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PROGRAMA 1

CHEGADA A PORTUGAL

Portugal é um país com uma área total de cerca de noventa e dois mil Km2.

Ocupa o extremo oeste da Europa, na zona ocidental da Península Ibérica e é

delimitado a norte e este por Espanha e a sul e oeste pelo Oceano Atlântico.

Compreende ainda os Arquipélagos dos Açores e da Madeira, no Atlântico Norte.

É um país rico pela sua história e diversidade. Independente desde 1139,

possui as fronteiras mais antigas da Europa e é a primeira nação deste continente

europeu a usar uma única língua: o português.

Podemos dizer que a diversidade de Portugal pode ser apreciada em quatro,

ou cinco, grandes blocos: o Norte, o Centro, o Sul e as Ilhas, que formam duas

regiões autónomas: a dos Açores e da Madeira.

Nesta série de programas vamos conhecer essa diversidade e também alguns

aspectos da língua portuguesa, na companhia de três amigos...

António: – Olá! Eu sou o António Silva. Estou no aeroporto à espera de um grande

amigo meu, o João Tavares. Ele vem passar as férias a Lisboa e vem com a prima, a

Ana Paula. O avião já aterrou, por isso acho que estão quase a aparecer ali ...

(...)

António: - João! Estou aqui! ...

João (para a Ana): – Olha o António! Está ali! (Para o António) – Que bom! Ainda bem

que estás aqui! Que bom voltar a ver-te! Como estás?

António: – Estou óptimo, obrigado.

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João: – Este é o meu amigo António. (Para o António) - E tu, lembras-te da minha

prima Ana Paula? (Para os dois) Vocês já se encontraram, lembram-se?

Ana: – Claro que me lembro! (Para o António) - Que prazer em voltar a vê-lo! Como

está?

António: – Lembro-me perfeitamente. (Para a Ana) - Para mim também é um prazer

voltar a encontrá-la.

João: – Mas porque é que vocês não se tratam por tu? Deixem-se de cerimónias.

António: – Com certeza. Também concordo.

Ana: – Também acho. É muito mais prático.

António: – Então, a viagem? Foi boa?

Ana: – Boa, mas um bocado cansativa...

João: – Claro! Para a Ana todas as viagens são cansativas... É natural... Ela traz

sempre tantas malas!

António: – Bem, eu tenho ali o carro para vos levar ao hotel. Tenho pena de não vos

receber em minha casa, mas... tenho um apartamento muito pequeno...

João: – Por favor. Não tens de ter pena... nem tens de te incomodar connosco. Está

muito bem assim. Nós estamos de férias, podemos ficar no hotel, podemos passear e

fazer o que nos apetecer. Tu tens o teu trabalho. Encontramo-nos nos teus tempos

livres...

Ana: – Claro! Não tem importância. Podemos perfeitamente descobrir a cidade

sozinhos...

(...)

João: – Estou espantado! Não me lembro de nada disto! Há tanto tempo que não

venho cá!...

Ana: – Bem... está muito diferente!... É natural! Tudo muda com o tempo...

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António: – Pois é! Há muitas coisas novas e outras antigas. Continua a ser uma

cidade de contrastes. Vocês vão gostar muito de Lisboa... e de Portugal inteiro!.

João: – Acho que sim! Quero ver tudo...

Ana: – Bom, tudo é impossível... mas eu também quero passear... Quero conhecer

um bocadinho da história portuguesa, quero fazer compras; quero comer aqueles

petiscos de que os meus pais falam tantas vezes...

António: – Ah! Isso é o mais fácil....Estou a ver... Planos não vos faltam!...

João: – Podes crer...

António: – E já cá estamos. Este é o vosso hotel.

(...)

Recepcionista: – Boa tarde. Façam favor....

João: – Boa tarde. Temos uma reserva de dois quartos individuais. Um em nome de

João Pedro Tavares ... e outro em nome de Ana Paula Martins.

Recepcionista: – Só um momento.... Ah! Exactamente. Cá está: A Sr.ª D. Ana Paula

tem o quarto n.º 806. tem uma vista muito bonita para a cidade. O Sr. Tavares tem o

quarto n.º 817 com vista para o castelo e para o rio

João: – Óptimo! Adoro ver água... e barcos... E tem varanda?

Recepcionista: – Tem, tem. Tem uma varanda. Não se importam de preencher aqui

esta ficha com os vossos dados pessoais? Depois vou precisar dos vossos

passaportes também. É só por um instante.

João: - Com certeza.

Recepcionista: – Muito obrigada. Aqui têm as chaves. O elevador fica à direita. Os

quartos ficam no 8º andar.

Ana: - Obrigada.

João: - Muito obrigado

António: – Bom. Então agora deixo-vos à vontade. Amanhã telefono, mas ficam com

o meu número de telemóvel

João: – Obrigado por tudo, António. Não te preocupes connosco.

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Ana: – Obrigada, António. Gostei de voltar a ver-te. Até amanhã.

A Ana e o João acabam de chegar ao aeroporto de Lisboa, onde encontram o

António, um amigo do João. Os cumprimentos entre os dois rapazes surgem

naturalmente. Depois, de um modo um pouco mais formal, a Ana é apresentada ao

António.

Este programa, por ser o primeiro, alerta para convenções sociais que se

estabelecem entre falantes. São especificidades da língua que revelam adequação a

contextos e situações, ora mais informais ora mais formais, de que são bom exemplo

as formas de tratamento. Neste programa, abordamos ainda os diferentes modos

de que dispomos em português para referenciar o outro, para nos

apresentarmos ou apresentarmos alguém e ainda para agradecermos. Falaremos

também da distinção entre os verbos SER e ESTAR.

1. FORMAS DE TRATAMENTO

Terão, provavelmente, notado que no início do diálogo as formas de tratamento

usadas entre o António e o João diferem daquelas que surgem entre o António e a

Ana. É possível sentir-se que há uma maior familiaridade entre os dois rapazes porque

estes se conhecem há mais tempo e têm uma relação de amizade mais longa. Vamos

rever:

João: - Que bom! Ainda bem que estás aqui! Que bom voltar a ver-te! Como estás? Ana: – Claro que me lembro! Que prazer em voltar a vê-lo! Como está? João: – Mas porque é que vocês não se tratam por tu? Deixem-se de cerimónias.

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Vemos que são usadas duas formas que diferem ligeiramente entre si e

revelam dois modos de uso de língua: um uso informal e um uso formal.

Informal

Formal

“Que bom voltar a ver-te! Como estás?”

“Que prazer em voltar a vê-lo! Como está?”

Estruturalmente, estes dois processos mostram a utilização do verbo na 2ª

pessoa no primeiro exemplo (uso informal) e na 3ª pessoa no segundo (uso formal):

Informal

Formal

Estás (tu)

Está (você, o Senhor, a Senhora, ...)

Por isso, a imediata intervenção do João, perguntando naturalmente por que

razão eles não se tratam por “tu”, irá provocar uma uniformização das formas de

tratamento usadas por estes três jovens amigos. Vejamos em mais pormenor:

Informal

Formal

+ Formal

- Como estás? Verbo -2ª pessoa singular (TU ) - Como estão? verbo 3ª pessoa plural (VOCÊS )

- Como está? verbo - 3ª pessoa singular (VOCÊ) - Como estão? verbo 3ª pessoa plural (VOCÊS)

- Como está, o senhor X? verbo - 3ª pessoa singular (O SENHOR) - Como estão, os senhores? verbo 3ª pessoa plural (OS SENHORES)

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Na situação analisada surge a diferença entre o uso de “tu” e de “você”. De

facto, ainda que de forma breve, apercebemo-nos já de alguma diferença quanto à sua

utilização, não só pela forma verbal seleccionada, como pelo grau de formalidade que

envolve:

A segunda pessoa do singular do verbo, com ou sem explicitação do pronome

‘tu’, contém uma marca de grande familiaridade. É usada normalmente entre

amigos e entre colegas de trabalho de faixas etárias iguais ou próximas.

A terceira pessoa do singular do verbo é usada com ‘você’ e apresenta um

grau de maior formalidade em relações de trabalho entre colegas ou noutras

relações sociais entre pessoas sem proximidade familiar.

Habitualmente, no português de Portugal, “você” não é usado de forma

explícita, ao contrário do que acontece com o português brasileiro, onde o seu uso é

muito mais alargado. Contudo, não é difícil encontrar, em Portugal, situações em que

”você” é usado explicitamente. Por exemplo, pode, em muitos casos, constituir marca

de poder hierárquico, vindo do superior para o subordinado; pode também ser uma

marca de expressão de intimidade em certas camadas sociais altas.

Expressões como “o Senhor” ou “os Senhores” são formas de cortesia

bastante mais formais do que “tu” e mesmo mais formais do que “você”. Ocorrem

quando não existe qualquer grau de familiaridade entre os interlocutores.

O uso restritivo de ‘Vós’

Ainda uma nota de atenção quanto ao uso restrito do pronome “vós”. Trata-se

de um pronome de uso muito circunscrito à região norte do país. Nas restantes regiões

é habitualmente substituído por “vocês”, ou por “os Senhores”, usando a forma

verbal correspondente à 3ª pessoa do plural.

Vocês já se encontraram, lembram-se?

(Vós já vos encontrastes, lembrais-vos?)

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2. REFERENCIAR O OUTRO

Também o modo como nos apresentamos e nos dirigimos ou nos referimos ao

outro pode obedecer a recursos diversos. Observemos como os nossos jovens amigos

se referem entre si e como são referidos pela recepcionista do hotel:

Entre Amigos...

- Eu sou o António... - Olha o António! - Este é o meu amigo António. - E tu, lembras-te da minha prima Ana Paula? Para a Ana todas as viagens são cansativas...

A recepcionista do hotel... A Srª D. Ana Paula tem o quarto nº 806 (...) O Sr. Tavares tem o quarto nº 817...

Podemos verificar que, informalmente, nos dirigimos ao nosso interlocutor

usando o nome próprio precedido do artigo definido. Mas quando, em português,

os nomes próprios de indivíduos fazem parte da nossa memória histórico-cultural

colectiva, então o artigo definido é geralmente omitido (são exemplos disso “Pessoa

escreveu a Mensagem” ou “Os Maias foram escritos por Eça de Queirós”).

Quando os interlocutores têm um contacto profissional ou circunstancial, o uso

da língua torna-se formal. Recorre-se a outros processos, como, por exemplo, fazer

anteceder o nome próprio ou o apelido de expressões que indicam o género: “o

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Senhor” e respectivo apelido (no caso masculino); “a Senhora Dona”, com nome

próprio (no caso feminino). Pode acrescentar-se ainda a indicação de algumas

profissões, como por ex.: “Senhor Dr.”, “Sr. Eng.”, com ou sem apelido:

Informal

Formal

O João... a Ana ... o António... (artigo + Nome próprio)

O Sr. Tavares.... A Sr.ª D. Ana Paula Masc. (artigo + Senhor + Apelido) Fem. (artigo + Senhora + Dona + Nome próprio)

Quando alguém se apresenta, ou apresenta alguém, fá-lo frequentemente de

um modo mais informal. No entanto, também aí pode haver processos mais

elaborados em função de situações específicas, em que o artigo é omitido. Vejamos

os exemplos:

2.1 APRESENTAR-SE:

Informal

Formal

- Olá. Eu sou o António.

- O meu nome é António Santos. - Chamo-me António Santos.

2.2 APRESENTAR ALGUÉM:

Informal

Formal

- Este é o meu amigo António. - E tu, lembras-te da minha prima Ana Paula? Vocês já se encontraram, lembram-se?

- Apresento-lhe o Sr. Dr. Mateus. - Tenho o prazer de apresentar a Sr.ª D. Margarida Campos.

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3. AGRADECER

Embora nem sempre se verifique na prática, a fórmula básica de

agradecimento varia em género e número, de acordo com a pessoa que fala. Como

vemos no exemplo, o João agradece dizendo ‘obrigado’, enquanto a Ana diz

‘obrigada’:

De acordo com a pessoa que fala:

João: - Obrigado!

Ana: - Obrigada!

Apesar desta norma, constata-se uma tendência para a utilização da forma

masculina singular por parte dos falantes em geral.

4. SER - ESTAR

Quem fala português desde que nasceu, provavelmente, não se apercebe da

existência de dois verbos com significados bem distintos mas que correspondem a um

único verbo em outras línguas. É o caso dos verbos “SER” e “ESTAR”.

Vamos observar alguns exemplos retirados do diálogo ocorrido entre os nossos jovens

amigos:

Eu sou o António. Este é o meu amigo António. A viagem foi boa. É natural! Este é o vosso hotel.

Estou no aeroporto. Olha o António! Está ali! Como estás? Estou óptimo! Nós estamos de férias.

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Partindo destes exemplos, é possível perceber a existência de uma

propriedade de carácter permanente (ex.: “Eu sou o António”, “Este é o meu

amigo”) que ocorre com o verbo “SER” e de outra propriedade transitória e

temporária que ocorre com o verbo “ESTAR” (ex.: “Estou no aeroporto”, “nós

estamos de férias”). Nestas frases, facilmente se compreende que se trata de

contextos que não permitem a troca do verbo. Seria agramatical dizer :

“*eu estou o António” ou “*Este está o meu amigo António”

Assim como também seria agramatical proferir:

“¨*eu sou no aeroporto” ou “*eu sou de férias”

No entanto, apesar da clareza destes contextos, é possível que ocorram

situações em que só pelo uso do verbo é possível interpretar a frase. Vejamos o que

acontece com os seguintes exemplos:

1. “Lisboa está muito diferente” 2. “Lisboa é muito diferente do Porto”

No primeiro exemplo, “Lisboa está muito diferente”, encontramos

propriedades transitórias ou temporárias: A cidade está diferente porque mudou, tem

prédios novos, cresceu, apresenta alterações em relação a um estado anterior.

No segundo exemplo, “Lisboa é muito diferente do Porto”, apercebemo-nos

de propriedades permanentes, contextualizadas por “ser”. Trata-se de uma

propriedade duradoura: Lisboa é diferente do Porto, é única.

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Vamos agora saber um pouco mais sobre Portugal, o país que tem as

fronteiras mais antigas da Europa.

No Norte de Portugal localiza-se uma área de densa vegetação e com uma

profunda riqueza histórica. Com efeito, foi a partir daqui que se iniciou o processo de

reconquista cristã, no início do séc. XII, facto que deu origem à formação do reino de

Portugal.

No Centro encontram-se os contrastes do mar e da serra associados a

memórias antigas, perpetuadas em lugares e tradições. São populares muitas histórias

de feitos heróicos de resistência à dominação romana nos primeiros séculos da nossa

era, em que se destaca Viriato, bem recordado na cidade de Viseu.

A cidade de Coimbra, cidade universitária por excelência, possui uma das

universidades mais antigas da Península Ibérica e uma vida intimamente ligada aos

estudantes. Muito próximo, as ruínas romanas da cidade de Conímbriga recordam

origens bem mais antigas.

O vale do rio Tejo possui características que evidenciam uma transição para

sul do país. De facto, este rio parece dividir o território a meio: o Norte mais

montanhoso, mais húmido e mais fresco; o Sul, mais plano, mais seco e mais quente.

Na região Sul, sobressaem as vastas planícies do Alentejo. O verde das

lezírias dá lugar ao dourado das searas de trigo e a grandes extensões de terra onde

os rebanhos procuram descansar à sombras dos sobreiros.

A cidade de Évora, classificada como Património Mundial pela Unesco,

apresenta monumentos de épocas bastantes diversas, dos quais se destaca o Templo

de Diana, construção romana do séc. II.

Estendendo-se mais para sul os terrenos vão ficando mais secos e menos

povoados. Algumas formações montanhosa preparam a entrada no Algarve, região

com características marcadamente mediterrânicas, muito conhecida pelas suas praias,

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mas onde se sente ainda a grande influência da cultura árabe que ali se manteve entre

os séculos VII e XIII.

A cerca de mil quilómetros para sul, em pleno Oceano Atlântico, o arquipélago

da Madeira surpreende pela beleza contrastada entre as suas principais ilhas: a de

Porto Santo e a da Madeira. Aí, é possível percorrer as estações do ano em um só dia:

Verão junto ao mar, Primavera nas encostas altas do litoral, Outono nas do interior e

Inverno nos cumes mais altos.

A cerca de 1400 quilómetros a oeste de Lisboa, fica o arquipélago dos Açores,

formado por nove ilhas, algumas delas mantendo ainda vulcanismo activo. É um

conjunto de ilhas mágicas, muito diversas entre si, e que conservam tradições que

remontam aos primeiros anos da sua colonização. Prova disto é a classificação de

Património mundial da Humanidade atribuída ao centro histórico de Angra do

Heroísmo e à Paisagem da Cultura do vinho da Ilha do Pico. São prova também as

festas já milenares da devoção ao Divino Espírito Santo, cujas raízes se perdem no

tempo...

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PROGRAMA 2

TRANSPORTES URBANOS

A cidade de Lisboa é o centro de uma vasta área metropolitana, com mais de 2

milhões de habitantes e com mais de 3 mil quilómetros quadrados, abrangendo os

concelhos das duas margens do rio Tejo. Só a área urbana ocupa cerca de 84

quilómetros quadrados, aproximadamente, e tem à volta de 500 mil habitantes.

É, por isso, fácil de compreender o movimento diário de deslocações entre a

periferia e a cidade e dentro da cidade: são aproximadamente 4 milhões de pessoas

em movimento, das quais 3 milhões nos seus transportes particulares.

Com a evolução crescente dos transportes privados, regista-se um aumento dos

congestionamentos nos acessos à cidade e uma crescente dificuldade em gerir todo

este afluxo de trânsito.

Em Lisboa existem duas grandes empresas de transporte público que, ajudam

de forma decisiva nas deslocações dentro da cidade. São elas o Metropolitano de

Lisboa e a Carris.

A Ana e o João vão utilizar os transportes públicos. Querem ir para o

Cais do Sodré de Metro, porque é mais rápido e é uma maneira diferente de conhecer

a cidade...

Ana: – Ora bem, João, nós queremos ir para o Cais do Sodré, não é? Ora o Cais do

Sodré fica na linha verde, de acordo com esta planta. Em que linha é que estamos

agora?

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João: – Deixa ver... estamos na linha amarela...a linha girassol. Bem, vamos ter de

mudar de linha em algum sítio.

Ana: – Nem queiras saber, vamos ter de mudar de linha duas vezes.

João: – Tens a certeza? Não há um percurso mais directo, Ana?

Ana: – Haver, há, mas a volta é muito longa. Vê lá se não tenho razão: implica andar

para trás até ao Campo Grande e percorrer, praticamente, toda a linha verde. A outra

hipótese é ir até ao Marquês de Pombal, são só três estações, mudar para a linha azul

até à Baixa/Chiado e, depois, passar para a linha verde. O Cais do Sodré é logo a

seguir.

João: – Estamos longe! Espero que a gente não se perca.

Ana: – Lá estás tu a ser agoirento! Não te preocupes, que deve haver indicações

claras. Se não houver, perguntamos a alguém. Quem tem boca, vai a Roma.

João: – Ah, isso perguntas tu!

Ana: – Podes ficar descansado. Olha, vamos ali à bilheteira perguntar à funcionária.

Ana: – Bom dia. Nós queríamos ir para o Cais do Sodré. Temos de mudar de linha

duas vezes, não é?

Funcionária: – Sim, é a melhor opção.

Ana: – Nós não temos nenhuma planta do Metro. Importa-se de nos dar uma?

Funcionária: – Até dou duas: uma para cada um! O percurso é mais simples do que

parece. Se, por acaso, se perderem, podem pedir ajuda um colega meu.

João: – E que tipo de bilhete é que nos aconselha?

Funcionária: – Depende. Se vão andar muito de Metro, talvez seja melhor um bilhete

de dez viagens. Se vão também andar de autocarro, podem optar por bilhetes

combinados ou pelo passe. O que é que preferem?

Ana: – O que é que achas, João?

João: – Para já, dê-nos dois bilhetes e, depois, logo vemos.

João: – Obrigado.

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Ana: – Vamos andando.

Este programa reporta-se às acções da Ana e do João, quando se preparam

para apanhar um meio de transporte, neste caso o Metropolitano de Lisboa. Faremos

referência a formas de expressar dúvida e desejo/expectativa. Abordaremos, ainda,

aspectos relacionados com o verbo haver e com o uso de determinados registos de

língua. Vamos, então, prestar atenção aos excertos que se seguem:

1. EXPRESSAR DÚVIDA

“Tens a certeza? Não há um percurso mais directo, Ana?”

O João e a Ana encontram-se numa estação de metro e tentam delinear o

melhor percurso a seguir para atingirem o seu destino. No excerto que vimos, o João

duvida que a leitura que a Ana fez do mapa da rede do metro seja a correcta. Por

outras palavras, o João expressa dúvida em relação à acção da Ana. Poderia tê-lo

feito de outras maneiras; observem, agora, os exemplos que se seguem (só o primeiro

faz parte do diálogo):

EXPRESSAR DÚVIDA

1. “Tens a certeza? Não há um percurso mais directo, Ana?”

(Não+presente do indicativo – frase interrogativa)

2. “Se calhar há um percurso mais directo, Ana?”

(se calhar+indicativo)

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3. “Possivelmente há um percurso mais directo.”

(possivelmente+indicativo)

4. “Não haverá um percurso mais directo?”

(não+futuro do indicativo – frase interrogativa)

5. “Talvez haja um percurso mais directo.”

(talvez+conjuntivo)

As primeiras três frases recorrem ao presente do indicativo e são estruturas

muito comuns em português. Convém realçar que a expressão se calhar ocorre

tendencialmente em contextos informais. A quarta frase apresenta o futuro do

indicativo, facto que lhe confere um cariz mais formal. Por fim, o quinto exemplo

recorre a outro vocábulo muito comum na língua portuguesa, talvez. Este advérbio

tem a particularidade de ser seguido por uma forma verbal conjugada no modo

conjuntivo, neste caso o presente do conjuntivo.

1.1. VERBO HAVER

Há uma forma verbal que, embora não esteja directamente relacionada com a

expressão de dúvida, ocorre em todos os exemplos que tiveram oportunidade de ver.

Já sabem qual é? Exacto, o verbo haver, conjugado no presente do indicativo (no

caso de há), no futuro do indicativo (no caso de haverá) e no presente do conjuntivo

(no caso de haja). Uma vez chegados a este ponto, há que fazer alusão a

características específicas deste verbo:

1.1.1. O verbo haver pode ser sinónimo de existir, tal como se verifica no excerto

retirado do diálogo:

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“Tens a certeza? Não há um percurso mais directo, Ana?”

“Tens a certeza? Não existe um percurso mais directo, Ana?”

Nestas fases, há significa o mesmo que existe. Passemos, agora, as mesmas

frases para o plural:

“Tens a certeza? Não há percursos mais directos, Ana?”

“Tens a certeza? Não existem percursos mais directos, Ana?”

Tal como se pode constatar ao analisarmos estas frases, o verbo haver, quando

significa o mesmo que existir, embora se use em todos os tempos gramaticais,

apenas se utiliza na terceira pessoa do singular (é aqui o caso de há).

1.1.2. No presente do indicativo, o verbo haver, seguido da preposição de (haver

de), liga-se-lhe por um hífen nas formas monossilábicas, isto é, só com uma sílaba. É

o que podemos observar nas frases que se seguem e que não fazem parte do diálogo:

PRESENTE DO INDICATIVO DAS FORMAS MONOSSILÁBICAS DO VERBO

HAVER+HÍFEN+DE

Eu hei-de encontrar o percurso mais directo

Tu hás-de encontrar o percurso mais directo

Ele/ela há-de encontrar o percurso mais directo

A Ana e o João (eles) hão-de encontrar o percurso mais directo

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O mesmo não se passa quando a preposição de é antecedida por uma forma

com mais de uma sílaba do verbo haver, ora vejam:

PRESENTE DO INDICATIVO DAS FORMAS COM MAIS DE UMA SÍLABA DO

VERBO HAVER +DE

Nós havemos de encontrar o percurso mais directo

Vós haveis de encontrar o percurso mais directo

Antes de continuarmos, deixem-me dizer-vos que a segunda pessoa do plural

do verbo haver (haveis de) tem uma ocorrência extremamente rara, sendo substituída

no uso pela forma da terceira pessoa do plural – hão-de.

1.1.3. Ainda no âmbito do excerto que estamos a tratar, gostaríamos de chamar a

vossa atenção para a grafia da forma flexionada há. Existem mais vocábulos na língua

portuguesa que se pronunciam da mesma maneira, mas que se escrevem de maneira

diferente e que não veiculam o mesmo significado. Conseguem lembrar-se de

exemplos? Vejamos estes outros excertos do diálogo:

1.“Ah, isso perguntas tu!”

2.“Olha, vamos ali à bilheteira.”

Ah (interjeição)

à (contracção da preposição a + o artigo definido feminino singular a)

pronunciam--se da mesma maneira que há, mas possuem significados diferentes.

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Na primeira frase, Ah é uma interjeição. Reparem na sua grafia, o h encontra-se

em posição final e a palavra não tem qualquer acento gráfico. Na segunda frase, à

corresponde à contracção da preposição a + o artigo definido feminino singular a. O

acento gráfico desta palavra é um acento grave, ao contrário da forma verbal há que

tem um acento agudo.

2. EXPRESSAR DESEJO/EXPECTATIVA

“Espero que a gente não se perca.”

O João e a Ana estão prestes a iniciar a sua viagem de metro. Todavia, o João

continua a mostrar algum receio e dá voz ao seu desejo/à sua expectativa de não se

perderem. Reparem como o faz:

“Espero que a gente não se perca.”

Espero que… + presente do conjuntivo do verbo perder

Estamos perante uma atitude e um sentimento do João, quando este se mostra

expectante em relação à hipótese de se perderem no metropolitano. Nesta situação,

faz uso do verbo esperar seguido da conjunção que e do modo conjuntivo, neste

caso do presente do conjuntivo. Poderia ter optado por frases diferentes, para atingir a

mesma finalidade comunicativa:

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Page 21: 15233235 Falamos Portugues (1)

EXPRESSAR DESEJO/EXPECTATIVA

1. “Vamos lá a ver se a gente não se perde.”

Vamos lá a ver… + presente do indicativo do verbo perder

2. “Faço votos para que a gente não se perca.”

Faço votos para que… + presente do conjuntivo do verbo perder

3. “Oxalá a gente não se perca.”

Oxalá… + presente do conjuntivo do verbo perder

A primeira frase inclui o verbo perder conjugado no presente do indicativo. As

frases número dois e três empregam o verbo perder, conjugado no presente do

conjuntivo.

