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1754 47 DOS "DIVIDENDOS DA PAZ" À GUERRA CONTRA O TERROR: GASTOS MILITARES MUNDIAIS NAS DUAS DÉCADAS APÓS O FIM DA GUERRA FRIA – 1991-2009 Edison Benedito da Silva Filho Rodrigo Fracalossi de Moraes

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1754Missão do IpeaProduzir, articular e disseminar conhecimento paraaperfeiçoar as políticas públicas e contribuir para o planejamento do desenvolvimento brasileiro.

9771415476001

ISSN 1415-4765

47

DOS "DIVIDENDOS DA PAZ" À GUERRA CONTRA O TERROR: GASTOS MILITARES MUNDIAIS NAS DUAS DÉCADAS APÓS O FIM DA GUERRA FRIA – 1991-2009

Edison Benedito da Silva FilhoRodrigo Fracalossi de Moraes

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TEXTO PARA DISCUSSÃO

DOS “DIVIDENDOS DA PAZ” À GUERRA CONTRA O TERROR: GASTOS MILITARES MUNDIAIS NAS DUAS DÉCADAS APÓS O FIM DA GUERRA FRIA – 1991-2009*

Edison Benedito da Silva Filho**Rodrigo Fracalossi de Moraes**

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* Os autores agradecem os comentários e sugestões de Thomas Ferdinand Heye, isentando-o de qualquer responsabilidade por eventuais equívocos.** Técnico de Planejamento e Pesquisa da Diretoria de Estudos e Relações Econômicas e Políticas Internacionais (Dinte) do Ipea.

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Governo Federal

Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República Ministro Wellington Moreira Franco

Fundação públ ica v inculada à Secretar ia de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, o Ipea fornece suporte técnico e institucional às ações governamentais – possibilitando a formulação de inúmeras políticas públicas e programas de desenvolvimento brasi leiro – e disponibi l iza, para a sociedade, pesquisas e estudos realizados por seus técnicos.

Presidenta InterinaVanessa Petrelli Corrêa

Diretor de Desenvolvimento Institucional Geová Parente Farias

Diretora de Estudos e Relações Econômicas e Políticas Internacionais Luciana Acioly da Silva

Diretor de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia Alexandre de Ávila Gomide

Diretor de Estudos e Políticas Macroeconômicas, Substituto Claudio Roberto Amitrano

Diretor de Estudos e Políticas Regionais, Urbanas e Ambientais Francisco de Assis Costa

Diretor de Estudos e Políticas Setoriais de Inovação, Regulação e Infraestrutura Carlos Eduardo Fernandez da Silveira

Diretor de Estudos e Políticas Sociais Jorge Abrahão de Castro

Chefe de Gabinete Fabio de Sá e Silva

Assessor-chefe de Imprensa e Comunicação, SubstitutoJoão Cláudio Garcia Rodrigues Lima

URL: http://www.ipea.gov.br Ouvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoria

Texto paraDiscussão

Publicação cujo objetivo é divulgar resultados de estudos

direta ou indiretamente desenvolvidos pelo Ipea, os quais,

por sua relevância, levam informações para profissionais

especializados e estabelecem um espaço para sugestões.

© Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – ipea 2012

Texto para discussão / Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.- Brasília : Rio de Janeiro : Ipea , 1990-

ISSN 1415-4765

1.Brasil. 2.Aspectos Econômicos. 3.Aspectos Sociais. I. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.

CDD 330.908

As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e

inteira responsabilidade do(s) autor(es), não exprimindo,

necessariamente, o ponto de vista do Instituto de Pesquisa

Econômica Aplicada ou da Secretaria de Assuntos

Estratégicos da Presidência da República.

É permitida a reprodução deste texto e dos dados nele

contidos, desde que citada a fonte. Reproduções para fins

comerciais são proibidas.

JEL: H56

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SUMÁRIO

SINOPSE

ABSTRACT

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 7

2 QUESTÕES METODOLÓGICAS SOBRE OS GASTOS MILITARES ................................. 8

3 RETRATO DOS GASTOS MILITARES NO PERÍODO 2010-2011 ..................................11

4 GASTOS MILITARES NOS ANOS 1990: DIVIDENDOS DA PAZ E DESMOBILIZAÇÃO MILITAR .................................................................................................................14

5 GASTOS MILITARES NOS ANOS 2000: GUERRA CONTRA O TERROR E EXPANSÃO MILITAR DOS PAÍSES EMERGENTES ........................................................................27

6 COMPOSIÇÃO DOS GASTOS MILITARES E INTENSIDADE DE CAPITAL DAS FORÇAS ARMADAS: BRASIL E PAÍSES DA OTAN.....................................................39

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................51

REFERÊNCIAS ...........................................................................................................53

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR ...............................................................................56

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SINOPSE

O artigo enfoca a trajetória dos gastos militares mundiais no período compreendido entre 1991 e 2009, com base numa análise exploratória acerca dos fatores econômicos e institucionais que afetaram, nesse período, os orçamentos de defesa dos países com os maiores gastos militares do mundo. Apresenta-se também uma análise comparativa da evolução da composição dos dispêndios com defesa no Brasil e em países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) nos anos 2000, apontando as diferenças entre as proporções dos orçamentos alocados para aquisição de equipamentos militares e para pagamento de pessoal. Analisam-se ainda os diferentes graus de investimento em intensificação de capital destas mesmas forças armadas, destacando suas diferenças em relação às dos Estados Unidos.

Palavras-chave: Gastos militares, década de 1990, década de 2000, gastos com equipamentos militares, gastos com pessoal militar, intensidade de capital das forças armadas.

ABSTRACTi

This article examines the world military expenditures in the period 1991-2009, based on an exploratory analysis about the institutional and economic factors that affected the defense budgets in the countries with the largest military expenditures in the world. Furthermore, there is a comparative analysis of the composition of military expenditures in Brazil and North Atlantic Treaty Organization (NATO) countries in the 2000s, expounding differences on the proportions of resources allocated for weapons purchases and payment of personnel. Finally, the article analyzes the different degrees of investments on capital intensity in these countries´ militaries, stressing their differences in comparison with the United States.

Keywords: Military expenditures, 1990s, 2000s, expenditures on military weapons, expenditures on military personnel, military´s capital intensity.

i. The versions in English of the abstracts of this series have not been edited by Ipea’s editorial department.As versões em língua inglesa das sinopses (abstracts) desta coleção não são objeto de revisão pelo Editorial do Ipea.

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Dos “dividendos da paz” à guerra contra o terror: gastos militares mundiais nas duas décadas após o fim da Guerra Fria – 1991-2009

1 INTRODUÇÃO

A queda do Muro de Berlim em 1989, seguida do colapso do bloco soviético, marcou o início de uma nova era que parecia finalmente indicar a possibilidade de uma paz duradoura entre as maiores potências mundiais. Esperava-se que a consequência da superação dos conflitos, que por vezes haviam colocado o mundo próximo da destruição, seria a desmobilização dos aparatos de defesa e a redução permanente dos gastos militares mundiais, que haviam crescido praticamente sem cessar desde o final da Segunda Guerra Mundial. Recursos antes dispensados ao desenvolvimento, à aquisição e à manutenção de sofisticados armamentos convencionais e armas de destruição em massa poderiam então ser redirecionados para outras finalidades, como políticas voltadas à promoção do bem-estar, ao desenvolvimento de novas tecnologias e à sustentabilidade ambiental. Finalmente, parecia haver chegado o momento de a humanidade receber os chamados dividendos da paz (peace dividends), conforme termo popularizado no início dos anos 1990 por George H. W. Bush e Margaret Thatcher.1

Contudo, observando-se em perspectiva o período de 20 anos que se seguiu ao fim da Guerra Fria, conclui-se que a expectativa de uma “paz kantiana” entre as nações e de uma consequente redução dos dispêndios direcionados às atividades de defesa foi, em grande medida, frustrada. Nos anos 1990, houve redução substancial nos dispêndios militares no mundo, liderada, sobretudo, pelos países desenvolvidos e pela Rússia. Não obstante, a década seguinte foi marcada pelas consequências dos ataques terroristas aos Estados Unidos em 11 de setembro de 2001, acelerando a tendência de aumento dos gastos que já se observava desde 1999 e desencadeando uma série de novos conflitos, implicando, portanto, a reversão da trajetória de queda dos dispêndios militares mundiais.

O objetivo deste trabalho é analisar a evolução dos gastos militares mundiais ao longo das duas décadas seguintes ao fim da Guerra Fria, com ênfase na trajetória dos países que apresentam os maiores orçamentos de defesa no mundo. O texto se divide em sete seções, incluindo esta introdução e as considerações finais. Na seção 2 apresenta-se uma discussão conceitual e metodológica acerca dos limites para o emprego dos gastos militares como indicadores do poderio militar ou da capacidade de defesa de uma nação; na seção 3 há um breve retrato dos gastos militares no mundo em 2010-

1. Ou, dito de outra forma, mais unidades de manteiga poderiam ser produzidas em função da diminuição na produção de canhões, segundo o clássico exemplo de alocação de recursos escassos.

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2011; na seção 4 são analisados os gastos militares nos anos 1990 nos países com os maiores orçamentos mundiais de defesa, com o objetivo de identificar no que consistiu, precisamente, o declínio dos gastos militares mundiais naquela década; na seção 5 é feita a mesma análise para os anos 2000; e na seção 6 se analisa a forma como alguns destes países distribuíram seus recursos para a defesa, destacando-se as parcelas destinadas ao pagamento de pessoal e às aquisições de equipamentos militares.

2 QUESTÕES METODOLÓGICAS SOBRE OS GASTOS MILITARES

Os gastos militares de um país são citados frequentemente em declarações de acadêmicos, militares, jornalistas, políticos e técnicos de governo como uma medida para se aferir o poder militar das nações: quanto maior o gasto militar de um país maior seria seu poder militar e sua capacidade de defesa. Esta associação, embora não seja de todo equivocada, deve ser vista com cautela, em virtude de dificuldades metodológicas relacionadas às possibilidades de comparação dos gastos com defesa entre diferentes países.

O problema central da análise comparativa de poder entre nações com base nesse indicador reside no fato de que o gasto militar é uma medida de input e não de output, não havendo, portanto, uma relação direta entre o volume de gastos realizados e a capacidade bélica ou o poder dissuasório do país. Isto decorre do fato de que a alocação de recursos no setor de defesa para cada nação se dá de forma distinta nas seguintes dimensões: i) intertemporal; ii) geopolítica; e iii) da eficiência.

Do ponto de vista da alocação intertemporal, é preciso salientar que gastos militares são fluxos e não estoques. Por essa razão, o gasto pode se manter baixo durante um período de tempo sem prejuízo da capacidade militar do país, tendo em vista que, em período anterior, pode ter ocorrido uma expansão dos investimentos em meios de combate ou uma ampla modernização tecnológica, capazes de manter o nível necessário à defesa do país sem a necessidade de novos investimentos no curto prazo. Portanto, analisar os gastos em períodos curtos, inferiores aos ciclos de vida dos equipamentos militares, pode levar à conclusão equivocada de que o país possui um poder militar e uma capacidade de defesa baixos somente por ter mantido seus gastos militares em patamares reduzidos em determinado período de tempo. Este problema, contudo, pode ser minimizado ao se analisar os gastos militares e sua composição ao longo de um período superior ao do ciclo de vida dos equipamentos militares.

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Dos “dividendos da paz” à guerra contra o terror: gastos militares mundiais nas duas décadas após o fim da Guerra Fria – 1991-2009

A dimensão geopolítica, por sua vez, compreende as características peculiares de cada país, tanto as geográficas e institucionais quanto as oriundas de sua trajetória histórica, as quais condicionam as probabilidades e as formas de seu envolvimento em eventuais conflitos. Em relação à geografia, nações insulares como a Austrália e o Reino Unido têm de investir proporcionalmente mais em meios navais para se defender, enquanto nações sem acesso ao mar ou com faixa litorânea relativamente pequena, como Suíça, República Tcheca, Bolívia e Alemanha, investirão proporcionalmente mais em suas forças terrestres, as quais, geralmente, demandam menos recursos para a aquisição de equipamentos.2 Ainda em relação à geografia, comparando-se países com Produto Interno Bruto (PIB) e população semelhantes, como é o caso da França e da Itália, por exemplo, observa-se que a Itália gasta cerca de 40% menos do que a França com sua defesa. Isto, contudo, não significa necessariamente que o país esteja menos protegido, tendo em vista que a França possui diversos departamentos e territórios ultramarinos (Guiana Francesa, Polinésia Francesa, Reunião, Mayotte etc.), demandando, assim, proporcionalmente, mais investimentos em meios navais e aéreos. Dessa forma, as necessidades de defesa da França são maiores, em parte, em função do caráter “espalhado” de seu território não metropolitano, mesmo supondo-se uma situação em que ambos os países não vislumbrem a possibilidade de envolvimento em conflitos. Com respeito às perspectivas em relação aos conflitos, países com um histórico de envolvimento em guerras ou que, em dado momento, possuem maior expectativa de incorrerem nesta forma de disputa interestatal também poderão ostentar uma capacidade de defesa inferior à de outros países situados em regiões pacíficas, ainda que o volume de seus gastos e suas características geográficas sejam semelhantes.

Por fim, a análise da eficiência dos gastos militares deve atentar para uma possível má utilização destes recursos, decorrente de problemas como: corrupção; falta de qualificação dos recursos humanos; planejamento equivocado; e ausência ou ineficiência de instituições de controle dos gastos públicos. A corrupção pode representar uma parcela elevada dos gastos militares de diversos países e a opção por um determinado formato de forças armadas pode ser equivocada, implicando desperdício de recursos. Como exemplo, a opção de um governo por manter forças armadas nas quais se atribui maior importância ao número de efetivos do que à qualidade dos equipamentos pode implicar um gasto elevado sem que haja, necessariamente, uma contrapartida em termos

2. Forças navais e aéreas são, geralmente, mais intensivas em capital que as forças terrestres (HARTLEY; SANDLER, 1995, p. 161).

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de poder militar. Além disso, a baixa integração e interoperabilidade nas forças armadas pode representar um problema em termos de custo de oportunidade: em particular, a existência de várias unidades militares gozando de relativa autonomia orçamentária pode implicar um sacrifício dos ganhos de escala sem que isto resulte num acréscimo correspondente em termos de capacidade militar.

Ademais, estas três dimensões são agravadas pelo fato de que os gastos com defesa, por estarem diretamente vinculados às decisões estratégicas e à segurança de cada nação, em geral não gozam do mesmo grau de transparência e controle social que os demais dispêndios governamentais, mesmo em algumas democracias consolidadas. Os dados relativos aos dispêndios em defesa nacional dificilmente são apresentados à sociedade com o nível de detalhamento necessário para um escrutínio efetivo acerca de sua eficiência. Inexiste, além disso, uma instituição supranacional capaz de impor a todos os países a obrigatoriedade da publicação desses dados. O Escritório das Nações Unidas para Assuntos de Desarmamento – United Nations Office for Disarmament Affairs (UNODA) mantém uma base de dados com informações sobre gastos militares nacionais (enviadas pelos Estados-membros) e possui um manual com diretrizes de padronização dessas informações.3 Contudo, observam-se divergências entre valores que constam no UNODA e documentos nacionais, como ocorre no caso do Brasil.4 Ou seja, há diversas metodologias para a aferição de gastos com defesa, as quais refletem, em parte, a história institucional e as especificidades políticas e econômicas dos Estados.5 Esses fatores, somados às profundas diferenças quanto à capacidade de controle e gestão governamental, tornam a avaliação desses gastos frequentemente prejudicada em termos de compatibilidade e confiabilidade no tratamento dos dados.

3. O banco de dados está disponível em: <http://unhq-appspub-01.un.org/UNODA/Milex.nsf> Acesso em: 3 maio 2012. Para as diretrizes do UNODA sobre gastos militares ver UNODA (s.d.). 4. Os dados do Ministério da Defesa Nacional (ver MD, 2011) são bastante diferentes dos que aparecem na base de dados do UNODA. Em 2010, por exemplo, a diferença foi de aproximadamente R$ 20 bilhões.5. As principais divergências neste quesito dizem respeito à classificação das funções militares em cada país, que podem variar significativamente em termos regionais e para um mesmo país ao longo do tempo (destarte, tornando a análise temporal prejudicada). Por exemplo, unidades policiais e paramilitares são frequentemente incluídas na rubrica de gastos de defesa em países de menor porte militar, embora sejam excluídas dessa contabilidade nas principais potências mundiais. Pensões e programas de auxílio governamental aos militares também podem ser incluídos ou não no orçamento de defesa de cada país, dependendo de suas especificidades institucionais, e, por isso, podem distorcer esse montante de gastos numa análise comparada. Além desses fatores, outros de natureza econômica também podem resultar em distorções na mensuração dos dispêndios militares, tais como a inflação (caso seja subestimada pelos indicadores oficiais) e a taxa de câmbio (uma vez que grande parte dos bens e serviços no setor de defesa consiste de non-tradables).

