18.04.2010 -texto - a interlocuÇÃo com o direito À luz das prÁticas psicolÓgicas em varas de...

Upload: patriciarobes

Post on 13-Oct-2015

523 views

Category:

Documents


9 download

TRANSCRIPT

  • -4

    ,

    I

    Organizao

    Hebe Signorni Gonalves

    Eduardo Ponte Brando

    Psicologia Jurdica no Brasil

    . 2a edio

    Ji'loAUEDITORA

    Rio deJaneiro

    2005

  • .jI

    A interlocuo com o Direito luz das prticas

    psicolgicas em Varas de Famlia

    Eduardo Ponfe Brando

    A prticado psiclogoemVaras deFamliaexigeo co-nhecimentobsicodoscdigosjurdicosqueregulamasfam-liasno Brasil.

    As razesde tamanhaobrigaonosopoucas.

    Em primeiroluar, h necessidadede um cdigocom-

    partilhadoentreo psiclogoe os demaismembrosda equipeinterprofissional,includosos operadoresde Direito. -

    de conhecimentocomumqueosarrar00samorososefamiliarescom queessesoperadoressesurpreendemhoje emdia levama umainterlocuodo Direito com outrossaberes.

    Sem o respaldoda equipeinterprofissional,a aodoJuiz

    insuficientepararegularasrelaesentreossexose deparen-tesco.

    Em contrapartida,sema compreensoexatado contex-

    to ondese inscrevesuaprtica,o psiclogono faz maisdoqueseesfalfarcomosremosdo barcona areia.De nadaadi-

    antaserestringir especificidadedeseucampo,seo psiclogodesconhece,por exemplo,oscritriosjurdicosquenortciamadecisode umaguardaou os deverese direitosparentais.Asrefernciasusadaspelopsiclogodevemcomunicar-secom as

    doJuiz, sejamasopiniescon~'ergentesou no,casocontrrio,elenopodercontribuirparao desenlacedasdificuldadese

    dosconflitoscomosquaisoJudicirio seembaraa.

    51

  • Em segundolugar,no atendimentopopulaoo psic-

    logosedeparacomargumentosClOS valoresj foramrevistose substitudosem lei. Assim,no raro escutarpaisqueque-

    rem a guardadosfilhosporqueo ex-cnjugen? cumpriuosdeveresmatrimoniais.Ou que caberia mulheros cuidadosinfantise ao homemto somentevisitare sustentaros filhos.

    Conhecero quediz a lei torna-seimperativo,mesmoqueseja

    para informar que tais concepesno encontramrespaldosequeremnossalegislao.

    Por suavez,o conhecimentoda legislaonodeveser

    abstradodas condiesde possibilidadede seusurgimento.

    Interessaao psiclogo,sobretudo,lanar luz sobrecomo a

    doutrinajurdica se inscrevehistoricamentee se articulaaosdispositivosmodernosde poder.

    Como serobservadoao longodo texto,asleise ases-'truturasencarregadasdeaplic-Iasnosnormatizamerepri-mem,maspememfuncionamentodiversasprticasdepoder

    cujo objetivo~menosjulgar e punir do quecurar,corrigir e

    educarcadasleitoa administraraprpriavida(Foucault,1997). ,Lanando mo dessaperspectiva,o psiclogoadquire

    certodomniosobreo lugar que lhe reservadonasinstitui-

    esjudicirias.No lhe tornaindiferenteinterrogarse,a cadavezquefalaou escrevea respeitodecertasituaofamiliar,ele

    estatendendoa mecanismossutisdepoderque,como apoio

    dasleisjuridicas,somascaradospelapretensaisenopolticade suacincia.

    Do Cdigo Civil de 1916 ao Estatuto da mulher Casada: a

    demarcao dos papis familiares e a questo da guarda

    No Brasil do Imprio, a legislaosobrea famliaerareguladapelo Cdigo Civil Portugus,que,por suavez, erainspiradono Cdigo dasOrdenaesFilipinas(1603).

    52

    A transposiodo Direito portuguspara a Colnia ti-nha o inconvenientede no eorresponder realidadesocialbrasileira,na medidaemqueseaplicavaapenasaocasamento

    dosque eramcatlicos.Tanto as OrdenaesFilipinascomopraticamentetodaa legislaocivilportuguesapermaneceuemvigorat1916,ou seja,quasecemanosapsa independncia.Duranteessetempo,protestantese judeus,por exemplo,no

    poderiam ter seuscasamentosreconhecidospelo Estado,

    tampoucoasuniesextramatrimoniais.A proclamaodaRepblicadefineummomentocrucial

    de desvinculaoda Igreja com o Estado.O decreto181de1890a principalmanifestaolegislativaconcernenteaoDi-reito de Famlia nas primeirasdcadasda Repblica,at a

    publicaodo Cdigo Civil. De autoriade Ruy Barbosa,tal

    decretoaboleajurisdioeclesistica,julgando-secomonicocasamentovlidoo realizadoperanteasautoridadescivis.

    Com o Cdigo Civil Brasileirode 1916;consolida-sea

    definiodefamliacomosendoa uniolegalmenteconstitu-

    da pelavia do casamentocivil.Ora, a confor,midadeao modelojurdico de famlia o

    que torna as relaesentreos sexoslegtimasou no. Dessemodo,convmobservarnessadefiniodefamliaa defesado

    casamentoe o repdiodo legisladorao concubinato.1

    No Cdigo de 1916,o modelojurdico de famliaestfundamentadonumaconcepoeleorigemromano-crist.

    A famlia vistacomoncleofundamentalda socieda-

    de, legalizadaatravselaaodo Estado,compostapor pai,mee filhos(famlianuclear)e, secundariamente,por outros

    I Como veremosadiante,o concubinatovai adquirir proteoestatal,ouseja,vai serreconhecidodefinitivamentecomoentidadefamiliar,na condi-ode unioestvelentrehomeme mulher,somentena ConstituioFede-ral de 1988,no semantesserprotegidopor jurisprudnciae outrasleisa

    partir da dcadade 60.

    53

  • membrosligadospor laosconsangneosou de dependncia(famliaextensa).Ao mesmotempo,elaorganiza-senum mo-

    delohierrqucoque temo homemcomoo seuchefe(famliapatriarcal).

    O homemo chefedasociedadeconjugaledaadminis-traodosbenscomunsdo casaleparticularesdamulher,bem

    como detentorda autoridadesobreos filhose representantelegalda famlia.

    Por suavez,amulhercasadaconsideradarelativamente

    incapaz,emoposiosituaojurdicadamulhersolteiramaior

    de idade.Essaincapacidaderetirada mulhero poderdedeci-

    dir sobrea proleeo patrimnio,cujacompetnciapertenceaohomem.A mulhercasadaprecisadeautorizaodo seumari-do paraexercerprofisso,paracomerciar,almdeestarfixada

    ao domicliodecididopor ele.Os compromissosque assumirsemautorizaomaritalno temeficciajurdica.

    Somentena faltaou impedimentodo pai quecaberiamea funodeexercero ptriopoder(artigo380),aoqualosfilhosestariamtllbmetidosata maioridade(artigo379).

    SegundoBarros(2001),o fatodeo homemter o poderdividido,no casode suafaltaou seuimpedimento,com a es-

    posa e limitado menoridadedo filho torna-seexpressodeum golpeno ptriopoder,emboradiscretoemfaceda autori-dadeque eleaindadetinhana famlia.

    Por suavez,cabefrisarqueo ptriopoder,oriundodo

    Direito Romano, aludea uma figurade autoridadeque norepresentavao tipodominanteemterritrionacional(Almeida,1987).Seguindoesseraciocnio,a idiade declnioda autori-

    dadepaternano parecea maisadequadaparaa compreen-sodos regimesde alianae sexosurgidoshistoricamenteno

    Brasil,quino Ocidentemoderno(Foucault,1997),poisestlimitapa tradioromano-crist.

    'No que tange separaodo casal,o Cdigo de 1916prevapenasa separaodecorposporjusta~ido--------~-------~_._-., .--....-------.

    54

    !I

    J

    por?esq~reservando assima indissolubilidadedo matri-mniO:-Emoutraspalavras,a separaono desfazo vnculomatrimonial.2

    Com o desquite,9~1~g.

  • Na definiodosdireitose deveresdo maridoe da mu-

    lher, pode-seconfirmara valoraodiferenciadados papissociais.A..O--marido,.deawrdo-'com-a--!ei-;-eabe-supriu_.manu-

    .....--tenoda famlia,enquanto.mulhercabe__velaLE!::!~~~S~.?moral desta.H~ umatipificaodasdiferenasquejustificaocdigomoralassimtricoe complementarcomoregradecon-vivnciaentreos sexos.

    Os perfissociaisatribudosao homem, mulhere aos

    filhosj haviamsido desenhados'pelapolticahigienistaque,desde1830,se inscreveucomomicropolticano tecidosocial

    brasileiro.Com objetivode salvarasfamliasdo "caos"higi-nico em que elasseencontravam,o sabermdicoaliou-ses

    polticasdo Estadoe fez surgiro modelofamiliarpequeno-burgus,expulsandodo lar domsticoosantigoshbitoscolo-niais (Costa,1999).Assim,astipificaesdasdiferenasentre

    os sexos,vinculadaspela medicina naturezabiolgica,nodeixaramt.deserabsorvidaspaulatinamentepelalegislao.

    Se o Cdigo Civil de 1916j normatizavaem captuloespecialasrelaesfamiliares,,por.suavez,na dcadade30,no momentode criaode um projetopolticonacionalistae

    autoritrio,quesedesenhaumapropostaclarasobrea funosocialda famlia.Trata-sedeumprojetofamiliararticuladoao

    nvel legal,abrangen~ooutrosaspectosda legislaoalmdas

    normasdedireitocivil.Tal projetocaracteriza-sepor umafor-

    ma de pensar a famlia como elementode uma polticademogrfica,tendocomoobjetivoltimoa construoda uni-dadepolticanacionalista:

    Nesseperodoforampromulgadas:a legislaosobreotrabalhofeminino(origemdaCLT); sobrecasamentoen-trecolateraisdo3grau;sobreosefeitoscivisdocasamen-toreligioso;sobreosincentivosfinanceirosaocasamentoe procriao;sobreo reconhecimentode;filhosnaturaiselegislaopenal,emespecialnotocanteoscrimescontraa famlia(Cdigopenalde 1940)(Alvese Barsted,1987:169).

    56

    11

    ,I

    -1

    I,

    j

    Pode-sevislumbrarnessasregulamentaesa preocupa-odo legisladoremreforarospadresdemoralidadej pre-vistosimplcitoe explicitamenteno CdigoCivil, taiscomo:avaloriza~6cas'arrentolegale monogmico,o incentivoao

    trabalhomasculinoe dedicaoda mulherao lar, o temorhigienistadoscruzamentosconsangneose do usodasexuali-

    dadefemininae, em suma,a defesada harmoniae doscostu-mesna famlia(Alvese Barsted,1987).

    No perodoseguinte,de 1946a 1964,caracterizadopo-liticamentecomodemocrtico,destacam-sea lei dereconheci-

    mentodefilhosilegitimos(lei883/49)eo "Estatutodamulher

    casada"de 1962,que outorgacapacidadejurdica plena mulher.

    Com avignciadesse"Estatuto",a decisosobreaproleeo patrimniodeixadeserexclusividadedo homem.Ele revo-

    ga a incapacidadeda mulhercasada.Para citarpor exemploum dosefeitosjurdicos da lei, sea mulherviva,casadaem

    segundasnpcias,perdiao ptriopodersobreosfilhosdo leito

    anterior,conformeredaooriginaldo Cdigo Civil, com avignciado "Estatuto" ela passaa exercertais direitossemqualquerinterfernciado marido.

    Na hiptesede desquitejudicial, emqueambososcn-

    jugessojulgadosculpados,osfilhosmenoresficamcomame,

    diversamentedo que ocorria no regimeanterior,em que osfilhosvares,acimade seisanos,ficavamcom o pai.

    Alvese Barsted(1987)afirmamque,a despeitode uma

    certaliberalizaoemrelaoao casamentoe regimedebens,

    o "Estatuto"no rompealgumaspremissasbsicas.O legisla-dor mantma assimetriaentreos sexos,pendendoa balana

    p'arao poder patriarcal. reafirmadono "Estatuto"o papeldo homemcomosendoo chefeda famliae o da mulher,co-laboradorado marido. Seguindoesseraciocnio,foi criadoo

    institutodosbensreservadosda mulher,definidoscomoaque-lesoriundosdesuaprofissolucrativae dosquaispodedispor

    57

  • livremente.Ora; pressupe-seentoquesuaeconomiaprpriavistacomoparalelaedispensvelaosustentodo lar, aopassoque,ao homem,cabemant-l0.

    Se o modeIQjmidiw-de-farrrilia-nuclear,com losex-

    tensos,patriarcal,fundadana assimetr.iasexuale geracionalpermaneceinalteradodo perodoautoritrioao democrtico,

    as prticassociaisse afastamcadavez maisdo tipo ideal defamliada doutrinajurdica

    O final dos anos60 e a dcadade 70 foram fecundosnessesentido.

    Novos arranjos e a difuso das prticas psicolgicas

    O movimentofeminista,a introduoda mulher no

    mercadode trabalho,a plula anticoncepcional,a liberaosexual"aA,adosaosefeitosdo chamado"milagreeconmico",marcadopelamobilidadesocialascendentedossetoresmdiosdapopulao,o desenvolvimentoindustrialurbanoe a abertu-

    ra para o consumo,soalgunsdos/atoresque colocamemxequeo modelofamiliarpreconizadopelaslegislaes,o que

    ir se refletirnasdecisesjurisprudenciaise naspropostasdereformulaodo CdigoCivil.