No caso do diálogo entre a Ana e o João, que são duas pessoas da mesma

idade e da mesma família, que se conhecem há muito tempo, deparamos com um

registo bastante informal. Daí a utilização da expressão a gente. Esta expressão (que

corresponde à 3ª pessoa do singular) poderia ser substituída por uma outra, se o

contexto assim o exigisse. A ocorrência mais formal da mesma frase seria: “Espero

que (nós) não nos percamos.” O pronome pessoal nós pode não aparecer. É,

contudo, recuperável, devido à conjugação do verbo que se lhe segue: percamos.

Observem:

“Espero que a gente não se perca.”

“Espero que (nós) não nos percamos.”

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Continuemos o programa de hoje com algumas breves referências lexicais

relacionadas com a temática dos transportes:

LÉXICO

Andar de metro / autocarro/ táxi / comboio /eléctrico

ir de metro / autocarro/ táxi / comboio /eléctrico

apanhar um meio de transporte = tomar um meio de transporte

a paragem do autocarro ou do eléctrico

a bilheteira, local onde se adquirem os bilhetes

Vamos terminar com uma expressão idiomática.

“Quem tem boca vai a Roma”

Certamente já terão ouvido esta expressão. Vamos passar a explicá-la. Pela

notoriedade da cidade, pela sua importância ao longo dos tempos, Roma entrou no

imaginário europeu. Daí terem resultado expressões como esta. “Quem tem boca vai

a Roma” traduz o peso histórico da Cidade Eterna, tanto como sede do Império

Romano, quanto como cidade onde se situa o Vaticano, local de residência do chefe

máximo da Igreja Católica. Refere-se ao facto de que quem sabe perguntar, chega

onde quiser ir.

Prossigamos, agora, com uma, necessariamente breve, apresentação do

sistema de transportes públicos da cidade de Lisboa.

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As primeiras estações foram construídas nos anos cinquenta do século XX e

tinham já uma preocupação estética na construção de ambientes que diminuíssem a

sensação de se estar num espaço subterrâneo. Desse primeiro período, há dois

nomes de referência: o arquitecto Keil do Amaral, que criou o modelo de estação tipo e

a pintora Maria Keil, que assumiu os revestimentos das estações. De facto, apesar dos

recursos limitados, conseguiram colocar o Metropolitano de Lisboa como exemplo de

criação de espaços públicos. Em 1988, com o prolongamento da rede do metro, surge

uma outra geração de espaços. São inauguradas novas estações entre Sete Rios e o

Colégio Militar e entre Entrecampos e a Cidade Universitária.

A ideia original de decorar os espaços públicos dentro das estações do Metro foi

recuperada e levada mais a sério. Por isso, foram convidados quatro artistas

contemporâneos já conhecidos na área das artes plásticas para decorar os azulejos

que revestiam as estações. Rolando Sá Nogueira decorou a estação das Laranjeiras

com...laranjas, claro! Inteiras, cortadas ou em cachos realçam de forma alegre e

descontraída as paredes daquela estação associando-a ao nome do local.

Júlio Pomar encontrou nos esboços de figuras da cultura ibérica a sua forma de

se associar ao Alto dos Moinhos... D. Quixote de La Mancha estará para sempre

ligado aos moinhos... Manuel Cargaleiro foi o escolhido para a estação do Colégio

Militar e encheu-a de letras... A decoração da Cidade Universitária foi entregue a Maria

Helena Vieira da Silva que usou o seu estilo inconfundível para homenagear o local

com o seu painel «Le Métro». Manuel Cargaleiro fez a transposição desse painel para

azulejo. Nele Helena Vieira da Silva quis retratar simbolicamente a multidão anónima.

Surgem ainda duas grandes corujas e olhos que simbolizam o Conhecimento, a

Sabedoria e a Razão com uma ligação directa ao local. Em 1990, aprovado um novo

Plano de Expansão da Rede, que se desenvolveria até 1999, de novo se avançou com

a renovação de novas estações. São excelentes exemplos a estação do Campo

Pequeno, a cargo do escultor Francisco Simões, que a integrou também na linha

histórica do local, e também a estação do Martim Moniz que evoca outras memórias,

10

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que foram incrustadas nas paredes recordando tempos bem mais antigos da conquista

da cidade de Lisboa.

Gracinda Candeias fez uma caracterização multicultural enquanto José João de

Brito trabalhou o tema da conquista de Lisboa realçando o episódio de Martim Moniz.

Podemos dizer, com algum orgulho, que Lisboa possui um Metropolitano muito bonito

e moderno, em que é agradável viajar e onde foram minimizados os receios e algum

possível desconforto de espaços subterrâneos.

Fundada em 1872, a Carris tem vindo a actualizar-se permitindo viagens cada

vez mais confortáveis ligando todos os pontos da cidade. Todos os que precisam de

se deslocar em Lisboa sentirão necessidade de recorrer a um autocarro, a um

eléctrico ou mesmo a um elevador da Carris. A história desta empresa está

intimamente ligada ao aparecimento dos primeiros eléctricos em Portugal. Com efeito,

a 17 de Novembro de 1873 foi inaugurada a primeira linha de «americanos» entre a

actual Estação de Santa Apolónia e a zona de Santos. Em 31 de Agosto de 1901 teve

início o serviço de Carros Eléctricos. Nos anos seguintes foi electrificada a rede

existente, apareceram mais carreiras, aumentou o número de carros, o primeiro

importado dos Estados Unidos, mas que depois de 1924 passam a ser construídos

nas oficinas da Empresa. Em 1940, a Carris comprou seis autocarros para reforçar o

transporte de visitantes para a para a Exposição do Mundo Português, que se

realizaria nesse mesmo ano em Belém. Como consequência, em 1944, foi inaugurado

oficialmente um serviço de autocarros. Com os anos, o número de autocarros superou

o dos carros eléctricos. Estes ficaram limitados a toda a área mais central e antiga da

cidade conferindo um ambiente muito genuíno a todos os bairros por onde passavam.

Entretanto os autocarros, mais fáceis de se expandir, acompanhavam o

desenvolvimento urbano atingindo facilmente novos bairros populacionais.

Gradualmente os eléctricos foram ficando reduzidos a áreas cada vez mais

restritas. Hoje, são muito poucas as linhas existentes e, por serem as que restam de

um passado recente, têm uma marca saudosista e atraente para o turismo.

11

Page 25: 15233235 Falamos Portugues (1)

12

No entanto, um novo dinamismo parece estar em curso tanto em eléctricos como em

autocarros. De facto, assiste-se à renovação da frota com novos eléctricos, por causa

das suas características ecológicas; há já uma nova geração de carros eléctricos, mais

confortáveis e mais rápidos, em áreas específicas da cidade. E também os novos

autocarros, bem equipados e confortáveis, facilitam a deslocação em Lisboa,

substituindo, com vantagem, os transportes particulares.

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1

PROGRAMA 3

EM BELÉM

Belém é paragem obrigatória para quem passa por Lisboa. Com situação

privilegiada junto ao rio Tejo, na parte ocidental da cidade, é um local de memórias

que evoca momentos da história nacional ligada à época dos Descobrimentos e possui,

por isso, um encanto especial. Podemos chegar de autocarro, ou de eléctrico, mas

encontramos sempre um ambiente aberto que surpreende pela grandiosidade do

espaço e pela diversidade de monumentos que envolvem a grande Praça do Império.

É, de facto, um espaço de contrastes arquitectónicos onde monumentos do séc. XV se

confrontam com outros de estilos arquitectónicos muito diversos construídos mais

recentemente e se misturam com jardins, museus e parques. Entre o Mosteiro dos

Jerónimos e a Torre de Belém, construídos para recordar lugares e celebrar uma

época de expansão marítima, surge, ao longo do séc. XX, um Padrão dos

Descobrimentos, construído em 1960, e um moderno Centro Cultural, que data do

início dos anos 90.

É um desafio planear um passeio por Belém porque a quantidade de locais a

visitar é grande e diversificada. É preciso descobrir e sentir outros tempos mas, por

isso mesmo, este ambiente vai fascinar a Ana e o João.

_____________________________________________________________________

Ana: - Este passeio de autocarro foi muito agradável. O percurso é bonito... Sente-se

a ligação entre a cidade e o rio.

João:- É, não é? Também acho. De um lado, os restaurantes nas docas, os cais, os

espaços verdes, as esplanadas... e o rio, claro!

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2

Ana:- E do outro lado surge a cidade! Ainda reparei nalguns edifícios grandes. Se

calhar são edifícios importantes, mas eu não sei o que são.

João:- Eu não consegui tirar os olhos do rio! Aquele longo passeio relvado parecia

estar a convidar-me para ir andar a pé, ir por ali fora, junto à água.

Ana:- Bom remédio! Podemos passar por lá na volta, no regresso para o hotel.

Fazemos o percurso a pé.

João:- Pois sim! Tu és capaz de aguentar porque estás habituada a andar a pé, mas

eu…

Ana:- Deixa-te de coisas! Andar a pé faz bem. Ainda por cima é tudo plano. É mais

fácil!

João:- De facto, também é uma forma de vermos a Ponte 25 de Abril assim, em toda

a sua extensão. Há bocado, quando por lá passámos, reparei naquelas estruturas

todas e impressiona, mesmo só vista de baixo, não achas?

Ana:- É verdade. A propósito de ponte, gostava tanto de atravessar o rio para ver

Lisboa da outra margem. Deve ser giro, sobretudo do alto do Cristo-Rei.

João:- Ai por favor!!!. Hoje não! Tem pena de mim.

Ana:- Claro que não! Para hoje já temos programa mais do que suficiente. Mas

amanhã, ou depois, podíamos ir de comboio, não? Ou de barco. Atravessar o rio num

daqueles Cacilheiros também deve ser muito giro.

João:- Agora que falas em barcos, esqueci-me de te dizer que há barcos que fazem

cruzeiros no Tejo, sabias?

Ana:- Não. Como é que soubeste?

João: - Foi há um ou dois dias. Li num folheto turístico, lá no hotel. Há uns mais

longos, outros mais curtos. Mas todos passam por baixo da Ponte 25 de Abril.

Ana:- É uma boa ideia para um destes próximos dias.

João:- Por mim, tudo bem. Se quiseres, até podemos ir “à descoberta dos mares sem

fim”!

Ana:- Com certeza! Até estamos em Belém, no sítio certo! Bom! Para já, onde é que

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3

eu estou agora, exactamente?

João: - Em frente ao Palácio de Belém, a residência oficial do Presidente da

República. Não estás a ver a guarda?

Ana: - Hum! Se aqui é o Palácio, então a Praça do Império é daquele lado, à esquerda.

Olha! Já estou a ver o Mosteiro dos Jerónimos.

João: - Ah! Exactamente. Vamos embora.

******

Ana: - Espera aí! Que engraçado! Lê o que está escrito no chão, na calçada:

Pastéis de Belém, 1837.

João: - Pastéis de Belém? Já ouvi falar nisso. São aqueles que se comem ainda

quentinhos, com canela e açúcar em pó. Não olhes para mim com essa cara. Eu só

estou a reproduzir o que vem nos guias. Nunca comi nenhum.

Ana: - Quero provar... Será que nos dão a receita? Ouvi dizer que é segredo.

João: - Agora não precisas de receita: é mesmo só comer. Vamos lá ao ataque dos

pastéis de Belém!

Ana:- És tão guloso! Acho que consegues ser mais guloso do que eu.

João:- Esta Praça é mesmo muito bonita!

Ana:- Aqui estamos sempre a pensar nos Descobrimentos.

João: - E não é só isso. Impressiona-me olhar à volta e ver, quase lado a lado, estes

monumentos de épocas tão diferentes, com características tão diferentes e tão bem

enquadrados.

Ana: - É verdade! O Mosteiro dos Jerónimos é do século XVI. Repara neste

rendilhado da pedra. A minha mãe fala muitas vezes da Torre de Belém. Lá também

vamos encontrar a Cruz de Cristo e outros motivos do gótico manuelino com

representações da natureza e pormenores ligados ao mar.

João:- Pois é. E agora olha para ali, aquele edifício muito mais moderno. Tem ar de

construção militar. De repente, parece uma fortaleza.

Ana: - Só estou a vê-lo de longe mas parece um contraste muito bem conseguido.

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4

Sabes o que te digo? Não saio daqui sem ver tudo ou quase tudo!

João:- Bom! Estamos agora a começar.

Ana:- Começamos pelo Mosteiro dos Jerónimos. Aqui temos a Igreja de Santa Maria

de Belém e os claustros para ver.

João: - Agora, podemos ir ao Centro Cultural de Belém. A seguir, passamos para o

outro lado da linha do comboio, pela passagem subterrânea, vemos o Padrão dos

Descobrimentos, a Rosa dos Ventos e vamos até à Torre de Belém. Concordas?

Ana: - Hum... não sei! Acho que, depois do Mosteiro, preferia ir ver primeiro o Padrão

e a Torre e guardar o CCB para o fim.

João: - Posso saber porquê?

Ana: - Por várias razões. Vamos andar imenso a pé. Quero ver o Padrão, a Rosa dos

Ventos e, sobretudo, a Torre, em pormenor. No regresso, vai saber muito bem

descansar na esplanada do CCB, virada para o rio.

João: - Está bem. Pode ser. Ficamos um pouco mais no CCB para saber que

exposições e espectáculos é que há em cartaz.

******

Ana:- Ai... que bom!! Que bem que se está aqui! Sabes? Por mim, ficava aqui o resto

do dia, até ao anoitecer.

João: - Que pena! Agora que eu estava a pensar em voltar a pé para o hotel... por

aquele passeio relvado junto ao rio, lembras-te?

Ana: - O quê?

******

Hoje, a Ana e o João foram conhecer Belém. Envolvidos pela presença histórica do

local, eles conversam sobre o que vêem à sua volta. Nos comentários que fazem

ouvimo-los algumas vezes utilizar estruturas linguísticas que merecem atenção. São

elas as construções estar a + infinitivo, algumas expressões adverbiais de

duração formadas com o verbo haver e a expressão de vontade.

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5

1. O PROGRESSIVO- ESTAR A + INFINITIVO

Existem na língua portuguesa mecanismos que conferem uma perspectiva

dinâmica ao processo de transformação de um determinado tipo de situação em outro.

Por exemplo, tomemos uma frase como:

Eles comem pastéis de Belém

Faremos, naturalmente, uma interpretação de carácter mais geral,

considerando esta frase como um acto habitual. Nesta acepção, a forma verbal

“comem”, no presente do indicativo, remete para um hábito, significando que eles têm

por costume comer pastéis de Belém com alguma regularidade. Tal acontece num

número ilimitado de vezes e ao longo de um período de tempo não delimitado, mas

que inclui o tempo em que se fala.

Agora, analisemos a frase:

Eles estão a comer pastéis de Belém

Esta frase apresenta uma perspectiva dinâmica. Produz uma transformação da

anterior, Eles comem pastéis de Belém, conferindo-lhe a característica de estar a

decorrer. Estamos perante a construção estar a + infinitivo, uma das mais frequentes

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6

em português. É uma construção que expressa uma progressão do que está a

acontecer no momento em que se fala.

Vamos rever e ouvir os exemplos do diálogo:

João:- Em frente ao Palácio de Belém, a residência oficial do Presidente da

República. Não estás a ver a guarda?

Ana: - Hum! Se aqui é o Palácio, então a Praça do Império é daquele lado, à

esquerda. Olha! Já estou a ver o Mosteiro dos Jerónimos.

******

Ana:- Aqui estamos sempre a pensar nos Descobrimentos

******

Ana: - Só estou a vê-lo de longe mas parece um contraste muito bem conseguido

******

João: - Que pena! Agora que eu estava a pensar em voltar a pé para o hotel... (...)

A construção em análise é formada pelo verbo estar, pela preposição a e por

um infinitivo verbal, como se pode ver nos exemplos:.

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PROGRESSIVO: Estar a + infinitivo

• Não estás a ver a guarda?

• Já estou a ver o Mosteiro dos Jerónimos.

• Aqui estamos sempre a pensar nos Descobrimentos.

• Só estou a vê-lo de longe...

• Agora que eu estava a pensar em voltar a pé...

Trata-se, de facto, de formas de presente progressivo, que remetem para uma

acção que decorre no momento em que é referida. Tal acção caracteriza-se também

por ter uma duração no tempo e por não estar completa ou por não ter chegado ao fim.

Esta construção admite, naturalmente, a inclusão de advérbios e de locuções

adverbiais no seu interior, ou seja, entre estar e a preposição a. É o que o acontece,

por exemplo, em:

Aqui estamos sempre a pensar…

Vemos que o advérbio sempre aparece entre o verbo e a preposição. O mesmo

acontece se o substituirmos por uma locução adverbial, como, por exemplo:

Estamos neste preciso momento a pensar

É interessante observar que em algumas regiões do sul de Portugal e no Brasil,

este infinitivo é normalmente substituído pelo gerúndio, com a omissão da preposição

a:

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Estou vendo o Mosteiro dos Jerónimos.

Aqui estamos sempre pensando nos Descobrimentos.

Surgem assim construções com estar + gerúndio do verbo principal, como

em: estou vendo, estava pensando.

2. EXPRESSÕES DE DURAÇÃO COM O VERBO HAVER

No programa anterior vimos várias especificidades do verbo haver. Hoje

encontramos este verbo, unicamente na 3ª pessoa do singular, a integrar expressões

adverbiais relacionadas com localização de tempo e simultaneamente a medir, de

forma mais precisa ou mais indefinida, o intervalo de tempo que decorre até ao

momento da enunciação, ou seja, até ao momento em que se fala.

Vejamos as ocorrências no diálogo:

João: - De facto, também é uma forma de vermos a Ponte 25 de Abril assim, em toda

a sua extensão. Há bocado, quando por lá passámos, reparei naquelas estruturas

todas e impressiona, mesmo só vista de baixo, não achas?

*******

João: - Foi há um ou dois dias. Li num folheto turístico, lá no hotel.

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Quando o João diz “há bocado quando por lá passámos...” a expressão há

bocado remete para uma situação que ocorreu há pouco tempo atrás, mesmo que

não se saiba exactamente há quantos minutos ou há quantas horas. Esta expressão é

usada em contextos informais.

Na expressão seguinte, o João já é um pouco mais concreto ao localizar e

medir o momento, aquele momento em que leu o folheto no hotel, facto que aconteceu

há um ou dois dias. Como estas, muitas outras expressões podem ser construídas a

partir desta forma há.

Os quadros que se seguem procuram exemplificar a diversidade de expressões

temporais que podem ser formadas deste mesmo modo:

Há bocado bocadinho

As expressões de tempo há bocado e há bocadinho são muito

frequentemente usadas para indicar um período de tempo curto mas não bem

delimitado. Pode ir de alguns minutos – bocadinho - a um período mais alargado, que

chega a atingir algumas horas – bocado.

Com a forma há é também possível construir expressões de duração

indefinidas não-contáveis, como mostram os exemplos do quadro:

muito pouco algum bastante

tempo

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E também é possível construir expressões plurais de duração, contáveis e não

contáveis, associando a forma há a palavras que exprimem claramente períodos de

tempo, como podemos ver neste quadro:

um(a) uns /umas dois /duas três ... cerca de + nº (1, 2,...) muitos poucos alguns bastantes

segundo(s) minuto(s) hora(s) dia(s) semana(s) mês/meses ano(s) ....

É perfeitamente possivel dizer, por exemplo, que um evento aconteceu há 5

minutos, ou há cerca de 2 horas, ou que a Ana esteve em Portugal há 10 anos ou há

cerca de 10 anos. Ou ainda que o João não vinha cá há muitos anos, ou há bastantes

anos.

3. EXPRESSAR VONTADE

A Ana, cheia de curiosidade sobre o que a cerca, exprime a sua vontade: ela

não quer perder a oportunidade de experimentar e de conhecer um pouco mais. Para

isso, ela manifesta a sua vontade. Vejamos como ela o faz:

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João: - Pastéis de Belém? Já ouvi falar nisso.

Ana: - Quero provar... Será que nos dão a receita? Ouvi dizer que é segredo.

******

Ana: - Por várias razões. Vamos andar imenso a pé. Quero ver o Padrão, a Rosa dos

Ventos e, sobretudo, a Torre, em pormenor. No regresso, vai saber muito bem

descansar na esplanada do CCB, virada para o rio.

Ela usa o verbo querer e o infinitivo de outro verbo. Esta é uma das

construções seleccionadas por querer. É um verbo usado para exprimir vontade e

pode seleccionar frases completivas de infinitivo não flexionado. É o que acontece

nestes dois exemplos do diálogo. A Ana quer provar os pastéis e também quer ver o

Padrão dos Descobrimentos e a Rosa dos Ventos. Vejamos o quadro:

EXPRESSAR VONTADE

QUERER + VERBO NO INFINITIVO

• Quero provar pastèis de Belém.

• Quero ver o Padrão, a Rosa dos ventos e sobretudo a Torre.

Bom, por mim despeço- me. Até ao próximo programa. De seguida, poderá

ainda descobrir um pouco de Belém, um local carregado de história.

_______________________________________________________________

Page 37: 15233235 Falamos Portugues (1)

12

Quando se chega à enorme Praça do Império, o olhar incide, naturalmente,

sobre o Mosteiro dos Jerónimos. Para trás ficam muitos exemplos de épocas

passadas, dos tempos da monarquia. É o caso do Palácio de Belém, residência oficial

do Presidente da República, do Jardim Agrícola Tropical, com plantas exóticas

oriundas de África, da Praça Afonso de Albuquerque em frente do Palácio, das

casinhas coloridas dos séc. XVI e XVII, que contrastam com os edifícios mais

modernos.

No entanto, é a presença do Mosteiro que se impõe ao visitante, não só pela

beleza mas também como um símbolo da riqueza da época dos Descobrimentos e da

arquitectura manuelina. Foi mandado construir pelo rei D. Manuel I por volta de 1501,

pouco depois de Vasco da Gama ter regressado da Índia. No interior, os claustros

formam um conjunto harmonioso entre arcadas em abóbada e colunas em pedra

esculpida, sempre rendilhada, que contornam um jardim muito tranquilo. A Igreja

impressiona pela abóbada e pelos elegantes e delicados pilares que se erguem como

se fossem palmeiras criando o ambiente adequado à reflexão e à descoberta da paz

interior. A Ordem de S. Jerónimo foi responsável pelo mosteiro até 1834, ano em que

as ordens religiosas foram extintas em Portugal.

Anos depois foi acrescentada a ala moderna, em estilo neomanuelino, que é

hoje ocupada pelo Museu Nacional de Arqueologia. Um pouco mais adiante, o Museu

da Marinha, na ala oeste do Mosteiro, mostra, entre muitas e diversas colecções, a

evolução ocorrida na construção das caravelas e das naus que foram tão importantes

na travessia dos oceanos e na descoberta das rotas marítimas.

Ainda para o lado esquerdo, o Planetário procura mostrar planetas, estrelas e

outros mistérios do céu à noite.

O lado oeste da Praça do Império é ocupado pelo Centro Cultural de Belém,

cuja arquitectura bastante moderna se harmoniza em simplicidade com a imponência

do local. A sua inauguração coincidiu com a presidência portuguesa da Comunidade

Europeia em 1993. A partir de então, tornou-se um espaço muito activo dedicado às

Page 38: 15233235 Falamos Portugues (1)

13

artes de onde se destacam a música, o teatro, a fotografia e o design. Os seus cafés

virados para o rio são um agradável ponto de encontro para quem quer estudar ou

simplesmente encontrar amigos e conversar.

Na margem do rio Tejo ergue-se, em frente do Mosteiro, o Monumento aos

Descobrimentos, construído em 1960 para comemorar os 500 anos da morte do

Infante D. Henrique, o Navegador. Tem a forma de uma caravela e recorda todos os

que participaram no desenvolvimento dos Descobrimentos. Do alto dos seus 52

metros, para além de uma fantástica vista sobre toda a Praça do Império, estuário do

Tejo e margem sul, é possível ver uma enorme rosa-dos-ventos embutida no chão

onde estão desenhadas as rotas dos diversos caminhos percorridos pelos

descobridores portugueses durante os séc. XV e XVI. Foi uma oferta da República

Sul-Africana.

Indo ainda mais para oeste, junto ao rio, somos surpreendidos com outra

pérola da arquitectura manuelina: a Torre de Belém. Foi construída entre 1515 e 1521,

sob ordem de D. Manuel I, para funcionar como fortaleza por entre as águas do rio

Tejo. A sua beleza exterior deve-se ao conjunto de galerias abertas, às torres de vigia

em estilo árabe, às ameias em forma de escudos e, ainda, ao rendilhado das pedras

esculpidas com cordas e nós náuticos. A vista das salas existentes nos três andares

da torre é notável. No terraço, uma imagem da Senhora do Bom Regresso, virada para

o mar, constitui ainda um símbolo de protecção para os marinheiros.

Olhando para terra a partir da Torre, no sentido norte, podemos ainda ver ao

fundo, no cimo de uma colina, uma pequeníssima capela, a Ermida de S. Jerónimo,

também de estilo manuelino muito sóbrio, orientada para a foz do rio Tejo. Também

ela parece enquadrar todo este espaço rematando com simplicidade a riqueza de todo

este ambiente comemorativo de uma época de aventura e descoberta.

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1

PROGRAMA 4

CONHECER A CIDADE

Lisboa fica na margem direita do Tejo, a 17 km do Oceano Atlântico. A cidade

tem cerca de 500 000 habitantes, mas a “grande Lisboa” estende-se a várias

localidades próximas, atingindo quase 2 milhões. A parte mais antiga ocupa um

espaço distribuído por sete colinas, como um anfiteatro que se abre alegre para o rio.

Na antiguidade, foi um local privilegiado no comércio entre o Mediterrâneo e o

Atlântico. Por isso, foi ocupada por diversos povos, até que, em 1147, D. Afonso

Henriques, o primeiro rei de Portugal, a conquistou aos mouros. Diz a lenda que o rei

atribuíu esta vitória ao Mártir São Vicente, cujo corpo, recolhido no Algarve, foi trazido

para Lisboa numa nau guardada por dois corvos. Ainda hoje, é o padroeiro da cidade,

encontrando-se simbolicamente perpetuado na bandeira e no logotipo da Câmara

Municipal de Lisboa.

Já recuperados da viagem, a Ana e o João têm um desafio pela frente: descobrir a

cidade...

João: – Ana, hoje temos o dia por nossa conta... O António não pode estar connosco.

O que é que vamos fazer?

Ana: – Acho que podemos ir dar uma volta. Já temos aqui um mapa da cidade,

podemos ver onde ficam as zonas mais interessantes de Lisboa.