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Dos “dividendos da paz” à guerra contra o terror: gastos militares mundiais nas duas décadas após o fim da Guerra Fria – 1991-2009

Em síntese, deve-se ter cautela quanto à utilização dos gastos militares como indicadores da capacidade militar de um país. Contudo, embora tais dificuldades não possam ser completamente sanadas num estudo comparativo, existem atualmente bases de dados sobre dispêndios militares que possibilitam análises exploratórias, ainda que não exaustivas do tema.6 Ademais, os problemas metodológicos podem ser mitigados quando: i) os países são analisados individualmente; ii) os gastos de defesa em valores absolutos são analisados em conjunto com os gastos de defesa em relação ao PIB; e iii) se consideram tanto os gastos agregados quanto a sua composição. Serão seguidos, pois, estes critérios para a elaboração do presente estudo comparativo.

Antes de se iniciar a análise da trajetória dos gastos militares nas duas décadas seguintes ao fim da Guerra Fria, é conveniente traçar um breve panorama da situação presente dos orçamentos de defesa dos países que possuem os maiores gastos militares no mundo, de modo a salientar a importância desses dispêndios em relação a cada economia, bem como a atual posição ocupada pelos países emergentes nesse ranking, em especial o Brasil. A seção 3, a seguir, se dedica a este fim.

3 RETRATO DOS GASTOS MILITARES NO PERÍODO 2010-2011

No período 2010-2011, o gasto militar mundial foi, em média, de US$ 1,62 trilhão, equivalente a 2,6% do PIB mundial (no ano de 2010) e correspondente a US$ 236 para cada pessoa no mundo (também em 2010) (PERLO-FREEMAN et al., 2011, p. 157).

6. As principais bases de dados sobre despesa militar mundial são as seguintes: Stockholm International Peace Research Institute (SIPRI), instituição de pesquisa financiada em grande parte pelo Parlamento da Suécia; Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), a principal aliança militar ocidental; World Military Expenditures and Arms Transfers (WMEAT), publicação do governo norte-americano; U.S. Arms Control and Disarmament Agency (ACDA), ligada ao Departamento de Estado norte-americano; e Organização das Nações Unidas (ONU), por meio das declarações anuais supramencionadas. Cada uma dessas bases possui características metodológicas distintas, o que torna problemática sua comparação. Optou-se neste estudo pela utilização dos dados do SIPRI, em virtude de constituírem a base mais abrangente e confiável segundo a literatura especializada, além de apresentar menos descontinuidades que as demais. Deve-se destacar que na base do SIPRI, salvo quando mencionado em contrário, são incluídos os gastos com aposentadorias e pensões militares. Para mais informações acerca destas distinções metodológicas, consultar Brzoska (1995) e Bergstrand (2010). Os sítios eletrônicos dessas instituições apresentam informações sobre suas metodologias de apropriação de despesas no setor de defesa. Ver: <http://www.sipri.org/databases/milex/sources_methods>; <http://www.nato.int/issues/defence_expenditures/index.html>; <http://www.state.gov/t/avc/rls/rpt/wmeat/2005/180131.htm>; e UNODA (s.d.)

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O gasto esteve concentrado em um número reduzido de países, destacando-se as grandes nações desenvolvidas e os BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China). Para fins de comparação, a tabela 1 contém os 15 países de maiores gastos militares no período 2010-2011, cuja soma representou mais de 80% do gasto total mundial.

Dos 15 países listados na tabela 1, nove são desenvolvidos (incluindo a Coreia do Sul), com a soma de seus gastos militares tendo representado 62,7% do total mundial nos anos de 2010 e 2011. Os cinco maiores orçamentos de defesa do mundo são

TABELA 1Os quinze países com os maiores gastos militares do mundo no período 2010-2011(US$ bilhões de 2010)1

PaísGastos militares

(2010)Gastos militares

(2011)Participação no total de gastos militares mundiais

(acumulado 2010-2011) %Gastos militares em relação ao PIB

(2010) %

1 Estados Unidos 698,3 689,6 42,7 4,8

2 China 121,1 129,3 7,7 2,1

3 Rússia 58,6 64,1 3,8 3,9

4 França 59,1 58,2 3,6 2,3

5 Reino Unido 58,1 57,9 3,6 2,6

6 Japão2 54,6 54,5 3,4 1,0

7 Arábia Saudita3 45,2 46,2 2,8 10,1

8 Índia4 46,1 44,3 2,8 2,7

9 Alemanha 45,1 43,5 2,7 1,4

10 Itália5 35,5 31,9 2,1 1,7

11 Brasil 34,4 31,6 2,0 1,6

12 Coreia do Sul6 27,6 28,3 1,7 2,7

13 Canadá 23,1 23,1 1,4 1,5

14 Austrália 23,2 23,0 1,4 1,9

15 Turquia 17,6 18,7 1,1 2,4

- Soma dos 15 países 1.347,6 1.344,2 82,9 -

- Resto do mundo 275,3 280,3 17,1 -

- Total 1.622,9 1.624,5 - -

Fonte: SIPRI (2012). Elaboração Própria.

Notas: 1 Esta tabela apresenta dados em dólares constantes de 2010. Os dados do restante do texto, salvo quando mencionado, estão em dólares de 2009. A inflação nos Estados Unidos, de 2009 para 2010, foi de 1,64%, segundo o Consumer Price Index – All Urban Consumers (CPI-U).

2 Não são incluídos os gastos com pensões militares. Ademais, trata-se do montante previsto em orçamento, não refletindo necessariamente o gasto efetivo.3 Trata-se do montante previsto em orçamento, não refletindo necessariamente o gasto efetivo. Ademais, são incluídos os gastos com a ordem e a segurança pública.4 Não incluem gastos com atividades militares nucleares. Ademais, são incluídos gastos com a Border Security Force (BSF), a Central Reserve Police Force (CRPF), a Assam Rifles, a Indo-Tibetan Border Police (ITBP) e a Sashastra Seema Bal (SSB).5 São incluídos os gastos com defesa civil, que geralmente montam a 4,5% do total do gasto militar.6 Não são incluídos os gastos com três fundos especiais, destinados à: realocação de instalações militares; realocações de bases norte-americanas; e bem-estar para as tropas (welfare for troops). Estes fundos somaram 1,05 trilhão de wons em 2010.

Obs.: Para 2010, são estimativas do SIPRI os dados de China, Rússia e Itália. Para 2011, ademais destes mesmos países, são estimativas do SIPRI os dados de Alemanha e Canadá.

- Os dados referem-se ao exercício financeiro em questão para cada país. Os países nos quais o exercício financeiro não corresponde ao período jan.-dez. são: Estados Unidos, out.-set.; Reino Unido, abr.-mar.; Japão, abr.-mar.; Índia, abr.-mar.; Canadá, abr.-mar.; e Austrália, jul.-jun.

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Dos “dividendos da paz” à guerra contra o terror: gastos militares mundiais nas duas décadas após o fim da Guerra Fria – 1991-2009

também os dos cinco integrantes permanentes do Conselho de Segurança da ONU (CSNU): seus gastos militares somados representaram 61,4% do total mundial desses dispêndios no período.

Os integrantes do G-4, que defendem a reforma do CSNU no sentido de ampliar a quantidade de assentos permanentes, também se encontram todos na lista dos 15 maiores orçamentos de defesa do mundo, respectivamente na sexta (Japão), oitava (Índia), nona (Alemanha) e 11a (Brasil) posições. A soma dos gastos destes quatro países correspondeu a 10,9% do total mundial de dispêndios militares no período. Outro dado importante é que os BRICs respondem por 16,3% do total mundial de gastos militares. Internamente a este grupo, contudo, a distribuição dos gastos militares é bastante desigual: os dispêndios da China representaram 47% do montante total dos BRICs, contra 23% da Rússia, 17% da Índia e 12% do Brasil.

Entre os 15 maiores orçamentos militares nos anos de 2010 e 2011, os únicos países não desenvolvidos e que tampouco fazem parte do grupo BRIC são a Arábia Saudita e a Turquia. Esta última supera hoje em termos de gastos militares importantes países europeus como Espanha e Países Baixos, reflexo indireto dos efeitos da crise econômica de países da União Europeia (UE) sobre os seus orçamentos de defesa.7 De fato, todos os países da UE listados apresentaram reduções de seus gastos militares em 2011 comparativamente ao ano anterior (ver tabela 1), a maior sendo a da Itália.

Destaca-se também o elevado montante de gastos militares dos Estados Unidos, por larga distância maior que o de qualquer outro país. Entre 2010 e 2011, esse montante correspondeu a 42,7% do total mundial, num patamar que, como será visto mais adiante (ver gráfico 4), desde 1990 tem se sustentado permanentemente acima de 36%. Para se ter uma dimensão da discrepância desse volume de gastos frente ao dos demais países, a China, país que ocupou a segunda posição no período, ostentou um nível de dispêndios militares quase seis vezes menor que o dos Estados Unidos. Entre 2010 e 2011, os gastos norte-americanos foram também mais de dez vezes superiores aos de outras grandes potências como França, Reino Unido e Rússia; mesmo somados, os dispêndios militares dos 14 demais países listados ainda seriam inferiores aos dos Estados Unidos. Houve, contudo, de 2010 para 2011, uma queda de 1,2% no montante dos gastos norte-americanos, a primeira redução desde 1998.

7. Espanha e Países Baixos apresentaram, respectivamente, dispêndios militares da ordem de US$ 14,5 bilhões e US$ 11,1 bilhões no ano de 2010 e US$ 13,3 bilhões e US$ 10,4 bilhões em 2011 (em valores de 2010) (SIPRI, 2012).

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Na última coluna da tabela 1 estão discriminados os gastos de defesa como proporção do PIB. Os Estados Unidos tiveram o segundo maior percentual entre os países da lista, inferior apenas ao da Arábia Saudita. No ano de 2010, o percentual norte-americano foi 2,7 pontos percentuais (p.p.) maior que o da China, 2,5 p.p. maior que o da França, 2,2 p.p. maior que o do Reino Unido e 0,9 p.p. maior que o da Rússia. Os Estados Unidos também apresentaram em 2010 o sétimo maior nível de gastos de defesa em relação ao PIB de todo o mundo (SIPRI, 2012). Dentre os 15 países listados (tabela 1), os cinco menores gastos militares como proporção do PIB no ano de 2010 foram, nesta ordem: Japão (1,0%), Alemanha (1,4%), Canadá (1,5%), Brasil (1,6%) e Itália (1,7%). A Arábia Saudita, como mencionado, teve o maior nível de gastos de defesa em relação ao PIB dentre os países listados, sendo também o maior de todo o mundo entre os países com dados disponíveis (SIPRI, 2012).8

Feito este breve panorama dos gastos militares mundiais no período recente (2010-2011), nas próximas duas seções será analisado o processo de declínio e recuperação dos gastos ao longo das décadas de 1990 e 2000.

4 GASTOS MILITARES NOS ANOS 1990: DIVIDENDOS DA PAZ E DESMOBILIZAÇÃO MILITAR

Nos anos 1990, com o término da Guerra Fria, o ritmo de redução dos gastos militares no mundo, que já vinha ocorrendo na segunda metade da década de 1980 em alguns países, foi acelerado. Entre 1990 e 1999, o gasto militar mundial diminuiu, em média, 3,1% ao ano (a.a.), alcançando, ao final desse período, um patamar cerca de 28% inferior ao do início da década.

Cumpre aqui nos determos mais profundamente na análise dos fatores que explicam essa queda.9 Certamente o colapso do bloco soviético a partir de 1989 constituiu

8. É provável que o país que tenha o maior gasto de defesa do mundo em relação ao PIB seja a Eritreia. Contudo, não há dados disponíveis para 2009. Os últimos dados para o país são de 2003, quando seus gastos com defesa foram de 20,9% do PIB. Ademais, não há informações disponíveis para Cuba e Coreia do Norte, cujos gastos também podem ter sido superiores aos da Arábia Saudita.9. Para uma análise dos determinantes da queda dos gastos militares nesta década, com ênfase nos fatores domésticos e utilizando-se de instrumental econométrico, ver também HEYE (2005).

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a principal causa da redução das despesas militares mundiais nos anos 1990, em virtude tanto do desmantelamento de grande parte do arsenal dos ex-países comunistas da Europa Oriental e das ex-repúblicas soviéticas quanto do redirecionamento dos gastos governamentais de países-membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) em direção a outras políticas públicas. Uma vez que esses países já constituíam, à época, os maiores orçamentos de defesa do mundo, o processo de desmobilização militar precipitado pelo fim da Guerra Fria explica a maior parte da queda dos gastos militares em nível global no período.

Não obstante, outros fatores econômicos e políticos foram também condicionantes desse processo, destacando-se, entre outros, a Primeira Guerra do Golfo (1991). Por um lado, a sua escala limitada e sua curta duração não exigiu dos países da Coalizão um aumento significativo de seus gastos com armamentos; por outro lado, a guerra constituiu um desincentivo adicional à elevação dos dispêndios militares destes e de outros países, uma vez que o conflito ocasionou forte elevação dos custos de energia, com reflexos econômicos diretos na forma de pressões inflacionárias.10 Os conflitos da região dos Bálcãs, por sua vez, que perduraram por quase toda a década de 1990, não exigiram uma mobilização de recursos significativa a ponto de causar uma interrupção na tendência de redução contínua de gastos militares das potências ocidentais e da Rússia. No caso dos países latino-americanos, ainda se faziam sentir os impactos da crise da dívida externa decorrentes da elevação dos juros internacionais na década de 1980, limitando as suas capacidades de expansão dos gastos em defesa no início da década seguinte.

Embora tenha ocorrido uma queda dos gastos em nível global, ao se observar a trajetória dos 15 países que apresentaram os maiores orçamentos do mundo nos anos 1990, verifica-se que estes apresentaram tendências distintas ao longo daquela década: houve queda nos gastos militares dos cinco países que tiveram, naquela década, os cinco maiores orçamentos militares do mundo (Estados Unidos, Rússia, França, Reino Unido e Alemanha) e nos de Canadá e Espanha, ao passo que, para os demais países (à exceção da Arábia Saudita), verificou-se uma tendência de consistente elevação

10. Com a invasão do Kuwait pelo Iraque, em agosto de 1990, o preço do barril de petróleo cru, que até então oscilava em torno de US$ 17, subiu rapidamente, alcançando a média de US$ 34 em outubro do mesmo ano. Após a intervenção militar internacio-nal em janeiro de 1991, as pressões sobre os preços começaram a refluir; não obstante, o rápido aumento de preços foi decisivo para explicar a pequena recessão ocorrida nas economias centrais no início da década de 1990 (KAUFMANN, 2003, p. 71-73).

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desses dispêndios, conforme apontado na tabela 2. Deste grupo de 15 países, 8 tiveram aumento de gastos militares na década de 1990 e 7 ostentaram reduções. Contudo, os que tiveram reduções de gastos responderam por 63,6% do total das despesas militares mundiais no período, enquanto os que ampliaram seus gastos foram responsáveis por 16,8% deste montante.

TABELA 2Variação dos gastos militares – 1990-1999(Em %)

Valores absolutos Valores em relação ao PIB Percentual médio dos gastos anuais em relação ao gasto mundial1

Gasto de 1999 em relação ao de 1990

Variação anual média

Gasto em 1990

Gasto em 1999

Gasto de 1999 em relação ao de 1990

1 Rússia2 –67,0 –12,9 5,5 3,4 –38,2 6,0

2 Alemanha –28,2 –3,3 2,8 1,5 –46,4 5,3

3 Estados Unidos –28,0 –3,2 5,3 3,0 –43,4 37,9

4 Canadá –22,7 –2,5 2,0 1,2 –40,0 1,4

5 Reino Unido –21,7 –2,4 3,9 2,4 –38,5 5,5

6 França –11,4 –1,2 3,4 2,7 –20,6 6,2

7 Espanha –9,6 –1,0 1,8 1,2 –33,3 1,3

Subtotal (1 a 7) - - - - - 63,6

8 Arábia Saudita3 0,8 0,1 14,0 11,4 –18,6 1,8

9 Itália4 9,4 0,9 2,1 2,0 –4,8 3,4

10 Japão5 10,1 1,0 0,9 1,0 11,1 4,2

11 Austrália 17,7 1,6 2,0 1,9 –5,0 1,1

12 Coreia do Sul6 25,3 2,3 4,0 2,7 –32,5 1,5

13 Índia7 42,5 3,6 3,2 3,1 –3,1 1,5

14 Brasil 48,4 4,0 1,9 1,7 –10,5 1,3

15 China 68,0 5,6 2,5 1,9 –26,9 2,0

Subtotal (8 a 15) - - - - - 16,8

Fonte: SIPRI (2011). Elaboração própria.