    Em determinadosestratosdasociedade,comeama sur-

    gir novosarranjosconjugaise familiaresque, sobretudo,socaracterizadospeloindividualismo(Figueira,1987).

    Se atentoa mulherestavacomprometidacoma ima-gemdemeamorosae responsvel,na famliaindividualizadaela descola-seempartedo destino"natural"de maternidade.

    "Nesta nova famlia", escreveRusso, "cabe dona-de-casa

    buscarumacertaindependnciadomarido,tersuarendapr-pria, seuprprio carro,almde procurarabandonaro ar de

    matronaao qualosfilhose o casamentoa condenavam"(Rus-so, 1987:195).

    58

    .I

    iI

    .L

    )

    . 1

    j

    Por sua vez, o homemdesvincula-se,ao menosideal-

    mente,do papeltradicionalde"machista",cuja relaoprivi-legiadacomo trabalhoforadecasaecomosprpriosinteressessexuaisdeixade serexclusividadedesegnero.

    Com a mudanadosarranjosinterpessoais,dissolve:seahierarquiaque dividia as esferaspertencentesa cada sexoe

    gerao.As individualidadespassama subordinarasrelaes

    entreosmembrosda famlia,sejaentremaridoe mulher,sejaentrepaise filhos.As roupas,osdiscursos,oscomportamentos,

    ossentimentos,etc.nosomaissinaisexclusivosdecadasexo,posioe idade,de modoqueos marcadoresvisveisda dife-

    renapassama ser nica e exclusivamenteas expressesdogostopessoal(Figueira,1987).

    Os membrosdafamliapassamasepercebercomoiguaisemsuasdiferenaspessoais.A nfaseno indivduofaz-seacom-

    panhar do ideal de igualdadede relacionamento,apontandopara uma novamoral no campodasrelaesinterpessoais.A'tradioe a redefamiliar cedemlugar s individualidadese

    seusprazerescorrelatos,d talmodoquesetornanecess'riooexamede si mesmopara queasrelaesentrehomense mu-

    lheres,maridose esposas,paise filhospossamsernegociadasatodoe qualquermomento(Figueira,1987).

    No sendopor coincidncia,'nosanos70 queseinicia

    umaltoconsumodapsicanlise(Birman,1995;Figueira,1987;Katz, 1979;Russo, 1987)..

    Num moment?cm que os papistradicionaisda mu-

    lher,do homeme dasgeraessopostosemxeque,os sabe-

    respsi surgemcomocoordenadasparaasrelaesinterpcssoais,

    mesmoatravsde conceitososmaisvirulentos,taiscomo,porexemplo,o de sexualidade:

    Donde explodeo sucessodasprticasteraputicas,das

    colurl,asde aconselhamentopsicolgicoem revistasfemininas,do uSoquotidianodo vocabulriopsicanaltico,em suma,da

    necessidadecrescentede sepedir a "palavra"de psiclogose

    59

  • psicanalistassobrequestesque dizemrespeito famliaem

    geral.Cabe notarqueo imensoconsumoda psicanlisee dapsicologiano implica pura e simplesmentea subversode

    formasinstitudaspelatradio,mastambma multiplicaodc micropoderesquesomaispersuasivosdo queimpositivos(Foucault,1997).

    evidentequetodoessepanoramademudananosanos70tornaextremamentefrgilnoapenasosdeverescorrelatosentre os sexos,mas tambmo ideal de indissolubilidadedomatrimnio.

    Vale acrescentarquenessapocao Brasilestavaemple-no regimemilitar,sobapresidnciadoGeneralErnestoGeisel,cuja origemprotestanteluteranaadmiteo divrcio.Ademais,haviauma certainsatisfaoentreosmilitaresna medidaem

    queseobstruaapromoodosdesquitados,chegandoaogene-

    ralalf e atmesmo Presidnciada Repblica,apenasosca-sados.Dessemodo,elesinfluenciaram- ao ladodeumagamaimensadedesquitadoscomfamliasrecompostas- o PoderExe-cutivocomobjetivodelegitimare regularo fim do casamento. ,

    Da lei do Divrico Constituio: o privilgio da maternidade na

    atribuio da guarda, a abertura para as novas formas de famlia e

    os direitos da criana

    Em 26dedczembrode 1977, promulgadaa Lei 6515,

    conhecidacomoLei do Divrcio,queregulamentaa dissolu-o'dasociedadecOI~ugale do casamento.

    A Lei do Divrcioaboleo termo"desquite"j tocultu-ralmenteidentificadono pas e estabelecea possibilidadedesomenteum divrciopor cidado.

    A restrioa um divrciotevecomointuito aplacaraoposioda IgrejaCatlica,cujo receiodequeo divrcioani-

    60

    I

    '1

    , quilariaa famliabrasileiraevidentementejamaisseconfirmou.3Entre os principaisaspectosda lei, convmassinalaroargo15queregulaa guardadosfilhosna dissoluodo casal.Nele, a guarda conferidaa apenasum dosgenitores,sendo

    que,o outropodervisitare ter os filhosem suacompanhia,segundofixar o Juiz, bem comofiscalizarsua manutenoe

    educao.Observa-sequetalperspectivapodeserequivocada-menteinterpretadacomo no cabendopreocupaescom o

    dia-a-diado filho ao genitorque no detma guarda,cujoponto retomaremosadiante.

    No casoda separaojudicial em que se atribuia umdoscnjugesa responsabilidadepeladissoluodo casamento,

    a guardados filhos menoresfica com o cl~ugea que no

    houverdadocausa(art.lO),ou seja,como cnjuge"inocente"da separao.Mantm-seassimo sistemavigentededefiniodaguarda,emqueo critriodefaltaconjugalpermaneceinc-lume.

    No tocanteaos"ALIMENTOS", a lei estipulaa obrigao

    comumdos cnjuges(nos 8.0 pai)para a manutenodosfilhos,almdenodiscriminaro sexoresponsvelpelapenso,inferindo-sea obrigaoconformea necessidadee a possibilidade.

    AUMENTOSsoprestaespara satisfaodasnecessidadesvitaisde quemno podeprov-Iaspor si, no sendoreferidasapenas subsistnciamaterial,mas tambm formaointelec-tual, cultural, etc. Compreendeo que impresndivel vida da pessoaa alimentao,ovesturio,a habitao,o tratamentomdico,asdi~erses,parcelasdespendidascom sepulta-mentoe, sea pessoaalimentadafor menorde idade,a suainstruoe educao(Acquaviva,1993).SegundoDiniz (1993),h uma tendnciano Estado-previdnciade se impor a esteodeverde socorrerosnecessitadosatravsdepolticassociais.Com objetivode sealiviar desseencargo,o Estado o transfere,por meio da legislao,aos parentesdos que precisam demeios materiaispara sobrevivere refora o princpio da solidariedadeque deve reger oslaos de famlia.

    3 A limitaoa um divrciofaz surgirnovosproblemas,taiscomooconcubinatodosquevierama sesepararapsnovaunioconstitudaapso divrcio,ea situaodosquesecasavamcompessoasdivorciadase,portalmotivo,estavamigualmenteimpedidasda obten~do divrcio.Taissituaesseroreconhecidascomounioestvele protegidaspeloEstadocoma Constituiode 1988.

    61

  • Contudo,a foradadefiniodospapissexuaisperma-necee revela-se,sobretudo,no tocanteaos'cuidadose educa-

    odosfilhos.Diz a lei,no artigo10,1,que"sepelaseparaoforemresponsveisambosos cnjuges,os filhosmenoresfica-

    ro empoderda me,salvoseoJuiz verificarquetal soluo

    possaadvirprejuzode ordemmoralparaeles".Em outraspalavras,o cuidadoem relaoaosfilhos

    visto naturalmentecomo sendoresponsbilidadedamulher,independentede qualqueroutracondio,excetoa de ordemmoral.A mulherportantosperde'aguardadosfilhoscasose

    conduzircontraospadresmorais,critriobastantenebuloso,

    vale dizer, de constataosubjetivae, aindamais,deixadaaferiodojuiz.

    Paraagravarasituao,oprivilgiodamaternidadeacabagerandocertasdificuldadesparao exercciodapaternidadeou,siJ'plesmente,afastandoo homemda esferade influnciaso-

    bre os filhos.No,Brasil,h atosdiasdehoje uma inclinaoem nossostribunaisde atribuir a guarda me,cabendoaopai avisitaoquinzenal,o quelimitaumrelacionamentomais

    estreitocom os filhos.E quandoo pai pleiteiavisitasmenosespaas,o Judicirio costumaalegarque tal pedidopodeau-

    mentarasdesavenasentreos ex-cnjuges(Brito, 1999).Contudo,observa-senosltimosanosumatendnciade

    crescimentodassolicitaesdoshomenspela custdiadosfi-lhos(Ridenti, 1998).A reivindicaonojudicirio doshomens- em situaode igualdadecom a mulher- pelaguardados

    filhoscolocaempautaasdistinesconstrudasscio-historica-

    mente,que por suavcz, comovimos,so naturalizadaspeloDireito de famlia.4

    ~Segundoo IEGE, em2002,93,89%dosfilhosficamcomasmesdepoisdaseparaoe antesdo divrcio,e,depoisdo divrcio,cai para92,37%.Con-tudo,o ndice de paisqueentramnajustiacompedidode guardaaumen-tou de 5 para 25% em cinco anos.

    62

    11

    \OutrosaspectosimportantesdaLei do Divrcioemque,

    no entanto,no convmnosdeter, a valorizaoda separa-

    ode fato,a permissoparao reconhecimento.dosfilhosile-gtimosna vigncia'do casamentoe a consagraodo direito

    ao homemcasado,separadode fato,de requererautorizao

    judicial pararegistrodefilhonascidoderelaoextraconjugal.Aps a Lei do Divrcio,outra

    legislaoque,semdvida,introduz

    significativas mudanas no queconcerneaosdireitose deveresfami-

    liares a CONSTITUIOFEDERALde1988.

    Com a Constituio,o concubinatopassaa adquirirpro-teodo Estado,na condiode unioestvel(art.2263).

    Com efeito,o casamentodeixade sera nicaformale-

    gtima de constituioda famlia, tal como era definidano

    Cdigo Civil. O conceitode famliaamplia-sena medidaem

    que passaa legitimara diversidadede unies ~xistentesnocontextobrasileiro.Como afirmamOliveira e Muniz (1990),

    no sepodemaisfalarnumaformaexclusivadefamlia,e simtratarda matriano plural,passando-sea considerartambmcomoentidadefamiliara relaoextramatrimonialestvel,entre

    um homeme uma mulher,almdaquelaformadapor qual-querdosgenitoreseseusdescendentes,a famliamonoparental(art,2263e 4).

    evidentequea admissodenovosarranjosamorosose

    familiaresfazemsurgirnovosproblemas,de modo quesetor-na cadavezmaisnecessrioo atendimentodeequipesinterdis-ciplinaresjunto sVarasde Famlia.

    A Constituioeliminatambma chefiafamiliar,deter-

    minandoa igualdadededireitosedeveresparaambososcnju-ges,homense mulheres(art.226,5).No artigo5, pargrafoI,estprescritoquehomense mulheressoiguaisperantea lei.

    63

  • nelaqueseencontrampelaprimeiravezno Brasilosdireitosda criana,expostosnoartigo227,a partir do concei-to de proteointegrale do entendimentoda crianacomosujeitode direitos.Assim,diz a: lei que"deverda famlia,dasociedade,e do Estadoassegurar crianae ao adolescente,comabsolutaprioridade,o direito. vida, sade, alimenta-

    o, educao,aolazer,profissionalizao, cultura, dig-nidade, ao respeito, liberdadee corivivnciafamiliar ecomunitria,almde coloc-losa salvode todaformade ne-

    gligncia,discriminao,explorao,violncia,crueldadee

    opresso".NO,mesmoartigo,6,ficamproibidasdiscrimina-

    esentrefilhoshavidosdentroeforadocasamentoenaadoo.

    Ao entendimentoda crianaeadolescentecomosujeitosde direito,deve-serelacionara questoda guardacomo texto

    da ConvenoIntrnacionaldosDireitosda Criana.

    Da conveno Internacional ao estatuto da criana e do

    adolescente: a primazia do interesse da criana, a diviso entre

    parentalidade e conjugalidade,os padres de normalidade e a

    insero das equipes interdisciplinares

    Aprovadano Brasilpelo CongressoNacionale promul-gadaem 1990,a ConvenoInternacional um instrumento

    juridico, pois obrigaos pasesque a assinama adaptarsuaslegislaess suasnormas e apresentarperiodicamenteumrelatriosobresuasaplicaes.Com efeito,no mesmoano,alegislaonacional alteradacoma publicaodo Estatutoda

    Criana e do Adolescenteque,baseadona doutrinada prote-ointegral,estabelecequecrianase adolescentesdevemser

    consideradoscomosujeitosdedireitos,consagrandoosdireitos

    fundamentaisdapessoana legislaoreferente infncia(Brito,1996).

    64

    "

    "

    I'II

    fI

    /.

    I

    A ConvenoInternacionalsituano artigo9 o direito

    da crianadesereducadapor seusdoispais,excetoquandooseu melhor interessetornenecessriaa separao.Contudo,mesmonasituaoemquea crianaseparadadafamlia,elatemo direitodemantero contatodiretocom ospais.