João: – Pois é. Podemos pensar aonde queremos ir ... e planear. Para isso, vamos

ver o que fica mais perto ... o que fica mais longe.... onde podemos ir a pé... onde é

melhor ir de autocarro...

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2

Ana: – ... ou de metro! Ouvi dizer que o Metropolitano de Lisboa tem estações muito

bonitas... modernas...

João: – É verdade, é... Eu sei. São decoradas por artistas portugueses muito

conhecidos.

Ana: – Há um sítio aonde eu quero ir... mas não sei se podemos ir de metro...

João: – Aonde?

Ana: – É ao Palácio de Queluz. Fica cá em Lisboa ou não?

João: – Não, tonta. O Palácio de Queluz fica em Queluz, como o próprio nome indica!

Não é longe, mas, de qualquer maneira, fica fora da cidade. Acho que ainda são aí

uns 15 quilómetros... E não podemos ir de metro. Só de comboio.

Ana: – Está bem. Antes disso ainda há muitos sítios para ver...

João: – Se há! E como não podemos ver todos, vamos escolher alguns...

Ana: – Concordo... Temos mesmo de planear. É por isso que o mapa nos vai ser útil...

Onde fica Belém?... Eu sei que há muita coisa para visitar em Belém... mas não sei se

fica para norte... se fica para esquerda... se para a direita...

João: – Tens toda a razão. Belém... Belém... Olha fica junto ao rio Tejo, fica a oeste.

Se calhar, podemos ver o pôr do sol!... É lá que fica o Mosteiro dos Jerónimos, não é?

Ana: – Exactamente. E a Torre de Belém também fica lá... e o Centro Cultural de

Belém... e o Padrão dos Descobrimentos...

João: – Estou espantado! Tu estás muito bem informada...

Ana: – Mais ou menos... Os meus pais falaram-me muito de Belém... parece que têm

muitas recordações da Torre... E eu prometi tirar fotografias. Também li algumas

coisas e tenho umas notas escritas. Gosto de saber o que há para ver... Já agora, vê

também... onde é que fica o Parque das Nações... é o sítio onde foi a Expo 98, aquela

exposição mundial, lembras-te?

João: – Sim, sim. Lembro-me de ouvir falar nisso.

Ana: – É uma zona nova, moderna. É o contrário de Belém que é uma zona antiga...

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3

João: – Olha ... aqui no mapa... Expo... ... não... Parque das Nações.... aahh ... olha,

fica mesmo no outro extremo da cidade... Também fica junto ao rio, mas para oriente.

De facto, Lisboa é uma cidade virada para o rio.

Ana: – Ah! Pois é! Mas sabes o que é que eu acho?

João: – O que é?

Ana: – Belém fica longe!... O Parque das Nações também fica lá longe!... Acho que

hoje podemos dar uma volta aqui mais perto do hotel... podemos andar a pé e assim

vamos conhecer um pouco destes bairros, não achas?

João: – Concordo. Assim temos tempo de planear com calma. Até podemos pedir

ajuda ao António...

Ana: – Exactamente... Que boa ideia!

João: – O que é que há aqui mais perto para ver? Da janela do meu quarto vê-se o

Castelo... Fica lá mais acima. Se calhar; podemos lá ir, não? Não parece longe, mas

vamos ter muito que subir ...

Ana: – Não faz mal. É um bom exercício!... e da janela do meu quarto vê-se o rio...

que fica lá mais abaixo. Assim, depois descemos até ao rio... vamos percorrer as

colinas... Afinal estamos na cidade das sete colinas, não é?

João: – Ai é?

Ana: – Li isso num guia turístico... e basta olhar das janelas dos nossos quartos! Há

sítios altos e sítios baixos... Acho que hoje vamos andar a subir e a descer...

João: – É como tu dizes: é um bom exercício...

Ana: – Mas de vez em quando paramos, para descansar...

Hoje a Ana e o João estão a fazer planos para descobrir um pouco da cidade.

Com a ajuda do mapa, procuram alguns dos locais de Lisboa e pedem e fazem

sugestões para o seu primeiro passeio.

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4

Neste programa, vamos observar algumas das construções usadas na língua

para pedir e dar informações sobre orientação, para pedir e fazer sugestões e

para pedir opinião.

1. PEDIR SUGESTÃO / OPINIÃO / INFORMAÇÃO

Para fazer um pedido a Ana e o João usam, naturalmente, frases

interrogativas. Observemos estes excertos do diálogo:

João: – Ana, hoje temos o dia por nossa conta. O António não pode estar connosco.

O que é que vamos fazer? Queres ir dar uma volta?

******

Ana: – Belém fica longe!... O Parque das Nações também fica lá longe!... Acho que

hoje podemos dar uma volta aqui mais perto do hotel... podemos andar a pé e

assim vamos conhecer um pouco destes bairros. O que achas?

******

João: – O que é que há aqui mais perto para ver? Da janela do meu quarto vê-se o

Castelo... Fica lá mais acima. Se calhar; podemos lá ir, não? Não parece

longe, mas vamos ter muito que subir ...

PEDIR SUGESTÃO

[O] que [é que] vamos fazer?

Page 43: 15233235 Falamos Portugues (1)

5

PEDIR OPINIÃO

O que achas?

PEDIR INFORMAÇÃO

[O] que [é que] há aqui mais perto para ver?

Nestes exemplos podemos, desde logo, distinguir dois tipos de estruturas

diferentes para construir frases interrogativas.

Um dos tipos caracteriza-se por ter uma estrutura sintáctica igual à da frase

declarativa que lhe corresponde. É o caso desta frase produzida pelo João: “Queres ir

dar uma volta?”. Apenas se distingue da declarativa afirmativa correspondente pela

curva entoacional:

Interrogativa

Declarativa Afirmativa

“Queres ir dar uma volta?”

“Queres ir dar uma volta.”

Estas frases não utilizam qualquer constituinte interrogativo e exigem uma

resposta afirmativa ou negativa. São, por isso, chamadas interrogativas totais ou de

sim, não:

INTERROGATIVAS TOTAIS OU DE SIM , NÂO

1. - Queres ir dar uma volta? - Sim.

2. - Queres ir dar uma volta? - Não.

Page 44: 15233235 Falamos Portugues (1)

6

Passamos agora às interrogativas parciais, que se caracterizam pela

presença de constituintes interrogativos, ou seja, de pronomes, adjectivos ou

advérbios interrogativos. É o caso das restantes frases interrogativas apresentadas

nos exemplos:

INTERROGATIVAS PARCIAIS

1. O que é que vamos fazer?

2. O que achas?

3. O que é que há aqui mais perto para ver?

Na sua construção, constatamos a presença de um constituinte interrogativo –

o primeiro “que”. Podemos verificar também que, embora estas três frases

interrogativas sejam idênticas na sua estrutura, há uma alteração de ritmo nas duas

intervenções do João. É uma alteração provocada pela sequência ou expressão “é

que”:

“O que é que vamos fazer?”

“O que é que há aqui mais perto para ver?”

As perguntas do João poderiam igualmente ser formuladas sem ser utilizada a

sequência “é que”:

“O que vamos fazer?”

“O que há aqui mais perto para ver?”

Page 45: 15233235 Falamos Portugues (1)

7

Do mesmo modo, a pergunta proferida pela Ana “O que achas?” seria

igualmente possível se fosse proferida “O que é que achas?”:

“O que achas?”

= “O que é que achas?”

A expressão “é que” começou a ser usada no Português Moderno. Surge

frequentemente em situação de fala informal e espontânea, tanto em frases

interrogativas como em frases afirmativas. Esta sequência apresenta-se como uma

forma fixa e não pode ser interrompida. Ocupa uma só posição na frase: antecede

sempre o sintagma verbal. Observemos mais uma vez alguns exemplos de uso da

expressão “é que”:

O que é que vamos fazer? = O que vamos fazer?

O que é que achas? = O que achas?

O que é que há aqui...? = O que há aqui..?

Onde é que fica Belém? = Onde fica Belém?

2. PEDIR E DAR INFORMAÇÃO SOBRE LOCALIZAÇÃO ESPACIAL

A Ana está muito interessada em encontrar no mapa os locais que quer visitar.

Observemos como o João transmite à Ana a informação que esta lhe pede e que

expressões linguísticas usa para indicar a localização dos diversos sítios no mapa:

Page 46: 15233235 Falamos Portugues (1)

8

Ana: – Concordo. Temos mesmo de planear. É por isso que o mapa nos vai ser útil.

Onde fica Belém?... Eu sei que há muita coisa para visitar em Belém... mas

não sei se fica para norte... se fica para esquerda... se para a direita...

João: – Tens toda a razão. Belém... Belém... Olha fica junto ao rio Tejo, fica a oeste.

Se calhar, podemos ver o pôr do sol!... É lá que fica o Mosteiro dos Jerónimos,

não é?

******

Ana: – Já agora, vê também onde é que fica o Parque das Nações... é o sítio onde foi

a Expo 98, aquela exposição mundial, lembras-te?

****

João:– Olha ... aqui no mapa... Expo... ... não... Parque das Nações.... ah ... olha, fica

mesmo no outro extremo da cidade... Também fica junto ao rio, mas para

oriente. De facto, Lisboa é uma cidade virada para o rio.

******

Ana:– Belém fica longe!... O Parque das Nações também fica lá longe!... Acho que

hoje podemos dar uma volta aqui mais perto do hotel... podemos andar a pé e

assim vamos conhecer um pouco destes bairros. O que achas?

É de notar a frequência com que é usado o verbo “ficar”. Tem aqui o

significado de “estar situado” ou “localizar-se”. Trata-se de um verbo copulativo

que, em certos contextos, é equivalente a “ser”. Assim é perfeitamente possível

perguntar, em vez de “onde fica Belém aí no mapa?”, “onde é Belém aí no

mapa”.

“Onde fica Belém aí no mapa?” =

“Onde é Belém aí no mapa”.

Page 47: 15233235 Falamos Portugues (1)

9

Como verbo copulativo, o verbo “ficar” é um verbo de ligação ou verbo de

significação indefinida. Isto significa que é um verbo que selecciona apenas uma

oração pequena, cujo núcleo pode ser adjectival, nominal, preposicional ou adverbial.

Nos exemplos concretos extraídos do diálogo, em que tem o significado de “localizar-

se” ou “estar situado”, encontramos núcleos adverbiais, como:

Olha... cá está! fica junto ao rio Tejo.

O Parque das Nações também fica longe.

Torre de Belém também fica lá.

O verbo “ficar” também selecciona núcleos preposicionais, como:

...mas não sei se fica para norte... se para sul ... fica no outro extremo da cidade...

... fica a oeste

3. FAZER SUGESTÕES

O João e a Ana já sabem que têm muito para ver em Lisboa, por isso a Ana apresenta

algumas sugestões ao João. Vamos rever como o faz:

Ana: – (...) Já temos um mapa da cidade. Podemos ver onde ficam as zonas mais

interessantes de Lisboa.

******

Ana: – (...) Olha! Podemos ir a Belém.

******

Page 48: 15233235 Falamos Portugues (1)

10

Ana: – (...) podemos ir ao Parque das Nações.

******

Ana: – (...) podemos ir ao Parque das Nações.

Nestes exemplos aparece a construção formada pelo verbo modal poder,

associado a formas infinitivas de outros verbos. Poder é usado aqui para fazer uma

sugestão, exprimindo um certo grau de probabilidade e incerteza.

PODER + INFINITIVO

podemos podemos podemos podemos

ver ir dar passear

Para melhor compreendermos o desafio que a Ana e o João têm pela frente,

vamos todos conhecer um pouco da cidade de Lisboa...

Lisboa, vista do Tejo, é uma cidade luminosa, alegre, com uma diversidade de

recantos bem nítidos entre as duas pontes: a mais antiga, a Ponte 25 de Abril,

construída em 1960, e a Ponte Vasco da Gama, construída aquando da Exposição

Universal de Lisboa, em 1998.

Entre colinas, a Baixa de Lisboa, constitui o centro da capital e é, quase toda,

uma reconstrução do século XVIII, como consequência do terramoto de 1755. As ruas

paralelas e perpendiculares revelam, ainda hoje, o tipo de comércio e de actividades

que nelas se desenvolvia. A Rua Augusta é a mais elegante ligação entre a Praça do

Comércio e o Rossio, através do Arco Triunfal, que comemora a reconstrução da

Page 49: 15233235 Falamos Portugues (1)

11

cidade depois do terramoto. Quando visto do Rossio, este arco enquadra a estátua

equestre do rei D. José I, na Praça do Comércio.

Em volta, nas colinas que rodeiam a Baixa, estendem-se os bairros mais

populares, com ruas mais estreitas, com vida própria, onde as pessoas se sentem

mais próximas e onde a cidade fica mais intimsta. Distinguem-se Alfama, a este, com

o Castelo no cimo, e o Bairro Alto, a oeste, muito conhecido pelos inúmeros pequenos

bares e restaurantes, juntamente com casas de fados. Alfama é um bairro com

características mouriscas. Conserva ainda um certo ambiente do casbá, com ruelas e

escadarias.

Por cima, bem no alto desta colina, o Castelo de S. Jorge, com os seus jardins

e a cidadela, sobressai no horizonte. É memória da conquista de Lisboa aos Mouros

em 1147 e um magnífico miradouro sobre a cidade e o rio.

Mais a baixo, a Sé, em estilo românico, é igualmente um marco que acompanha a

história da cidade até aos nossos dias. Muito perto fica a pequena igreja de Santo

António. O Santo mais popular de Lisboa é celebrado anualmente, no dia 13 de Junho,

com festas em todos os recantos. O Bairro Alto, na colina do lado oeste, é também um

local agradável, onde pequenas oficinas e tascas convivem com uma vida nocturna

activa e diversificada. Algumas casas de fados têm aí o seu lugar, assim como

algumas das salas de espectáculos mais representativas: o Teatro da Trindade, o

Teatro S. Luís e o Teatro S. Carlos, este último conhecido pelas suas épocas de

ópera.

O Chiado é uma zona de lojas elegantes, boa para compras. A Rua do Carmo

e a Rua Garrett são duas das principais artérias comerciais que sobem da Baixa até

ao Bairro Alto. Para quem não quer subir a pé pode optar por usar o elevador da

Glória, um funicular construído nos finais do século XIX (1885) ou o elevador da Santa

Justa. Este elevador é uma interessante obra neogótica, construído em 1902, por

Raoul Mesnier du Ponsard, discípulo de Gustave Eiffel, e sobe 45 metros na vertical.

No cimo, muito perto, o Convento do Carmo, monumento gótico acabado em 1423.

Page 50: 15233235 Falamos Portugues (1)

12

Abriga actualmente um importante museu Arqueológico. A Igreja mantém as ruínas

provocadas pelo terramoto de 1755 e são especialmente visíveis do Rossio ou do

Castelo.

A cidade prolonga-se ao longo da margem do rio Tejo, no sentido da foz até

Belém, zona intimamente ligada à época dos Descobrimentos. Dois monumentos,

pertencentes ao Património Mundial da Humanidade, merecem um destaque especial:

O Mosteiro dos Jerónimos, que comemora o regresso das naus de Vasco da Gama da

Índia e a Torre de Belém, situada à beira-rio, na área de partida das caravelas. Ambos

foram mandados construir por D. Manuel I nos inícios do século XVI. Em sentido

contrário, ao olharmos para o extremo oriental da cidade, deparamo-nos com o Parque

das Nações, local onde se realizou a Exposição Universal de Lisboa, em 1998.

Tal como em Belém, também aqui é evocada a época dos Descobrimentos,

através de uma das suas figuras mais representativas: Vasco da Gama, que passou o

cabo da Boa Esperança, em 1489, e abriu caminho para a Índia. Assim, existe a Torre

Vasco da Gama, com uma vista panorâmica única sobre Lisboa e a margem sul, e a

Ponte Vasco da Gama, a segunda ponte que liga Lisboa ao sul do país, com 18 km,

13 dos quais em tabuleiro sobre o rio.

O Parque das Nações é um espaço moderno e alegre, que contém exemplos

únicos de arquitectura contemporânea: é o caso da Gare do Oriente, com as

impressionantes abóbadas geométricas que cobrem as plataformas ferroviárias; o

Pavilhão de Portugal, com uma enorme pala em betão suspensa como se fosse uma

vela de um barco e o Oceanário, o segundo maior do mundo, localizado num cais

rodeado de água.

Page 51: 15233235 Falamos Portugues (1)

PROGRAMA 5

CAFÉS LITERÁRIOS

Portugal tem uma grande diversidade de cafés e de pastelarias, desde as

casas com «história» e «tradição» a locais mais recentes e descontraídos. Existem,

em frente a alguns destes estabelecimentos, agradáveis esplanadas, donde pode,

tranquilamente, admirar-se o rio enquanto se saboreia um café.

As cafetarias, comummente designadas «cafés», são um local de encontro e de

convívio social. O convite para se «ir tomar um café» é claramente um apelo ao

encontro, um pretexto para se sair de casa, ver os amigos e «dar dois dedos de

conversa».

As pastelarias são locais ideais para, a meio da tarde, se fazer um pequeno

lanche. Além de sandes e dos típicos salgados, pode deleitar-se com a deliciosa

pastelaria portuguesa, que é extremamente diversificada e sempre apetitosa.

Os primeiros cafés portugueses surgiram em Lisboa, em meados do século

XVIII – os chamados «Botequins». Ao longo da história, alguns serão local de tertúlia

literária, de discussão cultural e de debate político e ideológico. Destes «cafés

literários», outrora centros de cultura, chegaram até nós, em Lisboa, o Martinho da

Arcada, o Café Nicola e a Brasileira e no Porto, o Majestic.

João: – Onde preferes ficar? Sentamo-nos aqui ou ali, mais ao fundo?

Ana: – A mim, tanto me faz! Olha, esta mesa está livre, sentamo-nos já aqui!

Ana: – Depois desta caminhada o que me apetece mesmo é descansar...

João: – E a mim também!

1

Page 52: 15233235 Falamos Portugues (1)

Ana:– Apetece-me mesmo ficar aqui uns instantes... a sentir Lisboa... a “saborear”

este espaço... Já reparaste no encanto desta praça e, sobretudo, deste café?...

João: – Saborear o espaço? E um prego, não? O retorno às origens deixou-te muito

poética, primita!

Ana: – Pois tu continuas na mesma! Um bom garfo é sempre um bom garfo, a

“barriga” vem primeiro! Mas tens razão, vamos pedir! Também já vou tendo um

bocadinho de fome! Disseste que querias comer o quê, repete lá?... Um prego?...

João: – Ah! Afinal “a intelectual” precisa das explicações aqui do comilão, não é?

Podes contar comigo... sei tudo sobre comida portuguesa! Um prego é uma sandes de

bife de vaca! Às vezes a tua tia fazia lá em casa, para os lanches...Quando ficava com

saudades...!

Ana: – É verdade, já me lembro!

João: – Olha, agora ainda fiquei com mais vontade de comer um prego! Até sinto água

na boca!

Ana: – Um prego? Não sei! A mim, não me apetece nada carne de vaca... não gosto

muito... Prefiro porco! É menos rijo e mais saboroso.

João: – Então aconselho-te a pedires uma bifana - um bife de porco no pão! Ou se

quiseres algo igualmente típico mas mais ligeiro, uma empadinha de galinha ...ou um

ou dois pastéis de bacalhau, sei lá... isto para não ires para a tosta mista ou para o

cachorro-quente, que isso comes tu em qualquer lado!

Ana: – Ah, é isso mesmo! Aceito a tua sugestão: vou comer uma bifana... Olhe, por

favor! Desculpe!

Empregado: - Boa tarde!

Ana: - Boa tarde!

João: – Boa tarde!

Ana: - Era um prego e uma bifana, se faz favor!

Empregado: - Sim, senhora! E para beber?

João: - Eu queria uma imperial.

2

Page 53: 15233235 Falamos Portugues (1)

Empregado: - E a Senhora?

Ana: - E eu gostava de um refrigerante...oh, não, desculpe, traga-me antes um sumo

de laranja natural, se não se importa!

Empregado: - Hum...desculpe...Sumo de laranja natural não temos. Poderá ser um

sumo de máquina ou um sumo...?

Ana: - Pode ser um sumo de máquina, sem gás!

Empregado: - Sem gás...

Ana: - Olhe, de maçã...

Empregado: - Sim, senhora.

João: – Sabes, Ana, tens razão quanto a esta praça – é um local mesmo encantador!

Ana: – É! É Majestosa e imponente! Vês aquela estátua ali no centro? ... É de D.

José!... que reinava em 1755... quando foi o terramoto que praticamente arrasou

Lisboa!

João: – É um bom exemplo da Arquitectura Pombalina – repara que tem um traçado

absolutamente simétrico. Aliás, uma das estátuas ali do Arco da Rua Augusta

representa o próprio Marquês de Pombal... o que foi responsável pela reconstrução da

cidade depois do terramoto.

Empregado : – Ora aqui está! O prego, para quem é?

João : – É para mim! A bifana é para a Senhora.

Empregado: – Um prego para o Senhor e uma imperial.

João: – Obrigado.

Empregado: – Uma bifana para a Senhora e um sumo de maçã.

Ana: – Muito obrigada.

Ana: – Bom apetite!

João: – Obrigado. Igualmente.

João: – Então, que tal? Está bom?

Ana: –Hum! Esta bifana está óptima!

3

Page 54: 15233235 Falamos Portugues (1)

João: – Então, já podemos pedir o café? Uma bica, como se diz aqui em Lisboa! No

Norte, só se usa “café”!

Ana: – Curiosa, essa diferença regional! Mas eu não queria um café muito forte.

João: – Então pede um carioca, que é um café fraquinho - a não ser que queiras um

descafeinado ou um nescafé! Eu cá vou pedir uma bica curta escaldada (uma italiana)!

João: – Por favor, trazia-nos um café curto e um carioca?

Empregado: – Sai um carioca e uma bica bem tirada!

Ana: – Ó João...! Já viste bem onde vamos tomar café? Por este local passaram

algumas das mais importantes personalidades do mundo político, cultural e artístico

português...

João: – Sim... Eça de Queirós, Cesário Verde, Almada Negreiros, Fernando Pessoa...

E tu já pensaste nas discussões... nas ideias inovadoras que aqui terão surgido?...

exactamente neste local... à volta destas mesmas mesas de café?

Ana: – Pois! Por exemplo, Fernando Pessoa escreveu aqui a Mensagem!

João: – Sob o efeito inspirador de uma aromática chávena de café!

Bem-vindos, senhores telespectadores, a mais um FALAMOS PORTUGUÊS.

Acabámos de assistir a uma situação de comunicação num café. A Ana e o João,

sentados na esplanada do Martinho da Arcada, em Lisboa, conversam sobre comida

ligeira e ao mesmo tempo apreciam o local que os envolve.

Hoje abordamos, portanto, uma área temática fundamental na comunicação do

dia a dia: a área temática das refeições ligeiras. Vamos também aprender a fazer o

pedido da nossa refeição correctamente, segundo as convenções sociais exigidas por

esta situação.

Ora bem! Comecemos por explicar sucintamente o que se considera uma

refeição ligeira em Portugal. Uma refeição ligeira, como a própria designação indica, é

uma refeição leve, em regra cozinhada e servida rapidamente, e que pode constituir

um almoço breve ou um lanche reforçado:

4

Page 55: 15233235 Falamos Portugues (1)

REFEIÇÃO LIGEIRA - refeição leve, em regra confeccionada e servida rapidamente, que pode constituir um almoço breve ou um lanche reforçado.

1. FAZER UM PEDIDO

Vamos agora ver como pode formular-se um pedido em português (por

exemplo, num estabelecimento comercial), tendo em conta as normas sociais que

devem regular este acto comunicativo. Observemos novamente a Ana e o João e

reparemos no modo como eles fazem o seu pedido ao empregado. A vossa atenção,

por favor!

Ana: - Olhe, desculpe!

Empregado: - Boa tarde!

Ana: - Boa tarde!

João: – Boa tarde!

Ana: - Era um prego e uma bifana, se faz favor!

Empregado: - Sim senhor! E para beber?

João : - Eu queria uma imperial.

Empregado: - E a Senhora?

Ana: - E eu gostava de um refrigerante...oh não, desculpe, traga-me antes

um sumo de laranja natural, se não se importa!

Empregado: - Hum...desculpe...Sumo de laranja natural não temos. Poderá

ser um sumo de máquina ou um sumo...?

Ana: - Pode ser um sumo de máquina, sem gás!

Empregado: - Sem gás.

Ana: - Olhe, de maçã

Empregado: - Sim senhor.

5

Page 56: 15233235 Falamos Portugues (1)

1.1 PRÍNCÍPIO DA CORTESIA E FÓRMULAS DE DELICADEZA

Gostaríamos de chamar a vossa atenção para um primeiro aspecto: como

puderam notar, a Ana e o João, ao efectuarem o pedido, dirigem-se ao empregado de

uma forma educada, delicada, segundo mandam as convenções sociais e o chamado

“princípio da cortesia”. A Ana diz:

– Era um prego e uma bifana, se faz favor! – (...) traga-me antes um sumo de laranja natural, se não se importa!

FÓRMULAS E

EXPRESSÕES DE DELICADEZA

Se faz favor Se não se importa Desculpe

“Se faz favor”; “desculpe” e “se não se importa” são fórmulas e

expressões de delicadeza. São utilizadas nestas circunstâncias para suavizar o

pedido, para o efectuar com cortesia.

1.2 FAZER UM PEDIDO – PRETÉRITO IMPERFEITO

Vamos agora dar atenção às formas verbais utilizadas pelos nossos amigos no

acto de fazer o pedido:

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Page 57: 15233235 Falamos Portugues (1)

FORMAS VERBAIS/ FAZER UM PEDIDO

Pretérito Imperfeito

- Era um prego e uma bifana, se faz favor! - Eu queria uma imperial! - E eu gostava de um refrigerante!

São usadas formas verbais como :

- “ERA” - pretérito imperfeito do indicativo do verbo SER;

- “QUERIA” - pretérito imperfeito do indicativo do verbo QUERER;

- “GOSTAVA” - pretérito imperfeito do indicativo do verbo GOSTAR.

Em português, é extremamente frequente, em situações de comunicação como

aquela a que assistimos, usar-se o pretérito imperfeito do indicativo para formular o

pedido: como vimos, podemos utilizar o pretérito imperfeito do verbo SER (“era”), mas

também o pretérito imperfeito de outros verbos, entre eles os usados para expressar

desejo ou vontade (como é o exemplo dos verbos QUERER (“queria”) e GOSTAR

(“gostava”).