Notas: 1 Não há dados dos gastos militares mundiais para 1991 em função da ausência de levantamentos de gastos com defesa para este ano na União Soviética; assim, este ano foi desconsiderado nos cálculos desta coluna. A média, portanto, refere-se ao ano de 1990 e ao período 1992-1999.

2 Só há dados para a Rússia a partir de 1992. Dessa forma, a variação média tem como base o período 1992-1999. Ademais, os dados para a Rússia foram feitos a partir da conversão de rublos (em Paridade do Poder de Compra - PPC) para dólares constantes.3 São incluídos os gastos com a ordem e a segurança pública.4 São incluídos os gastos com defesa civil, que geralmente são de 4,5% do total do gasto militar.5 Não são incluídos os gastos com pensões militares. Ademais, trata-se do montante previsto em orçamento, não refletindo necessariamente o gasto efetivo.6 Não são incluídos os gastos com três fundos especiais, destinados à: realocação de instalações militares; realocações de bases norte-americanas; e bem-estar para as tropas (welfare for troops). 7 Não incluem gastos com atividades militares nucleares. Ademais, são incluídos gastos com a BSF, a CRPF, a Assam Rifles, a ITBP e a SSB.

Obs.: Na terceira e sétima colunas aparece o quanto os gastos em 1999 eram inferiores ou superiores aos de 1990; e na quarta coluna as variações médias para o período. São estimativas do SIPRI: os dados de Rússia, Austrália, Coreia do Sul e China para todo o período; os dados da Arábia Saudita para o período 1991-1992; e os dados do Brasil para o período 1990-1994.

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Outra forma de se analisar o “comportamento” dos gastos militares é por meio da proporção que estes representam em relação ao PIB, um indicador que deve ser analisado em conjunto com os gastos em valores absolutos. Comparando o nível e as trajetórias da relação defesa/PIB dos países, observam-se algumas particularidades que podem não ser percebidas ao se analisar apenas o volume total de dispêndios, tais como as situações nas quais as variações dos gastos com defesa são decorrentes mais do crescimento da economia do que de uma efetiva opção política pelo reforço da capacidade militar do país em detrimento de investimentos em outras áreas.

Analisando-se os gastos com defesa em relação ao PIB nos anos 1990, observam-se, na maior parte dos casos, quedas ainda mais acentuadas nos gastos dos países que os reduziram em valores absolutos e, ou uma queda ou uma relativa estabilidade nos que tiveram um aumento nos valores de seus gastos: dos 15 países listados, 14 tiveram quedas em relação ao PIB. Países com grandes orçamentos de defesa, como Estados Unidos, Alemanha, Rússia e Reino Unido, ostentaram quedas acentuadas em seus volumes de gastos militares em relação ao PIB (entre 38% e 46%). As maiores diminuições ocorreram na Alemanha e nos Estados Unidos, com quedas, respectivamente, de 46,4% e 43,4%.

À exceção da Rússia, todos os países que tiveram quedas em termos absolutos exibiram reduções ainda maiores em relação ao PIB, o que evidencia a perda de relevância desses gastos, num cenário em que estes países não mais vislumbravam ameaças significativas à paz. Mesmo a China, que, dentre os 15 países listados, foi o que ostentou o maior crescimento de gastos militares em valores absolutos (aumento de 60% entre 1990 e 1999), teve queda média de gastos em relação ao PIB da ordem de 2,6% a.a., superior às de França, Itália, Índia e Brasil. Apenas o Japão teve um aumento na proporção defesa/PIB no período, mas de apenas 0,1 p.p., ressaltando-se que os gastos militares japoneses se mantiveram ao redor de 1% do PIB durante a década, o menor entre os 15 países listados. Além do Japão, também se mantiveram relativamente estáveis os gastos com defesa de Índia, Itália e Austrália – que diminuíram 0,1 p.p. – e, em menor escala, os do Brasil, que diminuíram 0,2 p.p. (de 1,9% do PIB em 1990 para 1,7% em 1999).

Verifica-se nesses dados que o término da Guerra Fria ensejou uma grande redução do montante de despesas militares mundiais ao longo da década de 1990 por ter afetado com maior impacto países que ostentavam os maiores orçamentos de defesa

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no mundo, em função de sua participação central na Guerra Fria. Ou seja, a redução dos gastos militares mundiais nos anos 1990 decorreu, em sua maior parte, de variações nos gastos de apenas alguns países, os quais, por concentrarem parcelas muito elevadas dos gastos militares mundiais, foram responsáveis, em grande medida, pela sua redução nos anos 1990.

A seguir são analisados individualmente os casos de Rússia, Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha e França. Posteriormente são analisados os casos de alguns dos principais países emergentes (China, Índia e Brasil) e da Coreia do Sul.

A Rússia foi o país onde a redução de gastos se mostrou mais acentuada na década de 1990: em 1999, seu montante de gastos era 67% inferior ao de 1992, reflexo de uma trajetória contínua de queda ao longo da década (em média superior a 12% a.a.). O gasto militar russo foi de US$ 57,7 bilhões em 1992, caindo profundamente nos anos seguintes; enquanto, em 1992, o seu gasto correspondia a 5,2% do total mundial, este passou a representar 1,9% do total mundial em 1999. Se forem comparados os gastos militares da extinta União Soviética com as despesas totais dos 15 países que dela se originaram, a queda se mostra ainda mais significativa: o gasto total destes países com defesa, no período 1997-1999, foi 89,6% inferior ao gasto da União Soviética no período 1988-1990.11 Dessa forma, a retração dos gastos de defesa da Rússia foi, dentre as potências contemporâneas, por larga margem, a de maior intensidade no período.

As causas para a forte redução dos gastos militares da Rússia e dos demais países da antiga União Soviética não se limitaram ao processo de desmobilização que se seguiu ao término da Guerra Fria, a exemplo do que ocorreu nas potências ocidentais, mas tiveram origem também na falência do setor público e na rápida deterioração da situação econômica após 1989. O colapso desses Estados não foi apenas econômico, mas também institucional. O setor público viu-se repentinamente privado de sua capacidade de financiamento, dado que perdeu o controle sobre a produção do país e teve de construir praticamente “a partir do zero” um novo modelo de tributação coerente com as instituições democráticas e, além disso, num contexto de severa depressão econômica e desorganização produtiva. Diante da explosão inflacionária

11. Das 15 ex-repúblicas soviéticas não foram encontrados dados do ano de 1998 apenas para o Uzbequistão. Dessa forma, para este país, os anos considerados neste cálculo foram 1997, 1999 e 2000.

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nas ex-repúblicas soviéticas no início dos anos 1990, que impedia seu acesso a canais internacionais de financiamento e punha em risco a própria estabilidade política dos novos regimes, teve início um longo processo de ajuste com base em privatizações em larga escala e forte restrição dos gastos públicos e do crédito oficial (ÅSLUND, 2002).

Para além do processo natural de desmobilização que ocorreu após o fim da Guerra Fria em todos os países envolvidos no conflito, existe ainda outra causa para a redução dos gastos militares da Rússia no período imediatamente posterior ao fim da União Soviética, qual seja o alinhamento estratégico ao Ocidente, notadamente na primeira gestão de Boris Iéltsin (1991-1996). A crescente aproximação da Rússia em relação às instituições ocidentais no período se deu não apenas no campo econômico, mas também na arena política e na esfera militar. A Rússia estabeleceu parcerias no âmbito de programas de desarmamento (em especial nuclear) e desmantelamento de unidades militares no leste europeu, cujos países já então se voltavam para a aliança militar ocidental. Esse alinhamento, ainda que jamais tenha sido completo, favoreceu o abandono ou o congelamento de diversos programas militares direcionados especificamente ao enfrentamento de países da OTAN, contribuindo também para a redução das despesas militares russas na década de 1990.

Assim, ao longo da década de 1990 os governos das ex-repúblicas soviéticas abandonaram investimentos planejados para o setor de defesa, executando cortes orçamentários profundos que afetaram, inclusive, os salários e pensões dos militares, notadamente nas principais economias da antiga União Soviética (Rússia, Ucrânia e Cazaquistão). Em outras repúblicas que recentemente haviam alcançado independência, esse ajuste foi ainda mais problemático em razão das violentas disputas políticas e da eclosão de conflitos armados por questões étnicas e fronteiriças, a exemplo da guerra de Nagorno-Karabakh (1988-1994), envolvendo países do Cáucaso, e dos confrontos na Ásia Central opondo uzbeques, tadjiques e quirguizes (ARBATOV, 1997; GUPTA et al., 2002).

As reduções dos gastos militares nos Estados Unidos e no Reino Unido, por sua vez, fizeram parte de um projeto de ajuste conhecido como “dividendos da paz”: uma vez que a Guerra Fria havia terminado, os gastos governamentais com defesa poderiam ser reduzidos em benefício de outros setores, ou mesmo devolvidos aos cidadãos na forma de cortes de impostos, possibilitando assim melhorias no nível de bem-estar social (GUPTA et al., 2002). Nesse sentido, tanto a administração de Margaret Thatcher no Reino

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Unido quanto a de George H. W. Bush nos Estados Unidos deram início a um amplo processo de desmobilização e realocação de suas forças armadas, adotando, entre outras, as seguintes medidas: i) a desativação de bases militares ou a redução de seus efetivos;12 ii) o abandono de projetos considerados excessivamente dispendiosos em prol de soluções de uso integrado pelas forças armadas; e iii) o incentivo a que os fornecedores nacionais de produtos de defesa se readaptassem ao novo cenário por meio da redução de custos e da fusão e aquisição de empresas (DEUTCH, 2001; WATTS, 2008).

De fato, um dos efeitos mais visíveis da redução de gastos militares nos anos 1990 nos Estados Unidos e no Reino Unido foi o desencadeamento de um intenso processo de fusões e aquisições (F&A) de empresas do setor de defesa, levando a um maior grau de concentração industrial neste setor. Embora a concentração fosse uma consequência inevitável do cancelamento de projetos militares e da necessidade de maior escala de produção para a sobrevivência das empresas do setor, ela também atendeu aos interesses das principais empresas de defesa norte-americanas e britânicas. Essas firmas receberam elevados montantes em subsídios para financiar a aquisição de rivais e sua expansão no mercado externo, além de permanecerem imunes aos efeitos das leis antitruste vigentes para outros ramos econômicos nesses países (MARKUSEN; COSTIGAN, 1999). Ao final desse processo de ajustamento, a indústria de defesa dos Estados Unidos ficaria restrita a cinco grandes contratantes (Boeing, Lockheed Martin, Northrop Grumman, Raytheon e General Dynamics), ao passo que, na indústria britânica, a BAE Systems se consolidaria como o único grande player do setor. A BAE Systems alcançou tal grau de poderio econômico que acabou se tornando mesmo um obstáculo à iniciativa da comunidade europeia de promover a integração do parque industrial de defesa do continente, dado o temor de outros países-membros de que suas empresas fossem completamente absorvidas pela gigante britânica (GUAY; CALLUM, 2002).

Não obstante os propalados benefícios oriundos da realocação dos recursos outrora destinados à defesa nacional, os chamados “dividendos da paz” nas potências ocidentais se

12. Desde o final da Segunda Guerra Mundial o Departamento de Defesa dos Estados Unidos tem empregado procedimen-tos para o fechamento de bases militares consideradas desnecessárias e a transferência de propriedade das forças armadas, com o intuito de poupar recursos e fortalecer outras bases com valor estratégico superior. Em 1990 foi estabelecida uma legislação denominada Base Realignment and Closure (BRAC), que determina os atuais critérios para o fechamento e a transferência de instalações militares do país, inclusive no exterior. Nas chamadas “rodadas BRAC” (1989, 1991, 1993, 1995 e 2005) foram autorizados os fechamentos de mais de 350 bases e depósitos militares em todo o mundo. Para mais informações ver: <http://www.defense.gov/brac>

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revelaram afinal bem menos significativos que suas projeções iniciais. Estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI) analisando 130 países apontou uma economia de US$ 720 bilhões entre 1985 e 1995 com a redução dos gastos militares, sobretudo nos países centrais (CLEMENTS; GUPTA; SCHIFF, 1997); contudo, um trabalho subsequente (GUPTA et al., 2002) apontou prejuízos na década seguinte maiores do que estes ganhos, em razão dos custos das medidas de combate ao terrorismo e dos conflitos armados que envolveram esses países. Especificamente nos Estados Unidos, contribuiu para moderar o impacto positivo dos “dividendos da paz” dos anos 1990 o fato de que os seus gastos militares se elevaram rapidamente após 2001 e de forma bem mais acentuada que em outros países, pressionando o orçamento governamental a ponto de limitar gastos sociais considerados fundamentais para a manutenção do bem-estar da população do país (KLEIN, 2004).

A redução dos gastos militares na Alemanha, durante a década de 1990, também teve causas para além do fim da Guerra Fria. A trajetória das despesas com defesa na Alemanha Ocidental, que havia sido ascendente desde o final da Segunda Guerra Mundial, sofreu uma inflexão em 1990 em virtude do novo cenário geopolítico que então se iniciava (MERRATH, 2000). Após a queda do muro de Berlim, em 1989, tomou corpo o projeto de reunificação das Alemanhas Ocidental e Oriental, liderado pela primeira. Embora a reunificação formal tenha sido celebrada já no ano de 1990, ainda seria preciso mais de uma década para se concluir as diversas etapas desse processo, que implicavam, fundamentalmente: a recuperação econômica da antiga Alemanha Oriental; a fusão e a criação de novas instituições; e a absorção e a realocação da força de trabalho excedente gerada pela profunda crise no lado oriental do país.

O custo econômico e político desse processo foi imenso, mesmo para a pujante economia da Alemanha Ocidental, de modo que, diante das novas prioridades econômicas e sociais, as políticas para o setor de defesa ficaram em segundo plano. A região oriental, até então a mais militarizada do país por força de sua posição estratégica para o Pacto de Varsóvia, foi praticamente desmobilizada em sua totalidade, com os equipamentos tendo sido sucateados ou vendidos a outros países.13 As sanções

13. Em 1990, o exército da antiga Alemanha Oriental (Nationale Volksarmee) foi absorvido pelo da Ocidental (Bundeswehr), com a unificação do país. Diversas instalações militares no lado oriental foram fechadas e vastas quantidades de material bélico, incluindo armamentos químicos e biológicos, tiveram de ser destruídas ou reaproveitadas para outras finalidades. As forças militares russas estacionadas no lado oriental da Alemanha completaram sua retirada em 1994 (MERRATH, 2000).

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internacionais ainda vigentes14 e as restrições econômicas internas enfrentadas ao longo da década de 1990 limitaram a capacidade da Alemanha de manter e investir em suas forças armadas, contribuindo para a redução de seus gastos militares, não obstante a necessidade de arcar por ainda alguns anos com uma dispendiosa estrutura de defesa construída ao longo da Guerra Fria no lado oriental do país (MERRATH, 2000; MAULL, 2006; STEINHOFF, 2011). Em especial, os efetivos militares alemães, que no auge da Guerra Fria montavam a 495 mil soldados no lado ocidental e 175 mil no lado oriental, foram reduzidos a menos de 370 mil soldados em 1990 como parte do acordo para o reconhecimento do novo Estado e para a retirada de diversas sanções – bem como de unidades estacionadas no país – por parte das potências ocidentais e da Rússia (então ainda parte da União Soviética) (MERRATH, 2000; BELKIN, 2009).

