuísmorreu,defato,noprópriodia19deoutubro,quandoumanovadatajáestavamarcadaparaobaile,9denovembro.Semqueosorganizadoresdafestasoubessem,noentanto,haveriaumasegundacoincidênciasinistranocalendário.Naquelamesmanoite, enquanto a nobreza estivesse celebrando na ilha Fiscal, grandenúmerodeoficiaissereunirianoClubeMilitar,apoucadistânciadali,sobapresidênciadotenente-coronelBenjaminConstant,paratratardosúltimosdetalhesnecessáriosaogolpecontraaMonarquia.Vistashoje,àdistânciademaisdeumséculo, todasessascoincidências

— amorte de um rei em Portugal, a reunião dosmilitares republicanos,uma celebração incomumdanobreza exatos seis dias antes da queda doImpério—conferemaoBailedaIlhaFiscalumfortevalorsimbólico.Paraan itriões, homenageados e convidados da época, no entanto, tratava-seapenas da maior e mais desejada festa promovida pela Monarquiabrasileiraemtodososseus67anosdehistória,ouseja,desdequeopaíssetornaraindependente.O local escolhido chamara-se ilhadosRatosduranteoperíodo colonial.

ForarebatizadocomoilhaFiscalemabrilde1889,datadainauguraçãodopalacetedestinadoaservirdepostoavançadodaaduanaresponsávelpelaiscalizaçãodascargasepelorecolhimentodosimpostosetaxasdosnaviosque entravam e saíam do porto do Rio de Janeiro. Sua localização, nasproximidades da ilha das Cobras e da fortaleza de São José, quartel-general daMarinhadeGuerradoBrasil, o tornava especialmente seguroparaessefim.ProjetadopeloengenheiroAdolphoJoséDelVecchio,opalacetedanova

aduanaocupavaumaáreade2.300metrosquadrados,com68metrosdefrentee28metrosde fundos.Suaarquiteturaera todaumacelebraçãoà

Monarquia.Osvitraiscoloridosnasparedeslateraisdestacavamobustodoimperador Pedro II comseuuniformedealmirante,acoroaeobrasãodacasa imperial. Um segundo vitral, no lado oposto, mostrava a princesaIsabel,herdeiradotrono,tambémemolduradapelacoroa.Opisoerafeitocom madeiras nobres das selvas brasileiras, símbolo da riqueza e davastidão do Império. A heráldica monárquica se espalhava por todas asjanelasevitraisdosamplossalõesadornadosdepeçasdebronzeeportasvermelhasdeferrobatido.Para rematar tão esplendorosa arquitetura fora instalada na torre

central um gigantesco farol de 60 mil watts, su iciente para iluminargrande parte da baía de Guanabara em todas as direções, facilitando aiscalizaçãodo tráfegonoturnodenavios.Nessamesma torre, um relógioconectado por cabos elétricos ao Observatório Astronômico Imperialpermanecia iluminado ànoite, possibilitando aos comandantes saber comprecisãoahoradechegadaoupartidadesuasembarcações.Por im,umcabo submarino permitia a comunicação entre a ilha e o prédio principaldaaduana,situadonocontinente,porumalinhatelefônicarecém-chegadadosEstadosUnidos.Todaessaparafernália tecnológica,queencantavaoscariocasemdiasnormais, foireforçadaparaanoitedobaile.Utilizou-seoque havia demelhor,mais surpreendente,mais ino e elegante na épocaparatornaraocasiãoinesquecível,comênfasenaluzelétrica—novidadeque,aindapoucoconhecidapelosbrasileiros,reforçavaocaráterinovadordoImpério.A casa León Rodde se encarregou da iluminação do palacete com

energia fornecida por quatro motores instalados em uma barcaça nasextremidadesdailha.Aotodohavia14millâmpadasefaróispostadosemlocais estratégicos para destacar o ambiente e seus convidados. Aoanoitecer,ospoderososre letoresdetrêsgrandesnavios—osbrasileirosRiachuelo eAquidabã e o próprio encouraçado chileno alvo dashomenagens,AlmiranteCochrane — foramdirigidos para os edi ícios dasimediações, inundando de luz o Paço da Cidade, a Capela Imperial e aIgreja do Carmo. Outras pequenas embarcações ostentavam lanternasvenezianas,comoseaságuasdabaíaestivessempontilhadasdecentenasdepirilampos.“Pareciaumsonhodepoetaaquelailhaemfestaemergindodo mar, transbordante de luz e gala”, descreveu o jornalista Medeiros eAlbuquerque,quenaquelemesmodiatinharetornadodeSãoPaulo,ondefora avisar os republicanos paulistas da iminência da revolução emandamento.[301] “Era como se a ilha tivesse sido transformada em umaterramágica”, anotouClaudioCostaBraga, o icialdaMarinhabrasileira e

autordeumlivrosobreobaile.[302]Um belo bosque arti icial de palmeiras tropicais, construído

especialmenteparaaocasião,surpreendiaosconvidadoslogonachegadada ilha, em frente ao ancoradouro.Nos ângulos do edi ício se erguiamaspérgulas destinadas a abrigar as orquestras. O terraço, tambémtransformadoembosqueartificial,ficoureservadoparaabandademúsicado Arsenal de Guerra. Os seis salões internos, três de cada lado doprimeiropiso,estavamornadoscomasbandeirasnacionaisdoBrasiledoChile, coroas de lores, frisos dourados e prateados, espelhos e jarros deporcelana. No primeiro deles, à direita da entrada, destacavam-se osretratospintadosaóleodoalmiranteCochraneedeoutroo icialbritânicoheróidaIndependênciadosdoispaíses,capitãoJoePascoeGrenfell.Paraafamília imperial, fora providenciado um espaço privativo nesse primeirosalãoequipadocombanheiro.O bufê seria servido sobremesas de ferro emadeira em um pavilhão

armadosobre21colunasqueocupavatodaafrentedailha.AConfeitariaPaschoal, a preferida do imperador, responsabilizou-se pelo cardápio.Preparadoporquarentacozinheirose cinquentaajudantes, eracompostodeonzepratosquentes,quinzefrios,dozeopçõesdesobremesas,incluindo12milporçõesdesorvetedediversossabores.Osconvidadoscomeçaramachegaraoentardecerdeumdiaensolarado,

decéuclaroeluminoso.EramaspessoasmaisimportantesdoImpério—ministros, senadores, deputados, barões, viscondes, marqueses, altosfuncionários públicos, diplomatas e o iciaismilitares de primeiro escalão.Aotodoforamdistribuídos3milconvites,masestima-sequeonúmerodepresenteschegoua4.500,oquesigni icaque,paracadadoisconvidados,haviaumpenetranobaile.Aoanoitecer,cercadesetecentascarruagensseen ileiravamemfrenteaocaisPharoux,atualpraça XVdeNovembro,ondeas pessoas eram entretidas pela banda de música do Corpo Militar dePolícia em uniformes de gala, enquanto esperavam pelos barcos que aslevariamatéailha.Por volta das 21 horas, o som de uma corneta anunciou a chegada do

imperadoredaimperatriz.DomPedrotrajavaahabitualcasacapreta.Nalapela, o “ iel carneirinho”, símbolo da Ordem do Tosão de Ouro, a suacondecoração preferida. A imperatriz usava um longo vestido negro comadornos de contas de vidro. Foram ambos imediatamente transportadospara a ilha e entraram no salão principal ao som do Hino Nacionalbrasileiro. O futuro escritor Rodrigo Otávio, então um jovem de 23 anos,registrouemsuasmemórias:

Aí vi o imperador cercado de sua família, de ministros de Estado, dediplomatas. Salvo a imponência do porte, era o menos aparatosonaquelarodade fardõesbordadosepeitosengalanadosdegrã-cruzesebrilhantes veneras. Cabeça descoberta, casaca preta, folgada, ostentavadom Pedro no peito apenas um penduricalho, o precioso carneirinhopendente da nobilíssima Ordem do Tosão de Ouro. Embevecido namaravilha daquela noite e no deslumbramento daquela festa, o velhomonarca não imaginava que, naquela mesma hora se estavaconcertando, num pequeno sobrado do Campo de Santana, otrambolhão do Império, e que os dias do seu reinado estavamcontados...[303]

A expressão “trambolhão do Império”, usada por Rodrigo Otávio, sereferiaàreuniãodoClubeMilitar,que,naquelamesmanoite(comoseviuanteriormente),discutiaosdetalhesfinaisdogolpede15denovembro.Conta-se que, ao desembarcar na ilha, dom Pedro II teria tropeçado no

tapete e perdido o equilíbrio por alguns segundos. Várias pessoascorreram para socorrê-lo, mas o imperador logo recuperou o passo ecomentoudeformabem-humorada:—AMonarquiatropeçou,masnãocaiu...Uma hora após a entrada triunfal do imperador e da imperatriz

chegaram o conde d’Eu e a princesa Isabel, que usava um vestidoigualmente escuro com listras brancas, emoldurado no peito por umbordado em ouro. Na cabeça, um diadema de brilhantes. Como o caisestava muito congestionado por carruagens e pessoas, o casal imperialteve de esperar cerca de uma hora até que o próximo barco o levasse àilha. “Fiquei transpirandonomeiodamultidão”, reclamoudepoiso condeemcartaàcondessadeBarral.Obailecomeçouporvoltadas23horas.Inspiradonossarausdascortes

europeias, o programa oferecia várias opções de danças simultâneas emdiferentessalões,naseguintesequênciaderitmos:quadrilha,valsa,polca,lanceiros, valsa novamente, polca, quadrilha, valsa, lanceiros, valsa,mazurca,polcae“galope inal”.Oimperadordançouumaúnicavez,comailha adolescente do barão Sampaio Vianna, que naquele dia completavaquinzeanos.OengenheiroAndréRebouças,abolicionistaamigodafamíliaimperial eumdospoucosnegros convidadosparaobaile, passouanoiteconversando, sem se arriscar a convidar nenhuma das damas (brancas)presentes a acompanhá-lo na dança. Temia ser rejeitado por sua cor. Aoobservar isso, já depois da meia-noite, o conde d’Eu sugeriu à princesaIsabel que tomasse a iniciativade valsar como engenheiro, o que ela fez

imediatamente para surpresa de toda a corte. [304] A ceia foi servida àumahoradamadrugada.Afamíliaimperialseretirouquinzeminutosmaistarde, com exceção do príncipe Pedro Augusto, que continuou a dançaranimadomadrugadaadentro.Quemnão tinhasidoconvidadoseconformouemdisputarum lugarao

longodocais,deondepodiavera iluminação feéricada ilha,ouvirosomdasorquestraseobservarovaivémdosbarcosocupadosemtransportaros convidados. Uma dessas testemunhas foi Benjamin Constant, recém-saídodasessãodoClubeMilitarnaqualossócios lhedelegarampoderespara“tiraraclassemilitardeumestadodecoisasincompatívelcomasuahonra e a dignidade”. Por voltadas onzedanoite, encerrada a sessãodoclube,Benjaminhavia retornadopara casa, segundoodiáriode sua ilhaBernardina, então uma adolescente de dezesseis anos. Ao chegar lá,porém,nãoencontrouamulhernemas ilhas.ComomuitosmoradoresdoRio de Janeiro, elas tinham ido ao centro da cidade ver de longe omovimentodobaile.Aosaberdisso,elefoiaoencontrodafamília.Nocais,perguntouseumadasbarcaspoderialevá-losatéasimediaçõesdailha,sópara ver as luzes de perto, sem desembarcar. Responderam que não. Sócom convite. “Então papai tratou um escaler (pequeno barco) a 1$ porpessoa e vimos perfeitamente a ilha, o baile e as pessoas”, escreveuBernardina no seu diário. “Chegamos em casa às três horas e tanto damadrugada.” Na manhã seguinte, exausta pela noitada fora de casa, elafaltouàaula.[305]Afestavarouanoite.Osúltimosconvidadosforamemboraaoalvorecer

dodomingo,noexatomomentoemquenuvenspremonitóriasencobriramosolnascente.Poucodepois,umaguaceirocomohaviamuitonãosevianoRiode Janeirodesabousobreacidade.Comoemtoda foliadearromba,oambiente da madrugada havia sido bem menos elegante do que asprimeiras horas do baile. Devido ao excesso de penetras, os banheirosentraram em colapso. No meio da noite, as latrinas começaram atransbordar. Um odor desagradável inundou os salões. No banheiro dasmulheresfoinecessáriousarbaldescomovasossanitáriosimprovisados.Oalto consumo de bebidas alcoólicas fez com que muitos convidadosperdessem a compostura. Um grupo de o iciais da Guarda Nacionalespancouumcavalheiroquehaviacriticadoaguarniçãoemaltavoz.Nos dias seguintes, os empregados encarregados de recolher o lixo e

fazera limpezada ilhacatalogaramuma listacuriosadedespojos,queosjornais republicanos reproduziram com grande alegria. Entre os objetosencontrados havia dezessete ligas femininas, usadas na época para

prender as roupas íntimas das senhoras na altura da coxa; 23almofadinhas, adereços também conhecidos como “puffs” e que serviamparadarcontornoaocorpodasmulheressobosvestidos;oitoraminhosdecorpinho,peçadovestuáriodestinadaaesconderodecoteeocomeçodosseios; sete xales e mantilhas; nove dragonas militares; oito cartolas(chapéusmasculinosdecopaalta);edezesseissombrinhas.Ainda segundo o balanço publicado nos jornais, na festa foram

consumidos 3 mil pratos de sopa, cinquenta caixas de peixes grandes,oitocentas latas de lagosta, oitocentos quilos de camarões, cem latas desalmão, 3 mil latas de ervilhas, 1.200 latas de aspargos, quatrocentasdiferentes saladas, oitocentas latas de trufas, 12mil frituras, 3.500peçasde caçamiúda, 1.500 costeletas de carneiro, 1.200 frangos, 250 galinhas,quinhentos perus, 64 faisões, oitenta patos, 23 cabritos, 25 cabeças deporco, 18 mil frutas, 1.200 pratos de doces, 20 mil sanduíches, 14 milsorvetes, 50 mil quilos de gelo — tudo isso regado a 10 mil litros decerveja, oitenta caixasde champanhe, vintedevinhobranco,78devinhotinto, incluindo os prestigiados Bordeaux e Borgonha franceses, noventavinhosdesobremesa,alémde26deconhaques,vermuteseoutroslicores.Alguns dias após a Proclamação da República, enquanto as notícias do

baile ainda repercutiam nos jornais, Rui Barbosa, novo ministro daFazendadogovernoprovisório,decidiufazerumavisitadeinspeçãoàilhaFiscal. Estava acompanhado dos jornalistas Aristides Lobo, QuintinoBocaiúva e outros expoentes do novo regime. Um dos presentes icouescandalizadoaoveropalaceterepletodesímbolosmonárquicosesugeriuquepelomenosobrasãoimperialfosseeliminadodafachada:— Como, pois, o Brasil republicano conserva um bem nacional com as

armasdaMonarquia!Convémderrubá-lo!Para sorte do patrimônio histórico nacional, o engenheiro Del Vecchio,

autordoprojeto arquitetônico, que tambémestavapresente, interveiodeimediatoemtomdesúplica:—Não,senhores!PorDeus!SemereçoalgodaRepública,àqualposso

servir com a mesma lealdade e o mesmo espírito de sacri ício com queserviaoImpério,peçoquenãotoquemnesteemblema.Éumaobra-prima!Diante desse apelo, o escudo imperial foi mantido. E lá hoje ainda se

encontra, como testemunha silenciosa de umBrasil que deixoude existirnaquelanoitede9denovembrode1889.

16.AQUEDA

NAVÉSPERADAPROCLAMAÇÃODARepública,14denovembro,domPedroIIpassouumdiatranquilo no Rio de Janeiro. As horas inais do seu longo reinado foramconsumidas em programa ameno e protocolar, marcado peladespreocupação com os acontecimentos políticos. Naquela manhã, oimperador, que habitualmente passava osmeses de verão emPetrópolis,decidiudesceràcapital.Aochegarde trem,dirigiu-seao ImperialColégioPedro II, onde assistiu a uma das provas do concurso para professorsubstituto da cadeira de inglês. Depois almoçou no Paço da Cidade, omesmo localonde,nodia seguinte, icariapresoporalgumashorasantesdeserdeportadoparaaEuropa.Àtarde,visitouaImprensaNacionaleasinstalaçõesdoDiárioOficial.Segundoanotíciapublicadanaquelaediçãodojornal,domPedrochegouporvoltadas14h30,visitoudemoradamenteaso icinas, conversou com diretores e funcionários, pedindo explicaçõessobreasmáquinaseoprocessode impressão.No inalda tarde, tomouotremdevoltaparaPetrópolis.[306]Nomomentoemqueo imperadorretornavaaoseuparaísoserrano,os

militares e republicanos civis faziam um balanço da conspiração emandamento.Umdocumento existentenos arquivosdeBenjaminConstant,intitulado“Indicaçõesúteis”,revelaseuempenhoemplanejaremminúciasospassosnecessáriosaosucessodogolpe:

Precisa-setomaraumtempoeànoiteasseguintesposições—Arsenalde Guerra, de Marinha, Alfândega, Tesouro Nacional, Estação CentraldosTelégrafos,daEstradadeFerroPedro II,dostelefones—fábricasdapólvoradaEstrela eConceição,EscoladeTiro, oRealengoeCampinho.Para isso é preciso que se possa contar com o pessoal do batalhão deengenheiros da Escola de Tiro e da fábrica de pólvora. Contar com osguardasdoArsenaldeGuerra,deMarinhaefábricadaConceição,a imdesorrateiramenteànoiteintroduzirlápessoalapropriadoparadepoispodermos tomar conta. (...) Prender no maior sigilo possível todo oministérioemaisaderentesimportantes.[307]

Pelograudedetalhe,odocumentocomprovaqueatéoúltimomomentoos militares ainda temiam alguma reação por parte das autoridadesimperiais.Todoocuidado,portanto,seriapouco.Nadadissoaconteceu.Namanhãde15denovembro,oconded’Eu,maridodaprincesaIsabel,

saiucomos ilhosparaumpasseioacavalonapraiadeBotafogo.Acidadelhepareceuabsolutamentenormal.Nadaindicavaaimportânciadodramaque naquele exato momento se desenrolava no Campo de Santana, aalgunsquilômetrosdali.Aoretornarparacasa,porvoltadasdezhoras,foisurpreendidopelachegadadobarãodeIvinhemaedoviscondedaPenha.Vinham “esbaforidos”, segundo relatoumais tarde à condessa de Barral,comunicar a revolta da 2ª Brigada e da Escola Militar. Traziam tambémnotíciasdobarãodeLadário,oministrodaMarinha,que,segundorumoresatéentãoincertos,encontrava-segravementeferido.Talvezjáestivesseatémorto.Outrosconhecidosapareceramemseguida,entreelesoengenheiroAndréRebouças,oviscondedeTaunayeosbarõesdeMuritiba,doCateteedeRamiz, esteúltimopreceptordospequenospríncipes, ilhosdo casalimperial. Por im chegou o alferes Ismael Falcão com a notícia de que omarechal Deodoro da Fonseca, o tenente-coronel Benjamin Constant e ojornalista Quintino Bocaiúva estavam no quartel-general à frente dosrevoltosos.—Nestecaso,aMonarquiaestáperdida!—foiareaçãodoconded’Eu.Novas informações iam chegando a todo momento. Dizia-se que o

ministério havia sido derrubado e que o chefe do gabinete, visconde deOuro Preto, estava preso por ordem de Deodoro. O iciais militares erepublicanos civis tinham des ilado à frente das tropas pelo centro dacidade sob aplausos. Ninguém sabia exatamente que providências tomardiantedenotíciastãoalarmantes.Por im, André Rebouças sugeriu que todos se retirassem para

Petrópolis, de onde se poderia organizar a resistência contra osrepublicanos. Isabel e o conde d’Eu concordaram com a proposta, maslembraramque,antes,seriaconvenienteavisaropróprioimperador.Umatentativa de ligação por telefone falhou. Ainda assim, decidiu-se levar oplano adiante. Como seria arriscado viajar de trem até o pé da serraluminense,optou-sepelopercursomais longoedemorado,debarcopelabaía de Guanabara, sob proteção da Marinha. Os únicos a embarcar, noentanto,foramospequenospríncipes—PedrodeAlcântara,catorzeanos,Luís Felipe, onze, e Antônio Gastão, oito— acompanhados do preceptorbarãodeRamiz.Naquela mesma hora o próprio imperador tomava decisão oposta.

Depois de ler os telegramas que lhe enviara o visconde de Ouro Preto,pediu que lhe preparasse um trem às pressas para descer ao Rio deJaneiro. Isabel e conde d’Eu tinham acabado de despachar os ilhos paraPetrópolisquandosouberamdisso tambémpor telegrama,oúltimoquea

família imperial conseguiu receber antes que as comunicações fosseminterceptadaspelosmilitares.Resolveramentãopermanecernacapitalemvez de ir ao encontro do imperador, cujo trem especial chegou por voltadasduasdatarde.Segundorelatodoseumédicoparticular,condedaMotaMaia, dom Pedro II fez todo o percurso sem demonstrar qualquerpreocupação com o que estava ocorrendo. “Veio lendo jornais e revistascientíficas,declarandoquetudosearranjariabem”,relatouoconde.Aindasemsaberquedecisãotomar,domPedroIIeafamíliadirigiram-se

aoPaçodaCidade,naatualpraça XV,ondeforamsaudadospelaguardadehonracomodepraxe.Ládentro,oviscondedeTaunaytomouapalavraecomeçouaexporoplanoqueAndréRebouçashaviaapresentadonaquelamanhã ao conde d’Eu. Era preciso recrutar o maior número possível dealiados, retornar imediatamente a Petrópolis e, de lá, seguir para MinasGerais,a imdeorganizararesistênciacontraogolpemilitar.Oimperador,porém,nãolhedeuamínimaatenção.Emmeioàconfusãoreinante,eraoúnico que parecia guardar absoluta calma. A todomomento, repetia quetudonãopassavade“fogodepalha”:—Conheçoosbrasileiros,issonãovaidaremnada—afirmou.[308]Diante da insistência dos que o cercavam para que tomasse alguma

atitude, anunciou que a solução era “dissolver os batalhões”, ou seja,desmobilizarasforçasrebeldeslideradasporDeodoro.— Dizer é fácil — contrapôs o conde d’Eu. — Como quer o senhor

dissolver tropas que estão contra nós? É preciso primeiro constituir umnovogoverno,poisoanteriorsedemitiu.—Eunãoaceitoessademissão—respondeuoimperador.—Mas, se osministros estão prisioneiros dos revoltosos, como quer o

senhorqueelescontinuemagovernar?—insistiuoconded’Eu.O Brasil vivia, de fato, uma situação única na sua história naquele

momento.Oderradeiroministériodogovernoimperialhaviasidodepostopelas armas do marechal Deodoro, mas a República ainda não estavaproclamada. Àquela altura, portanto, o regime não era monárquico nemrepublicano.OParlamento,porsuavez,estavaemrecesso.Peloregimento,a Câmara e o Senado só deveriam se reunir cinco dias mais tarde. Paratodososefeitos,ochefesupremodanaçãoeraoimperador,masnapráticajá não tinha poder algum porque nada poderia fazer sem consultarDeodoro, o homem forte daquele dia. Este, por sua vez, encontrava-seenfermo, prostrado na cama, sem que ninguém se arriscasse a dizer seteriaforçasparasobreviveratéodiaseguinte.Dessemodo,opaísestava,simultaneamente, sem Poder Executivo e sem Poder Legislativo, ou seja,

sem governo nenhum,mergulhado em vácuo político que perduraria atétardedanoite.Comoseestivessecegoaosacontecimentos,domPedro II insistiaemver

o visconde de Ouro Preto. O ministro deposto conseguiu chegar ao Paçopor volta das quatro horas da tarde. Sua situação era, entre todos ospresentes, a mais precária. Pela manhã, Deodoro havia decretado suaprisão,mas logo voltara atrás, permitindo que se recolhesse em casa. Àssete da noite, após avistar-se com o imperador, no entanto, Ouro Pretoseria preso novamente e deportado para a Europa a bordo de um navioalemão,semtertempoparasedespedirdafamíliaedosamigosoumesmofazerasmalas.DepoisdeouvirdeOuroPretoorelatodetalhadodoquesepassarano

quartel-general, dom Pedro II inalmente se convenceu de que eranecessário compor outroministério. Perguntou aoministro demissionárioquempoderia ser o substituto.Ouro Preto, emum erro de avaliação queaté hoje intriga os historiadores, sugeriu o nome do senador gaúchoGaspar Silveira Martins, “o homem da situação”, segundo explicou aoimperador.“Lembrabem”,respondeudomPedro II.“Avise-oparavirfalar-me.”Na realidade, SilveiraMartins era apior escolhanaquelemomentopor

vários motivos. O primeiro é que não se encontrava no Rio de Janeiro.Eleito senador, estavaabordodeumnavio, a caminhodoRiode Janeiro,na companhia dos deputados gaúchos que tomariam posse no dia 20.PartiradePortoAlegrenodia12,numaviagemqueincluíaumaescalanacidadedeDesterro, futuraFlorianópolis,emSantaCatarina.Sóchegariaàcapitalnodia17,portantodoisdiasapósogolpemilitar,semcondiçõesdetomar as decisões urgentes que omomento exigia. Pior que isso, era umadversário pessoal do marechal Deodoro. Indicá-lo para compor o novoministério naquela altura era, portanto, cutucar a onça com vara curta,umaprovocaçãoquesoariainaceitávelaomarechal.Con iando na indicação de Ouro Preto, no entanto, dom Pedro decidiu

que a formação do novo ministério deveria esperar pela chegada dosenador Silveira Martins no dia 17. Até lá, o Brasil icaria sem governo.Mais tarde, o imperador justi icaria sua desastrada escolha dizendo que,naquelemomento,“ignoravaoestadodasrelaçõesdeSilveiraMartinscomDeodoro”—oqueésurpreendenteemummonarcaqueao longodesuavida,antesdetomardecisões,setornaraconhecidopelaobsessãocomqueprocurava se informar sobre as pessoas e os acontecimentos nos seusmínimosdetalhes.

A indicação do nome de Silveira Martins, na de inição do historiadorHeitor Lyra, “foi a gota d’água que fez transbordar o copo já cheio”. Aosaberdanotícia,Deodoro, que até aquelemomentoparecia relutar entrederrubar a Monarquia ou apenas sugerir um novo ministério aoimperador,decidiu-se inalmenteaaceitaraproclamaçãodaRepúblicaeaconstituiçãodeumgovernoprovisório.QuandosoubedadecisãodedomPedroII,oconded’Euficoualarmado:— Como pensar em icar três dias sem governo nas presentes

circunstâncias?—exclamou.—Vamosesperar—limitou-searesponderoimperador.—Mas dizemque o governoprovisório já está formado, comDeodoro,

Bocaiúva e Benjamin Constant!— insistiu o conde d’Eu.—Amanhã pelamanhã,senãomesmoestanoite,osenhorveráasproclamaçõesafixadas.— Convoque ao menos o Conselho de Estado para esclarecê-lo —

atalhouaprincesaIsabel,queacompanhavaodiálogo.— Mais tarde — declarou serenamente o imperador, encerrando a

conversa.O jantar foi servido às cinco horas. Cansados de insistir com o

imperador, conde d’Eu e Isabel decidiram tomar a iniciativa e fazer umaconsulta informalaosconselheirosdeEstadoqueseencontrassemnoRiode Janeiro. Dom Pedro II aceitou a iniciativa sem reclamar. Já começava aanoitecer quando chegaram os primeiros conselheiros, mas as opiniõesentreeleseramasmaiscontraditórias.OsbaianosManuelPintodeSousaDantaseJoséAntônioSaraivaachavam,comooimperador,queogolpeiadaremnada.OviscondedeTaunay, ao contrário, entendiaquea soluçãoeraprocurarDeodoroimediatamenteembuscadeumacordoparaacrise.A discussão se fazia à revelia de dom Pedro II, que parecia continuar

alheio aos acontecimentos. A inal, chegou-se à conclusão de que eranecessário enviar dois senadores dos partidos imperiais— o Liberal e oConservador — para conversar com Deodoro. Os escolhidos foram obaiano Sousa Dantas e o paranaense Manoel Francisco Correia. Ambosvoltaramminutosdepoisdizendoquenemsequer tinhamconseguido serrecebidospelomarechal.Encontraramaportadacasafechada.Oscriadosdisseramnãosaberondeeleseencontrava.Por volta das onze horas da noite, a princesa Isabel conseguiu

inalmente convencer o pai a promover uma reunião formal dos onzeconselheirospresentesnoRiodeJaneiro.FoiaúltimareuniãodogovernodoImpério,embora,paratodososefeitos,naquelemomentoaMonarquiajá não existisse mais no Brasil. A reunião do Conselho de Estado durou

cerca de duas horas. A decisão unânime foi que dom Pedro deveriaconstituirumnovogovernoomais rapidamentepossível,masantes seriapreciso entender-se com Deodoro. Em vez de esperar pela chegada deSilveira Martins, decidiu-se indicar o baiano José Antônio Saraiva paraliderar o novo ministério. Saraiva, que tinha voltado para casa, foiprocurado pelomarquês de Paranaguá, João Lustosa da Cunha, e levadodevoltaaoPaçodaCidadeporvoltadaumahoradamadrugadadodia16.—OConselhodeEstadoplenoacabaderecomendar-meaorganização

de novo ministério — comunicou-lhe o imperador. — Mandei-o chamarparaencarregá-lodessatarefa.Antes de aceitar o cargo, Saraiva redigiu uma carta aDeodorona qual

explicavatersidoescolhidoparacomporoministério,masquenadafariasemaconcordânciadomarechal.Eraumadecisãosurpreendente,pois,naprática, implicava reconhecer que quem mandava no país naquelemomentonãoeramaisoimperador,masomarechal.EncarregadodelevaracartaàresidênciadeDeodoro,omajorcatarinenseRobertoTrompowsky(atual patrono do Magistério do Exército, na época professor da EscolaMilitar da Praia Vermelha) retornou com a resposta por volta das trêshorasdamadrugada.Deodoro, queo receberana cama, avisavaquenãotinhanadaadeclarararespeitoporque,segundodisse,“jáagoraétarde”.ARepúblicaestavadeclaradaeonovogovernoprovisórioconstituído.ARepública,defato,estavaproclamada,massóprovisoriamente,talera

aindecisãodeDeodoroemrelaçãoàmudançaderegime.Comoseviunosprimeiros capítulos, horas antes o marechal assinara um manifesto ànação, anunciando adeposiçãoda família imperial,mas semmencionar apalavra república. A incerteza gerada por esse ato levou o paulistaFrancisco Glicério a reunir às pressas um grupo de republicanos, entreeles,AlbertoTorres, J.A.MagalhãesCastroeBenjaminConstant.Todossedirigiramà casadeDeodoro comoobjetivodepressioná-lo a tomarumaatitude mais irme. Lá chegando, explicaram ao marechal a situaçãodelicada em que o país se encontrava, sem governo. A cada hora quepassasse,aumentariaapossibilidadedeumareaçãodas forças imperiais.Deodoro,umavezmais,procurouganhartempo,mas,diantedanotíciadanomeação de Silveira Martins para a che ia do gabinete, inalmenteconcordou com a proclamação da República, desde que a expressão“provisória” fosse incluída nas comunicações que o novo governo faria aseguir.Benjamin levouseuscompanheirosparao InstitutodosMeninosCegos,

doqualeradiretor,ondeforamtomadasasprimeirasdecisõesdogoverno

provisóriorepublicano.OExecutivoficoucompostodaseguinteforma:DeodorodaFonseca—ChefedoGovernoProvisórioBenjaminConstant—MinistrodaGuerraQuintinoBocaiúva—MinistrodasRelaçõesExterioresRuiBarbosa—MinistrodaFazendaAristidesLobo—MinistrodoInteriorCamposSalles—MinistrodaJustiçaEduardoWandenkolk—MinistrodaMarinhaFaltava escolher o Ministro da Agricultura. Na reunião na casa de

Deodoro, o paulista Francisco Glicério havia lembrado a necessidade deincluir um representante do Rio Grande do Sul, estado importante nacampanha republicana. Sugerira a nomeação de Demétrio Ribeiro,positivista histórico ligado a Júlio de Castilhos. O marechal reagira comestranheza: “Nunca ouvi falar neste nome”. Glicério insistira dizendo queDemétrio era um moço de grande talento e cultura. Seria um excelenteministro. “Bem... Conhecer, eu não o conheço. Mas, já que os senhoresinsistem, eu o nomeio”, concordara a inal Deodoro, icando assim oprimeiro ministério da República composto de um integrante até entãocompletamenteestranhoaochefedegoverno.[309]No InstitutodosMeninosCegos, foi também lavradooprimeirodecreto

dogoverno republicano.Mais enfáticodoqueomanifesto assinado antesporDeodoro,comunicavaemseusartigosiniciais:

Art. 1º. Fica proclamada provisoriamente e decretada como forma degovernodaNaçãoBrasileiraaRepúblicaFederativa.Art. 2º. As províncias do Brasil, reunidas pelo laço da federação, icamconstituindoosEstadosUnidosdoBrasil.