É preciso sublinhar que o pretérito imperfeito não tem aqui um valor temporal.

Por vezes, quando fazemos um pedido desta natureza e o nosso interlocutor tem

muita intimidade connosco, podemos até ouvi-lo “brincar” com a situação,

respondendo-nos, por exemplo, “- Queria uma imperial? Então agora já não a quer,

não é assim?”. Na verdade, o pretérito imperfeito nesta situação não se reporta a uma

acção do passado. Tem neste caso um valor contextual ou modal. Destina-se aqui a

modalizar o discurso de acordo com regras sociais: a atenuar o pedido, a efectuá-lo

7

Page 58: 15233235 Falamos Portugues (1)

com polidez e cortesia, como já explicámos. É, de facto, também expressão de

delicadeza.

1.3 FAZER UM PEDIDO – PRESENTE DO INDICATIVO

Vamos agora reparar que o pretérito imperfeito, em algumas das nossas

frases, tem um valor de presente do indicativo. Pode, com efeito, ser substituído pelo

presente no acto de fazer o pedido.

FORMAS VERBAIS/ FAZER UM PEDIDO

Pretérito Imperfeito = Presente do Indicativo

Era/ É um prego e uma bifana, se faz favor! Eu queria /quero uma imperial!

Há que chamar a atenção, no entanto, para o seguinte: embora o presente do

indicativo também possa, com efeito, ser usado para se fazer um pedido em

português, a sua utilização pode ser sentida como menos cortês e delicada do que a

utilização do pretérito imperfeito. A utilização do presente do indicativo corresponde

também, por vezes, a um registo de menor formalidade.

1.4 FAZER UM PEDIDO – CONDICIONAL

Noutros enunciados, o pretérito imperfeito surge com um valor de condicional

de cortesia:

8

Page 59: 15233235 Falamos Portugues (1)

FORMAS VERBAIS/ FAZER UM PEDIDO

Pretérito Imperfeito = Condicional

E eu gostava de um refrigerante =

E eu gostaria de um refrigerante.

“Eu gostava de um refrigerante!” equivale a dizer “Eu gostaria de um

refrigerante” (é, de facto, a mesma coisa). O pedido pode ser feito, deste modo,

também com o condicional. À semelhança do imperfeito, o condicional também não

tem aqui informação temporal mas sim modal. O condicional assinala, neste último

enunciado, um desejo, manifestado com muita elegância e suavidade. Trata-se, no

fundo, de um pedido, mas feito com muito boa educação, de uma forma extremamente

delicada. A utilização do condicional corresponde a um registo mais formal e menos

coloquial do que a utilização do imperfeito.

1.5 FAZER UM PEDIDO – IMPERATIVO

Vejamos ainda a frase da Ana:

– (...) desculpe, traga-me antes um sumo de laranja natural, se não se importa!

É possível utilizarmos o imperativo para fazermos um pedido. O modo

imperativo é realizado pelo conjuntivo na 3ª pessoa do singular (assim como na 1ª e 3ª

pessoas do plural) - esta questão será abordada detalhadamente no próximo

programa.

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Quando usamos o imperativo e estamos a fazer um pedido, é muito importante

utilizarmos “atenuadores de ordem”, como as expressões de cortesia “desculpe”, “se

não se importa”, para evitarmos que o nosso pedido pareça rude ao destinatário.

2. ACEITAR SATISFAZER O PEDIDO

O empregado, ao espontaneamente aceitar satisfazer o pedido feito pela Ana,

usa a expressão “sim senhor”. E agora, muita atenção! Parece haver uma tendência

no português europeu para o uso de “sim senhor” eliminando a concordância de

género e número, como se esta fosse uma expressão fixa, invariável. No entanto, de

acordo com a tradição gramatical, e no contexto que vimos, tal expressão varia em

género e em número, consoante as pessoas a quem nos dirigimos.

Assim:

Resposta a um homem

Sim, senhor!

Resposta a uma mulher

Sim, senhora!

Resposta a vários homens

Sim, senhores!

Resposta a várias mulheres

Sim, senhoras!

Se nos dirigirmos a um homem usamos “sim, senhor! mas se o nosso

interlocutor for feminino usamos “sim, senhora!”

Passemos agora à descodificação de algumas expressões usadas no diálogo.

10

Page 61: 15233235 Falamos Portugues (1)

3. ALGUMAS EXPRESSÕES DO PORTUGUÊS:

No diálogo, a Ana, dirigindo-se ao João, utiliza expressões como “ Um bom

garfo é sempre um bom garfo” e “a barriga vem primeiro”! O que quererão dizer

estas expressões?

“ser um bom garfo”

A expressão significa “ser um grande apreciador de gastronomia, alguém que

se entrega aos prazeres da boa mesa”.

“a barriga vem primeiro”

A barriga vem primeiro é uma expressão fixa que significa que a principal

preocupação de alguém é a comida e que esse alguém pensa primeiro em comer e só

depois noutros assuntos.

Bom, pela minha parte, por hoje é tudo! Convido-os agora a conhecerem

alguns cafés onde se fez a História de Portugal – alguns cafés com história! Referimo-

nos a cafés portugueses que se inserem na tradição dos cafés-tertúlia, por onde

passaram muitas figuras importantes da cultura portuguesa. Fiquem para ver!

O Martinho da Arcada situa-se na Praça do Comércio, sob as suas elegantes

arcadas neoclássicas. Este café-restaurante foi inaugurado em 1782, no período

pombalino, pelo próprio Marquês de Pombal. É um dos mais antigos cafés lisboetas.

Junto à entrada, do lado esquerdo, no espaço revestido a azulejos brancos,

destaca-se a figura de Fernando Pessoa. O local fazia parte da vida diária deste

poeta. Aqui se entregava à inspiração, rabiscando alguns dos seus extraordinários

11

Page 62: 15233235 Falamos Portugues (1)

poemas; aqui se refugiava, na companhia de Almada Negreiros e de Mário de Sá

Carneiro. Quando este último morreu, Pessoa sente a sua falta. Escreve, saudoso e

inconformado:

É como se esperasse eternamente A tua vinda certa e combinada Aí em baixo, no Café Arcada Quase no extremo deste continente

Três dias antes de morrer, por aqui terá passado uma última vez Fernando

Pessoa e tomado um derradeiro café.

A Brasileira é outros dos locais emblemáticos da vida do poeta. Aqui reuniam

os modernistas portugueses e entre eles, Pessoa e Sá Carneiro. Na esplanada do

café, uma estátua em bronze, da autoria de Lagoa Henriques, imortaliza os momentos

que Fernando Pessoa aí passou.

Em 1905, quando o espaço abriu, começou por ser um ponto de venda do café

proveniente do Brasil. Passou depois a casa de café, com um projecto do arquitecto

Norte Júnior. Na fachada, distinguem-se três portas envidraçadas, no cimo das quais

existe uma figura masculina a tomar café. Conta-se que neste café terá nascido a

expressão, tão lisboeta, “uma bica bem tirada”, quando um empregado pediu ao seu

colega um café servido com esmero.

O Café Nicola é também um dos primeiros cafés lisboetas, inaugurado no

século XVIII. O poeta Bocage, um dos maiores poetas portugueses do mesmo século,

ficará eternamente ligado ao seu nome. Destemido e rebelde, aí levou uma vida de

boémio, conspirando contra o despotismo do regime político da altura, defendendo os

direitos humanos, analisando os problemas do país. Do espaço original deste café,

nada resta. A sua configuração actual, de estilo déco, data dos anos 30 do séc. XX.

No entanto, no interior, uma estátua de Bocage lembra a associação eterna entre o

poeta e o café.

12

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13

Em 1921, na Rua de Santa Catarina, no Porto, abre um luxuoso café

aristocrático, seguindo a tradição dos elegantes cafés parisienses. Da autoria do

arquitecto João Queirós, é inicialmente chamado Elite e é frequentado pela alta

burguesia portuense e por figuras célebres portuguesas. São exemplos o aviador

Gago Coutinho e a actriz Beatriz Costa.

Passa a chamar-se Majestic em 1922. O seu estilo Arte Nova remete-nos para

o Porto dos anos vinte, da “Belle Époque”. A sua grande sala rectangular ostenta

tectos de gesso, cuidadosamente decorados. Em ambas as paredes laterais, existem

bancos corridos, forrados a cabedal. Os espelhos de cristal de Antuérpia conferem ao

local um brilho requintado. Entre os espelhos, erguem-se colunas de capitéis

ornamentados.

Por aí passaram nomes da cultura portuguesa como Teixeira Pascoaes, José

Régio ou Amadeu Sousa Cardoso. Aí se debateram ideias literárias e artísticas.

Presentemente, continua a ser palco de acontecimentos culturais: recitais de piano e

de poesia, lançamentos de livros, exposições de pintura. Continua a ser visitado por

figuras públicas portuguesas, a par dos turistas e dos clientes habituais, muito

diversificados.

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PROGRAMA 6

TERMALISMO EM PORTUGAL

Todos os que precisam de melhorar o seu estado de saúde ou forma física

podem encontrar nas águas portuguesas o alívio pretendido. Do solo português

brotam inúmeras nascentes de águas minero-medicinais, que pelas suas

características físico-químicas e temperatura são adequadas ao tratamento de uma

grande diversidade de doenças.

Em Portugal, as estâncias termais concentram-se, sobretudo, no Norte e na

região centro. Algumas têm como enquadramento cenários paisagísticos de extrema

beleza natural.

No nosso país, a tradição do termalismo remonta, pelo menos, aos romanos.

Este povo trouxe consigo o hábito de tomar águas medicinais quentes. Com o

objectivo de aproveitar as propriedades terapêuticas das águas, aqui construiu muitas

termas, em diferentes localidades. Ainda hoje, as fontes de águas termais são

designadas caldas, do latim CALIDAS, que significava “quentes”. A palavra passou a

integrar topónimos portugueses relativos a localidades onde se verifica a existência de

termas, como por exemplo: Caldas da Rainha, Caldas de Aregos, Caldas de Vizela,

Caldas do Gerês.

Também do latim provém a designação do frequentador de termas, daquele

que busca o poder curativo das águas: aquista – do latim aqua.

Este, antes de optar por uma estância termal, começa por ir ao médico...

Ana: – Boa tarde, Senhora Doutora! Dá licença?

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Médica: – Boa tarde! Faz favor! Entre, entre!

Médica: – Faça favor de se sentar! Só um momentinho que eu já a atendo! Ana: –

Com certeza!

Médica: – Ora bem! Senhora D. Ana Paula Martins! É a primeira vez, não é? Não

tinha cá ficha!

Ana: – É sim, Senhora Doutora! É que eu não moro cá! Vim cá passar uns tempos e

olhe...

Médica: – Adoeceu...está-se mesmo a ver! Não podia ter escolhido melhor ocasião?

Não se vem de férias a Portugal para se ficar doente!

Ana: – E logo agora, que eu estava a gostar tanto de tudo!

Médica: – Ah, mas isso é mesmo assim! Estas coisas não escolhem dia nem hora!

Bom... mas diga lá, então... De que é que se queixa?

Ana: – Olhe, tenho tido uma pontinha de febre! E dores no corpo e na cabeça...

Médica : – Mas tem tirado a febre?

Ana: – Tenho sim! Até comprei um termómetro de propósito na farmácia! Tenho tido

trinta e sete e nove, trinta e oito...

Médica: – Hum...Estou a ver... Não é bem “uma pontinha de febre”... Já é mesmo

febre! E há quanto tempo está assim?

Ana: – Ora, deixe-me ver... hoje é o terceiro dia.

Médica: – Hum... tem tido dores de garganta?

Ana: – Sim, dói-me um bocadinho!

Médica: – Deixe-me ver, então! Abra a boca! Diga: “AAAAAH”...

Ana: – AAAAAH....

Médica: – Está um bocadito inflamada! Mas não tem pontos brancos! Bem, vamos

puxar a camisola para cima...para eu a poder auscultar... Respire fundo! Agora tussa!

Disse que tinha dores na cabeça...? Onde, exactamente?

Ana: – Onde, Doutora? Não sei... Acho que me dói a cabeça toda!

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Médica: – Bem me pareceu! Não tem dores na cabeça... o que tem é dores de

cabeça! Em português, ter uma dor na cabeça é ter uma dor localizada num ponto

específico da cabeça... por exemplo, quando se bateu com a cabeça nalgum lado!

Ana: – Ah! Pois, não é esse o caso! Eu apanhei foi uma forte constipação!

Médica: – Pois... E ficou com dores de cabeça...

Ana: – Bom, estou a ver que tenho de vir mais vezes à consulta... para aprender mais

português!

Médica: – Esperemos que não! Não vai ter de ficar de cama mas vai fazer o

tratamento que lhe vou receitar! É alérgica a algum medicamento?

Ana: – Que eu saiba, não, Senhora Doutora!

Médica: – Vai tomar estes comprimidos de doze em doze horas. E tome este xarope

três vezes ao dia! Vai ficar boa num instante! Sã que nem um pero!

Ana: – Oh! Que pena! E eu a pensar que me ia mandar para as termas!

Médica: – Lamento decepcioná-la... não é caso para isso! Mas, sabe, não vamos

para as termas só quando temos uma doença! Também podemos ir por outras

razões... para fugir à agitação da cidade... para descansar, descontrair... É o chamado

“termalismo de bem estar”!

Ana: – E em Portugal, já há muita oferta desse termalismo? Por exemplo, se eu

pudesse dar um salto a umas termas... qual é que a Senhora Doutora me

recomendava?

Médica: – Bom...

Bem-vindos, Senhores Telespectadores, ao sexto programa do FALAMOS

PORTUGUÊS. Hoje assistimos a uma situação de comunicação num consultório

médico. A Ana constipou-se, adoeceu e teve de recorrer à ajuda de um médico. No

diálogo, vimos algumas estruturas linguísticas e algum vocabulário relacionados com o

corpo humano, com a doença e com o atendimento e o tratamento médico.

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Neste programa, iremos também ver como pedir e dar autorização ou

permissão, como dar ordens ou instruções e ainda formas de tratamento

formais.

1. PEDIR/CONCEDER AUTORIZAÇÃO/PERMISSÃO

Como certamente repararam, a Ana e a médica encontram-se numa situação

de formalidade. Assim, o uso que fazem da língua é guiado, sobretudo, pelo princípio

da delicadeza, pois os dois interlocutores assumem comportamentos convencionais

de cortesia. Ao chegar à porta do consultório, a Ana empurra-a delicadamente e

cumprimenta a médica : deseja “Boa tarde” (que é uma forma de saudação para o acto

de CUMPRIMENTAR). Depois, pede a autorização da médica para entrar e esta

concede-lhe a sua permissão. Observem atentamente!

Ana: – Boa tarde, Senhora Doutora! Dá-me licença? Médica: – Boa tarde! Faz favor! Entre, entre!

Vimos que a Ana, para pedir autorização ou permissão para entrar, usa uma

frase interrogativa, empregue com muita frequência em português nestas situações:

“Dá-me licença?”.

PEDIR AUTORIZAÇÃO/

PERMISSÃO

DAR AUTORIZAÇÃO/

PERMISSÃO Dá-me licença [...]? Posso entrar? Com licença!

Faz favor! Entre, entre. Ora essa! Com certeza!

Mas há outras formas de pedir permissão em português. Vejamos mais

algumas: a Ana poderia ter utilizado a frase interrogativa “Posso entrar?” Neste caso

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utilizaria o verbo modal poder no presente do indicativo (“posso”) + o verbo

principal no infinitivo (“entrar”); Poderia também ter utilizado apenas a expressão

de cortesia “com licença”.

Para conceder autorização à Ana e dar o seu assentimento para esta entrar, a

médica utiliza a fórmula de delicadeza “faz favor”. Diz-lhe ainda “Entre, entre”.

Trata-se de uma frase imperativa realizada pelo conjuntivo. A forma verbal “entre”

está no presente do conjuntivo mas tem um valor de imperativo.

A médica poderia ainda ter respondido com a expressão interjectiva “Ora

essa!” ou com a locução adverbial “Com certeza!”. Chamamos a atenção para a

grafia da locução adverbial “com certeza” – composta pela preposição “com” + o

nome “certeza”. É um erro muito comum em português escrever-se esta expressão

como se fosse uma única palavra, o que está incorrecto. Deixamos aqui apenas a

advertência! Trata-se de duas palavras e não de uma só!

2. FORMAS DE TRATAMENTO FORMAIS

O grau de formalidade de uma situação condiciona o que dizemos e o modo

como o fazemos. Deste modo, as formas de tratamento utilizadas são determinadas

pela situação em que usamos a língua. Lembremos as formas de tratamento usadas

pela Ana e pela médica para se dirigirem uma à outra:

Médica: – Ora bem! Senhora Dona Ana Paula Martins! É a primeira vez, não é? Não tinha cá ficha! Ana: – É sim, Senhora Doutora!

O reconhecimento da posição ocupada pelos locutores na relação social tem

reflexo na selecção das formas de tratamento que cada um utiliza para se dirigir ao

outro. Desta forma, a Ana e a médica seleccionam formas de tratamento diferenciadas

consoante a posição que cada uma ocupa na relação social. Vemos que para se dirigir

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à médica, a Ana usa a forma de tratamento “Senhora Doutora” e utiliza sempre o

verbo na terceira pessoa do singular. Por sua vez, a médica dirige-se-lhe como

“Senhora Dona”.

3. DAR ORDENS/INSTRUÇÕES

Vamos agora abordar algumas formas de DAR ORDENS/INSTRUÇÕES em

português. Ao realizar o atendimento médico, a médica pede informações sobre o

estado de saúde da Ana e, à medida que a consulta se vai desenrolando, vai dizendo

à Ana como esta deve proceder para que possa analisar o seu estado de saúde. No

fim, dá-lhe ainda algumas instruções sobre como deve tomar os medicamentos

prescritos/receitados. Estejam atentos ao excerto!

Médica: – Abra a boca! Diga: “AAAAAH”...

Médica: – Respire fundo!

Médica: – Agora tussa!

Médica: – (...) E tome este xarope três vezes ao dia!

Como viram, para incentivar a Ana a realizar determinadas acções, a médica dá-lhe

determinadas instruções. Usa formas verbais como “abra” (“Abra a boca”), “diga”

(Diga “AAAAH”...), “respire” (Respire fundo!), “tussa” (Agora tussa!) ou “tome” (E

tome este xarope...).

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DAR ORDENS ORDENS/

INTRUÇÕES

Abra a boca Diga “AHHHH”... Respire fundo! Agora tussa! E tome este xarope (...)

Estas formas são formas do presente do conjuntivo que surgem em frases

imperativas. Em português, usa-se o presente do conjuntivo nestas circunstâncias

para substituir as formas que faltam ao imperativo. Expliquemos melhor este aspecto.

Vamos exemplificar com o verbo “respirar”:

IMPERATIVO – frases afirmativas

Respira! (tu) Respirai! (vós)

O imperativo conjuga-se sem sujeito expresso e gramaticalmente só tem as

formas de segunda pessoa do singular (caso de Respira! – “tu”) e de segunda pessoa

do plural (exemplo de Respirai! – “vós”).

Devemos sublinhar dois aspectos fundamentais do uso do imperativo:

- as formas do imperativo ocorrem exclusivamente em frases afirmativas;

- actualmente, a forma de segunda pessoa do plural do imperativo, que outrora

também se aplicava a interlocutores singulares para denotar uma grande deferência

(“respirai”), já não é utilizada em grande parte de Portugal. Esta forma foi susbtituída

no uso pela terceira pessoa do presente do conjuntivo. Em vez de “respirai” diz-se hoje

“Respire” (“você”) ou “Respirem” (“vocês”).

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DAR ORDENS/ INSTRUÇÕES (imperativo e conjuntivo)

Afirmativa

Negativa

Respira! (tu) – IMPERATIVO Respire! (você) - CONJUNTIVO Respiremos! (nós) - CONJUNTIVO Respirem! (vocês) - CONJUNTIVO

Não respires! (tu) - CONJUNTIVO Não respire! (você) - CONJUNTIVO Não respiremos! (nós) - CONJUNTIVO Não respirem! (vocês) - CONJUNTIVO

O presente do conjuntivo com valor de imperativo emprega-se também para a

primeira pessoa do plural (“respiremos”- nós). Utiliza-se igualmente o conjuntivo

sempre que a frase é negativa.: “não respires – tu”; “não respire – você”; “não

respiremos –nós”; “não respirem – vocês”.

Gostaríamos ainda de chamar a vossa atenção para o seguinte: as frases com

uso do imperativo (frases imperativas) podem ser diferentemente interpretadas

consoante o contexto situacional e linguístico em que surjam. Assim, uma mesma

frase imperativa pode ter uma leitura de ordem, de instrução, de pedido, etc.

Devemos ter cuidado com a entoação que damos a uma frase, de acordo com o

significado que lhe queiramos imprimir. Não devemos esquecer que uma mesma frase

pronunciada com entoações diferentes pode ter em português diferentes significados.

Imaginemos os seguintes contextos:

A mãe diz para a filha

- Soube que te portaste mal na escola! Conta-me tudo imediatamente! – Ordem!

Uma amiga diz para outra

- Como é que foi ontem com o João? Conta-me tudo imediatamente! – Pedido!

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4. ALGUMAS EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS

Para finalizarmos, vamos esclarecer o significado de algumas expressões do

texto. A médica afirma:

“Estas coisas não escolhem dia nem hora”

Quer a médica dizer com isto que há situações que não são previsíveis. Diz

ainda que a Ana vai ficar “Sã que nem um pero!”.

“ ficar ou ser sã/são que nem um pero”

Esta expressão significa ficar/ser muito saudável.

Neste momento, resta-me despedir, até ao próximo programa, mas vou ainda

convidá-lo a conhecer alguns locais termais de Portugal! Fique connosco e conheça

algumas termas portuguesas.

As Termas de S. Pedro do Sul, as mais frequentadas de Portugal, situam-se

no distrito de Viseu, no concelho de S. Pedro do Sul, povoação do Banho.

Na margem esquerda do Vouga, numa paisagem idílica, construíram os

romanos um Balneum – balneário termal constituido por diversas estruturas, como

evidenciam os presentes vestígios arqueológicos. Desta histórica denominação

provém o nome actual da vila – Banho!

Ao longo dos tempos, os seus banhos sulfurosos quentes foram ganhando

fama e atraindo gentes de todas as classes sociais, ansiosas por aliviar os seus

males.

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Conta a lenda que D. Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal, tendo sido

informado das propriedades terapêuticas destas águas, aqui buscou a cura para uma

fractura de uma perna, após a Batalha de Badajoz.

Também aqui passou férias a última rainha de Portugal, recebendo as termas o

seu nome: “Thermas da Rainha D. Amélia”.

As novas instalações, em funcionamento desde 2001, estão dotadas do mais

moderno equipamento e tratam, entre outras, doenças do aparelho respiratório,

reumáticas e músculo-esqueléticas.

Localizadas em Trás-os-Montes, no distrito de Vila Real, concelho de Chaves,

as Termas de Vidago encontram-se inseridas num deslumbrante cenário paisagístico,

no coração do centenário e maravilhoso Parque Natural de Vidago. Os seus lindos

edífícios “Belle Époque” merecem também ser admirados.

Do termalismo clássico ao recente conceito de termalismo de bem-estar, estas

termas oferecem uma grande diversidade de programas, direccionados quer para a

cura de doenças quer para o relaxamento e libertação do stress.

Uma completa estrutura turística, que inclui piscinas, campo de golfe, campo

de ténis, etc., proporciona ao visitante uma férias inesquecíveis.

Nas Termas de Vidago tratam-se doenças do sangue, do sistema nervoso, do

aparelho respiratório, do aparelho digestivo e da pele.

As Termas da Curia situam-se em plena região da Bairrada, envoltas por um

lindíssimo parque com uma área de 14 hectares, que contribui para o repouso e

tranquilidade dos aquistas.

No seu enquadramento, destacam-se frondosas e verdejantes matas, cujos

caminhos se podem percorrer, passeando por entre as centenárias árvores ou

andando de bicicleta.

Assume também relevo um enorme lago artificial, de cerca de 1km de

perímetro, rodeando uma Ilha que se encontra unida às margens por características

pontes.

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As águas da Curia, afamadas desde o tempo dos romanos, curam doenças

músculo-esqueléticas, do aparelho circulatório e do aparelho urinário.

A estância termal das Caldas do Gerês localiza-se num vale de denso

arvoredo, entre a fecundidade dos lagos e a magia da montanha, em pleno Parque

Natural da Peneda-Gerês. O cenário é aqui verdadeiramente paradisíaco – 70 000

hectares de maravilhosa flora e interessante fauna chamam a atenção de todos os que

aí procuram refúgio.

O primeiro estabelecimento termal foi construído no Gerês no século XVIII,

embora as referências à qualidade das águas venham de longa data. Recentemente

remodelado, conta hoje com o suporte de uma alargada estrutura turística, que

proporciona a prática de montanhismo, natação, canoagem, ténis, equitação, pesca e

grande diversidade de desportos náuticos.

As águas do Gerês, das mais fuoretadas de Portugal e da Europa, são

benéficas para as afecções do aparelho digestivo e do aparelho circulatório.

60 kms a norte de Lisboa, encontram-se as Termas do Vimeiro. O verde do

mar desenrola-se à sua frente, contribuindo, com as várias tonalidades do arvoredo,

para uma perfeita sensação de calma e de tranquilidade.

Ao mesmo tempo, são um local ideal para o lazer e divertimento, pois a

estrutura turística que as complementa inclui praia, piscinas, discotecas, golf, ténis,

picadeiro, SPA, etc.

As indicações terapêuticas das águas abrangem patologias do aparelho

circulatório, do aparelho respiratório, do aparelho digestivo e da pele.

No concelho da Mealhada, entre o majestoso arvoredo da Serra do Buçaco, na

sua encosta poente, situa-se a estância termal e turística do Luso-Buçaco.

O aquista pode aí usufruir da pureza e frescura do ar, no enquadramento

paradisíaco da luxuriante floresta secular da Mata Nacional do Buçaco. No seu interior,

fontes de águas cristalinas, regatos murmurantes, ermidas, avenidas toldadas de

espessa vegetação, fazem as delícias do visitante. Aí se encontram o convento de

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Santa cruz do Buçaco e o Palace Hotel do Buçaco – sumptuoso palácio do séc XIX,

expoente máximo do Neo-Manuelino.

A água do Luso é benéfica no tratamento de doenças do aparelho circulatório,

respiratório, urinário e músculo-esqueléticas.