O caso da França deve ser analisado de forma distinta das demais potências ocidentais e da Rússia no tocante à redução de gastos militares nos anos 1990. Em virtude da opção francesa, ainda na década de 1960, por uma estratégia de independência em relação à estrutura da OTAN (que só recentemente tem sido modificada em prol de uma maior convergência de interesses e ações com as demais potências ocidentais), as

14. A maior parte das restrições impostas à militarização da Alemanha foi retirada a partir da década de 1960 com o acirramento da Guerra Fria e a entrada formal das partes ocidental e oriental do país nas alianças militares da OTAN e do Pacto de Varsóvia, respectivamente. Contudo, outras sanções (externas ou autoimpostas) ainda permaneciam vigentes, em especial na Alemanha Ocidental, restringindo a atuação militar do país aos limites do seu próprio território e enfatizando o desenvolvimento e a posse de equipamentos militares de natureza eminentemente defensiva, em detrimento de outros orientados à projeção de poder (tais como navios-aeródromos, submarinos nucleares e mísseis balísticos). O Tratado sobre a Regulamentação Definitiva Referente à Alemanha (Tratado 2 + 4), celebrado em Moscou em setembro de 1990, e que permitiu a reunificação alemã já no mês seguinte, limitou a capacidade militar do novo país a um contingente máximo de 370 mil militares, além de ratificar o impedimento da Alemanha em desenvolver armas nucleares, biológicas e químicas e a proibição da presença de forças militares de outras nações no território da antiga Alemanha Oriental (MAULL, 2006). No ano de 1994, o Parlamento alemão aprovou uma mudança constitucional, autorizando pela primeira vez desde o fim da Segunda Guerra Mundial o envio de tropas para além das fronteiras do país, possibilitando assim a crescente participação da Alemanha em missões de paz da ONU e, posteriormente, inclusive em ações de combate em conjunto com a OTAN. A primeira das operações militares da qual a Alemanha tomou parte desde sua reunificação ocorreu nas Guerras dos Balcãs, onde a força aérea do país executou diversas missões contra alvos sérvios em 1999. Apesar de a intervenção da OTAN ter sido posteriormente aprovada pela ONU sob o argumento da necessidade de se impedir a “limpeza étnica” praticada pelos sérvios em Kosovo, a ausência de um mandato específico autorizando a ação militar alemã e a memória ainda presente das atrocidades cometidas pelo país durante o regime nazista produziram na opinião pública da Alemanha um sentimento contrário à participação do país em ações militares no exterior, que perdura até os dias de hoje. Essa rejeição pode ser em parte observada na crescente disparidade entre as manifestações de interesse do governo alemão em ampliar o papel internacional desempenhado pelas forças armadas do país, tanto em conjunto com os demais membros da OTAN quanto em missões de paz da ONU, e a contínua redução do orçamento de defesa da Alemanha ao longo da década de 1990, o qual, mesmo tendo sido em parte recomposto nos anos recentes, ainda se encontra em patamares bastante inferiores aos da antiga Alemanha Ocidental nos anos 1980 (BELKIN, 2009, p. 12-13). Para uma análise dos dilemas enfrentados na utilização externa das forças armadas da Alemanha, particularmente em operações de paz, ver Kenkel (2012).

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forças armadas francesas se organizaram ao longo da segunda metade do século XX de forma distinta dos demais grandes países europeus. Em primeiro lugar, buscou-se a autossuficiência econômica e tecnológica da base industrial de defesa do país por meio de políticas de compras governamentais, elevados subsídios às empresas francesas e fomento às exportações, a um custo que se revelaria afinal excessivo com o término da Guerra Fria. Além disso, a tentativa de preservar sua herança colonial implicou a necessidade de preparação do país para conflitos bélicos não apenas contra o bloco comunista, mas também contra grupos insurretos na África e na Ásia (AUFRANT, 1999).

Embora muitas dessas ameaças fossem paulatinamente mitigadas ao longo das décadas seguintes, a estrutura militar herdada em função desses condicionantes ainda significava, no final do século XX, um pesado fardo ao Estado, manifesto na persistência de um percentual de gastos com defesa do país em relação ao PIB mais elevado que os de outros grandes países europeus ao longo de toda a década de 1990. Em especial, pesava a manutenção de sua presença militar fora da Europa e de toda a estrutura burocrática de suporte a essas forças, bem como de um parque industrial cuja capacidade produtiva se encontrava além das necessidades do país, num contexto de redução de compras de armamentos em todo o mundo (AUFRANT, 1999; LANXADE, 1993). Um longo e custoso processo de reforma de suas forças armadas teve início em princípios dos anos 1990, visando à completa profissionalização de seus efetivos e à adaptação de seus meios de combate à nova realidade imposta pela rápida evolução tecnológica no final do século XX (que seria consagrada na Primeira Guerra do Golfo em 1991) (LANXADE, 1993). De fato, ao longo dessa década a França teve o segundo maior gasto militar do mundo, inferior apenas ao dos Estados Unidos, mesmo num contexto de redução e realocação de seus efetivos militares ao redor do mundo.

Assim, embora a França tenha seguido uma trajetória de contínua redução de seus gastos com defesa ao longo dos anos 1990, seus cortes orçamentários foram significativamente menores que os dos demais países. Sua base industrial de defesa, particularmente, permaneceu dependente de subsídios e programas governamentais nacionais de modernização e substituição de equipamentos militares, representando um ônus para o orçamento de defesa francês (AUFRANT, 1999). Para compensar parcialmente o efeito da redução das compras governamentais sobre a indústria de defesa do país, a França buscou aproveitar a oportunidade criada pelo fim do bloco comunista para ampliar suas vendas de armas a países antes supridos pela União Soviética, em particular no Oriente Médio e no norte da África.

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Ao contrário destas cinco potências, países cujas trajetórias históricas impuseram maiores riscos de envolvimento em conflitos regionais tiveram uma elevação no seu volume de gastos militares nos anos 1990, a exemplo de China, Índia e Coreia do Sul. Estes países expandiram seus dispêndios no setor de defesa buscando modernizar os meios empregados por suas forças armadas num contexto em que as tensões regionais se mantiveram, relacionadas tanto a ameaças externas que, por vezes, resultaram em choques ao longo da faixa de fronteira (envolvendo Coreia do Sul e Coreia do Norte, Índia e Paquistão, e China e Taiwan), quanto a conflitos internos (nos casos da China e da Índia). Dentre estes países, a China foi aquele que realizou o maior esforço armamentista ao longo da década, ampliando em 68% seu montante de gastos militares, superior ao aumento (também acelerado) desses dispêndios na Índia (42,5%) e, em menor grau, na Coreia do Sul (25,3%). Não obstante a expansão dos gastos com defesa nestes três países, estes ainda cresceram num ritmo menor que o da sua rápida expansão econômica no período, resultando assim numa diminuição na participação dos dispêndios com defesa em termos percentuais do PIB, particularmente nos casos da Coreia do Sul e da China (ver tabela 2).

No caso do Brasil, os dados do gráfico 1 demonstram que os gastos com defesa aumentaram nos anos 1990, não obstante as recorrentes crises econômicas enfrentadas pelo país ao longo do período, as quais impactaram a alocação de recursos governamentais para esse setor.

Este gráfico apresenta a trajetória dos gastos militares brasileiros ao longo das duas últimas décadas segundo diferentes metodologias de cálculo. A fonte mais comumente empregada na literatura sobre dispêndios militares é o SIPRI, que em geral emprega dados oficiais em suas estimativas, recorrendo a outras fontes de informação apenas quando há divergências significativas de metodologia ou desconfiança em relação aos valores oficiais. Nesse sentido, o gráfico 1 demonstra que as estimativas da entidade seguem em linha com os dados oficiais do Ministério da Defesa (MD) informados a partir de 1995, deflacionados pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA); contudo, para o período anterior a 1995, os valores do SIPRI se afastam progressivamente dos dados oficiais calculados com base no IPCA. Em relação ao Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI), a semelhança nos valores é observada apenas a partir de 2003. Devido a suas características metodológicas (em especial sua sensibilidade a variações cambiais), o IGP-DI é comumente mais volátil que o IPCA, com o gráfico 1 sugerindo que essa maior volatilidade pode ter implicado uma tendência à sobre-estimação dos gastos militares do Brasil no período anterior a 2003.

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Dos “dividendos da paz” à guerra contra o terror: gastos militares mundiais nas duas décadas após o fim da Guerra Fria – 1991-2009

Analisando-se os dados propriamente ditos, observa-se que, após uma queda acentuada nos anos 1990 a 1992, os gastos tornaram a crescer a partir de 1993 e, então, assumiram uma trajetória contínua de expansão até o início dos anos 2000. Este crescimento se observa tanto pelos dados do SIPRI quanto por dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)/MD, embora haja divergência de valores entre as fontes (sobretudo até 1994). Em 1999, segundo dados do SIPRI, o montante de dispêndios com defesa no país alcançou um valor 48,4% superior ao de 1990 (sendo 151% superior ao dispêndio de 1991), resultado de um crescimento médio de 4% a.a. ao longo dessa década, inferior apenas ao ritmo de expansão observado na China. Segundo dados do IBGE e do MD, corrigidos pelo IPCA, a expansão teria sido pequena, da ordem de 3,7% (embora ao se tomar como base o ano de 1991, a expansão teria sido de 26,7%); segundo a correção pelo IGP-DI teria havido uma quase estabilidade, com recuo de 3,8% entre 1990 e 1999 (com expansão de 17,2% tendo 1991 como base). Contudo, é preciso salientar que, conforme dados do SIPRI ou do IBGE/MD

GRÁFICO 1Brasil: gastos militares – 1988-2010 (Em US$ bilhões de 2009)

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); Ministério da Defesa (MD) (2011); SIPRI (2012); Ipeadata. Elaboração própria.

Obs.: Os dados corrigidos pelo IPCA ou pelo Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI) têm como fontes o IBGE para o período 1988-1994 e o MD para o período 1995-2010.

Uma vez que o MD do Brasil foi criado no ano de 1999, o valor dos gastos militares do país para os anos anteriores é estimado pela soma das dotações orçamentárias dos ministérios do Exército, Marinha e Aeronáutica, bem como do Estado-Maior das Forças Armadas (extinto em 1999). Contudo, a contabilização desses valores é problemática para o período anterior a 1995, em virtude dos efeitos da hiperinflação sobre a execução do orçamento da União.

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5

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Valor Absoluto (SIPRI) Valor Absoluto - IPCA (IBGE/MD) Valor Absoluto - IGP-DI (IBGE/MD)

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(corrigidos pelo IPCA), grande parte do crescimento de gastos na década consistiu em mera recuperação da queda do período 1990-1992: segundo dados do SIPRI, o volume de dispêndios com defesa no Brasil em 1999 foi apenas 2,1% superior ao de 1989; segundo dados do IBGE e do MD corrigidos pelo IPCA o volume de gastos em 1999 teria sido 19,4% inferior ao de 1989; e segundo correção pelo IGP-DI, a diferença em 1999 seria de –25,3% em relação ao ano de 1989. Embora haja divergência de valores, não se observa uma diminuição dos gastos militares no Brasil nos anos 1990: há um crescimento, mas que é, em grande parte, uma recuperação da queda ocorrida no período 1990-1992.

Em relação ao PIB, os gastos militares brasileiros apresentaram uma trajetória relativamente estável, conforme observado no gráfico 2.

GRÁFICO 2Brasil: gastos militares – 1988-2010(Como proporção do PIB)

Fonte: SIPRI (2012); Banco Mundial. Elaboração própria.

Obs.: Para o período 1988-1991, os dados são do SIPRI e estão em percentuais arredondados. A partir de 1992, os dados foram consultados no site do Banco Mundial, que utiliza dados do SIPRI, mas sem arredondamento. No ano de 1991, embora os dados também estejam disponíveis no Banco Mundial sem arredondamento, há divergência de valores em relação ao SIPRI e, dessa forma, optou-se por utilizar os dados do SIPRI.

Observa-se a mesma queda verificada no período 1990-1992 para os gastos em valores absolutos, seguida de um crescimento no período 1993-1995. Segue-se nova queda nos anos 1996-1997, sucedida por novo crescimento no período 1998-2001,

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Dos “dividendos da paz” à guerra contra o terror: gastos militares mundiais nas duas décadas após o fim da Guerra Fria – 1991-2009

quando se atinge o percentual mais alto do período 1991-2010. Há uma nova queda até o ano de 2003, desde quando o percentual mantém-se por volta de 1,5% a 1,6% do PIB, indicando tendência de expansão dos gastos militares em ritmo que acompanha o crescimento econômico, com a relação gastos militares/PIB estável.

5 GASTOS MILITARES NOS ANOS 2000: GUERRA CONTRA O TERROR E EXPANSÃO MILITAR DOS PAÍSES EMERGENTES

No início deste século, verificou-se uma significativa inversão na trajetória dos gastos militares mundiais: após uma década de declínio, as despesas no setor de defesa passaram a se elevar rapidamente a partir de 2001 (aprofundando-se a tendência já observada desde o final da década anterior), “puxadas”, sobretudo, por Estados Unidos, Rússia e China, não obstante o crescimento dos gastos ter ocorrido também no restante do mundo. Entre 2000 e 2009, os gastos militares mundiais subiram de US$ 1,05 trilhão para US$ 1,56 trilhão, aumento de 48,9%. A tabela 3 contém as variações dos gastos militares nesta década para os mesmos países listados na tabela 2.

Enquanto, nos anos 1990, 8 dos 15 países listados tiveram aumentos médios em seus gastos militares (sendo que estes representavam uma parcela reduzida do montante global de dispêndios com defesa – 16,8%), 13 países exibiram aumentos nesses gastos nos anos 2000, sendo estes responsáveis por quase 70% do total de gastos militares mundiais no período. Os únicos países que apresentaram reduções médias em seus gastos – Alemanha, Itália e Japão – representaram apenas 10,7% do gasto médio mundial na década; ademais, suas reduções foram, em média, inferiores a 1% a.a. em termos absolutos.

Estados Unidos, Rússia e China, que já figuravam entre os cinco maiores orçamentos de defesa no ano de 2000, estiveram também entre os quatro países que mais ampliaram seus gastos ao longo desta década, aumentando sua participação relativa no total de dispêndios militares mundiais. Índia e Coreia do Sul, ainda envolvidas em situações de conflito (ou possibilidade de conflito) ao longo da década de 2000, mantiveram a trajetória da década anterior de elevação de gastos com defesa, enquanto a Austrália e os membros da OTAN, com destaque para Reino Unido, Espanha e Canadá, também tiveram elevações significativas em seus gastos, refletindo as necessidades impostas por suas participações ao lado dos Estados Unidos na Guerra do Afeganistão

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(2001-) e na Guerra do Iraque (2003-2011). A França, por sua vez, manteve seus gastos relativamente estáveis durante o período, não obstante sua participação em operações de menor vulto no Afeganistão.

TABELA 3Variação dos gastos militares – 2000-2009 (Em %)

Valores absolutos Valores em relação ao PIBPercentual médio dos gastos anuais

em relação ao gasto mundialGasto de 2009 em relação ao de 2000

Variação anual média

Gasto em 2000

Gasto em 2009

Gasto de 2009 em relação ao de 2000

1 Itália1 –13,3 –0,7 2,0 1,8 –10,0 3,2

2 Alemanha –6,7 –0,3 1,5 1,4 –6,7 3,8

3 Japão2 –1,3 –0,1 1,0 1,0 0,0 3,7

Subtotal (1 a 3) - - - - - 10,7

4 França3 7,4 1,2 2,5 2,5 0,0 5,1

5 Reino Unido4 28,1 2,4 2,4 2,7 12,5 4,8

6 Espanha 34,4 2,2 1,2 1,1 –8,3 1,3

7 Brasil 38,7 3,2 1,8 1,6 –11,1 1,7

8 Coreia do Sul5 48,2 4,1 2,6 2,9 11,5 1,7

9 Canadá 48,8 4,2 1,1 1,5 36,4 1,3

10 Austrália 50,2 4,0 1,8 1,9 5,6 1,3

11 Arábia Saudita6 66,9 5,3 10,6 11,2 5,7 2,3

12 Índia7 67,3 5,1 3,1 2,8 –9,7 2,1

13 Estados Unidos 75,8 5,9 3,1 4,7 51,6 40,2

14 Rússia8 105,4 7,5 3,7 4,3 16,2 3,4

15 China 216,7 13,1 1,9 2,2 15,8 4,7

Subtotal (4 a 15) – – – – – 69,9

Fonte: SIPRI (2011). Elaboração própria.