    Reafirmandotalperspectiva,o Estatutoda CrianaedoAdolescentedispeo direitode a crianae o adolescentese-

    remcriadose educadosno seiodafamlia(art.19)eestabeleceos deveresdospaisem relaoaosfilhosmenores,"cabendo-

    lhesainda,no interessedestes,a obrigaode cumprire fazercumprirasdeterminaesjudiciais"(art.22).

    Compreende-sequeaseparaomatrimonialdeumcasal

    nodeveconduzir dissoluodosvnculosentrepais-efilhos.Brito (1996)advertequeosdireitosrepresentadosna Conven-oInternacionaleno EstatutodaCrianaeAdolescentecon-

    trapem-se idiaque o artigo15da Lei do Divrcio podeconduzir,comovimosacima,dequenocabempreompaes

    com o quotidianoinfantilao genitorqueno det~a guarda.Numa pesquisajunto sVaras de Famliado Tribunal

    deJustia do Rio deJaneiro, a autoraconstataquehabitual-

    mentea guardaatribudaa umdospaiscontribuiparao afas-

    tamentodo genitordescontnuo- termousadopor FranoiseDolto - dasdecisesquevisam educaoe ao cuidadodosfilhos(Brito, 1993,1996).

    Em vez do papelde pai de fim de semanaao qual relegadoamideo genitordescontnuo,Brito ressaltaque aseparaodo casalno devecorresponderao fim ou dimi-nuiodasfunesparentais:

    Nestescasos,presencia-seo desaparecimentodo casalcon-

    jugal, masdeve-seonservaro casalparental,garantindo-se a continuidadedas relaespessoaisda criana,comseupai e suame(Brito, 1996:141).I

    O direitode a crianamanterum relacionamentopes-soalcomseupai e suamenoresultada autoridadeesimda

    65

  • responsabilidadeparentalempreservaro vnculode filiao.Cabe entonotar,atravsdarepresentaodosdireitosinfan-tis, um ntido deslocamentodo eixoda autoridadepara o deresponsabilidadeparental(Brito,1999).

    Na medidaem queos cdigosjurdicos passam a priorizar o me-

    lhor interesseda criana) tal critriodevesesobreporao defalta conjugal

    emtoda decisojudicial a respeitodaguardadefilhos depais separadose

    divorciados.As falhasno cumprimentodo contratomatrimonial

    no devemserdeslocadassfunesparentais.Nem por issodeixade existiremnossalegislao,ata

    entradaemvigor da lei 10.406,conhecidapor "Novo CdigoCivil", comoveremosmaisadiante,umasuperposiodoscri-

    triosdefaltaconjugal,interesseedireitodacriana,contribu-indo para o apoioda autoridadejudiciria noselementosdeconvicoprpria (Brito, 1999).

    Pode-sedizer que o interesseda criana um critriousadojuridicamentesemprequea situaodamesmarequeraintervenodo magistrado,visandoa lheassegurarum desen-Ivolvimentoadequado.

    Todavia,no deixade serao mesmotempoum opera-

    dor relacionadoa umapredio,seguindocertospadresdoquedevaserumafamliaou infnciasaudvel.Para respaldar

    suasavaliaes,ojuiz solicitasubsdiosdapsicologia,entreoutrasreas,cujosestudoscorremamideo riscode estarematrela-

    dosa umacertanoostandarddenormalidade(Brito,1999).Sem desconsiderara importnciapara a proteoda

    criana,o critriode interessedacriana deavaliaosubje-

    tiva,sujeitasmaisdiversasinterpretaes,cujaaferioapia-sefreqentementenumasituaodefatoe node direito.5

    5 Donde surgea necessidadede elencarosdireitosda crianaa partir,c6movimosacima,da noode direitosdo homem.Com efeito,os interessesda

    crianauniversalizam-seesetransformamemdireitos,aomesmotempoemque a criarrapassade objetoa sujeitode direitos(Brito, 1999).

    66

    fIIII

    ./

    !!I

    o critriode interesseda crianajunto ao Direito deFamliaaponta,inicialmente,para a verificaoindividualde

    ne~ssidadesinfantisperantea separaodospai.s,o queexigepor suaveza intervenode um aparatointerdisciplinar.Sejacomatarefaderealizarlaudosou parecerespsicossociais,sejacoma de ser"porta-voz"do infante,tal aparatoindicao me-lhor interesseda crianadianteda exclusivapossibilidadeda

    guardamonoparental.Nessaperspectiva,o objetivo,emlti-ma instncia,descobrirse maisadequadoatribuira guardaao pai ou me.6

    Entretanto,talobjetivorevela-seinadequadoemfaedascircunstnciasqueenvolvemamaioria dasdisputasdeguardae regulamentaodevisitas,marcadasmuitasvezespor acusa-

    esmtuasentreasparteslitigantes.No bastadefinircritriosnorteadoresparaa indicao

    do genitorquerenemelhorescondiesde guarda.

    A lgica adversarial, o envolvimento das crianas no conflito e os

    malefdos da percia

    A disputadeguard~num divrciolitigiosoestbaseadanumalgicaadversarialemqueum genitortentanosomentemostrarque maisaptopara cuidare educarosfilhos,como

    tambmexporasfalhasdo outropara tal funo.Tal lgicaestembutidano conflitodeinteresses,deno-

    mina-selide, em que duas pessoaspretendemdesfrutarao

    6 Mais do que o interesseda criana, a doutrina da proteointegrale,conseqentemente,a efetivaodos direitos fundamentaisde crianaseadolescentesqueestna baseda exposiode motivosparaa aberturado Iconcursopblicopara o cargode psiclogono Tribunal deJustia do RiodeJaneiro, no deixandoestede sercitadocornofazendopartede equipesinterdisciplinares.

    67

  • ,mesmotempodaquiloque os processualistaschamam"bemda vida" (tudoque corresponde aspiraode uma pessoa,sejamaterial,afetiva,etc.).Ora, no litgio a prevalnciadosinteressesdeumimplicaemnoatendimentoaosinteressesdo

    outro. medidaqueos interessessecontrapem,o Juiz temque decidirqualpretensodaspartes(comosochamadasaspessoasnosprocessos)estmaisamparadanalei(Suannes,2000).

    Abre-seum lequeinfindveldeacusaesde umapartecontra a outra, cujasfaltasmoraisteriamsido, como ambosargumentam,responsveispeloconflitoatual.O queantesfa-zia partedo quotidianodo casalsoagoraprticas"bizarras"de um estranhoque,por razes"desconhecidas",foi outroraobjetode investimentoamoroso(nosemuma certadosede

    alienaosobreo fatode que,seo litgiopersevera, porqueh aindaumvnculoentreume outro,comoveremosadiante).

    Em facedessepanorama, comumo psiclogoserre-

    quisitadoa responder dificil demandade apontaro genitormaisqualificadoou analisaro impedimentode visitasde umou de outro.

    A demandaformuladapelojuiz temcomofim encon-trar o genitor"certo"a quemdara possee guardada criana,baseando-serepetidamentenumalinhadivisriaentreo bome

    mau pai e meou, em ltimocaso,o menosruim (Ramose

    Shine, 1999).Mesmonassituaescujacomplexidadeimpede

    umavisomaniquesta,no restammuitasalternativasaojuiz

    senosentenciara favorde umadaspartese negaro pedidoda outra. O que faz recairna dificuldadeacima,a saber,de

    ...

    queo psiclogo,na condiodeperito, chamadoa fornecer

    subsdiosparaa decisojudicial,apontando()genitorqueate~.:'em_(;IhoLaosjnteresses.dacriana.

    Tal tarefano deixade acarretaralgumasdificuldadesdignasde uma anlisemaiscuidadosa.

    Em primeiro lugar, cabeinterrogarse existeminstru-

    mentosde avaliaoqueobjetivamentepossammedira capa-

    68

    !I!

    .1

    II

    II

    lIi

    fI

    I

    IIij

    I

    cidadedeum genitorsermelhordo queoutro.A arbitrarieda-

    de do ent_endimentosobreo que serbom ou mau genitor,

    isoladodocontextoemqueo conflitoseapresenta,poderesul-tar em definiesestereotipadasque dificilmenterecobremapluralidadedasrelaesintrafamiliares.7

    Em segundolugar,nempor issomenosimportante,con-vm notarque a definiode um guardiotem como efeitosimblicoa demissodo outrogenitorcomoincapazde exer-cer tal funo.Em inmerassituaes, comumo pai ou amesesentirultrajadona condiodevisitante,vistoimagina-riamentecomosendono-idneo,moralmentecondenvelou,

    namelhordashipteses,temporariamentemenoshabilitado,?quemuitasvezescolaboraparao afastamentode suasrespon-sabilidades.

    :Muitospaisterminampor acreditarque,por seremvisi-tantes,devemsemanter distnciadosfilhos,poisconsideram

    queaJustiadplenospoderesao detentordaguarda.Sentin-do-seimpotentescom o papelde coadjuvantes,h pais queesbarramnas decisesunilateraisdas ex-mulheresa respeito

    da vida dosfilhos,assimcomoh mesquesesentemsobre-carregadasfisica,financeirae psicologicamentecom o ex-ma-rido quemal visitaascrianas.

    No por menosque o laudo ou parecerpsicolgico

    aca~aservindodecombustvelparao fogodadesavenafami-liar, reacendidoa cadadecisojudicial. Se o psiclogoauxiliao magistradoa decidiro "melhor"guardio,por um lado,porum outro,eleforneceum poderosoinstrumento- com argu-mentostcnicossobredefeitose virtudesde um e de outro-

    paraasfamliasdaremprosseguimentoaosprocessosjudiciais.

    i Sobre as tentativasde afeliopsicolgicapara definioda guardae ascrticasque lhessorelacionadas,cf. Brito, 1999a.

    69

  • )Ora, nota-sefreqentementequea perpetuaodo em-

    batefamiliar,viapoderjudicirio,ummododedar continui-

    dadeao trabalho"delutodaseparao,svezesatmesmodaperdado objetoamado,ou simplesmenteum meiodeman-ter o vnculocom o ex-companheiro.

    Vainer afirmaque,nesseltimo caso,"o litgio estaserviode umabuscade reencontroou aproximaodaqueleoudaquelesquenoseconformamemestarseparados"(Vainer,1999:15).Emborao casalj tenharesolvidolegalmenteo tr-

    mino da unio, continuaatado relaopor meio de aespendentesno judicirio.A cadavez que se inicia uma ao

    judicial, a parteinterpelada automaticamenteobri!\adaa seenvolvercom o ex-parceiro,dificultandoa efetivaoda rup-

    tura consagradade direito.Para agravara situao,os filhossousadoscomoins-

    trumentode vinganae constrangimento,no havendobom-sensoquefaaapeloao fim do conflito.

    certamenteimprprioindagar crianacom quemelardesejaficar, cuja decisopodeacarretar,num outro mo-

    mento,gravessentimentosdeculpaporrejeitarumdosgenitores(Brito, 1996).

    Os direitosdeopinio(art.12)edeexpressoe informa-o (art.13)da criana,estabelecidosna ConvenoInternaci-

    onaldosDireitosdaCriana,noimplicamqueeladevadeporcontra ou a favor dos pais,e sim que ela tem liberdadede

    obter informaes,emitiropiniese de se expressarsobreosassuntosquelhedigamrespeito,sobretudoo processodesepa-

    raodeseuspais.Ora, issoesta quilmetrosdedistnciadelhe incumbirumadecisojudicial.Trata-sede um errodein-

    terpretaoda lei deslocarcrianaresponsabilidadesquesocontraditriasa suacondiode sujeitoem desenvolvimento(Brito, 1996).

    Alm do mais, comuma fantasiainfantil de que os

    pais voltaroa conviverharmoniosamenteno mesmoespao

    70

    \'

    I

    -1

    I/1if

    Ij

    ,Ir

    ,I

    domstico.Embora vivendonum lar cujospaisestoinfelizes

    com o casamento,as crianasno experimentamo divrcioC01110 soluoou alvio para tal situao.Muitas preferemo

    " \

    casamentoinfelizaodivrcio.(WallersteineKelly, 1998).Des-

    semodo,pedirpara quea crianaseposicioneemrelaoaodivrciosoainbile,decertaforma,contrrioa seusinteresses.

    ,Seguindoesseraciocnio,Britoafir-ma que"acareaese consideraesso-bre o comportamentodospais tambmdevemserevitadas"(Brito, 1999a:178). e

    FranoiseDolto (1989)afirmaquea crianadeveserouvidapelojuiz, o queno pressupelhe

    impor a escolhadosgenitorese seguiro queelasugere.Escu-tara crianatemcomosignificadoo fatodeelasermembrodafamliae ter vontadede falar sobreo que sepassacom ela,assimcomotirar dvidassobretal situao.Ao final, impor-

    tantea crianasaber"que",diz Dolto, "o divrciodospaisfoireconhecidocomovlidopelajustiae que,dalipor diante,os

    paisterooutrosdireitos,masque (...) elesno soliberveisde seusdeveresde 'parentalidade'"(Dolto, 1989:26).

    Em contrapartida,segundoaindaDolto, ascrianasde-vemouvirdoJuiz algumaspalavrasa respeitode seusdeveres

    filiais,a saber,apreservaodasrelaespessoaiscomasfam-liasdeambasaslinhagens.Tal conversadeveacontecerdesde

    que o Juiz saibaconversarcom crianas,casocontrrioporumapessoaencarregadadissopor ele,nohavendoidadem-

    nimaqueno sepossaexplicara situao(Dolto, 1989).No dificil a criana'sesentirculpadapelo divrcio,

    cujaexistncia imaginadacomoum pesoparaospais(Dolto,1989). defundamentalimportnciao psiclogoatentarpara

    esseaspecto,semdeixarde acolher,ao mesmotempo,o siln-

    cio quecertascrianaspres~ntamduranteasentrevistas.Tal

    silnciono deveserpercebidonecessariamen.tecomonegati-vo, podendoser afirmadocomo um meio de a crianano

    71

  • querercompartilhardasquerelasparentaisI!emdasexign-ciasjudiciais.