O decreto dispunha ainda que, oportunamente, cada Estado faria suaprópria Constituição, elegeria seus representantes para uma assembleiaconstituinte do Brasil e tomaria todas as providências para manter aordem, a segurança pública, a defesa e a garantia da liberdade e dosdireitosdoscidadãos.Anunciavatambémquenasregiõesemquefaltasseaogovernolocalmeiosparagarantiraordemhaveriaintervençãofederal.ComooCongressoaindaestivesseemrecesso,nodiaseguinte todosos

membrosdonovogovernoprovisórioforamàCâmaraMunicipaldoRiodeJaneiro prestar juramento perante os vereadores. Era mais uma cenainusitada. O governo federal do Brasil, ou seja, a instância máxima doPoderExercutivonacional,prestava juramentodiantedos representantesde um poder municipal. Mas era a única forma de dar alguma cor delegitimidade a uma República que já no seu berço nascera de um golpe

armado,descoladadasruas, semqualquerparticipaçãopopular.Porumadessasironiasdahistória,trêssemanasmaistarde,nodia7dedezembrode 1889, a mesma Câmara Municipal seria dissolvida pelo governorepublicano, devido ao “estado de decadência, (...) sua de icienteorganização e limitados meios de ação”. Em lugar da Câmara, até entãoeleitaporvotodireto, foicriadoumConselhoMunicipal,compostodesetemembros, todos nomeados pelo governo provisório sem referendo nasurnas.[310]

17.OADEUS

UM VULTO SE ESGUEIROU PELAS ruas mal iluminadas do centro do Rio de Janeiro namadrugada de 17 de novembro de 1889, umdomingo. Era o jornalista eescritor Raul Pompeia. Ao chegar ao largo do Paço, atual praça XV,encontrou as ruas bloqueadas pelos soldados da cavalaria de armas empunho. Ocultando-se entre as sombras das árvores e edi ícios, passou aacompanhar o movimento na praça. O trânsito de pessoas e carruagenshavia sido fechado com cordões de isolamento. De tempos em temposouviam-seaolongeodisparodearmasdefogoeocrepitardaspatasdoscavalos no calçamento das ruas. O clima era de tensão e expectativa.“Sentia-se todo aquele imenso ermo ocupado pela vontade poderosa darevolução”, anotou. De seu posto de observação, Pompeia testemunhou oúltimo ato da Monarquia no Brasil, a partida da família imperial para oexílio:

Às três da madrugada menos alguns minutos, entrou pela praça umrumor de carruagem. Para as bandas do largo houve um ruidosotumulto de armas e cavalos. As patrulhas que passeavam de rondaretiraram-se todas a ocupar as entradas do largo, pelo meio do qual,através das árvores, iluminando sinistramente a solidão, per ilavam-seospostesmelancólicosdoslampiõesdegás.Apareceu,então,opréstitodosexilados.Nadamais triste.Umcochenegro,puxadoapassopordoiscavalosquese adiantavamde cabeça baixa, como se dormissem andando. À frente,duassenhorasdenegro,apé,cobertasdevéus,comoabuscarcaminhoparaotristeveículo.Fechandoamarcha,umgrupodecavaleiros,queaperspectivanoturnadetalhavaemnegroperfil.Divisavam-se vagamente, sobre o grupo, os penachos vermelhos dasbarretinasdecavalaria.O vagaroso comboio atravessou em linha reta, do Paço em direção aomolhedocaisPharoux.Aoaproximar-sedocais,apresentaram-sealgunsmilitaresacavalo,queformavamemcaminho.— É aqui o embarque? Perguntou timidamente uma das senhoras depretoaosmilitares.Ocavaleiro,quepareciao icial,respondeucomgestolargodebraçoeumaatenciosainclinaçãodecorpo.Por meio dos lampiões que ladeiam a entrada do molhe passaram as

senhoras.Seguiu-seocochefechado.Quasenaextremidadedomolhe,ocarroparoueosenhordomPedrodeAlcântaraapeou-se—umvultoindistinto,entreoutrosvultosdistantes—parapisarpelaúltimavezaterradapátria.[311]

As últimas horas da família imperial no Brasil foram marcadas pelatristezaeporalgumas cenasdedesespero.Namadrugadado sábadodia16, quando o major Roberto Trompowsky retornou da casa de Deodorocom a notícia de que “já era tarde” para aceitar a indicação de um novoministérioimperial,aconsternaçãofoigeral.“Todoscompreenderama inalque o Império estava de initivamente liquidado”, escreveu HeitorLyra.[312]NadamaishaviaafazerparasalvaraMonarquiabrasileira.Umaordemdonovogovernoprovisóriorepublicano,recebidaporvolta

dasdezhorasdamanhã,determinavaqueninguémentrasseousaíssedoPaçoImperial.Apartirdaquelemomento,domPedro IIeraprisioneiroemseu próprio palácio. O conde d’Eu chegou a conceber um plano de fugapelo qual a família imperial usaria uma passagem secreta do Paço paraburlar a vigilância das sentinelas republicanas e pedir asilo a bordo doencouraçado chilenoAlmirante Cochrane , cujos o iciais haviam sidohomenageados no Baile da Ilha Fiscal na semana anterior. Dom Pedro IIrechaçoua ideiadizendoque, emmomentocomoaquele, jamais con iariaseu destino àsmãos de estrangeiros. O plano, de qualquer forma, estavadestinado a fracassar porqueminutos depois apresentou-se no palácio omajor Frederico Sólon de Sampaio Ribeiro com nova mensagem dogovernoprovisórioparadomPedro.Futuro sogro do escritor Euclides da Cunha, Sólon Ribeiro era aquele

o icial, citado no segundo capítulo deste livro, que na noite de 14 denovembrohaviaprecipitadoogolpeaoespalharnaruadoOuvidoroboatosobreaprisãodeDeodoroeadissoluçãodoExército.Destavez,aopostar-se diante do imperador deposto, icou tão perturbado que não sabia aformapelaqualdeveriatratá-lo.Primeirochamou-ode“VossaExcelência”,tratamento tipicamente republicano. Ao perceber o deslize, mudou para“Vossa Alteza”. Por im, optou por “Vossa Majestade”, a forma pela qualdom Pedro II fora chamado nos 49 anos anteriores sob o regimemonárquico.[313]— Venho da parte do governo provisório entregar respeitosamente a

VossaMajestadeestamensagem—explicouomajor,aindamalrefeitodaconfusão.—NãotemVossaMajestadeumarespostaadar?—Pororanão—respondeudomPedro.—Então,possomeretirar?—perguntouooficial.

—Sim—encerroudomPedro,visivelmenteapáticodiantedasituação.Nodocumento,assinadopelomarechalDeodorojánacondiçãodechefe

danação,ogovernoprovisóriocomunicavaaoimperadorasuadestituiçãoe a mudança de regime. Depois de determinar que a família imperialdeixasse o país no prazomáximo de 24 horas, terminava comuma fraserepletadesignificadohistórico:

O país conta que sabereis imitar, na submissão aos seus desejos, oexemplodoprimeiroimperador,em7deabrilde1831.

Era uma lembrança tenebrosa dos acontecimentos semelhantesocorridosmaisdemeioséculoantes,quandodomPedro IseviraforçadoaabdicarotronobrasileiroeseguirparaaEuropa.Ao ouvir a notícia, a imperatriz Teresa Cristina caiu prostrada numa

poltrona. A princesa Isabel e algumas senhoras que a rodeavamcomeçaram a chorar de forma convulsiva. Dom Pedro II, com apoio dobarãodeLoreto, sentou-separaredigira respostaaogovernoprovisório.Na aparência, estava tranquilo. A letra hesitante, porém, revelava onervosismo.Àvistadarepresentaçãoescrita,quemefoiescrita...—começou.Ao perceber a repetição da palavra “escrita”, deixou de lado a folha e

reiniciouotexto,dessavezdeformadefinitiva:Àvistadarepresentaçãoescrita,quemefoientreguehoje,àstrêshorasda tarde, resolvo, cedendo ao império das circunstâncias, partir comtoda aminha família para a Europa, amanhã, deixando esta pátria, denósestremecida,àqualmeesforceipordarconstantestestemunhosdeentranhado amor e dedicação, durante quase meio século, em quedesempenhei o cargo de Chefe da Nação. Ausentando-me, pois, eu comtodasaspessoasdeminhafamília,conservareidoBrasilamaissaudosalembrança,fazendoardentesvotosporsuagrandezaeprosperidade.RiodeJaneiro,16denovembrode1889.DomPedrod’Alcântara.

A forma pela qual dom Pedro II assinou essa mensagem revela que,inalmente, tinha plena consciência do momento em que vivia. Durantequase meio século, ele sempre assinara seus textos o iciais como“Imperador”,indicandoqueera,semsombradedúvida,ochefedeEstadoe da Nação. Dessa vez, no entanto, usava seu nome privado, “Pedro deAlcântara”,comoqualcostumavaseidenti icarnasviagensaoexteriorsobajusti icativadeque, foradoBrasil,deveriasertratadocomoumcidadãocomum, e não como um monarca. Assim continuaria a rubricar cartas,bilheteseanotaçõesatémorrernoexílio,doisanosmaistarde.[314]Durante todo o dia 16, a família imperial icou detida no Paço. Dom

PedroIIimpressionavaatodospelacalma,maisaparentedoquereal,comquereagiaaosacontecimentos.AoviscondedeTaunay,queacertaalturalhefalousobreodesastrequesigni icavaaquedadaMonarquiaeavitóriadosrepublicanos,respondeu:— Pois se tudo está perdido, haja calma. Eu não tenho medo do

infortúnio.Seguiram-se algumas cenas cômicas. O mordomo da casa imperial,

visconde de Nogueira da Gama, por exemplo, submeteu à assinatura dedom Pedro II vários documentos o iciais, como se ignorasse que, àquelaaltura, o imperador já não governava. Foi o caso de um decretoconcedendoo títulodebarãodeNovais aumempresáriodeSãoPaulo, ocomerciante e industrial Elias Dias Novais. Seria esse o último títulonobiliárquico distribuído pelo Império — isso quando a Monarquia jádeixaradeexistirnoBrasil.[315]A postura serena do imperador mudaria por volta da 1h30 da

madrugada do dia 17, quando chegou ao Paço o tenente-coronel gaúchoJoãoNepomucenodeMedeirosMalletcomanotíciadamudançadeplanosdo governo republicano. O prazo inicial de 24 horas, dado anteriormentepelo major Sólon Ribeiro, fora revisto. A família imperial deveria partirimediatamente para o exílio. Foi um susto. Antes, o embarque estavamarcadoparaasduashorasdatardedodiaseguinte,oquedeixavatempode sobra para descansar e tentar organizar as coisas antes de se dirigirpara o cais. Exaustos pelos acontecimentos e emoções do dia anterior,todostinhamserecolhidoporvoltadasonzehorasdanoite,portanto,maltinhampegonosonoquandoforamtiradosdacamapelasnovasordens.Assim, despertados ainda no primeiro sono, os prisioneiros do Paço

foram chegando um a um ao salão principal. O conde d’Eu, o primeiro aaparecer, ouviu de Mallet a explicação de que a mudança de planos sedeviaaotemor,porpartedogovernoprovisório,demanifestaçõeshostisàfamília imperial no caso de um embarque à luz do dia. Receava-se atémesmoumatentadocontraavidadoimperador.Nesse momento, ouviu-se a voz de dom Pedro II, o último a acordar.

Vestiacasacapretaetrazianamãoainseparávelcartola:—Oqueé isto?—interpelouaoverotenente-coronelMallet.—Então

vouembarcaraestahoradanoite?Ooficialrespondeuqueadecisãoeradogoverno.—Quegoverno?—insistiuoimperador,visivelmenteirritado.—OgovernodaRepública...—Deodorotambémestámetidonisso?

—Está,sim,senhor.Eleéochefedogoverno.—Entãoestãotodosmalucos!O desespero tomou conta também da princesa Isabel, que temia pela

sorte dos três ilhos, àquela altura voltando de Petrópolis para o Rio deJaneiro:— Senhor Mallet, como é isto, os senhores estão doidos? Que lhes

izemosnós?SenhorMallet,éaquiquetenhominhasafeições!Ossenhoresestãodoidos?Hãodesearrepender!Oo icialassegurouaIsabelquehaveriatemposu icienteparaachegada

dospríncipes.O imperador, por sua vez, continuava inconformado com a hora da

partida.—Nãosounenhumfugido!—repetia.—Nãosounenhumfugido,para

sairassim...Por im,depoisdeouvirasponderaçõesdobarãodeJaceguai,almirante

ArturSilveiradaMota,sobreosriscosdapartidanodiaseguinteà luzdosolediantedaprevisívelmultidãoaglomeradanocais,conformou-se:—Osenhortemrazão.Paraevitarconflitosinúteis...Eram2h46damadrugadaquandoafamíliaimperialcomeçouadeixaro

Paço em direção ao navio que a aguardava na baía de Guanabara. Foinesse momento que Raul Pompeia testemunhou a cena descrita naabertura deste capítulo. Dom Pedro, a princesa Isabel e o conde d’Euacomodaram-se dentro de uma carruagem.Os demais seguiram a pé.Nocais, entraram todos numa lancha do Arsenal de Guerra, guardada porquatro cadetes. Como o embarque fora antecipado, primeiro tiveram deser encaminhados ao cruzadorParnaíba. Ali aguardariam a chegada dostrês pequenos príncipes e só então navegariam para a ilha Grande, aoencontrodovaporAlagoas,queoslevariaparaaEuropa.Na escuridão fechada daquela noite chuvosa, foi di ícil distinguir os

contornos do cruzadorParnaíba. Ao se aproximar do navio, o tenente-coronelMalletordenouqueosmarinheirosbaixassemasescadase,nessemomento,foitomadoporumpânicosúbito,segundocontariamaistardeaohistoriador Tobias Monteiro. O mar estava muito agitado, e a lancha sóprecariamente semantinha alinhada às escadas. E se o idoso imperadorcaísse no mar durante o embarque? Todos iriam culpá-lo pela tragédia,ponderou Mallet. Assustado, resolveu que, nesse caso, mergulharia parasalvar o monarca ou morrer com ele. Felizmente, nada disso aconteceu.Comumimpulsomais irme,oo icialconseguiucolocardomPedroasalvosobre as escadas do navio. Em seguida, ajudou a imperatriz a fazer o

mesmoedeuporterminadasuaangustiantemissão.Apesardocansaço,domPedro IIrecusou-seadesceratéocamaroteque

haviam preparado para ele. Preferiu icar sobre o tombadilho do navio,ondeosmarinheirosestenderamumtoldoqueoprotegiadoorvalhoedaumidade da madrugada. Por volta das dez horas da manhã, inalmentechegaramdePetrópolisospríncipes ilhosdeIsabeleconded’Eu.Oalíviofoigeral.Poucoantesdapartida,umo icialsubiuabordocomanotíciadequeo

governorepublicanodariaumaajudade5milcontosderéisparacustearas despesas do imperador no exílio. Era uma grande fortuna na época,equivalenteacercade70milhõesdedólaresou150milhõesdereaishoje,mas dom Pedro II limitou-se a receber o papel, sem dar uma respostaconclusiva. Esse gesto seriamotivodeumagrande controvérsianos anosseguintes.Paraogovernorepublicano,domPedroaoreceberodocumentohavia, implicitamente, aceitado a ajuda inanceira. Isso faria com que, aochegaraPortugalsemanasmaistarde,fosseacusadoporumjornalistadeter“vendidoaMonarquiabrasileira”porumasomaemdinheiro.O fato é que, ao chegar a São Vicente, no arquipélago de Cabo Verde,

duassemanasapósapartidadoBrasil,domPedroenviariaumacartaaogovernoprovisóriorenunciandoformalmenteaqualquerajuda inanceira,alémdosaláriomensalaque já tinhadireitopor leienquantomonarca.Aatitude foi considerada insolente pelo governo republicano, que, emrepresália, resolveu banir para sempre a família imperial do territóriobrasileiro.ArenúnciaaodinheirocustariatambémgrandeshumilhaçõesadomPedro,obrigadoarecorreraempréstimosdeamigosparapagarsuascontasnaEuropaatémorrer,em1891.Porvoltadomeio-diade17denovembro,oParnaíbalevantouâncorase

começouasemoveremdireçãoàsaídadabaíadeGuanabara.No inaldatarde, estava diante da ilha Grande, onde os aguardava o vapor Alagoas.Era noite fechada quando a família real foi transferida para esse navio,maior e mais adequado a uma viagem até a Europa. O comandanteofereceuaoimperadorseuprópriocamarote,situadonapartedecimadaembarcação. Dom Pedro recusou. Preferia icar na parte de baixo, maisprotegida do frio quando chegasse ao hemisfério norte. À uma hora damadrugadadodia18,oAlagoas inalmenterecolheuâncorasecomeçouaseafastardolitoralfluminense.Aosaberdapartidadoimperador,BenjaminConstantafirmou:—Estácumpridoomaisdolorosodosnossosdeveres.[316]Por determinação do governo provisório, um navio de guerra, o

encouraçadoRiachuelo, foi destacado para comboiar a família imperial.O icialmente, omotivo era protegê-la de qualquer surpresa em alto-mar.Na verdade, tratava-se de impedir que algum dos passageiros tentassedesembarcaremqualquerpontodacostabrasileira.Comoo Riachueloeraum barco mais lento e pesado do que oAlagoas, a viagem durante aprimeira semana foi monótona e cansativa. A inal, os comandanteschegaramàconclusãodequeeramelhordeixaroAlagoas seguir sozinho,enquantooRiachueloretornavaaoportodesaída.No dia 24 de novembro, o vapor passou ao largo de Fernando de

Noronha, última porção do território nacional à vista. Quando oarquipélagojáeraumpontinhonegronohorizonte,alguémteveaideiadedespachar de volta um pombo-correio com uma mensagem de adeus.“Saudades do Brasil”, escreveu o imperador em um pedaço de papel,assinado por todos e atado às pernas do pombo. A ave foi impelida poruma rajada de vento, mas, depois de se distanciar alguns metros daamurada do navio, começou a perder altura até cair nas ondas e sertragada pelo mar turbulento. Terminava assim, de forma melancólica, aderradeira tentativa de dom Pedro II de manter contato com a terra emquenasceraereinaraporquasemeioséculo.AtravessiadoAtlânticosearrastouportrêssemanas.Namanhãde7de

dezembro, quando oAlagoas inalmente atracou no porto de Lisboa, afamíliaimperialfoirecebidapeloreiCarlosI,sobrinho-netodedomPedroIIrecentemente elevado ao trono português. Uma das testemunhas dessemomento histórico foi o pernambucano Manuel de Oliveira Lima, futurodiplomata e historiador do Império, então um estudante de 21 anos nacapital portuguesa. Como todos os jovens da época, Oliveira Lima erarepublicano,masnãoresistiuàtentaçãodesubirabordodo AlagoasparaverdepertooimperadordestronadodoBrasil.Oseurelato:

A manhã estava linda, dessas radiosas e estimulantes manhãs dedezembro de que Portugal tem o privilégio. Bandos de gaivotasesvoaçavamemredordosnavios,balouçando-se(...) sobreaságuasquefaiscavamaosol.(...)Quandochegueiabordo,(...)oimperadorestavanoúltimoconvés, sentadonumbancoentrePenedoe seu cunhadoAguiardeAndrade,ministrodeLisboa,conversando.Suanobre isionomianãodenotava o menor constrangimento. Era de uma serenidade olímpica.(...)Logodepoisdesceramtodosparaoalmoço,domPedrosentando-seàcabeceira da mesa, no lugar do capitão. Ele simbolizava na verdade opilotoqueoBrasil indiferente e ingratodesembarcara, quando julgarapassadotodososescolhos.[317]

A chegada da família imperial foi uma cena carregada de simbolismopara brasileiros e portugueses. Daquele mesmo ponto do rio Tejo, aesquadra de Pedro Álvares Cabral partira no início de 1500 paradescobriroBrasilsobosauspíciosdacoroaportuguesa.Haviadoisséculosemeio que umamesma real dinastia, a dos Bragança, governava os doispaíses.O imdessa longahistóriamonárquica ligandoosdoispovos seriamarcado por uma estranha coincidência: nomesmo dia 15 de novembrode1889,enquantodomPedroperdiaotrononoBrasil,nasciaemLisboaoúltimo rei de Portugal, dom Manuel II. Na antiga metrópole, porém, amudança de regime se daria de forma aindamais traumática do que noBrasil.DomCarlosI,paidedomManuelII,seriaassassinadocomumtirodecarabina em 1908, dois anos antes da proclamação da Repúblicaportuguesa,em5deoutubrode1910.Ao desembarcar em Lisboa, dom Pedro II recusou o palácio que lhe foi

oferecido pelo sobrinho-rei, preferindo hospedar-se no Hotel Bragança,como um cidadão comum. Como não tinha dinheiro para pagar a conta,tevedesocorrer-sedeumempréstimodeManuelJoaquimAlvesMachado,ricocomercianteportuguêsque izera fortunaemnegóciosnoBrasil.Aosjornalistas que a todo momento o interpelavam sobre a Proclamação daRepública e a possibilidade de voltar a governar o Brasil, limitava-se aresponder:—Semechamassem,iria.Porquenão?Nas duas semanas seguintes, cumpriu na capital portuguesa um

programadedespedidas.Na igrejade SãoVicentedeFora, ajoelhou-se erezoudiantedotúmulodopai,domPedro I.Fazia58anosqueovirapelaúltima vez, na madrugada de 7 de abril de 1831, data da abdicação doprimeiro imperador ao trono brasileiro. No mosteiro dos Jerônimos,depositou no túmulo do escritor e historiador Alexandre Herculano,falecidoem1877,umacoroadeflorescomosseguintesdizeres:Sóricoemsaber.16dedezembrode1889.Pedro.O compromisso seguinte foi o mais doloroso de todos— o reencontro

com o romancista Camilo Castelo Branco, por quem tinha profundaadmiração, apontodehavê-lo condecoradocomaOrdemdaRosa.Velho,cego,doenteeempobrecido,CasteloBrancovivianoandartérreodeumacasaemruínasnocentrodacidade.Tinhaalucinaçõesfrequentesegritavade dor à noite. Dom Pedro, que o conhecia desde a primeira visita aPortugal, em 1871, mandou perguntar se poderia visitá-lo. O escritorrecusou,dizendoque,naquelas condições,preferianão revero amigo. “AvisitadeVossaMajestade,nadolorosasituaçãoemquemeencontro,seria

para os meus cruéis padecimentos uma exacerbação”, explicou em umbilhete manuscrito. “Além das nevralgias que me forçam a gritar, estoufebril,cegoesurdo.NãoqueiraVossaMajestadepresenciarestehorrendoespetáculo.”Dom Pedro ignorou o bilhete e foi visitá-lo mesmo assim. Chegou de

surpresa à casa de Camilo. Seguiu-se um diálogo repleto de emoção etristeza,presenciadopelasobrinhadoescritor,AnaCorreia:—MeuCamilo,console-se.Hádevoltarateravista.—Meusenhor,acegueiraéaantecâmaradaminhasepultura.—Perdiotrono,estouexilado,enãovoltaràpátriaéviverpenando.—Resigne-seVossaMajestade.Temluznosseusolhos.—Sim,meuCamilo,masfalta-meosoldelá!Despediram-seabraçados,emlágrimas.CamiloCasteloBrancosuicidou-

senoprimeirodiadejunhode1890comumtiroderevólvernatêmporadireita. Dom Pedro II receberia a notícia sómesesmais tarde, quando jáestavaemParis.[318]DepoisdeLisboa,oimperadorseguiuparaacidadedoPorto,ondeuma

nova e devastadora tragédia o aguardava. No dia 28 de dezembro,enquantovisitavaaEscoladeBelas-Artes,foichamadoàspressasdevoltaaohotel.AimperatrizTeresaCristinaacabaradefalecer,vítimadeataquecardíaco.Custa-meaescrever,masprecisonãosucumbir—anotouemseudiário.

—Nãoseioquefareiagora.Sóoestudomeconsolarádeminhador.OmineiroAfonsoCelsodeFigueiredo Júnior, ilhodoviscondedeOuro

Preto, que o visitou nesse dia, registrou em suas memórias o estado deprostraçãodoimperador:

Aumcantoacamadesfeita,emfrenteumlavatóriocomum,nocentrolarga mesa coberta de livros e papéis. Um sofá, algumas cadeirascompletavamamobília.Tudofrio,desoladoenu.(...)Osjoelhosenvoltosnuma coberta ordinária, trajando velho sobretudo, dom Pedro II liasentando à mesa um grande livro, apoiando a cabeça namão. Ao nosavistar, acenoupara que nos aproximássemos.Meupai curvou-se parabeijar-lhe a testa. O imperador lançou-lhe os braços aos ombros eestreitou-se demoradamente contra o peito. Depois ordenou que nossentássemospertodele.Notei-lhea funda lividez. Calafriosarrepiavam-lheacútisporvezes.Houvealgunsminutosdedolorososilêncio...

Após o sepultamento da imperatriz, dom Pedro II viajou para a França,últimaetapadoseuexílio.AlireviutambémpelaúltimavezacondessadeBarral, a baianaque, ao longodemeio século, fora a verdadeiradonade

seu coração. Ela morreu, pouco antes de completar 75 anos, em 14 dejaneirode1891,diaemqueoimperadoranotouemseudiário:

Duas horas e cinco. Morreu a condessa de Barral, minha amiga desde1848edevertodososdiasquandoeducavaminhasfilhas.

Nodiaseguinte,registrounovamente:Não posso esquecer a morte da Barral. Hei de fazer-lhe meu sonetoquandooespíritoestivermaiscalmo...

Opoema,simplórioederimaforçadacomotodososquecompôsnavida,dizia:DurantemeioséculodeamizadeTalentoegraçaemtibemmeencontravaEotempojuntoatinuncaduravaEmtodaasuadiuturnidade[319]Dom Pedro II morreu no início da madrugada de 5 de dezembro de

1891. Acabara de completar 66 anos e estava hospedado no HotelBerdford, lugar relativamente modesto situado na rua de l’Arcade, emParis. No quarto se achavam cerca de trinta brasileiros, incluindo aprincesaIsabeleomarido,conded’Eu.Ogovernofrancês lhedeuhonrasde chefe de Estado com exéquias realizadas na igreja Madeleine, o queirritouprofundamenteosrepublicanosbrasileiros.Daliocaixãoseguiudetrem para Lisboa, chão de seus antepassados, onde foi sepultado nomausoléurealdeSãoVicentedeFora,aoladodaesposa,TeresaCristina.Nodiadamortedoimperador,aoabriroarmárioemqueestavamseus

pertences pessoais, o conde d’Eu encontrou um pequeno embrulhocontendoumasubstânciaescuraeumbilhetecomaseguintemensagem:É terra demeu país; desejo que seja posta nomeu caixão, se eumorrer

forademinhapátria.As últimas sete palavras dessa frase indicamque, até o leito demorte,

domPedroIIalimentousecretamenteailusãodeumdiaretornaraoBrasil.Isso, de fato, aconteceria, mas só trinta anos mais tarde. Em 1920, opresidenteEpitácioPessoarevogou, inalmente,odecretorepublicanoquebanira a família imperial do território nacional. Em 8 de janeiro do anoseguinte, os restos mortais do imperador e da imperatriz foramtrasladadosparaacatedraldePetrópolis,ondeseencontramatualmente.

18.OSBESTIALIZADOS

NO ROMANCE ESAÚ E JACÓ , o escritor Machado de Assis descreve de forma bem-humorada as a lições de um de seus personagens às voltas com osacontecimentos de 15 de novembro de 1889. Custódio, o ictício dono deuma confeitaria situada na rua do Catete, acordou naquela manhãalarmado pelas notícias a respeito da Proclamação da República. Diasantes, por infelicidade, havia encomendado a pintura de nova placa paraidenti icar, com letras bem grandes e coloridas, o nome de seuestabelecimento:ConfeitariadoImpério.Combinado o preço, Custódio voltara tranquilo para casa deixando o

pintoràsvoltascomoseutrabalho.Sóaoacordarnamanhãdodia15deu-se conta da confusão em que semetera. AMonarquia brasileira, que elepretendiahomenagear comaplaca, acabarade cair. Erapreciso sustar apinturaimediatamente.“Parenod...”, foiamensagemquedespachoucomurgência para o pintor. Para seu desespero, no entanto, descobriu que opro issionaljáconcluíraatarefa.Láestavaagoraanovaplaca,comatintaaindafrescaanunciando:ConfeitariadoImpério.E logo no centro da cidade, onde militares e civis republicanos

comemoravamaquedadoantigoregimeeainstalaçãodaRepública!Custódiorapidamentechegouàconclusãodequedeveriaprovidenciara

mudançadonomeeaconfecçãodeoutraplaca.Antes,porém, foipediraopinião do vizinho, o sábio e experiente conselheiro Aires. Manter“ConfeitariadoImpério”,concordouAires,poderiasoarumaprovocaçãoaonovoregime.—Quetal“ConfeitariadaRepública”?—sugeriu.À primeira vista, parecia boa ideia, mas Custódio lembrou-se de que,

àquela altura, o ambiente político continuava incerto. Algumas pessoasainda acreditavam na restauração da Monarquia e, se houvesse umareviravoltanosdiasseguintes,perderiadinheiromandandopintaranovaplaca. Uma alternativa seria mudar para “Confeitaria do Governo”,designação que, segundo explicou Aires, “tanto serve para um regimecomoparaoutro”.OprecavidoCustódioponderouque,tambémnessecaso,haveriaproblemas.Nenhumgovernodeixadeteroposição.Osadversários

do novo regime poderiam quebrar-lhe a tabuleta. A solução por imadotadafoi:ConfeitariadoCustódioSeria essa, portanto, a nova denominação do estabelecimento, levando

em conta que “um nome, o próprio nome do dono, não tinha signi icaçãopolítica ou iguração histórica, ódio nem amor, nada que chamasse aatenção dos dois regimes”, conforme ponderou-lhe o conselheiroAires.[320]Essacuriosaanedota literária resumeo climadeespantodapopulação

doRiodeJaneironaqueledia.Frutodeumaconspiraçãoentremilitareseumnúmero reduzidode civis, aProclamaçãodaRepúblicapegoua todosde surpresa. Ao ver o des ile das tropas comandadas por Deodoro nocentro da cidade naquelamanhã, ninguém saberia dizer com certeza doque se tratava. O tom do noticiário parecia contraditório. Havia umarevoluçãoemandamento,anunciavamosjornais,masoclimageraleradeordemetranquilidade.“Ninguém parecia muito entusiasmado”, relatou o correspondente do

jornal americanoThe New York Times . Segundo ele, ao passar pela ruaPrimeirodeMarço,nocentrodacidade,osmilitaresvitoriososderamvivase confraternizaram com os civis, mas não receberam de volta nenhumademonstração de entusiasmo popular. [321] “O povo assistiu àquilobestializado,atônito, surpreso, semconheceroquesigni icava”, a irmouojornalista e chefe republicano Aristides Lobo em artigo para oDiárioPopular,deSãoPaulo.“Muitosacreditavamsinceramenteestarvendoumaparada. Era um fenômeno digno de ver-se.” No mesmo artigo, AristidesLoboexplicavaque,“porora,acordogovernoépuramentemilitar”,umavezque “o fato foideles,delessó,porqueacolaboraçãodoelementocivilfoiquasenula”.[322]Depoimentosdeoutrastestemunhascon irmamoclimageraldeapatia.

O embaixador da Áustria no Rio de Janeiro, conde deWeisersheimb, emrelatório despachado para Viena cinco dias após a Proclamação daRepública,afirmou:

A grande massa da população, tudo quanto não pertencia ao PartidoRepublicano, relativamente fraco, ou à gente ávida de novidades, icoucompletamente indiferente a essa comédia, encenadapor umaminoriadecidida.

Semelhantefoiorelatodoembaixadorfrancês,condedeChaillou,nodia18denovembro:

Doismilhomenscomandadosporumsoldadorevoltadobastarampara

fazer uma revolução que não estava preparada, ao menos para já.Informaçõesparticularespermitema irmarqueosprópriosvencedoresnão previam, no começo do movimento, as condições radicais que eledeviater.[323]

Asnotíciasdaquedado Império seespalharamrapidamentegraçasaotelégrafo.Na tardede15denovembro, seguindo instruçõesdeBenjaminConstant,otenenteJoséAugustoVinhaistomoupossedaRepartiçãoGeraldos Telégrafos no Rio de Janeiro, até então che iada pelo barão deCapanema. Dali passou a disparar mensagens para os presidentes dasprovíncias anunciando a implantação da República, embora até aquelemomento o novo regime ainda não estivesse o icializado pelo governoprovisório. Ao contrário do que se poderia esperar, a repercussãodiantedetãoextraordinárioacontecimentofoimínima.Aresignaçãofoigeral.Curiosamente, a reaçãomonárquicamais importanteocorreunaBahia,

liderada por ninguém menos do que o irmão do marechal Deodoro, ogeneral Hermes Ernesto da Fonseca, governador de Armas da província.AoreceberasnotíciasdoRiodeJaneiro,HermesdaFonsecaanunciouquepermaneceria ielaoimperadorPedro II.Àsdezhorasdamanhãdodia16,despachou um telegrama ao governador do Pará, Silvino Cavalcanti deAlbuquerque, no qual avisava que pretendia resistir à República. PediaqueSilvinooacompanhassenadecisão.De início,ogovernadorparaenseconcordou, mas no meio da tarde foi obrigado a renunciar, depois quetropas leais a Deodoro, incluindo o contingente do Corpo de Bombeiros,cercaramopalácioemBelém.Aodeixarocargo,Silvinolavrouumprotestoem nome “do direito, da honra e da pátria”, que entregou ao cheferepublicanoPaesdeCarvalho.[324]Enquanto isso, na Bahia, o general Hermes da Fonseca capitulava ao

saber que o próprio irmão liderava a Proclamação da República e que,àquela altura, o imperador já estava a caminho do exílio na Europa. “Eusourepublicanodesdeodia15denovembro,masomeuirmãoHermeséde16”,diriamais tardeomarechalDeodoro,aose referiraoepisódiodeformadivertida.[325]Com exceção desse caso pitoresco, os protestos em outras regiões do

Brasil foram isolados e sem consequência. Em Desterro, atualFlorianópolis,aoouviranotíciadogolpenoRiodeJaneiro,ossoldadosdeum batalhão do Exército se sublevaram dando vivas à Monarquia. “Foinecessário mandar fazer fogo, resultando dois a três mortos”, anunciavaumdespachoenviadoaBenjaminConstant,ministrodaGuerra.Segundoomesmodocumento,cercadetrintasoldadosaindaestavamdesaparecidos.