Notas: 1 São incluídos os gastos com defesa civil, que geralmente são de 4,5% do total do gasto militar.2 Não são incluídos os gastos com pensões militares. Ademais, até 2003 e para o ano de 2009 os dados referem–se ao montante previsto em orçamento, não refletindo necessariamente o gasto efetivo.3 Os gastos a partir de 2006 passaram a ser calculados a partir de uma nova metodologia.4 Os gastos a partir de 2001 passaram a ser calculados a partir de uma nova metodologia.5 Não são incluídos os gastos com três fundos especiais, destinados à: realocação de instalações militares; realocações de bases norte–americanas; e bem–estar para as tropas (Welfare for Troops). 6 São incluídos os gastos com a ordem e a segurança pública.7 Não incluem gastos com atividades militares nucleares. Ademais, são incluídos gastos com a BSF, a CRPF, a Assam Rifles, a ITBP e a SSB.8 Os dados para a Rússia até 2001 foram calculados a partir da conversão de rublos em PPC para dólares constantes.

Obs.: Na terceira e sétima colunas aparece o quanto os gastos em 2009 eram inferiores ou superiores aos de 2000; e na quarta coluna as variações médias para o período. São estimativas do SIPRI: os dados de Rússia e China para todo o período; os dados para a Coreia do Sul até 2003; e os dados da Itália para o período 2007-2009.

Nos parágrafos seguintes são analisados alguns aspectos dos gastos dos cinco países que ostentaram nesta década os maiores orçamentos militares do mundo, quais sejam: Estados Unidos, China, França, Reino Unido e Rússia. Posteriormente são também analisados os demais países discutidos na seção anterior – Alemanha, Índia, Coreia do Sul e Brasil.

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Dos “dividendos da paz” à guerra contra o terror: gastos militares mundiais nas duas décadas após o fim da Guerra Fria – 1991-2009

Os Estados Unidos lideram por larga margem a lista dos maiores orçamentos de defesa mundiais. Como analisado na seção anterior, sua participação no gasto militar mundial sofreu um declínio substancial nos anos 1990, mas novamente recuperou espaço na década seguinte, na esteira dos conflitos travados na chamada Guerra contra o Terror. No período compreendido entre 2000 e 2009 seus dispêndios nesse campo aumentaram, em média, 6,3% a.a.

Apesar das dificuldades em se precisar o custo efetivo até o presente das guerras travadas pelo país ao longo da década de 2000, as estimativas mais conservadoras superam a marca de US$ 1 trilhão,15 compreendendo o período desde 11 de setembro de 2001 até o ano de 2009 (DAGGETT, 2010). Essa elevação substancial pode ser observada no gráfico 3, correspondendo à área situada abaixo da linha cheia (valor absoluto) a partir do ano de 2001, e tomando por base o nível de gastos militares anterior a 2001 (aproximadamente US$ 380 bilhões). Percebe-se um aumento acelerado dos dispêndios militares norte-americanos na década de 2000; contudo, é importante notar que mesmo essa rápida elevação permitiu aos Estados Unidos apenas recuperar o montante de gastos anterior à década de 1990: somente no ano de 2005 esses dispêndios ultrapassaram o montante alcançado em 1988, não obstante o país já estivesse então engajado em dois conflitos armados de larga escala.

O gráfico 4 demonstra como os Estados Unidos ampliaram significativamente sua participação no montante total dos gastos militares mundiais ao longo dos anos 2000. Observa-se que o menor percentual do período foi atingido em 2001, ano em que os dispêndios militares do país corresponderam a cerca de 35% dos gastos mundiais, nível inferior aos dos anos de 1988 e 1989; contudo, a partir do ano seguinte, na esteira da Guerra contra o Terror, este percentual passou a se elevar rapidamente, tendo se mantido, desde 2003, em patamares superiores a 40%.

15. Deve-se fazer a ressalva de que essas estimativas tendem a considerar apenas o aumento dos gastos militares ao longo do período, ignorando outras implicações das guerras que, embora tenham seu efeito diluído no tempo, implicarão um fardo significativamente mais elevado para as gerações futuras nos Estados Unidos. Entre tais implicações, destacam-se os custos do apoio médico, previdência e dos programas de reabilitação e recolocação profissional para os veteranos; a reconstrução da infraestrutura dos países atacados; e diversos outros impactos econômicos indiretos, notadamente os derivados da elevação do custo das commodities importadas na esteira do choque do petróleo causado pelo conflito no Oriente Médio. Num sugestivo trabalho denominado The three trillion dollar war, os economistas Stiglitz e Bilmes (2008) levantam estes e vários outros fatores que provavelmente tornarão o custo real das guerras do Iraque e do Afeganistão substancialmente mais elevado que aquele originalmente previsto pelo governo norte-americano.

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GRÁFICO 4Gastos militares dos Estados Unidos como proporção do gasto total mundial – 1988-2010(Em %)

Fonte: SIPRI (2011). Elaboração própria.

Obs.: Não é possível calcular este percentual para o ano de 1991 em função da ausência de levantamentos de gastos com defesa para este ano na União Soviética.

34%

36%

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42%

44%

46%

GRÁFICO 3Gastos militares dos Estados Unidos – 1988-2010(US$ bilhões de 2009 e percentual em relação ao PIB)

Fonte: SIPRI (2011). Elaboração própria.

2,5%

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Valor absoluto Valor em relação ao PIB

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Dos “dividendos da paz” à guerra contra o terror: gastos militares mundiais nas duas décadas após o fim da Guerra Fria – 1991-2009

Uma vez que os gastos militares dos Estados Unidos representam parcela largamente superior à dos demais em termos de participação no total mundial, é pertinente analisar a evolução dos gastos das demais potências em termos comparativos ao montante de dispêndios com defesa realizados pelos Estados Unidos, a fim de se obter uma perspectiva mais clara acerca de sua possível trajetória para o futuro. O gráfico 5 ilustra, pois, os gastos militares de China, Rússia, França e Reino Unido como proporções do gasto militar norte-americano.

GRÁFICO 5Gastos militares de China, Rússia, França e Reino Unido como proporção do gasto militar dos Estados Unidos – 1988-2010

Fonte: SIPRI (2011). Elaboração própria.

Verifica-se, desde o início do período, um progressivo aumento na proporção de gastos militares da China em relação aos gastos dos Estados Unidos e, durante os anos 2000, um aumento dos dispêndios da Rússia em relação aos deste país. Em tendência inversa, observa-se a queda desta proporção nos casos da França e do Reino Unido. Em 1992, França, Reino Unido e Rússia apresentavam montantes similares de despesas militares. Com a trajetória de redução desses gastos nos anos 1990, sobretudo a Rússia perdeu grande parte de sua participação no total mundial de despesas militares. Contudo, a partir dos anos 2000, verifica-se que, enquanto essa tendência de queda se manteve na França e no Reino Unido, a Rússia recuperou gradativamente sua posição por meio do incremento contínuo de seu orçamento de defesa, até que, em 2009, os gastos

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destes três países se aproximaram novamente (ver gráfico 5). Nos próximos parágrafos analisam-se individualmente os casos de China, Rússia, Reino Unido e França.

Na China, o aumento nos dispêndios com defesa ao longo da década de 2000 foi de 217% (tabela 3), acelerando-se a tendência de elevação desses gastos no país observada desde os anos 1990 (média de crescimento de 13,1% a.a. nos anos 2000 frente a 5,6% a.a. nos anos 1990). A ininterrupta trajetória ascendente de gastos militares ao longo do período 2000-2009 demonstra uma política de expansão de seu poderio militar por meio da ampliação contínua do orçamento dedicado às forças armadas. Contudo, é preciso ressalvar que essa ampliação do nível de gastos militares ainda se deu em velocidade bastante próxima ao ritmo de crescimento da economia do país, resultando assim numa relação gastos com defesa/PIB em 2009 apenas um pouco superior àquela observada no início da década (ver gráfico 7).

Os gastos de defesa da China têm representado parcela cada vez maior dos gastos mundiais. Em 1998, eles superaram os da Rússia e, em 2006, os da França e do Reino Unido; a partir de então, a China se alçou ao posto de segundo maior orçamento militar do mundo. Para que se tenha uma perspectiva mais precisa acerca do avanço dos dispêndios chineses nessa área ao longo das duas últimas décadas, é preciso ter em conta que, em 1992, a China tinha apenas o oitavo gasto militar do mundo.

Nos anos 2000, a China deu continuidade ao ambicioso programa de modernização de suas forças armadas iniciado na década anterior, investindo não apenas na substituição de equipamentos bélicos, mas também na profissionalização de seus efetivos e na expansão das funções de combate do país, visando incorporar em sua estrutura militar as novas tecnologias cibernéticas e aeroespaciais que constituem atualmente os principais focos inovadores das forças armadas modernas (U. S. DEPARTMENT OF DEFENSE, 2010). Nos documentos oficiais do país vinculados à área de defesa se encontra cada vez mais presente a preocupação dos planejadores chineses com respeito à necessidade de as forças armadas do país estarem aptas a atuar para além da estrita defesa do território nacional, adotando uma postura estratégica mais expansiva, notadamente em termos de poderio naval e aeroespacial. A crescente capacidade de projeção de poder da China é interpretada hoje por alguns especialistas não mais como restrita à finalidade de exercer pressão política sobre Taiwan, mas com objetivos mais ambiciosos de médio e longo prazos, tais como o efetivo controle marítimo regional (de modo a superar o poderio local combinado de

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Estados Unidos e Japão) e a securitização de suas áreas de influência econômica expandidas nas décadas anteriores, notadamente na África e no Sudeste Asiático (YOSHIHARA; HOLMES, 2010; FRIEDBERG, 2011).

O aumento em termos absolutos nos gastos militares da China e da Rússia superou o dos Estados Unidos na década de 2000. Na Rússia, entre 2000 e 2009 o aumento foi em média superior a 11% a.a., de modo que ao final do período o seu gasto era 105% maior do que no início, revertendo-se assim a tendência de forte queda dos anos 1990 (ver tabela 2). Ainda assim, os dispêndios governamentais do país no setor de defesa como proporção do PIB permaneceram estáveis ao se comparar o início e o fim dos anos 2000, alcançando em 2008 níveis observados no início da década (ver gráfico 7). A elevação do volume desses dispêndios ao longo da década de 2000 mostra que a Rússia logrou aproveitar a recuperação econômica no período para retomar os investimentos em seu poderio militar, lastreados, sobretudo, na recuperação dos preços dos hidrocarbonetos. Não obstante, faz-se necessário analisar mais detidamente outros fatores que também condicionaram a elevação desses gastos no período (BERGSTRAND, 2010).

GRÁFICO 6Gastos militares de Rússia e China (em valores absolutos) – 1989-2010(US$ bilhões a valores constantes de 2009)

Fonte: SIPRI (2011). Elaboração própria.

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Rússia China

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Após o fracasso de sua primeira intervenção na Chechênia (1994-1996), quando as tropas russas foram obrigadas a se retirar do território devastado, era evidente que a forte redução nas despesas militares do país no período precedente havia reduzido a capacidade operacional de suas forças armadas a níveis insustentáveis. Deserções, corrupção e deficiências de treinamento e organização grassavam nas fileiras militares, ao mesmo tempo em que o sucateamento de grande parte dos equipamentos bélicos do país e sua inadequação para fazer frente às novas ameaças enfrentadas pelo país (notadamente ações de guerrilha e terrorismo) também cobravam um elevado preço do poderio militar da Rússia (ARBATOV, 1997). Desde então os planejadores militares russos já haviam constatado a necessidade de empreender uma profunda reforma na estrutura de defesa do país, a qual, contudo, só tomaria corpo a partir de 1999, quando foram superadas as consequências da crise econômica que culminara no default da dívida soberana do país no ano anterior (ROSEFIELDE, 2005; NICHOL, 2011). Ao longo da década de 2000 a Rússia promoveu uma série de transformações na organização de suas forças armadas, reduzindo efetivos e ampliando a sua profissionalização, retomando projetos de aprimoramento de seus meios de combate e redistribuindo e adaptando suas unidades de acordo com as perspectivas de conflito identificadas pelo país para as próximas décadas. Cumpre notar que, dentre estas novas ameaças percebidas, se incluem não apenas os movimentos separatistas do Cáucaso e os históricos litígios de fronteira do país com o Japão, mas também – e com cada vez mais destaque – as potências ocidentais e os novos membros da OTAN do Leste Europeu, o que evidencia uma clara mudança estratégica do país em relação à postura adotada na década anterior (ARBATOV, 1997; ROSEFIELDE, 2005; NICHOL, 2011).

Ao serem comparados somente os casos de Estados Unidos, Rússia e China, observa-se que os Estados Unidos tiveram o menor aumento em termos de volume de gastos militares nos anos 2000 (tabela 3). Contudo, quando se analisa a proporção destes gastos em relação ao PIB, observa-se que o aumento dos gastos militares norte-americanos foi nitidamente superior ao ocorrido na China e na Rússia. Entre 2000 e 2009, a proporção dos gastos em relação ao PIB se elevou em 51,9% nos Estados Unidos. O país com o segundo maior crescimento dos gastos militares em relação ao PIB no período foi a Rússia, seguida da China; contudo, o percentual de elevação em ambos os casos foi cerca de três vezes inferior ao norte-americano. Infere-se da análise destes dados que, nos Estados Unidos, houve uma opção política por uma maior militarização durante os anos 2000 em detrimento de investimentos em outras

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áreas, ao contrário do ocorrido nos demais países listados, onde a dinâmica dos gastos militares foi semelhante ou mesmo inferior à trajetória de crescimento da economia (conforme se observa no gráfico 7 pelos exemplos de Rússia e China).

GRÁFICO 7Gastos militares de Rússia, Estados Unidos e China em relação ao PIB – 1992-2010

Fonte: SIPRI (2011). Elaboração própria.

A trajetória dos dispêndios militares da França ao longo da década de 2000 foi marcada pela estabilidade, tanto em termos absolutos (apenas 7,4% de elevação entre 2000 e 2009) quanto em relação ao PIB do país – variação nula no mesmo período – ver tabela 3). Essa trajetória estável reflete a continuidade do longo processo de reformulação de sua estrutura de defesa iniciado desde o fim da Guerra Fria. Nesse sentido, verifica-se que os avanços obtidos em termos de flexibilização e modernização das forças armadas ainda foram em grande parte contrabalançados pela persistência de uma estrutura organizacional custosa, resultando em um nível de investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) relativamente baixo quando comparado a outros países de porte similar, além de um setor industrial de defesa excessivamente dependente do setor público nacional (COULOMB; FONTANEL, 2005; TOMIO, 2010). A crise financeira de 2008 e seus desdobramentos no continente europeu ensejaram um corte significativo dos recursos a serem destinados ao setor de defesa para os próximos anos, em que pese a intenção manifesta do país em ampliar até 2025 em pelo menos 1 p.p. sua relação gastos

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Rússia China Estados Unidos

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militares/PIB (TOMIO, 2010). É importante notar que, ao contrário de outras potências europeias, a França não se envolveu em conflitos armados de vulto nos anos 2000. Não obstante a recente reaproximação em relação à OTAN,16 o país teve uma participação modesta nos conflitos que envolveram os países desta aliança na última década, sendo sua contribuição praticamente limitada a um contingente de soldados no Afeganistão.17

O Reino Unido apresentou uma trajetória consistente de elevação de seus gastos com defesa ao longo dos anos 2000. Ao final desse período o montante de gastos militares do país era 28,1% superior ao do início da década, resultando num pequeno aumento da participação relativa desses gastos no PIB do país (tabela 3). A elevação dos gastos militares britânicos se deu no contexto do crescente envolvimento do país nas guerras travadas no Iraque e no Afeganistão. Embora o país tenha conservado uma estrutura de defesa relativamente enxuta em comparação a outras potências militares, as necessidades impostas pelas guerras travadas ao longo da década demonstraram limitações quanto à sua operacionalidade, refletidas, por sua vez, nos pesados custos de logística e manutenção de suas tropas no exterior (U.K. MINISTRY OF DEFENCE, 2010). A crise financeira resultou no adiamento de diversos programas de substituição dos equipamentos militares do país, além do atraso na construção de novos meios, notadamente para suas forças navais (KORDOŠOVÁ, 2010).