A freguesia de Monfortinho situa-se na encosta da Serra de Penha Garcia,

junto à margem direita do Rio Erges, um afluente do Rio Tejo que faz fronteira com

Espanha. Pertence ao concelho de Idanha-a-Nova e dista cerca de 70 Km de Castelo

Branco. Na Serra, na nascente da Fonte Santa, brotam ancestrais águas minerais, que

alimentam as famosas Termas de Monfortinho. As propriedades terapêuticas destas

águas quentes são conhecidas, pelo menos, desde o século XVIII. Tratam afecções do

aparelho digestivo, ginecológicas e da pele.

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PROGRAMA 7

MUSEUS DE LISBOA

Lisboa é hoje um destino de grande prestígio internacional, apresentando

recursos de enorme qualidade e variedade cultural. Para tal muito contribui a riqueza e

diversidade museológica. Visitaremos hoje alguns museus de Lisboa mas estamos

longe de esgotar a oferta.

A Ana começa a sua visita pela Fundação Arpad Szenes – Vieira da Silva. A

Fundação está instalada na antiga Real Fábrica de Tecidos de Seda, do século XVIII.

O objectivo principal deste Museu é divulgar a obra destes dois pintores. Assim, a

colecção permanente do Museu apresenta duas obras emblemáticas, Composition, de

1936, de Helena Vieira da Silva e L’Enfant au Cerf Volant, de 1935, de Arpad Szenes.

Entre os vários quadros expostos no Museu, salientam-se os auto-retratos que

ilustram bem os seus temperamentos e posturas plásticas diferentes e a enorme

cumplicidade entre ambos. Podemos admirar ainda as obras abstractas inspiradas em

paisagens de Arpad Szenes, com as suas cores suaves e quentes e as cidades e

bibliotecas de Helena Vieira da Silva.

Enquanto a Ana está neste Museu, o João visita outro museu, o Museu dos

Coches. Este foi criado em 1905, por iniciativa da Rainha D. Amélia de Orléans e

Bragança, mulher do Rei D. Carlos I. Este Museu fica situado no edifício do antigo

Picadeiro Real do Palácio de Belém. Possui uma colecção única de viaturas de gala e

de passeio dos séculos XVII a XIX. A maioria destas viaturas pertencia à Casa Real

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Portuguesa. Este museu permite compreender a evolução dos meios de transporte

usados pelas cortes europeias até ao surgimento do automóvel. Destacam-se ainda o

coche único e muito antigo do Rei Filipe II, construído em Espanha em finais do século

XVI e início do século XVII, e ainda os coches da embaixada do Marquês de Fontes

usados na visita ao Papa, em 1716.

Após as visitas aos museus, a Ana e o João encontram-se no Jardim das

Amoreiras.

_____________________________________________________________________

João: – Desculpa lá o atraso, Ana.

Ana: – Não tem importância. Eu também cheguei há poucos minutos.

João: – Nem sabes o que me aconteceu no Museu dos Coches. Acho que não vais

acreditar...

Ana: – Mas diz lá. O que é que te aconteceu?

João: – Imagina lá que tocou o alarme de incêndio e toda a gente teve de sair. Até

vieram os bombeiros e tudo. Apanhei cá um susto...

Ana: – Eu não acredito....

João: – Acredita que é verdade. Felizmente, tratou-se de um falso alarme e minutos

depois mandaram-nos entrar.

Ana: – Cá para mim, isso até deve ter sido divertido.

João: – Achas divertido, porque não estiveste lá. A princípio assustei-me um pouco,

aquela sirene que não parava de tocar …e as pessoas a sairem à pressa. Mas quando

nos disseram que era um falso alarme, fiquei mais descansado. Ainda me fartei de rir!

Ana: – E ao menos valeu a pena a visita?

João: – Sim, claro. É um museu único. Não há outro na Europa, nem no Mundo. Vi

coches tão variados, uns simples, outros luxuosos. São três séculos de História. Tive

uma vontade enorme de entrar num qualquer e...

Ana: – Mas não entraste, pois não?

João: – Não, claro que não. Não me deixavam. Ou querias que fosse preso?

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Ana: – Coitadinho. Pobre João.

João: – E a tua visita, como foi?

Ana: – Bom, a minha visita ao Museu Vieira da Silva foi muito tranquila. Não soou

nenhum alarme, nem ninguém tentou roubar nenhum quadro! Mas, mesmo assim, foi

emocionante.

João: – Porquê?

Ana: – Porque achei tudo muito interessante. Que colecção fantástica! As cores, o

espaço, a luz. Bem, é indescritível. Vale mesmo a pena visitá-lo.

João: – Pois é.. Mas terá de ficar para a próxima visita a Lisboa. Há ainda tantas

coisas que queria ver...

Ana: – Tens razão. Não se pode ver tudo...

João: – Olha, Ana, trouxe-te esta pequena lembrança que comprei na loja do museu.

Espero que gostes.

Ana: – Obrigada, João. É muito giro. Como é que adivinhaste que eu fazia colecção

de porta-chaves? Eu não te comprei nada. Que vergonha!

João: – Não faz mal. Isso é uma coisa tão insignificante. Comprei também uns lápis

para oferecer a uns amigos.

Ana: – Muito obrigada. Foste muito simpático.

João: – E que tal se fôssemos beber qualquer coisa? Quando desci do autocarro, vi

um café, uma pastelaria com um ar agradável. Fica muito perto daqui.

Ana: – Boa ideia, João. Estou mesmo a precisar duma bebida quente e dum bolinho.

Não comi mais nada depois do pequeno-almoço.

João: – Também estou cheio de fome.

Ana: – Eu até tenho a barriga a dar horas!

João: – És mesmo uma exagerada, Ana.

Ana: – Li no guia que a Basílica da Estrela é aqui perto. Achas que ainda lá podemos

ir hoje?

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João: – Oh, Ana, tem dó de mim. Estou muito cansado e mortinho por chegar ao

hotel.

_____________________________________________________________________

Acabámos de assistir ao encontro da Ana e do João no Jardim das Amoreiras,

depois de terem visitado o Museu Vieira da Silva - Arpad Szenes e o Museu dos

Coches, em Lisboa. Eles falam sobre aquilo que viram nesses museus. Neste

Programa, vamos abordar o Pretérito Perfeito do Indicativo para relatar eventos no

passado e ainda os Pronomes Pessoais Objecto, conhecidos também como

Pronomes Clíticos.

1. RELATAR EVENTOS NO PASSADO

Em português usa-se o Petérito Perfeito do Indicativo para relatar ou referir

eventos acabados. É um tempo do passado e que marca o momento em que

determinado evento ou estado terminou. O Petérito Perfeito do Idicativo tem

geralmente como ponto de referência temporal o momento da fala ou da enunciação.

Vejamos então três excertos do diálogo:

João: - Desculpa lá o atraso, Ana.

Ana: - Não tem importância. Eu também cheguei há poucos minutos.

João: - Nem sabes o que me aconteceu no Museu dos Coches. Acho que não vais

acreditar...

Ana: - Mas, diz lá. O que é que te aconteceu?

João: - Imagina lá tu que tocou o alarme de incêndio e toda a gente teve de sair. Até

vieram os bombeiros e tudo. Apanhei cá um susto.

******

Ana: - Bom, a minha visita ao Museu Vieira da Silva foi muito tranquila. Não soou

nenhum alarme, nem ninguém tentou roubar nenhum quadro. Mas, mesmo assim, foi

emocionante.

João: - Porquê?

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Ana: - Porque achei tudo muito interessante. Que colecção fantástica. As cores, o

espaço, a luz. Bem, é indescritível. Vale mesmo a pena visitá-lo.

******

João: - Olha, Ana, trouxe-te esta pequena lembrança que comprei na loja do museu.

Espero que gostes.

Ana:- Obrigada, João. Como é que adivinhaste que eu fazia colecção de porta-

chaves? Eu não te comprei nada. Que vergonha!

Vamos agora destacar as formas verbais usadas pela Ana e pelo João.

RELATAR EVENTOS NO PASSADO

PRETÉRITO PERFEITO DO INDICATIVO

(1) Eu também cheguei há poucos minutos.

(2) Tocou o alarme....

(3) ... vieram os bombeiros ....

(4) Apanhei cá um susto.

(5) Bom, a minha visita ao Museu Vieira da Silva foi muito tranquila.

(6) Não soou nenhum alarme ....

(7) ... nem ninguém tentou roubar nenhum quadro.

(8) ... como é que adivinhaste ...?

(9) ... eu não te comprei nada.... .

As formas verbais em análise são formas do Pretérito Perfeito do Indicativo,

usadas pelas personagens para referirem o que lhes aconteceu num momento

passado, antes de se encontrarem. Como se pode ver nestes exemplos, o Pretérito

Perfeito do Indicativo marca sempre o momento em que um evento ou estado

terminou.

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2. PRONOMES CLÍTICOS

Já de seguida, vamos abordar a sintaxe dos Pronomes Pessoais Objecto ou

Clíticos. São eles:

PRONOMES CLÍTICOS

me, te, o, a lhe, se, nos, vos, os, as, se, lhes

Vejamos alguns exemplos do diálogo:

(1) “Trouxe-te esta pequena lembrança.”

(2) “Eu não te comprei nada.”

(3) “Não se pode ver tudo.”

(4) “Não me deixavam.”

Como se pode observar nas frases apresentadas, a colocação destes

pronomes apresenta variações. Os pronomes surgem quer depois do verbo, ou seja,

em posição enclítica, como é o caso do exemplo (1) – como podem verificar, o clítico

surge aqui depois da forma verbal “trouxe” -, quer antes do verbo, isto é, em posição

proclítica, como nos exemplos (2), (3) e (4).

O padrão mais frequente de colocação do clítico em português europeu é

depois do verbo, ligando-se a este por um hífen. Esta posição é denominada ênclise.

Vejamos novamente alguns exemplos do diálogo:

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(5) “Trouxe-te esta pequena lembrança.”

(6) “(...) assustei-me um pouco.”

(7) “(...) vale a pena visitá-lo.”

(8) “tratou-se de um falso alarme.”

O pronome clítico -o- na frase 7, surge à direita da forma infinitiva - visitar - e por

razões fonológicas apresenta a forma - lo.

A colocação do pronome clítico antes do verbo, conhecida como próclise,

verifica-se em contextos tão diversos como:

• com a negativa;

• com as frases subordinadas;

• com o operador Qu- ,

• e ainda com alguns advérbios:

A) FRASES NEGATIVAS

(9) ... não te comprei nada.

(10) ... não se pode ver tudo.

B) FRASES SUBORDINADAS

(11) ... quando nos disseram.

C) FRASES COM O OPERADOR QUE ANTES DO VERBO

(12) O que (é que) te aconteceu?

D) FRASES COM ADVÉRBIOS: AINDA, BEM, JÁ ANTES DO VERBO

(13) Ainda me fartei de rir!

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8

Em português europeu é também possível colocar o clítico junto de um verbo

do qual o clítico não depende. Vamos observar a frase com um verbo causativo,

mandar.

(14) Felizmente, tratou-se de um falso alarme e minutos depois mandaram-nos

entrar.

Dá-se então a subida do clítico, ou seja, este é colocado junto do verbo

causativo, mandar.

O pronome pode ainda surgir no interior da forma verbal na chamada posição

mesoclítica. Isto acontece com as formas do Futuro (vd.ex.15] e do Condicional

(vd.ex.16). No entanto, este tipo de construção tem origem na gramática do Português

antigo e está em regressão, quer dizer, começa a ser cada vez menos utilizada. Estes

exemplos não fazem parte do diálogo:

(15) Ver-nos-emos no próximo verão.

(16) Dir-te-ia se o soubesse.

3. ALGUMAS EXPRESSÕES

No diálogo, ouviram-se algumas expressões, que passamos a explicar. Por

exemplo, ouviu-se o João dizer :

João:- Oh, Ana tem dó de mim. Estou muito cansado e mortinho por chegar ao hotel.

A expressão ter dó de alguém significa que se tem pena de alguém:

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9

ter dó de alguém = ter pena de alguém

E o João acrescentou ainda “...Estou muito cansado e mortinho por chegar

ao hotel”. A expressão estar mortinho/mortinha por fazer alguma coisa significa que

se deseja muito fazer algo. A expressão poderia ser substituída por uma equivalente,

como por exemplo “estou ansioso por chegar ao hotel “:

estar mortinho/mortinha por fazer alguma coisa = desejar muito fazer alguma coisa

E, finalmente, ouvimos ainda no diálogo a Ana dizer:

“Eu até tenho a barriga a dar horas!” Esta expressão significa que se tem muita

fome. É claro que o seu uso é muito informal.

ter a barriga a dar horas = ter muita fome

Por hoje é tudo. Agora espero que gostem da proposta que vos fazemos de

visistarem alguns museus em Lisboa.

____________________________________________________________________

O Museu do Chiado fica situado no centro histórico de Lisboa, ocupando parte

do antigo convento de S. Francisco. Foi fundado em 1911 e reconstruído em 1994.

A colecção de arte portuguesa, que abrange o período de 1850 até à actualidade,

constitui a mais importante colecção nacional de arte portuguesa contemporânea.

Destacamos assim as obras de Silva Porto, de Columbano Bordalo Pinheiro, de

Fernando Lanhas, de Joaquim Rodrigo e de René Bértholo.

A actual casa-museu Dr. Anastácio Gonçalves foi mandada construir pelo

pintor José Malhoa ao arquitecto Norte Júnior e foi distinguida com o prémio Valmor de

1905. É uma moradia de dois pisos, constituída por dois corpos distintos, mas

Page 85: 15233235 Falamos Portugues (1)

10

articulados entre si, de tendências neo-românicas, com elementos da «casa

portuguesa» e alguns aspectos de Arte Nova. Foi adquirida pelo Dr. Anastácio

Gonçalves em 1932. Apresenta uma colecção de pintura portuguesa dos séculos XIX

e XX , além da colecção de porcelana chinesa e de mobiliário português e

estrangeiro. Da colecção de pintura fazem parte obras de Malhoa, de Columbano, de

Silva Porto, de António Ramalho e de João Vaz. A porcelana chinesa data dos séculos

XVI e finais do século XVIII. Quanto ao mobiliário português, podem ver-se

exemplares dos séculos XVII e XIX, destacando-se especialmente as peças da época

de D. José e de D. Maria I.

O Museu Nacional de Arte Antiga está instalado num palácio do século XVII,

construído para os Conde de Alvor. O Marquês de Pombal adquire-o em 1770, ficando

na posse da sua família por mais de um século. O museu propriamente dito foi

inaugurado em 1884 e é também conhecido pelo museu das janelas verdes, dada a

cor das suas janelas.

O museu alberga uma colecção de pintura portuguesa e europeia do século

XIV a meados do século XIX. Destacamos os Painéis de S. Vicente de Fora e um

retrato de D. Sebastião de Cristóvão Morais, as obras neo-clássicas de Domingos

Sequeira e ainda obras de artistas estrangeiros como Piero della Francesca, Bosch,

Durer, Cranach e Rafael entre outros. Possui ainda uma importante colecção de

escultura, fundamentalmente de cariz religioso, como por exemplo, estátuas de Cristo,

da Virgem e de Santos em pedra e madeira, policromas. Na capela de Santo Alberto,

podemos ver o presépio de Machado de Castro do século XVIII. Existe ainda uma

colecção rica de ourivesaria portuguesa e europeia, assim como objectos medievais e

do período dos Descobrimentos.

A colecção de arte de Calouste Gulbenkian está reunida no Museu

Gulbenkian. O museu foi inaugurado em 1969 e faz parte do legado deixado a

Portugal pelo multimilionário arménio. O acervo inclui peças do Antigo Egipto, vidros

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11

islâmicos, tapetes persas e turcos, porcelanas chinesas e ainda objectos de Arte

Nova.

O Centro de Arte Moderna da Gulbenkian inclui obras de artistas

portugueses contemporâneos. Destacam-se o famoso retrato de Fernando Pessoa no

Café Irmãos Unidos de Almada Negreiros e os trabalhos de Eduardo Viana, Amadeu

Souza - Cardoso, Paula Rego, Graça Morais, Rui Sanches e Teresa Magalhães.

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1

PROGRAMA 8

PARQUE DAS NAÇÕES

O Parque das Nações corresponde ao local em que decorreu a Exposição

Mundial de Lisboa em 1998 e onde foram revitalizados com enorme sucesso terrenos

da parte oriental da cidade que estavam em estado de degradação. Abrange 340 ha,

em 5 km de frente para o estuário do Tejo, com uma notável requalificação do

ambiente em toda a área e possui as infra-estruturas tecnologicamente mais

avançadas da cidade de Lisboa. É um espaço moderno, inovador, não só pelo respeito

ambiental em que se desenvolve mas também por apresentar uma nova concepção de

vida urbana. Rodeado por áreas residenciais, de negócios e outros serviços, o Parque

apresenta locais de exposições, de espectáculos e de lazer que se integram

plenamente na vida quotidiana da cidade.

A Gare do Oriente é um ponto obrigatório para quem usa os transportes

publicos, como o Metro, o autocarro ou o comboio e um marco imponente para quem

visita o próprio Parque das Nações e a Vila Expo.

O António decidiu levar os seus amigos, Ana e João, a conhecer um pouco da

beleza deste espaço...

Ana: – Gostei muito da arquitectura da Gare do Oriente... Parecem palmeiras

estilizadas! Já repararam?

João: – Ah! É verdade. Não tinha reparado... De facto, ao longe parecem mesmo

palmeiras ...

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2

Ana: - E a Ponte Vasco da Gama? É tão elegante, não é?

António: – É verdade. Como o rio aqui é muito largo, a ponte parece que nunca mais

acaba... São cerca de 12 quilómetros... é enorme! Tem uma construção muito

moderna. Mais tarde podemos atravessá-la. É muito bonita...

João: – Eu também gostei muito do Centro Comercial... Quando entramos até parece

que estamos dentro de um barco...

António: – Pois é. Agora é tudo muito bonito... mas vocês haviam de ver isto antes...

A mim, no princípio fazia-me confusão... Era completamente diferente; mas agora

acho que ficou muito giro.

João:- Quem diria...

António: - Vocês sabiam que toda esta parte nova da cidade, antes da Expo, era uma

zona muito degradada? Havia aqui muita poluição... muita desorganização ... era uma

zona portuária. Não era nada agradável para passear...

Ana: – Ai era?!!

António: – ... e também havia pequenas indústrias, mas era tudo muito desordenado!

havia uma refinaria, havia depósitos vários ... desde produtos petrolíferos a aterros

sanitários... Havia um pouco de tudo mas sem nenhuma preocupação com o

ambiente! ... Era uma lixeira!

João: – Sério? Não posso acreditar... Isto está tão bonito aqui mesmo à beira rio...

Ana: – Eu não consigo imaginar uma lixeira aqui! Estes espaços tão verdes... tão

agradáveis para passear ... para descansar...

António: – Pois é! Agora não parece possível... mas antes era uma zona muito

desagradável...

João: – Isto é um espaço bastante grande, não é?

António: - É! é uma área muito grande...São para aí uns 340 ha... Ainda são uns 5 km

de frente para o rio.

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3

Ana: – Ai! Vocês adoram falar de números! Mas isso, a mim, não me diz nada! Só sei

que estamos num sítio agradabilíssimo... Aqui só sinto vontade de andar... andar...

andar... É extraordinário este Jardim Garcia de Orta... E o cheirinho destas plantas?

António: – É! Isto é uma miniatura de outros continentes... Vocês encontram aqui

plantas de locais exóticos: Brasil, S. Tomé e Príncipe, Goa ... Na sua maioria são

plantas medicinais. Vocês sabem quem era Garcia de Orta?

João: – Eu não sei.

Ana: – Nem eu... Não faço a mínima ideia.

António: – Era um médico do séc. XVI.... que estudou e que desenvolveu as

propriedades curativas das plantas. Viveu muitos anos em Goa. Foi lá que contactou

com especialistas árabes e hindus... E tinha um jardim onde criava plantas raras...

Ana: – Daí este jardim tão giro! Tem uns recantozinhos tão acolhedores... É o que eu

digo: só apetece andar...

António: – Pois é, mas nós temos ainda muita coisa para ver... Por exemplo, temos

de ir ver o Oceanário. Acho que vocês vão gostar... É um aquário gigante. Há um

silêncio extraordinário lá dentro e, ao mesmo tempo, vemos os movimentos tranquilos

dos peixes que passeiam na nossa frente... Até parece que estamos mesmo dentro do

mar...

Ana: – Ai é?! Também quero ir ver... com certeza...

João: – Olha a novidade! Não sabes dizer mais nada? Tu queres sempre ver tudo...

António: - Reparem! Como estamos aqui, podemos apanhar o teleférico para lá. A

entrada é aqui ao lado e a saída fica na outra ponta, mesmo junto do Oceanário.

Ana: – Que excelente ideia António! De facto a entrada é ali mesmo...

João: – Óptimo! Fazemos o percurso pelo ar... e ficamos com uma ideia do conjunto

deste Parque tão giro...

Hoje foi o dia de descobrir a área mais moderna da cidade de Lisboa: o Parque

das Nações. Na companhia do António, a Ana e o João passearam por todo o Parque

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4

e, naturalmente, não só manifestaram as suas opiniões e o seu agrado sobre o que

viram como também ouviram descrições sobre as transformações ocorridas naquele

espaço. É em volta das construções linguísticas usadas para exprimir opinião e

entusiasmo e para descrever comparativamente o passado e presente que vamos

reflectir hoje. Abordaremos ainda o verbo “haver” como auxiliar.

1. EXPRESSAR OPINIÃO

A Ana e o João estão bastante entusiasmados; não conseguem parar de

pensar sobre o que viram e exprimem-no de várias maneiras. Vamos analisar a forma

como manifestam a sua opinião e as estruturas que utilizam:

Ana: – Gostei tanto da arquitectura da Gare do Oriente... Parecem palmeiras estilizadas! Já repararam?

****

João: – Eu também gostei muito do Centro Comercial... Quando entramos até parece que estamos dentro de um barco...

****

António: – Pois é. Agora é tudo muito bonito... mas vocês haviam de ver isto antes... A mim, no princípio, fazia-me confusão... Era completamente diferente; mas agora acho que ficou muito giro.

António: – Pois é, mas nós temos ainda muita coisa para ver... Por exemplo, temos de ir ver o Oceanário. Acho que vocês vão gostar... É um aquário gigante. Há um silêncio extraordinário lá dentro e, ao mesmo tempo, vemos os movimentos tranquilos dos peixes que passeiam na nossa frente... Até parece que estamos mesmo dentro do mar...

Nestes excertos do diálogo encontramos várias construções que se repetem e

que expressam opinião. De facto, recorre-se repetidamente a verbos como “achar” e

“parecer” integrados, ou não, em estruturas mais complexas. Podemos sistematizá-

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5

los nos quadros que se seguem: - verbo achar tem aqui o significado de ‘ter

impressão’, ‘ter opinião subjectiva’, ‘pensar’, ‘considerar’. Nestes exemplos, forma

frases complexas: uma frase superior (ou subordinante) constituída pela própria forma

verbal ‘acho’ e outra que lhe é subordinada, ou seja, que é seleccionada por ela.

As frases subordinantes são completivas (ou integrantes), isto é, são frases

que têm uma função de complemento da frase superior, introduzidas pelo

complementador Que, como as que aqui estão representadas: [que ficou giro]; [que

vocês vão gostar].

Nestes exemplos a selecção da frase subordinante é feita pelo verbo. Trata-se

de uma completiva verbal:

No entanto, é igualmente possível construir frases, que podem ser simples ou

complexas, com Achar + Adjectivo, como por ex.: ‘Acho giro’; ‘Acho óptimo’; etc.,

ou com advérbio: ‘Achar bem’, ‘Achar mal’:

ACHAR

Acho [ que ficou giro ] Acho [ que vocês vão gostar ]

COMPLETIVA VERBAL

Achar [ que...]

COMPLETIVA ADJECTIVAL

COMPLETIVA ADVERBIAL

Achar [ giro...] Achar [ óptimo...]

Achar [bem...] Achar [mal..]

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6

Estas frases podem seleccionar frases completivas adjectivais e adverbiais não

finitas (com verbos no infinitivo). Será, por exemplo, o caso de:

COMPLETIVA ADJECTIVAL

Achar + adjectivo [ ... ]

Acho giro fazermos este passeio.

COMPLETIVA ADVERBIAL

Achar + advérbio [ ... ]

Acho bem irmos para o Oceanário.

Quanto ao verbo ‘parecer’, recordemos os exemplos retirados do diálogo:

Parecem palmeiras Parecem mesmo palmeiras Parece [ que nunca mais acaba ] Parece [ que estamos dentro de um barco ] Parece mesmo [ que estamos dentro do mar ]

É de notar os significados diferentes do verbo ‘parecer’ e consequente

diversidade do seu comportamento estrutural. Aqui limitamo-nos essencialmente aos

dois tipos de ocorrências no texto: “parecem palmeiras” e “parecem mesmo

palmeiras”.

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7

´Parecem palmeiras’ – está aqui implícita uma comparação de formas: os

arcos ogivais são semelhantes a palmeiras. Nesta construção o verbo é flexionado

normalmente.

Mas os exemplos do diálogo também nos mostram que este verbo se pode

referir a algo que é aparente. Assim, nas frases “parece que nunca mais acaba” e

“parece que estamos dentro de um barco” o verbo tem um significado perceptivo,

comunica-nos uma impressão ou uma sensação. Apresenta-se flexionado unicamente

na 3ª pessoa do singular e selecciona frases completivas finitas como objecto

(complemento) directo, usando o complementador Que, tal como acontece com o

verbo anterior ‘achar’:

Parecer = ser semelhante a; ser parecido com; ter o aspecto de;

Parecem palmeiras Parecem mesmo palmeiras

Parecer (3ª pessoa do sing.) + [que] = dar a impressão; dar a sensação

Parece [ que nunca mais acaba ] Parece [ que estamos dentro de um barco ]

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2. DESCRIÇÃO (PASSADO VS PRESENTE)

O António explicou aos seus amigos a mudança que se verificou naquele

espaço. Para isso teve de fazer uma comparação entre o passado e o presente, ou

seja, como era antigamente aquela área por oposição ao que é actualmente. Vamos

rever o que ele disse:

António: – Pois é. Agora é tudo muito bonito... mas vocês haviam de ver

isto antes... A mim, no princípio fazia-me confusão... Era completamente

diferente; mas agora acho que ficou muito giro.

Vocês sabiam que toda esta parte nova da cidade, antes da Expo, era uma

zona muito degradada? Havia aqui muita poluição... muita desorganização...

era uma zona portuária. Não era nada agradável para passear...