    E mesIl1-

  • Guirado, ;\1.(1995) PsicanliseeAnlisedoDiscurso:matrizesinstitucionaisdosujeito

    psquico.So Paulo: Summus. )

    _____ . (1987) Psicologialnstitucional.So Paulo: EPU.

    ______ . (1986) lnstituifoerelafesafetivas:o vinculocomo abandono.SoPaulo: Summus.

    _____ . (1981) A Crianfa e a FEBEM. So Paulo: Perspectiva.

    276

    Violncia contra a criana e o adolescente

    Hebe Signorini Gonalves

    Violncia, essa ntima desconhecida

    Na sociedadecontempornea,a vivnciada violncia

    tousualecotidiana,anunciadaediscutidacomtantafreqn-cia, quesomoslevadosa crerquesabemosmuitosobreela.to comum que a experimentemos,na condiode vtimas

    diretasou deouvintesdeumoutromaisou menosntimo,queum impulsode sobrevivnciaou autopreservaonos leva a

    buscaralgummnimode informaoquenospermitaenten-

    dersualgica,aquilatarsuaextensoeavaliaro perigoqueelarepresenta,reunindorecursosparadelanosprotegermos.Nes-

    satarefa,temossidoauxiliadospelaimprensa,quea discuteexausto,e aindapelaliteraturaespecializada,quedissecasuasvriasformasde expresso,trazdadosde incidnciae levanta

    hiptesesacercadascausasqueaproduzemou dasconseqn-

    ciasquea elasesucedem.

    Essaproximidadeforadatendea anulara sensaode

    estranhamentoqueathpoucodominavaa conscinciacole-

    tiva.A indagaoqueaindapersiste aquelaquevisaa encon-

    trar 9- formade minimizaros efeitosperniciososda violncia,

    Oll osmeiosdereduzirsuaescalada,quepareceincontrolvel.Em outraspalavras,tomamoso eventoviolentocomoum malnecessrioe umacondioquaseindissocivelda vidamoder-na. Dito de outromodo,banalizamosa violncia./Faoaluso

    I

    I_." "0_-__ . ..\

    277

  • c,

    aqui expressoconsagrad'a~orHan~ahAr~t, ea tomoem

    seusentidooriginal.ParaArendt, a banalizaopodeser_i~-tendidacomoa corrup'odaconscin~iaque sesedimerltaem,pequenoshbitosdo cotidianoe condicionaa formap~Jaqual

    os indivduo~,suprimindoa capacidadede pensarcriticamen-te, se acostumame se acomodamao arbtrio, barbrie,covardiae ao cinismo.

    A essaconstataocrticade Arendt, associoumaafir-

    mao mais recenteque nos trazidapor Pierre Bourdieu(Bourdieuetal., 1999).Nascincias,e especialmentenascin-

    ciashumanas,ensinao autor, precisosuportara tensodo

    desconhecidoe/doestranhamento,poissoelesosmotoresdo

    conhecimento~banal~za,'aoanularo estranhamen~~,._refor-a a perc~polmeata,colocamaior relevOri experinciavivida.,e restringenossacapacidadede exercitara compreen-sopara almdo quenos dadoa perceberda realidadeob-

    jetiva.Como nosensinaPierreBourdieu,osfttos noftlam; elessouma evidnciada realidadeobjetivaqueo conhecimentoprecisadecifrar.

    Essa a primeirarazopelaqualquerotrataraquinoapenasdaquiloquej sesabeacercadotemadaviolnciacontra

    a criana,mastambmdasmuitaslacunase indagaesaindapresentesnessecampo.A violnciacontraa crianatemsidoexaustivamenteestudadanosltimos40anos,masumaleitura

    atentadaspesquisasrecentesmostrainterpretaesdivergentesentreosmuitosestudiosose,maisqueresponder,levantainda-

    gaesquerequereminvestigaofutura.Em suma,dispomosde fato de maisperguntasque de respostas,o que devesertomado como um convite manutenodas sensaesdeestranhamentoqueBourdieutantovaloriza.

    Alm disso,a produodessesltimos40 anosna rea

    da violnciacontraa crianaestaindalimitadaa um saber

    que,,~axonmico,Com isso,querodizerqueo saberacumu-lado ataqtii nospermiteclassificaros eventosobservveis,e

    278

    ;1

    estabelecercrrelaesentreeles.No entanto,osconceitosainda

    noforamadequadamenteestabelecidosnemasrelaesentreosdiversosfenmenossuficientementecompreendidas(Calhoun

    e ClarkJones, 1998).Em conseqncia,dispomosde poucoselementosquenospermitamcompreendera naturezadoseven-tosviolentos,tantoem termosdosmotivosqueos desencadei-

    amquantodosefeitosqueelesproduzem.Ou seja:nopossvel

    fazer refernciaa causasou conseqnciasda violncia,massomentedas'iela'csverificveisentrecertoseventOs.c,

    Essasrelaesaind;'lestosendo estudadas;cadanova

    pesquisaconstata?-~relaesnoya~quepor um lado esclare-ceme por outroproblematizmo quej sesabe.As pesquisasprovmdecamposdiversos- medicina,psicologia,assistnciasocial, cinciajurdica, antropologia... - o que coloca alm

    dissoa questoda integraodas diversasreasdo conheci-mentocujacontribuio necessria compreensodosfen-menosda violncia.

    279

  • Grandepartedostrabalhosproduzidosra readavio-lncia contraa crianasoestudosde perfil epidemiolgico.

    Quando a comunidade cientfica re~o-nneceuqu~=

  • 282

    impossvelelegerumanicadefinioparao temadoqual tratamos.A razodessadificuldade que,a rigor,o con-ceitonoestaindaestabelecido.Em trabalhorecentesobreo

    tema,Minayo (2002)afirmaquea violnciadomsticacontraa crianae o adolescentepodeserconsideradacomoumadas

    formasdemanifestaodaviolncia,caracterizadacomoaquelaque exercida contraa crianana esferaprivada.Essaformaestaria,segundoa autora,associadaa outrasmodalidadesde

    violncia,comoa vio!~l1~iaestru_t~~~:- entendidacomoaquelaqueincidesobrea condiode vida dascrianase adolescentes- e adelinqncia,caracterizadacomoa formadeviolnciaquetemcomoautorescrianasejovens transgressores.

    No entenderdeMaria CecliaMinayo,aviolnciaul1lfenmenopolissmicoe complexoquepodemanifestar-sedeformasas maisvariadas;masem vriostextosa autorasubli-

    nhaqueessasformassoconexasentresi e quena medidaem

    queserealimentammutuamentecadaumadelascontribuipara

    uma escalad

  • tratadocomoprodutode uma aoabusiva,inclusiveos aci-

    dentais,o quepodecolocara necessidadepotencialdeinterviremtodoe qualquercasoemquesejaidentificadoferimentona

    criana.A defini~.~g~!'tc!~_oficialmenteno Brasil,comove-....".~..'"""'_T' --"_ , o,', _',_,' _ " _,' " .. _ -"""-'"""0"'"

    remosa seguir,aQ9!-a,a"int~Tli~Il~l~,acI~~~ro"'rrrrioparaqualificaro atocomoviolento"~1 ' ,'), .'~ \( f ,'",

    Outro aspectocontroversodasdefiniesdiz respeitoao

    graude comprometimento,fisicoou psquico,quedecorredo

    ato.Aqui, a polmicamaisiIYl]J.9Itantepodesertraduzidana

    clebreperguntasobr: s: u~~ap~~leou no se.r,cgp,~.i,l~.r~-do comoum atodevlOlenCIa.EnquantoalgunsautoresconSl-de~;;n1que qu~T~icr'gressoao COlpOda crianadeveserdefinidae abordadacomo um ato abusivo,outrosacreditam

    que um tapae um espancamentosofenmenosdiversosnasuanatureza,e por issocadaum delesinduz aestambm

    diversasentresi.Por exemplo,EmeryeLaumann-Billings(1998)propemdistinguirentreduasformasdeviolnciaemfamlia:

    (1)a leve,ou moderada,quedesignamcomo"maus-tratosemfamlia",e (2)a grave,paraa qualreservama classificaode

    "violnciafamiliar". O primeiro tipo englobarisco ou danofisicoou sexualmnimo,enquantoqueo segundoabarcairB-rias fisicasgraves,traumaspsicolgicosprofundosou violao

    sexual.Os prprios autoresargumentamque cssadistinoenvolvecertograude arbitrariedade,mastemaltovalorope-

    racional;combasenela,osprofissionaisteriammaisseguranaparaoptarpor apoiara famliae trabalharemprol damelhoria

    das relaesentrepais e filhos,ou por afastartemporriaoudefinitivamenteda casa pais excessivamenteviolentos ouabusivos.Simonset aI. (1991)tambmj apresentarama pro-postade criar subcategoriasde violncia,conformesuagravi-dade,cadauma dasquaisabrindoum elencode alternativasde ao.

    j H aindaumadificuldadeadicionalquemereceserno-

    meada.Como veremoslogoa seguir,asdefiniesincorporam

    284

    ).

    )I

    I

    ~

    I'- I

    I

    t.J

    i

    I

    I!

    i)

    a refernciadiretaa~~~~quea violnciaproduzna criana.Ocorre que essedano s6 pode ser verificadoa posteriori, fre-

    qentementetranscorridoalgumprazoapso eventoviolento;almdissoosefeitosdaviolnciasobreo corpoou a psiqueda

    crianavariamemlargaescala,tantoemnaturezaquantoemintensidade.Camosportantonuma circularidade.Como re-sultado,terminamospor definiro atocomo"violento"antese

    independentedequalquerefeitoverificvel,o queterminage-rando problemastanto para a pesquisada violnciaquanto

    paraa proteoda criana.Em outro texto(Gonalves,1999),j citeium trabalho

    queconsiderobastanteelucidativo.Trata-sedeumestudocon-duzidonumapequenaaldeiaafricana,emquea iniciaose-xualdemeninasdecincoou seisanosdeidade feitapor seus

    irmos,paisou parentesprximos.Como fazpartederitosdeiniciaoseculares,essaprtica,novistacomoviolentanem

    produzqualquerdano s meninasa elasubmetidas.Ao con-trrio, parteimportantede suaidentidadee inserona es-truturatril;>al,e portantoseusefeitosno so danosos,mas

    benficos.Chamaramos',l issodeviolnciacontraa criana?Essasdificuldadessoprpriasdo estgiodo conheci-

    mentoproduzido,comoj vimosfortementeimpregnadodaconstataoemprica.Quero convidaro leitor a manteremmentetaisdificuldadese limitesnaleituradostpicosa seguir,

    em que passoa tratar daquiloquej se sabeno campodaviolnciacontraa criana.

    Indcios

    A importnciade reconhecera violnciaa partirde si-naise indciosderivadeumasituaosingular:todoo profissi-

    onalquesedisponhaa trahalharna readeveestarpreparado

    paralidarcomumproblemaquenosnoanunciadocomo

    285

  • I Para essahistria,consultarGonalves,1999.

    287

    por essarazo que a suspeitade violnciadevesertratadacom parcimnia,e a investigaode sua ocorrncia

    deveprescindirde qualquerposturaprviacondenatria.

    listadosabaixo;emsegundolugar,queoprofissionale~tjaatep!?para o fato de que nenhumdessessinais",indcio segurode~")quea violnciaocorreu. :"\ ."

    286

    0"1>-A/~

    ri..(.:t./\\)/l

    eventualmentepodesernegado,ou escamoteado,pelacrianaepelafamlia.A condenaomoraldaviolncia,e emparticu-lar a condenaomoralda violnciadepaiscontrafilhos,fazcomqueo atocotidianoqueimplicariscodesersubmetidoaocrivo moral sejasonegado conscinciade seuautore mais

    aindaao conhecimentodo profissionalqueo interroga.

    AmbroiseTardieu,em 1860,eHenryKempe,em1961,'relataramque apsexaminaremos corposmortosou feridosde crianasdirigiam-seaospaisparabuscarentendercomoo

    ferimentohaviasidoproduzido;asrespostasquerecebiamdospais eramcontraditriasentresi, incoerentescom o danoob-servado,esvezesclaramentefantasiosas.Issolevou-osa reco-

    mendar aos mdicosque privilegiassema ,f0dIliaJisi?; edesconfiassemdo discursodospais,quepodemocultardados,

    escondermotivaese comissocomprometera recuperaoe

    a proteoda criana.Desdeento,firmou-sea preocupao

    em identificarsinaise sintomasde modoa que o ditgl).~tif2,daviolnciapossaserestabelecidoindependente,da.expliGayo-"dos-paisou.responsv.eis._

    A literaturadisponvellistaumasriede e:feitosquefo-ram observadosemcrianasvtimasdeviolncia;essesmesmoefeitostm sido tomadoscomo indcios,e foram elevados

    categoriade sintomasquepodemauxiliaro diagnsticoretro-ativoda violncia.Ou seja:comosesabequevriascrianas

    reagiram violnciacomossintomaslistadosabaixo,o profis-sionaldevesuspeitarqueao sintomacorrespondaa mesmacau-sa,e devepor issoinvestigarsea violnciaocorreuna histriade vida passadada criana.