NoMaranhão,umgrupodeex-escravos,quejulgavadeversualibertaçãoàMonarquia, foi igualmente reprimido a tiros pelo comandante do 5ºBatalhão do Exército, major Tavares Torres, adepto do positivismorepublicano.[326]Na foz do rio Apa, emMato Grosso, a guarniçãomilitar local só tomou

conhecimento da queda do Império mais de um mês depois, em 20 dedezembro. Publicada a ordemdo dia com a notícia, cerca de 25 soldadosnegrosreagiramdando“morrasàRepública”e“vivasàMonarquia”.Comoos ex-escravosmaranhenses, alegavam que não apoiariam a nova formadegovernoporquehaviamsido libertosdocativeiropelaprincesa Isabel.Diante de uma ordem do comandante, quemandou prendê-los, puseramfogonoquartel.Umdelesmorreu.[327]Se entre pobres, soldados rasos e ex-escravos ainda houve algum

protesto,orestantedapopulação—emespecialaquelaparcelaquetinhaalguma riqueza, poder e in luência política— aderiu à República com amaiornaturalidadee sempensarduas vezes.O Senadodo Império, ondetinham assento as maiores sumidades da Monarquia, não formulouqualquer voto de protesto ao se reunir pela última vez, em 16 dedezembro. “DomPedro II viu-sesóeabandonado”,observouohistoriadorManuel deOliveira Lima. “AMonarquia noBrasil caiu sem ter tidoquemmorresse por ela”, observou o sociólogo Gilberto Freyre [328].“Esqueceram-memaisdepressadoqueeuesperava”,queixou-seopróprioimperadoraofilhodoviscondedeOuroPreto,emParis.[329]As adesões mais rápidas e entusiasmadas vieram de proeminentes

políticos monarquistas, condes, viscondes, barões e outros idalgos,apontados como o sustentáculo do Império. Da Europa o barão de Tefé(almirante Antônio Luís von Hoonholtz) mandou um telegrama aomarechalDeodorofelicitando-opor“terlibertadoapátriadaopressão”.ObarãoHomemdeMelo(professorFrancisco InácioMarcondesHomemdeMelo)des iloupelas ruasdoRiode Janeirocomas tropasdeDeodoronatarde de 15 de novembro. Sete dias depois mandou carta a QuintinoBocaiúva chamando-o de “meu particular amigo”. O barão da Passagem(almiranteDel imCarlosdeCarvalho)elogiouosrepublicanospor “teremlibertadoapátriadeumdomíniointolerável”. [330]OcondedeAraruama(fazendeiro Bento Carneiro da Silva) anunciou em comunicado aos seusamigos de Macaé e Barra de São João estar aderindo à República porconsideraresse“omelhorserviçoquesepodefazeràpátria”.OviscondedeBomConselho(advogadoJoséBentodaCunhaFigueiredo)escreveuàsautoridades expressando “máxima adesão e obediência” à República e

desejando que o novo governo fosse feliz “na sua importante tarefa deconservar a paz interna e externa, estreitando cada vezmais os laços deíntimafraternidadeentreosbrasileiros”.[331]Atémesmoopreceptordos ilhosdaprincesaIsabel,BenjaminFranklin

RamizGalvão,barãodeRamiz,pulouomurotãologopôde.Semanasapósa Proclamação da República, já tendo renunciado ao título de barão, foinomeadodiretordaInspetoria-GeraldeInstruçãoPúblicaporindicaçãodeBenjaminConstant.Emdiscursoumanomais tarde comparouDeodoroaGeorge Washington, primeiro presidente e herói da Independência dosEstadosUnidos.[332]Entre os adesistas imperiais dizia-se que a República era “um fato

consumado”,diantedoqualnãocabiaqualquerreação.UmcasoexemplarfoiodeJoséAntônioSaraiva,oconselheirodoImpérioque,namadrugadade16denovembro,domPedro IIchamarapararecomporoministério,emúltima e desesperada tentativa de preservar a coroa. Saraiva aderiu aonovoregimediasapósapartidadoimperadorparaoexílio.Emtelegramaao ex-deputado pernambucano Ulisses Viana, no dia 20 de novembro,avisouqueaRepúblicatinhachegadopara icarequeseriainútilresistiraela.“Devemosadotá-laeservi-la”,recomendou.Umanomaistarde,estariaentre os representantes eleitos para a nova assembleia constituinterepublicana. Logo, porém, renunciou ao mandato recolhendo-se aoanonimatoemseuengenhodeIpojuca,naBahia.[333]AtitudederaradignidadeteveogovernadordeSãoPaulo,generalCouto

deMagalhães,veteranosertanista,desbravadordabaciadorioAraguaiaeheróidaGuerradoParaguai.Magalhães,ummonarquistaconvicto, soubeda Proclamação da República ainda no dia 15 de novembro. No diaseguinte, entregou o cargo a uma comissão formada por Campos Salles,RangelPestana,MartinhoPradoJr.,entreoutrosrepublicanos.Foitratadocom respeito ao deixar o palácio, então situado no Pátio do Colégio, masrecusou o convite para ir aoRio de Janeiro prestar reverências às novasautoridades constituídas. “Tendo (...) sido há pouco funcionário de altacon iança do governo decaído, julgo que a minha ida ao palácio paracumprimentar o icialmente o governo provisório não teria outro efeitoalém de aumentar de mais um nome a longa lista daqueles que osrepublicanos antigos devem considerar como pretendentes importunosdos proventos e honras de uma situação que não ajudaram a criar”,justificou-seovelhogeneral.O festival de adesões logo se propagou também entre advogados,

escritores, médicos, jornalistas e outros pro issionais. No dia 20 de

novembro,umgrupodeintelectuaisreuniu-senoteatroVariedadescomoobjetivodeelegerumacomissãoencarregadade“manifestarporqualquermodoao governoprovisóriodaRepúblicadosEstadosUnidosdoBrasil aadesão franca dos homens de letras do Brasil”. Entre os escolhidos paracompor a representação estavam o sergipano Sílvio Romero, o gaúchoPardal Mallet, o carioca Olavo Bilac, o alagoano Guimarães Passos e osmaranhensesAluísiodeAzevedoeCoelhoNeto.[334]Emmuitoscasos,“nãobastavaaderir;eraprecisotornarpúblicooato”,

como registrou o historiador Renato Lemos. [335] Foi o que izeram 94médicos autores de “uma lista aberta” publicada pelo jornalO Correio doPovonaqualdeclaravamapoioaonovoregime.Tambémsemanifestaramosempregadosdocomércio,oCentroFamíliaEspírita,oGrandeOrientedoBrasil,odiretoreosempregadosdaCasadaMoeda,aUniãoOperáriaeaComissão dos Homens de Letras, entre outras instituições. Um fenômenoparticularmente curioso foi a corrida aos atestados de participação naProclamação da República. Assinados por Benjamin Constant e outraslideranças, esses documentos certi icavam que o requerente erarepublicano de primeira hora. Mais tarde, serviriam para abrir-lhes asportasdoscofres,empregoseoutrosprivilégiosnasrepartiçõespúblicas.O “fato consumado” foi também o argumento utilizado pelos

republicanos civis para justi icar a instalação do novo regime pela forçadas armas — e não pelo pronunciamento das urnas, como muitosdefendiam até então. No dia 19 de novembro, o jornalA Federação, dePortoAlegre,dirigidoporJúliodeCastilhos,informava:

GovernanossoEstadoenossaPátriaumaditadura.Éumanecessidadedos tempos que atravessamos. Essa ditadura foi instituída para o bem.Nãoéaordemimpostapelodeslumbramentofaiscantedasbaionetas.Éaordemnatural,resultadonecessáriodeummovimentoqueobedecealeisindefectíveis.[336]

Mesma linhaderaciocínioseguiuoadvogadoMartimFranciscoRibeirodeAndrada, sobrinho-netodoPatriarcada Independência, JoséBonifácio,aoexplicarnodia22denovembroaapatiadospaulistasperanteogolpemilitar:

Sei que o governo militar agora triunfante discrepa da índoleconservadora dos habitantes da zona paulista. Sei que, em regiãoagricultadacomoanossa,di icilmente se toleraomandode sargentos;cumpre,porém,observarqueogovernoatualéótimo,porqueéoúnicopossível(...).[337]

No Rio de Janeiro, oDiário de Notícias, jornal de Rui Barbosa,

orquestrava o coro de lisonja aos militares, protagonistas e senhoresabsolutos damudança do regime. “O Exército tendo tudo nasmãos, tudodeu ao povo...”, a irmava um de seus artigos. “Os militares, depois dealcançada a vitória, depositaramnasmãos do povo os destinos da nação,demonstrando não terem ambição alguma”, insistia outro texto. [338] Aocontráriodoquefaziasuporootimismodessesartigos,osmesesseguintesseriam de censura e repressão a jornalistas, intelectuais e eventuaisopositores que ousassem levantar a voz contra as decisões do novogoverno.O regime instalado desmentia grande parte da campanha republicana

que mobilizara o país nos anos anteriores. Nos discursos, agitadorespopulares como Silva Jardim e Lopes Trovão reproduziam a retórica daRevolução Francesa convocando o povo a participar ativamente datransformaçãonasruas.OManifestoRepublicanode1870a irmavaqueaMonarquia brasileira era incompatível com soberania nacional. O poder,segundoseusautores,deveriasebasearnavontadepopular.Oqueseviunosdezanosseguintesà implantaçãodaRepública foioopostodisso. “Osmilitares(...)julgaram-sedonosesalvadoresdaRepública,comodireitodeintervir assim que lhes parecesse conveniente”, notou José Murilo deCarvalho.[339]Umdecretode23dedezembrode1889,portantocincosemanasapósa

troca de regime, ameaçava jornalistas de oposição com “as penas dosartigosdeguerra,arcabuzamentoinclusive”.Aexpressão“arcabuzamento”signi icava execução por arcabuz, arma típica do século XIX, ou seja,fuzilamento.Emmarçode1890,umnovodecretopreviapuniçõesatodasaspessoasacusadasdepôremcirculação,pelaimprensa,pelotelégrafooupor qualquer outromeio, “falsas notícias e boatos alarmantes, dentro ouforadopaís,(...)quesereferissemàindisciplinadoExército,àestabilidadedas instituições ou à ordem pública”. Na prática, era uma censura àimprensa,ondeessasnotíciaserumoresfrequentementeapareciam.Fortalecidopor essesdecretos, oporretedapolíciapassou a funcionar

nas redações com frequência alarmante. Assustado com o clima derepressão, o jornalOEstadodeS.Paulo, fundadoalgunsanosantescomonomedeAProvínciadeSãoPauloequeatéentãotinhasidoporta-vozdasideiasrepublicanas,protestouemeditorialnodia26demarçode1890.Aliberdade de imprensa, reclamava o jornal, “tem hoje na Repúblicagarantias menos seguras e menos e icazes do que as que lhe dava aMonarquia”.Em Pernambuco, a polícia mandou prender e rasgar todos os

exemplaresdojornalOTribuno,quecriticaraosprimeirosatosdogovernoprovisório.Em28demarçode1890,oDiáriodoGrão-Pará,deBelém,teveas portas arrombadas e as caixas de tipos de chumbo empasteladas,impedindoqueojornalcirculasseporváriosdias.TambémforamdetidoseespancadososredatoresdoDiáriodeNotíciasedeAProvínciadoPará .NoRioGrandedoSulforampresosDanielJob,redatordo Mercantil,HenriqueHasslocher, gerente da Folha da Tarde , e Carlos von Koseritz, diretor daredação do jornalReforma. Koseritz teve um ataque cardíaco e morreuantesdesertransferidoparaoRiodeJaneiro.Outrasnotíciasdeataquesajornais chegavam da Paraíba, do Ceará, do Piauí, do Maranhão e daBahia.[340]Na noite de 29 de novembro de 1890, a redação do jornalA Tribuna,

situadanatravessadoOuvidor,número31,centrodoRiodeJaneiro,cujosjornalistas se arriscavam a criticar os atos do governo provisório, foiocupada pelos militares. Divididos em três grupos, os assaltantesquebraram tudo o que encontraram pela frente, inclusive móveis emáquinas tipográ icas. Foram espancados os redatores, revisores,conferentes,grá icosefuncionáriosadministrativoseatéclientesdojornalque naquele momento estavam sendo atendidos no balcão. Um dosrevisores, Jerônimo Ferreira Romariz, morreu um mês mais tarde emconsequênciadosferimentos.As frustrações com o novo regime podem ser resumidas no telegrama

que, no dia 21 de dezembro de 1889, Felicíssimo do Espírito SantoCardoso, ex-senador do Império e capitão da Guarda Nacional em Goiás,enviou ao ilho Joaquim Inácio Cardoso, alferes do Exército e ativoparticipante da Proclamação da República no Rio de Janeiro. “VocêsizeramaRepúblicaquenãoserviuparanada”,reclamavaocapitão.“Aquiagora, comoantes, continuammandandoosCaiado”. [341] Joaquim Inácio,jácitadoemoutrocapítulo,seriaoavôdo futuropresidentedaRepúblicaFernando Henrique Cardoso, cujo governo, mais de um século após aProclamação da República, contaria em Goiás com o apoio do deputadoRonaldoCaiado,ex-presidenteda UDR (UniãoDemocráticaRuralista)contraoMST (Movimento dos Trabalhadores Rurais SemTerra), que reivindicavareforma agrária, uma das muitas promessas adiadas pelo regimerepublicano.

19.ORDEMEPROGRESSO

PROCLAMADA A REPÚBLICA, UMA DAS primeiras providências do novo regime foiredesenhar parte da geogra ia brasileira. Estradas, ruas, praças, escolas,repartições públicas e até cidades inteiras tiveram suas denominaçõesalteradas para homenagear os heróis republicanos. Estátuas, obeliscos,chafarizes e outros monumentos foram construídos em ritmo frenéticoparacelebraroacontecimento.NoRiode Janeiro,ao todo46 logradourosmudaram de nome. As ruas da Constituição e do Imperador passaram aser chamadas o icialmente como do Governo Provisório e do ExércitoLibertador.ApraçaDomPedroII,olargodaImperatrizearuadaPrincesatornaram-se,respectivamente,praçadoMarechalDeodoro,praçaQuintinoBocaiúvaeruaRuiBarbosa.Atémesmoviasdenomessingelosepoéticos,tão peculiares na época da colonização portuguesa, foram vítimas dasíndrome rebatizatória do governo. A rua da Misericórdia virou rua doBatalhãoAcadêmico.OBecodasCancelas foi reclassi icadocomotravessaepassouaostentaronomedodr.VicentedeSousa,umdoslíderescivisdarevoluçãohojemenoslembrado.Iniciativas semelhantes foram adotadas na maioria das cidades, que

aindahojeexibemnoseumapaosnomesdepersonalidadesrepublicanas,como Floriano Peixoto, Silva Jardim e Benjamin Constant. Há casoscuriosos,comoodaprincipalviadecomérciodePetrópolis,RiodeJaneiro,denominada rua do Imperador até 1889, ano em que teve seu nomealterado para avenida Quinze de Novembro, em homenagem à data daProclamaçãodaRepública,masvoltouasechamardoImperadornoventaanosmais tarde,em1979,pordecisãodaCâmaraMunicipal, como formade agradar aos turistas que buscam na cidade serrana os últimos emaltratadosvestígiosdoImpériobrasileiro.OobjetivodessasmedidasnãoeraapenasexaltaraRepública.Tratava-

se, principalmente, de eliminar o mais rapidamente da paisagem osvestígios da Monarquia. Um decreto do governo provisório suprimiu deimediatoadenominação“imperial”detodososestabelecimentosligadosaoMinistério do Interior. Desse modo, o venerando Imperial Colégio DomPedro II, fundado em 1837, passou a chamar-se Instituto Nacional deInstruçãoSecundáriae,emseguida,GinásioNacional.Sóem1911voltariaatersuadesignaçãooriginal.OArquivoPúblicodoImpériovirouArquivo

Público Nacional, enquanto a ferrovia Dom Pedro II tornou-se Estrada deFerroCentraldoBrasil.[342]O esforço incluiu ainda a criação de datas cívicas, a mudança da

bandeira,umatentativafracassadadealteraroprópriohinonacionaleatéaadoçãodenovotratamentodispensadoàsautoridades.Por lei, “SaúdeeFraternidade”, divisa emprestada da maçonaria e usada na RevoluçãoFrancesa,converteu-seemsaudaçãoobrigatórianoBrasilrepublicano.Nacorrespondência o icial adotou-se o tratamentode “Cidadão” em lugar domaiscerimonioso“VossaExcelência”dostemposdoImpério.Assim,o íciose despachos do governo passaram a trazer expressões como “CidadãoPresidente”,“CidadãoMinistro”e“CidadãoGeneral”.Aomudar o protocolo o icial, erguermonumentos, criar datas cívicas e

rebatizar ruas, praças e instituições com os nomes de novos heróisnacionais, o regimeprocurava, na verdade, conquistar corações ementesdos brasileiros até então arredios ou apáticos diante da Proclamação daRepública. No fundo, buscava-se dar uma nova identidade ao país,descoladadeseupassadomonárquico,projetoqueacabariaporalteraropróprio ensino de história do Brasil e teria grande impacto nos livrosdidáticos, no jornalismo, na literatura, no teatro, na pintura e em outrasformas de arte. “Heróis são símbolos poderosos, encarnações de ideias easpirações, pontos de referência, fulcros de identi icação”, escreveu omineiroJoséMurilodeCarvalho,autordeAformaçãodasalmas,excelenteestudo sobre a construção do imaginário republicano noBrasil. “São, porisso,instrumentoseficazesparaatingiracabeçaeocoraçãodoscidadãosaserviçodalegitimaçãoderegimespolíticos.”[343]Um caso de particular interesse, analisado em profundidade por José

Murilo de Carvalho, envolve a igura de Joaquim José da Silva Xavier, oTiradentes. Até a Proclamação da República, o mártir da Incon idênciaMineira ocupava um papel dúbio e secundário na galeria dos heróisnacionais.Embora fosseumprecursordomovimentopela Independência,esse papel o colocava na condição de concorrente de um herói mais aogostodaMonarquia,oimperadorPedroI,protagonistadoGritodoIpirangaem1822.Alémdisso,participaradeumaconspiraçãorepublicanacontraaMonarquia portuguesa, da qual o Império brasileiro havia herdado suasraízes e principais características. Sua sentença de morte na forca, em1792,foraassinadaporninguémmenosqueabisavódoimperadorPedroII,arainhadonaMariaI,tambémconhecidacomo“arainhalouca”.Poressasrazões,Tiradenteshaviapassadoquaseumséculoemrelativa

obscuridade na história o icial brasileira. Com exceção de iniciativas

isoladas,ninguémnoBrasil imperial tinhamuito interesseempromovê-loa símbolo das aspirações nacionais. A partir de 1889, ele renasceu dascinzasnacondiçãodeherói republicano.Nosanos seguintes, sua imagemseriausadadeformahabilidosaparapromoveronovoregime.Aprimeiracomemoraçãoo icialdoseumartírioaconteceunoRiodeJaneironodia21de abril de 1890, cumprindo-se umdecreto que transformava a data emferiadonacionaljuntocomoQuinzedeNovembro.Osartistascontribuírampara o sucesso da construção do novo mito associando a iconogra ia deTiradentes à de Jesus Cristo — apelo poderoso em um país de fortetradição católica. Em quadros e reproduções da época, o mártir daIncon idênciaaparecedebarbasecabeloscompridos,arsereno,vestindoumatúnicabranca,sobaestruturadaforcaquelembraacruznoCalvário.Des iles comemorativos da Incon idência remetiam à encenação da Via-Sacra, na Sexta-Feira da Paixão. Um artigo publicado no jornal O Paiz em21de abril de1891 se referia à “vaporosa ediáfana iguradomártir daIncon idência, pálida e aureolada, serena e doce como a de JesusNazareno”.[344]Símbolos máximos do novo regime, o hino e a bandeira nacionais

consumiram longas horas de discussões. Nos anos inais do Império, oantigohinonacionalbrasileiro, commúsicadeFranciscoManueldaSilva,era considerado monárquico e decadente pelos republicanos. Sua letraestava em desuso havia muito tempo. Por essa razão, até 1889 osadversáriosdaMonarquiacostumavamcantarempasseatase reuniõesaMarselhesa,marchacelebrizadapelaRevoluçãoFrancesaedepoisadotadao icialmente como hino nacional da França. Em 1888, o jovem poeta ejornalista José Joaquim de Campos da Costa deMedeiros e Albuquerque(aquele mensageiro, citado na abertura do segundo capítulo deste livro,encarregado de avisar os republicanos paulistas sobre a conspiração noRiodeJaneiro)publicounarevistaOMequetrefe,doRiodeJaneiro,aletrado que ele propunha ser o futuro Hino da República Federal Brasileira,comoseguinteestribilho:Liberdade!Liberdade!Abreasasassobrenós.Daslutas,natempestade,Dáqueouçamostuavoz!FeitaaProclamaçãodaRepública,oministrodoInterior,AristidesLobo,

iniciou uma campanha para que a letra deMedeiros e Albuquerque, seuamigo e correligionário, fosse, de fato, adotada como novoHinoNacional.Faltavasócomporamúsica,paraaqualabriu-seumconcursopúblicopor

decreto de 22 de novembro de 1889. Um acontecimento inesperado,porém,colocoupor terraosplanosdoministroerestauroude imediatoaglória perdida do antigo Hino Nacional. No dia 15 de janeiro de 1890,quandoaRepública celebrava seu segundomêsde existência, aMarinhapromoveuumdes ilepelocentrodoRiodeJaneiro.Ao inalfoiservidoumlanche no Palácio do Itamaraty, com a presença de Deodoro, na ocasiãoaclamado “generalíssimo”, ou seja, chefe absoluto das Forças Armadasnacionais.Comoeradecostumeemcelebraçõesrepublicanas,umabandamilitar começou a tocar aMarselhesa. O povo, que a tudo assistia da rua,reagiumalaosacordesdamarchafrancesaecomeçouapediraosgritos:OHinoNacional!OHinoNacional!Preocupados, os organizadores da festa foram consultar Deodoro, que,

percebendoodesconfortodamultidão,ordenouqueabandaexecutasseovelho hino dos tempos do Império. A emoção tomou conta de todos ospresentes, que reconheciam naqueles acordes a lembrança de tantasvitórias épicas como a Independência, o im da Guerra do Paraguai e aAbolição da Escravatura. Contaminado pelo entusiasmo popular, omarechal determinou que as bandasmilitares percorressem o centro dacidadetocandooatéentãodesprezadohino.Oepisódio,noentanto,deixavaogovernoprovisório comumproblema

adicional:oquefazercomoconcursoanunciadopeloMinistériodoInteriorpara a escolha do novo hino nacional republicano? Para não desagradaraoscompositoresjáinscritos,decidiu-selevá-loadiante,mastambémdessavez a voz do povo atrapalhou os planos o iciais. Na audição pública doconcurso,realizadanodia20dejaneironoTeatroLírico,Deodoroavalioupacientemente todas as composições candidatas, algumas de qualidadesofrível mesmo para ouvidos mais habituados ao ruído das casernas doque àmúsicados salões.No inal, antes que o vencedor fosse anunciado,algumasvozesnaplateiacomeçaramapedirnovamente:—Ohinoantigo!Ohinoantigo!Omaestro que regia a cerimônia lançou umolhar interrogativo para o

marechal,que,umavezmais,aprovouopedido:—Toqueovelho!Faça-lhesavontade...Foi o que bastou para o teatro vir abaixo. Diante das inequívocas

demonstrações de júbilo, ali mesmo, na frente do povo, foi lavrado odecretodenúmero171,quemantinhaacomposiçãodeFranciscoManuelda Silva como Hino Nacional Brasileiro. A ela seria acrescentada depoisapenas uma nova letra, de autoria de Joaquim Osório Duque-Estrada. “Aimpressão que a composição de Francisco Manuel produziu no nosso

público não se descreve”, relatou um repórter do jornal O Paiz. “Foi umdelírio!”[345] Como prêmio de consolo, a composição de Medeiros eAlbuquerque,agoracommúsicadomaestroLeopoldoMiguez, foiadotadacomohinooficialdaProclamaçãodaRepública.[346]Tão polêmicas quanto a decisão sobre o Hino Nacional foram as

discussões envolvendo a nova bandeira republicana, estabelecida pelodecretodenúmero4,de19denovembrode1889—datahojecelebradanas escolas como oDia da Bandeira. Idealizado pelo pintor francês Jean-BaptisteDebret,oestandartenacionaldaépocado Império tinhao fundoverde sobreposto por um grande losango amarelo, no centro do qualapareciamobrasãoeacoroaimperiaisemolduradosporramosdecaféetabaco.Na tarde de 15 de novembro de 1889, como ainda não houvesseumabandeiranacionalrepublicana,vereadorese intelectuaisutilizaramosímbolodoClubeRepublicanoLopesTrovãonaimprovisadacerimôniadeProclamação da República organizada por José do Patrocínio na CâmaraMunicipal. Era uma imitação da bandeira dos Estados Unidos com coresdiferentes.Umabandeiratambémdeestiloamericanofoihasteadaabordodo navioAlagoas, que levou a família imperial para o exílio. Esses doisestandartes re letiam o fascínio que a jovem e dinâmica República daAmérica do Norte exercia sobre os brasileiros na época. Isso se podiacomprovar também no próprio nome do país adotado pelo governoprovisório:RepúblicaFederativadosEstadosUnidosdoBrasil.EssasreferênciasaosEstadosUnidosdesagradavam,noentanto,aparte

dosmilitaresmais nacionalistas e, em especial, os adeptos do ApostoladoPositivista, cujo líder, Teixeira Mendes, dizia tratar-se de “uma imitaçãoservil”dossímbolosdeoutranação.Ospositivistasa irmavamqueoBrasilrepublicano deveria adotar sua própria bandeira e encomendaram ummodelo ao pintor Décio Villares, imediatamente aceito pelo marechalDeodoro por sugestão de Benjamin Constant. Nele, mantinham-se odesenho e as cores originais da bandeira do Império, substituindo-seapenasacoroaporumcírculoazulcomasestrelasquerepresentariamocéudoRiodeJaneironamanhãde15denovembrode1889.“AscoresdanossaantigabandeirarecordamaslutaseasvitóriasgloriosasdoExércitoe da armada na defesa da pátria”, justi icava o decreto do governoprovisório. “Essas cores, independentemente da forma de governo,simbolizamaperpetuidadeeintegridadedapátriaentreasoutrasnações.”A nova bandeira provocou grande controvérsia por duas razões. A

primeira foi a posição das estrelas. Um especialista consultado em ParispelocorrespondentedojornalGazetadeNotíciasexplicouqueadimensão

doCruzeirodoSulestavaexagerada,eoeixodaconstelaçãoemrelaçãoaopolo sul invertido. Alguns críticos diziam, de forma sarcástica, que, tendoderrubado a Monarquia, o governo provisório queria levar a revoluçãotambém aos céus e mudar a astronomia.[347] O erro foi, de fato,comprovadomaistarde,resultandoemnovaversãodabandeira,utilizadaatéhoje.Umasegundapolêmicaenvolveuadivisa“OrdemeProgresso”,colocada

nocentrodaesferaazul.ObispodoRiodeJaneiroserecusouaabençoaranovabandeiraalegandoqueelacontinhaapologiadeumaseitadivergenteda religião católica. De fato, a expressão resumia a doutrina do francêsAuguste Comte e adotada como lema pelos iéis da Igreja positivista: “Oamor por princípio, a ordempor base e o progresso por im”. Apesar daforte oposição, a divisa foi mantida na bandeira graças ao apoio deBenjaminConstant,umadmiradordeComte.Dolemaoriginal,noentanto,eliminou-seo amor,preferindo-se reforçar a ideiadeordemeprogresso,conceitos que os republicanos julgavammais urgentes naquela nova faseda vida nacional. A despeito da ênfase na bandeira, porém, os primeirospassos da República seriam de pouca ordem, minguado progresso— e,definitivamente,nenhumamor.Éoqueseveránoscapítulosseguintes.

20.ODIFÍCILCOMEÇO

NOS SEUS QUINZE MESES DE duração — entre 15 de novembro de 1889 e 25 defevereirode1891—,ogovernoprovisóriodedicou-sea intensaatividadelegislativa.“Cadaministérioeraumafábricadeleis.Cadaministrovaliaporum congresso”, observou Raimundo Magalhães Júnior, biógrafo deDeodoro. “Era preciso suprimir embaraços, suprir lacunas, substituir leisfeitas no interesse da Monarquia por outras que atendessem àsnecessidades do novo regime.” [348] Alguns desses decretos e leis degabinete eram importantes, como o que determinou a separação entre aIgrejaeoEstadoeoqueestabeleceuocasamentocivil.Outrospareciam,àprimeiravista,mesquinhos,meraretaliaçãoaoregimedeposto.Haviadi iculdadesdetodanaturezapelafrente,acomeçarpelafaltade

quadrosrepublicanosparaocuparospostos-chavesdaadministraçãoeapouca experiência dos novos governantes. Durante o primeiro ano doregime, a rotatividade nos governos estaduais foi altíssima.ORio Grandedo Norte teve dez administrações. Minas Gerais, seis; Paraná, seis;Pernambuco, oito; e Sergipe, sete.[349] Habituado à vida na caserna edescon iadodasreaisintençõesdoscivis,queeleconheciapouco,Deodoropreferiu de início delegar esses cargos aos seus companheiros de armas.Por essa razão, os militares dominaram por completo a cena políticabrasileira.ParaogovernodoAmazonasfoinomeadoojovemtenentedeartilharia

AugustoXimenodeVilleroy,de27anos,parceirodeDeodoroeBenjaminConstantnasconspiraçõesparaaderrubadadaMonarquia.ParaoPiauí,ocapitãodemareguerraJoséMarquesGuimarães,quenãoaceitouocargo,sendo substituído por outro militar, o coronel Gregório Taumaturgo deAzevedo. Também em Goiás, o primeiro escolhido, o tenente-coronelBernardo Vasques, recusou o posto, sendo trocado por um o icial maisjovem, o capitão Rodolfo Gustavo da Paixão. EmMato Grosso, assumiu obrigadeiroAntônioMariaCoelho.EmAlagoas,o tenente reformadoPedroPaulinodaFonseca,irmãodeDeodoro.EmSantaCatarina,otenenteLauroSeveriano Müller. Em Pernambuco, o general José Simeão de Oliveira. OParanátevequatrogovernadoresmilitaresempoucosmeses:obrigadeiroFrancisco José Cardoso Júnior, o contra-almirante José MarquesGuimarães,o tenente-coronel InocêncioSerzedeloCorrêaeocoronel José

de Aguiar Cerqueira. Pelo governo do Rio Grande do Sul passaram,sucessivamente,doismarechaisedoisgeneraisnoperíododeapenassetemeses:JoséAntônioCorreiadaCâmara,viscondedePelotas;JúlioAnacletoFalcão da Frota; Carlos Machado Bittencourt e, por im, Cândido José daCosta.No dia 19 de dezembro, pouco mais de um mês depois da posse do

governo provisório, foi decretada uma reorganização geral do Exércitoaumentandoonúmerodeunidades.Oobjetivoprincipalera liberarvagaspara promoções — até então uma das principais queixas contra asautoridades imperiais. As promoções foram aceleradas mediante atransferência para a reserva de muitos o iciais veteranos. Dessa forma,abria-se caminho para a ascensão dos mais jovens. Dos 28 generais daativaem1890,dezforampromovidosenovereformados.Dos54tenentes-coronéis, quatro seriam promovidos a generais de brigada e trinta acoronéisnosdoisanosseguintes.Oanode1889encerrou-secomaumentode50%nos soldosmilitares, que assim atingiamopatamarmais alto emtodo o decorrer do século XIX — superior até mesmo ao que se pagavadurante a Guerra do Paraguai. “O golpe de 1889 proporcionou aosmilitaresbene íciosimediatos”,observouoantropólogoehistoriadorCelsoCastro.[350]Em janeiro de 1890, uma lista de promoções por “serviços relevantes”

bene iciou quase todos os o iciais envolvidos na conspiração republicana.Hermes da Fonseca, sobrinho de Deodoro e futuro presidente daRepública, passoude capitão amajor e tenente-coronel emmenosdeumano. LauroSodré, queantesdogolpe era tenente e auxiliarde ensinonaEscola Superior de Guerra, terminou o ano seguinte comomajor e lentecatedrático da instituição. O aluno José Maria Moreira Guimarães foipromovido sucessivamente a alferes, segundo-tenente, primeiro-tenente,capitão,ajudantedeordensdogovernadordeseuestadonatal,Sergipe,e,por im,professordoColégioMilitar.Issotudonointervalodeapenasdoisanos.Até quem não tinha participado diretamente dos eventos de 15 de

novembro acabou bene iciado de alguma forma. Foi o caso do tenente-coronel Jacques Ourique. Embora estivesse envolvido na conspiração, nodia da Proclamação da República Ourique acordou tarde e chegouatrasado ao centro do Rio de Janeiro, quando as tropas já seconfraternizavamdepoisdaderrubadadoministériodeOuroPreto.Aindaassim,ganhouopostodecoronel,sendomaistardepromovidoageneral.No dia 25 de maio de 1890, Deodoro conferiu a todos os ministros a

patente de general, em retribuição aos serviços prestados à pátria namudançadoregime.Apromoçãoaumdospostosmaisaltosdahierarquiado Exército incluía os civis, como Rui Barbosa, Quintino Bocaiúva eFranciscoGlicério.Emboranunca tivessemenvergadouma fardanavida,os três passarama ser tratadospor, respectivamente, “generalBarbosa”,“general Bocaiúva” e “general Glicério”, com direito a receber soldos eaposentadorias compatíveis com o posto. Ao tomar conhecimento dasnovidades,omonarquistaEduardoPradoreagiucomironia:“OQuinzedeNovembronãofoi,portanto,umatoheroico;foiumbomnegócio”.[351]Em meio ao bate-cabeça do governo provisório, o esforço de

reorganização do Brasil deu um passo importante a 3 de dezembro de1889, dezoitodias após aProclamaçãodaRepública, comanomeaçãodeuma comissão de cinco juristas para elaborar o projeto da novaConstituiçãobrasileira.Caberiaàfuturaassembleiaconstituinte,compostade representantes de todos os estados, aprová-lo mais tarde. Ainda emnovembro de 1889, oDiário O icial começara a publicar em capítulos aíntegra da Constituição dos Estados Unidos da América. Em seguida,divulgouaConstituiçãodaConfederaçãoSuíçae,porfim,adaRepúblicadaArgentina. Desse modo, imaginava-se que os futuros constituintespudessem ir se familiarizando com as peculiaridades de cada sistemarepublicano, de maneira a escolher depois o que julgassem maisconvenienteparaoBrasil.Presidida por Joaquim Saldanha Marinho, veterano signatário do