António: – ... e também havia pequenas indústrias, mas era tudo muito

desordenado! Havia uma refinaria, havia depósitos vários ... desde

produtos petrolíferos a aterros sanitários... Havia um pouco de tudo mas sem

nenhuma preocupação com o ambiente! ... Era uma lixeira!

António: – Pois é! Agora não parece possível... mas antes era uma zona

muito desagradável...

Reconhecemos nestes excertos a predominância de verbos conjugados no

Pretérito Imperfeito. O Pretérito Imperfeito do Indicativo é um tempo gramatical com

informação de passado, mas num espaço não delimitado, ao contrário do que

acontece com o Pretérito Perfeito do Indicativo, como vimos no programa anterior.

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Podemos observar a relação entre os advérbios de tempo utilizados com o

tempo presente e com o Imperfeito: “agora” está directamente ligado ao tempo

presente. “Antes” refere-se a um tempo alargado no passado.

3. VERBO HAVER COMO AUXILIAR

Podemos constatar ainda que o verbo haver se repete no seu uso impessoal

com o significado de “existir”, como já vimos em um programa anterior.

António :– ... e também havia pequenas indústrias... havia uma refinaria ... havia depósitos vários ... havia um pouco de tudo

Enquanto impessoal, este verbo é conjugado em todos os tempos gramaticais

mas apenas na 3ª pessoa do singular:

Há, havia, houve, haja, houvesse (e tempos compostos tem havido, etc..)

No entanto, aparece no diálogo uma forma diferente:

TEMPO PRESENTE

TEMPO PASSADO

Agora é tudo muito bonito Agora não parece possível

Antes da Expo era uma zona muito degradada , não era nada agradável, havia muita poluição Antes era uma zona muito desagradável

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António: – (Pois é. Agora é tudo muito bonito... ) mas vocês haviam de ver isto antes...

O António usa aqui uma outra construção com ‘haver’ enquanto verbo auxiliar:

Haver de + Verbo no infinitivo. Neste caso, “haver” é flexionado em todas as

pessoas verbais. “haviam de ver” é equivalente a “tinham de ver” ou “deviam ter visto”.

Tal como os nossos amigos, vamos agora fazer uma visita orientada pelo

Parque das Nações... Eu despeço-me, até ao próximo programa!

A Expo 98 foi, de facto, uma oportunidade para criar um novo e moderno

conceito de espaço urbano. A partir de uma área desordenada e poluída foi possível

criar espaços requalificados, recuperando o ambiente e a paisagem e fazendo um

planeamento urbano de acordo com as necessidades de uma cidade ideal. Surgiram

assim áreas residenciais, equipamentos e serviços, com infra-estruturas urbanas

ambientalmente integradas, que contribuíram de forma decisiva para a modernização

e internacionalização de Lisboa.

As principais zonas habitacionais situam-se junto à Marina e ao Parque Tejo e

proporcionam de forma harmónica uma interligação com o rio e com os abundantes

espaços verdes. De facto, um terço dos 340 ha foi reservado a espaços verdes, que

vão ao encontro das necessidades dos residentes e profissionais da zona.

Estes têm escolas, espaços de lazer e infra-estruturas desportivas, um hospital

e outros serviços complementares.

As empresas beneficiam de um espaço urbano com as mais recentes

tecnologias. Tanto as zonas residenciais como o Centro de Negócios são

complementados por grande variedade de serviços, restauração e comércio

oferecidos, em parte, pela Estação do Oriente e pelo Centro Vasco da Gama.

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11

Pela sua grandiosidade arquitectónica, a Estação do Oriente é uma obra que

se impõe ao olhar de qualquer pessoa. Da autoria do arquitecto espanhol Santiago de

Calatrava, procura harmonizar a cidade com o rio ao mesmo tempo que constitui uma

plataforma multimodal de transportes urbanos, interurbanos e internacionais.

Os Cafés, esplanadas e restaurantes, espalhados um pouco por todo o Parque,

oferecem momentos de descontracção aos muitos visitantes que, especialmente aos

fins de semana, para ali vão passear.

Depois de sair da Estação do Oriente e atravessar o Centro Vasco da Gama

entramos num ampla área pedonal para toda a frente ribeirinha ao longo da qual, para

norte e para sul, se localizam grandes pavilhões, que acolhem as mais diversas

actividades.

Para o lado esquerdo encontramos o Pavilhão Atlântico, de forma oval, que é

um grande recinto multiusos onde se têm realizado espectáculos e competições

desportivas para grandes multidões.

Paralelamente, junto ao rio, os Jardins Garcia de Horta reúnem muitas

espécies vegetais provenientes das regiões percorridas pelos portugueses em

homenagem ao médico e botânico renascentista.

Por fim, a Torre Vasco da Gama, tendo por trás a ponte com o mesmo nome,

evoca a epopeia marítima dos portugueses. Poder-se-ia dizer que estamos perante

uma Torre de Belém do séc. XXI. A sua silhueta simboliza as naus dos

Descobrimentos: em baixo tem a forma de proa, a viga vertical é o mastro, a estrutura

metálica branca toma o aspecto de uma vela ao vento e o miradouro, lá em cima,

assemelha-se muito ao cesto da gávea. Do alto dos seus 140 metros temos acesso a

uma vista panorâmica sobre Lisboa, o rio Tejo e áreas circundantes.

Usando o teleférico, podemos voltar para o lado sul, enquanto ficamos com

uma visão mais geral do Parque. Ao chegarmos, descobrimo-nos junto do Oceanário,

o maior da Europa. Este é a grande atracção para adultos e crianças. No seu interior,

um gigantesco tanque central (com com 35 metros de largo e 7 de profundidade,

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12

contendo cerca de 7 milhões de litros de água do alto mar) oferece um permanente e

extraordinário bailado aquático, executado por peixes grandes e pequenos, num

cenário de elegante tranquilidade.

Os quatro cantos são ocupados por quatro aquários mais pequenos que

reproduzem os ecossistemas dos quatro oceanos (Atlântico, Antárctico, Pacífico e

Índico).

Muito perto, o Pavilhão do Conhecimento – Centro Ciência Viva apresenta

muitas exposições activas, onde é possível tocar, experimentar e descobrir muitas

áreas científicas e tecnológicas.

Retomando o sentido da Estação do Oriente, não podemos deixar de apreciar

o Pavilhão de Portugal, da autoria do arquitecto Siza Vieira, com um enorme espaço

coberto por uma, aparentemente leve, pala de betão suspensa de dois pórticos e

reforçada por tirantes de aço inox. É, sem dúvida, uma prodigiosa obra de

engenharia.

Um pouco por todo o lado há lugares especiais consagrados à arte urbana

onde é possível ver, tocar, sentir e avaliar diversas propostas artísticas...

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PROGRAMA 9

SINTRA

28 Kms a norte de Lisboa, na zona litoral, situa-se a deslumbrante Serra de

Sintra. Ergue-se a cerca de 528 ms de altitude e serpenteia por uma extensão de 10

kms, na direcção noroeste - sudoeste, até atingir o Oceano Atlântico.

No sopé desta serra, abrigada pela sua encosta, aninha-se uma formosa vila,

habitada desde tempos remotos por inúmeros e diferentes povos - a vila de Sintra.

Em Sintra, o Homem e a Natureza, associados no fluir histórico, criaram um

cenário de extrema beleza e raridade, único no mundo. Distintas épocas históricas

deixaram aqui os seus testemunhos bem vivos.

De visita a Sintra, os nossos amigos Ana e João, acompanhados pelo António,

vão empreender uma extraordinária viagem ao passado. Venham daí com eles,

conhecer um pouco de Sintra.

António: – Olhem, ali...no cimo da serra... lá no alto... Aquilo ali é o Castelo dos

Mouros!

João: – Uau! Fabuloso! Que cenário deslumbrante!

Ana: – Parece mesmo que saiu dum conto de fadas! Tem o seu “quê “ de mágico, não

tem? Faz lembrar aquelas lendas medievais... das mouras encantadas !

António: – Ah, mas se achas mágico, espera até chegares lá acima! Quando vires a

vista... a profundidade da serra e o mar, ao fundo ...

Ana: – E o palácio de que nos falaste, António? Aquele que disseste que também

íamos visitar?

1

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António: – Qual? O da Pena ou o de Seteais?

Ana: - Aquele que também fica no alto duma colina!

António: – Ah! O Palácio da Pena! Fica num outro cume, ligeiramente mais acima...

mas não consegue ver-se daqui! Já o vamos ver, a caminho de Seteais!

João: – Sabes qual é altitude a que o palácio fica, António?

António: – Claro! Fica a quinhentos metros de altitude!

Ana: – E a distância...? Qual é a distância a que se encontra da vila?

António: – Fica situado a 4 quilómetros e meio daqui, do centro histórico!

Ana: – Olha, então se calhar até podíamos ir a pé... Quanto tempo se leva, mais ou

menos, a chegar lá acima...?

António: – Bem, a pé...sempre a andar...leva-se cerca de meia-hora... talvez um

pouco mais... mas não te esqueças de que o percurso é muito íngreme... convém

parar de vez em quando! É um bocadinho cansativo! E eu hoje, como tínhamos

combinado, também gostava de vos mostrar o Palácio de Seteais e a Quinta da

Regaleira...

Ana: – Tens razão, temos de aproveitar bem o tempo!

António: – Olhem, hoje ficam a conhecer o caminho... depois até podem voltar cá os

dois... apanham o comboio em Entrecampos... são cerca de 45 minutos!

João: – E achas que vale mesmo a pena fazer-se o percurso a pé?

António: – Vale a pena, sem dúvida... Repara... vale a pena pelo contacto com a

natureza! Além disso, vão-se encontrando mansões, fontes...! Enfim, pode conhecer-

se mais de perto a “paisagem cultural de Sintra”!

Ana: – Pois é, Sintra foi classificada pela UNESCO como Património Mundial... E ficou

inscrita sob essa designação, não foi? - “paisagem cultural de Sintra”!

António: – Foi, foi... e hoje ao fim do dia vão perceber bem porquê! Quando

estivermos lá em cima, vão reparar na encosta da serra: avistam-se imensos edifícios

antigos, no meio do arvoredo...

João: - Mas o quê? Palacetes ?...

2

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António - Palacetes, igrejas, quintas aristocráticas... das mais diversas épocas

históricas...

Ana: – É, de facto, surpreendente!

João: - Há aqui uma mistura única de sítios culturais e naturais!

Ana :– Bem dizia o meu pai que não há outro lugar em Portugal como Sintra!

João: – Bom... Está a fazer-se tarde! Não é melhor começarmos a visita? O que é que

vamos ver primeiro?

Ana: – Talvez seja melhor começarmos aqui pelo centro histórico, não?

António: – Sim, vamos passear um pouco aqui pela “Vila Velha” – desenvolveu-se na

Idade Média! Vão poder ver muitas ruas estreitas... construídas em declives... com

escadinhas, becos...

João: - Marcas da presença muçulmana, não?

António: – Parece que sim! Afinal, os árabes estiveram aqui mais de quatro séculos!

Ana : – E o Castelo dos Mouros? O Castelo dos Mouros foi construído pelos árabes,

António?

António: - Pelo menos, foi dominado por eles até... Olha, foi até que Lisboa passou

para as mãos dos cristãos...em meados do século XII... mas dessa fortaleza pouco

resta – parece que o castelo foi quase totalmente reconstruído no século XIX, por D.

FernandoII!

Ana : – D. Fernando II? D. Fernando II construiu o Palácio da Pena! Estive a ler sobre

isso ontem!

João : – Ah! O Palácio da Pena foi construído por D. Fernando II. Não sabia! Quando

estou convosco aprendo sempre imenso! Esse palácio tem muitas cúpulas, muitos

minaretes, não tem? Faz lembrar a arquitectura islâmica!

Ana :– Ah, mas isso é porque é uma construção romântica, João! Tem uma mistura

muito grande de estilos... também tem um torreão, a lembrar a Idade Média!

António : – É uma construção exuberante... tem muitas assimetrias, reentrâncias e

desníveis... olha, é mesmo o oposto do Palácio de Seteais!

3

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Ana: – Seteais e a Pena foram construídos em épocas diferentes, não foi?

António: – Pois foi! Olha, de facto, aqui em Sintra, construiram-se muitos palácios no

século XIX, mas Seteais foi construído no período Pombalino! Tem um traçado

simétrico, muito equilibrado... muito elegante! E tem um arco do triunfo donde pode

ver-se o Palácio da Pena – até parece mesmo que está emoldurado!

Ana : – Já percebo porque é que homens como Lord Byron, Christien Andresen ou

mesmo Richard Strauss ficaram tão impressionados com Sintra!

João : – Ou Eça de Queirós!

António: – Olha, daqui a pouco vamos passar pelo Lawrence’s ...aquele hotel que

está sempre a ser referido na obra dele!

Ana : - Bem... Vamos andando?

António : – Vamos lá!

Hoje, a Ana, o João e o António foram passear a Sintra. Ao conversarem, vão

referindo situações relacionadas com o que observam. Neste programa, vamos

aprender a referir situações através de conjugações verbais diferentes,

tradicionalmente designadas “voz activa” e “voz passiva”. Vamos, assim, aprender a

construir frases activas e frases passivas.

1. CONSTRUÇÕES ACTIVAS E CONSTRUÇÕES PASSIVAS

Se estiveram atentos à conversa dos nossos amigos, viram que a Ana e o João

se referem, por exemplo, à construção do Palácio da Pena por D. Fernando II através

de construções frásicas diferentes, em que o verbo aparece numa conjugação

diferente, embora tais frases transmitam, no essencial, a mesma ideia. Ouçamos

novamente a Ana e o João!

4

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Ana: - D. Fernando II construiu o Palácio da Pena.

João: – Então o Palácio da Pena foi construído por D. Fernando II!

As frases proferidas pela Ana e pelo João mostram-nos que a acção expressa

pelo verbo pode ser perspectivada de uma forma activa ou de uma forma passiva.

A frase “D. Fernando II construiu o Palácio da Pena”, proferida pela Ana - frase

(1) - está na forma activa .

A frase proferida pelo João, “O Palácio da Pena foi construído por D. Fernando

II - frase (2) - está na forma passiva.

Construções Activas vs Construções Passivas

(1) D. Fernando II construiu o Palácio da Pena (ACTIVA)

(2) O Palácio da Pena foi construído por D. Fernando II (PASSIVA)

Em termos discursivos, a utilização da forma activa ou da passiva resulta de

uma escolha do locutor, da perspectiva em que este quer apresentar a situação.

Constatamos que em (1) o locutor opta por apresentar a situação na perspectiva do

agente - D. Fernando II. O agente é a entidade que controla uma dada situação.

D. Fernando II é o agente pois é ele quem intencionalmente constrói – quem manda

construir, bem entendido - o Palácio da Pena.

5

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Já em (2) o locutor decide perspectivar a acção do ponto de vista do paciente -

o Palácio da Pena. O paciente é tradicionalmente visto como a entidade que sofre o

processo significado pelo verbo. O Palácio da Pena é o paciente pois sofre aqui o

processo de construção.

1.1. CONSTRUÇÕES ACTIVAS

A fim de compreendermos as transformações que ocorrem da forma activa

para a passiva, comecemos por analisar uma construção activa:

CONSTRUÇÃO ACTIVA:

D. Fernando II construiu o Palácio da Pena.

SUJEITO COMPLEMENTO DIRECTO

Nesta frase activa temos, naturalmente, um elemento que desempenha a

relação gramatical de sujeito. O sujeito é a entidade acerca da qual se faz uma

afirmação e, neste caso, permite responder à pergunta “quem?”. “Quem construíu o

Palácio da Pena?” - “D.Fernando II”; portanto, “D. Fernando II” é o sujeito

gramatical da frase. “O que é que construiu D. Fernando II?” – “o Palácio da Pena”!

Então, “o Palácio da Pena” é o complemento directo (ou objecto directo). O verbo

“construir” é um verbo transitivo directo, pois, como vemos, selecciona um

complemento directo, que ocorre à sua direita.

6

Page 105: 15233235 Falamos Portugues (1)

Vamos agora aprender a transformar esta frase, conferindo-lhe um sentido

passivo. Vejamos a mesma situação (a construção do palácio por D. FernandoII)

referida pelo João:

1.2. TRANFORMAÇÕES ACTIVA/PASSIVA

ACTIVA: D. Fernando II construiu o Palácio da Pena.

(SUJEITO) (COMPLEMENTO DIRECTO)

PASSIVA: O Palácio da Pena foi construído por D. Fernando II.

(SUJEITO) (COMPLEMENTO AGENTE DA PASSIVA)

“O Palácio da Pena”, o complemento directo da construção activa (1), torna-se

o sujeito da construção passiva (2).

“D. Fernando II”, o sujeito da construção activa (1), vai cumprir a função de

complemento agente da passiva na frase (2), precedido da preposição “por” (mais

raramente, pode também ser precedido de “de”).

Centremos agora a nossa atenção na forma verbal da voz passiva (2): vemos

que “construiu” deu lugar a “foi construído” .

construiu foi construído

(pret. perfeito) (pret. perfeito + part. passado)

7

Page 106: 15233235 Falamos Portugues (1)

O exemplo mostra que a forma verbal da passiva é formada pelo verbo auxiliar

“ser”, no mesmo tempo do verbo principal da voz activa, seguido do particípio passado

do verbo principal da activa. Como na voz activa o verbo “construir” está no

pretérito perfeito (“construiu”) vai dar lugar na voz passiva a uma forma verbal

composta, em que o verbo “ser” também aparece no pretérito perfeito (“foi”),

seguido do particípio passado de “construir”(“construído).

Relativamente à forma verbal da voz passiva, há alguns aspectos que

gostaríamos ainda de sublinhar:

- devemos ter em conta que a forma verbal tem de concordar em número com

o sujeito, isto é, deve seguir a regra normal de concordância sujeito-verbo; vejamos a

frase do texto:

“Esses dois palácios foram construídos em diferentes épocas”

O sujeito (“esses dois palácios”) está no plural; logo a forma verbal também

tem de estar, naturalmente, no plural (“foram construídos”);

- no caso de verbos com particípios duplos, é o particípio irregular (a forma

forte) que em geral ocorre nas construções passivas; reparem nas frases que

passamos a apresentar:

“O menino foi salvo pelo bombeiro.”

“A carta foi entregue pelo carteiro.”

8

Page 107: 15233235 Falamos Portugues (1)

“O menino foi salvo pelo bombeiro” – nunca “foi salvado”! “A carta foi

entregue pelo carteiro” – nunca foi entregada!

É muito importante realçar que a transformação da voz activa para a voz

passiva só pode ocorrer quando existe nela um complemento directo, isto é, quando

o verbo principal da frase activa é um verbo transitivo directo ou transitivo directo e

indirecto (verbos que seleccionam complemento directo e indirecto).

1.3. PASSIVAS DE -SE

Em português, também é possível construir frases passivas com o clítico –se,

que passamos a apresentar abreviadamente. Na tradição gramatical, estas passivas

recebem o nome de “passivas reflexas” ou “passivas pronominais”. Estejam atentos

ao exemplo, por favor!

António: - De facto, aqui em Sintra, construiram-se muitos palácios no séc XIX!

As passivas de –se são passivas em que o verbo é acompanhado de um

elemento clítico –se (se estão recordados, falámos destes elementos no programa 7).

Vejamos alguns aspectos da sua estrutura:

PASSIVA DE -SE:

Construiram-se muitos palácios (...)

SUJEITO

9

Page 108: 15233235 Falamos Portugues (1)

O sujeito da frase é “muitos palácios” – como o sujeito é plural, o verbo

também tem de estar no plural!

O clítico “-se” passivo representa a função de agente (o agente é sempre

indeterminado nestas passivas – quem construiu estes palácios? Não se determina! O

agente não é determinado!)

Vimos hoje algumas características de alguns tipos de passiva. Agora convido-

vos a conhecerem um pouco mais da vila visitada pelos nossos amigos! Por mim, até

ao próximo programa!

A surpreendente paisagem natural do concelho de Sintra é constituída por três

grandes zonas, de características distintas: a faixa costeira, a zona agrícola e a serra

de Sintra.

De desenho extremamente recortado, a faixa costeira apresenta altas escarpas

e acentuadas falésias. Estas projectam-se no Atlântico até ao Cabo da Roca, o ponto

mais ocidental da Europa Continental, onde, segundo Camões, “a terra se acaba e o

mar começa”.

A norte do Cabo da Roca, em frente das arribas rochosas surgem línguas de

fina areia, formando maravilhosas baías e praias, muito procuradas no Verão.

A Praia das Maçãs, a Praia Grande e as Azenhas do Mar são alguns exemplos

destas praias.

Os mares que banham a costa de Sintra são bastante favoráveis à prática de

desportos náuticos como o surf ou o bodyboard.

Três-quartos da superfície do concelho são ocupados pela faixa agrícola – no

suave relevo dos férteis terrenos agrícolas, desenvolveram-se pequenas aldeias e

vilas: Colares, Almoçageme, Mucifal, entre outras povoações, emprestam um

pitoresco muito próprio à região.

10

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Outrora designada “Monte da Lua” devido à forte tradição de cultos astrais aí

registada, a Serra de Sintra é um local encantador, pleno de atracção e de magia.

Nela destacam-se dois tipos de paisagem: o Grande Jardim - denso manto de

frondoso e verdejante arvoredo - e a Serra Brava - área de matas e de clareiras de

pequenos arbustos.

Sintra usufrui de um micro-clima único, no país e na região mediterrânica. É

muito apreciada pelas suas condições climáticas particulares, que se traduzem em

verões frescos e aprazíveis e invernos solarengos e doces. As brumas matinais

envolvem muitas vezes o cume da serra, conferindo a todo o cenário um maior

mistério e encantamento. Este micro-clima é sem dúvida responsável pela exuberante

vegetação que cobre as encostas da serra.

Ao longo dos tempos, a corte e a nobreza foram procurando Sintra como local

de descanso e de lazer. Num enquadramento natural grandioso e soberbo, foram

construindo, na vila e na vertente norte da serrania, os seus majestosos palacetes e

quintas, de estilos artísticos marcados.

Hoje, Sintra é um local de extraordinário interesse natural e cultural, tendo sido

classificada pela Unesco em 1992 como “paisagem cultural de Sintra”.

Em Sintra, são visíveis marcas das diversas etapas da história do homem e do

próprio planeta.

É o caso da imponente pista de Dinossauros de Carenque, com cerca de 100

milhões de anos.

Da pré-história, chegou até nós um interessante conjunto de Toloi e de Antas.

Em S. Miguel de Odrinhas, reúne-se o espólio arqueológico relativo à ocupação

romana.

O Castelo dos Mouros, edificado num dos cumes rochosos da serra,

provavelmente no século VIII, é um testemunho da presença muçulmana. As suas

muralhas sinuosas, de cintura dupla, em que se erguem cinco torreões, acompanham

o acidentado do relevo. Em 1147, com a conquista de Lisboa e de Santarém por D.

11

Page 110: 15233235 Falamos Portugues (1)

12

Afonso Henriques, o castelo passa definitivamente para as mãos dos cristãos. Ao

longo dos séculos, por ocasiões diversas sofreu intervenções e obras de reedificação.

Localizado na Vila Velha, no centro histórico de Sintra, O Paço Real é um

notável conjunto arquitectónico. Foi mandado construir no século XV por D. JoãoI, a

partir de um corpo central aí existente. Obedecendo às irregularidades do terreno,

foram sendo acrescentadas outras partes ao longo de diversos períodos históricos,

sendo de destacar a intervenção de D. Manuel I. No edifício, elevam-se duas enormes

chaminés cónicas, verdadeiro ex-libris da vila. De todo o conjunto desprende-se uma

imagem de exotismo e de franca assimetria, que não compromete a harmonia geral.

Com o movimento romântico dá-se o apogeu do desenvolvimento de Sintra. A

sensiblidade estética romântica encontra na mítica paisagem sintrense o pano de

fundo perfeito. O Palácio da Pena, mandado erigir por D. Fernando II no sítio onde se

erguia um antigo convento, é o expoente arquitectónico máximo do Romantismo em

Portugal. De cunho revivalista, demonstra o gosto pelo exótico e pelo orientalizante.

Envolvendo o palácio, o rei projectou o Parque da Pena para simular uma

manifestação espontânea e efusiva da natureza. Fontes, lagos, cascatas, falsas

ruínas, miradouros, proliferam entre mais de 2000 espécies de plantas.

A Quinta de Regaleira é uma clara evocação do passado áureo dos

Descobrimentos portugueses. Num estilo predominantemente neo-manuelino,

apresenta elementos góticos e clássicos. A sua profusão decorativa remete para uma

intensa simbologia de carácter esotérico. Nesta quinta foi construído um poço

iniciático, que se crê ter sido usado em rituais de iniciação maçónicos.

Foram inúmeras as figuras históricas que se renderam ao deslumbramento de

Sintra. Lord Byron chamou-lhe “o glorioso Eden”; Hans Christian Andersen aí

vislumbrou a sua querida Dinamarca. As indizíveis maravilhas de Sintra impressionam

de forma marcante todos os que por aí passam.

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1

PROGRAMA 10

QUOTIDIANO NA CIDADE

Passear por Lisboa ao sabor do acaso é desvendar um rico universo sensorial.

Cheiros, cores e sons saturam os nossos sentidos, evocando memórias de outros

tempos.

Uma luminosidade ímpar, crua e branca, invade e preenche todos os espaços.

Reflecte-se no rio, que a devolve, ampliada. Há uma graça feminina, doce e

rejuvenescida, nesta cidade milenar. No imaginário poético, Lisboa é sempre retratada

como mulher, como mostra o poema de Eugénio de Andrade:

LISBOA

Alguém diz com lentidão:

«Lisboa, sabes...»

Eu sei. É uma rapariga

descalça e leve,

um vento súbito e claro

nos cabelos,

algumas rugas finas

a espreitar-lhe os olhos,

a solidão aberta

nos lábios e nos dedos,

descendo degraus

e degraus

e degraus até ao rio.

Eu sei. E tu, sabias?

Eugénio de Andrade

A Ana e o João vão hoje andar por Lisboa sem destino certo, com o objectivo

de sentirem o pulsar da cidade...

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2

Ana: - Ah!... Finalmente, um dia sem programa! Vai saber-me tão bem!

João: - Queres mesmo andar por aí, à toa, ao sabor da inspiração do momento?

Ana: - Claro. É bom andar na rua, no meio das pessoas, ao ritmo delas.

João: - Bom... de facto é uma forma de se conhecer uma cidade mas não sei se estou

disposto a chegar à noite sem conseguir mexer-me...