    Os textosqueabordamsinaiseindciosdeviolnciacontra

    a crianafazemdoisalertas:emprimeirolugar,recomendamao profissionalquesedetenhano examecuidadosoe circuns-

    tanciadodo caso,sempreque identificaros s~naise sintomas

    ",- ~

    y'

  • Conseqncias

    ...~ violnciaemfamliapodeacarretarumaenormegamade conseqncisparaa criana,e essesefeitosvriam'fisi~

  • reitosofatoresquecontribuemparareduziro danooriun-do da violncia;

    (e)docpoioquea..crianarecebepor partedosoutrossignifi-cativos,emespecialno ncleofamiliar;a reaodo ncleo

    familiar-oseventosviolentosimpactatambma criana,minimizandoou exacerbandoo efeitodo atoviolento,con-

    formea famliamantenhaa capacidadede suportara cri-

    anaousedesorganizeemrazodoseventosdosquaistomaconslcincia.

    Em suma,a rea()__da,crianadependeno s~_.clCl:c:00-.. -- ~lnciaper si mastambm,e em graride"mediaa-;'aop~oce~soque temcursoapso eventoviolente;>.

    Tipologia

    Violncia fsica

    A violnciafisicapodeserdefinidacomoatosviolentoscom

    usodajrfafisicadefirmaintencional,noacidenta~praticadaporpais,

    responsveis,familiaresoupessoasprximasdacrianfaoudoadolescente,

    como objetivodeferir, lesaroudestruira vtima,deixandoounomarcas

    evidentesemseucorpo(Brasil,2002).

    A definiointegradocumentopublicadopeloGoverno 'federal.Com basenela,somenteseroconsideradosabusivos

    os~ intencionaiscompropsitolesivoparaa criana.Des-

    -;;'rta~~epo~tantoos danosocasionadospor acicle11tes,ssim

    cOlll~_.Clqueles,cujafinalidadepodeserconsiderCl

  • Mulheres em situao de violncia domsfica:

    limites e possibilidades de enfrentamento

    Rosana Morgado

    Violncia domstica: o que ?

    A pergunta, primeiravista,podeparecersimples,masapresenta-secomo necessriapara que possamosestabelecer

    um campocomumdedilogo.Diferentessegmentosda socie-

    dade,aqui tomadaem suarepresentaopor instituiesdesade,educao,assistnciae do campojurdico, veiculamcompreensesdiversificadassobreestefenmenosocial.

    O presenteartigotempor objetivooferecersubsdiosquecontribuampara um maiorconhecimentodo fenmenoe aomesmotempopropiciemum amadurecimentoconceitualso-

    brea temtica(Morgado,200I). Elementosestesfundamentais

    parao exerccioprofissionalcompetente.~\j-lncia domsticacontraa mulherno recente.

    Trata-sedeum[enl11e}l()aI1_tig(),presente.emtoda~asclassessocii~~~111todasasociedades,dasmaisdesenvolvidassmais

    vulnerveiseconomicamente,compreendendoum conjuntoderelaessociaisquecomplexificamsuanatureza.

    Existe.t,lgJ.

  • Por estarazo, importanteenfatizarquea.violncia

    clJ1:1~sticacontraa mulher---Y-IJlJ~I1_1JleI"!osocia,lgr~qJ.letr.a.zJu~ras_.conseqnias-iisicasl~CD1gicawr3-a.s-viJ:i-

    ~~: ~amb.m.PICl:~,

  • }rentesndices,o quantoo lartem'sidoum localextremamenteperigosopara asmulheres.

    Giffin, utilizando-sede ndicesde violnciadomstica

    contraa mulherdebatidospor Heise(1994),analisadadosde

    diferentessociedades,quepermitemsubsidiarestaperspectivade anlise.A autoranostraz parao debate:

    Emborabaseadosemdefiniesvariadasdo fenmenoes-

    tudado,35 estudosde 24 pasesrevelamque entre20%(Colmbia,dadosdeumaamostranacional)e 75%(ndia,

    218homense mulheresnumestudolocal)dasmulheresjforam vtimasde violnciafisic{'ousexualdosparceiros.Em estudoscom amostrasnacionaisdosEstadosUnidos e

    Canad, 28% e 25% dasmulheres,respectivamente,re-portamqueforamvtimasdestetipo deviolncia.Em ci-dadesdos EstadosUnidos, uma entrecadaseismulheres

    grvidasj foi vtima da violnciados parceirosdurante

    gestao.De 10%a 14%detodasasmulheresnorte-alIle-ricanasdeclararamqueosmaridosasforama fazersexo

    contraa suavontade(...) (apudGiffin, 1994:146).\

    iNo quetangeviolnciafisicano Brasil,osdadosextra-dos d"'sllplementoda PesquisaNacional por Amostra de~:-'\Domiclios(PNAD) d9B8, intituladoParticipaoPoltico-

    Social- Justia e Viti~l~ao,apontamque:"Quase.doister- (,s!.;:;.".os(65,8por cento)dasvtimasdeviolnciafisicadeparentes ,.t .so mulheres,sendohomensapenas34,2 por cento" (apud"Saffioti,1997a: 48). ,/

    Quantoaoestuproemgeral,baseando-seaindaemHeise,Giffin destacaqueapartirdedadosobtidosdecentros-deaten-

    dimento.avtimasdeestuproemsetepasesmostramque" de36% a 58% dasvtimasdeestuproou tentativadeestuprotmmenosde 16anos,'J 8% a 32% tmmenosde 11 anos,'e em .'"',

    ..:--

    60% a 78% dos casos,o agressor uma pessoaconhecida". No que se refereaos EstadosUnidos, "de 27% a 62% das

    mulheressofrempelo menosum eventode abusosexual(nonecessari9:mente,estupro)antesdos 18 anos".Quanto ao Ca-

    f':J/- /' / ." ,," / '1I'\. .._/:j ~ '-....

  • nad "estima-seque 25% dasmeninassofremalgumtipo de

    abusosexualante~dos 17anos"(Giffin,1994:147).........No !3E~.s~l!J).oqueserefereviolnciasexu,al,o relatrio

    da CmissoParlamentarde Inquritodestinadoa investigara violnciacontraa mulher(CPI, 1992),cobrindocrimesco-

    metidoscontra a mulherno perodojaneiro/9l- agosto/92,afirmaexistirem"dadoscomprovandoquemaisde 50% doscasosde estuproocorremdentroda prpria famlia" (apudSaffioti, 1997a:169). \

    O impactodaviolnciadomsticacontraa mulheresua

    relaocom os diferentesaspectosno campoda sadevem,progressivamente,sendoobjetodeanlisedepesquisasepubli-caes.A ttulode exemplificara gravidadedo assunto,mere-ce destaqueum dos ndices comparativosanalisadosporDeslandesetaI..Dizemosautores:"A violnciadomsticae o

    estuproseriamasextacausadeanosdevidaperdidospormgrteou incapacidadefisicaemmulheresde 15a 44anos- maIsdoque todosos tiposde cncer,acidentesde trnsitoe guerras"'"(Deslandeset aI., 2000:130).

    A perspectivadeanlisedasrelaesdegnero,ancora-da dentreoutrosaspectosnasestatsticascitadas,conduzdife-rentes autoresa estabeleceremconexesentre a violncia

    domstica:e a dominaomasculina.

    Autoresingleses,comoDobashand Dobash,propem

    que a violnciaentremaridose esposas,sejaanalisadacomoextensoda dominaoe do controledos maridossobreas.,esposas(apudPahl, 1985:12). '

    Os dadosmundiaisdisponveissuscitama necessidade

    de retomar-sea idiadequea violnciadomstica(sejacontracrianase adolescentesou contraa mulher)expressaum con-junto de "relaesdeviolncia",quesedesenvolvema partirdeuma~'escaladadaviolncia".Tal comoobservamSaffiotieAlmeida:

    314

    As relaesde violnciasoextremamentetensase quaseinvariavelmentecaminhamparao plo negativo:a violn-cia tendea descreverumaescalada,comeandoporagres-- b1 d' fi'Z/' .3 ddsoesyeraIS,passanoparaas ISlcase OU sexuaise,8o en o

    atingi~ameaademorte4eatmesmoo ho~icdi'(Saffiotie Almeida, 1995:35). --, .'crr o, '.-

    d e-- 1'_1 -, -

    O cotidianode relaesviolentasvividasentrecnjugesna Inglaterra, tambmdiscutidopor Pahl (1985),realandoo

    fato de no seremepisdiosisolados,maspartefreqentedarelaodo casal.

    Nestadireo,considera-sefecundaa idiaretomadaporAlmeida,apartirdeautorasfeministasanglo-saxs(Mackinnon,1994;Copelon,1994),aoproblematizara violnciadomstica,

    comoum processode "terrordomstico".Segundoa autora:"passaa se configurarum quadrode terror domstico,com-preendidopor uma sriede pequenosassassinatosdiriosdamulher,formado-por cenasdeviolnciacotidianas"(Almeida,1999:12).

    Estasrelaes,contudo,sopermeadaspor sentimentosecomportamentoscontraditrios.As relaesdeviolnciacom-

    portam,ao mesmotempo,momentosde violncia,seduo,afeto,presentes,arrependimentos,dentreoutros.Ou, como

    observaAlmeida:"a misturadesteclimade afetoe arrependi-mentofavorecea criaodeumasituaopropcia tentativade resoluodo conflito no interior da relao violenta"(Almeida,1999:11).

    O depoimentoabaixomostra-seexemplarpara tal dis-cusso.De acordocoma Sra. Laura:I

    Aps a separao,'ele (o marido)a cercavatentandoo

    retorno';ela diz que emboraele tenha'mudadoda gua

    I Os depoill1entosforamextradosdecasosacompanhadospelaABRAPIA -"AssociaBrasileiraMultiprofissionaldeProteoInfnciaeAdolescn-cia" utilizadoscomofonte paraa realizaoda pesquisade doutoramento.Todos os nomesso fictcios.

    315

  • parao vinho',noconfiamaisnele,'nempensoemrea-tar'.'Noconsigoaceitaro queelefezcomnossafilha'.(Elehaviaperpetradoabusosexualincestuoso)Eleaame-aavamuito,'mandavabilhetesamorosos,presentesefa-lavabaixo'.(...) Cornportamentosquesealternavam'commuitasameaas'

    O comportamento,quealternaafetoeviolncias,nutre-se,dentreoutrosfatores,dossentimentosdeambivalnciavivi-

    dospor estasmulheres.Apesarde referirem-ses inmerasefreqentesviolnciasquemarcamsuasrelaes,muitasdelas

    afirmamamarseuscompanheiros/agressores.So exemplosdestaambivalncia:"eu gostavae no

    gostavadele,quandoelemetratavabemeuesqueciao queelefazia de mal pra mim"; "eu era apaixonadapor ele,masnogostavadele na cama,pois as relaeseramforadas";"euestavacegaporquegostavadele"'-

    A perspectivaaquiadotadasitua-sena compreensodequeosprocessossociaiscomportame engendram,simultanea-mente,limitese possibilidadesdetransformao.

    Nestesentido,compreenderashistriasdeviolnciadestas

    n1Ulherescomo decorrentesexclusivamentede sua inserosubordinada,no atualordenamentodasrelaesdegnero,se

    por um lado asretirada condiodec.l!!rClda~,pode,por ou-o tro, sit.u.-l.asnaposiode "vtimasdascircunst~ncias".Julga-

    se que estapostura tambmpreocupante,pois revelauma,~sode determinaoda estruturasobreossujeitos,queaca-

    ba'por n~-c~~s2~:-l.~s~~I!l0capazesdeconstruirp9~slbilidaJd~,.Q~cf.pfLsntaI?}~Q~oe r:upturadet

  • No momentoda queixa,a atriz desempenhaum papel,que a vitimiza.Vitimizar-sesignificaperceber-seexclusi-vamenteenquantoobjetoda ao,no casoviolncia,do

    outro.Istonoquerdizerquea mulher,enquantosujeito,sejapassivaou no-sujeito(...). Os homensdispensamamulheresum tratamentode rto-sujeitoe, muitasvezes,~"'...,,-,~,,..,,,y-~..,...~~asrepresentaesqueasmulherestmdesimesmascami-

    nhamnestadireo(...) (Saffioti,1997b:70).

    Esta"atuao"parecesedesenvolvervisandoobtermaior

    solidariedadesociale amparojurdico para a suadenncia.

    319

    dt>-atrz.Escrevea autora:

    A perspectivade anlisedasrelaesde gnero,emin-terlocuocom outroscamposdo conhecimento,temcontri-

    budoparadesvendarosdiferentesmecanismosdelegitimaosocialquerespaldame promovema violnciadomsticacon-

    tra a mulher,bemcomocontracrianase adolescentes.

    A longatrajetriahistricadelegitimaosocialda vio-

    lnciadomsticacontramulheres,facea um perodomenor

    derepdioa estaviolncia, identificadapor Pahl (1985)tam-bmna sociedadeinglesa.Paraa autora,a lei inglesa,queato sculoXIX permitiaaomaridobateremsuamulher,refleteo quantoasestruturashierrquicasepatriarcaisna famliasosustentadaspelasleis.

    Considera-seo casoabaixocomo ilustrativodo ainda

    atualordenamentodasrelaesde gneroque,comportandoum processode "permannciase mudanas",reatualizao va-

    lor da funode me, sobrepondo-oaos direitosda cidadmulher.