Manifestode1870econsideradooPatriarcadaRepública,acomissãodejuristas elaborou três pareceres que, depois de fundidos e editados porRui Barbosa, resultaram no projeto submetido à Constituinte. Deodoro,embora tivesse escassa educação jurídica, fez questão de dar diversospalpites.Àmargemdeumartigoquepreviamandatodenoveanosparaossenadores,anotou:“Noveanosémuito!”.AConstituinte,porém,manteriaaredaçãooriginal.Ovelhomarechaltambémachouestranhaapropostadoartigo 20, pela qual os parlamentares teriam imunidade jurídica, nãopodendo ser presos ou processados no exercício domandato. “O homemsério, verdadeiro e de caráter nobre não admite o disposto neste artigo”,discordou.Tambémnessecasoprevaleceriaaopiniãodosconstituinteseaimunidade parlamentar seria aprovada.[352] Deodoro relutou ainda emaceitar o princípio de independência entre Executivo e Legislativo. Fiel àtradição imperial, na qual fora educado, achava que o chefe do governodeveria ter a prerrogativa de dissolver o Congresso sempre que julgassenecessário — exatamente como havia feito o imperador Pedro II nos 67

anosanteriores.[353]Vencidostodososobstáculosiniciais,aConstituinteinstalou-senodia15

denovembrode1890,primeiroaniversáriodonovoregime.Compostade205membros,dosquais40militares,reunia-seinicialmentenoedi íciodoCassinoFluminense,naruadoPasseio.DepoissetransferiuparaoantigoPalácio Imperial da Boa Vista, em São Cristóvão. Os trabalhos eramdirigidos pelo circunspecto Prudente de Morais, o líder republicanopaulistaquequatroanosdepoissetornariaoprimeiropresidentecivildaRepública.Nodia24de fevereirode1891,opaís inalmenteadotavasuanovaConstituiçãorepublicana.Asprincipaisnovidadeseramasseguintes:OBrasilconvertia-seemumaRepúblicaFederativaconstituídaporvinte

estadosautônomoseumdistrito federal,acidadedoRiode Janeiro,ondefuncionariaasededogovernoatéqueseconstruísseumanovacapital,noplanaltocentraldopaís.A União compunha-se de três poderes harmônicos e independentes

entresi:oExecutivo,oLegislativoeoJudiciário.ChefedoPoderExecutivo,opresidentedaRepúblicaseriaeleitoacada

quatroanos,semdireitoareeleição.Todososbrasileirosnatos,homensemaioresde35anos,poderiamconcorreraoposto.O vice-presidente da República, igualmente eleito por quatro anos,

exerceria, simultaneamente, a presidência do Senado Federal. Caberia aele substituir o presidente sempre que necessário, inclusive em caso demorte, mas se a vacância ocorresse antes de completados dois anos doexercíciodomandatoseriarealizadanovaeleição.Esseitemseriaomotivodagrande crisedogovernoFlorianoPeixoto, apósa renúncia emortedeDeodoro.OPoderLegislativoseriaexercidoemduasinstâncias:oSenadoFederal,

compostodetrêssenadoresparacadaestado,eaCâmaradosDeputados,com representantes eleitos de forma proporcional ao total de habitantes,emnúmeromínimodequatroporestado.ÀCâmaracompetiriaainiciativade propor leis, criar impostos, ixar os quadros das Forças Armadas ediscutir projetos apresentados pelo Executivo, além de instaurar e votareventuais processos contra o presidente da República. O SenadofuncionariacomoumainstânciarevisoradosprojetosdaCâmara,masteriatambém a prerrogativa de aprovar as nomeações dos juízes do SupremoTribunal Federal, dos representantes diplomáticos estrangeiros e doprefeitodoDistritoFederal.OPoder Judiciáriocompunha-sededuas jurisdições.Aprimeiraseriaa

da Justiça Federal, a cargo da União, exercida por um Supremo Tribunal

Federal, composto de quinze juízes nomeados pelo presidente daRepública e aprovados pelo Senado e pelos juízes federais de primeirainstância.Caberia a eles julgar todasas causasenvolvendoaConstituiçãofederal, as relações entre os estados e a União, bem como envolvendoestrangeiros.Àoutrajurisdição,dasjustiçasestaduais,caberiajulgartodasascausasdedireitocomumnãoreservadasàcompetência federal.Nessecaso, porém, haveria sempre a possibilidade de recurso ao SupremoTribunalFederal.A organização dos estados espelhava a estrutura dos três poderes da

União — Executivo, Legislativo e Judiciário. Eleitos pelo voto direto,governadores e deputados estaduais teriam a competência de tomardecisõese legislarsobreváriostemas, incluindoade iniçãodoorçamentoregional, a cobrança de determinados impostos e a criação de políciaslocais.Seria,porém,deresponsabilidadedaUniãoamanutençãodaformarepublicana federativa, o restabelecimento da ordem nos estados porrequisição dos próprios governos locais, a execução de leis e sentençasemanadas dos poderes federais. O governo central teria ainda aprerrogativade interviremqualquerregiãodopaísemcasodeagressãoestrangeiraoudeinvasãodeumestadoporoutro.Alémdede iniraestruturadoEstadoesuas instituições,aConstituição

assegurava a todos os residentes no país, brasileiros ou estrangeiros, osdireitos relativos à liberdade, à segurança individual e à propriedade.Igualmentegarantidosestavamosdireitosdeassociação,derepresentaçãoaos poderes públicos, de locomoção, de inviolabilidade do domicílio, deliberdade de imprensa e de tribuna, independentemente de censuraprévia,eliberdadereligiosa.As eleições seriam feitas por sufrágio universal e secreto, do qual

tomariampartetodososcidadãosdosexomasculino,maioresde21anos,com exceção dos mendigos, analfabetos, soldados e religiosos de ordensmonásticas.Duranteasdiscussões,umdeputadochegouaproporodireitode voto às mulheres, mas seus colegas reagiram escandalizados. “Essaaspiração se me a igura imoral e anárquica”, alarmou-se Moniz Freire,representantedoEspíritoSanto. “Nodiaemqueaconvertêssemosem leipelo voto do Congresso, teríamos decretado a dissolução da famíliabrasileira.”[354] O voto feminino no Brasil, como se leu em capítuloanterior, seria transformado em lei somente quatro décadas mais tarde,em1932.

21.ARODADAFORTUNA

NOS PRIMEIROS MESES DE 1890 uma série de editais curiosos começou a aparecer nosjornais do Rio de Janeiro. Anunciavam a criação de bancos, fábricas,empresasde comércio e navegação, projetos de colonização e transporte,ferrovias, companhias telefônicas, hotéis, restaurantes e outros negócios.As pessoas eram convidadas a participar desses empreendimentos nacondição de acionistas. A expectativa de lucros astronômicos das novasempresas oferecia a possibilidade de rápida fortuna. Quem não tivessedinheiro para entrar na sociedade poderia recorrer a empréstimosbancários de longo prazo a jurosmódicos. Depois de pagar o banco, emtempo relativamente curto, uma vez que os negócios se diziamextremamentepromissores, seriapossível embolsarumaboa soma.Tudomuitofácilemuitosimples.Entre as oportunidades apresentadas ao mercado, havia de tudo.

Algumas iniciativas tinham aparência sóbria, caso da Empresa IndustrialMelhoramentos do Brasil, situada à rua do Hospício, 103, Rio de Janeiro,comandada pelo engenheiro Paulo de Frontin, que dava aos acionistas achance de participar de um empreendimento destinado à “exploração deprivilégios e concessões do governo federal e dos Estados do Brasil” naárea de obras públicas. Outras eram bastante pitorescas, como aCompanhia Industrial de Mate e Coca, cujo objetivo seria explorar noParanáuma“plantamuitosemelhanteàcocaboliviana,comtodasassuasaplicaçõesterapêuticaseriquíssimaemcocaína”.Umterceiroanúncio,odaCompanhia Empresa Funerária, propunha-se a “estabelecer um serviçoperfeito para a condução dos cadáveres à última morada”, mediante ofornecimento de “carros elegantes e asseados” e “criados para segurar ocaixãododefunto”.[355]Quemobservasseessesanúncios—eeramdezenasdelestodososdias

— teria a nítida impressão de que um novo e arrojado Brasil se estavaerguendopraticamentedonada.Ondeanteshavia apenasumaeconomiaagrária e rudimentar, movida a mão de obra escrava, marcada pelolatifúndio, pela pobreza e pelo analfabetismo, agora nascia uma naçãoempreendedora,ousada,deeconomiacomplexaevariada.Graçasaonovoe repentino surto de prosperidade, estradas de ferro iriam cortar aslonjuras do interior, encurtando distâncias. Empresas de comunicação

aproximariam as pessoas oferecendo serviços de telefone, telégrafo ecorreios.OsriosdaAmazôniaedoCentro-Oesteseriamaproveitadosparaa navegação de passageiros e transporte de carga. As cidades, até entãoescuras e imundas, receberiam iluminação pública, redes de esgoto efornecimentodeágua tratada.As terras férteisdoParaná,doRioGrandedoSul,deSãoPauloeGoiásseriam inalmentecolonizadasporagricultoresqueteriamcréditoeapoioparaproduzireexportarnumaescalaatéentãonuncavista.Prósperaslavourasirrigadasefazendasdegadobrotariamnosertão nordestino. Haveria mineração de fosfato no arquipélago deAbrolhos, na Bahia, produção de cerveja em São Paulo, construção deestaleirosnavaise fabricaçãodegeloedetecidosnoRiodeJaneiro,ondeuma empresa se candidatava também a inaugurar restaurantes, rinquesdepatinação,salõesdebaileejogos,alémdeumhotelàbeira-mar.Infelizmente, nada disso era realidade. Os anúncios de jornais

retratavamapenasumBrasil ictício,umpaísdepapelcompostodetítulos,certidõesecontratosalimentadosporumaciranda inanceiracomonuncase viranahistória brasileira.O fenômeno, que re letia as expectativasdeprosperidade geral oferecidas pela recém-instalada República, duroupoucos meses. Como em passe de mágica, gerou algumas fortunasrelâmpago, destruiu inúmeras outras com a mesma velocidade e passoupara a história com o nome Encilhamento. “Por dois anos, o novo regimepareceuumaautênticaRepúblicadebanqueiros,ondealeieraenriquecera todo custo com dinheiro de especulação”, de iniu o historiador JoséMurilo de Carvalho.[356] “Quem não viu aquilo não viu nada”, a irmouMachado de Assis no romanceEsaú e Jacó. “Cascatas de ideias, deinvenções,deconcessõesrolavamtodososdias,sonorasevistosasparasefazeremcontosderéis,centenasdecontos,milhares,milharesdemilhares,milharesdemilharesdemilharesdecontosderéis.”[357]Encilhamento vem do verbo “encilhar”, ato de colocar e apertar os

arreios dos cavalos antes das provas de turfe. As corridas eram umesportemuito popular nas grandes cidades brasileiras no inal do séculoXIX. Só no Rio de Janeiro havia quatro diferentes hipódromos onde sedisputavam provas simultâneas. O encilhamento dos animais aconteciaminutos antes do início do páreo, quando os frequentadores, sempre embusca de bons palpites, arriscavam a sorte apostando freneticamente emfavoritos e azarões. Ali fortunas eram produzidas ou destruídas emminutos, dependendo da sorte e do gosto dos apostadores pelo risco.Di icilmentehaveriatermomelhorparade iniraprimeiragrandecorridaespeculativanoBrasil.

Na faltadeumaBolsaorganizadadeações,ospapéis eramnegociadosnas ruas, esquinas, mesas de bares e restaurantes, com a mesmasofreguidãocomquesefaziamasapostasnojóquei.“Paraseterdinheiro,era necessário apenas um pouco de imaginação”, explicou o historiadorLeôncioBasbaum.[358] Bastava inventar o nome de uma empresa, comoBanco Popular de São Paulo, Estrada de Ferro do Acre, NacionalManufatura de Charutos ou Companhia para a Criação de PorcosHolandeses—todasdenominaçõesque,defato,apareceramnosanúnciosde jornais durante o Encilhamento. A seguir, pedia-se o reconhecimentolegal da empresa, no qual se descrevia a atividade do novoempreendimento.Com a autorização em mãos, o suposto empresário estava livre para

imprimiraçõesnovalorenaquantidadequeomercadoestivessedispostoacomprar.Comonasapostasemcavalos,essestítulosàsvezesalcançavampreçosaltíssimosnodecorrerdealgumashoras.Simplespedaçosdepapelcomvalorinicialdefacede5milréispassavamavalerdezouvintevezesantesdocairdatarde.Oautordaideiaembolsavaodinheiro,que,emvezde ser aplicado em investimentos produtivos na economia, erarapidamentequeimadonamaisdescontroladafarraconsumista.OEncilhamento foiestimuladoporumdecretoqueo juristabaianoRui

Barbosa,ministrodaFazendadogovernoprovisório,publicounodia17dejaneirode1890,semoconhecimentodosdemaiscolegasdeministério.Ochamado decreto dos bancos emissores mudou o critério pelo qual ogovernofabricavadinheiroeofereciacréditoàpraça.Atéentão,aemissãodepapel-moedanoBrasilestavaatreladaaoouro.Ouseja,aquantidadededinheiroemcirculaçãodeveriare letirexatamenteasreservasdopaísemmetalprecioso.Eraumagarantiadequeaemissãodemoedanãogerariain lação.RuiBarbosaalterouesseparâmetroaoautorizaracriaçãodedeznovos bancos, que, distribuídos pelas diferentes regiões, poderiam fazeremissões lastreadas em títulos da dívida pública federal. Os bancosemitiamdinheiroeogovernogarantia.Quemprecisassedecréditopoderiarecorrer a essas instituições para obter o dinheiro necessário para acriação de uma empresa ou ampliação de negócios já existentes. Naaparência,eraumaboaideia.Osaldo,porém,foicatastrófico.AoassumiroMinistériodaFazenda,emnovembrodoanoanterior,Rui

Barbosahavia anunciadoumprogramaausterode governona economia.“O lemadonovo regime”, avisou em28dedezembrode1889, “deve serfugir dos empréstimos e organizar a amortização; não contrair novasdívidasereservar,aindaquecomsacri ício,nosseusorçamentosquinhão

sério ao resgate.” [359]Nessa ocasião, por iniciativa dos alunos da EscolaMilitardaPraiaVermelha,promoveu-seatéumasubscriçãopatriótica,pelaqualaspessoaseramconvidadasadoarsuasjoiasparticulares—aliançasde casamento, anéis, brincos e colares — para um fundo destinado aresgatar a antiquíssima dívida externa brasileira, que àquela alturasomava30milhõesdelibrasesterlinas.Adívidainternaeraodobrodisso.Aprometidapolíticadeausteridadefoiporáguaabaixocomodecretodosbancosemissores.Estimulada pela fabricação desenfreada de dinheiro, a in lação atingiu

níveis altíssimos. O total de moeda em circulação no país, que emnovembrode1889somava191milcontosderéis,passouacrescermêsamês. Em novembro de 1891, ao im do governo do marechal Deodoro,chegavaa511milcontosderéis.Ouseja,noprazodedoisanos,ogovernorepublicanoemitira320milcontosderéis,montante167%acimadabasemonetária herdada da Monarquia. [360] Como resultado, os aluguéistriplicaram,opadrãodevidadeclinou.Adívidadogovernonãosódeixoudeserpaga,comoaumentounosanosseguintes.Amaioriadosnovosbancosquebrousemhonrarseuscompromissos.O

Banco Emissor de Pernambuco colocou no mercado papéis no valor demeio milhão de libras esterlinas, equivalente a cerca de 65 milhões dedólares ou 145 milhões de reais em valor de hoje. [361] Desse total,conseguiu honrar apenas 100 mil libras. O Tesouro Nacional se viuobrigado a assumir o saldo de 400mil. Aindamaior foi o calote do novoBanco dos Estados Unidos do Brasil, que, devidamente autorizado egarantidopelogoverno,contraiuempréstimoexternode1milhãodelibrasesterlinas.Pagousomente100millibras,deixandoqueoTesouroNacionalarcassecomadívidarestantede900millibras.Nototaldasoperações,oscofrespúblicosperderammaisde2,5milhõesdelibrasesterlinas—cercade325milhõesdedólaresou720milhõesdereais,emvaloresatuais.OEncilhamento,comosepode imaginar,deixouprofundascicatrizesna

biogra ia de Rui Barbosa. Ele passaria para a história como um dosmaiores juristas brasileiros, defensor incondicional das liberdades civis,mas também como um inancista ingênuo e desastrado que, por algumtempo,acreditousercapazderesolverumcrônicoproblemadaeconomia—afaltadecapitais—pelasimplesfabricaçãodedinheiroempapel.Éumerro, porém, atribuir a ele responsabilidade exclusiva pela jogatinainanceira em que o país mergulhou naquele período. A ação de RuiBarbosaapenasacelerouumfenômenoquejávinhaacontecendodesdeaépocadaAbolição,umafasedeampliaçãodocréditoparanovosnegócios

no país. O decreto dos bancos emissores de janeiro de 1890 forneceu,porém,ofermentoparaqueabolha,jáemcrescimento,inchassedeformarepentina.[362]Outra medida controvertida de Rui Barbosa foi o decreto que

determinava a queima de todos os registros do comércio de escravos. Ajusti icativa o icial era eliminar dos arquivos— e, portanto, da memórianacional— os vestígios de um capítulo que julgava vergonhoso para osbrasileiros. Na realidade, o objetivo era tornar impossível compensar osprejuízosqueossenhoresdeescravospudessemeventualmentereclamarna Justiça. Para a pesquisa histórica, foi umprejuízo irreparável, privadaparasemprededocumentospreciosossobreaescravidão.AhistóriadoEncilhamentoérepletadepersonagensfascinantes.Alguns

sãohojenomesdecidade,praçaseruas.ÉocasodoengenheiroPaulodeFrontin,quedánomeadoismunicípiosbrasileiros,umnoParanáeooutrono Rio de Janeiro. O conselheiro Francisco de Paula Mayrink, tambémnome de municípios no Paraná e em São Paulo, ganhou tanto dinheirodurante o Encilhamento que adquiriu o Palácio do Catete, um marco daarquitetura imperial no Rio de Janeiro (atual Museu da República), maistarde transferido ao governo federal para pagamento de dívidas. Ambosfizerameperderamvaloresincalculáveisnarodadafortuna.Um caso à parte é o do escocês John Henry Lowndes. Nascido em

Glasgowemjaneirode1861,LowndeschegouaoBrasilcoma famíliaaosseisanosdeidade.Aventureiroedestemido,aostrezejáestavaemBelém,noPará,ondetrabalhounofornecimentodemercadoriasaseringueiroseribeirinhos. O pagamento era feito em borracha e outros produtos daloresta amazônica. Nos anos seguintes sobreviveu a um naufrágio e atentativasde assassinato.Devolta aoRiode Janeiro,montouuma fábricade tecidos. Durante o Encilhamento, foi incorporador de diversasindústrias têxteis, como a Cordoalha Nacional, Tecidos de São Cristóvão,Manufatura de Rendas, Industrial de Ouro Preto, Tecidos São João,TecelagemFluminenseeNacionaldeTecidosdeMeia,quejuntouemumaholdingchamadaUniãoIndustrialSãoSebastião.TambémcrioubancoseaCompanhia Geral de Estradas de Ferro do Brasil, cuja falência dariaorigemàmaiordetodasasquebrasaofinaldabolhaespeculativa.A fortuna pessoal de Lowndes incluía nove fábricas, 155 casas, várias

fazendas de café e açúcar, diversos navios, além de ações e títulos deempresas. No auge da euforia inanceira, em outubro de 1890, por suainiciativa os jornais cariocas ostentavam anúncios de página inteiraconvocando a população para uma grandemanifestação em homenagem

ao ministro Rui Barbosa. “As classes industrial e operária resolverammanifestar seu reconhecimento ao primeiro governo da República e,especialmente, ao senhorministrodaFazenda,pelapromulgaçãode seusdecretostendentesamelhoraraposiçãodasduasclasses”,diziaotextodoanúncio. O programa incluía uma parada de empresários e autoridadespela rua do Ouvidor, precedidos por um conjunto de doze clarins, quepediampassagemàpopulação.[363]Sebastião Pinho, considerado o maior de todos os especuladores do

Encilhamento, começou a vida como modesto vendedor de bilhetes deloteria no Rio de Janeiro. Em 1890, lançou no mercado ações de cincocompanhias de uma só vez. No ano seguinte, mais quatro, uma delaschamadaBancodePariseRio.Asomadetodososseusempreendimentoschegoua295mil contosde réis, ou25milhõesde librasesterlinas, valorastronômico, equivalente a quase o total da dívida externa brasileira naépoca (cerca de 3,2 bilhões de dólares, ou 7 bilhões de reais hoje). Suarelação de bens pessoais incluía o terreno onde, anos mais tarde, oempresário Eduardo Palassin Guinle, também personagem doEncilhamento,construiriaoPaláciodasLaranjeiras.SebastiãoerasóciodeJoão Batista Vianna Drummond, barão de Drummond,mineiro de Itabiracujos negócios incluíam o Banco dos Imigrantes, a Companhia CentroPastoris do Brasil, a Empresa Industrial do Norte e Oeste do Brasil, aFábricadeTecidosLázaroeoBancoItaliano.Drummond icariaconhecido,no entanto, por outros dois feitos: a criação do bairro de Vila Isabel e ainvençãodojogodobicho,aindahojedominadopelosseusdescendentes.Os milionários do Encilhamento gastaram suas fortunas meteóricas

comprandojoias,casas,fazendase,emespecial,títulosdenobreza.Depoisda queda da Monarquia brasileira, essas honrarias passaram a seroferecidaspelogovernoportuguês,quecobravasomasaltíssimasporelas.OescocêsLowndescomprouemPortugaldoistítulosdenobreza,primeirode visconde e, depois, de conde de Leopoldina. O eslovaco Luiz MatheusMaylasky, especializado no lançamento de ações de estradas de ferro,comprou o título de visconde de Sapucaí. Sebastião Pinho foi feito condeSebastião Pinho em junho de 1891. Também eram cobiçados os títuloshonorí icos distribuídos pelo Vaticano, todos de conde, em troca degenerosas doações a instituições católicas. Entre as personalidadesdistinguidas com o título de conde pela Santa Sé destacam-se Paulo deFrontin, Modesto Leal, Afonso Celso ( ilho do visconde de Ouro Preto,últimochefedegabinetedaMonarquia)eos irmãosFernandoeCândidoMendesdeAlmeida.

Afebrecontaminoutodosossetoresdasociedade.OveneradoInstitutoHistóricoeGeográ icoBrasileiro, criadoem1838eque tevedomPedro IIcomopatrono,abriusuasportasparaosnovosmilionários,valendo-sedeum artigo nos seus estatutos que previa a admissão como sóciosbeneméritosdepessoasque izessemdonativosà instituiçãosuperioresa2.000$000emdinheiroouobjetosdevalor.Dessaforma,entraramno IHGB,entreoutros,AlbinodaCostaLimaBraga, incorporadordaCompanhiadeFabricação de Gelo, o comendador Antônio José Gomes Brandão,presidentedosBancosdeCréditoUniversaleColonizadorAgrícola,eLuizAugusto Ferreira de Almeida, diretor da Companhia Curtumes pelaEletricidade. Em 1891, oIHGB também elegeria o novo homem forte domomento, o marechal Deodoro da Fonseca, seu presidente de honra,atitude que os antigos monarquistas e amigos do imperador exiladoconsideraraminaceitável.Muitos escritores e intelectuais deixaram-se contaminar pela ciranda

inanceira. Entre os intelectuais que enriqueceram na ciranda doEncilhamentoestavamo teatrólogoArturdeAzevedo,o jornalista JosédoPatrocínio e o escritor Júlio Ribeiro, autor do romance Acarne. O poeta eescritorcuritibanoEmíliodeMenezescomprouumpalácioemPetrópoliseuma casa no Rio de Janeiro, onde promovia festas de arromba para osamigos. No inal, perdeu tudo. “Ficou rico sem fazer força (...) nadou emouro e gastou a rodo”, escreveu seu biógrafo Raimundo deMenezes. Nofinal,“debatia-senumamisériadeplorável”.[364]A maioria dos empreendimentos lançados no Encilhamento fracassou.

Alguns, no entanto, lançaram raízes e prosperaram. Um deles seincorporaria de forma de initiva à paisagem carioca. Em 8 de janeiro de1891 foi criada, com capital de 15 mil contos de réis, a Companhia deConstruções Civis, que tinha como sócios os cunhados Otto Simon eTheodoro Eduardo Duvivier e era dirigida pelos engenheiros Antonio dePaulaFreitaseCarlosCésardeOliveiraSampaio.Seuobjetivoeraexplorarumaáreaagreste,distantealgunsquilômetrosdocentrodacidadedoRiode Janeiro, onde se pretendia fazer um loteamento. Assimnasceu o atualbairrodeCopacabana.OutrosexemplosdesucessoforamaCompanhiaAntarcticaPaulista,que

se tornariaumadasmaisrespeitadascervejariasbrasileiras, incorporadamaistardeaoGrupoAmbev;eaCompanhiaMelhoramentosdeSãoPaulo.EstabelecidapelocoronelAntônioProostRodovalhoem12desetembrode1890, a Melhoramentos é ainda hoje um dos mais importantes gruposempresariais brasileiros, com operações na áreas editorial, grá ica e de

produção de papel e celulose, entre outras atividades. De todas asiniciativas, no entanto, a mais simbólica foi o surgimento das bolsas deações que nas décadas seguintes ajudariam a organizar o mercadobrasileirodemodoaevitaraventurassemelhantesaoEncilhamento.Umadelas, a Bolsa de Valores de São Paulo, a Bovespa, criada em 1890 poriniciativa de Emílio Rangel Pestana com o nome de Bolsa Livre de SãoPaulo,éhojeumainstituiçãosólidaerespeitada.O Encilhamento foi o motivo da primeira de uma série de crises

ministeriais do governo Deodoro da Fonseca. “Arrebentou como umabomba no seio do governo provisório”, de iniu Dunshee deAbranches.[365] Inconformado com as medidas bancárias que RuiBarbosa adotara sem ouvir os demais colegas de ministério, o gaúchoDemétrioRibeirodemitiu-sedapastadaAgricultura,sendosubstituídoporFrancisco Glicério. Aristides Lobo, desiludido com os rumos do novoregime, afastou-se do ministério do Interior, sendo trocado pelo mineiroCesárioAlvim.QuintinoBocaiúvapediudemissãoduasvezesdoMinistériodas Relações Exteriores. De todas as brigas no seio do governo, a maisruidosafoiaqueresultounasaídadeBenjaminConstantdoMinistériodaGuerra.Na reunião ministerial de 27 de setembro de 1890, um sábado, após

habitual discussão acalorada de outros assuntos polêmicos, DeodororeclamoudanomeaçãodotesoureirodosCorreiosnoRioGrandedoNorte.O governador, Xavier da Silveira, havia proposto umnome, aprovadoporDeodoro.Benjamin,quesupervisionavaarepartição,nomearaoutro.—Muitotenhosidotraído—queixou-seomarechal.Depois de ouvir em silêncio por alguns minutos, Benjamin tentou se

explicar, alegando que o cargo não era tão importante e que, na suaopinião, Deodoro estava fazendo “tempestade em um copo d’água”. Omarechalnãodeixouqueterminassedefalar:—Osenhoréumtraidor!—insistiu.—Traiu-menaspromoções!—Como?—devolveuoministro.Parasurpresade todooministério,seguiu-seumatrocade insultosaté

queBenjamin,jáforadesi,anunciouseupedidodedemissão:—Não seja tolo!—a irmou, encarandoDeodoro.—Não soumais seu

ministro, o senhor é um marechal de papelão. Eu nunca tive medo demonarcasdecarneeossoquantomaisdosdepapelão.Cada vez mais enraivecido, Deodoro atirou-se sobre o ministro e, de

dedoemriste,desafiou-oaacertarasdiferençasemumduelo:—Paramilitarescomonós,sóumduelo!—afirmouomarechal.

—Pois que seja— replicou Benjamin.— Tragam armas e decidamostudonestemomento,queeunãotemoemnenhumterreno.O duelo foi evitado pela intervenção dos demais ministros, porém

Deodoro e Benjamin passaram mais de um mês sem se falar. [366]Benjaminmorreuquatromesesmaistarde,nodia22de janeirode1891,magoadocomosrumosdaRepúblicaqueajudaraafundar.Boatos,nuncacomprovados,a irmavamquenasúltimassemanasdevidateriaperdidoasanidademental.OministériodeDeodoropassariaporumacriseaindamaisagudaem17

dejaneirode1891—umasemanaantesdamortedeBenjamin.OmotivofoiodecretodeconcessãodoportodasTorres,noRioGrandedoSul,queDeodoro reivindicava para um amigo, Trajano Viriato de Medeiros, comempréstimos a juros privilegiados. Os ministros resistiam à medidatemendo ser envolvidos numóbvio caso de favoritismopolítico por partedo chefe de governo. Na abertura da reunião ministerial, Deodoroanunciouquenãomaisassinariaqualqueratoadministrativoatéquefosselavradoodecretodeconcessãodoportoemfavordoamigo.Ofendidos,osministros se retiraram e, quatro dias mais tarde, pediram demissãocoletiva.Deodoronão sedeupor vencido.Aceitoude imediato a saídadetodos e entregou a che ia do ministério ao pernambucano HenriquePereira de Lucena, barão de Lucena, seu amigo e monarquista recém-convertidoàcausarepublicana.Ogovernoprovisóriorepublicanochegouao imem25de fevereirode

1891 (dia seguinte à promulgação da nova Constituição), quando oCongresso Nacional elegeu, por via indireta, o primeiro presidente daRepública. O vencedor, como se poderia imaginar, foi o própriomarechalDeodorodaFonseca,ocandidatofavoritodosmilitares,queteve129votoscontra 97 dados ao civil Prudente deMorais. Seu governo, no entanto, jánascia condenado ao fracasso e implodiria de forma traumática exatosnove meses mais tarde. O Encilhamento de Rui Barbosa, as brigas noministério,ogêniodi ícildomarechal,entreoutrosproblemas,mostravamqueosdesa iosdonovoregimeerammuitomaioresdoqueimaginavamosjovens idealistas de 1889. Nesse momento, entraria em cena um dospersonagens mais enigmáticos e controvertidos de toda a históriabrasileira — o alagoano Floriano Peixoto, também conhecido como o“MarechaldeFerro”.