Ana: - Se queres ficar no hotel a ver televisão e a ler o jornal... Isso é lá contigo! Vou

eu sozinha…

João: - Nem penses! Ainda te perdias... e depois lá tinha eu de ir à polícia... ou andar

à tua procura por becos e vielas! Vá, vamos embora!

Ana: - Decidiste-te!... Vais ver que ainda acabamos por descobrir sítios que não vêm

nos roteiros... e que são óptimas surpresas!

João: - Ainda tenho de aprender essa!… Andar ao acaso!...

Ana: - Tanta gente! Que movimento!

João: - Não viste há bocadinho, na televisão, a informação sobre o trânsito? Agora a

cidade está a encher!... Há engarrafamentos por toda a parte: nas pontes, nas vias

rápidas... estações de comboios, metro, autocarros...

Ana: - E , se calhar, nos barcos também, não?

João: - Claro! A maior parte das pessoas que trabalha aqui na cidade, mora do outro

lado do rio, na periferia. Por isso, a cidade é como um balão: enche-se de manhã e

esvazia-se à noite.

Ana: - Essa imagem de encher e esvaziar é engraçada!

João: - E real. É mesmo isso que acontece nas grandes cidades... Lisboa não podia

ser excepção! E nós, como é que vamos andar por aí?

Ana: - Olha... para já, a pé! Quando estivermos cansados logo se vê.

João: - Podíamos arranjar uma bicicleta...

Ana: - Se Lisboa fosse uma cidade plana, contavas comigo. Assim, com tantas

colinas, sempre a subir e a descer... é um bocadinho complicado!

João: - Não é tanto assim. Naquele passeio junto ao rio é bem plana....

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3

Ana: - Pois sim... mas por lá já nós andámos.... Agora temos outros cantos para

descobrir....

João: - Bom! Então eu proponho que comecemos com o célebre cafezinho. Ninguém

funciona sem uma bica, mesmo que tenha acabado de tomar um bom pequeno-

almoço...

Ana: - Deixa lá ver as horas... Estamos bem. O.K., aceito.

João: - Já sabia que aceitavas, ainda para mais se o cafezinho for acompanhado com

um bolo.

Ana: - Ai um bolinho, então vamos lá!

João: - Sabem tão bem a esta hora do dia, acabadinhos de fazer, não é?

João: - Duas bicas, se faz favor.

Ana: - ... e, já agora, um pastelinho de nata também, se faz favor

João: - Olhe, dois…

Ana: - Acho que me vai saber muito bem. E hoje sou eu que pago. Quanto é?

Empregado: - Cinco e dez. Muito obrigado.

Ana: - Obrigadinha.

João: - Então, obrigado, Ana! Obrigadinho!

Ana: - De nada. Não tens de quê. Logo, pagas tu. Não penses que te escapas...

...

Ana: - Então, João? Valeu a pena este dia sem programa?

João: - Nem me digas nada! ... Estou morto de cansaço!

Ana: - Mas valeu a pena, ou não?

João: - Claro que valeu! Há muita coisa de que não me vou esquecer.

Ana: - Acho que andámos em quase todos os meios de transporte...

João: - Para não falar no que andámos a pé...

Ana: - Mas vimos muito da Lisboa antiga e da Lisboa moderna.

João: - E, como tu dizias, este andar à toa, sem destino, levou-nos a locais muito

interessantes.

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João: - É que não foi só a confusão da Baixa e das avenidas mais movimentadas.

Foram também os cantinhos sossegados das zonas residenciais.

Ana: - Os cheiros das lojinhas de fruta e de flores... o cheiro a maresia, junto ao rio...

Os jardins... E as compras, claro! Fartei-me de comprar coisas... Gostei imenso! Foi

um dia em cheio.

João: - Também gostei muito... de tudo!

Ana: - Se não estivesse tão cansada, ainda gostava de ir às Docas, a um daqueles

barzinhos, ouvir música.

João: - Queres? Confesso que hoje de manhã estava com receio das tuas loucuras

mas agora estou prontíssimo para sair outra vez, se quiseres...

Ana: - Querer, queria. Mas vendo bem, hoje já não dá. É melhor irmos descansar.

João: - Então, fica para outro dia. Mas não te esqueças!

Ana: - Estou cheia de sono. Vou-me deitar.

João: - Eu também vou já.

Ana: - Até amanhã! Boa noite e dorme bem!

Chegámos a mais um programa da série Falamos Português, no qual iremos

abordar aspectos relacionados com as frases condicionais. Faremos, ainda, referência

ao verbo andar e aos diminutivos. Tivemos a oportunidade de acompanhar a Ana e o

João num passeio por Lisboa. Logo no início do diálogo deparamos com uma

intervenção de Ana de que vos quero falar um pouco:

1. Frases Condicionais Factuais ou Reais

Como já viram, a Ana está determinada a andar pelas ruas de Lisboa com, ou

sem, a companhia do João. Recordemos o início deste diálogo:

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5

João: - Bom... de facto é uma forma de se conhecer uma cidade mas não sei se

estou disposto a chegar à noite sem conseguir mexer-me...

Ana: - Se queres ficar no hotel a ver televisão e a ler o jornal... Isso é lá contigo!

Vou eu sozinha…

É sobre esta intervenção da Ana que pretendo reflectir um pouco. Ela diz ao

João que não se importa de ir sozinha, se este preferir ficar no hotel. Estamos perante

uma construção condicional. Estas apresentam uma grande diversidade de estruturas

sintácticas. Na sua realização mais frequente, são formadas por duas orações em que

a oração que exprime a condição é começada por se. Analisemos o excerto seguinte

mais em pormenor:

FRASE CONDICIONAL

“Se queres ficar no hotel a ver televisão e a ler o jornal... [Isso é lá contigo!] Vou

eu sozinha…”

oração condicional + oração condicionada

Com efeito, a oração começada por se exprime uma condição e por esse motivo

se designa oração condicional: “Se queres ficar no hotel a ver televisão e a ler o

jornal…”. Todavia, neste exemplo concreto a oração seguinte: “Isso é lá contigo!”

não exprime a consequência dessa condição, assume-se, antes, como um comentário

a essa condição. Neste caso, a consequência vai surgir na terceira oração, ou seja, na

oração condicionada: “Vou eu sozinha…”. Posto isto, vamos, agora, ver a relação de

dependência semântica que se estabelece entre a oração condicional e a oração

condicionada:

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6

FRASES CONDICIONAIS FACTUAIS

”Se queres ficar no hotel a ver televisão e a ler o jornal... (…) 1.Vou eu

sozinha…”

2.Irei eu

sozinha…”

3.Fica!”

oração condicional + oração condicionada

Se+presente do indicativo + 1. presente do indicativo

+ 2. futuro do indicativo

+ 3. imperativo

Na oração condicional em análise encontramos o verbo querer conjugado no

presente do indicativo, ao passo que na oração que exprime a consequência, ou

condicionada, encontramos o verbo ir conjugado no presente do indicativo também.

Estas construções condicionais são factuais, porque se presume que o conteúdo das

duas proposições se verifica no mundo real. Geralmente, neste tipo de orações

condicionais factuais ou reais a oração que exprime a condição está no modo

indicativo no tempo presente. A oração condicionada pode estar, também, no modo

indicativo, mas no presente (na frase 1), ou no futuro (na frase 2), ou no modo

imperativo (na frase 3). Falaremos mais sobre as construções condicionais num

próximo programa.

2. Verbo andar

Este programa, que narra um passeio pela cidade de Lisboa sem se referir a um

local específico, contém expressões que permitem mencionar áreas da cidade, não

divulgando o nome das mesmas. Prestem atenção:

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João: - Queres mesmo andar por aí, à toa, ao sabor da inspiração do momento?

Ana: - Claro. É bom andar na rua, no meio das pessoas, ao ritmo delas.

(…)

João: - Nem penses! Ainda te perdias... e depois lá tinha eu de ir à polícia... ou

andar à tua procura por becos e vielas!

(…)

João: - Ainda tenho de aprender essa!… Andar ao acaso!...

(…)

João: - E, como tu dizias, este andar à toa, sem destino, levou-nos a locais muito

interessantes.

Estas intervenções, retiradas do diálogo entre a Ana e o João, constituem

exemplos de generalizações em relação a um local concreto: Lisboa. O João e a Ana

não nomeiam os locais por onde andaram, uma vez que o seu objectivo não era

conhecê-los em si mesmos, mas sim como parte integrante de um todo maior: a

cidade. Já repararam, certamente, num verbo que ocorre com frequência na

sequência que vos mostrei… Exacto, estou a reportar-me ao verbo andar. Este verbo

é usado em expressões como andar à toa, andar ao acaso, por exemplo. Pode,

ainda, usar-se com a preposição por, em expressões como andar por aí ou andar

por Lisboa. Todas estas ocorrências do verbo andar conferem realce ao modo como

a Ana e o João estão a planear o seu passeio a Lisboa, isto é, sem um plano

detalhado. Este verbo implica movimento.

Contudo, há ocorrências deste verbo que merecem uma chamada de atenção,

uma vez que não parecem tão próximas do significado mais óbvio do verbo. Vejamos

as frases seguintes que não são provenientes do diálogo:

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1. O José andou na Universidade Aberta = o José frequentou a Universidade

Aberta

2. O José andou com a Maria = o José namorou com a Maria

Na frase 1, andar em equivale a frequentar; na frase 2, andar com

corresponde a namorar com.

3. Diminutivos

João: - Bom! Então eu proponho que comecemos com o célebre cafezinho. Ninguém

funciona sem uma bica, mesmo que tenha acabado de tomar um bom pequeno-

almoço...

Ana: - Deixa lá ver as horas... Estamos bem. O.K., aceito.

João: - Já sabia que aceitavas, ainda para mais se o cafezinho for acompanhado

com um bolo.

Ana: - Ai um bolinho, então vamos lá!

João: - Sabem tão bem a esta hora do dia, acabadinhos de fazer, não é?

João: - Duas bicas, se faz favor.

Ana: - ... e, já agora, um pastelinho de nata também, se faz favor

João: - Olhe, dois…

Ana: - Acho que me vai saber muito bem. E hoje sou eu que pago. Quanto é?

Empregado: - Cinco e dez. Muito obrigado.

Ana: - Obrigadinha.

João: - Então, obrigado, Ana! Obrigadinho!

Nesta sequência, a Ana e o João recorrem com frequência a várias palavras

que terminam da mesma forma: em –inho. Esta partícula constitui um sufixo e permite

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a formação de novas palavras. Este fenómeno designa-se derivação por sufixação.

Por outras palavras, a derivação por sufixação ocorre quando se juntam sufixos às

palavras primitivas:

DERIVAÇÃO POR SUFIXAÇÃO COM –INHO

1. café+inho = cafezinho

2. bolo+inho = bolinho

3. pastel+inho = pastelinho

4. acabado+ inho+s = acabadinhos

5. obrigado+inho = obrigadinho

Os diminutivos dos substantivos acentuados perdem o respectivo acento gráfico

na formação do diminutivo. Por isso, café faz cafezinho. Os três primeiros exemplos

são casos de processos de derivação de nomes. Os últimos dois constituem casos de

processos de derivação de particípios passados. Por um lado, o particípio passado

também se chama adjectivo verbal, exactamente porque assume frequentemente a

função de qualificador, de modificador de um nome: na frase os bolinhos

acabadinhos de fazer, o vocábulo acabadinhos deixa implícito a qualidade de os

bolinhos serem muito recentes. Por outro lado, o sufixo –inho, um sufixo que veicula o

significado de pequenez, de diminuição, é muitas vezes usado, paradoxalmente, para

intensificar o sentido da palavra ou frase. É o caso da fórmula de agradecimento

obrigadinho. É de salientar o valor afectivo dos sufixos diminutivos (como - inho),

Antes de terminar, gostaria ainda de fazer referência à seguinte expressão:

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“Nem penses! Ainda te perdias... e depois lá tinha eu de ir à polícia... ou andar à tua

procura por becos e vielas!”

O João, ao usar esta expressão, “por becos e vielas” não quer dizer que vai à

procura da Ana em becos e em ruas estreitas. Ele está a querer dizer que não

pretende andar a vasculhar toda a cidade, incluindo as zonas mais recônditas, à

procura da prima.

E chegámos ao fim de mais um programa. Obrigado pela vossa atenção.

Fiquem agora com uns breves apontamentos sobre o quotidiano da cidade de Lisboa.

Mesmo na azáfama do dia-a-dia, a beleza de Lisboa impõe-se, pura e

transparente.

O quotidiano nesta cidade é semelhante ao de tantas outras capitais europeias.

Por volta das sete horas da manhã, ou talvez um pouco antes, começam a acordar as

enormes cidades-dormitório que se foram agigantando, a poucos quilómetros, na

periferia. Para muitos, tem início mais um dia de oito horas de trabalho. Há que chegar

às nove horas, sem atrasos, ao emprego.

Entre as oito e as dez horas da manhã é hora de ponta. O frenesi toma conta

de todos os locais: filas intermináveis de carros prolongam-se pelas principais vias de

acesso à cidade, desembocando nas suas principais avenidas e praças. O tabuleiro da

Ponte 25 de Abril fica coberto de automóveis; aqueles que, vindo também da margem

sul, preferem viajar despreocupadamente, utilizam o comboio da ponte ou fazem a

travessia do Tejo de barco. Os tradicionais cacilheiros cumprem a sua intemporal

romaria, com destino ao Terreiro do Paço, e conferem uma nota colorida ao rio. Os

catamarans ganham-lhe em modernidade, mas não em pitoresco.

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11

Nos comboios da linha de Sintra e de Cascais chegam magotes de gente, de

todas as idades, profissões e etnias que, apressadamente, se entranham e

disseminam na cidade.

Os mercados animam-se de vida... desprende-se o cheiro da fruta madura e

paira no ar... tons diversos, da terra e do pomar, abrem o apetite ao comprador...

Floristas, com as suas bancadas ou cestas de flores, enfeitam

inadvertidamente as praças ou recantos de ruas com matizes vários...

Lisboa é uma cidade alegre, com boas condições para viagens de trabalho e

de lazer. Conta hoje com um conjunto de infra-estruturas e equipamentos de

excelência para a realização de eventos profissionais, como congressos e encontros,

de que são exemplo a FIL, no Parque da Nações, e o Centro de Congressos de

Lisboa.

A partir de cerca das seis da tarde, a agitação das ruas vai sossegando, o

bulício encaminha-se novamente para os bairros periféricos... terminou mais um dia na

cidade... o sol, incandescente, esconde-se no rio...

O tempo passa por Lisboa mas ela, na sua história ancestral, será sempre

“menina e moça”:

Lisboa, menina e moça

No castelo, ponho um cotovelo

Em Alfama, descanso o olhar

E assim desfaz-se o novelo

De azul e mar

À ribeira encosto a cabeça

A almofada, na cama do Tejo

Com lençóis bordados à pressa

Na cambraia de um beijo

Lisboa menina e moça, menina

Da luz que meus olhos vêem tão pura

Teus seios são as colinas, varina

Pregão que me traz à porta, ternura

Cidade a ponto luz bordada

Toalha à beira mar estendida

Lisboa menina e moça, amada

Cidade mulher da minha vida

No terreiro eu passo por ti

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Mas da graça eu vejo-te nua

Quando um pombo te olha, sorri

És mulher da rua

E no bairro mais alto do sonho

Ponho o fado que soube inventar

Aguardente de vida e medronho

Que me faz cantar

Letra: Ary dos Santos e Joaquim Pessoa Música: Fernado Tordo e Paulo de Carvalho

Canta: Carlos do Carmo

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1

PROGRAMA 11

GASTRONOMIA PORTUGUESA

A riqueza e variedade da gastronomia portuguesa têm sido referidas em alguns

textos dos mais conhecidos escritores portugueses, como é o caso de Eça de Queirós.

Em qualquer das suas obras, as referências gastronómicas são inúmeras, chegando a

atingir refeições completas. As alusões gastronómicas associam-se quase sempre à

caracterização das personagens, ao seu carácter e à sua condição social e contribuem

indubitavelmente para o retrato da sociedade da época.

Ouçamos um pequeno excerto de uma das obras de Eça de Queirós, Os

Maias.

“– Vilaça, Vilaça — advertiu o abade, de garfo no ar e um sorriso de

santa malícia — não se deve falar em latim aqui ao nosso pobre

amigo... Não admite, acha que é antigo... Ele, antigo é...

– Ora sirva-se desse fricassé, ande, abade — disse Afonso — que eu

sei que é o seu fraco, e deixe lá o latim...

O abade obedeceu com deleite; e escolhendo no molho rico os bons

pedaços de ave, ia murmurando:

– Deve-se começar pelo latinzinho, deve-se começar por lá... É a base; é

a basezinha!“

******

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2

As especialidades típicas das várias regiões são feitas a partir de produtos locais e de

saberes ancestrais. Utilizam-se muito as especiarias trazidas pelos navegadores

portugueses na época dos Descobrimentos: a pimenta, a canela, o caril e o gengibre,

entre outras. Os portugueses trouxeram também para a Europa o arroz e o chá do

Oriente, o café e os amendoins de África, o ananás, o tomate e a batata da América.

É um pouco deste mundo que o António quer mostrar à Ana e ao João. Empregado: – Boa noite

Todos:– Boa noite.

António: – Queríamos uma mesa para três pessoas.

Empregado: – Com certeza. Os senhores querem esta aqui ou aquela ali?

António: – Pode ser aquela ali.

Ana: – Que bonita cervejaria!

João: – Reparem nos azulejos. Que interessantes que são.

António: – Sabem que esta cervejaria ocupa as antigas instalações do Convento dos

Frades Trinos?

João: – Não, não sabia.

Ana: – Eu também não.

António: – O convento foi destruído pelo terramoto de 1755. Mais tarde, em meados

do século XIX, inauguraram aqui a fábrica da cervejaria. Parece que usavam as

receitas monásticas no fabrico da cerveja.

Empregado: – Desculpem, os senhores, já escolheram?

António: – Ainda não. Só um momento, por favor. Já têm alguma ideia do que vão

pedir?

Ana: – Não, eu ainda não.

João: – António, precisamos da tua ajuda. O que é que nos sugeres?

Page 125: 15233235 Falamos Portugues (1)

3

António: – Bom, a escolha não é nada fácil ... Estes pratos são todos óptimos!

Querem peixe ou carne?

Ana: – Eu preferia peixe...

António: – Para mim, tanto faz.

Ana: – O que são os pratos do dia?

António: – São pratos que estão quase prontos. Por isso, são mais rápidos. Se

estiverem com muita fome e não quiserem esperar muito tempo...

Ana: – Então, eu talvez queira um prato do dia. Estou cheia de fome.

António: – E se começássemos a comer as entradas?

Ana: – António, o que é isto?

António: – São croquetes de carne. Prova, que são bons.

António: – Ana, disseste que querias peixe, não foi?

Ana: – Sim, sim.

António : – No peixe, temos: bacalhau à Brás, linguado grelhado, arroz de tamboril

com camarão....

Ana : – O que é isso?

António: – Arroz de tamboril?

Ana: – Sim.

António: – É um prato de arroz com uma variedade de peixe, o tamboril. É um peixe

muito saboroso. Este prato tem também camarão. É mesmo muito bom . E aqui

fazem-no bem.

António: – Nas carnes, temos bife à portuguesa, arroz de pato, espetada de novilho e

iscas com...

Ana: – Iscas?!

João: – Sim, iscas. O teu prato preferido, Ana. Não foste tu que disseste que

gostavas muito de bifinhos de fígado?

Ana: – Eu?! Nunca poderia ter dito tal coisa! Nunca provei! Aliás, não me parece que

goste mesmo nada disso.

Page 126: 15233235 Falamos Portugues (1)

4

António: –Mas olha que é bom! Iscas com elas…

Ana: – Com elas?!

António: – Sim, com batatas, claro!

Ana: – Nem com batatas, nem sem batatas! Não quero iscas, obrigada.

António: – E nas sobremesas, há leite creme, pudim flan, o famoso arroz doce,

salada de fruta e ...

Ana: – Chega, chega, António. Já estou a ficar com água na boca.

António: – Muito bem, Ana. Já conheces expressões bem portuguesas.

João: – Mas o que é que vamos então pedir?

António: - Bom, eu não sei se estão de acordo mas talvez sugerisse uma dose de

arroz de tamboril para os três. O que acham?

Ana: – Acho óptimo.

João: – Também concordo.

António: – Para começar, podíamos pedir umas sopas. Há caldo verde e creme de

marisco.

Ana: – Para mim, um caldo verde. Gosto muito de caldo verde.

António: – E tu, João? Que sopa queres?

João: – Para mim, sopa, não. Obrigado.

António: – Não?!

João: – Sopa, é coisa que eu não aprecio lá muito.

António: – Então porque não pedes uma entrada? Eu sugeria-te talvez uma saladinha

de polvo.Já alguma vez provaste?

João: – Não, ainda não. Talvez peça então uma saladinha de polvo. É isso mesmo

que vou pedir. Petiscos destes só mesmo em Portugal.

António: – Olha, aproveita enquanto cá estás.

João: – E se escolhêssemos as bebidas? António, o que é que nos aconselhas?

António : – Bom, com arroz de tamboril pode ser um vinho branco. Mas, como

estamos numa cervejaria, e se pedíssemos umas cervejas bem fresquinhas?

Page 127: 15233235 Falamos Portugues (1)

5

Ana: – Por mim, escolham à vontade.

João: – A Ana parece que queria muito provar uma cerveja.

Ana: – Não, não brinques comigo. Eu vou pedir uma água sem gás.

António e João: – ÁGUA?!

João: – A água enferruja. E tu tens uma saúde de ferro.

Ana: – Bom, posso provar um pouco de cerveja, mas...

João: – Linda menina! Assim soa melhor!

António: – Um dia não são dias...

Empregado: – Os senhores já escolheram?

António: – Sim, já. Para começar era um caldo verde, um creme de marisco e uma

saladinha de polvo.

Empregado: – E para prato principal?

António: – Uma dose de arroz de tamboril para três pessoas.

Empregado: – E para beber?

António: – Uma água natural sem gás e duas imperiais bem fresquinhas, por favor.

António: – Então, digam-me lá. O que é que fizeram hoje?

João: – Nem te conto. O diabo desta menina quando lhe dá para andar, ninguém a

pára.

Ana: – Que exagerado que ele é. Fomos à praia, lá na outra banda e andámos um

pouquinho à beira-mar.

João: – Andámos quilómetros, queres tu dizer. Imagina lá tu que fomos a pé da Costa

da Caparica até à Fonte da Telha! E se ao menos tivéssemos parado para descansar.

Mas, não...Por fim, já não sentia os pés!

António: – Não me digas!

João: – E como ela anda depressa!

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6

Vimos a Ana, o João e o António a jantarem num restaurante português. Neste

programa, abordaremos algum vocabulário relacionado com a referida situação de

comunicação e ainda os seguintes conteúdos linguísticos: o Pretérito Imperfeito do

Conjuntivo para fazer uma sugestão, o advérbio talvez e os adverbiais temporais

já, ainda não, já não e ainda.

Vamos começar por rever duas sequências do diálogo em que as personagens

usam o Imperfeito do Conjuntivo para fazerem uma sugestão.

Ana: – Então, eu talvez queira um prato do dia. Estou cheia de fome.

António: – E se começássemos a comer as entradas.?

******

João: – E se escolhêssemos as bebidas? António, o que é que nos aconselhas?

António: – Bom, com o arroz de tamboril pode ser um vinho branco. Mas, como

estamos numa cervejaria e se pedíssemos umas cervejas bem fresquinhas?

Observemos então as frases do diálogo:

1. FAZER UMA SUGESTÃO

Vamos agora registar as frases com as ocorrências do Pretérito Imperfeito do

Conjuntivo.

FAZER UMA SUGESTÂO

PRETÉRITO IMPERFEITO DO CONJUNTIVO

(1) E se começássemos a comer as entradas.?

(2) E se escolhêssemos as bebidas?

(3) ... e se pedíssemos umas cervejas bem fresquinhas?

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7

Nas frases apresentadas, verificamos que é feita uma sugestão. É intenção do

locutor incentivar o(s) alocutário(s), o(s) interlocutor(es), a fazerem algo (como comer

as entradas, escolher as bebidas, pedir umas cervejas...) As frases são introduzidas

pelo conector se e seguidas do Imperfeito do Conjuntivo. Todas estas frases

poderiam ser antecedidas por [Seria bom/ Era bom]: “Seria bom se começássemos

a comer as entradas.” ou “Era bom se escolhêssemos as bebidas”.

Quanto à formação do Imperfeito do Conjuntivo, este forma-se a partir da 3ª

pessoa do plural do Pretérito Perfeito Simples do Indicativo, a que se retira a

terminação – ram e se acrescenta – sse.

FORMAÇÃO DO IMPERFEITO DO CONJUNTIVO

����

PRETÉRITO PERFEITO DO INDICATIVO (3ª Pessoa do Plural)

Ex: Eles escolheram os pratos.

����

...se eles escolhessem os pratos

...se eu escolhesse

...se ele escolhesse os pratos

...se nós escolhêssemos os pratos

2. ADVÉRBIO: TALVEZ

Observemos agora algumas frases do diálogo com o advérbio talvez.

Recordam-se certamente de ter ouvido:

Page 130: 15233235 Falamos Portugues (1)

8

António: – Bom, eu não sei se estão de acordo mas talvez sugerisse uma dose de

arroz de tamboril...

Nesta frase, o advérbio talvez está colocado antes do verbo e exige o uso do

Conjuntivo. A frase apresenta uma leitura de futuro.

Observe-se agora por exemplo, o contraste com a frase seguinte:

António: – (...) Eu sugeria-te talvez uma saladinha de polvo

Neste exemplo, o advérbio talvez está colocado depois do verbo, encontrando-se

este por isso no Imperfeito do Indicativo.

3. ADVERBIAIS TEMPORAIS

Vamos rever duas sequências do diálogo para observarmos o uso dos adverbiais

temporais: já , ainda não.

Empregado: – Desculpem, os senhores, já escolheram?

António: – Ainda não. (...) Já têm alguma ideia do que vão pedir?

Ana: – Não, eu ainda não.

******

Empregado: – Os senhores já escolheram?

António: – Sim, já.

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9

(1)... os senhores, já escolheram?

(2) ... Ainda não. (...) Já têm alguma ideia do que vão pedir?

(3)... Não, eu ainda não.

(4) Os senhores já escolheram?

(5) Sim, já.

Os enunciados escolhidos apresentam os advérbios temporais já, ainda não.