Ao contrário de outras potências militares europeias, a Alemanha empreendeu ao longo da última década uma política de redução gradual de seus dispêndios militares, que alcançaram em 2009 um valor 6,7% mais baixo que no início da década (tabela 3). Uma vez que desde o fim da Guerra Fria o país: i) mantém uma

16. Após a decisão do presidente Charles de Gaulle de retirar a França da estrutura militar integrada da OTAN em 1966, o país permaneceu por longo período apartado das decisões desta aliança militar, não obstante a continuidade de seu alinha-mento ao bloco ocidental durante a Guerra Fria. O fim deste conflito permitiu a reaproximação da França em meados dos anos 1990, fornecendo contingentes para missões de paz e participando regularmente de operações militares conjuntas com os demais países da OTAN. Mas a ausência de uma vinculação formal à estrutura militar integrada desta aliança impe-dia que comandantes franceses participassem do planejamento e condução de operações militares. Visando preencher esta lacuna, foi anunciada em março de 2009, pelo presidente Nicolas Sarkozy, a intenção do país de se reincorporar à estrutura militar integrada da OTAN, embora a adesão formal ainda não tenha sido celebrada até a presente data.17. A missão francesa no Afeganistão consistia em abril de 2012 de um efetivo de cerca de 3.300 soldados. Fonte: International Security Assistance Force (ISAF). A previsão do governo francês é que este contingente seja retirado do país até 2013, um ano antes do planejamento prévio estabelecido pela OTAN. A respeito da participação da França junto às operações militares da OTAN no bojo da guerra contra o terror, cumpre ressaltar que a França se opôs à intervenção no Iraque, limitando sua participação local a atividades de treinamento.

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estrutura militar reduzida; ii) não se envolveu em conflitos armados de magnitude;18 e iii) optou voluntariamente por renunciar à aquisição de diversos tipos de armamentos sofisticados, os dispêndios de defesa na Alemanha não constituem atualmente um fardo expressivo ao orçamento governamental tal qual em outros países ocidentais. Ao mesmo tempo, contudo, a redução dos gastos militares da Alemanha não implica um risco expressivo de deterioração de sua capacidade militar, posto que o país continua a enfatizar programas de treinamento e modernização de suas forças armadas e mantém um elevado investimento em capital no setor de defesa (STEINHOFF, 2011). Além disso, o país parece ter sido bem-sucedido no processo de incorporação do “passivo” militar da antiga Alemanha Oriental, conservando um elevado nível de adestramento e operacionalidade de suas forças armadas sem incorrer em custos excessivos, não obstante a intenção do governo de acelerar o processo de modernização por meio de uma ampla reforma da estrutura militar alemã.19 Não obstante estas considerações, ainda permanecem dúvidas acerca da capacidade da Alemanha de assumir um papel mais central nas instituições multilaterais de defesa e segurança, tal qual o desempenhado pelo país na esfera econômica, dada a trajetória de uma estrutura militar orientada exclusivamente para a proteção do território nacional (MERRATH, 2000; MESSNER; SCHOLZ, 2005; STEINHOFF, 2011).

Índia e Coreia do Sul, por sua vez, deram continuidade na década de 2000 à trajetória anterior de elevação de seus gastos militares, ampliando-os, respectivamente, em 67,3% e 47,2% (tabela 3). Contudo, essa elevação não denotou uma política clara de militarização desses países em relação aos investimentos em outras áreas, posto que seus gastos militares cresceram em ritmo inferior ao de suas economias. Portanto, mesmo diante da persistência dos focos de tensão nas fronteiras da Índia e da Coreia do Sul, somados a incidentes tais como as confrontações esporádicas entre forças navais

18. Afora a participação da Alemanha em missões de paz da ONU, o país mantém hoje um contingente de aproximada-mente 4.900 soldados no Afeganistão (fonte: ISAF), envolvidos principalmente com o treinamento de forças militares e policiais locais. 19. Existe atualmente um amplo debate na Alemanha acerca da proposta de reforma do Bundeswehr, que prevê a redução dos efetivos das forças armadas dos atuais 250 mil para 180 mil soldados, além da suspensão da conscrição em vigor desde julho de 2011, de modo a assegurar a plena profissionalização das forças. A reforma prevê também o fechamento de bases militares no país e a redução drástica de altos postos nas forças armadas, visando acelerar o fluxo de informações e o processo decisório em suas instâncias de comando. O principal argumento dos reformadores consiste no fato de que a Alemanha necessita de uma estrutura militar menor e mais flexível a fim de poupar recursos para investimentos em equi-pamentos militares mais modernos e também para ampliar sua atuação no exterior.

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militares norte e sul-coreanas e os ataques terroristas na Índia, a política de expansão dos dispêndios com defesa destes países ainda pareceu estar mais fortemente ligado às condições econômicas ao longo da década.

No caso do Brasil, embora, em termos de volume, tenha havido tanto nos anos 1990 como nos anos 2000 uma expansão dos gastos militares em valores absolutos, verificou-se um decréscimo desses dispêndios em termos relativos ao PIB, que não lograram acompanhar o ritmo de crescimento da economia do país. Nos anos 1990, o crescimento médio dos gastos militares (em valores absolutos) foi da ordem de 4% a.a. e, nos anos 2000, de 3,2% a.a. Contudo, em relação ao gasto de defesa sobre o PIB, houve uma diminuição em ambas as décadas: entre 1990 e 1999 a diminuição foi de 10,5%, a quarta menor entre os 15 países listados; entre 2000 e 2009, foi de 11,1%, a maior entre estes mesmos países. Deve ainda ser destacado que o Brasil teve um comportamento distinto dos demais países analisados em relação às variações nos gastos militares nos dois períodos – se, nos anos 1990, o país elevou esses gastos em valores absolutos e teve uma pequena queda na relação defesa/PIB, ao mesmo tempo em que praticamente todos os demais países tiveram quedas expressivas em ambos os indicadores, nos anos 2000 o Brasil logrou elevar seus dispêndios com defesa em valores absolutos, mas teve uma queda dessas despesas em relação ao PIB mais alta que a ocorrida em todos os demais países analisados.

Embora o aumento dos gastos militares tenha sido particularmente acentuado nos Estados Unidos, na Rússia e na China, a sua elevação ocorreu em todas as regiões do mundo, como consta na tabela 4. Contudo, dado o ritmo superior da elevação de gastos nestes três países em relação ao restante do mundo e de sua participação majoritária no volume mundial de despesas militares, o impacto da aceleração em seus gastos foi decisivo para que se recuperasse o nível de gastos mundial anterior ao fim da Guerra Fria.

Por fim, deve-se fazer a ressalva de que o gasto militar mundial em 2009, mesmo com o crescimento ocorrido nos anos 2000, ainda foi apenas 15% superior ao de 1988. Em particular nos Estados Unidos observa-se que a proporção de 4,7% dos gastos de defesa em relação ao PIB alcançada em 2009 ainda foi 1 p.p. inferior à verificada em 1988 (da ordem de 5,7%), não obstante todo o esforço empreendido pelo país para fazer frente a pelo menos duas guerras de grande envergadura na última década (no Iraque e no Afeganistão). Essa comparação ilustra a magnitude do impacto da corrida

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armamentista travada no último período da Guerra Fria sobre o orçamento de defesa dos Estados Unidos.

TABELA 4Variação dos gastos militares – 2000-2009 (Em valores constantes)

Região Gasto de 2009 em relação ao de 2000 (%)

África +62,2

Norte da África +107,2

África Subsaariana +42,4

Américas +72,2

América do Norte +74,9

América Central e Caribe +27,6

América do Sul +48,7

Ásia e Oceania +66,7

Leste da Ásia +70,7

Sul da Ásia +56,7

Oceania +46,8

Europa +15,7

Europa Ocidental +5,4

Europa Oriental +107,7

Europa Central +23,6

Oriente Médio +34,8

Mundo +53,3

Fonte: SIPRI. Elaboração própria.

Em síntese, o aumento no volume de gastos militares mundiais nos anos 2000 deve ser relativizado, a exemplo da análise feita para os anos 1990, posto que, observando-se a proporção defesa/PIB, houve queda ou estabilidade dos dispêndios na maior parte dos países analisados. Índia, Brasil e Itália ostentaram, inclusive, uma redução em seus gastos superior à dos anos 1990.

6 COMPOSIÇÃO DOS GASTOS MILITARES E INTENSIDADE DE CAPITAL DAS FORÇAS ARMADAS: BRASIL E PAÍSES DA OTAN

Ademais dos gastos militares nacionais agregados, é importante observar a sua composição, analisando-se os percentuais destinados para aquisições de equipamentos, pagamento de pessoal e outras despesas, de forma que seja traçada com mais precisão

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uma imagem das trajetórias dos gastos ao longo do tempo. Tal análise, quando feita em conjunto com a dos dados nacionais agregados, pode revelar distorções que não ficam aparentes quando se observam os gastos militares como um todo, ainda que se considerem tanto os gastos em valores absolutos como em relação ao PIB. Como exemplo, caso ocorresse um aumento salarial de 100% para os militares de um país que aloca 80% de seus recursos de defesa para o pagamento de pessoal, haveria uma elevação de 80% no gasto militar nacional, o que não significaria, no entanto, que o poder militar do país também se ampliaria nesta mesma proporção apenas de um ano para outro. De forma inversa, a reorganização das forças armadas de um país poderia implicar substancial redução de efetivos, diminuindo os gastos militares, embora isto pudesse significar uma ampliação do poder militar do país – e não uma diminuição. Em síntese, deve-se buscar identificar as parcelas que compõem os gastos militares e como estas se comportam ao longo do tempo de modo a construir um retrato mais fiel da capacidade bélica de um determinado país e de suas estratégias para aprimorá-la. Dessa forma, pode-se qualificar melhor a forma pela qual as mudanças nos gastos militares podem significar alterações nas políticas de modernização militar.

Antes de serem apresentados os dados relativos às potências militares e ao Brasil, ressalva-se que os dados de composição dos gastos militares não se encontram disponíveis de forma sistematizada para a maior parte dos países. Desse modo, foram selecionados os dados de alguns integrantes da OTAN e do Brasil.

6.1 COMPOSIÇÃO DOS GASTOS MILITARES DE ALGUNS PAÍSES DA OTAN E DO BRASIL – 2000-2010

Ao se analisar os gastos militares dos integrantes da OTAN, nota-se como a sua composição é bastante diversa. Na tabela 5, constam as composições dos gastos dos dez países de maiores gastos militares da OTAN e do Brasil.

Os percentuais dos gastos com defesa alocados para as aquisições de equipamentos foram bastante distintos. O país que proporcionalmente mais destinou recursos para esta rubrica foi a Turquia, seguida de Estados Unidos, Reino Unido e França, sendo estes os quatro países que, em média, gastaram mais de 20% dos seus recursos de defesa na aquisição de equipamentos. Os Estados Unidos tiveram, proporcionalmente, gastos com equipamentos que foram, em média, mais que o dobro dos da Itália, 64% superiores aos da Alemanha e 37% superiores aos da Espanha. Em comparação aos países que possuem

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os maiores orçamentos de defesa no âmbito da OTAN, o Brasil apresentou uma média de despesas com investimento em meios bélicos reduzida no período 2000-2010: apenas 7,4% do orçamento de defesa foram destinados para investimentos.

Em relação aos gastos com pessoal, as proporções foram também díspares. Os Estados Unidos apresentaram o menor percentual de despesas nessa rubrica entre os dez países, seguidos de Reino Unido e Canadá. A Itália e a Grécia, por sua vez, tiveram uma proporção de gastos com pessoal próxima ou acima de 70%. Como referência, os gastos com pessoal militar no Brasil, no período 2000-2010, foram, em média, de 76,7% dos gastos totais com defesa, superiores, portanto, aos de todos os países listados na tabela 5. O único país listado que apresenta características similares às do Brasil em termos de composição de gastos militares é a Itália.

Contudo – e como mencionado –, estes diferentes percentuais destinados a gastos com equipamentos militares não resultam, necessariamente, em maior ou menor

TABELA 5Percentuais de gastos militares destinados à aquisição de equipamentos, pagamento de pessoal e pagamento de outras despesas; e gasto com equipamentos militares por soldado: médias para o período 2000-2010

Aquisições de equipamentos (%)

Pagamento de pessoal (%)

Outros (infraestrutura, custeio etc., %)

Gasto militar com equipamentos por soldado (US$ de 2009)1

1 Turquia 30,5 48,3 21,2 8.808

2 Estados Unidos 24,8 37,7 37,5 93.169

3 Reino Unido 23,2 38,8 38,0 59.343

4 França 22,0 56,8 21,2 43.143

5 Espanha 18,1 57,2 24,8 21.783

6 Países Baixos 16,7 50,0 33,3 38.825

7 Grécia 15,2 69,9 14,9 9.502

8 Alemanha 15,1 57,3 27,6 26.870

9 Canadá 13,0 45,2 41,8 34.297

10 Itália 11,5 74,3 14,2 17.329

- Brasil 7,4 76,7 15,9 5.359

Fonte: OTAN; MD (2011). Elaboração própria.

Nota: 1 Esta é uma medida de intensidade de capital nas forças armadas, que visa oferecer uma medida aproximada do grau relativo de modernização das forças armadas de cada país com base na razão entre os dispêndios realizados com equipamentos militares e a quantidade de efetivos. É preciso, contudo, ressaltar que, conforme anteriormente apontado, essa medida pode apresentar distorções, oriundas tanto de efeitos cambiais (que causam efeitos diferentes para países que importam armamentos e outros que os produzem internamente) quanto das especificidades de cada país (que implicam, por exemplo, ênfases diferenciadas para suas forças terrestres, aéreas e navais, sendo as duas últimas mais intensivas em capital que a primeira).

Obs.: Os dados para os países da OTAN referem-se apenas às aquisições de equipamentos militares, enquanto os do Brasil correspondem ao montante total de “investimentos”, incluindo não apenas as aquisições de equipamentos militares, mas também itens de apoio logístico e administrativo, desde que estes se enquadrem na categoria de “material permanente”. Dessa forma, o percentual da coluna “aquisições de equipamentos” para o caso do Brasil é certamente inferior ao apresentado. Ou seja, somando-se todas as aquisições de “material permanente”, o Brasil ainda tem um percentual inferior ao de todos os demais países listados. Por essa razão, o Brasil não apresenta posição de ranking nesta lista – sua inclusão nas tabelas desta seção se destina apenas a uma análise comparativa que, contudo, não é a ideal.

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poder militar. Isto ocorre, inicialmente, pelos três motivos analisados na seção 1: i) estes percentuais não consideram o estoque de armamentos acumulados ao longo do tempo, o qual pode atender às demandas de defesa do país a ponto de que novas aquisições não sejam necessárias; ii) a aplicação dos recursos pode ser feita de forma ineficiente, havendo aquisições de equipamentos que não atendem às necessidades de defesa do país; e iii) a geografia e a possibilidade de envolvimento em conflitos também devem ser consideradas.

Ademais, há uma razão adicional para o percentual de gastos com equipamentos militares não indicar, necessariamente, maior ou menor poder militar: esta consiste em que a remuneração média de um militar varia muito entre os países. Por esse motivo, um país pode alocar parcela elevada de seus gastos para a aquisição de equipamentos mesmo tendo efetivos relativamente elevados, o que implicará que o número e a qualidade dos equipamentos por soldado serão inferiores aos de países que alocam percentuais menores para a aquisição de equipamentos. Ou seja, um país pode alocar parcelas maiores que outros para a aquisição de equipamentos, mas, ainda assim, ser mais intensivo em mão de obra. Isto é observado no caso da Turquia, que é o país que proporcionalmente mais aloca recursos para a aquisição de equipamentos entre os integrantes da OTAN, mas, ao mesmo tempo, tem um investimento pequeno nesta rubrica em relação ao número de militares que suas forças armadas possuem. Por esse motivo, apesar de ter o maior percentual destinado à aquisição de equipamentos entre os países listados, possui o menor montante de gastos com equipamentos militares por soldado. Em parte, isto pode decorrer de menores custos de produção de equipamentos de defesa na Turquia do que, por exemplo, nos Estados Unidos (que têm o maior montante de gastos com equipamentos por soldado entre os países listados). Ainda assim, supondo-se que esta diferença se assemelha à diferença entre a renda per capita PPC entre os países (a qual é de 3,5 vezes; US$ 46.860 nos Estados Unidos frente a US$ 13.577 na Turquia, em 2010, com dados do FMI), e multiplicando-se o gasto com equipamentos por soldados na Turquia por esta diferença (o que resulta em cerca de US$ 30 mil), o gap da intensidade de capital entre as forças armadas dos dois países ainda seria superior a três vezes.