22.OCABOCLODONORTE

VELHO, GRAVEMENTE ENFERMO, SEM FORÇASnempaciênciaparareagiràspressões,Deodoroda Fonseca renunciou ao mandato no dia 23 de novembro de 1891,passando o governo ao vice-presidente, Floriano Peixoto, alagoano emarechalcomoele.Assemanasanterioresforammarcadasporconvulsõesemtodoopaís.Oclímaxdocon litosederanodia3denovembrode1891,quando o marechal, em mais uma de suas atitudes intempestivas eautoritárias,dissolveraoCongressoNacional.—NãopossopormaistemposuportaresseCongresso;édemisterque

ele desapareça para a felicidade doBrasil— ordenouDeodoro ao barãodeLucena,chefedoministério.—Prepareodecretodedissolução.[367]AsrelaçõesentreomarechaleoCongressotinhamazedadodesdeantes

de sua eleição indireta para a Presidência da República, em 25 defevereiro daquele ano. No dia anterior, ao dar por encerrados os seustrabalhos, a Assembleia Constituinte aprovara uma moção apresentadapelo senador Quintino Bocaiúva, declarando Benjamin Constant, falecidoalgumas semanas antes, o verdadeiro fundadordaRepública brasileira eum“belomodelodevirtudes”noqualosfuturosgovernantesdeveriamseinspirar.OvaidosoDeodorojulgouadecisãoinaceitável.A inal,acreditavaser eleopaidonovo regime, icando todososdemaisnopapeldemeroscoadjuvantes, como bem demonstrava sua pose para o quadro do pintorHenriqueBernardellicitadoemoutrocapítulo.No chamado Golpe de Três de Novembro, três semanas antes da

renúncia, Deodoro mandara publicar dois decretos que, na prática,colocavam o país sob o tacão da ditadura militar. O primeiro dissolvia oCongresso. O segundo instaurava o estado de sítio, pelo qual icavamsuspensastodasasdisposiçõesdanovaConstituiçãorepublicanarelativasaos direitos individuais e políticos. A partir daquele momento, qualquerpessoa poderia ser presa sem direito ahabeas corpus ou defesa prévia.Forças militares cercaram os edi ícios da Câmara e do Senado. Váriosopositores foram presos, incluindo Quintino Bocaiúva e outrosrepublicanoscivisquenamanhãde15denovembroestiveramaoladodomarechalnomomentodederrubaramonarquia.Assustados,osgovernadoresdeinícioapoiaramaaçãodeDeodoro,com

a única exceção do paraense Lauro Sodré, antigo correligionário de

BenjaminConstant.Oresultado foiumaondadeprotestose rebeliõesemtodo o país. No Rio Grande do Sul, um grupo depôs o positivista Júlio deCastilhos do governo do Estado, substituindo-o por uma juntaadministrativa, jocosamenteapelidadadegovernicho.NoRiodeJaneiro,osfuncionáriosdaEstradadeFerroCentraldoBrasil entraramemgreve.Aprincipal reação, no entanto, veio da Marinha, reduto de simpatiasmonarquistasquenunca se aliara totalmente ao governo republicano.Namanhã de 23 de novembro, o almirante Custódio José deMello ameaçoubombardearacidadecasoDeodoronãovoltasseatrásnassuasdecisões.Oimpasse durou algumas horas, sem que um só tiro fosse disparado.Atacadoportodososladoseincapazdeencontrarumasaídapolíticaparao labirinto em que transformara o próprio governo, só restou ao velhomarechalarenúncia.—AssinoodecretodealforriadoderradeiroescravodoBrasil—teria

dito ao rubricar o documento de renúncia. — Não quero aumentar onúmerodeviúvaseórfãosemmeupaís.MandemchamaroFloriano.NãosoumaispresidentedaRepúblicaevoupediraminhareforma.[368]Deodoro morreu nove meses mais tarde, em agosto de 1892, sendo

enterradoàpaisana,semhonrasmilitares,comoeraseudesejo.FlorianoPeixotoconduziuogovernomaistensoeviolentodosprimeiros

anosdaRepública.Aoassumirocargo,encontroupelafrente,entreoutrosobstáculos,umacrise inanceirasemprecedentes,profundasdivergênciasentre as lideranças republicanas, a oposição da Marinha, ameaçandobombardearacapital,eumacrisepolíticanoRioGrandedoSulquelogoseconverteria em guerra civil. Enfrentou todos esses problemas de formaobstinada, subjugando implacavelmente a todos os que ousaramatravessar-lhe o caminho. Logo ao tomar posse, promoveu uma limpezageralnamáquinarepublicana.AliadosdeDeodoroesuspeitosdesimpatiaàMonarquiaforamafastados.Nacionalista e centralizador, FlorianoPeixotoaproveitouo ambientede

crise para reforçar o seu poder pessoal. Passaria para a história como o“Marechal de Ferro” e também como o “Consolidador da República”.Semanasapósassumirocargo, forçounovamenteoCongressoaencerrarseus trabalhos, alegando que ameaças de restauração da Monarquiaexigiam a mão forte de um Executivo sem o obstáculo das divergênciaspolíticas no Parlamento. Em seguida, governou o país sob estado de sítio,mandando prender e deportar os opositores. Nunca o país esteve tãodividido e nunca tantos brasileiros perderiam a vida em defesa de suaspaixões políticas. O sangue derramado nesse período iria de inir para

sempreosrumosdaRepúblicabrasileira.Magro, franzino, pálido, com os olhos esbugalhados, o rosto sem luz e

sem alegria, Floriano Peixoto “mais parecia um sargento escriturário queummarechal”,segundoade iniçãodohistoriadorLeôncioBasbaum. [369]Em casa, vestia-se comoum “caboclo doNorte”, conforme gostava de serchamado: calça e jaleco de brim e a camisa sem goma. Nas cerimôniaspúblicas, apresentava-se sempre fardadode forma impecável, ostentandonopeito todas asmedalhas conquistadas naGuerra doParaguai. Era ummilitarporexcelência.Suavidaparticular foisempreobscura,cercadademistério. Serzedelo Corrêa, seuministro da Fazenda, conta que certa vezfoivisitaromarechaldesurpresaemsuacasa.Aochegar lá,encontrou-odecócorasnacozinha,acomernumafrigideiracolocadanochão.HistóriascomoessaalimentaramasuspeitadequeFloriano fosseumalcoólatraàsescondidas.O “Marechal de Ferro” foi sempre um enigma para jornalistas,

historiadores,biógrafos,escritoresecronistas,peladificuldadeemdecifrarseucaráter.Aotentardescrevê-lo,todosdesenvolveramaolongodosanosumacuriosatendênciadecompará-loaanimaispeçonhentosetraiçoeirosda fauna brasileira. “Floriano Peixoto tinha o ar de tenebroso molusco”,a irmou Alberto Rangel. “Em todo ele havia um quê de jabuti e dejaguatirica.”[370] Para Oliveira Vianna, o marechal era dono de “umtemperamento apático e frio, uma alma coma temperatura de batráquio,cujo entusiasmo ardia sem chama”. [371] Euclides da Cunha o descreveucomouma“ igura insolúveledúbia, (...)comseuaspectocaracterísticodeeternoconvalescenteeoseuolharperdidocaindosobretodossemse itarem ninguém”. Segundo Euclides, Floriano despontou no cenário nacionalnãopelassuasqualidadespessoais,maspelaausênciadealternativasemummomentode grande aridezpolítica. Cresceu e agigantou-sedevido aoenorme vácuo produzido pela realidade que se impôs aos sonhosrepublicanos. Traduzia, portanto, mais a fraqueza do que a robustezbrasileira, segundo este texto de Euclides para o jornal O Estado de S.Paulo:

O herói, que foi um enigma para os seus contemporâneos pelacircunstância claríssima de ser um excêntrico entre eles, será para aposteridade um problema insolúvel pela inópia completa de atos quejusti iquemtãoelevadorenome.(...)Cresceu,prodigiosamente,àmedidaqueprodigiosamentediminuiua energianacional. Subiu, sem se elevar—porquese lheoperaraemtornoumadepressãoprofunda.Destacou-se à frente de um país, sem avançar — porque era o Brasil quem

recuava... (...)E foiassim—esquivo, indiferentee impassível—queelepenetrounaHistória.[372]

Palavras semelhantes foram usadas pelo jurista Rui Barbosa no textoque escreveu do exílio, na Inglaterra, durante a fase mais dura darepressãocontraosopositoresdeFloriano:

Háumgênerodeambiçãoinerteeretraída,comocertosrépteis,queseenroscanaobscuridade, à espreitadaocasiãoque lhepasseaoalcancedo bote. Os indivíduos dessa família moral, silenciosos, escorregadios etraiçoeiros, passam às vezes a maior parte da existência quaseignorados, até que a oportunidade fatal os favoreça. Então o instintooriginário lhes desperta as faculdades dormentes, a espinhadesentorpecidacoleia-lhessobasdescargasdeum luidosutil,eveem-seesses preguiçosos, esses lácidos, esses sonolentos desenvolverinesperadamente a distensibilidade, a lexibilidade e a tenacidade dasserpentesconstritoras.[373]

Floriano nasceu em 30 de abril de 1839 no engenho Riacho Grande,situado na vila de Pióca, estado de Alagoas. Foi o quinto de dez ilhos deManoelVieiradeAraújoPeixotoeAna JoaquinadeAlbuquerquePeixoto,agricultores pobres. Como os pais não tinham meios para sustentar anumerosa prole, ainda recém-nascido foi entregue ao tio, coronel JoséVieiradeAraújoPeixoto,umhomempoderosoedemuitomaisrecursos,aquemcaberialhedaraeducaçãoprimária.Aosdezesseisanos,transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde frequentou o Colégio São Pedro deAlcântara. Aos dezoito, alistou-se no Exército. Em 1861,matriculou-se naEscola Militar da Praia Vermelha, onde teve como colega Juca Paranhos,futurobarãodoRioBranco.Emfevereirode1865,oentãotenentePeixoto,de25anos,marchouparaaGuerradoParaguaiàfrentedo1ºBatalhãodeArtilharia a Pé. Lá permaneceria pelos cinco anos seguintes, enquantodurouaguerra.Floriano tomou parte de algumas das maiores batalhas da Guerra do

Paraguai,incluindoasdeTuiuti,Itororó,LomasValentinaseAngustura.Emtodas elas destacou-se pela bravura. No dia 1º de outubro de 1866, foicitado na ordem do dia do comando da Tríplice Aliança por “coragem,galhardia, calma e boa ordem”. Três semanas mais tarde, em 26 deoutubro,nova citação: “Inteligente, zeloso ehonradono cumprimentodosdeveres”.[374] Pelos bons serviços na defesa da pátria, foi promovido acapitão,majore,porfim,tenente-coronel.TambémnoscamposdoParaguaisecriouomitodequeFlorianoteriao

“corpo fechado”— expressão usada no candomblé para de inir a pessoa

que,protegidaporumorixá,écapazdeseexporaoperigosemseferiroumorrer. Dizia-se que as balas inimigas simplesmente não o atingiam. Pordiversasvezesenfrentou situaçõesdegrande risco, sujeitando-seà cargadasforçasparaguaiaseconseguindosair-seilesodetodaselas.MedeiroseAlbuquerque conta que, durante uma batalha, um grupo de brasileirosestava parado em um terreno aberto quando uma granada caiu ao ladocom o pavio fumegando. A reação instintiva dos soldados foi de fugir emdebandada. Floriano, no entanto, jogou o cavalo em cima da granada eordenou:—Firme!Milagrosamente, o pavio se apagou. Caso a granada tivesse explodido,

Floriano e o cavalo icariam em pedaços. Sua atitude destemida fez comque os soldados restabelecessem a ordem e reagissem à ofensiva doinimigo.Ereforçoualendadequeteriacorpofechado.FlorianoestavaentreasforçasbrasileirasquemataramSolanoLópez,o

ditador paraguaio, em Cerro Corá. “Que espetáculo, meu caro amigo!”,relatouaTibúrcioFerreiradeSouza,seucompanheirodeEscolaMilitarnoRiode Janeiro. “Não épossível descrever a alegriaque causouo cadáverdeLópez,essemalvadoquesurravaaprópriamãe.”AoretornaraoRiodeJaneiro,no inaldaguerra,exibianopeitováriascondecorações,incluindoasmedalhasdoMéritoMilitaredaOrdemdeCristo,graudeCavaleiro.Em11 demaio de 1872, casou-se emAlagoas com Josina Vieira Peixoto, suaprimaemeia-irmã, ilhadotioepaiadotivoJoséVieiradeAraújoPeixoto.Ocasalteriaoitofilhos,dosquaiscincomulheres.Terminadaaguerra,acarreiramilitardeFlorianoburocratizou-se,como

a de tantos outros o iciais que haviam passado pelos campos de batalha.Foi comandante de armas em Pernambuco e no Ceará, onde participoudiscretamentedacampanhaabolicionista.Em1884,nomeadopresidenteecomandante de armas da província de Mato Grosso, notabilizou-se pelarepressão aos bororos, na época índios arredios que, pressionados pelosfazendeiros, ameaçavam invadir a capital, Cuiabá.Ainda emMatoGrosso,alistou-se nas ileiras do Partido Liberal, antes de ser transferido para oRio de Janeiro, no posto de comandante da 2ª Brigada do Exército.Promovido a marechal de campo nas vésperas da Proclamação daRepública, assumiu o posto de ajudante-general do Exército, função naqualdesempenhariaoseuaindahojecontrovertidoeenigmáticopapelnogolpede15denovembro.Ao contrário de Benjamin Constant e do próprio Deodoro da Fonseca,

Florianonuncachegouaconspirarabertamentecontraogovernoimperial

duranteachamadaQuestãoMilitar.Otempotodosemanteveemcimadomuro, hora dando a entender que defenderia a Monarquia contra osrevoltosos, ora sinalizando aos militares que poderiam contar com seuapoio — ou, pelo menos, com a sua omissão — no caso de um golperepublicano.“Soucarneirodemúsicadebatalhão”,de iniu-secertavezemconversa comobarãodeLucena,ministrodeDeodorodaFonseca. “Paraondevaiamúsica,lávaiocarneiro...” [375].Essepapeldúbiofezcomque,mais tarde, ao fazer umbalanço dos acontecimentos de 1889, o viscondedeOuroPretooacusassedetraição.Existem vagas informações, não con irmadas, de que Floriano teria

assinadoummemorandosecretodeapoioàRepúblicaem1870.SeriaumdocumentoparaleloaoManifestoRepublicanopublicadonamesmaépocapelos civis, mantido em segredo para que seus signatários, militares doExército ou funcionários públicos, não sofressem represálias do governoimperial. Nunca se encontraram documentos que con irmassem aexistênciadesse abaixo-assinado sigiloso.Na faltadeprovas, parecemaisumesforço de seus biógrafos e admiradores para lustrar a sua biogra iadepoisqueaRepúblicajáestavaconsolidada.UmacartaenviadaporFlorianoPeixotoaogeneralJoãoNeivaem10de

julhode1887, tratandodaQuestãoMilitar, resumeascontradiçõesqueotransformaramemenigma:

Vi a soluçãodaquestãoda classe, excedeu semdúvidaa expectativadetodos. Fato único que prova exuberantemente a podridão que vai poreste pobre país e, portanto, a necessidade da ditadura militar paraexpurgá-la. Como liberal, que sou, não posso querer para meu país ogovernodaespada,masnãoháquemdesconheça,eaíestãoosexemplos,de que é ele que sabe puri icar o sangue do corpo social que, como onosso,estácorrompido.[376]

Como se vê no texto, por um lado, Floriano de inia-se como liberal,contrário ao governo da espada. Por outro, achava que a solução era aditadura.E foicomaespadaquegovernouoBrasildoprimeiroaoúltimodia do seu mandato como segundo presidente da República. Ao mandarprender, deportar ou mesmo executar seus adversários, usava umacuriosa semântica, dizendo atropelar a lei para salvar a República e aConstituição. Certa ocasião, diante dos auxiliares que, no Palácio doItamaraty,procuravamencontrarummeiodedaraparênciadelegalidadeàs medidas repressivas que o governo adotava, encerrou a conversadizendo:—Estábem.Fiquemdiscutindo,queeuvoumandandoprender![377]

Ao suspender as garantias constitucionais na Segunda Revolta daArmada,em1893,defendeu-sedasacusaçõescomaseguintefraseouvidapeloministroCassianodoNascimento:— Amigo, quando a situação e as instituições correm perigo, o meu

dever é guardar a Constituição em uma gaveta, livrá-la da rebeldia e, nodiaseguinte,entregá-laaopovo,limpaeimaculada...[378]GuardaraConstituiçãonagavetasigni icavaironicamenteignorartodos

osprincípiosconstitucionaisebaixaroporretenosadversáriosatéqueopróprio Floriano julgasse que a situação estivesse sob controle. Aí, sim,devidamente “limpa e imaculada”, segundo suas próprias palavras, aConstituiçãoseriadevolvidaaopovoparaquefizessebomusodela.Comseumoralismoradical,regeneradorenacionalista,FlorianoPeixoto

encarnava ummito recorrente na história brasileira— o do salvador dapátria. Apresentava-se como o guerreiro forte, austero e solitário, que,imbuído de bons propósitos, conseguia resgatar a pátria de suas maisprofundasatribulações.Issotalvezexpliqueasurpreendentepopularidadequealcançouao inaldavida,apesardoseunotóriodesprezopelaopiniãopública. Como sucessor de Deodoro, recusou a residência o icial econtinuouamorarnamesmacasamodestadesubúrbio,ondeviveriaatémorrer.Duranteosmomentosmaistensosdoseugoverno,saíaescondidopelos

fundosdoPaláciodoItamaraty,àsduashorasdamadrugada,demaneiraaburlarasegurançaencarregadadeproteger-lheavidae,sozinho,tomavaobondeparavoltarparacasa.Pagavaapassagemdoprópriobolso.Certavez foi surpreendido dentro do bonde pelo jornalista Medeiros eAlbuquerque. O marechal, temendo ser identi icado pelos demaispassageiros, colocou o dedo sobre os lábios, pedindo que o jornalistaicasse calado. Minucioso e detalhista à frente do governo, gostava dereceber cartas anônimas, com denúncias emexericos às vezes contra ospróprios aliados. Ministros foram nomeados e demitidos apenas pelasrevelaçõesdessascartas,segundoMedeiroseAlbuquerque.[379]Tinha enorme desprezo pelos rituais do cargo. Durante todo o seu

governo,recebeuumaúnicavezocorpodiplomáticoacreditadonoBrasil.A cerimônia, rápida e sem discursos, aconteceu em 5 de dezembro de1891, por coincidência o dia damorte do imperador Pedro II em Paris. Oembaixador dos Estados Unidos, Thomas L. Thompson, teve de esperarseismesesporumaaudiênciaparaaentregadesuascredenciais,condiçãoessencial para o início da sua missão diplomática. O presidente alegavasempre estar “indisposto” e sem tempo para recebê-lo. Desfeita

semelhante teve oministro da França, Auguste Gérard, que, ao encerrarsuamissão no Brasil, pediu uma audiência para despedir-se de Floriano.Em vez do presidente, apareceu para recebê-lo “uma negra alimentandoum ilho domarechal”, segundo o diplomata relatou em Paris. Depois deouviramesmadesculpa—dequeFlorianoencontrava-se“indisposto”—,GérardembarcoufuriosoparaaFrança.[380]GrandepartedaoposiçãoaFlorianodiziarespeitoàlegitimidadedoseu

governo. O artigo 42 da nova Constituição republicana previa que “...nocasodevaga,porqualquercausa,dapresidênciaouvice-presidêncianãohouverem ainda decorridos dois anos do período presidencial, proceder-se-áanovaeleição”.ComoDeodoro renunciaraaindanoprimeiroanodeseumandato, teoricamente caberiaaFlorianoconvocarnovaseleiçõesdeimediato.Omarechalignorousolenementeadisposiçãoconstitucionalesemanteve irme no cargo por mais três anos. Alegava que a exigência deconvocação de eleições só se aplicaria a presidentes eleitos diretamentepelo povo. Como Deodoro tinha sido eleito pelo Congresso, de formaindireta, seu governo constituiria, portanto, uma exceção. De formaprecavida, usou sempre, até o último dia do mandato, o título de vice-presidente.Em 31 de março de 1892, treze comandantes das Forças Armadas

assinaram um documento no qual exigiam a convocação imediata daseleições. Acusavam Floriano de desobedecer à Constituição. “A continuarpormais tempo semelhante estadodedesorganização geral dopaís, seráconvertida a obra de 15 de novembro de 1889 na mais completaanarquia”, alertavam. Entre os signatários estavam o almirante EduardoWandenkolk, ministro da Marinha do primeiro governo provisório, e ogeneral João Severiano da Fonseca, irmão de Deodoro. Na mesma noite,Florianodemitiutodososgeneraisdesuasfunçõesemandoureformá-lospormedidaadministrativa.Inconformadoscomaatitudedomarechal,intelectuaisdoRiodeJaneiro

decidirampromoveruma “passeata cívica”emhomenagemaDeodorodaFonseca.OproclamadordaRepública, àquelaalturagravementeenfermoeàsvésperasdamorte, aindaeravisto comoa esperançadosopositoresde Floriano. Ao tomar conhecimento da passeata, o “Marechal de Ferro”saiu de casa nos subúrbios, desceu do bonde no centro da cidade epessoalmente deu voz de prisão aos manifestantes, entre os quais seencontravamalgunsdosgeneraisreformados.Paraseprecavercontraeventuaisnovosprotestos,omarechaldecretou

estado de sítio por 72 horas. No dia seguinte, vários opositores seriam

presos edeportadosparaos con insdaAmazônia. Comoentre eleshaviaalgunsdeputados,ojuristaRuiBarbosaimpetrouhabeascorpusperanteoSupremoTribunalFederalalegandoqueaprisãocontrariavaosdireitosàliberdade de expressão e à imunidade dos parlamentares. Enquanto osministrossereuniamparadiscutiropedido,Florianoameaçou:— Se os juízes do Tribunal concederemhabeas corpus aos políticos, eu

não sei quem amanhã lhes dará ohabeas corpus de que, por sua vez,necessitarão.Assustado, o Supremo negou ohabeas corpus. Rui Barbosa, também

ameaçadodeprisão,refugiou-senaInglaterra.Indignadocomasituação,oveteranoSaldanhaMarinhopronunciouumafrasefamosa:—NãoeraessaaRepúblicadosmeussonhos!Opior,noentanto,aindaestavaporvir.

23.PAIXÃOEMORTE

NOFINALDENOVEMBRODE1893,umanotíciapublicadapelodiárioargentinoLaPrensachamouaatençãodoescritoramericanoAmbroseBierce,correspondenteem Buenos Aires do jornalTribune, de Nova York. O artigo dizia que nasemanaanterior setecentaspessoashaviamsidodegoladasdepoisdeumconfronto na localidade de Rio Negro, a cerca de vinte quilômetros dacidade gaúcha de Bagé. Alarmado com a informação, Bierce arrumou asmalasàspressaseseguiuparaoRioGrandedoSul.AochegaraRioNegrodeparou-secomumacenadehorror.Na porteira do curral de uma fazenda de gado, havia lama ressequida

empapadadesanguehumano.Umalagoavizinhaexalavauminsuportávelodor de carniça, supostamente de carne humana em decomposição.Bandosdeurubussobrevoavamo localdando-lheumaspectosinistro.Aoentrevistar as pessoas, Bierce não conseguiu apurar o número exato demortos,masfalava-seemcentenas.Diasmaistardeelerelatouosdetalhesdessainvestigaçãomacabraemreportagempublicadapeloseujornal:

Conteiduasdezenasdecadáveresdehomensdegoladoseduasmulheresmortas a tiros. Alguns cadáveres apodrecem, juntamente com cavalosdestripados,sobosolabrasador.Outrossãocomidosporbandosdecãesecorvos.Vialgunscrâniosdispersospelaterra.Todososcadáveres,ouoque resta deles, jazem completamente nus, pois os soldados costumamdespir os mortos, a im de vestir ou vender suas roupas, mesmoensanguentadas. Um vento seco levanta poeira, mas não conseguedissipar o odor gordo e mole da carniça que lutua em toda parte,impregnandoaspessoaseascoisas.Tudotresandaamorteepodridão,provocando uma náusea desesperadora. A custo reprimo a vontade devomitar.[381]

SegundoBierceapurou,amatançacomeçarapoucodepoisdomeio-diaeprosseguiratodaanoite,atéamanhãseguinte.Tranca iadasnocurral,soba mira de armas de fogo, as vítimas eram chamadas a se dirigir, uma auma,atéaporteiradocurral.Aochegarali,recebiamumgolpecerteirodefacãonagarganta,àmaneiracomonaépocasecostumavasangraranimaisnos corredores de um matadouro. “Há uma espantosa quantidade desangue seco nas proximidades da porteira do mangueirão: grossascamadasdesangueressequidonaspedras,nomadeiramedaporteira,no

chãodeterra”,contouBierce.“Trata-se,semsombradedúvida,desanguehumano.Umaquantidadeimensadesanguedevetersidoaliderramada.”O ritual de sangue testemunhado pelo jornalista americano ocorreu

durantea chamadaRevoluçãoFederalistade1893noRioGrandedoSul,naqual se estimaqueentre10mil e12milpessoasperderama vida—incluindocercade2milvítimasdedegolascoletivas.Deumladoestavamosrepublicanos iéisaopresidenteFlorianoPeixotoeaogovernador JúliodeCastilhos,tambémconhecidoscomolegalistasoupica-pausdevidoàcordouniformequeusavam.Deoutro,osrebeldesfederalistas,chamadosdemaragatos, sob a che ia política de Gaspar Silveira Martins, recém-retornadodoexílio,eocomandomilitardocaudilhouruguaioGumercindoSaraiva.Maragato era o nome que se dava noUruguai aos descendentesdeimigrantesoriundosdalocalidadedeMaragataria,situadanaprovínciadeLeón, naEspanha. Esses espanhóisdeorigemberberehaviam trazidoparaaregiãodoriodaPratanocomeçodoséculoXIXousodabombacha—calçasmuitolargas,apertadasacimadotornozelo—queaindahojeserveparaidentificaraindumentáriatradicionaldogaúcho.Mestiços de europeus, índios e negros, os maragatos eram um povo

rústicoque lutavapor comida e pela possibilidadede saquear as regiõesocupadas.Combatiamacavaloeeramhábeisnousodalança,daespadaedofacão.TinhamcomoprincipalredutoodepartamentodeCerroLargonoUruguai, onde cerca de 70% das terras pertenciam aos fazendeirosgaúchos, incluindoo liberal SilveiraMartins, que ali nascera. [382] Foramelesos responsáveispelomassacredeRioNegrodescritona reportagemdeBierceparaojornalTribune.Semanasmaistarde,emabrilde1894,ospica-paus legalistas de Floriano Peixoto e Júlio de Castilhos vingariam acenapromovendooutradegolageralna localidadedeBoiPreto,pertodePalmeira das Missões, onde foram mortos de modo semelhante 370maragatos.AsdegolasdaRevoluçãoFederalistasãoumexemploeloquentedoclima

de ódio que se instalou no Brasil nos anos seguintes à Proclamação daRepública, em especial no período entre a ascensão de Floriano Peixoto,em novembro de 1891, e a posse do segundo presidente civil, CamposSalles, sete anos mais tarde. Massacres, fuzilamentos, prisões e exíliosforçados foram o preço que o novo regime pagou pela própriaconsolidação. “A fatalidade das revoluções é que sem os exaltados não épossívelfazê-lasecomeleséimpossívelgovernar”,escreveuodeputadoeabolicionistapernambucanoJoaquimNabuco.[383]São episódios que os livros o iciais da história do Brasil ainda hoje

relutamemdescreveremtodaasuacrueza.Emumdeles,ocorridoem16deabrilde1894,ocoronelMoreiraCésar, lorianistaepositivistafanático,promoveu um banho de sangue na cidade de Desterro, capital de SantaCatarina, ao fuzilar sumariamente 185 revoltosos. O país só tomouconhecimento do massacre depois da posse de Prudente de Morais,primeiropresidentecivil,emnovembrodaqueleano.Parahumilhaçãodoscatarinenses, a capital seria rebatizada com o nome de Florianópolis, emhomenagem ao patrocinador da carni icina. Até hoje muitos de seusmoradoresdefendemoretornoaonomeoriginal.Em1893,oRioGrandedoSulera,nade iniçãodohistoriadorJoséMaria

Bello, “o ponto nevrálgico da República”, uma região de paixões políticasexaltadas ao extremo.[384] Durante todo o século XIX, os gaúchos tinhamvividosobpermanenteestadodecon lagração.NaRevoluçãoFarroupilha,de 1835 a 1845, estima-se que 3.400 pessoasmorreram. Coube tambémaos gaúchos a cota maior de sacri ício em vidas humanas durante asguerras do Segundo Reinado na região do Prata, em especial a doParaguai. Como resultado das sucessivas matanças, calcula-se que, em1889, havia duas mulheres para cada homem no Rio Grande do Sul. Apopulaçãomasculinahaviasidodevastadapelasguerrasregionais.NosanosqueantecederamaProclamaçãodaRepública,oRioGrandedo

Sulfuncionoutambémcomoumlaboratórioparaasnovasideiasqueiriamtransformarahistóriabrasileira.Aliestavamalgunsdosmaisimportantesteóricosdo futuro regime, entre elesos advogadosepecuaristas JoaquimFranciscodeAssisBrasil, JoséGomesPinheiroMachadoe JúlioPratesdeCastilhos. Cada um tinha sua própria concepção a respeito da Repúblicaideal. Assis Brasil era liberal. Pinheiro Machado, conservador. Castilhos,positivista e autoritário. Tinham como adversário comum o tambémadvogadoepecuaristaGasparSilveiraMartins,monarquistaconvicto,líderdo Partido Liberal, conselheiro do Império e conhecido na corte de domPedroIIcomoo“reidoRioGrande”.Oconfrontodessasideiasnomomentodeimplantaronovoregimejogou

o Rio Grande do Sul mais uma vez em um turbilhão político. Em apenasdois anos, entre 15 de novembro de 1889, data da Proclamação daRepúblicanoRiodeJaneiro,e12denovembrode1891,diadadeposiçãode JúliodeCastilhos, seuprimeiromandatárioeleito,oRioGrandedoSultevedezoitogovernadores,médiadeumacadaquarentadias.“Esteestadoé o pesadelo do governo do Rio de Janeiro e parece tão ingovernávelquantoseuspaísesvizinhos”,escreveuoamericanoAmbroseBierce.Chefe dos republicanos históricos, Júlio de Castilhos nasceu em1860 e

cresceu em uma estância do interior gaúcho. Aos dezessete anosmatriculou-senaFaculdadedeDireitodeSãoPaulo,ondeseencantoucoma doutrina positivista de Auguste Comte. Baixo, gorducho, com olhosescuros e uma barbicha usada para esconder as marcas da varíolacontraída na infância, era gago e tinha de fazer um esforço penoso paraarticular as palavras. Na escola, sua gaguez era tamanha que nãoconseguiaresponderaospontosdaprovaoral.Osprofessoresopassavammesmo assim porque sabiam que era um aluno estudioso. Curiosamente,quando discursava com entusiasmo, do alto de uma tribuna, a gaguezdesaparecia por completo, transformando-o em orador luente. Aoretornar ao Rio Grande do Sul, depois de formar-se em São Paulo,associou-seaVenâncioAiresnapropagandarepublicanaàfrentedojornalA Federação, fundado em 1884. Foi a trincheira de onde voltou suasbaterias contra o Império, contra a escravidão e, especialmente, contraGasparSilveiraMartins.Alto, corpulento, de barriga roliça e barba branca, SilveiraMartins era

tambémumorador in lamadocujosdiscursos,comvozdetrovãoegestoslargos, magnetizava as plateias. “Parecia, já em vida, talhado no bronze”,segundoade iniçãodojornalistaehistoriadorgaúchoDécioFreitas. [385]Apaixonadopelos livros, recitavadememória trechosdeEdgarAllanPoe,Shakespeare, Baudelaire, Renan e Victor Hugo — o que o tornava umaexcentricidade em um país no qual mais de 80% dos habitantes eramanalfabetos. Nos anos inais da Monarquia, ganhara fama deantiabolicionista ao declarar: “Amo mais minha pátria do que o negro”.Costumava se referir ao adversário Castilhos de forma maldosa como“aquelegaguinhodeAFederação”.[386]SilveiraMartins, comoseviunoscapítulosanteriores, foiohomemque

nanoitede15denovembrode1889oimperadorPedroIIbuscaranomearparaachefiadoministério,emumaúltimaedesastradatentativadesalvaraMonarquia. Preso emDesterro, atual Florianópolis, naquelemesmodia,foraexiladonaEuropa,deondevoltariaem1892.Nesseínterim,apolíticadoRioGrandedoSulforaentregueaogrupopolíticocomandadoporJúliodeCastilhos.DeputadoàAssembleiaNacionalConstituintede1890e1891,Castilhos

se destacara como o campeão da corrente ultrafederalista e positivista.Acreditavaque,paraseconsolidar,aRepúblicaprecisavaantespassarporuma fase ditatorial. Suas propostas estavam todas alinhadas a esseobjetivo, de centralização do poder na igura do ditador republicano. NaConstituintenacionalessas ideiasnãovingaram,maseleas transformaria

em lei, a ferro e fogo, na redação da nova Constituição estadual gaúchameses mais tarde. Coube a ele escrever o anteprojeto praticamentesozinho, ignorando por completo as sugestões de outros juristas dacomissão nomeada com esse im. Em seguida, o texto foi aprovado deforma esmagadora pela Assembleia Constituinte estadual controlada pelopróprioCastilhos.Como principais novidades, a Constituição republicana gaúcha previa

que as leis não seriam elaboradas pelo Parlamento, mas pelo chefe doPoderExecutivo;ovice-governador(ouvice-presidentedoEstado,comosedizia na época), em vez de eleito nas urnas, seria escolhido tambémpelotitular; por im, o governador poderia ser reeleito tantas vezes quantasestivesse disposto a concorrer — e o eleitorado, a apoiá-lo. A soma detodosessespoderestransformavaonovogovernadorrepublicanogaúchoem um ditador na prática. Como o voto era aberto (não secreto) emanipulado pelos chefes regionais adeptos de Castilhos, o dispositivo dareeleiçãolhegarantiaapermanêncianopoderporperíodoinde inido,semdarchancesaosadversários.A Constituição positivista de Júlio de Castilhos e sua rivalidade visceral

com Silveira Martins, somadas às di iculdades iniciais da Repúblicabrasileira, serviriam de combustível para a sangrenta RevoluçãoFederalistaquepordoisanosiriadilaceraroRioGrandedoSul.Castilhos foi eleito governador constitucional do Rio Grande do Sul em

julho de 1891, mesmo mês em que a sua Constituição pessoal erapromulgada pela assembleia estadual. Em novembro, apoiou o golpe deDeodoro, que fechou o Congresso. Como resultado, acabou deposto emumarebeliãoautodenominadade“popular”esubstituídoporumajuntadegoverno, logo apelidada pelos gaúchos degovernicho. Envenenada pelaspróprias rivalidades, a junta durou pouco tempo, passando o governo aogeneralBarretoLeite.Diasdepois,Castilhoseseusaliadosarrombaramasportasdeumedi íciopúblicoemPortoAlegreealiinstalaramumgovernoparalelo que reivindicava ser o legítimo representante dos gaúchos.Assustado, o general Barreto Leite refugiou-se a bordo da canhoneiraMarajó. Em nova eleição, dessa vez sem concorrentes, Castilhos foi eleitogovernadornovamente,tomandoposseem25dejaneirode1893.Devoltaao poder, passou a governar com mão de ferro. Em resposta, osfederalistasdeSilveiraMartins,quedefendiama reformadaConstituiçãogaúchaearenúnciadogovernador,pegaramemarmas.Duas semanas depois da posse de Castilhos no governo do Estado, o

caudilhoGumercindoSaraivadeixouseurefúgionoUruguaie,àfrentede

umatropaestimadaemquinhentoshomens, invadiuoRioGrandedoSul.Umsegundogrupo,comandadopelogeneral JoãoNunesdaSilvaTavares,conhecidocomoJocaTavares,ocupououtraregião,comumaforçadecercade3milhomens.Acuado,ogovernadorlogoconseguiuconvencerFlorianoPeixoto de que o levante federalista não era apenas uma guerra dosgaúchos, mas uma tentativa de restauração da Monarquia che iada porSilveiraMartins. Tratava-se, portanto, de um ataque à própria Repúblicafederal. A partir daí os destinos de Floriano e Castilhos estariamdefinitivamenteinterligados.UmfatonovoocorridonoRiodeJaneirodeudimensõesnacionaisàluta

atéentãorestritaaoSul.FoiaSegundaRevoltadaArmada,de lagradanodia 6 de setembro pelo almirante Custódio José de Mello. A primeirarevolta, também liderada por Custódio, tinha ocorrido em novembro de1891 e forçado a renúncia de Deodoro. Dessa vez, protegido a bordo doencouraçadoAquidabã,oalmirantedeclarou-seemguerracontraFlorianodeterminando que os navios de guerra ancorados no Rio de Janeiroapontassem os seus canhões para a cidade. Ameaçava disparar caso omarechalnãoconvocassenovaseleiçõesparaaPresidênciadaRepública.Ao mesmo tempo, dois cruzadores de guerra tomaram Desterro, a

capitaldeSantaCatarina,recebendoapoiodogovernadoredosdeputadosestaduais. EmBuenosAires, o almirante EduardoWandenkolk, que tinhasido o primeiro ministro da Marinha na República, tomou de assalto onavioJúpiter,carregadodearmasemuniçõesdestinadasaoRiodeJaneiro,desviando-o para o Rio Grande do Sul. No dia 7 de dezembro, tambémoalmirante Saldanha da Gama, veterano e respeitado o icial da MarinhaImperial,aderiuàrevoltadivulgandoummanifestonoqualdeixavaclarooseudesejoderestauraraMonarquia.Em despacho para Lisboa, o embaixador português, Carlos Eugênio