    Em Belo Horizonte,em 1980,houveo julgamentodeum"maridopelo assassinatode suaex-esposaalegando,como

    legifimao social e respaldo jurdico

    " ," ~ ; .i.I

    ../\".{~t",

    318

    Pahl (1985:11),ao realizarentrevistascom 42 mulheres

    inglesasvtimasdeviolnciadomsticaquehaviamprocuradoum abrigo,tambmidentificaque,emalgunscasos,eramelas

    que supriammaterialmentea famlia.Em um dosdepoimen-tos,Suzydescrevequeseumaridoficouaproximadamentedois

    ou trsanossemtrabalhar,no olhavaas crianas,jogavaacinzano choda casae exigiaqueelafizessexcarase xcaras

    de caf,paraservira ele.Relembraaindaqueum dia,grvidadeseismeses,pediua elequeesperasseparareceberumaxca-ra deche quedistoresultouquebatessenela,sendonecess-rio serlevadaao hospitalpor umaambulncia.

    O depoimentoacima,tomadocomo exemplo,oferece

    os subsdiosnecessrios posiode Duque-Anazola(1997).Segundoa autora,devemservirde exemploos depoimentosde mulheresquemesmoexercendoatividadesremuneradas,esendoaomenosemparteresponsveispelarendafamiliar,"sub-

    metem-se autoridademasculina,mesmoquandofaltaa estao argumentodaprovisodo sustento"(Duque-Anazola,1997:397).

    Ao aceitarmosa imediaticidadedo argumentoeconmi-

    co comojustificativada manutenoda relao,trazidoporvezespelasprpriasmulheresenvolvidas,desprezamosaspos-sibilidadesde analisara complexidadede seussentimentoseatitudes,bem como suaspossibilidadese limitesde enfrenta-mento.

    Nestadireopercebe-sequerotineiramente,no trans-

    correrdosanos,um dossentimentosmaisdilapidadosaolongoda vida destasmulheresfoi suaauto-estima.

    A pesquisarealizadapor Deslandesno CRAMI/Campi-

    nasdestacaque"nosseusrelatos,termo~comotrapos,cacoelixo foramempregadosparaseautodesignaremnosmomentosde crisepessoale familiar"(Deslandes,1993:73).----... A mulherpassa,assim,a1~f-=representar-s~

    {m~~,.~ncena,naquelemomento,comoobservaSaffioti,o papel

  • motivodo crime,queelaia a bailesque "mulhereshonestas"nodeviamfreqentar;a foi penafixadaem 1anoe 8 meses,sendoconcedidoaoruo direitodesursis.Conheamosa sen-tenadoJuiz:

    O ruprimrioetembonsantecedentes.O graudeculpanofoigrave.A motivaodocrimefoio rutersupostoqueestavapraticandoumcrimeemdefesadeseular.Ascircunstnciasdocrimenorevelamnenhumacrueldade

    ou perversidadepor partedo ru.As conseqnciasdojtodelituosoJramjtaisparaa vtimacausando-lhemorte.O crimeteve

    pequenarepercussosocial(ArdailloneDebert,1987:63,grifonosso).

    Mediante a apelao,houveum novojulgamento,noqual o ru foi condenadoa 2 anose 8 mesesde priso.Deacordocoma novasentena,"(...) suasconseqncias(docri-me)foramgraves,portantoredundaramna mortedeumajo-vem me de dois filhos de tenra idade, ainda inteiramente

    dependentesde suaproteo"(Ardaillone Debert, 1987:63).

    A indagaoa ser feita,quej encontrarespostanasduassentenasacima,incidesobreo valoratribudo vidade

    umamulher(ouda mulher).Na primeira,nenhumvalor,poismesmoestandoo homemseparado,considerou-selegtimoque"seu" lar fosse'"defendido"atravsde um homicdio.Na se-

    gundasentena,o nicomritoquepossuaestamulher,paracontinuarviva,erao de sermede crianaspequenas.

    A culpabilizaodamulherpelofracassoemassumircomperfeioastarefasdo lar,por umaeducaoquenoproduza ifilhos,bemajustadosou pelaintranqilidadedo marido,man-tm-secom "permannciase mudanas"como uma marca

    histrica,atosdiasde hoje.Estaresponsabilidade,atribuda

    aindaquasequede formaexclusiva mulher,constitui-seemum dossustentculosparasuacillpabilizaopelanorupturade uma relaode violnCia,sejacontraela ou contrasuasfilhas.

    320

    Mesmo nassociedadeseuropias,tal posturamostra-se

    aindapresente.Os profissionaisdo "The London Rape CrisisCentre" (1999),um centrode atendimentoparamulheresvti-masdeviolncia'sexual,afirmamquetalresponsabilidadedeveequiparar-se detodososadultosquecuidamdecrianas.Porestarazo,enfatizamque,quandouma menina vtima deabusosexual,o principalresponsvelpor talviolncia aqueleque a cometeu.

    A reatualizaodaperspectivadamulhercomopilardesustentaomoral e afetivada famliaconduzdiferentesseg-

    mentossociais,aindaatualmente,a formularperguntasalta-menteculpabilizadoras,taiscomo: "por que vocmantma

    relaoviolenta?"; " por que voc no se separouantes?"(Almeida,1999:12).Um provrbio freqentementedifundi-do quando se torna pblicaa violnciadomsticacontraamulher:"Fulana... Ah! Fulana mulherde malandro...".

    Neste sentido,concorda-secom Almeida de que so"desconsideradososmecanismosexistentes,emnossasocieda-

    de,queinviabilizama sadada relaoviolenta,permanecen-do em evidnciasomenteo denominadofracassoda mulher

    para levara caboo processoderuptura"(Almeida,1999:12).A Lei 9.099/95vemsendoobjetode intensosdebates

    entreestudiosose gruposdeintervenofrenteao fenmeno.No seduvidada importnciae significadosdosJuizados Es-peciais.Como enfatizaMusumeci(2000)paraconferiragilida-de aos processosjudiciais,desafogarema justia tradicional,despenalizarempequenosdelitose acelerarema resoluodedisputasem torno de interessesespecficos.'Para a autora,"o

    problemasurgequandose tratados crimescontraa pessoa,

    mesr~lOquandoconsideradospela lei como menosofensivos.CQT:110calcular o preo de um, dois ou trs hematomas?"

    (MusumecZOOO:2).\ContinuaMusumeci:

    321

  • 322

    Ao desconsiderara complexidadedofenmeno,diferen-

    tessegmentosda sociedadetm,comoexpectativa/exigncia,

    oacusado(nassituaesdeviolnciadomstica) convo-cadopara comparecera umJECRIM - Juizado EspecialCriminal, ondepoderefetuaruma composiocivil (re-paraodedanoscomo consentimentodavitima)ouuma

    transaopenal (casoseja frustradaa composiocivil).De ummodogerala transaopenalresultaempagamen-to de multa,ou de umaou maiscestasbsicasa umains-

    tituioassistencial,conformeo delitoe o poder,aquisitivodo acusado.Em nenhumdosdoiscasoso agressorperdeaprimariedade.Ileso,elerecebe,indiretamente,a informa-

    o de que o preoda violncia baixo.N-.~~~~_,;~,espancara mul~~r.A sociedade,por sua vez, recebeamensagemIe"quea violnciapodesernegociada.Comoum bemdanificado,ela conversvelem valormonetrio

    ou emespcie.Ao fim dessepercurso,a vitimacompreen-de,entodeformaoblquaedolorosa,quenovaleapenapedir ajuda(Musumeci,2000:2).

    O dilemapode ser assimresumido:"como evitarqueum instrumentoinovador,comoosJuizadosEspeciais,venhaacontribuirpara a banalizaoda violnciadomstica,endos-

    sando, subrepticiamentea desqualificaodas mulheresagredidas?"(Musumeci,200:3).

    Importantevitriafoi obtidaem2002.A aprovaodaLei 10.455/02,quemodificao pargrafonicoda Lei 9.099/95,prevqueojuiz possadeterminaro afastamentodoagressordo lar ou localde convivnciacoma vtima.

    Sabemos,contudo,queasleisoferecemrespaldosefo-

    rem acionadasparaa intervenoqualificadadeprofissionais,como forma efetiva de oferecersuporte e desenvolvereminstitucionalmenteestratgiasqueenfrentemo fenmeno.

    323

    a rupturaimediatadarelao,sejadiantedaviolnciadoms-ticacontraaprpriamulher,sejadiantedo abusosexualinces-tuoso.O no-rompimentoimediatodarelaotematuadocomo

    um dosprincipaisalicercesparaqueestasmulheressejamcon-sideradas/denominadas de passivas ou cmplices da(s)relao(es)de violncia(s).

    SaffiotieAlmeida(1995),ao analisaremdiversosproces-

    sosdedennciasrealizadaspor mulheresquesofreramvioln-

    cia domstica,identificarama existnciade uma posturad~enfrentamentodasviolnciassofridas,e no de passividade.

    Em umdoscasosanalisadospelasautoras,dianteda"in-

    terrupodo fluxo do numerriopara suprir as necessidadesalimentaresda famlia",Lusa inventou"uma novaformade

    enfrentaro maridona questoda faltaabsolutade dinheiro".Diz Lusa:"Primeiro,eudeixeiacabartudo.Acaboutudo,no

    tinha mais nada.A, ele veio para comer,botei o prato, as

    travessastodasna mesa,vazias".Com basenos depoimentosde Lusa,Saffiotie Almeidareafirmamsuaperspectivadeque"embora Lusa se submetesseao poder discricionariamente

    exercidopor seumarido,suavontadenodeixavadetentar-seafirmar,vezpor outra." (Saffiotie Almeida, 1995:91).

    Em uma outra entrevistaconcedidas autoras,Tnia

    rememorousuasdificuldadesem concluir a dissertaode

    Mestrado,poisseumaridono a "ajudavacom astarefasdo-msticas".Por estarazo,quandofoi a vezde elerealizarsuadissertao,ela tambmno o ajudou,ficando"o dia inteiro

    em casa,depernaparacima,lendoAgathaChristie"(Saffiotie Almeida, 1998:134).

    Neste sentido,Saffioti e Almeida afirmam que "esta

    mulherno combatiaa gramticasexualhegemnicaapenas

    do pontode vistada oratria.Instituaprticasfeministasem

    suarelaoamorosa,at~alizandouma novagramticade g-nero". (Saffiotie Almeida, 1995:134).

    /...-/''.."..--Estratgias de enfrentamento: limites e possibilidades

  • A discussosobreas.possibilidadese limitesquetmasmulherespara enfrentareme/ou romperemrelaesde vio-

    lnciaconstitui-seem um campoprenhede debates.

    H trsPrulcipaistendnciasdeanlisesobreaparticipaodamulhernasrelaeSdevio-~lncia.A primeiraassenta-senapercepodequeoshomensviolentossoa1gozeseasmu-,Iheres,asvtimas.Umasegunda:tendnciaconsideraqueasmulheresnsovtimaspassivas;narelaodeviolncia.A terceiraconsideraqueasmulheresnosopassivas,nemsecom-,portampassivamentediantedasviolnciassofridas,maspodemconstruir,individualecoleti-:vamente,estratgiasderupturadascondiesdedominaovigentes. '

    Identificam-se,na literatura,trsprincipaistendncias

    de anlisesobrea participaoda mulhernasrelaesdevio-lncia.A primeiraassenta-senapercepode queoshomensviolentosso algozeseas mulheres,subordinadaspelasrela-

    esde dominaode gnero,asvtimas.Estaperspectivaan-corou-se,principalmente,naformulaodeChau (1985)sobrea violncia.Escrevea autora:

    Entenderemospor violnciaumarealizaodeterminadadasrelaesdefora,tantoemtermosdeclassessociaisquantoemtermosderelaesinterpessoais.(...) Em pri-meirolugar,comoconversodeumadiferenaedeumaassimetrianumarelaohierrquicadedesigualdadecomfinsdedominao.Isto,a conversodosdiferentesemdesiguaisea desigualdadeemrelaoentresuperiore in-ferior.Emsegundolugar,comoaaodeumserhumanonocomosujeito,mascomoumacoisa.Estasecaracteri-zapelainrcia,pelapassividadeepelosilncio,demodoque,quandoaatividadeeafaladeoutremsoimpedidasouanuladas,hviolncia(Chau,1985:35).

    A perspectivaacima,elaboradaemummomentodefor-

    tesconfrontose de dennciada opressoe violnciamasculi-na, por um lado ofereceu inequvoca contribuio para

    romper-secom o muro de conivnciasquecercavao segredoda violnciadomstica.Possibilitouaindadesnudaro processo

    de transformaodas diferenasem desigualdadese seuusoparaefeitosdedominao.Contudo,acaboupor favoreceruma

    anlise"vitimista"emrelaomulher,contribuindoparaque

    314

    c

    lllumeras mulheres vtimas de violncia domstica ainternalizassem.

    Considera-seque estaconcepoteve,c?mo principalbase de sustentao,o fato de terem sido as Dek~~i

  • Saffioti,em um artigoposterior,reafirmasuapostura.Escrevea autora:

    Mesmoquandopermanecemnarelaopor dcadas,asmulheresreagemviolncia,variandomuitoasestratgi-as.A compreensodessefenmenoimportante,porquantohquemasconsidereno-sujeitose,porviadeconseqn-cia,passivas.(...)Mulheresemgeral,eespecialmentequandoSLvftimasdeviolncia;recebem.trat(l!"!2.~E_~qqe.no-sujei-tos.Isto,todavia, diferente.deser.Ilo-sujej.t~.(~~fIi.()~v1999:85).