Apesar da ressalva dos dois parágrafos anteriores, ao se analisar uma série histórica de valores absolutos dos gastos alocados para a aquisição de equipamentos e de percentuais destes gastos em relação ao total de gastos militares, em conjunto à análise dos gastos com equipamentos por soldado, tem-se uma indicação – ainda que imperfeita – da intensidade de capital das forças armadas e de seu ritmo de modernização tecnológica ao longo do tempo. Observando-se as variações (tabelas 6, 7 e 8), nota-se que, embora

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tenham ocorrido mudanças expressivas nos gastos com equipamentos e com pessoal ao longo da última década, as diferenças nos perfis militares de cada país são nítidas.

TABELA 6Valores dos gastos para aquisição de equipamentos militares e percentuais em relação ao total do gasto militar – 2000-2010(US$ bilhões de 2009)1

País 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Média

Turquia 5,5 5,9 6,0 6,5 5,1 4,4 5,5 3,4 4,5 4,2 4,4 5,0

28,3% 33,0% 31,5% 38,3% 32,9% 29,8% 34,4% 24,5% 29,3% 25,6% 27,9% 30,5%

Estados Unidos82,3 97,4 116,6 118,6 129,8 135,5 141,0 141,8 161,5 161,1 166,3 132,0

21,9% 25,7% 27,4% 24,5% 24,6% 24,5% 25,1% 24,6% 26,1% 24,1% 24,2% 24,8%

Reino Unido11,7 11,4 11,8 11,9 12,0 12,1 11,1 12,0 12,4 12,7 14,1 12,1

25,7% 24,2% 23,6% 22,6% 22,8% 23,1% 21,2% 22,6% 22,5% 21,9% 24,5% 23,2%

França11,2 11,5 11,6 12,8 13,4 13,4 14,4 13,5 13,2 18,1 18,5 13,8

18,9% 19,4% 19,1% 20,5% 20,9% 21,3% 22,8% 21,4% 21% 27% 30,2% 22%

Espanha 1,8 1,8 1,8 3,1 3,3 3,2 3,7 3,7 3,8 2,9 1,9 2,8

12,9% 12,7% 12,8% 22,2% 22,8% 22,1% 21,7% 20,8% 21,4% 17,4% 12,1% 18,1%

Países Baixos 1,8 1,9 1,8 1,7 1,9 1,8 2,0 2,3 2,0 2,1 1,8 1,9

17,0% 16,7% 15,9% 14,9% 16,7% 16,0% 16,8% 19,1% 17,2% 17,6% 15,7% 16,7%

Grécia 1,6 1,3 1,1 0,8 0,6 1,3 1,4 1,0 1,7 2,9 1,7 1,4

17,8% 15,2% 13,1% 10,7% 7,3% 15,3% 14,9% 10,5% 16,4% 27,8% 18,3% 15,2%

Alemanha 6,6 6,7 6,8 6,6 6,8 6,5 6,7 6,5 7,8 8,4 8,2 7,1

13,5% 14,0% 14,1% 13,8% 14,8% 14,2% 15,0% 14,6% 17,1% 17,6% 17,6% 15,1%

Canadá 1,6 1,5 1,9 1,8 1,9 1,7 1,8 2,5 2,4 2,5 2,8 2,0

12,4% 11,1% 13,9% 13,6% 13,7% 11,8% 11,8% 14,8% 13,0% 12,8% 13,8% 13,0%

Itália 5,9 4,2 5,2 5,4 4,9 3,7 2,8 5,3 5,0 4,3 4,2 4,6

14,3% 10,3% 12,4% 12,9% 11,7% 9,1% 7,2% 14,0% 12,7% 11,3% 10,9% 11,5%

Brasil 1,6 1,7 1,3 0,6 1,0 1,2 1,1 1,8 1,8 2,4 3,9 1,7

8,3% 7,7% 6,0% 3,5% 5,5% 5,8% 5,1% 8,2% 7,8% 9,4% 13,8% 7,4%

Fonte: OTAN; SIPRI (2011); MD (2011).

Nota: 1 Gastos com aquisição de “major equipments” e com P&D dedicados a “major equipments”.

Obs.: - As linhas superiores apresentam, para cada país, o valor absoluto de gastos com equipamentos militares (em US$ bilhões), enquanto as linhas inferiores apresentam o percentual destes gastos em relação ao total dos gastos militares do país. Os percentuais têm a OTAN como fonte; os mesmos foram aplicados ao valor dos gastos militares totais do banco de dados do SIPRI.

- Os dados originais para o Brasil estavam apresentados em reais a preços constantes com base no Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna (IGP-DI) médio de cada ano. Entretanto, optou-se neste trabalho por refazer os cálculos e apresentar os dados a preços correntes deflacionados pelo IPCA médio de cada ano, índice oficial do governo federal brasileiro. Estes valores foram então convertidos para a cotação média do dólar comercial em 2009.

Verifica-se que a maior parte dos países (Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, Canadá, França, Itália e Países Baixos) apresentou pouca variação em termos de percentuais do orçamento alocados para a aquisição de meios militares ao longo da última década, enquanto outros, como Espanha, Grécia e Turquia tiveram grande volatilidade desse indicador (tabela 6). Esse dado sugere a possibilidade tanto

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de mudanças repentinas e significativas nas estratégias de reequipamento das forças armadas destes países quanto características particulares das suas economias ou mesmo dos ordenamentos jurídicos que regem seus gastos governamentais.

Ao longo da década de 2000, Turquia, Estados Unidos, Reino Unido, França e Espanha (esta última apenas no período 2003-2008), destinaram parcela substancialmente maior de seus orçamentos de defesa para a aquisição de equipamentos militares que os demais países listados. Nesse sentido, os maiores percentuais alcançados por Itália (14,3%), Canadá (14,8%) e Alemanha (17,6%) em nenhum momento superaram os menores percentuais de França (18,9%), Estados Unidos (21,9%) e Reino Unido (21,2%).

No caso da Espanha, observa-se uma trajetória de contínua elevação do percentual de gastos com equipamentos militares, o que denota uma estratégia de modernização de suas forças armadas. Diferentemente, Grécia e Turquia não mantiveram níveis estáveis de investimentos em meios militares ao longo do período (não obstante os elevados percentuais alocados para esta finalidade na Turquia como proporção de seus gastos militares).

O Brasil figura neste quesito como o país que menos investe na aquisição de meios militares como proporção de seus gastos de defesa, não obstante uma tendência de crescimento desse percentual ao longo dos últimos anos, acompanhando a trajetória de recuperação econômica do país após o longo período de crises dos anos 1980 e 1990. Essa inflexão na trajetória de investimentos militares sugere que o país se encontra atualmente empenhado numa política de modernização e reequipamento de suas forças armadas, ainda que comedida e de escala reduzida.

Os gastos com pessoal mostraram maior regularidade no tempo para todos os países. Ao mesmo tempo, como mencionado, verificam-se diferenças substanciais nos percentuais aplicados por cada país nessa rubrica, o que também fornece indicações acerca da tendência histórica e da eventual reorientação de estratégias de cada nação.

A tabela 7, que mostra a trajetória das despesas com pessoal no setor de defesa para os maiores orçamentos militares da OTAN, evidencia essas discrepâncias. Estados Unidos e Reino Unido apresentaram ao longo de toda a década de 2000 os percentuais mais baixos alocados com despesas de pessoal entre os países listados (exceção feita aos

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Dos “dividendos da paz” à guerra contra o terror: gastos militares mundiais nas duas décadas após o fim da Guerra Fria – 1991-2009

anos de 2009 e 2010 para o caso dos Estados Unidos), enquanto Grécia e Itália foram os países com os gastos mais elevados nessa rubrica (embora se observe uma diminuição no período 2009-2010 no caso da Grécia). Embora metade dos 10 países listados da OTAN tenha dedicado às despesas com efetivos militares parcelas superiores a 50% do gasto total com defesa, verifica-se uma tendência de estabilização ou mesmo de redução gradual desse percentual ao longo da década para a maior parte dos países, em especial daqueles com maiores parcelas de seu orçamento comprometidas com esses gastos.

TABELA 7Valores dos gastos com pessoal e percentuais em relação ao total de gastos em defesa: 2000-2010(US$ bilhões de 2009)

País 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Média

Turquia 8,8 8,0 8,7 7,8 7,8 7,7 7,7 7,4 7,2 8,1 7,8 7,9

45,1% 44,7% 45,8% 45,6% 49,7% 52,2% 48,4% 53,3% 46,8% 49,6% 49,7% 48,3%

Estados Unidos141,7 137,2 153,6 174,8 181,6 192,4 207,2 202,9 206,1 313,6 320,9 202,9

37,7% 36,2% 36,1% 36,1% 34,4% 34,8% 36,9% 35,2% 33,3% 46,9% 46,7% 37,7%

Reino Unido 17,4 18,6 19,9 20,9 20,9 21,9 21,2 20,6 20,2 21,7 20,5 20,3

38,2% 39,4% 39,8% 39,6% 39,8% 41,6% 40,4% 38,8% 36,5% 37,5% 35,7% 38,8%

França 35,9 35,9 36,7 36,7 36,8 36,4 36,1 36,1 36,0 33,0 29,2 35,3

60,4% 60,5% 60,7% 58,9% 57,4% 58,0% 57,2% 57,1% 57,4% 49,3% 47,6% 56,8%

Espanha 8,7 8,8 7,8 7,8 7,8 8,0 9,1 9,3 9,5 9,9 10,0 8,8

63,9% 63,4% 54,9% 55,7% 53,9% 54,6% 53,5% 53,0% 53,8% 58,7% 63,4% 57,2%

Países Baixos 5,5 5,3 5,7 5,9 5,7 5,8 5,7 5,7 5,8 6,1 6,1 5,8

50,8% 48,0% 51,2% 52,6% 50,5% 50,5% 47,8% 47,2% 48,6% 50,1% 52,3% 50,0%

Grécia 5,6 5,6 5,8 5,5 6,3 6,5 6,7 7,3 7,5 6,0 6,1 6,3

62,5% 64,0% 67,6% 74,5% 77,3% 74,1% 73,8% 79,5% 74,1% 56,5% 65,0% 69,9%

Alemanha 29,7 29,0 28,7 28,6 27,4 26,5 25,4 24,4 24,6 25,2 24,7 26,8

60,7% 60,3% 59,4% 60,1% 59,3% 58,3% 57,1% 54,9% 53,9% 53,2% 52,7% 57,3%

Canadá 5,7 5,7 6,0 6,1 6,5 6,8 7,2 7,7 8,1 8,8 9,1 7,1

43,9% 42,9% 45,1% 44,9% 45,9% 46,2% 46,6% 46,0% 44,9% 45,3% 45,3% 45,2%

Itália 29,4 29,3 30,8 30,5 31,7 31,3 32,1 27,7 27,9 28,3 28,7 29,8

71,4% 72,3% 74,0% 72,7% 75,3% 77,1% 81,9% 72,8% 70,8% 73,9% 75,1% 74,3%

Brasil 13,6 15,6 15,8 14,3 14,2 14,8 16,5 17,0 18,5 19,8 20,7 16,4

72,9% 73,3% 75,6% 81,7% 79,0% 75,1% 80,0% 77,2% 79,0% 77,1% 73,3% 76,7%

Fonte: OTAN; SIPRI (2011); MD (2011).Obs.: As linhas superiores apresentam, para cada país, o valor absoluto de gastos com pessoal (em US$ bilhões), enquanto as linhas inferiores apresentam o percentual

destes gastos em relação ao total dos gastos militares do país. Os percentuais têm a OTAN como fonte; os mesmos foram aplicados ao valor dos gastos militares totais do banco de dados do SIPRI.Os dados originais para o Brasil estavam apresentados em reais a preços constantes com base no Índice Geral de Preços-Mercado (IGP-M). Entretanto, optou-se neste trabalho por refazer os cálculos e apresentar os dados a preços correntes deflacionados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), índice oficial do governo federal brasileiro. Estes valores foram então convertidos para a cotação média do dólar comercial em 2009.

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Pela tabela 8 pode-se inferir o quanto as forças armadas dos países listados são intensivas em capital. Constam nas linhas superiores, para cada país, os gastos para a aquisição de equipamentos por militar. No presente trabalho julga-se que este é um indicador mais apurado para se medir a intensidade de capital do que o gasto militar total por soldado. Embora este último seja apresentado em parte da literatura como uma medida para a intensidade de capital das forças armadas, as remunerações dos militares variam muito de país para país e, por essa razão, diferenças no gasto militar total por soldado poderiam ser fruto mais destas diferenças do que dos investimentos em equipamentos. Ou seja, supondo-se que as remunerações dos militares aumentassem de um ano para o outro e que os gastos com equipamentos e o número de efetivos permanecessem o mesmo, o gasto militar por soldado se ampliaria em decorrência apenas do aumento salarial. Nas linhas inferiores, para cada país, constam as diferenças no investimento em intensificação de capital em relação aos Estados Unidos, calculadas com base na razão entre o gasto com equipamentos por soldado nos Estados Unidos e nos demais países. O valor informado indica quantas vezes foi maior o investimento para a intensificação de capital por soldado nos Estados Unidos em comparação a cada país listado. Valores inferiores à unidade significariam que aquele país investiu mais na intensificação de capital por soldado que os Estados Unidos. Na última coluna da tabela 8, consta, respectivamente nas linhas superiores e inferiores, o quanto o gasto com equipamentos por soldado e a diferença de intensidade de capital em relação aos Estados Unidos, no período 2005-2009, foram superiores ou inferiores ao do período 2000-2004.

Pela última coluna da tabela, observa-se que, dentre os países listados, nenhum passou por um processo de redução na intensidade de capital. O país que teve maior intensificação de capital foi a Grécia (103,4%), seguida da Espanha (56,4%) e dos Estados Unidos (43,1%). O processo de intensificação nos Estados Unidos é particularmente digno de nota em razão de este ocorrer sobre uma base já elevada. Em 2000, os Estados Unidos já tinham o maior gasto com equipamentos por soldado entre os países listados.

Apenas Grécia e Espanha reduziram o gap da diferença de intensidade de capital em relação aos Estados Unidos. O país no qual este gap mais aumentou foi a Turquia (aumento de 43,4%), seguida de Itália (28,3%) e Reino Unido (26,4%).

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Dos “dividendos da paz” à guerra contra o terror: gastos militares mundiais nas duas décadas após o fim da Guerra Fria – 1991-2009

Entre os países da OTAN que tiveram elevações nos gastos militares totais nos anos 2000, destacam-se Estados Unidos, Reino Unido, Canadá e Espanha, países cujas análises são realizadas nos parágrafos seguintes.

Nos Estados Unidos, o gasto militar como um todo cresceu 82,8% entre 2000 e 2010. Os gastos com equipamentos cresceram 102% no mesmo período; os gastos com pessoal se elevaram mais, estando, em 2010, 126% maiores do que em 2000. O gasto com equipamento por soldado se ampliou continuamente desde 2000, sendo que,

TABELA 8Gastos com equipamentos por soldado (US$ de 2009) e diferenças de investimentos em intensificação de capital em relação às forças armadas dos Estados Unidos – 2000-2010

País 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 MédiaMédia 2005-2009/ média 2000-2004

Turquia 6.930 7.316 7.312 12.262 10.225 8.785 10.889 6.842 9.084 8.431 8.812 8.808 0,0%

8,0 9,0 10,6 6,8 9,0 11,2 9,3 15,5 12,7 13,5 13,2 10,8 43,4%

Estados Unidos55.509 65.490 77.410 83.434 91.824 98.385 101.549 105.797 115.306 113.634 116.524 93.169 43,1%

- - - - - - - - - - - - -

Reino Unido53.698 53.028 55.115 55.724 54.951 60.427 56.759 62.529 64.458 65.034 71.055 59.343 13,5%

1,0 1,2 1,4 1,5 1,7 1,6 1,8 1,7 1,8 1,7 1,6 1,6 26,4%

França28.546 31.436 32.564 35.912 37.512 37.424 40.386 38.249 37.910 75.542 79.094 43.143 38,3%

1,9 2,1 2,4 2,3 2,4 2,6 2,5 2,8 3,0 1,5 1,5 2,3 11,4%

Espanha12.218 11.618 13.412 23.925 26.590 26.824 29.559 28.810 29.734 22.329 14.597 21.783 56,4%

4,5 5,6 5,8 3,5 3,5 3,7 3,4 3,7 3,9 5,1 8,0 4,6 –13,8%

Países Baixos35.484 36.468 33.375 31.720 38.751 36.442 40.875 48.076 43.450 44.473 37.955 38.825 21,3%

1,6 1,8 2,3 2,6 2,4 2,7 2,5 2,2 2,7 2,6 3,1 2,4 17,9%

Grécia 7.808 6.617 5.433 5.689 4.493 9.957 9.792 7.153 12.420 21.770 13.395 9.502 103,4%

7,1 9,9 14,2 14,7 20,4 9,9 10,4 14,8 9,3 5,2 8,7 11,3 –25,3%

Alemanha20.724 22.039 23.089 24.263 27.123 26.241 26.861 26.491 31.405 33.813 33.517 26.870 23,5%

2,7 3,0 3,4 3,4 3,4 3,7 3,8 4,0 3,7 3,4 3,5 3,4 17,2%

Canadá27.202 24.984 30.420 29.821 31.179 27.590 33.685 45.223 39.906 41.638 45.617 34.297 30,9%

2,0 2,6 2,5 2,8 2,9 3,6 3,0 2,3 2,9 2,7 2,6 2,7 12,3%

Itália15.474 11.168 14.271 16.670 15.651 11.749 9.140 27.286 25.666 21.971 21.573 14.467 30,8%

3,6 5,9 5,4 5,0 5,9 8,4 11,1 3,9 4,5 5,2 5,4 5,8 28,3%

Brasil 5.402 5.739 4.369 2.114 3.263 3.802 3.680 6.305 4.963 7.347 11.965 5.359 66,5%

10,3 11,4 17,7 39,5 28,1 25,9 27,6 17,7 23,1 19,3 10,5 21,0 –11,3%

Fonte: OTAN; Military Balance; SIPRI (2011); MD (2011). O Military Balance foi utilizado apenas para levantar os efetivos do Brasil. Os demais efetivos têm a OTAN como fonte.