CorrêadaSilva,condedePaçod’Arcos,descreveuas“cenasdeterror”quetomaramcontadoRiodeJaneirodiantedaameaçadebombardeio:

Aslojasfechavam,ascasaseramabandonadaspelasfamíliasepelasruase praças viam-semulheres, crianças e homens que, enlouquecidos peloterror, procuravam em desesperada fuga alcançar os subúrbios dacidade, onde aomenos não ouvissemo troar da artilharia e o assobiardosprojéteis.[387]

Florianoaproveitouaoportunidadee,umavezmais,usouhabilmenteotemor da restauração para esmagar os adversários. Pressionado, oCongresso concedeu-lhe autorização para decretar estado de sítio pelotempo que julgasse necessário. Partidários do marechal organizaram os

chamados batalhões patrióticos, milícias compostas de voluntários civis emilitares dispostos a defender a jovem República brasileira. “É precisolembrarqueaRepúblicaestásendoespreitadaporuminimigopoderoso”,alertavanaCâmaraodeputadoCostaJúnior,aliadodeFloriano.“Sabemos,senhores,queexistemaindanoBrasilsincerospartidáriosdaMonarquia;éumpartidofracosóporquelhefaltacoragemparadizeroquequer,mastodos nós sabemos que não lhe falta habilidade e perseverança parareconquistaropoderexplorandoosnossoserros.”[388]Floriano venceu a Segunda Revolta da Armada pelo cansaço. Nos seis

meses em que durou o impasse, os navios rebelados limitaram-se adisparar um único tiro, que atingiu a torre da igreja da Candelária, semproduzir maiores estragos. No Sul, Wandenkolk tentou em vão tomar acidade gaúcha de Rio Grande, sendo repelido pelas tropas federais. Umplanejado encontro com as forças de Gumercindo Saraiva tambémfracassou, obrigando o almirante a se render às forças de FlorianovitoriosasemSantaCatarina.No Rio de Janeiro, Custódio de Mello e seus o iciais refugiaram-se a

bordo de navios portugueses. Floriano deixou-os partir mediante apromessa de que só seriam desembarcados em Portugal. Os navios, noentanto,saíramdoportodoRiodeJaneiroetomaramorumodaBaciadoPrata, onde os rebeldes da Marinha se juntaram aos combatentes daRevoluçãoFederalista. Indignado,FlorianorompeurelaçõescomPortugal.Passou a usar também o ressentimento contra os estrangeiros,especialmente os oriundos da antiga metrópole, para arrebanhar apoiointerno. Portugueses foram espancados nas ruas do Rio de Janeiro. Suaslojas, depredadas e incendiadas. Para evitar retaliações, algunscomerciantes mandaram a ixar na fachada de suas lojas placas com osdizeres“SomosamigosdoBrasil”ou“Casaflorianista”.Enquanto isso, Gumercindo Saraiva empreendia uma épica marcha de

2.500 quilômetros com idas e vindas entre Rio Grande do Sul, SantaCatarina e Paraná, na qual travou cinco grandes batalhas e setentacombates menores contra as tropas federais e os pica-paus de Júlio deCastilhos.Amais decisiva foi o chamadoCercoda Lapa.Durante 26dias,essapequenaebelacidadedearquiteturacolonialsituada72quilômetrosao sul de Curitiba resistiu ao cerco das forças de Gumercindo, quetentavamavançarrumoaSãoPauloeRiodeJaneiro.Ossoldadoslegalistasestavam sob o comando do coronel Antônio Ernesto Gomes Carneiro,veterano da Guerra do Paraguai que, antes, na capital da República,receberadeFlorianoPeixotoumaordemcurtaeincisiva:

Resistiratéoúltimohomem.EfoiissoqueobravoGomesCarneirofezatéseralvejadoporumtirono

dia 7 de fevereiro, morrendo dois dias depois. A heroica resistência daLapadeuaFlorianoPeixototemposu icienteparareorganizarsuasforçasedeteroavançofederalista.MortoGomesCarneiro,GumercindoSaraivapôde,en im,avançarparao

norte,masotempoperdidonocercoàpequenacidadeparanaenseanulousuas chancesde sucesso.Nodia20de fevereiro, acampounosarredoresde Curitiba, abandonada pelo governador Vicente Machado, e ameaçouinvadir e saquear a capital paranaense caso as autoridades não lhepagassem um “empréstimo de guerra”. A agressão foi evitada graças àintervençãodocomercianteefazendeiroIldefonsoPereiraCorreia,obarãodoCerroAzul.Maiorprodutordeerva-matedomundoeumdoshomensmais ricos do Paraná, Ildefonso conseguiu reunir a soma de dinheiroexigida por Gumercindo e pagar o resgate com a ajuda da AssociaçãoComercial. Meses mais tarde, quando as tropas legalistas do generalEwerton Quadros ocuparam a cidade, ele e outros cinco colaboradoresforampresos,sobaacusaçãodecolaborarcomosrebeldesmaragatos.Namadrugada de 20 demaio de 1894, os seis prisioneiros foram retiradosdas celas e colocados em um vagão de trem que tinha como destino acidadedeParanaguá,nolitoral.Dali,segundolhedisseram,seriamlevadosparajulgamentonoRiodeJaneiro.Aviagem,noentanto,acaboudeformatrágicana SerradoMar, onde foram todos fuzilados e jogadosdo altodeumprecipício.DepoisdeCuritiba,GumercindoSaraivamarchouparaPontaGrossaea

divisa com São Paulo, de onde enviou um telegrama a Floriano Peixotointimando-o a renunciar sob ameaça de levar suas tropas até o Rio deJaneiro. Àquela altura, no entanto, a causa dos federalistas gaúchos jáestava perdida. Para chegar ao Rio de Janeiro, Gumercindo teria deatravessar o estado de São Paulo, cujos chefes republicanos estavamcomprometidos com Floriano. Sem alternativa, diante da óbvia conclusãodequesemoapoiodospaulistasnãohaveriacomoderrubaro“MarechaldeFerro”,Gumercindoempreendeuumalongaepenosaretiradadevoltaao território gaúcho. Foi morto em 10 de agosto de 1894 em um localchamadoCarovi,municípiodeSantiagodoBoqueirão,atingidopelabaladeumfranco-atirador. AFederação,o jornaldeJúliodeCastilhos,dedicou-lheumobituáriorancoroso,quebemre letiaoclimadeódioquese instalaraentreosgaúchos:

Pesada como os Andes te seja a terra que o teu cadáver maldito

profanou (...). Caiam sobre essa cova asquerosa todas as mágoasconcentradas dasmães que sacri icaste, das esposas que ofendeste, dasvirgensquepoluíste,besta-feradosul,carrascodoRioGrande.[389]

Sepultadoemumacovarasa,Gumercindoteveoseucadáverprofanadotrês vezes por diferentes chefes pica-paus, todos interessados em seassegurar de que o caudilho estava mesmo morto. Na última delas,segundo um relato nunca comprovado, a cabeça do caudilho teria sidodecepada a golpes de facão e levada ao Palácio do Governo em PortoAlegre, onde Júlio de Castilhos pôde, en im, certi icar-se pessoalmente dofimdoseumaistemidoadversário.Em 23 de agosto de 1895, um armistício colocou im à Revolução

Federalista. Um mês depois, todos os envolvidos foram anistiados pelogovernofederal.SilveiraMartinsembarcououtravezparaoexílio.MorreuemumhoteldeMontevidéunodia23dejulhode1901—segundodiziamos boatos, dividindo a cama com uma belamulher. Castilhos faleceu doisanos mais tarde, em 24 de outubro de 1903, de câncer na garganta. Opoder pessoal que implantou ao domar os adversários da RevoluçãoFederalista, no entanto, manteve-se incólume por várias décadas. Seusucessor e iel seguidor, Antonio Augusto Borges de Medeiros, um ex-colega da Faculdade deDireito em São Paulo, governou o Rio Grande doSul por25 anos, reelegendo-seporquatro vezes.Nahistória republicanabrasileira,nenhumgovernadorexerceuocargoportantotempo.

24.ODESAFIO

NO DIA 2 DE NOVEMBRO de 1894, o paulista Prudente José de Morais e Barros,primeiro presidente civil da República, chegou ao Rio de Janeiro paratomar posse. Estava sozinho e desamparado. Ao descer do trem que otransportara de São Paulo, ninguém apareceu para cumprimentá-lo.Enquantocaminhavapelaestação,pôdeobservarqueosaguãohaviasidodecorado com loresnaturais,mas já estavam todasmurchas e semvida.Aspétalasmirradaseramumahomenagemnãoaele,masaumgrupodegenerais uruguaios que por ali passara dias antes. Dirigiu-se em seguidaao Hotel dos Estrangeiros. E também ali não encontrou ninguém pararecepcioná-lo. Namanhã seguinte, ainda sozinho no hotel, despachou umtelegramaaomarechalFlorianoPeixoto,noqualpediaumaaudiênciaparatratardatransmissãodecargo.Arespostaveiodiasdepois.Floriano,muitoocupado, avisou quemarcaria o encontro quando tivesse agenda livre. Aaudiêncianuncaaconteceu.Nadatadaposse,15denovembro,aniversáriodaRepública,Prudente

de Morais vestiu-se de acordo com o protocolo e aguardou que fossembuscá-lo no hotel. Uma vez mais, ninguém apareceu. Depois de muitaespera,decidiusocorrer-sedeumcarrodealuguel.Veio“umcalhambequeem péssimo estado”, conduzido por um “cocheiro mal-enjambrado”, nadescrição do historiador Hélio Silva.[390] Foi nesse veículo sem pompaque o novo presidente chegou ao antigo Palácio do Conde dos Arcos, nocentro da cidade, quando então, inalmente, surgiu alguém do mundoo icialpararecepcioná-lo.CassianodoNascimento, secretáriodeFloriano,fezumpequenodiscursodizendoque,emnomedomarechal,transmitiaocargoaonovogovernante.Emseguida,despediu-sedePrudentedeMoraise foi embora. Para voltar ao hotel, comonão houvesse carro o icial à suadisposição,opresidenteseviuobrigadoapegarcaronacomoembaixadordaInglaterra.Foinesseclimademávontadee imdefestaqueaRepúblicabrasileira

passou pela primeira vez das mãos dos militares para os civis. FlorianoPeixoto, que não apoiou a eleição do sucessor, nem sequer se deu aotrabalho de transmitir-lhe o cargo, menos ainda de colocá-lo a par dosdesa iosque teriapela frente.Aochegarparaoprimeirodiade trabalho,na manhã seguinte, Prudente de Morais encontrou um palácio

abandonado, sem ao menos uma escrivaninha ou uma cadeira ondepudessesesentar.Ospoucosarmáriosrestantesestavamcomasgavetasvazias.Oencostodaspoltronashaviasidorasgadoapontaçosdebaionetas.Na sala dos fundos, que dava para o jardim, localizou um caixão demadeira aberto, no qual estavam depositados jornais velhos, papéisrasgadosegarrafasvaziasdecerveja.Acenadaposseeraumaantecipaçãodasdi iculdadesqueaguardavam

onovopresidente.Osproblemaseramenormes.Tudoindicavaocaminhodo fracasso.Aguerra civil aindaemandamentonoSulmantinhavivoummedo antigo, o da fragmentação territorial. Era como um fantasma quepairava sobre o futuro do país. O escritor português Eça de Queiroza irmava que, derrubado o Império, o Brasil também desapareceria,reduzindo-sea“umantigonomedavelhageogra iapolítica”.Segundoele,“daqui a pouco, o que foi o Império estará fracionado em repúblicasindependentes, demaior oumenor importância”. O francês ClaudeHenriGorceix, professor na Escola de Minas de Ouro Preto, fazia previsõesigualmente sombrias.No seuentender,oBrasil logo “cairáempedaços, oNortedevendonecessariamenteseparar-sedoSul,cujosinteressessãotãodiferentes”.OjornalTimes,deLondres,tambémpreviaadivisãoterritorial,resultante, entre outras razões, das “di iculdades para a distribuição dadívidadoImpério”.[391]OcaosdosprimeirosanosdaRepública fez crescerentrea elite civil a

constatação de que era preciso afastar os militares da política o maisrapidamente possível. “O militarismo, governo da espada pela espada,arruína as instituições militares”, escreveria o baiano Rui Barbosa. “OmilitarismoestáparaoExército comoo fanatismoparaa religião, comoocharlatanismoparaaciência,comooindustrialismoparaaindústria,comoomercantilismoparaocomércio,comoocesarismoparaarealeza,comoodemagogismoparaademocracia,comooabsolutismoparaaordem,comooegoísmoparaoeu.”[392]Em junho de 1893, com o país ainda às voltas com a Revolução

Federalista e a Revolta da Armada, fundou-se no Rio de Janeiro, sob aliderança do paulista Francisco Glicério, o Partido Republicano Federal,resultante da fusão do Partido Republicano Paulista com clubesrepublicanos estaduais. A data marca o início do esforço para colocarordemnaRepúblicasobaliderançacivil.Oprogramadonovopartidodefendiaavoltaaosprincípiosconsagrados

na Constituição de 1891, com ênfase nas liberdades individuais e naautonomia dos estados. Na ocasião decidiu-se também lançar o nome de

PrudentedeMoraiscomocandidatoàPresidência,escolharati icadapelosdelegados republicanos a 25de setembrode 1893. FlorianoPeixoto tevede se curvar à vontade doPRF porque, sem o apoio dos paulistas,di icilmenteconseguiriavencerosgaúchosfederalistasdeSilveiraMartinseGumercindoSaraiva,que,àquelaaltura,aindaameaçavammarcharparaoRiodeJaneiro.Emumapopulaçãode15milhõesdehabitantes,PrudentedeMoraisfoi

eleito com 276.583 votos contra 38.291 de seu principal adversário, omineiroAfonsoPena.Ouseja, apenas2%dosbrasileirosparticiparamdaescolhadoprimeiropresidentecivildaRepública.Osíndicesdeabstençãoforam elevados. Na capital, para um eleitorado total de 110mil pessoas,houve apenas 7.857 votos. Para a Vice-Presidência foi eleito o médicobaiano Manuel Vitorino Pereira. O PRF conquistou ainda a totalidade dascadeirasdaCâmaradosDeputadoseumterçodoSenado,cujapresidênciatambémficoucomumrepresentantedopartido.AvitóriadePrudentedeMoraisfoiconfirmadaem1ºdemarçode1894,

mas poucos apostavam que ele assumiria o cargo. Nosmeses anteriores,entre o lançamento da candidatura e a eleição, Floriano conseguira,inalmente, subjugar a Revolta da Armada e a Revolução Federalista.Estava,portanto,noaugedoseupoder,apontadocomooheróiquehaviaimpedidooesfacelamentodasinstituiçõesrepublicanas.Poressarazão,navésperadaposse,osmoradoresdoRiodeJaneiroestavamalarmadoscomos boatos de que ele não entregaria o cargo ao sucessor. Dizia-se queforças militares, dominadas por partidários radicais de Florianoconhecidos como “jacobinos”, estavam mobilizadas para impedir quePrudentedeMoraissubisseasescadariasdoPaláciodoItamaraty.“Tinha-se a impressão de que havia qualquer coisa demuito grave a temer-se”,descreveu o jornalista e escritor cariocaMax Fleiuss. “Falava-se baixo, amedo.”[393]Para surpresa de todos, o enigma de Floriano se manifestaria

novamente. A posse de Prudente de Morais ocorreu em clima detranquilidade, sem nenhuma reação por parte do Exército ou dos“jacobinos”.Omarechal,porém,nãooesperouparatransmitir-lheocargo,como previa o cerimonial. Em vez disso, no último dia do seu mandato,tomouumbonde,pagouapassagemdoprópriobolsoe,tãosozinhoquantoo sucessor, rumou para sua modesta casa de subúrbio e se afastou porcompletodavidapública. FlorianoPeixotomorreunodia29de junhode1895,deixandoumtextoquehojeéconsideradooseutestamento:

A vós, que sois moços e trazeis vivo e ardente no coração o amor da

pátriaedarepública,avóscorreodeverdeampará-laedefendê-ladosataques insidiosos dos inimigos. Diz-se e repete-se que ela estáconsolidada e não corre perigo. Não vos ieis nisso, nem vos deixeisapanhardesurpresa.Ofermentodarestauraçãoagita-seemumaaçãolenta,mascontínuaesurda.Alerta,pois![394]

Amortedo“MarechaldeFerro”foichoradapormultidõesquetomaramas ruas e praças de todo o país tão logo a informação se espalhou. OsjornaisquetraziamanotíciaseesgotaramrapidamentenoRiodeJaneiro.Lojas e repartições públicas fecharam as portas em sinal de luto.Bandeiras foramhasteadasameiopau.Asexéquiasduraramváriosdias.O cortejo que levou o corpo até a igreja de Santa Cruz dos Militares foiacompanhadopormilharesdepessoas.Acertaaltura,ocarro fúnebresedesatreloudosanimaisqueopuxavameopovoseencarregoueleprópriodeconduzirocaixãoatéotúmulo,nocemitériodeBotafogo.[395]Ao tomar posse, Prudente de Morais promoveu uma limpeza na

estruturadepodermontadaporFloriano.Oobjetivoeraadesmilitarizaçãodo país. As medidas incluíam a demissão de funcionários contratadosirregularmente, a exoneração de o iciais que ocupavam cargos civis, atransferência de outros para guarnições fora da capital e um veto aoaumentodosquadrosdoExércitoprojetadono inaldogovernoanterior.Onovo presidente também promoveu o reatamento das relações comPortugal,rompidasporFlorianoduranteaRevoltadaArmada.Por im,emumatentativadepaci icaropaísefazê-loretornarànormalidade,anistiouosrebeldesdaRevoluçãoFederalistaedaRevoltadaArmada.A reação dos radicais “jacobinos” lorianistas foi imediata. Ao

desembarcarnoRiode Janeiro,oembaixadorportuguês foirecebidocomuma chuva de ovos e frutas podres e até algumas pedradas. Novosproblemasdiplomáticoscontribuíramparaaumentaratensão.Emjulhode1895, a ilha da Trindade, situada a aproximadamente 1.200 quilômetrosdolitoraldoEspíritoSanto,foiocupadapelaInglaterra,comadesculpadeali instalar uma estação telegrá ica. A França também fez algumasincursões abaixo do rioOiapoque, invadindo oAmapá a partir daGuianaFrancesa. Alguns povoados próximos da fronteira foram atacados eincendiados. Em vez de recorrer às armas, Prudente preferiu oarbitramento internacional—dePortugal,nocasoda ilhadaTrindade;edaSuíça,nocasodoAmapá.Emambos,oBrasiltevepareceresfavoráveis.Osradicais lorianistas,noentanto,queriamaçõesmaisenérgicas.“(...)NãopodemosconsentirqueseatireaRepúblicaemumabismo,oquenãoserádi ícilnasmãosdeumPrudentedeMorais”,avisavaumeditorialdojornal

O Jacobino. “Somos partidários da ditadura militar, única capaz defortalecê-la e continuar a obra ingente de Floriano Peixoto, fazendo-arespeitadaeprestigiadaperanteoestrangeiro.”[396]Enquanto isso, outro drama desenrolava-se no sertão da Bahia — o

sacri ícioépicodaviladeCanudos.Ocon litocustariaavidadecercade25mil pessoas e uma história de humilhação para o Exército brasileiro,derrotado em três expedições consecutivas por um bando de jagunços esertanejos pobres, analfabetos e mal armados, sob a liderança domessiânico Antônio Conselheiro. Entre os mortos de Canudos estava ocoronelMoreira César, o autor domassacre (citado no capítulo anterior)de 185 rebeldes em Desterro, futura Florianópolis, durante o governoFlorianoPeixoto.“DepoisdeCanudos,oExércitoficouemruínas”,escreveuo historiador americano Frank D. McCann. [397] Como se veria emOssertões, a obra monumental de Euclides da Cunha, Canudos foi umespasmoviolentodeumBrasilermo,miserável,analfabeto,dominadopelofanatismo. Mas, naqueles dias, serviu de argumento para os radicais,interessadosemapontara revoltacomoumaprovadequearestauraçãomonárquica estava em andamento. Dizia-se que Antônio Conselheirorecebia armas, munição, gado e dinheiro do conde d’Eu, marido daprincesa Isabel. Exilado na Europa, o conde àquela altura não tinha amenornoçãodoquesepassavanaBahia.O que mudou a sorte de Prudente de Morais foi um acontecimento

dramático, no qual o presidente quase perdeu a vida. No dia 5 denovembro de 1897, Prudente iria recepcionar dois batalhões do ExércitoqueretornavamdeCanudos.Dos12milhomensquelutaramnocercoaosjagunçosdeAntônioConselheiro,5milhaviammorrido.Odesembarquesedaria noArsenal deGuerra, prédio no centro doRio de Janeiro que hojeabriga o Museu Histórico Nacional. Quando o presidente atravessou opátio,sobreelesaltouMarcelinoBispo,umanspeçada(postoinferioraodecabo, hoje inexistente na hierarquia do Exército), que tentou matá-lo afacadas. Prudente foi salvo pela interferência do ministro da Guerra,Marechal Carlos Machado Bittencourt, que, ao se interpor entre ele e oassassino,recebeuosgolpesfatais,morrendoemseguida.O inquérito instaurado após a morte de Bittencourt revelou um vasto

complô contra o primeiro presidente civil. Além de Marcelino Bispo, 22pessoasseriamresponsabilizadaspeloatentado,incluindoninguémmenosqueovice-presidentedaRepública,obaianoManuelVitorinoPereira,eocheferepublicanopaulistaFranciscoGlicério.Descobriu-setambémqueatentativa de assassinato não fora a primeira. Nas anteriores, Prudente

escaparadeformamilagrosasemsaberoriscoquecorrera.Aconspiraçãoseestendiaporváriosestados.Ao tomar conhecimento das notícias, a população se voltou a favor do

presidente.Trêsjornaisligadosaosradicais— República,FolhadaTarde eOJacobino—foramatacadospelamultidão.Prudenteaproveitouaocasiãopara, a exemplo do que havia feito Floriano Peixoto, reforçar os seuspoderes.OClubeMilitar,apontadocomofocoradical,foifechado.Umavezmais o CongressoNacional autorizou o presidente a governar sob estadode sítio, mediante a suspensão de algumas garantias constitucionais. “Oatentado de 5 de novembro forneceu assim a Prudente a desejadaoportunidade para o completo desmonte do grupo que lhe ameaçava opoder”,anotouaprofessoraSuelyRoblesReisdeQueiroz.[398]Fortalecido pela repercussão do atentado, Prudente de Morais teve,

inalmente,atranquilidadenecessáriaparaconcluirseugovernolivredasconspirações,realizaraseleiçõesde1898etransferiropoderparaoseuconterrâneo Campos Salles, o segundo civil na Presidência da República.Campos Salles foi eleito com 174.578 votos contra 16.534 dados aocandidatodaoposição,oparaenseLauroSodré.Entreoutrasdi iculdades,pegou o Brasil sem dinheiro para honrar seus compromissosinternacionais.Ogovernoseviuforçadoarenegociarasuspensãodesuasdívidasporonzeanos,até1911.Naprática,eraumregimedemoratória,quefechavaoacessodopaísanovosempréstimosnoexterior.Em1900,asituação econômica era tão alarmante que metade dos bancos foi àfalência.Na cerimônia de posse, Campos Salles anunciou uma “política nacional

de tolerância e concórdia”. Tratava-se de uma vasta aliança entre ogoverno central e os chefespolíticos regionais, que, em trocado apoio aopresidente, tinham total liberdade para mandar em seus domínios deacordo com os seus interesses. Começava ali a chamada “política dosgovernadores”, que dominaria a República Velha brasileira até aRevoluçãode1930. “Ogoverno federal entregava cadaumdos estados àfacção que dele primeiro se apoderasse”, observou o jurista e sociólogoRaymundo Faoro. “Contanto que se pusesse nas mãos do presidente daRepública,essegrupodeexploradoresprivilegiadosreceberiadeleamaisilimitada outorga, para servilizar, corromper e roubar aspopulações.”[399]Asoligarquiasseperpetuariamemtodoopaís,casodosAciolynoCeará,

dosNery noAmazonas e dos Rosa e Silva emPernambuco.No até entãoinstávelRioGrandedoSul,opresidenteBorgesdeMedeiros,discípulode

Júlio de Castilhos, icaria no poder por longos 25 anos, como se viu nocapítuloanterior. “A fraudeeleitoral campeavapor todaparte, favorecidapelo voto a descoberto e pela falta de independência do eleitorado”,explicouahistoriadoraEmíliaViotti daCosta. “Nospleitos, a oposição erasistematicamentesacrificada.”[400]RuiBarbosadefiniuessesistemacomoumgrandecondomíniocaracterizadopelo“absolutismodeumaoligarquiatão opressiva em cada um de seus feudos quanto a dos mandarins epaxás”.[401]Nofundo,onovosistemaeramuitosemelhanteaodosvelhostemposda

Monarquia. Em vez de um imperador vitalício, governava o país umpresidente da República eleito ou reeleito a cada quatro anos, mas adiferença era apenas nominal e de aparência. Os agentes mudavam denome, mas os papéis permaneciam os mesmos. No lugar da antigaaristocracia escravagista do açúcar e do café, iguravam os grandesfazendeirosdooestepaulistaedeMinasGerais.Ondeanteshaviabarõeseviscondes, entravam os caciques políticos locais, muitos deles,curiosamente, antigos coronéis da Guarda Nacional, dando origem àexpressão“coronelismo”.O pacto não escrito entre o presidente e os governadores,

representantes dessas oligarquias, assegurava ao governo maioria noCongresso.O sistemaeleitoral era tão fraudulentoquanto antes.A justiçaera executada à revelia da lei, de acordo com a vontade desses chefetesregionais.Oantigosistemade toma ládácá, inauguradopordomJoãonachegada da corte ao Brasil mediante a troca de privilégios nos negóciospúblicos por apoio ao governo, manteve-se inabalável. Na prática, aRepública brasileira, para se viabilizar, teve de vestir a máscara daMonarquia.“ARepública”,observouRaymundoFaoro,“depoisdedezanosdetropeços,descarta-se,comooImpério(...),domaissediciosoeanárquicodeseuscomponentes:opovo.”[402]Eassimpermaneceriapeloscemanosseguintes,marcadosporgolpese

rupturasentremeadosporbrevese instáveisperíodosdedemocracia,atéque uma outra República, inteiramente nova, começasse a nascer —proclamada não por generais ou fazendeiros, mas pelo tão temidocomponente “sedicioso e anárquico”. Em 1984, nove anos antes darealização do plebiscito anunciado por Benjamin Constant na noite de 15de novembro de 1889, ruas e praças de todo o Brasil foram palco decoloridas, emocionadas e pací icas manifestações políticas, nas quaismilhões de pessoas exigiam o direito de eleger seus representantes. ACampanha das Diretas, que pôs im a duas décadas de regime militar,

abriu o caminho para que a República pudesse, inalmente, incorporar opovonaconstruçãodeseufuturo.Édessedesafioqueosbrasileirosseencarregamatualmente.

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AGRADECIMENTOS

DIVERSAS PESSOAS E INSTITUIÇÕES CONTRIBUÍRAM para que este livro existisse. Sou grato aosprofessoresThomasCoheneMariaAngelaLeal,respectivamentediretorecuradoradaBibliotecaOliveiraLimadaUniversidadeCatólicadaAmérica,em Washington, pelo acesso à preciosa coleção de livros e documentossobre o tema ali guardada. Igualmente decisivos na fase de pesquisa daobra foram a gentileza e a e iciência dos funcionários da Biblioteca doCongressoAmericano, tambémemWashington, edabiblioteca centraldaUniversidade Estadual da Pensilvânia, a Penn State, em University Park,nosEstadosUnidos,ondemoreieestudeidurantetodooanode2012.NoRio de Janeiro, tive a orientação e a generosa acolhida de sempre daprofessoraVeraBottrelTostes,diretoradoMuseuHistóricoNacional,edoalmiranteArmandodeSennaBittencourt,diretordoPatrimônioHistóricoeCultural da Marinha. Fundamentais foram as sugestões bibliográ icasoferecidaspeloembaixadorVascoMarizepelohistoriadorCarlosTassodeSaxe-Coburgo e Bragança, ambos membros do Instituto Histórico eGeográ icoBrasileiro ( IHGB). Na visita aoMuseu da República, fui recebidopeladiretora,MagalyCabral,epeloshistoriadoresElisabethAbeleMarcosRodrigues. No Museu Casa de Benjamin Constant, tive como guia ohistoriador Marcos Felipe de Brum Lopes. Em Juiz de Fora, DouglasFasolatoesuaequipetiveramagentilezademeabrirasportasdoMuseuMarianoProcópio,queseencontravafechadoaopúblicodevidoaoprojetode reforma do prédio e restauração do acervo. Na pesquisa iconográ icarealizadanoMuseuImperialdePetrópolis,conteicomoapoiodeThaisC.Martins, Neibe M. da Costa e Ana Luísa Camargo. A jornalista CamilaRamos Gomes, minha ilha, organizou a coleta de reportagens, ensaios,estudos acadêmicos, números e séries estatísticas entre os anos inais doImpérioeoiníciodaRepública.GraçasaoempenhodoadvogadoEduardoRochaVirmond,entãopresidentedaAcademiaParanaensedeLetras,tiveacesso, em primeira mão, à supreendente Biblioteca Norton Macedo,recentemente entregue aos cuidados da instituição, onde garimpei fontesraramente disponíveis em outros acervos. Milena da Silveira Pereira,doutora em História e Cultura Social e professora da UniversidadeEstadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Unesp, Campus de Franca,responsabilizou-se pela meticulosa revisão técnica do texto inal, que

tambémteveimportantecontribuiçãodoprofessorJonasSoaresdeSouza,ex-diretordoMuseuRepublicanodeItu.AgradeçotambémaSimoneCostapelotrabalhodechecagem inal.Devo,por im,umagradecimentoespeciala Marcos Strecker, Aida Veiga e Elisa Martins, respectivamente diretoreditorial, editora e assistente editorial da Globo Livros, pelo gentil ecuidadoso trabalho de edição e revisão dos originais, sem o qual aconsistênciaeacredibilidadedestaobracorreriamgrandesriscos.