    No que tange concepopropostapor Gregori,queimplica em cumplicidadeentrehomense mulheres,Saffioti

    contesta-aveementemente.Segundoa autora,afirmarqueno

    ,h objetos,apenassujeitos,"nosignificadizerqueasmulhc'-",

    :iessejamcmplicesde seusagressores(...) Para quepudessemI !sercmplices,dar seuconsentimentos/agressesmasculinas, ! \precisariamdesfrutardeigualpoderqueoshomens(...)" (Saffioti, I I1999:86). ~

    Saffiotiao refletirsobrea possvelcumplicidadedamu-lher na violnciadomsticaafirmaque:

    Estadiscusso,entretanto,noautorizaninguma con-cluirpelacumplicidadedamulhercomaviolnciadeg-nero.Dadaaorganizaosocialdegnero,deacordocomaqualohomemt.empod(':rEraticamentedevidaoumorte,... --.....------.--. ---- .' .' .-,sobrea mulher{aimpunidadedeespancadoresehomici-dasrevelaisto)'noplanodejacto, a mulher,aofime aocabo,vtima,namedidaemquedesfrutadeparcelasdepodermuitomenoresparamudarasituao.(...) Parapo-dersercmplicedohomem,amulherteriadesesituarno

    mesmopatamarqueseuparceirona estruturadepoder(Saffioti,1997b:71,grifonooriginal).

    Nestadireoconsidera-sequea distinoentrecedere

    consentiroferecepotencialheursticodecompreensodossen-

    timentos,limitese possibilidadesdasmulheresemsituaodeviolnciadomstica.

    326

    Com basena anliseda histriado estupro,Vigarello(1998)propequesediscuta,nosdiasatuais,sobreo consenti-

    mentodadoou nopelamulherno momentodo estupro.Emsuaperspectiva,"o julgamentodo estupro.IliobiJjz.ainterro-

    g:~~.~~obreo p().~rcons~ntiIJ1entoda vtima;la,anisedesuasdeciseslde suavontadee' ~esuaautonom.ia":Enfatiza

    J -' .' --'- 0.0.' _ ~._~

    -aindaque "osjuizesclssicoss ac~edltamn queixade umamulher_ns,e.todosos sinais fisicos,:bs objetosquebrados,os

    fe~~~tosvisveis,ostestemunhosc6ncordantesconfirmamsuasdecTa~'es"(Vigarello,1998:9).

    ---- A relevnciadestadiscussoparao casobrasileiropode

    serexemplificadaatravsdo depoimentodeumpolicial,regis-tradoem 1991pelo Centrode DefesadosDireitosdaMulher

    deMinas Gerais,quefoi incorporadoaorelatriodoAmericas

    Watch (1992:56).Diz o policial: "

    Ningumconsegueabriraspernasbemfechadasdeuma'mulher,a noserqueelasejaameaadacomumaarmaoutemapelaprpriavida.A maioriadoscasosaconteceporquea mulherdeixa,porqueelaquer.Depoissearre-pendee vemdar umadevtima,vemregistrarqueixa.Muitasmulherescriamcondiesfavorveisaocrime.

    SaffiotieAlmeida,baseando-seemMathieu(1985),ana-lisama diferenaexistenteentreconsentire ceder.Dizem asautoras:

    Efetivamente,h umadiferenaqualitativaentreocon-sentimentoeacesso.O primeiroconceitoestvinculadoidiadecontratoepresumequeambasaspartessesitu-emnomesmopatamardepoder.Ou seja,spodemcon-sentirem algo ou estabelecerum contratopessoassocialmenteigu~is.(...) A falocraciaadmitea imaturidadedacriana.O problemaresidenamulheradulta.Estaconsideradacapazdediscernirentreoquelheconvmeoquelhedesagrada/prejudica.Masa considerao feita~apenasemtermosdeidadeeemtermosdeigualdadefor-malentrehomensemulheres.Nuncasepecomclareza

    327

    "

  • a inferioridadesocialda mulherfrenteao homem.Assim,

    a mulheradulta capazde consentir.A rigor, contudo,oconsentimentolhe escapa,s lhe restandoa cesso.~a.._-

    cedeaosdesejos.99.~~ri

  • oferecesubsdiosparadepreender-sesobrequebasesseconsti-tuiro aspropostasda autora,elaprpriavtimade violnciadomstica.

    Em nossaperspectiva,qualificarumhomemperpetradorde violncia como um homem difcil, revela um modo de

    relativizarasviolnciaspor elecometidas,contribuindoparaabanalizaodo fenmeno.

    A entrevistadeCludia,concedida revistaMana,Ma-

    na (1999:7)podesertomadacomoexemplar,para a discus-so:

    Minha histria complicadae simplesao mesmotempo,pois eu fui tentandoagentar,por achar que issoerasumafasedele. um grandeerroda mulheracharquevaimodificarum homemviolento;quantomaiselafica,maisela d forasparaa brutalidadedele.Eu me lembrodeleesmurrandoa minhacabea.(00') Eu estavatotalmentesobo controledele,eunofaziaabsolutamentenada,euesta-

    va em pnico.Eu no podia trabalhardireito, tinhaquevoltar cedopara casa.(00') Ele fazendoo que fazia e eupedindo:por favor,tenhacalma.(00') Ele quebravaasmi-nhas coisas,cortavaminhascalcinhas,os meusvestidos.

    Eu s conseguisair dessarelaoquando, de fato, noagentavamais,quandono conseguiame mexermais,quandonoconseguiasarardeumaviolncia,porquesem-pre vinha outra. Eu acho que as mulheresficam muito

    tempoacreditandoquea violnciado companheiroape-nasumafaseruim quevai passar.

    Rocha-Coutinho,sinalizandopara contradiesainda

    present.es.....n...a,.fo...rma.od.aidentida.de.d,/,.mulher,e..nfa...tiz~..qUe~,e_ssi

  • Esta dimensoda violnciadomsticapossibilitaa dis-cussode outroaspectoa ela diretamenteassociado:o senti---

    mento_de-posse~c;loh9Ql_~m/maridoque,ao seratingidopela- ' ....... - .~-,--.~"- _...;-'ruptura,busca.a recomposi''d~!~la();:q,:~lg~~E~Psto.

    "Dormindocomo inimg",umaproduonorte-ame-ricanade 1991,retratao longoe incansvelpercursodo ho-

    mem/marido em buscade sua mulherque, para escaparviolnciadomstica,haviaforjadoa prpria morte,mudadode cidadee assumidouma novaidentidade.Embora setrate

    de umafico,o filmeretratainmerosaspectosda trajetriade mulherese homensreais.

    Este comportamentodos homens/maridos tambmpercebidopor HagueeMaIos (1999),na sociedadeinglesa.Deacordo com estesautores,os perpetradoresde violnciado-msticano medemesforosna procura de suasparceiras.Realamaindaapossibilidadedegravesconseqncias,quan-do elesasencontram.

    Nestadireo,valeapenalembraro assassinatodeElianedeGarmmont.Eliane,no finaldo anode 1979,concedeuuma

    entrevistapara a RevistaNova, na qual relatouos inmerosepisdiosde violnciaque,ao longodostrezeanosde convi-vncia,marcaramseurelacionamentocom Lindomar. Rela-tou, tambm,como vinha buscandoreconstruir sua vida,

    vislumbrandoa possibilidadede gravar(na pocaum disco),no anoseguinte.Na entrevista,aindachegoua afirmar:"[Ele]

    T percebendoque estme perdendo... dissoque eleest

    com medo...novopapo,faz quatrodias,querover quebichod. T bem maisamvel...Euachoque ele t sendosincero.

    No tenhomaismedodele.Dele me matar?No. Hoje soumuitomaisespertado queantes..." Em 30 de abril de 1980,

    Lindomar Cabral, mais conhecidopelo nome artsticodeLndomar Castilho,separadode Elianeh trsmeses,assassi-

    nou-aemumBar-Caf,comum revlvercombalasparatiros

    332

    de preciso,compradopor elefaziapoucotempo(ArdailloneDebert, 1987:65-68).

    O debateacimacorroboraa anlisede Saffiotiquandoobservaque,em se'tratandodo chamadoespaoprivado dolar, estabelecem-se"um territriofisicoe um territriosimb-

    lico, nos quaiso homemdetmpraticamentedomnio total"(Saffioti,1997b:46).

    O sentimentodepropriedade,a impunidadee a ausn-cia de polticaspblicasatuam,dentreoutros,como alicercesde manutenodestaviolncia.

    No que se referes condiesconcretasde apoio smulheres/mesbrasileirasquebuscamauxliopararomperemcomo ciclodeviolncia,umaperguntapodeserfeita:a quemrecorrer?

    De fato,a violnciadomstica,sejacontraamulher,sejacontracrianase adolescentes,aindano atingiuum "status"

    capazde desencadeara estruturaode polticaspblicasquea enfrentem.Isto sedevenos sparticularidadesquemar-camo fenmeno,mastambm formacomoo Estadobrasi-

    leirovemenfrentandotodaa problemticasocial.Percebe-se,

    de formamaiscontundente,osreflexosda polticaeconmicaimplementadaespecialmentenosltimosoitoanos.O desman-telamentodedireitossocialmenteadquiridos,a dilapidaodo

    patrimniopblicoe aprogressivaretirada,por partedo Esta-

    do,do financiamentodeprogramaspblicos,exemplificamesteprocesso.

    No queserefereespecificamente violnciadomstica,

    ressaltaSaffioti (1999:90), "atualmente,h menos de uma

    dezenade abrigosparavtimasdeviolnciaem todo o pas,oque , no mnimo,ridculo".

    Em nossaperspectiva,corroborandoa anlisedesenvol-

    vidapor Almeida(1998),a ausnciado Estadona formulao

    e implementaode polticaspblicaspara o enfrentamentodefenmenossociais,dentreelesaviolnciadomstica,consti-

    333

  • II

    tui-sena escolhadeumamodalidadedegesto,pois"asestra-tgiasdeintervenoimplementadasnestembitofavorecero

    a (ou destruiroa possibilidade)construode espaosespec-ficosde sociabilidadese desubjetividades"(Almeida,1998:7).

    A impunidadepara os crimescometidoscontramulhe-

    resrevelaumaoutradimensoda formadegestodo Estadosobreo fenmeno.Dados contidosno relatriodo Americas

    Watch (1992:60)oferecemsubsdiosao debate"(...) fios mais'-..,---=------de2.000crimesdeviolnciacontraa mulher,incluindoQ,..esm-

    ",- "-....._" ........ a._"- .----.---._ _. _ .. ----

    ( pro, igistradosn-lIEgac:a'oRiode_Janeiroem 1990,ne~-------."'-'='~,----~'".,~-~

    nhumresultounapuniodo acusado:':~~~~I}g,_JY:f~!:,,~].9?odetodosos c.s():;registradQLgLylOlQ-!i,c;p~tramulheresn(),_. _.-Brasil acont~~emdentrode,casa.Dessescasos,~~---~6-;:;~;~estatisticamenteinsignificanteresultana puniodo acusado".

    Na perspectivadeSaffiotieAlmeida,a impunidadepodeserassimanalisada"(...) a organizaosocialdegnerotornaa

    sociedadeextremamentecomplacentenojulgamentomoraldoscrimes cometidospor homenscontra mulheres"(SaffiotieAlmeida, 1995:100).

    As dificuldadesconcretas,enfrentadaspelasmulheresaobuscaremajudapararomperema relaodeviolnciasotam-

    bmpercebidasnasrelaesdeconsanginidadetornando,para

    elas,extremamentedificultosoconseguiralgumtipo de ajudana prpria famlia.

    O depoimentodeumadasmulheresda CasaViva Ma-ria, dePortoAlegre,reafirmaasimensasdificuldadesenfrenta-

    dasnestabuscade ajuda.Diz ela:

    Todavezqueeuprocuravaajudatodomundomeviravaascostas.Porissoqueeudeixeichegaraopontoqueche-gou,queelefizesseo queelefezcomigo.O mundotinhaacabado,eunoiavivermais,minhavidanotinhamaisvalor,eunotinhamaisfora.Eu nosabiasevaliaapenacontinuaroumematar.Eu noconseguimeencon-trarainda,mastenhoumobjetivo:voltarparaminhacasa,criarminhafilha(Menegheletal.,2000:752).

    334

    Esteprocessotambmidentificadopor Pahl (1985),nasociedadeinglesa.A autorachamaatenoparao fatode queasmulheresbuscam,emum primeiromomento,apoiona fa-

    mlia(especialmentemeseirms)e emrelaesprximases

    quando estaajuda informalse mostrainadequada que osserviosde apoiosoprocurados.

    Neste sentido, a discussosobre o empoderamento

    ("empowennent")parececonstituir-seem um caminhotambmfecundoparasubsidiara formulaodepropostaspoltico-pro-fissionais,deslocandodo campoindividuala exclusividadeda

    construodeestratgiasdeenfrentamentoe rupturadasrela-esde violncia.

    Arilha ressaltaque,emborano setenhaacercadesteconceitoumacompreensouniforme,eletemhojecomoprin-

    cipaisobjetivos:

    o desafio dominaomasculinae subordinaofemini-na,a transformaodasestruturaseinstituiesquerefor-am e perpetuamas discriminaesde gneroe adesigualdadessociais,epossibilitarqueasmulherespobres[nos]tenhamacessoecontrolea seusrecursosmateri-aise de informaes. sempremotivadoou acelerado,pelaspressesexternasqueocorrematravsdemovimen-tosdepessoas,grupos,ouinstituiesquetentampromo-vermudanasdepercepoedeconscincia.No casodasmulheresistoimplicanecessariamenteadquirirconscin-ciadegnero(Arilha,1995:1I).