Obs.: Nas linhas superiores constam os gastos com equipamentos militares por soldado. Nas linhas inferiores, constam as diferenças de intensidade de capital em relação aos Estados Unidos, calculadas com base na razão entre o gasto com equipamentos por soldado nos Estados Unidos e nos demais países. O valor indica, portanto, quantas vezes a intensidade de capital por soldado nos Estados Unidos é maior do que em cada país listado. Valores inferiores à unidade significariam que aquele país é mais intensivo em capital por soldado que os Estados Unidos.

A última coluna é uma razão entre as médias dos períodos 2005-2009 e 2000-2004 da diferença de intensidade de capital do país em questão em relação aos Estados Unidos. Por este indicador, observa-se entre os dois períodos se determinado país aumentou ou diminuiu seu gap de intensidade de capital em relação à intensidade de capital nas Forças Armadas dos Estados Unidos.

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em 2010, este era 2,1 vezes superior ao de 2000. Dessa forma, o gasto militar norte-americano cresceu em função da expansão de gastos tanto com equipamentos como com pessoal, havendo, ao mesmo tempo, uma elevação na intensificação de capital.

Os Estados Unidos, com larga vantagem, são os mais intensivos em capital e um dos países que mais intensificaram esta relação ao longo dessa década: comparando-se os quinquênios 2000-2004 e 2005-2009 (última coluna da tabela 8), observa-se uma tendência de intensificação do capital nas forças armadas dos Estados Unidos em relação a sete dos nove países. Pela tabela se observa que, em relação à Turquia e à Grécia, a intensidade de capital das forças armadas dos Estados Unidos foi, em média, cerca de 11 vezes superior no período.

O Reino Unido foi o país que teve um perfil mais semelhante ao dos Estados Unidos; a diferença de intensidade de capital dos Estados Unidos em relação ao Reino Unido foi a menor de todas as listadas, em média 60% superior. Em 2000, contudo, nota-se que o gasto com equipamentos por soldado era quase o mesmo entre os dois países, havendo um progressivo distanciamento a partir de 2001. No Reino Unido, o gasto militar em 2010 era 26,1% superior ao de 2000. Os gastos com equipamentos em 2010 eram 20,2% superiores aos de 2000. Os gastos com pessoal subiram proporcionalmente um pouco menos do que os gastos com equipamentos: em 2010 eram 17,8% superiores aos de 2000. Assim, o gasto militar britânico subiu tanto pelo aumento nos gastos com equipamentos como pelo aumento no gasto com pessoal. Ainda assim, houve um processo de intensificação de capital, embora menor do que nos Estados Unidos: em 2010, o gasto com equipamentos por soldado era 13,5% maior que em 2000.

No Canadá, os gastos em 2010 foram 55,8% superiores aos de 2000. Os gastos com equipamentos, contudo, cresceram um pouco mais do que os gastos com pessoal. Em 2010, os gastos com pessoal eram 60,8% superiores aos de 2000, enquanto os de equipamentos eram 73,4% superiores. Dessa forma, os aumentos nos gastos militares do Canadá foram fruto do aumento tanto nos gastos com equipamentos como nos gastos com pessoal, embora este último tenha respondido por uma proporção um pouco menor desta variação. Observa-se, pela tabela 8, que houve um processo de ampliação dos investimentos para intensificação de capital, sobretudo a partir de 2007.

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No caso da Espanha, os gastos aumentaram 15,9% entre 2000 e 2010, sendo que, em 2010, os gastos com equipamentos eram 8,7% superiores aos de 2000, enquanto os de pessoal eram 15% superiores. Entre 2003 e 2009 houve um processo acentuado de intensificação do capital das forças armadas do país.

As tabelas 6, 7 e 8, ao serem analisadas conjuntamente à tabela 5, permitem um aprofundamento da discussão realizada nas seções 3 e 4 deste texto. Pela tabela 7, observa-se que os aumentos mais acentuados nas proporções de gastos alocados para o pagamento de pessoal ocorreram: na Grécia, entre os anos de 2000 e 2004; na Itália, entre 2003 e 2006; e na Turquia, entre 2003 e 2005. Elevações desta natureza poderiam ter ocorrido por três motivos: i) uma elevação dos efetivos militares; ii) um aumento da remuneração dos militares; ou iii) uma redução em outros gastos, como as aquisições de equipamentos. Nos parágrafos seguintes estes três países são analisados individualmente.

No caso da Grécia, entre 2000 e 2004, a proporção de gastos com pessoal se expandiu 12 p.p., enquanto o gasto militar como um todo diminuiu 9,6%. Observa-se na tabela 7 que o gasto com pessoal, contudo, se manteve relativamente estável em valores absolutos; além disso, houve uma redução no número de efetivos depois de 2003, indicando a ocorrência de um aumento salarial. A queda no seu gasto militar ocorreu, portanto, em função das menores aquisições de equipamentos, que diminuíram 65% entre 2000 e 2004, mais que compensando os aumentos salariais. Houve, portanto, uma intensificação da mão de obra entre 2000 e 2004, revertida de forma acentuada, contudo, a partir de 2005.

Na Itália, entre 2003 e 2006, a proporção de gastos com pessoal aumentou 4,4 p.p., enquanto os gastos militares como um todo diminuíram 6,6%, verificando-se fenômeno semelhante ao da Grécia, com a redução dos gastos tendo ocorrido em função das menores aquisições de equipamentos, as quais caíram 47,4% neste período. Houve uma intensificação da mão de obra, que começou a ser revertida a partir de 2007.

A Turquia também passou por situação semelhante. Entre 2003 e 2005, a proporção de gastos com pessoal se elevou em 6,6 p.p., enquanto os gastos militares do país diminuíram 13,6%. Neste caso, os gastos com equipamentos caíram 32,9% neste período, sendo responsáveis pela elevação na proporção de gastos com pessoal. Dessa forma, a

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queda nos gastos militares não ocorreu em função de uma modernização tecnológica das forças armadas da Turquia: os gastos absolutos com equipamentos diminuíram enquanto os gastos com pessoal se mantiveram em níveis relativamente estáveis.

Em resumo, analisar a composição dos gastos militares e o quanto cada país despende com equipamentos por militar amplia as possibilidades de utilização dos gastos militares como indicadores do poder militar. Nesta seção, observou-se que, muitas vezes, mesmo a análise da composição dos gastos pode levar a uma conclusão errônea de que determinado país atribui mais importância que outros às aquisições de equipamentos. Tendo a Turquia como parâmetro, este foi o país que mais alocou recursos para a compra de equipamentos entre os analisados nesta seção, mas foi, ao mesmo tempo, o que menos gastou nesta rubrica em relação ao número de militares de suas forças armadas.

A aceleração do investimento em equipamentos nas forças armadas norte-americanas nos anos 2000, na esteira dos conflitos armados no Afeganistão e no Iraque, aumentou de forma significativa a “distância” dos Estados Unidos em relação a outros países da OTAN, no que tange ao estoque de capital, vis-à-vis seus efetivos militares. Embora, como ressaltado anteriormente, essa medida não deva ser compreendida como um indicador absoluto de superioridade tecnológica ou diferencial de poderio militar dos países, ela ainda é útil para expor diferenças cruciais entre forças armadas em termos de quantidade, qualidade e estágio de modernização de seus meios militares no tempo.

Ainda com respeito ao nível de gastos com equipamentos militares por soldado, é interessante analisar a trajetória do Brasil frente à da maior potência militar mundial. Se, durante a primeira metade da década, o Brasil reduziu drasticamente seus investimentos em meios militares por soldado, o país posteriormente os retomou de forma acelerada, logrando alcançar em 2010 patamar similar ao do início da década em comparação aos gastos dos Estados Unidos – qual seja, um montante aproximadamente dez vezes inferior ao investido por este país.

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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

São diversos os fatores que determinaram a retomada dos gastos militares nos anos 2000, após a longa trajetória de queda na década anterior. O término da Guerra Fria, não obstante tenha liberado vultosos recursos aos países centrais em função do desmantelamento de bases militares e arsenais e do cancelamento de projetos bilionários de novos sistemas de armamentos (os chamados “dividendos da paz”), foi sucedido por uma série de novos conflitos armados envolvendo as potências ocidentais, notadamente após os ataques terroristas aos Estados Unidos em 2001. Além disso, a distensão entre as potências não veio a provocar, em diversos países, uma desmilitarização, dado que não implicou o fim dos conflitos regionais ou mesmo a possibilidade de eclosão de novos focos de tensão no futuro.

De fato, conflitos regionais que se achavam represados ao longo das décadas anteriores em razão dos interesses das superpotências rivais retomaram força na ausência da tutela destas, alimentados por um fluxo renovado de armamentos baratos que inundaram o mercado mundial na esteira do colapso dos países soviéticos. Nem mesmo a integração dos antigos membros do bloco comunista às instituições econômicas multilaterais e à OTAN (como no caso dos países bálticos) foi suficiente para dirimir a desconfiança mútua. Finalmente, outras ameaças à segurança internacional também emergiram ou se expandiram no período, como o terrorismo, os ataques cibernéticos e o crime organizado.

Nos anos 1990, foram as quedas nos gastos de Estados Unidos, Alemanha, Rússia e Reino Unido que determinaram, em sua maior parte, a queda dos gastos militares mundiais. Nos conflitos que envolveram as potências da OTAN ao longo dessa década, como a Guerra do Golfo e os movimentos de independência das repúblicas da antiga Iugoslávia, as forças opositoras não possuíam poderio militar à altura e a natureza limitada das intervenções não ensejou a necessidade de qualquer aumento significativo nos gastos de defesa das potências ocidentais. Contudo, países emergentes e de renda média, com destaque para a China e a Índia, tiveram um perfil de gastos distinto: houve significativa elevação desses dispêndios no período, estimulada tanto pelo crescimento econômico como pela percepção por parte de suas lideranças acerca dos riscos crescentes de envolvimento em conflitos armados no futuro.

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Nos anos 2000, as despesas mundiais com o setor militar se recuperaram da queda ocorrida na década anterior, embora em grande parte essa elevação tenha sido decorrente do acentuado crescimento dos gastos nos Estados Unidos, Rússia e China, dado que outras grandes economias, a exemplo de Alemanha, França e Japão, mantiveram seus gastos em níveis relativamente estáveis no período. Ademais, quando se analisa o percentual de gastos de defesa em relação ao PIB, verifica-se que esta elevação foi significativamente menor, sobretudo nos casos de Rússia e China. Portanto, o processo de retomada de gastos militares nos anos 2000 deve ser visto em perspectiva: embora a elevação desses gastos em termos absolutos tenha sido substancial a ponto de se recuperar os níveis anteriores ao fim da Guerra Fria, na maior parte dos casos o aumento das despesas militares ocorreu de forma simultânea ao crescimento da economia ou num ritmo inferior ou pouco superior a este. Apenas os Estados Unidos adotaram uma política clara de militarização (em detrimento de investimentos em outras áreas), manifestada numa trajetória contínua de elevação da proporção de seus gastos com defesa em relação ao PIB ano após ano.

Desse modo, constata-se que tanto a suposta desmilitarização mundial dos anos 1990 quanto a posterior remilitarização ocorrida nos anos 2000 resultaram, em grande parte, de decisões políticas restritas a um grupo pequeno de países com grande peso no volume de gastos mundiais de defesa, não refletindo, pois, uma tendência generalizada para o restante do mundo.

Deve-se ainda atentar para a composição dos gastos militares nacionais. Países como Estados Unidos e Reino Unido destinam parcelas relativamente elevadas dos gastos para a aquisição de equipamentos, enquanto outros, como Itália, Alemanha e Brasil gastam a maior parte dos seus recursos de defesa para o pagamento de pessoal, o que implica, em alguns casos, que a elevação dos gastos militares pode decorrer mais das elevações nas remunerações e encargos relativos aos efetivos militares que de um genuíno aumento do poder bélico nacional.

Por fim, deve-se destacar que países com grandes orçamentos militares estão reduzindo seus gastos e pretendem manter esta tendência na próxima década, como é o caso dos Estados Unidos, da França, do Reino Unido, da Alemanha e da Itália.20 Essa tendência corrobora a hipótese de um novo ciclo de redução de gastos mundiais, baseada tanto na expectativa de arrefecimento dos principais conflitos armados que atualmente

20. Fonte: Estados Unidos (WHITLOCK, 2011); França (TRAN, 2010); Reino Unido (BBC NEWS, 2010); Alemanha (FORECAST INTERNATIONAL, 2010); e Itália (AGENCE FRANCE-PRESSE, 2011)

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envolvem integrantes da OTAN quanto na percepção de que a atual crise econômica implicará uma restrição considerável à capacidade de investimento governamental nos países centrais, com reflexo significativo em seus gastos militares. Contudo, não está descartada a possibilidade de emergência de novos focos de tensão, bem como de recrudescimento dos conflitos já existentes, eventos que podem determinar a permanência dos dispêndios militares das potências ocidentais em patamares ainda bastante elevados.

A crescente participação dos países emergentes no volume de gastos militares mundiais e a tendência de elevação dos níveis absoluto e relativo de seus dispêndios, em sintonia com a busca desses países pela modernização de suas estruturas de defesa e a ampliação de poderio militar regional e global, também impulsionarão os gastos militares no mundo na próxima década. Em função da perspectiva de manutenção do crescimento dos gastos desses países e do recuo nos dispêndios militares de países da OTAN, há uma “janela de oportunidade” para que se reduza o gap de poder militar em relação a integrantes da aliança transatlântica (ou para ampliá-lo caso seu poder militar já os tenha ultrapassado), caso se julgue conveniente. Dessa forma, China e Rússia podem reduzir a distância em relação aos Estados Unidos, enquanto Brasil e Índia podem fortalecer seu poder militar em relação aos de França, Reino Unido e Alemanha.

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Livraria do Ipea

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Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

EDITORIAL

CoordenaçãoCláudio Passos de Oliveira

Supervisão

Andrea Bossle de Abreu

RevisãoCristina Celia Alcantara PossidenteEliezer MoreiraElisabete de Carvalho SoaresLucia Duarte MoreiraLuciana Nogueira DuarteMíriam Nunes da Fonseca

Editoração eletrônicaRoberto das Chagas CamposAeromilson MesquitaAline Cristine Torres da Silva MartinsCarlos Henrique Santos ViannaMaria Hosana Carneiro Cunha

CapaLuís Cláudio Cardoso da Silva

Projeto GráficoRenato Rodrigues Bueno

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Missão do IpeaProduzir, articular e disseminar conhecimento paraaperfeiçoar as políticas públicas e contribuir para o planejamento do desenvolvimento brasileiro.

9771415476001

ISSN 1415-4765