ÍNDICEONOMÁSTICO

AdelaideRistoriAdolfHitlerAdolphoJoséDelVecchioAdolfoPeñaAdrianoAugustodoValeAfonsoCelsodeAssisFigueiredo,viscondedeOuroPretoAfonsoPedrodeAlcântaraeBragançaAfonsoPenaAgostinhodaSilvaNevesAguiardeAndradeAlbertEinstein11AlbertoRangelAlbertoSalesAlbertoSantosDumontAlbertoTorresAlbinodaCostaLimaBragaAlexanderGrahamBellAlexandreII,czarAlexandreDumasAlexandreHerculanoAlfredoChavesAlfredod’EscragnolleTaunay,viscondedeTaunayAlfredoRodriguesFernandesChavesAlmeidaGarrettAlmeidaJúniorAlphonsedeLamartineAluísioAzevedoAmbroseBierceAmélia,imperatrizdoBrasilAméricoBrasiliensedeAlmeidaeMelloAméricoBrasíliodeCamposAméricoJacobinaLacombeAnaCorreia(sobrinhadeCamiloCasteloBranco)AnaJoaquinadeAlbuquerquePeixotoAnaMariaCavalcantideAlbuquerque,condessadeVilleneuveAndradeNevesAndréLamasAndréRebouçasAnfrisoFialhoÂngeloMunizdaSilvaFerraz,barãodeUruguaianaAníbalFalcãoAnnedeBaligandAntônioAdolfodaFontouraMenaBarretoAntonioAugustoBorgesdeMedeirosAntônioConselheiroAntônioErnestoGomesCarneiroAntônioFerreiraVianaAntônioFranciscodePauladeHolandaCavalcantideAlbuquerque,viscondedeAlbuquerqueAntônioGonçalvesDiasAntônioJoséGomesBrandãoAntônioLuísvonHoonholtz,barãodeTeféAntôniodeMacedoCostaAntônioMariaCoelhoAntônioMoreiraCésarAntoniodePaulaFreitasAntônioPedroAntônioProostRodovalhoAntôniodaSilvaJardimAparícioMariensedaSilvaApulcrodeCastroAristidesdaSilveiraLoboAristótelesArturdeAzevedoArturSilveiradaMota,barãodeJaceguaiAugustedeSaint-HilaireAugusteGérard

AugusteMarieFrançoisXavierComteAugusteeLouisLumièreverIrmãosLumièreAugustoCincinatodeAraújoAugustoEmílioZaluarAugustoLeopoldodeSaxe-CoburgoeBragança,príncipeAugustoXimenodeVilleroyBarãodeCapanemaBarãodoCateteBarãodeCotegipe,JoãoMaurícioWanderleyBarãodeItambéBarãodeIvinhemaBarãodeLoretoBarãodeMuritibaBarãodePenedoBarãodeRamizBarãodeSouzaQueirozBarãodoRioApaBarãodoRioBrancoverJoséMariadaSilvaParanhosBarãoSampaioViannaBarãodeVassourasBarãoVonSeillerBarretoLeiteBenitoJuárez-BenjaminConstantBotelhodeMagalhãesBenjaminFranklinRamizGalvão,barãodeRamizBentoCarneirodaSilva,condedeAraruamaBentoGonçalvesBernardinaBotelhodeMagalhãesBernardinoJosédeCamposJúniorBernardoPereiradeVasconcelosBernardoVasquesBorisFaustoBustamanteSáCamillePissarroCamiloCasteloBranco-CândidoJosédaCostaCândidoMarianodaSilvaRondonCândidoMendesdeAlmeidaCândidodeOliveiraCândidoTeixeiraTostesCarlosI,reidePortugal-CarlosCésardeOliveiraSampaioCarlosEugênioCorrêadaSilva,condePaçod’ArcosCarlosGomesCarlosGrossCarlosMachadoBittencourtCarlosMagnoCarlosdeVasconcelosdeAlmeidaPradoCarlosvonKoseritzCassianodoNascimentoCastroAlvesCelsoCastroCesárioAlvimCharlesBaudelaireCharlesBouchardCharlesChaplinCharlesDarwin-CharlesDickensCharlesGoodyearCharlesMillerCharlesWheatstoneChicoXavierCiprianoJ.BaratadeAlmeidaClaudeDebussyClaudeHenriGorceixClaudeMonetClaudioCostaBragaClaudioLuísdaCostaClaudioVelhodaMotaMaia,condedaMotaMaiaClodoaldodaFonsecaClotildedeVauxCoelhoNetoCondedeChaillouCondedeSuzannet

CondedeWeisersheimbConstantinoBannenCostaJúniorCoutodeMagalhãesCristianoBeneditoOttoniCustódioJosédeMelloD.CosmeD.JoãoVI,reidePortugalD.PedroI,imperadordoBrasilD.PedroII,imperadordoBrasilDanielJobDanteAlighieriDavidCanabarroDécioFreitasDécioVillaresDelfimCarlosdeCarvalho,barãodaPassagemDemétrioNunesRibeiroDeodorodaFonsecaverManoelDeodorodaFonsecaDiCavalcantiDiogoAntônioFeijóDomingosAlvesBrancoMunizBarretoDomingosBorgesdeBarros,viscondedePedraBrancaDomitiladeCastroCantoeMelo,marquesadeSantosDunsheedeAbranchesDuqueMaximilianoDuquedeNemoursEçadeQueirozEdgarAllanPoeEdgarDegasEdirMacedoÉdouardManetEduardoAngelimEduardoBarbosaEduardoPalassinGuinleEduardoPradoEduardoWandenkolkEdvardMunchEliasDiasNovais,barãodeNovaisEmerencianaRibeirodoEspíritoSantoEmíliaViottidaCostaEmilianoRosadeSenaEmíliodeMenezesEmílioRangelPestanaEmmadeWaldeckePyrmont,rainhadaHolandaEpitácioPessoaEponineOctavianoErnestRenanErnestoAugustodaCunhaMatosErnestoSennaEuclidesRodriguesdaCunha,EufrásiaTeixeiraLeiteEugèneDelacroixEvaristodaVeigaEvelinaSoaresEwertonQuadrosFelicíssimodoEspíritoSantoCardosoFelipeFrancodeSáFernandoHenriqueCardosoFernandoMendesdeAlmeidaFerreiradeAraújoFiódorDostoiévskiFlorianoVieiraPeixoto,o“MarechaldeFerro”FranciscaCarolinadeBragança,princesaFranciscodosAnjosFerreiraFranciscoCunhaFranciscoDoratiotoFranciscoGlicériodeCerqueiraLeiteFranciscodeGoyaFranciscoInácioMarcondesHomemdeMelo,barãoHomemdeMeloFranciscoJoséCardosoJúniorFranciscoJosédoNascimento,o“DragãodoMar”FranciscoManueldaSilvaFranciscodeMeloPalhetaFranciscoOctaviano

FranciscodePaulaMayrinkFranciscoRangelPestanaFranciscoSabinoÁlvaresdaRochaVieiraFranciscoSolanoLópezFrankD.McCannFranzLisztFranzSchubertFrédéricChopinFredericoGuilhermeLorenaFredericoSólondeSampaioRibeiroFriedrichEngelsFriedrichNietzscheFriedrichSchillerGabrieldeAlmeidaMagalhãesGasparSilveiraMartinsGeorgFriedrichHegelGeorgeCusterGeorgeEastmanGeorgeWashingtonGeorgesBizetGetúlioDornellesVargasGilbertoFreyreGioachinoRossiniGiuseppeGaribaldiGiuseppeVerdiGomesdeCastroGonçalvesDiasGottliebDaimlerGregórioTaumaturgodeAzevedoGuilherme,imperadordaAlemanhaGuilhermina,rainhadaHolandaGuimarãesPassosGumercindoSaraivaGustaveFlaubertHectorBerliozHeitorLyraHélioSilvaHenri-BenjaminConstantdeRebecqueHenriqueBernardelliHenriqueHasslocherHenriqueKremerHenriqueLimpodeAbreuHenriquePereiradeLucena,barãodeLucenaHenryFordHenryJamesHenryS.FoxeHerbertSpencerHermesErnestodaFonsecaHiramMaximHolandaCavalcantiHomeroHonorédeBalzacHumbertoFernandesMachadoIgnácioTeixeiradaCunhaBustamanteIldefonsoPereiraCorreia,barãodoCerroAzulIldefonsoSimõesLopesInavonBinzerInocêncioSerzedeloCorrêaInocêncioVelosoPederneiras,barãodeBojuruIrineuEvangelistadeSousa,viscondedeMauáIrmãosGrimmIrmãosLumièreIrmãosWrightIsabeldoBrasil,princesaIsabelCristinaLeopoldinaAugustaMicaelaGabrielaRafaelaGonzagaverIsabeldoBrasilIsabelMariadeAlcântaraBrasileira,duquesadeGoiásIsabelaII,rainhadaEspanhaIsmaelFalcãoJ.A.MagalhãesCastroJack,oEstripadorJacobeWilhelmGrimmverIrmãosGrimmJacquesOuriqueJamesGarfieldJamesJ.O’Kelly

JaneAustenJanuáriaMariadeBragançaJanuáriodaCunhaBarbosa,cônegoJean-AugusteIngresJean-BaptisteDebretJean-BaptisteLamarckJeanJosephHoraceEugènedeBarral,condedeBarralJean-MartinCharcotJerônimoFerreiraRomarizJesusCristoJoãoAlfredoCorreiadeOliveiraJoãoBatistaJoãoBatistadaSilvaTelesJoãoBatistaViannaDrummond,barãodeDrummondJoãoCamilodeOliveiraTorresJoãoCapistranodeAbreuJoãoCarlosdeBragançaJoãoCarlosMonteiroJoãoLustosadaCunha,marquêsdeParanaguáJoãoManueldeCarvalhoJoãoMaurícioWanderley,barãodeCotegipeJoãoNeivaJoãoNepomucenodeMedeirosMalletJoãoNunesdaSilvaTavaresJoãoSeverianodaFonsecaJoãoSoaresLisboaJoãoTibiriçáPiratiningaJoaquimdoAmorDivinoRabelo,ofreiCanecaJoaquimDelfinoRibeirodaLuzJoaquimFelíciodosSantosJoaquimFranciscodeAssisBrasilJoaquimGonçalvesLedoJoaquimInácioBatistaCardosoJoaquimInácioCardosoJoaquimJacintodeMendonçaJoaquimJosédaSilvaXavier,o“Tiradentes”JoaquimNabucoJoaquimOsórioDuque-EstradaJoaquimSaldanhaMarinhoJoePascoeGrenfellJohannWolfgangvonGoetheJohannesBrahmsJohannesGutenbergJohnConstableJohnHenryLowndesJohnPembertonJosédeAlencarJosédeAlmeidaBarreto-JoséAntônioCorreiadaCâmara,viscondedePelotasJoséAntônioSaraiva,JoséAugustoVinhaisJoséBassondeMirandaOsórioJoséBentodaCunhaFigueiredo,viscondedeBomConselhoJoséBevilacquaJoséBonifáciodeAndradaeSilvaJoséCerqueiradeAguiarJosédaCostaAzevedo,barãodeLadárioJoséGomesPinheiroMachadoJoséJoaquimdeCamposdaCostadeMedeiroseAlbuquerqueJoséLopesdaSilvaTrovãoJoséLuísdeAlmeidaMartinsJoséMariaBelloJoséMariaMoreiraGuimarãesJoséMariadaSilvaParanhos,barãodoRioBranco(posteriormente,visconde)JoséMarquesGuimarãesJoséMartinianodeAlencarJosédeMirandaCarvalhoJoséMurilodeCarvalhoJosédoPatrocínioJoséSimeãodeOliveiraJoséVeríssimoJoséVieiradeAraújoPeixotoJosephHaydnJosephineCochrane

JosinaVieiradeAraújoPeixotoJuanManueldeRosasJulioAcciolydeBritoJúlioAnacletoFalcãodaFrotaJulioCesardaFonsecaFilhoJúlioConstânciodeVilleneuve,condedeVillaneuveJúlioJoséChiavenatoJúliodeMesquitaJúlioPratesdeCastilhosJúlioRibeiroJúlioVerneJuliusReuterJuscelinoKubitschekJustinaMariadoEspíritoSantoJustinianoJosédaRochaKarlBenzKarlMarxKim,dinastiachinesaLauroMüller,LauroNinaSodréeSilvaLauroSeverianoMüllerLauroSodréLeãoXIII,papaLeónRoddeLeonTolstoiLeôncioBasbaumLeopoldinadeBragançaeBourbon,princesaLeopoldina,imperatrizLeopoldoI,reidaBélgicaLeopoldoHenriqueBotelhodeMagalhãesLeopoldoMiguezLewisWatermanLiberatodeCastroCarreiraLídiaBesouchetLiliuokalani,rainhadoHavaíLouisCoutyLouisPasteurLourençodeAlbuquerqueLúciaMariaBastosPereiradasNevesLudwigvanBeethovenLuísILuísAlvesdeLimaeSilva,duquedeCaxias,LuísAugustoMariaEudesdeSaxe-Coburgo-Gotha,duquedeSaxe(conhecidoporGousty)LuísdaCâmaraCascudoLuísFelipeLuísFilipeMariaFernandoGastãodeOrleans,conded’EuLuísFilipedeSaldanhadaGamaLuísGonzagaPintodaGamaLuísJoséPereiradeCarvalho,barãodeSãoSepéLuísaMargaridaPortugaldeBarros,condessadeBarralLuizAugustoFerreiradeAlmeidaLuizFelipedeAlencastroLuizMatheusMaylaskyMachadodeAssisMac-Mahon,presidentedaFrançaMandéDaguerreManoeldeAraújoPortoAlegreManoelDeodorodaFonsecaManoelFranciscoCorreiaManoelMendesdaFonsecaGalvãoManoelVieiradeAraújoPeixotoManuelII,reidePortugalManueldeAlmeidadaGamaLoboCoelhoD’Eça,barãodeBatoviManuelBuarquedeMacedoManuelFerrazdeCamposSallesManuelInáciodeAndradeSoutoMaiorPintoCoelho,marquêsdeItanhaémManuelJoaquimAlvesMachadoManueldoNascimentoVargasManueldeOliveiraLimaManuelPintodeSousaDantasManuelVitorinoPereiraMarcelProustMarcelinoBispoMarcosRobertoSilveiraReis

Marguerited’OrleansMariaI,a“rainhalouca”MariaII,rainhadePortugalMariaAntonieta,rainhadaFrançaMariaAugustaGenerosoEstrelaMariaBeneditadeCastroCantoeMelo,baronesadeSorocabaMariaCristinadeHabsburgo,rainhadaEspanhaMariaCristinadeBourbon,rainhadeNápolesMariadaGlóriadeBragançaverMariaII,rainhadePortugalMariaHenriquetadeSenaFigueiraMariaJoaquinaBotelhodeMagalhãesMarianaCarlotadeVernaMagalhãesCoutinho,condessadeBelmonteMarianaCecíliadeSousaMeirelesdaFonsecaMarkTwainMarquêsdeSãoVicenteMartimFranciscoRibeirodeAndradaMartinhodeCamposMartinhoPradoJr.MartinianodasChagasMaryDelPrioreMaryShelleyMaxFleiussMaxLeclercMaxPlanckMichaelFaradayMigueldeBragançaMiguelLemosMiguelVieiraFerreiraMikhailGorbachevModestoLealMonizFreireNabucodeAraújoNapoleãoBonaparteNapoleãoIIINiccolòPaganiniNicolauPereiradeCamposVergueiroNísiaFlorestaOlavoBilacOliveiraLimaOliveiraVianna,OrvilleeWilburWrightverIrmãosWrightOscarWildeOttoSimonPaesdeCarvalhoPardalMalletPaulCézannePaulaMarianadeBragançaPauloBarbosaPaulodeFrontinPedroAfonsodeBragançaeBourbonPedrodeAlcântaradeOrleanseBragançaPedrodeAlcântaraJoãoCarlosLeopoldoSalvadorBibianoFranciscoXavierdePaulaLeocádioMiguelGabrielRafaelGonzagadeHabsburgoeBragança

verD.PedroII,imperadordoBrasilPedrodeAlcântaraPedroÁlvaresCabralPedroAméricoPedrodeAraújoLima,marquêsdeOlindaPedroAugustodeSaxe-CoburgoeBragançaPedroCalmonPedroCarolinoPedroJosédeLimaPedroMariadeLacerdaPedroPaulinodaFonsecaPedrodeSantaMarianaeSousaPierre-AugusteRenoirPierreLaffitePierreLaplacePioIX,papaPiotrTchaikovskyPrudenteJosédeMoraiseBarrosQuintinoAntônioFerreiradeSousaBocaiúvaRaimundodeCastroMayaRaimundoGomesRaimundoMagalhãesJúnior

RaimundodeMenezesRaimundoTeixeiraMendesRamalhoOrtigãoRaulPompeiaRaymundoFaoroRenatoLemosRenéDescartesRichardWagnerRobertFultonRobertKochRobertLouisStevensonRobertSchumannRobertoTrompowskyLeitãodeAlmeidaRoderickJ.BarmanRodolfoGustavodaPaixãoRodrigoAugustodaSilvaRodrigoOtávioRodriguesAlvesRojasPaúlRonaldoCaiadoRosaMariaPaulinaRudolfDieselRufinoEnéiasGustavoGalvão,viscondedeMaracajuRuiBarbosadeOliveiraSaidAliSalvadordeMendonçaSampaioFerrazSantoAntônioSãoPauloSãoPedroSátiroDiasSaturninoCardosoSebastiãoBandeiraSebastiãoPinhoSenaMadureiraSergeiKrikalevSérgioBuarquedeHolandaSeverianoMartinsdaFonseca,barãodeAlagoasSigmundFreudSilvinoCavalcantideAlbuquerqueSílvioRomeroSimplícioCoelhodeResendeStendhalStephenGroverClevelandSuelyRoblesReisdeQueirozTarsiladoAmaralTassoFragosoTavaresTorresTeófiloOttoniTeresaCristinaMaria,imperatrizdoBrasilTeresa,princesadaBaváriaTheodoreRooseveltTheodoroEduardoDuvivierThomasAlexanderCochraneThomasDavatzThomasEdisonThomasL.ThompsonTibúrcioFerreiradeSouzaTobiasBarretoTobiasMonteiroTomásCoelhoTrajanoViriatodeMedeirosUbaldinodoAmaralUlissesVianaUlyssesGrant,presidentedosEUAVenâncioAiresVeradeHaritoffVicenteLicínioCardosoVicenteMachadodaSilvaLemeVictorEmanuel,reidaItáliaVictorHugoVictorMeirellesVincentvanGoghViscondedaGávea,ManoelAntoniodaFonsecaCosta

ViscondedeNogueiradaGamaViscondedaPenhaViscondedoRioBrancoverJoséMariadaSilvaParanhosVitalMariaGonçalvesdeOliveiraVitória,rainhadaInglaterraW.L.JudsonWaltWhitmanWilhelmRöentgenWilliamFothergillCookeWilliamShakespeareXavierdaSilveiraZacariasdeGóiseVasconcelos

BailedaIlhaFiscal,oúltimodamonarquia:umafestarepletademauspresságiosFranciscoAurelianodeFigueiredoeMelo/FotodeJoséMoraesFranceschi/AcervoMuseuHistóricoNacional/Ibram/MinistériodaCultura

DeodorodaFonseca:aespadacontraoImpérioFranciscoPastor/AcervoFundaçãoBibliotecaNacional–Brasil

OuroPreto:umviscondepresonaratoeiraAffonsoCelso/LivrariadoGlobo(1935)/AcervoEditoraGlobo

CombateNavaldoRiachuelo:ascicatrizesdaGuerradoParaguainocaminhodaRepúblicaVictorMeirellesdeLima/AcervoMuseuHistóricoNacional/Ibram/MinistériodaCultura

OimperadorPedroIIvestidodegaúcho,emUruguaiana:“VoluntárioNúmeroUm”LuizTerragno/AcervoMuseuImperial/Ibram/MinistériodaCultura

PedroII,em1872:aspernasmuitofinasdestoavamdofísicoavantajadoPedroAméricodeFigueiredoeMello/AcervoMuseuImperial/Ibram/MinistériodaCultura

PedroIIaoscincoanos,em1830:órfãodanaçãoArmandJulienPallière/AcervoMuseuImperial/Ibram/MinistériodaCultura

PríncipedomAugustocomafamília:expulsodeumnaviobrasileironoCeilãoCarlPietzner/AcervoMuseuImperial/Ibram/MinistériodaCultura

Amolaçãointerrompida:cenaruralAlmeidaJúnior/AcervoPinacotecadoEstadodeSãoPaulo–Brasil

CongadaemMinasGerais:asmarcasdaescravidãoRuySantos/ColeçãoPrincesaIsabel

PalácioimperialdePetrópolis:amiragemmonárquicadescoladadoBrasilrealFriedrichHagedorn/AcervoMuseuImperial/Ibram/MinistériodaCultura

TeresaCristina:feia,baixaerechonchuda,mancavadeumapernaA.Lemoine/Imp.Lemercier/AcervoMuseuMarianoProcópio

CondessadeBarral:agrandehistóriadeamornavidadePedroIIAcervoMuseuImperial/Ibram/MinistériodaCultura

FamíliaimperialemPetrópolis:relacionamentoeducado,mornoeprotocolarFrançoisRenéeMoreaux/AcervoMuseuImperial/Ibram/MinistériodaCultura

JuramentodaprincesaIsabel,em1875:umamulhernocomandodeumpaísmachistaepatriarcal

VictorMeirellesdeLima/AcervoMuseuImperial/Ibram/MinistériodaCultura

Isabel,comlivrodeorações:carolaeconservadoraJoséIrineudeSousa/AcervoMuseuImperial/Ibram/MinistériodaCultura

Conded’Euemuniformedeguerra:genocídionoscamposdoParaguaiReproduçãodeRaulLopesdeumoriginalfotográficodeAlbertoHenschel/AcervoMuseuImperial/Ibram/MinistériodaCultura

JosédoPatrocínio:filhodepadrecomescravaAcervoFundaçãoBibliotecaNacional–Brasil

JoaquimNabuco:educadoecosmopolitaDucasble&Co/AcervoFundaçãoJoaquimNabuco

AprovaçãodaLeiÁurea:vitóriadosabolicionistasAntônioLuizFerreira/ColeçãoPrincesaIsabel

CoroaçãodePedroIIepartidadafamíliaimperialparaoexílio:fimdeumsonhonostrópicos

CarlosOswald/AcervoMuseuImperial/Ibram/MinistériodaCultura

EnterrodePedroIIemLisboa:nocaixão,umtravesseirocomterradoBrasilAutordesconhecido/ColeçãoPrincesaIsabel

OfrancêsAugusteComte:inspiradordaditadurarepublicanaHultonArchive/GettyImages

BenjaminConstant:umlíderperseguidopelofantasmadofracassoPacheco&Filho/MuseuCasadeBenjaminConstant/Ibram/MinistériodaCultura

EscolaMilitardaPraiaVermelha:oceleirodaMocidadeMilitarMarcFerrez/ColeçãoPrincesaIsabel

RuiBarbosa:textosincendiáriosAcervoFundaçãoBibliotecaNacional–Brasil

QuintinoBocaiúva:olídercivilHenriqueRosén&Cia/AcervoFundaçãoGetúlioVargas–CPDOC

SilvaJardim:queriaexecutarafamíliaimperialOscarPereiradaSilva/FotografiadeHelioNobre/AcervoMuseuRepublicano/MuseuPaulista/USP

VistadoRiodeJaneiro:acapitaleraavitrinadastransformaçõesnoImpérioMarcFerrez/ColeçãoPrincesaIsabel

SaldanhaMarinho:cabeçadoManifestoRepublicanode1870Autordesconhecido/FotografiadeHelioNobre/AcervoMuseuRepublicano/MuseuPaulista/USP

FlorianoPeixoto:o“MarechaldeFerro”OscarPereiradaSilva/FotografiadeHelioNobre/AcervoMuseuRepublicano/MuseuPaulista/USP

RendiçãoemCanudos:umaguerranofimdomundoFotografiadeFláviodeBarros/ColeçãoCanudos/AcervoMuseudaRepública/Ibram/MinistériodaCultura

CanhõesdaRevoltadaArmada,noRiodeJaneiro:cidadeempânicoameaçadadebombardeioMarcFerrez/AcervoFundaçãoBibliotecaNacional–Brasil

SilveiraMartins:chefedosmaragatosBibliotecaBrasilianaGuitaeJoséMindlin–USP

JúliodeCastilhos:líderdospica-pausVicenteCervásio(pinturaaóleosobrefotografiadoatelierCalegari)/AcervoMuseuJúliodeCastilhos

RevoluçãoFederalista:umritualdesangue,degolaseassassinatosAcervoMuseudaRepública/Ibram/MinistériodaCultura

PrudentedeMorais:sozinhonopalácioabandonadoFranciscoPastor/AcervoFundaçãoBibliotecaNacional–Brasil

CamposSalles:aRepúblicaimitaoestilodaMonarquiaOscarPereiradaSilva/FotografiadeHelioNobre/AcervoMuseuRepublicano/MuseuPaulista/USP

AConvençãodeItu,de1873:osfazendeirosentramnacampanharepublicanaJonasdeBarros/FotografiadeHelioNobre/AcervodoMuseuRepublicano/MuseuPaulista/USP

Tiradentesesquartejado:devítimadaMonarquiaaheróirepublicanoPedroAméricodeFigueiredoeMello/AcervoMuseuMarianoProcópio

AlegoriadaRepública:oesforçoparaconquistarcoraçõesementesHeliosSeelinger/AcervoMuseuHistóricoNacional/Ibram/MinistériodaCultura

Ocompromissoconstitucionalde1891:tentativadecolocarordemnocaosdosprimeirosanosdaRepública

AuréliodeFigueiredo/AcervoMuseudaRepública/Ibram/MinistériodaCultura

[1]Paraaspromessasrepublicanasem1889,veracoleçãodeartigosdejornaiserevistasdaépocapublicada em Manoel Ernesto de Campos Porto,Apontamentos para a história da República dosEstadosUnidosdoBrazil,livrodigitaldisponívelgratuitamenteemwww.openlibrary.org.[2] Para um cálculo aproximadodosmortos naGuerra da Independência, ver LaurentinoGomes,1822:comoumhomemsábio,umaprincesatristeeumescocêsloucopordinheiroajudaramD.PedroacriaroBrasil,p.163.[3]OliveiraLima,SeptansderépubliqueauBrésil(1889-1896),p.14.[4] José Maria Bello,História da República, 1889-1954: síntese de sessenta e cinco anos de vidabrasileira,p.24.[5]FrankD.McCann,Soldadosdapátria:históriadoExércitobrasileiro(1889-1937),p.14.[6]OliveiraVianna,OocasodoImpério,p.97.[7]MaxLeclerc,LettresduBrésil(1890),p.173.[8]OliveiraVianna,OocasodoImpério,pp.55e57.[9] Américo Jacobina Lacombe, na apresentação de Hélio Silva,1889: a República não esperou oamanhecer.[10]ParaaviagemdoAlmiranteBarroso, verCustódio JosédeMello,Vinteeummesesao redordoplaneta:descriçãodaviagemdecircum-navegaçãodocruzador“AlmiranteBarroso”,1896.[11] Carlos Tasso de Saxe-Coburgo e Bragança,A intriga: retrospecto de intricados acontecimentoshistóricosesuasconsequênciasnoBrasilImperial,pp.347-349.[12]AescritoraehistoriadoraMaryDelPriorea irmaemseulivroOpríncipemaldito,pp.275-277,quedomAugustotentouumaúnicavezretornaraoBrasil,emnovembrode1891,duranteacrisequelevariaàrenúnciadomarechalDeodorodaFonsecaàPresidênciadaRepública.Àfrentedeumgrupo de monarquistas que julgava possível a restauração do regime, dom Augusto teriaatravessadooAtlânticoabordodeuma fragataaustríacaeancoradonabaíadeTodos-os-Santos.AliteriaesperadoinutilmenteporumaprometidainsurreiçãoqueoaclamariaimperadordoBrasil.Impedido de desembarcar pelas autoridades baianas, teria retornado à Europa depois de algunsdias. Essa versão, no entanto, é contestada de forma categórica pelo neto de dom Augusto, otambémescritorehistoriadordomCarlosTassodeSaxe-CoburgoeBragança,membro,comoMaryDel Priore, do Instituto Histórico e Geográ ico Brasileiro (IHGB). Consultado por e-mail durante aspesquisas para este livro, dom Carlos garantiu ao autor que seu avô jamais retornou ao BrasildepoisdeserforçadoadesembarcardonavioAlmiranteBarrosonoportodeColombo.Segundoele,asupostatentativadedesembarquenaBahianãopassoudeumboatocorrentenaépoca.[13]Depoimento deMedeiros e Albuquerque a Leôncio Correia,A verdade histórica sobre o 15 deNovembro,p.133.[14] Tobias Monteiro, “A conspiração e o Quinze de Novembro”, em Hildon Rocha, Utopias erealidadesdaRepública:daproclamaçãodeDeodoroàditaduradeFloriano,pp.154eseguintes.[15]ErnestoSenna,Deodoro:subsídiosparaahistória,pp.30e91.[16]AdescriçãoédeFranciscoGlicério,emHélioSilva,1889:aRepúblicanãoesperouoamanhecer,p.122.[17]Depoimentodocoronel JoséBevilacqua,citadoemLeôncioCorreia,Averdadehistóricasobreo15deNovembro,p.93.[18]DepoimentodogeneralJacquesOurique,citadoemLeôncioCorreia,Averdadehistóricasobreo15deNovembro,p.93.[19]HeitorLyra,HistóriadeDomPedroII,vol.III,p.94.[20]AnfrisoFialho,HistóriadafundaçãodaRepúblicanoBrasil,p.85.[21]ErnestoSenna,Deodoro:subsídiosparaahistória,p.41.[22]OrelatoédoviscondedeOuroPreto,emAdventodaditaduramilitarnoBrasil,p.46.[23]Ibidem,p.48.[24]RaimundoMagalhãesJúnior,Deodoro:aespadacontraoImpério,vol.II,pp.63-64.[25]HeitorLyra,HistóriadeDomPedroII,vol.III,p.94.[26]ViscondedeOuroPreto,AdventodaditaduramilitarnoBrasil,p.59.

[27]AdescriçãoédeEvaristodeMoraes,“Aconspiração”,emHildonRocha, UtopiaserealidadesdaRepública,pp.109eseguintes.[28]ErnestoSenna,Deodoro:subsídiosparaahistória,p.53.[29]DepoimentodogeneralJacquesOurique,Deodoroeaverdadehistórica,p.177.[30]CelsoCastro,AProclamaçãodaRepública,p.77.[31] Depoimento de Carlos Gross ao repórter Walter Prestes, do jornalO Globo, emDeodoro e averdadehistórica,pp.131eseguintes.[32]ManoelPioCorrêa,OcavaloqueproclamouaRepública,pp.13-14.[33]ErnestoSenna,Deodoro:subsídiosparaahistória,p.133.[34]Deodoroeaverdadehistórica,p.175.[35]RaimundoMagalhãesJúnior,Deodoro,p.70.[36]HeitorLyra,HistóriadaquedadoImpério,vol.II,p.277.[37]ErnestoSenna,Deodoro:subsídiosparaahistória,pp.56e72.[38]ViscondedeOuroPreto,emAdventodaditaduramilitarnoBrasil,p.62.[39]AlémdoviscondedeOuroPreto,chefedogabineteeministrodaFazenda,estavampresentesosministrosdaGuerra,viscondedeMaracaju;doImpério,barãodeLoreto;daJustiça,CândidodeOliveira; da Agricultura, Lourenço de Albuquerque; e de Negócios Estrangeiros, José FranciscoDiana.[40]ViscondedeOuroPreto,emAdventodaditaduramilitarnoBrasil,p.66.[41]Ibidem,p.70.[42]DepoimentodogeneralJacquesOurique,emDeodoroeaverdadehistórica,p.175.[43]DepoimentodeAníbalFalcãoaXimenodeVilleroy,citadoemRenatoLemos,BenjaminConstant:vidaehistória,p.409.[44]HeitorLyra,HistóriadaquedadoImpério,vol.II,p.361.[45] Faziam parte do grupo Aníbal Falcão, José do Patrocínio, Silva Jardim, Pardal Mallet, LopesTrovão,CamposdaPaz,AlmeidaPernambuco,JoãoClapp,OlavoBilac,LuísMurat,MagalhãesCastro,AlbertoTorreseopadredeputadoJoãoManueldeCarvalho.[46]ManuelErnestodeCamposPorto,ApontamentosparaahistóriadaRepúblicadosEstadosUnidosdoBrasil,pp.10-11.[47]GilbertoFreyre,OrdemeProgresso,p.165.[48]CelsoCastro,OsmilitareseaRepública:umestudosobreculturaeaçãopolítica,p.27.[49]Oorçamentopara1864previareceitade51milcontosderéisedespesade54milcontosderéis. Para um resumo da situação inanceira dos 67 anos do Império brasileiro, ver Liberato deCastroCarreira,HistóriafinanceiraeorçamentáriadoImpériodoBrasil,vol.II,pp.663-665.[50]ConformeFredericoJ.deSanta-AnnaNery, LeBrésilen1889,p.469;eJoséMariaBello,HistóriadaRepública,1889-1954:síntesedesessentaecincoanosdevidabrasileira,p.48.[51]LeôncioBasbaum,HistóriasinceradaRepública,vol.I,pp.107-108.[52]FredericoJ.deSanta-AnnaNery,LeBrésilen1889,p.471.[53]LuizFelipedeAlencastroemHistóriadavidaprivadanoBrasil,vol.II,pp.39-40.[54]EmíliaViottidaCosta,DaMonarquiaàRepública:momentosdecisivos,p.268.[55]LeôncioBasbaum,HistóriasinceradaRepública,vol.I,p.111.[56]EmíliaViottidaCostaemLeslieBethell(org.),Brazil:EmpireandRepublic,1822-1930,p.166.[57]ElmarBones,AespadadeFloriano,pp.14eseguintes.[58]NeyCarvalho,OEncilhamento:anatomiadeumabolhabrasileira,p.128.[59]LuizFelipeAlencastroemHistóriadavidaprivadanoBrasil,vol.II,p.37.[60] Para a história do relacionamento entre domPedroII eAdelaideRistori, verCarlosTassodeSaxe-CoburgoeBragança,Oimperadoreaatriz:domPedro IIeAdelaideRistori;paraumpanoramamaisdetalhadodavidasocialdoRiode JaneiroemmeadosdoséculoXIX, ver LiliaM. Schwarcz,Asbarbasdoimperador:d.PedroII,ummonarcanostrópicos,pp.106eseguintes.[61]InavonBinzer,Osmeusromanos:alegriasetristezasdeumaeducadoraalemãnoBrasil,pp.53e

60.[62]GilbertoFreyre,OrdemeProgresso,p.165.[63]MaxLeclerc,LettresduBrésil,pp.54-55.[64]HeitorLyra,HistóriadedomPedroII,vol.III,pp.46-47.[65] Carlos Tasso de Saxe-Coburgo e Bragança, Intriga: retrospecto de intricados acontecimentoshistóricosesuasconsequênciasnoBrasilImperial,p.255.[66]LídiaBesouchet,Exílioemortedoimperador,p.59.[67]ParaabiografiadeMauá,verJorgeCaldeira,Mauá:empresáriodoImpério,1995.[68]LeôncioBasbaum,HistóriasinceradaRepública,vol.I,p.121.[69]EmíliaViottidaCosta,DaMonarquiaàRepública,p.255.[70]EmíliaViottidaCosta,DaMonarquiaàRepública,p.281.[71] JoaquimNabuco, “CampanhaabolicionistanoRecife,1884”,em Essencial JoaquimNabuco,pp.116-117.[72] Para uma análise detalhada da política de terras no Império, ver JoséMurilo de Carvalho,Aconstrução da ordem: a elite política imperial; Teatro de sombras: a política imperial , pp. 329-354;para a comparação entre a política de terras nos EstadosUnidos e no Brasil, ver Emília Viotti daCosta,DaMonarquiaàRepública,pp.184e186.[73]ThomasDavatz,MemóriasdeumcolononoBrasil(1850),pp.87-88.[74]Ibidem,p.182.[75]BorisFausto,HistóriaconcisadoBrasil,p.114.[76]JorgeCaldeira,Mauá:empresáriodoimpério,p.222.[77]MariaOdilaLeitedaSilvaDias,Ainteriorizaçãodametrópoleeoutrosestudos,p.136.[78]JoãoCamilodeOliveiraTorres,Ademocraciacoroada,p.312.[79]BorisFausto,HistóriaconcisadoBrasil,p.88.[80]LúciaMariaBastosPereiradasNeveseHumbertoFernandesMachado,OImpériodoBrasil,p.137.[81]JoséMurilodeCarvalhoemLeslieBethell(org.),Brazil:EmpireandRepublica,1822-1930,p.83.[82]JoséMurilodeCarvalho,Aconstruçãodaordem;Teatrodesombras,p.254.[83]EmíliaViottidaCosta,DaMonarquiaàRepública,p.150.[84]LúciaMariaBastosPereiradasNeveseHumbertoFernandesMachado,OImpériodoBrasil,p.137.[85]JoséMurilodeCarvalho,DomPedroII,p.38.[86]LúciaMariaBastosPereiradasNeveseHumbertoFernandesMachado,OImpériodoBrasil,p.139.[87]SegundoohistoriadorJoséMurilodeCarvalho,emD.PedroII,pp.39-40,arespostaincisivadojovemimperadorteriasidoummitocriadopelosliberaisparajusti icarogolpedamaioridade.DomPedroII jamais teria pronunciado a frase “Quero já”. Em vez disso, ao ser consultado se queriaassumiropoder,teriaprimeirorespondidocomumlacônico“sim”.Perguntado,aseguir,sequeriaassumir já, respondera “já”. A soma das duas respostas daria, portanto, “Sim, já”, em lugar dofamoso“Querojá!”.[88]EuclidesdaCunha,“Àmargemdahistória”,emObrascompletas,vol.I,p.374.[89] JoséMurilo deCarvalho,A construção da ordem: a elite política imperial; Teatro de sombras: apolíticaimperial,p.65.Paraumaanálisemaisdetalhadadascontradiçõesentreo“Brasil ideal”eo“Brasilreal”,vertambémLúciaMariaBastosPereiradasNeveseHumbertoFernandesMachado, OImpériodoBrasil.[90]JoséMurilodeCarvalho,Aconstruçãodaordem;Teatrodesombras,p.393.[91]ParaumacomparaçãodaMonarquiaeuropeiacomabrasileira,verAngelaMarquesdaCostaemLiliaM.Schwarcz,emAsbarbasdoimperador,p.192.[92]PedroCalmon,OreidoBrasil:avidaded.JoãoVI,p.149.[93]RaimundoMagalhãesJúnior,Deodoro:aespadacontraoImpério,vol.II,p.8.