    Ao realarascontradiesqueenvolvemesteprocesso,

    a autoraenfatizaaindaque:

    o processodeempowermentno linear,noaconteceporetapas,masaocontdrio,umprocessoqueseconstrideformaespiral,resultantedeumainteraocrticae cons-tantedasmulherescomsuascondiessociais,econmi-cas,suasconcepesreligiosas,as condieslegaiseestruturaisdesuassociedades(Arilha,1995:11).

    335

  • o investimentocontinuado,realizadoatravsde servi-os de apoio de qualidade,por exemplo,pode fortalecernasmulheres um sentimentoque julgamos fundamentalparaaliceraro enfrentamento,com vistas ruptura,dasrelaesde violncia:a auto-estima.

    Este sentimento,se tratadocomo um processoque se

    articulaaosdemaisaspectosrelacionadosaofenmeno,apare-

    ce comouma"aquisiolenta,paciente,disciplinadae cotidi-ana. Uma construodeliberadae trabalhosa"(Meneghelet

    al., 2000:752).A importnciada reconstruodestesentimentonos

    trazidapelo depoimentode uma dasmulheresabrigadasnaCasaViva Maria, em Porto Alegre:

    A auto-estimacomeacom um emprego.Da tu te ani-ma... Faz a genteenxergaroutrascoisas,novosvalores,umapotencialidademuitogrande.A gentevai descobrin-

    do ecolocandoemprtica.Esseexerccio dirio.De in-cio dificil, muito dificil. A gente descobre umapotencialidadegrandenagente(MenegheletaI.,2000:752).

    Referncias bibliogrficas

    ALMEIDA, S. S. Femicdio:As algemas(in)visWeisdopblico-privado.Rio deJaneiro,Revinter: 1998.

    _______ . "Efeitosdevastadores".In: lv/aria,lHaria. Braslia:UNIFEM,1999.

    AMERICAS WATCH. Injustia Criminal: a Violnciacontraa mulherno Brasil.EUA: Human Rights Watch, 1992.

    ARDAILLON, D. e DEBERT, G. Quandoa vtimamulher:Anlisedejulgamentosdecrimesdeestupro,espancamentoe homicdio.Braslia:Ministrio daJustialCNDM,1987.

    ARILHA, M. "Contracepo,empowermente entiltlement":Um cruzamentonecessriona vida dasmulheres.In: BERQUE, E. (org.)Riflexessobregneroefecundidadeno Brasil. So Paulo: Carlos Chagas,1995.

    336

    ASSIS, S. "O percursoda violnciana histriaocidental:Inranciae sade".In: Histria Social das Idias. Horizontes.BraganaPaulista:UniversidadeSo Francisco,v.17, 1999.

    BELOTTI, E.. Educarpara submiso.5" ed. Petropolis:Vozes, 1985.

    BOULDING, E. "Las mujeresy Ia violenciasocial". In: La Violenciay susGusas.Paris:UNESCO, 198!.

    BRANDO, E. 'Violncia conjugale o recursofeminino polcia" . In:BRUSCHINI, C.e HOLLANDA, H.B.(org.)HorizontesPlurais:Novosestudos

    degnerono Brasil. So Paulo: FundaoCarlos Chagas,1998.

    CHAU, tvI."Participandodo debatesobremulhereviolncia".In: PerspectivasAntropolgicasda Mulher, vol. 4, Rio deJaneiro: Zahar, 1985.

    CROMBERG, R. " A cena incestuosa:O problemada \~timizao".In:BRUSCHINI, C. e SORJ, B.(org.)NovosOlhares:MulhereserelaesdeGnerono Brasil. So Paulo: lVIarcoZero: FundaoCarlos Chagas,1994.

    DEL PRIORI, M. (org.)Histrias das mulheresno Brasil. 2" ed. So Paulo:Contexto,1997.

    DESU\NDES, S. "Maus-TratosnaInfncia:umdesafioparao sistemapblicodesade.Anliseda atuaodo CRAMI - Campinas".Rio deJaneiro:ENSP, 1993(Dissertaode Mestrado).

    DESLANDES, S. Prevenira Violncia:Um desafiopara osproflSsionaisdesade.

    Rio deJaneiro: CLAVES Jorge Carelli, 1997.

    DUQUE-ARRAZOLA, L. S. "O cotidianosexuadode meninose meninasem situaode pobreza". In: MADElRA,F.R.(org.) Quemmandounascermulher.Rio deJaneiro: Rosa dosTempos/UNICEF, 1997.

    GIFFIN, K. "Violncia de Gnero, Sexualidadee Sade". In: CadernosdeSadePblica. Rio deJaneiro. 10(sup.I): 146-155,1994.

    GONALVES, H. S.,FERRE IRA, A. L. eMARQUES, M.]. V. "Avaliaodeserviodeatenoacrianasvtimasdevolnciadomstica".In: Ra-istadeSadePblica. Rio deJaneiro. 33(6):547-53,1999.

    GORDON, L. Heroesoftheir on lives- thepoliticsqfhistoryqfjmi{yviolence.NewYork: PenguinBooks, 1989.

    GREGORI, M. "Cenase queixas".In: NovosEstudosCebrap.N 23.SoPaulo,1989.

    ______ . "As desventurasdo vitimismo".In: Estudosfeministas.Vol.l,n I. Rio deJaneiro: CIEC/ECO/UFRJ, 1993.

    ______ . "Estudos de gnero no Brasil: comentriocritico". ln:MICELI, S. (Org.) O queler na cinciasocialbrasileira(1970 - 1995).SoPaulo: Sumar:ANPOCS: Braslia,DF: CAPES, 1999.

    GUERRA,V. ViolnciadePais contrafilhos:procuram-sevtimas.SoPaulo:Cortez,1985.

    337

  • HAGUE, G. e MALOS, E. "HomelessChildren and DomesticViolence".

    ln: VOSTANIS, P. e CUMELLA, S. (org.)HomelessChildren:problemsandneais.London:Jessica Kingsley Publishers,1999.

    HEISE, L. "Gender- basedAbuse: The Global Epidemic". ln: CadernosdeSadePblica. Rio deJaneiro. 10(sup.I): 135-145,1994.

    HEILBORN, M. eSORJ, B. "Estudosdegnerono Brasil".ln: MICELI, S.(org.)O quelerna cinciasocialbrasileira(1970- 1995).SoPaulo:Sumar:A.NPOCS: Brasilia,DF: CAPES, 1999.

    MENEGHEL, S., CAMARGO, M., FASOLO, L. etaI. "Mulherescuidando

    demulheres:umestudosobrea CasadeApoio Viva Maria, PortoAlegre,no Rio Grandedo Sul,Brasil".ln: CadernosdeSadePblica.Rio deJaneiro.16(sup.3):747-757,2000.

    MUSUMECI, B. O queacontececomas mulheresqueapanhamdosmaridos.Rio deJaneiro, mimeo/2000.

    MINA YO, M. C. e DESLANDES, S. A complexidadedasrelaesentredrogas,lcoole violncia.ln: CadernosdeSadePblica.Rio deJaneiro. 14(sup.I), 1998.

    MORGADO, R. (2001)Abusosexualincestuoso:seuenfrentamentopelamulher/me.Tese de Doutorado em Sociologia. Programade Ps-GraduaoemSociologia,PUC-SP.

    MORGADO, R. "A dimensodegneronaviolnciadomstica".ln: RevistaAPG. So Paulo: PUC/SP, 1998.

    PAHL, J. (org.)Private Violenceand Policy: The needsqf batteredwomenand theresponseqf thepublic seroices.London: Routledge& Kegan Paul, 1985.

    ROCHA-COUTINHO, M. L. Tecendopor trsdospanos:A mulherbrasileiranasrelaesfamiliares. Rio deJaneiro: Rocco, 1994.

    SAFFIOTI, H .. "No fio danavalha:ViolnciacontraCrianaseAdolescentesno Brasil Atual". ln: MADEIRA, F. R.(org.) Qyemmandounascermulher.Rio deJaneiro: Rosa dos Tempos/UNICEF, 1997a.

    ---- . "Violncia domsticaou a lgicado galinheiro".ln:KUPSTAS, M. (org.) Violnciaemdebate.So Paulo: Moderna, 1997b.

    ---- . "Violncia degnero:o lugarda prxisna construoda subjetividade".ln: Lutas sociais,n002,So Paulo:NEILS, 1997c.

    --- . 'J seMete a Colher emBrigade Marido e Mulher".

    ln: So Paulo emPerspectiva.Vol. 13,n 4, So Paulo: FundaoSeade,out-dez/1999.

    SAFFIOTI, H. e ALMEIDA, S. S.. ViolnciadeGnero.Podere Impotncia.RiodeJantjiro: Revinter, 1995.

    THE LONDON RAPE CRISIS CENTRE. Sexualviolence:thereali!Jfor women.3' ed. London: Cox & Wyman Ltd, 1999.

    338

    THOMPSON, E. P. A misriada Teoria:ou umplanetriodeerros.Rio deJaneiro:Zahar, 1981.

    TILL Y, L. "Gnero, Histria dasMulherese Histria Social". ln: Cadernos

    Pagu nO2. Campinas,Ncleo de Estudosde Gnero,UNICAMP: 1994:p.29-62

    VARIKAS, E. "Gnero,ExperinciaeSubjetividade:apropsitododesacordoTilly-Scott". ln: CadernosPagu, nO3, Campinas,Ncleo de EstudosdeGnero,UNICAMP: 1994,p. 63-84.

    VELHO, G. "Violncia, reciprocidadee desigualdade:uma perspectivaantropolgica".ln: ALVITO, M. (org.).Cidadaniae Vwlncia.Rio deJaneiro:UFRJlFGV, 1996.

    VIGARELLO, G. Histria do estupro:violnciasexualnossculosXVI- XX. RiodeJaneiro: Zahar, 1998.

    339

  • Sobre os autores

    Eduardo Ponte Brando

    Psiclogo,mestreem PsicologiapelaPUC-Rio, psiclogodoPoderJudicirio/RJ, professordo cursodeps-graduaolatosensude PsicologiaJurdica da UniversidadeCndido Men-

    des,psicanalistaMembro ConvidadodaFormaoFreudana,autorde artigospublicadosnaRevistaBrasileiradeDireitodeFa-mlia e na RevistadePsicanlisePulsional.

    rika Piedade da Silva Santos

    PsiclogadoTribunal deJustiado Rio deJaneiro, pro-fessorado cursodeps-graduaolatosensudePsicologiaJu-rdica da UniversidadeCndido Mendes,mestreem Direito

    da CidadepelaUERj, especialistaemPsicologiaJurdica pelaUERJ e em PsicologiaJunguianapeloIBl'vfR,autorade arti-gospublicadosna RevistaCON-cinciaPsi do CRP/05.

    Esther Maria de Magalhes Arantes

    Psicloga,doutoraem Educaopela Universidadede

    Boston,professorada PUC-Rio e coordenadorado ProgramaCidadaniaeDireitosHumanosda UER]. Autoradeinmeros

    textosna reada infnciaejuventude,dentreosquaisRostosde

    crianasnoBrasil; SobrearrastoegruposdeperzJeria;QjtaloproblemadaAssistncia;Estatutoda CrianaedoAdolescente:DoutrinadaProte-

    oIntegralDireitoPenalJuvenil?;DireitosHumanosea atuaopro-

    fissional na avaliaopsicolgica.Organizou,junto com MariaEucharesdeSennaMotta,o livroA crianaeseusdireitos:Estatutoda Crianae doAdolescentee Cdigodelv/enoresemDebate.~

    340

    Hebe Signorini Gonalves

    DoutoraemPsicologiapelaPUC-Rio. VinculadaaoN-cleode Ateno Criana Vitima de Violnciado IPPMG/

    UFRJ entre1996e 2003.Membro do NcleoInterdisciplinar

    de Pesquisae Intercmbio para a Infncia e AdolescnciaContemporneas,do Institutode Psicologiada UFR]. Autorade artigose do livro Irifnciae violncianoBrasil.

    lidia Natalia Dobrianskyj Weber

    Psicloga,especialistaem AntropologiaFilosficapelaUFPR, mestreedoutoraempsicologiaexperimentalpelaUSP,

    professorada graduaoe do MestradoemPsicologiada In-fnciae da Adolescnciada UFPR. Atualmentecoordenao

    Laboratriodo ComportamentoHumano e o ProjetoCrian-a:Desenvolvimento,Educaoe Cidadaniaque realizapes-

    quisase trabalhos de interveno comunitria nos temasabandono,institucionalizaoe adoo,habilidadessociaise

    desenvolvimentointerpessoal,prticase estilosparentaisegru-

    pos de capacitaopara pais. Ministra diversoscursossobredesenvolvimentoinfantil e prticaseducativasfamiliarese membroda Comissoda Criana edo Adolescenteda Ordem

    dosAdvogadosdo BrasilseoParan. autoradedezenasdeartigoscientficose doslivrosFilhos dasolido:institucionali::.ao,abandonoe adoo;AspectosPsicolgicosdaAdooe Pais eFilhospor

    AdoonoBrasil: caractersticas,expectativasesentimentos.

    Marlene Guirado

    Marlene Guirado .psicloga,psicanalista,docenteno

    Institutode Psicologiada USP e analistainstitucional.AutoradoslivrosA crianaea FEBEM, Instituioe relaesqfetivas:o vn-

    culocomo abandonoe PsicologiaInstitucional,frutosdaspesquisasrealizadasna dissertaode mestradoe na tesede doutorado.

    341