[94]HeitorLyra,HistóriadaquedadoImpério,pp.377-378.[95]RenatoLemos,BenjaminConstant:vidaehistória,p.141.[96]LúciaMariaBastosPereiradasNeveseHumbertoFernandesMachado,OImpériodoBrasil,p.273.[97]JoséMurilodeCarvalho,Aconstruçãodaordem;Teatrodesombras,p.258.[98]MariaOdilaLeitedaSilvaDias,QuotidianoepoderemSãoPaulonoséculo XIX,citadaemLiliaM.Schwarcz,Asbarbasdoimperador:d.PedroII,ummonarcanostrópicos,p.572.[99]RaimundoMagalhãesJúnior,Deodoro:aespadacontraoImpério,vol.II,p.8.[100]ElmarBones,AespadadeFloriano,p.25.[101]JoséMurilodeCarvalho,Aconstruçãodaordem;Teatrodesombras,pp.268-273.[102] João Camilo de Oliveira Torres,Ademocracia coroada: teoria política do Império doBrasil, p.186.[103]EmíliaViottidaCosta,DaMonarquiaàRepública:momentosdecisivos,p.143.[104]JoséMurilodeCarvalho,Aconstruçãodaordem,pp.162-163.[105]LúciaMariaBastosPereiradasNeveseHumbertoFernandesMachado,OImpériodoBrasil,p.281.[106]JoaquimNabuco,Oabolicionismo,emEssencialJoaquimNabuco,p.86.[107]EmíliaViottidaCosta,DaMonarquiaàRepública,pp.142e167.[108]JoséMurilodeCarvalho,Aconstruçãodaordem,p.56.[109]BrunodaSilvaAntunesdeCerqueira,D.IsabelI,aRedentora,p.161.[110] A presença de domPedroII marcou de tal forma a história do IHGB que, depois de 1889, acadeira até então usada pelo imperador foi coberta para sempre com um tecido e nunca maisusadapornenhumoutromembrodainstituição,emsinalderespeitopelomonarcadeposto.[111]LiliaSchwarcz,Asbarbasdoimperador,p.127.[112]RoderickJ.Barman,PrincesaIsabeldoBrasil:gêneroepodernoséculoXIX,p.135.[113]SérgioBuarquedeHolanda,Históriageraldacivilizaçãobrasileira,vol.5,p.85.[114]JoaquimNabuco,“Oeclipsedoabolicionismo”,emEssencialJoaquimNabuco,p.185.[115]SérgioBuarquedeHolanda,Históriageraldacivilizaçãobrasileira,vol.5,pp.21eseguintes.[116]OliveiraVianna,OocasodoImpério,p.35.[117]LúciaMariaBastosPereiradasNeveseHumbertoFernandesMachado,OImpériodoBrasil,p.235.[118]SérgioBuarquedeHolanda,Históriageraldacivilizaçãobrasileira,vol.5,p.75.[119]JoséMurilodeCarvalho,Aconstruçãodaordem;Teatrodesombras,p.395.[120]GilbertoFreyre,OrdemeProgresso,p.698.[121]AdescriçãoédeSérgioBuarquedeHolanda,Históriageraldacivilizaçãobrasileira, vol.5,pp.16-17.[122]JoséMurilodeCarvalho,D.PedroII:serounãoser,pp.44-45.[123]LídiaBesouchet,Exílioemortedoimperador,p.31.[124]JoséMurilodeCarvalho,D.PedroII,pp.29-30.[125]Ibidem,p.13.[126]LídiaBesouchet,Exílioemortedoimperador,p.36.[127]RoderickJ.Barman,PrincesaIsabeldoBrasil:gêneroepodernoséculoXIX,p.33.[128]LiliaM.Schwarcz,Asbarbasdoimperador:d.PedroII,ummonarcanostrópicos,p.58.[129]LídiaBesouchet,Exílioemortedoimperador,p.38.[130]AdescriçãoédeLiliaM.Schwarcz,Asbarbasdoimperador,pp.78e79.[131]JoséMurilodeCarvalho,D.PedroII,p.41.[132]Ibidem,p.54.[133]RoderickJ.Barman,PrincesaIsabeldoBrasil,p.33.[134]JoséMurilodeCarvalho,D.PedroII,p.52.[135]Ibidem,pp.74-75.

[136]Ibidem,p.74.[137]LídiaBesouchet,Exílioemortedoimperador,p.12.[138]MaryDelPriore,CondessadeBarral:apaixãodoimperador,p.235.[139] Carlos Tasso de Saxe-Coburgo e Bragança,O imperador e a atriz: dom Pedro II e AdelaideRistori,p.102.[140]JoséMurilodeCarvalho,D.PedroII,pp.93-94.[141]Ibidem,pp.97-100.[142]LuísdaCâmaraCascudo,Conded’Eu,p.62.[143]SérgioBuarquedeHolanda,CapítulosdahistóriadoImpério,pp.135-137.[144]Ibidem,pp.123-125.[145]PedroII,ConselhosàprincesaIsabeldecomomelhorgovernar,p.3.[146]Ibidem,pp.17-21.[147]JoséMariadosSantos,“O imdoSegundoReinado”,emHildonRocha, UtopiaserealidadesdaRepública:daproclamaçãodeDeodoroàditaduradeFloriano,p.262.[148]SérgioBuarquedeHolanda,Históriageraldacivilizaçãobrasileira,vol.5,p.237.[149]OrelatodahistóriadeGrahamBellnaExposiçãodaFiladél iaébaseadoemCandiceMillard,Destinyoftherepublic:ataleofmadness,medicine,andthemurderofapresident,2011.[150] Carlos Tasso de Saxe-Coburgo e Bragança,O imperador e a atriz: dom Pedro II e AdelaideRistori,p.102.[151]LiliaM.Schwarcz,Asbarbasdoimperador:d.PedroII,ummonarcanostrópicos,p.346.[152]MatthewS.Anderson,TheascendancyofEurope:1815-1914,pp.135-160.[153]T.C.WBlanning,TheNineteenthCentury:Europe,1789-1914,p.25.[154]NiallFerguson,TheNineteenthCentury,p.124.[155]FiódorDostoiévski,Crimeecastigo,pp.549-550.[156]AntôniodaSilvaJardim,Apátriaemperigo,emPropagandarepublicana(1888-1889),p.85.[157]OliveiraVianna,OocasodoImpério,pp.106e109.[158] Antônio da Silva Jardim, “Carta política ao país e ao Partido Republicano”, em Propagandarepublicana(1888-1889),p.328.[159]HeitorLyra,Históriadaquedadoimpério,vol.II,p.91.[160]TheManuelCardosoFiles—RepublicanMovement,OliveiraLimaLibrary,Washington.[161]GeorgeC.A.Boehrer,DaMonarquiaàRepública:históriadoPartidoRepublicanodoBrasil(1870-1889),pp.31-40.[162]LeôncioBasbaum,HistóriasinceradaRepública,vol.I,p.208.[163]HeitorLyra,HistóriadedomPedroII,vol.III,p.126.[164]Idem,HistóriadaquedadoImpério,vol.III,p.26.[165]GeorgeC.A.Boehrer,DaMonarquiaàRepública:históriadoPartidoRepublicanodoBrasil(1870-1889),p.77.[166]HeitorLyra,HistóriadaquedadoImpério,vol.III,p.26.[167]EmíliaViottidaCosta,DaMonarquiaàRepública,p.482.[168]HeitorLyra,HistóriadedomPedroII,vol.III,p.29.[169]LúciaMariaBastosPereiradasNeveseHumbertoFernandesMachado,OImpériodoBrasil,p.152.[170]EmíliaViottidaCosta,DaMonarquiaàRepública:momentosdecisivos,pp.318-326.[171]LúciaMariaBastosPereiradasNeveseHumbertoFernandesMachado,O Império do Brasil,pp.162-163.[172]SérgioCorrêadaCosta,Brasil,segredodeEstado:incursãodescontraídapelahistóriadopaís,p.191.[173]HeitorLyra,HistóriadaquedadoImpério,vol.II,pp.74-116.[174]LeôncioBasbaum,HistóriasinceradaRepública,p.224.[175]HeitorLyra,HistóriadaquedadoImpério,p.32.

[176]LuisWashingtonVita,AlbertoSales:ideólogodaRepública,pp.106-107.[177]CelsoCastro,OsmilitareseaRepública:umestudosobreculturaeaçãopolítica,p.178.[178]Paraoper ildosalunosdaEscolaMilitareseupapelnaProclamaçãodaRepública,verCelsoCastro,OsmilitareseaRepública:umestudosobreculturaeaçãopolítica.[179]Ibidem,pp.124e142.[180]ElmarBones,AespadadeFloriano,pp.55-56.[181]AurelinoLeal,“Acomissãoconstitucional”,emHildonRocha, UtopiaserealidadesdaRepública:daproclamaçãodeDeodoroàditaduradeFloriano,pp.127-128.[182] João Cruz Costa,OpositivismonaRepública:notas sobreahistóriadopositivismonoBrasil, p.48.[183]LauroSodré,Crençaseopiniões,p.77.[184]CelsoCastro,OsmilitareseaRepública,p.82.[185]Ibidem,p.84.[186]OrelatodasequênciadeeventosdaQuestãoMilitarébaseadoemCelsoCastro,OsmilitareseaRepública:umestudosobreculturaeaçãopolítica,pp.85-103.[187]OliveiraVianna,OocasodoImpério,p.140;eRaimundoMagalhãesJúnior,Deodoro,p.199.[188]RaimundoMagalhãesJúnior,Deodoro:aespadacontraoImpério,p.245.[189]Ibidem,p.252.[190]EmíliaViottidaCosta,DaMonarquiaàRepública:momentosdecisivos,p.486.[191]LeôncioCorreia,Averdadehistóricasobreo15deNovembro,p.185.[192]LeôncioCorreia,Averdadehistóricasobreo15deNovembro,pp.181-182.[193]RaimundoMagalhãesJúnior,Deodoro:aespadacontraoImpério,p.334.[194]Paraabiogra iadeMendesdaFonseca, verRaimundoMagalhães Júnior,Deodoro:aespadacontraoImpério,pp.11-22.[195]LeôncioCorreia,Averdadehistóricasobreo15deNovembro,pp.23-24.[196]CelsoCastro,OsmilitareseaRepública:umestudosobreculturaeaçãopolítica,p.82.[197]RaimundoMagalhãesJúnior,Deodoro:aespadacontraoImpério,p.20.[198]OliveiraVianna,OocasodoImpério,pp.182-183.[199]RaimundoMagalhãesJúnior,Deodoro:aespadacontraoImpério,p.197.[200]Deodoroeaverdadehistórica,p.76.[201]HélioSilva,1889:aRepúblicanãoesperouoamanhecer,pp.441e552.[202]ElmarBones,AespadadeFloriano,p.34.[203]AnfrisoFialho,HistóriadafundaçãodaRepúblicanoBrasil,p.36.[204]ErnestoSenna,Deodoro:subsídiosparaahistória,p.131.[205]CelsoCastro,OsmilitareseaRepública,p.134.[206]RaimundoMagalhãesJúnior,Deodoro:aespadacontraoImpério,p.348.[207]CelsoCastro,OsmilitareseaRepública,p.159.[208]ClaudiodaCostaBraga,ElúltimobailedelImperio,p.29.[209]ErnestoSenna,Deodoro:subsídiosparaahistória,p.33.[210]Ibidem,p.41.[211]JoséMurilodeCarvalho,Aformaçãodasalmas,p.40.[212] Vicente Licínio Cardoso, “Benjamin Constant, o fundador da República”, em Hildon Rocha,UtopiaserealidadesdaRepública:daproclamaçãodeDeodoroàditaduradeFloriano,p.135.[213]RenatoLemos,BenjaminConstant:vidaehistória,pp.104eseguintes.[214]LuísdaCâmaraCascudo,Dicionáriodofolclorebrasileiro,pp.177-178.[215]AsdescriçõessãodeRenatoLemos,BenjaminConstant,p.272;eCelsoCastro,OsmilitareseaRepública:umestudosobreculturaeaçãopolítica,p.139.[216]RenatoLemos,BenjaminConstant,p.303.[217]Ibidem,p.28.[218]Ibidem,p.46.

[219]CelsoCastro,OsmilitareseaRepública,pp.111e119.[220]Ibidem,p.105.[221]Ibidem,p.171.[222]Ibidem,pp.150-151.[223]HeitorLyra,HistóriadedomPedroII,vol.III,p.10.[224]InavonBinzer,Osmeusromanos:alegriasetristezasdeumaeducadoraalemãnoBrasil,p.34.[225]EmíliaViottidaCosta,DaMonarquiaàRepública:momentosdecisivos,p.285.[226]BorisFausto,HistóriaconcisadoBrasil,p.112.[227]EmíliaViottidaCosta,DaMonarquiaàRepública,p.302.[228]HeitorLyra,HistóriadedomPedroII,vol.III,p.9.[229]JoaquimNabuco,Oabolicionismo,emEssencialJoaquimNabuco,p.104.[230]Paraumbome resumidoper ildoabolicionistapernambucano, verAngelaAlonso,JoaquimNabuco.[231]Ibidem,p.132.[232]As informaçõessãodeUelintonFariasAlves, JosédoPatrocínio:a imorredouracordobronze,livrocujosubtítuloé inspiradonosversosqueopoetaOlavoBilacdedicouaograndeabolicionistaem1905,anodesuamorte.[233]EmíliaViottidaCosta,Aabolição,pp.62-63.[234]Ibidem,p.82.[235]RaimundoMagalhãesJúnior,Deodoro:aespadacontraoImpério,p.307.[236]HeitorLyra,HistóriadedomPedroII,vol.III,pp.24-26.[237]EmíliaViottidaCosta,Aabolição,p.63.[238]LucianaCavalcante,Dragãodomar,pp.9-30.[239]UelintonFariasAlves,JosédoPatrocínio:aimorredouracordobronze,p.175.[240]OliveiraLima,SeptansdeRépubliqueauBrésil(1889-1896),p.7.[241]AntonioPenalvesRocha,Abolicionistasbrasileiroseingleses:acoligaçãoentreJoaquimNabucoeaBritishandForeignAnti-SlaverySociety(1880-1902),pp.99-100.[242]UelintonFariaAlves,JosédoPatrocínio,pp.192-194.[243]EmíliaViottidaCosta,Aabolição,p.120.[244]OliveiraVianna,OocasodoImpério,pp.69-70.[245]UelintonFariaAlves,JosédoPatrocínio:aimorredouracordebronze,p.205.[246]AntonioPenalvesRocha,Abolicionistasbrasileiroseingleses,p.211.[247]EmíliaViottidaCosta,Aabolição,p.127.[248]CitadoemHeitorLyra,HistóriadedomPedroII,vol.III,pp.23-31.[249]EmíliaViottidaCosta,Aabolição,p.12.[250]Ibidem,p.134.[251]Idem,DaMonarquiaàRepública:momentosdecisivos,p.378.[252] Para a ação da maçonaria na Proclamação da República, ver José Castellani,A maçonariabrasileiranadécadadaaboliçãoedaRepública.[253] Maria Fernanda Lombardi Fernandes, “Um radical a ferro e fogo”, Revista de História daBibliotecaNacional,nº5,novembrode2005,pp.42-45.[254]HeitorLyra,HistóriadaquedadoImpério,vol.I,p.42.[255]MaryDelPrioreeRenatoPintoVenâncio,UmabrevehistóriadoBrasil,p.210.[256]RoderickJ.Barman,PrincesaIsabeldoBrasil:gêneroepodernoséculoXIX,p.181.[257] Carta de Cândido Bernardino Teixeira Tostes (1842-1927) a Saint-Clair de MirandaCarvalho,7dejulhode1888,arquivopessoaldeDouglasFasolato,JuizdeFora.[258]“ARepúblicaFederal”,11denovembrode1888,em TheManuelCardosoFiles—RepublicanMovement,OliveiraLimaLibrary,Washington.[259] Diário Popular de 9 de fevereiro de 1889, emThe Manuel Cardoso Files — RepublicanMovement,OliveiraLimaLibrary,Washington.

[260]HeitorLyra,HistóriadaquedadoImpério,vol.I,p.175.[261] Lídia Besouchet,José Maria Paranhos, visconde do Rio Branco: ensaio histórico-biográ ico , p.229.[262]LeôncioBasbaum,HistóriasinceradaRepública,vol.I,p.262.[263]RoderickJ.Barman,PrincesaIsabeldoBrasil,p.184.[264]Ibidem,p.16.[265]Ibidem,pp.158-159.[266]AexpressãoédeRoderickJ.Barman,idem,p.67.[267]Ibidem,pp.71e111.[268]Ibidem,p.87.[269]MaryDelPriore,“Consortesnostrópicos:doispríncipesdacasadeFrançanoBrasil”, RevistadoIHGB,nº444,p.281.[270]CarlosTassodeSaxe-CoburgoeBragança,Aintriga:retrospectivadeintricadosacontecimentoshistóricosesuasconsequênciasnoBrasilImperial,p.159.[271]MaryDelPriore,“Consortesnostrópicos”,RevistadoIHGB,nº444,p.283.[272]LídiaBesouchet,Exílioemortedoimperador,p.90.[273]VascoMariz,Depoisdaglória:ensaioshistóricossobrepersonalidadeseepisódioscontrovertidosdahistóriadoBrasiledePortugal,p.309.[274]Alfredod’EscragnolleTaunay,MemóriasdoviscondedeTaunay,pp.452-454.[275]JúlioJoséChiavenato,Genocídioamericano:aguerradoParaguai,pp.141e142.[276]FranciscoDoratioto,Malditaguerra:novahistóriadaguerradoParaguai,pp.396eseguintes.[277]VascoMariz,Depoisdaglória:ensaioshistóricossobrepersonalidadeseepisódioscontrovertidosdahistóriadoBrasiledePortugal,p.315.[278]LuísdaCâmaraCascudo,Conded’Eu,pp.110-112.[279] “A República Federal”, 28 de abril de 1889, em The Manuel Cardoso Files — RepublicanMovement,OliveiraLimaLibrary,Washington.[280]RoderickJ.Barman,PrincesaIsabeldoBrasil,p.255.[281]JoséMurilodeCarvalho,D.PedroII:serounãoser,p.236.[282]MaxLeclerc,LettresduBrésil,pp.7-14.[283]Ibidem,p.174.[284]GilbertoFreyre,OrdemeProgresso,p.99.[285]JoséMurilodeCarvalho,D.PedroII:serounãoser,p.201.[286]HeitorLyra,HistóriadedomPedroII,vol.III,p.54.[287]Idem,HistóriadaquedadoImpério,vol.II,p.169.[288]Idem,HistóriadedomPedroII,vol.III,pp.61-62.[289]RoderickJ.Barman,PrincesaIsabeldoBrasil:gêneroepodernoséculoXIX,p.254.[290]HeitorLyra,HistóriadaquedadoImpério,vol.II,p.145.[291]AnfrisoFialho,HistóriadafundaçãodaRepúblicanoBrasil,p.65.[292]JoséMariadosSantos,“O imdoSegundoReinado”,emHildonRocha, UtopiaserealidadesdaRepública:daproclamaçãodeDeodoroàditaduradeFloriano,p.262.[293]EmíliaViottidaCosta,DaMonarquiaàRepública:momentosdecisivos,p.490.[294]Deodoroeaverdadehistórica,p.195.[295]RaimundoMagalhãesJúnior,Deodoro:aespadacontraoImpério,pp.35-36.[296]JoséMurilodeCarvalho,D.PedroII:serounãoser,p.90.[297]Ibidem,pp.90-91.[298]InavonBinzer,Osmeusromanos:alegriasetristezasdeumaeducadoraalemãnoBrasil,p.61.[299]ElmarBones,AespadadeFloriano,p.25.[300]GilbertoFreyre,OrdemeProgresso,p.97.[301]ElmarBones,AespadadeFloriano,p.118.[302]ClaudioCostaBraga,ElúltimobailedelImpério:elbailedelaIslaFiscal,p.51.

[303]HeitorLyra,HistóriadaquedadoImpério,volII,p.180.[304]LuísdaCâmaraCascudo,Conded’Eu,p.116.[305]BernardinaBotelhodeMagalhães,OdiáriodeBernardina:daMonarquiaàRepúblicapela ilhadeBenjaminConstant,p.80.[306]RaimundoMagalhãesJúnior,Deodoro:aespadacontraoImpério,vol.II,pp.58-59.[307]CelsoCastro,OsmilitareseaRepública:umestudosobreculturaeaçãopolítica,p.185.[308]AdescriçãodosdiálogoseacontecimentosnoPaçoImperialentreatardede15denovembroeamadrugadade17sãodeHeitorLyra,HistóriadedomPedroII,vol.III,pp.101eseguintes.[309]RaimundoMagalhãesJúnior,Deodoro:aespadacontraoImpério,vol.II,p.50.[310]Ibidem,vol.II,p.89.[311] Raul Pompeia, “Uma noite histórica”, emHildonRocha, Utopias e realidades da República: daproclamaçãodeDeodoroàditaturadeFloriano,pp.22-27.[312]HeitorLyra,HistóriadedomPedroII,vol.III,p.109.[313]OrelatosobreoencontrodomajorSóloncomdomPedroIIédeummanuscritodaprincesaIsabel,Memóriaparaosmeus ilhos,reproduzidoemBrunodaSilvaAntunesdeCerqueira(org.),D.IsabelI,aRedentora,pp.80-88.[314]AobservaçãosobreaassinaturaédeHeitorLyra,HistóriadedomPedroII,vol.III,p.191.[315]Idem,HistóriadaquedadoImpério,vol.III,p.417.[316]LídiaBesouchet,Exílioemortedoimperador,p.378.[317]OliveiraLima,Memórias:estasminhasreminiscências,pp.59-60.[318]HeitorLyra,HistóriadedomPedroII,vol.III,pp.146-147.[319]LídiaBesouchet,Exílioemortedoimperador,p.405.[320]MachadodeAssis,EsaúeJacó,pp.121-126.[321] “The fall of Dom Pedro”, The New York Times , 16/12/1889, citado em Celso Castro,OsmilitareseaRepública:umestudosobreculturaeaçãopolítica,p.192.[322] Diário Popular , de São Paulo, 18 de novembro de 1889, citado em Hélio Silva,1889: aRepúblicanãoesperouoamanhecer,p.87.[323]HeitorLyra,HistóriadedomPedroII,vol.III,p.97.[324]EmmanuelSodré,LauroSodrénahistóriadaRepública,p.38.[325]RaimundoMagalhãesJúnior,Deodoro:aespadacontraoImpério,p.93.[326]GilbertoFreyre,OrdemeProgresso,pp.CXIIIe12.[327]CelsoCastro,OsmilitareseaRepública,p.194.[328]GilbertoFreyre,OrdemeProgresso,p.9.[329]HeitorLyra,HistóriadedomPedroII,vol.III,pp.119e158.[330]Ibidem,p.206.[331]GilbertoFreyre,OrdemeProgresso,pp.6eseguintes.[332]HeitorLyra,HistóriadedomPedroII,vol.III,p.158.[333]Idem,HistóriadaquedadoImpério,p.355.[334]RenatoLemos,BenjaminConstant:vidaehistória,p.441.[335]Ibidem,p.418.[336]ElmarBones,AespadadeFloriano,p.127.[337]SuelyRoblesReisdeQueiroz,OsradicaisdaRepública:jacobinismo,ideologiaeação,1893-1897,p.257.[338]GilbertoFreyre,OrdemeProgresso,pp.48-49.[339]JoséMurilodeCarvalho,Osbestializados:oRiodeJaneiroeaRepúblicaquenãofoi,p.22.[340] Para um relatório detalhado sobre o tema, ver Carlos de Laet,Década republicana — aimprensa,pp.195-261.Emborasetratedeumainvestigaçãoconduzidaporummonarquista,suasinformaçõesnuncaforamcontestadas.[341]ElmarBones,AespadadeFloriano,p.130.[342] Para uma lista da mudança de nomenclaturas de lugares e instituições no Rio de Janeiro

republicano,verRenatoLemos,BenjaminConstant:vidaehistória,pp.442eseguintes.[343]JoséMurilodeCarvalho,Aformaçãodasalmas,p.55.[344]Ibidem,pp.55-73.[345]Ibidem,p.127.[346]RaimundoMagalhãesJúnior,Deodoro:aespadacontraoImpério,pp.133-139.[347]JoséMurilodeCarvalho,Aformaçãodasalmas,p.114.[348]RaimundoMagalhãesJúnior,Deodoro:aespadacontraoImpério,vol.II,p.105.[349]RenatoLessa,Ainvençãorepublicana:CamposSales,asbasesedecadênciadaPrimeiraRepúblicabrasileira,p.83.[350] Celso Castro,Os militares e a República: um estudo sobre cultura e ação política, pp. 195 eseguintes.[351]RenatoLemos,BenjaminConstant:vidaehistória,p.468.[352]RaimundoMagalhãesJúnior,Deodoro:aespadacontraoImpério,vol.II,pp.209-211.[353]JoséMariaBello,HistóriadaRepública,1889-1954,p.69.[354]RaimundoMagalhãesJúnior,Deodoro:aespadacontraoImpério,vol.II,p.210.[355]NeyCarvalho,OEncilhamento:anatomiadeumabolhabrasileira,pp.104,163-164.[356]JoséMurilodeCarvalho,Osbestializados:oRiodeJaneiroeaRepúblicaquenãofoi,p.20.[357]MachadodeAssis,EsaúeJacó,p.141.[358]LeôncioBasbaum,HistóriasinceradaRepública,vol.II,p.35.[359]CitadoemviscondedeOuroPreto,Décadarepublicana—Finanças,p.65.[360]NeyCarvalho,OEncilhamento,pp.189-190.[361] Para a conversão de libras esterlinas no inal do séculoXIX para valores em dólaresamericanosdehoje,verhttp://uwacadweb.uwyo.edu/numimage/Currency.htm.[362] Para uma análisemais aprofundada e relativamente isenta do fenômeno da ampliação docréditoedaaçãodeRuiBarbosa,verNeyCarvalho,OEncilhamento.[363]Ibidem,p.149.[364]CitadoemNeyCarvalho,idem,p.133.[365]DunsheedeAbranches,Ataseatosdogovernoprovisório,p.15.[366]ErnestoSenna,Deodoro:subsídiosparaahistória,pp.137-138;eDunsheedeAbranches,Ataseatosdogovernoprovisório,p.384.[367]JoséMariaBello,HistóriadaRepública,1889-1954,p.78.[368]Deodoroeaverdadehistórica,p.6.[369]LeôncioBasbaum,HistóriasinceradaRepública,vol.II,p.25.[370] Alberto Rangel,Floriano Peixoto, o arbitrário da legalidade, em Hildon Rocha,Utopias erealidadesdaRepública,pp.55eseguintes.[371]OliveiraVianna,OocasodoImpério,p.183.[372]EuclidesdaCunha,“OMarechaldeFerro”,emOEstadodeS.Paulo,29dejunhode1904.[373]RuiBarbosa,“CartasdeInglaterra”,citadoemEssencialJoaquimNabuco,p.565.[374]ElmarBones,AespadadeFloriano,p.102.[375]JoséMariaBello,HistóriadaRepública,p.78.[376]OliveiraVianna,OocasodoImpério,p.131.[377]SérgioBuarquedeHolanda,Históriageraldacivilizaçãobrasileira,p.337.[378]SuelyRoblesReisdeQueiroz,OsradicaisdaRepública:jacobinismo,ideologiaeação,1893-1897,p.148.[379] Medeiros e Albuquerque, “A famosa trindade do Quinze de Novembro— Deodoro, Rui eFloriano”,emHildonRocha,UtopiaserealidadesdaRepública,pp.47-52.[380]SergioCorrêadaCosta,Brasil,segredodeEstado:incursãodescontraídapelahistóriadopaís,pp.257-282.[381] Transcrição da reportagem de Ambrose Bierce em Décio Freitas,O homem que inventou aditaduranoBrasil,pp.119eseguintes.

[382]DécioFreitas,OhomemqueinventouaditaduranoBrasil,p.105.[383]CitadoemRaimundoMagalhãesJúnior,Deodoro:aespadacontraoImpério,p.9.[384]JoséMariaBello,HistóriadaRepública,1889-1954,p.97.[385]DécioFreitas,OhomemqueinventouaditaduranoBrasil,pp.55-56.[386]Ibidem,pp.39-41,combasenasanotaçõesdeAmbroseBierce.[387]SuelyRoblesReisdeQueiroz,OsradicaisdaRepública:jacobinismo,ideologiaeação,1893-1897,p.21.[388]Ibidem,p.23.[389]DécioFreitas,OhomemqueinventouaditaduranoBrasil,p.157.[390]HélioSilva,1889:aRepúblicanãoesperouoamanhecer,pp.237eseguintes.[391]HeitorLyra,HistóriadaquedadoImpério,vol.I,p.311.[392]SuelyRoblesReisdeQueiroz,OsradicaisdaRepública:jacobinismo,ideologiaeação,1893-1897,p.94.[393]Ibidem,p.28.[394]FrancolinoCamêueArturVieiraPeixoto,FlorianoPeixoto:vidaegoverno,p.9.[395]SuelyRoblesReisdeQueiroz,OsradicaisdaRepública,p.129.[396]Ibidem,p.91.[397]FrankD.McCann,Soldadosdapátria:históriadoExércitobrasileiro(1889-1937),p.102.[398]SuelyRoblesReisdeQueiroz,OsradicaisdaRepública,p.79.[399]RaymundoFaoro,Osdonosdopoder:formaçãodopatronatopolíticobrasileiro,p.648.[400]EmíliaViottidaCosta,DaMonarquiaàRepública:momentosdecisivos,p.399.[401] Citado em Renato Lessa,A invenção republicana: Campos Sales, as bases e a decadência daPrimeiraRepúblicabrasileira,p.153.[402]RaymundoFaoro,Osdonosdopoder:formaçãodopatronatopolíticobrasileiro,p.645