O valor aspectual destes advérbios temporais marca a oposição entre um estado de

coisas acabado e um estado de coisas inacabado. Quando usamos ainda não, o

estado de coisas é considerado inacabado. O António usa ainda não para dizer ao

empregado que não terminou a sua escolha. Por oposição, quando usamos já,

estamos a descrever um estado de coisas acabado. O António utiliza o advérbio já

para indicar ao empregado que terminou a sua escolha. Vejamos agora outros

exemplos que não constam do diálogo:

JÁ NÃO

AINDA

– Já não quero mais,

obrigado.

– Ainda tenho fome.

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10

Observemos agora um quadro – síntese, com os adverbiais temporais:

ADVERBIAIS

TEMPORAIS

Valor aspectual-

Acabado

Valor aspectual-

Inacabado

Já não

Ainda

Ainda não

Salientamos que estes advérbios surgem geralmente antes do verbo.

4. VOCABULÁRIO

Vejamos ainda algum vocabulário relacionado com a situação de comunicação

abordada neste programa: jantar num restaurante.

• (o) prato do dia: prato que faz parte da ementa diária de um restaurante e

que já está confeccionada.

• (o) bacalhau à Brás: prato de bacalhau desfiado com batatas fritas, tudo

envolvido em ovo.

• (a) espetada de novilho: pedaços de carne de animal bovino de pouca idade

assadas num espeto.

• (a) sobremesa: trata-se da fruta ou doce que se come no fim de uma refeição.

• (o) arroz doce: doce feito à base de arroz cozido em leite

• provar: comer ou beber uma pequena quantidade de um alimento para se

verificar o seu sabor ou a sua qualidade.

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11

5. EXPRESSÕES

Durante o diálogo, ouviram certamente algumas expressões e que eu vou

passar a explicar.

“...E eu tenho uma saúde de ferro.” : “ter uma saúde de ferro” significa “ter uma

boa saúde”

“ ...Um dia não são dias...”: dia em que se pode fazer uma excepção.

“...Já estou a ficar com água na boca”: expressão usada quando queremos dizer

que alguma coisa é ou nos parece muito saborosa. Esta expressão é sempre usada

em contextos gastronómicos.

Por hoje é tudo. Agora espero que gostem da proposta que vos fazemos de

descobrirem a gastronomia portuguesa. Pela minha parte, despeço-me. Até ao

próximo programa.

______________________________________________________________

Uma refeição típica consta de aperitivos que podem ser azeitonas, pão e

manteiga, queijinhos variados, provenientes de regiões como o Alentejo, as Beiras ou

os Açores, ou presunto, enchidos e pequenos pratos de salada como, por exemplo, a

salada de polvo. Seguem-se a sopa, um prato de peixe ou de carne. Depois pede-se

fruta ou doce para sobremesa e termina-se com um café.

Depois das entradas, vem a sopa nas suas diversas variedades: de legumes,

de tomate, de marisco, de cação, açorda alentejana ou sopa da pedra, esta com

origem num conto tradicional popular e que se serve com uma pedra dentro. A mais

famosa destas sopas é o caldo verde, feito com couve portuguesa cortada em tiras

finas e servida com rodelas de chouriço.

Page 134: 15233235 Falamos Portugues (1)

12

Devido à sua localização e ao facto de possuir uma longa costa, a gastronomia

portuguesa distingue-se pelos seus mariscos e peixe de grande qualidade. De entre

os vários pratos de peixe destacamos o cherne, a pescada, o linguado, o pargo, as

lulas, o salmonete, o peixe-espada, o carapau, cozidos ou grelhados e as sardinhas

assadas nos meses de Verão, os vários tipos de caldeiradas, o polvo guisado, o bife

de atum da Madeira e o bacalhau que, apesar de pescado longe da nossa costa, se

tornou famoso na nossa culinária. Come-se bacalhau durante todo o ano, mas

especialmente na noite de Consoada.

Mas em Portugal apreciam-se também os peixes de água doce, como a

lampreia e o salmão do Minho, as trutas da Serra da Estrela e dos Açores.

O marisco também é muito apreciado, especialmente nos locais junto à costa.

Aí encontram-se camarões, lagosta, sapateira, santola, mexilhões, amêijoas,

cadelinhas, caranguejos. O marisco serve-se cozido, frito ou feito na cataplana.

Apesar de Portugal ter fama pelo seu peixe, a carne possui um lugar muito

especial na gastronomia portuguesa. As opções são muitas e incluem a carne de

vaca, de porco, de borrego e de cabrito, que pode ser assado em forno de lenha.

De entre os vários pratos, o cozido à portuguesa é talvez o mais popular. Tem

como acompanhamento arroz, legumes, feijão e é feito com variadas carnes: vaca,

porco, frango e enchidos. Na ilha de S. Miguel, nos Açores, pode-se saborear o

famoso cozido das Furnas, confeccionado com várias carnes, enchidos, batata doce e

legumes, cozido lentamente em panelas enterradas em caldeiras vulcânicas.

O coelho é também um prato muito apreciado, podendo ser preparado de

variadas maneiras, conforme os usos e costumes das diferentes regiões.

Os pratos de carne de porco são igualmente muito saborosos, destacando-se o

famoso leitão assado da Bairrada.

As sobremesas...são de «comer e chorar por mais». O gosto dos portugueses

por doces parece ter origem no tempo da ocupação mourisca, sendo a doçaria do

Algarve, feita com amêndoas, um bom exemplo.

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13

Nos séculos XVII e XVIII, os conventos ganharam fama pela confecção dos seus bolos

e doces. Nos doces destacam-se os ovos moles de Aveiro e o pão de Rala de Évora,

feito com gila e massa de amêndoa.

A gastronomia portuguesa pode ser apreciada em diferentes locais, entre os

quais se contam as tascas, os restaurantes, as marisqueiras e as cervejarias. As

tascas são baratas e servem petiscos variados. Os restaurantes são geralmente mais

formais e têm maior escolha de pratos. No entanto, existe também uma diversidade

enorme de restaurantes. As marisqueiras servem sobretudo pratos de marisco,

enquanto as churrasqueiras têm grelhados na brasa.

As pousadas têm restaurantes tradicionais onde é possível comer

especialidades gastronómicas muito bem confeccionadas e apresentadas com

requinte. A Pousada de Palmela fica situada no cimo de uma enorme colina, podendo

daí desfrutar-se de uma vista panorâmica de rara beleza. A Pousada foi construída no

interior do castelo, integrando ainda os claustros de um convento aí existente. A uma

certa austeridade associa-se, por isso, o conforto que se espera de espaços como

estes. Pelos claustros chega-se às galerias. As escadas enquadradas sob arcos

abobadados desembocam no refeitório.

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PROGRAMA 12

FAZER COMPRAS

O Rossio foi em tempos passados e de certo modo ainda é o centro mais

importante de Lisboa. Ao longo dos tempos tem sido palco de touradas, festivais e

paradas militares. Actualmente, esta Praça espelha a diversidade cultural da cidade.

Os seus sóbrios edifícios pombalinos estão ocupados por lojas de pronto-a-vestir,

sapatarias, joalharias, retrosarias, recordações, artesanato, livrarias e cafés.

O Rossio funciona como porta de entrada para uma das zonas mais comerciais

da Baixa lisboeta onde ainda sobrevive o comércio tradicional. É nesta zona da Lisboa

que a Ana e o João decidem fazer compras depois de tomarem o pequeno-almoço.

Ana: – Ouviste o boletim meteorológico? Parece que vai estar um forno, nos próximos

dias.

João: – É verdade, queria falar contigo sobre isso mesmo. Eu não trouxe roupa para

este tempo. Tu reparaste como aquela senhora ia vestida!?

Ana: – Então não! Não viemos até cá para morrermos de calor. Nunca pensei que

pudesse fazer tanto calor em Portugal, mesmo na altura do tempo quente.

João: – E agora? Eu não me dou bem com o calor, sabias?

Ana: – Não te aflijas! Temos o pretexto ideal para irmos às compras. Calha bem, com

as promoções. Olha lá, tu que estás sempre de guia em punho, onde é que achas que

deveríamos ir?

1

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João: – Bem… o comércio em Lisboa é como em todo o lado: grandes superfícies e

comércio tradicional.

Ana: – As grandes superfícies são todas iguais. Só têm uma vantagem: protegem-nos

das agruras do tempo.

João: – Sim, e agora devem estar fresquinhas…

Ana: – Pois! Mas o pequeno comércio atrai-me muito mais. Afinal sempre estamos a

tentar conhecer o país.

João: – Lá terá de ser… Vamos à Baixa? Parece que a zona em redor da Rua

Augusta tem muitas lojas e sempre podemos ir de Metro.

Ana: – Tu mandas.

João: – Ana, ficam-me bem, não achas?

Ana: – Ficam-te muito grandes e é preciso subir a bainha… Já viste o preço? São

muito caras.

João: – Livra! Vou experimentar outras.

Ana: – Ó João, essa cor não te fica bem, pareces mais gordo!

João: – Não me importo. O preço é bem mais acessível. Além do mais, sinto-me bem

nestas.

Ana: – Como queiras. Pelo menos são do tamanho adequado… Olha, vamos levar

estas toalhas de praia também. Estão em conta e com este calor vamos ter

oportunidade de ir até lá.

João: – Ainda bem que viemos para a Baixa. Encontrámos tudo quanto

precisávamos… E essas sandálias? Tens a certeza de que não te estão apertadas?

Ana: – Não, são o meu número. Então? Já estás mais fresquinho? Eu cá preferia que

tivesses comprado as castanhas, mas era preciso subir a bainha e ainda por cima

eram demasiado caras.

João: – O que me interessa, é que sejam confortáveis. E até foram baratas, estavam

em promoção!

2

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Ana: – Olha agora que já estamos preparados, vamos passear. Brrr! O ar

condicionado deve estar no máximo! Vamos para o sol…

João: – Muito tu gostas de apanhar calor!

Ana: – Olha o elevador de S. Justa.

João: – E se subíssemos?

Ana: – Boa ideia! A vista deve ser sublime.

João: – Cá estamos. Há um café no topo do elevador.

Ana: – Óptimo! Estou mesmo a precisar de tomar uma bebida fresca, antes de

regressar ao hotel.

Acabámos de acompanhar a Ana e o João numa ida às compras pela Baixa

lisboeta. O dia estava muito quente e o João não parecia ter muita vontade de se

aventurar lá fora. Porém, após a argumentação da Ana, deixou-se convencer. Neste

programa, vamos falar da partícula lá e de onomatopeias. Abordaremos, também,

formas de expressar atitudes e sentimentos e de reagir a certificação de compreensão.

1. EXPRESSAR ATITUDES E SENTIMENTOS

1.1. EXPRESSAR RESIGNAÇÃO

“Lá terá de ser…”

Repararam na expressão proferida pelo João para expressar uma atitude

resignada? É uma estrutura modal comum na língua portuguesa, construída com ter

de + infinitivo. Trata-se, aqui, de verbalizar uma atitude a que o João se sente

obrigado. No entanto, o João poderia ter optado por uma outra maneira de expressar a

sua atitude resignada. Ora vejam:

3

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EXPRESSAR RESIGNAÇÃO

1.“Lá terá de ser…”

(lá + ter de + infinitivo do verbo ser)

2.“O que tem de ser tem muita força!”

(frase exclamativa construída com ter de + infinitivo)

As duas expressões utilizam a já mencionada estrutura com ter de + infinitivo

(usada genericamente em português para expressar necessidade ou obrigação),

mas na primeira, o verbo ter está conjugado no futuro do indicativo e, na segunda, no

presente do indicativo.

1.2. EXPRESSAR DESAGRADO

“Olha agora que já estamos preparados, vamos passear. Brrr!”

A Ana exprime o seu desagrado em relação ao ambiente demasiado frio que se

faz sentir no interior da loja, devido ao facto de o ar condicionado estar regulado para

uma temperatura demasiado baixa, o que lhe não agrada. Vejamos, então, outras

maneiras de expressar desagrado, a que a Ana poderia ter recorrido:

4

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EXPRESSAR DESAGRADO

1. “Não gosto do ar condicionado tão frio!”

(advérbio não+verbo gostar+preposição de)

2. “… Não suporto o ar condicionado tão frio!”

(advérbio não+verbo suportar)

3. “… Brrr!” = que frio!

As duas primeiras frases, que estão na forma negativa, são similares no seu

significado, apenas variando o verbo empregue. A expressão não gostar de é muito

comum, mas não suportar veicula uma noção de desagrado mais forte. Por seu lado,

a frase 3 distingue-se das outras. Como? Reparem na forma como a Ana termina a

sua intervenção:

“Brrr!” = “Não gosto do ar condicionado tão frio!”

A exclamação Brrr podia ser substituída pela frase: “Não gosto do ar

condicionado tão frio.” Esta palavra transmite uma mensagem compreensível para

todos os falantes. Brrr é uma onomatopeia, isto é, uma palavra que reproduz, com os

recursos da língua e de forma aproximada, um som natural; ora vejam:

5

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As onomatopeias podem ser constituídas por:

• simples conjuntos de fonemas sem estrutura vocabular, ou seja, sem

vogais de apoio (como, por exemplo, brrr, pfff, zzzzz),

• ou podem ser verdadeiras palavras (pumba, catrapuz, cacarejar, miau).

2. REAGIR A CERTIFICAÇÃO DE COMPREENSÃO

“Pois! Mas o pequeno comércio atrai-me muito mais.”

Antes de terminarmos a sessão de hoje, vamos reflectir um pouco sobre este

excerto produzido pela Ana. Ao organizar o seu discurso, ela garante ao João, que o

tinha compreendido mas que discordava dele. Através desta palavra, pois, a Ana

expressa uma oposição, ou restrição, ao que foi dito. Ela não estava, de facto,

interessada em andar dentro dos centros comerciais. Estamos perante uma palavra

que pode ter sentidos opostos em português. De acordo com a entoação, ela pode

significar “sim” ou “não”. Vejamos outras opções que a Ana poderia ter tomado, para

atingir o mesmo objectivo:

MANIFESTAR COMPREENSÃO

1. “Pois! Mas o pequeno comércio atrai-me muito mais.”

2. “Sim! Mas …”

3. “Percebi (perfeitamente)! Mas …”

4. “Compreendi (perfeitamente)! Mas …”

6

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Estas quatro frases permitiriam à Ana comunicar ao João que o compreendera,

mesmo não concordando com ele. Nos dois primeiros casos são utilizadas

exclamações: pois (na frase 1) e sim (na frase 2), vocábulos muito comuns na língua

portuguesa e que, nestas frases, desempenham o mesmo papel (manifestar

compreensão). As frases 3 e 4 atingem a mesma finalidade. No entanto, a presença

(eventual) do advérbio perfeitamente confere-lhes mais ênfase.

Bem, peço-vos, agora, que dediquem a vossa atenção aos próximos momentos

do nosso programa de hoje, que tecem algumas considerações sobre alguns locais da

Baixa de Lisboa, visitados pela Ana e pelo João. Até ao próximo programa.

Embora popularmente conhecida como Rossio, o nome oficial desta praça

pretende ser uma homenagem ao rei D. Pedro IV. No seu centro, ergue-se a estátua

deste monarca, o primeiro imperador do Brasil independente. Na base desta, as quatro

figuras femininas são alegorias à Justiça, à Sabedoria, à Força e à Moderação,

qualidades atribuídas a D. Pedro IV.

Esta praça foi dos primeiros locais de Lisboa a ser calcetado, em meados do

século XIX. Os padrões ondulantes a preto e branco foram dos primeiros desenhos

usados na decoração dos pavimentos da cidade. Hoje, já só resta uma pequena

secção central.

No lado norte da praça fica o teatro Nacional D. Maria II. A história deste Teatro

não se pode dissociar do triunfo do Romantismo e da burguesia portuguesa do século

XIX. O escritor e político Almeida Garrett foi então incumbido por Passos Manuel de

edificar o Teatro Nacional para aí se apresentar um repertório dramatúrgico nacional.

A inauguração ocorreu no dia 13 de Abril de 1846, data do aniversário da rainha D.

Maria II. A peça que por esta ocasião subiu à cena foi o drama histórico em 5 actos O

Magriço e os Doze de Inglaterra, original de Jacinto Aguiar de Loureiro. A partir de

então, o Teatro Nacional adoptou também a designação de “D. Maria II.”

7

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Toda a área foi completamente arrasada pelo grande terramoto de 1755 e

reconstruída de acordo com novos modelos urbanísticos. O grande impulsionador

desta obra foi o Primeiro-ministro do Rei D. José, o Marquês de Pombal. É por essa

razão que esta zona é designada por Baixa Pombalina.

O pensamento iluminista dominante no século XVIII foi influência determinante

no plano de reconstrução implementado. Este baseava-se numa direcção planificada

de ruas alinhadas, com opções arquitectónicas assentes em regulamentos de

construção, incluindo normas anti-sísmicas, a chamada gaiola pombalina. O sistema

urbanístico obedecia a traçados de eixos de composição em que a simetria era

obrigatória, pretendendo destacar-se nos extremos os monumentos e as estátuas, por

exemplo, a Rua Augusta com o arco triunfal, após o qual, no seu eixo, se colocou a

estátua equestre de D. José.

Nas ruas próximas, instalaram-se diversas corporações, designação dada às

diferentes profissões que se agrupavam nas diversas artérias. É por isso que ainda

hoje encontramos nomes alusivos a tais profissões: Rua Áurea ou Rua do Ouro, Rua

da Prata, Rua dos Fanqueiros, Rua dos Douradores, Rua dos Correeiros, Rua dos

Retroseiros, entre outros. Actualmente, esta zona da cidade encontra-se repleta de

lojas, constituindo um imenso centro comercial ao ar livre. A actividade comercial da

capital é, aliás, muito diversificada. Lisboa dispõe, também, de vários centros

comerciais modernos espalhados por todo o perímetro urbano.

Ao sair do Rossio para a Rua do Ouro, encontra-se o Elevador de Santa Justa,

um dos ex-libris de Lisboa que celebrou, em 2002, cem anos. É obra do arquitecto de

origem francesa, Raoul Mesnier du Ponsard, nascido no Porto. Ponsard foi o

responsável por projectos de sistemas de elevadores de transporte público em várias

localidades do país. Com uma estrutura composta de duas torres metálicas

geminadas, de 45 metros de altura, a sua elegância chama a atenção. No topo, onde

originalmente se situavam as máquinas a vapor, há agora uma esplanada panorâmica,

com vista privilegiada sobre a baixa lisboeta. O elevador de Santa Justa, o “rei dos

8

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9

elevadores de Lisboa,” foi o último dos nove ascensores de Lisboa a ser construído e

um dos quatro que ainda estão em funcionamento – Lavra, Glória e Bica.

O Rossio vai enfrentar novos desafios no século XXI, tal como o resto da cidade

de Lisboa. O maior centro comercial ao ar livre da cidade permanecerá, no entanto,

como um testemunho da história da capital de Portugal e como ponto de encontro

entre todos aqueles que por ali passam.

O quotidiano deste lugar especial continuará a desenrolar-se sob o olhar atento

daquele a quem presta homenagem, D. Pedro IV.

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1

PROGRAMA 13

AROMAS E SABORES

Os Portugueses gostam de conviver em volta de uma mesa colorida e

aromática onde a conversa aparece naturalmente enquanto se saboreia e se petisca.

Podem ser os sabores do mar, os sabores do campo, os sabores da serra,

dependendo do local em que se estiver. Também a tradição tem uma palavra a dizer,

a diversidade é grande porque os petiscos necessitam de toda a espécie de temperos,

ervas aromáticas, especiarias e para os complementar tornam-se imprescindíveis: o

pão, o queijo e o vinho.

Cada região tem os seus aromas e os seus sabores concretos e tudo tem

importância: das terras mais altas surgem os queijos, as carnes, os enchidos fumados

e alguns vinhos; das terras planas vêm o pão, o vinho, os frutos, os legumes, as

saladas; do mar aparecem as amêijoas, a sapateira, as ostras, o camarão...

O António quis mostrar um pouco desta diversidade aos amigos, por isso,

convidou-os a provar alguns petiscos.

Ana: – Mas que é isto? António! Que cheirinho é este que anda no ar... Hum...

Tantas coisas boas!

António: – É só para vocês verem... e provarem, claro! São alguns petiscos bem

portugueses.

Ana: – Os meus pais tinham razão... De facto, nada como estar em Portugal para

descobrir outros sabores...

João: – e cheiros! Eu não resisto! Posso comer qualquer coisa, António?

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António: – Claro. Foi para comerem tudo isso que vos convidei...

Ana: –Ah, estes queijos! Que perdição! Eu adoro queijo. São de leite de cabra? É que

eu adoro queijo de cabra...

António: – Não só... mas também! Tens aqui um de Niza que é mistura de ovelha e

cabra. E este da Ilha... que é de vaca.

João: – Da Ilha? Qual? Se calhar é das Berlengas, não?

Ana: – Que disparate João! As Berlengas só têm gaivotas... E, que eu saiba, as

gaivotas não dão leite...

António: – Não ligues, Ana. O João estava a brincar....

Ana: - É dos Açores, não é?

António: – Exacto. É da ilha de S. Jorge. Tem um sabor forte, quase picante. É muito

bom. Mas vocês têm aqui mais variedades.... para todos os gostos... Há aqui

queijinhos frescos... para comer com sal e pimenta... e aquele ali é bem

curado, é de Évora. Estes são de meia cura. São de várias regiões do país... e

todos diferentes uns dos outros. Por exemplo, o da Serra da Estrela não tem

nada a ver com o de Azeitão, apesar de serem os dois de ovelha.

João: – Porquê?

António: – Não sei bem, mas tem a ver com o tipo de alimentação... com a altitude

dos pastos... com o clima... sei lá! Olha, só sei que há muitos factores

envolvidos...

Ana: – É curioso. Não imaginava nada que havia diferenças... para mim, ovelha é

ovelha!... igual em qualquer parte do mundo. Hum mas este é delicioso... Ai!

Tão bom!!!

António: – Esse aí é de Azeitão... É da Serra da Arrábida. Fica aqui perto, entre

Lisboa e Setúbal.

João: – E este chouriço?

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António: – Ó João! Não é chouriço! Pensas que é tudo igual? Não. Há imensas

diferenças. Esse é um paio. É alentejano e é óptimo. Provem... é um dos meus

preferidos! O chouriço é aquele mais fininho. Assado, também é muito bom...

João: – De facto... Não tenho palavras.... Isto é delicioso. Preciso de pão...

Ana: – O que é isto, António? Parecem azeitonas.

António: – Exactamente. São azeitonas bem picadinhas. É um aperitivo que eu adoro

fazer... Também serve como molho para temperar peixe cozido, por exemplo.

Ana: – Nunca comi temperadas assim.

António: – É natural... Só eu é que as sei fazer.... Têm alhos bem picadinhos,

coentros, salsa, azeite, sal, pimenta e vinagre! Põe em cima de um bocadinho

de pão.

João: – E o vinho?

António: – Ah, é verdade João! Já me esquecia...Obrigado por me teres lembrado!

Isto sem vinho não tem graça. Comprei um tinto que me parece óptimo para

estes petiscos. É da Estremadura.

Ana: – Isto é demasiado para mim! Tenham dó desta ignorante. Açores... Serra da

Estrela... Estremadura... Ajudem-me! Preciso de um mapa... Já nem sei para

que lado me vire...

António: – Tem calma. Lá iremos! Agora aconselho-te a saborear...

João: – A Ana? Ter calma??? Isso é fácil de dizer... Acho que ainda não a conheces!

Calma é coisa que ela não tem.

Ana: – Pronto! Lá está ele!

João: – Ah! Pois não... Não páras enquanto não vires o mapa...

António: – Isso é muito fácil de resolver... Um mapa de Portugal já eu aqui tenho.

Mas, mais importante do que tudo isso, é saber onde, e quando, é que há

feiras de gastronomia e tasquinhas. Aí é que vocês podem comer petiscos a

sério. No ano passado fui à festa gastronómica de Santarém! Comi tanto... e

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bebi tanto! Tinha imensos petiscos! Mas feiras destas é coisa que não falta em

Portugal inteiro!

A descoberta de novos aromas e sabores desperta manifestações de surpresa

e reacções de sociabilidade. A Ana e o João foram envolvidos neste ambiente por

terem sido convidados pelo António para provarem (e cheirarem...) alguns petiscos

regionais. Neste programa, vamos observar algumas expressões de surpresa e

algumas situações de uso do infinitivo flexionado em português.

1. EXPRESSAR SURPRESA E ADMIRAÇÃO.

Os nossos amigos estão muito surpreendidos com a diversidade de petiscos

que encontraram em casa do António. E demonstram-no através de algumas

realizações exclamativas muito concretas. Vamos revê-las:

Ana: – Mas que é isto? António! Que cheirinho é este que anda no ar...Hum…

Tantas coisas boas!

Ana: – Ai estes queijos! Que perdição! Eu adoro queijo. São de leite de cabra?

É que eu adoro queijo de cabra.

João: – De facto... Não tenho palavras.... Isto é delicioso. Preciso de pão... Ai! Tão

bom!!!

António: – (...) Aí é que vocês podem comer petiscos a sério. No ano passado fui à

festa gastronómica de Santarém! Comi tanto... e bebi tanto!... Tinha imensos

petiscos! Mas feiras destas é coisa que não falta em Portugal inteiro!

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As frases exclamativas podem caracterizar-se por processos prosódicos

através de um alongamento quer da vogal tónica da palavra em realce quer da curva

entoacional, normalmente ascendente.

“Comi tanto... bebi tanto!...”

Em “Comi tanto... bebi tanto...” os verbos, ‘comi’ e ‘bebi’, são acompanhados

do advérbio de intensidade ‘tanto’.

Mas as frases exclamativas podem também ser constituídas por nomes

simples antecedidos, ou não, de palavras de grau, como nos exemplos:

“tantas coisas boas!”

“tão bom!!!”

No primeiro caso, o nome é antecedido pelo indefinido que concorda em

género e número com o nome: ‘tantas coisas’. No segundo caso, é o advérbio de

intensidade ‘tão’ que antecede o adjectivo ‘bom’.

Igualmente bastante frequente é a construção de frases exclamativas –Q que

ocorrem com quantificadores-Q em posição inicial de frase. É o caso dos exemplos:

“Que cheirinho ....”

“Que perdição!”

Estamos então perante expressões nominais (porque contêm um nome, claro)

iniciadas pelo quantificador ‘Que’.

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2.ALGUMAS OCORRÊNCIAS DO INFINITIVO FLEXIONADO EM PORTUGUÊS

O António convidou os amigos com o propósito, ou melhor, com a finalidade de

lhes mostrar um pouco dos petiscos tradicionais portugueses. Ao explicar por que

razão os convidou, usa estruturas complexas interessantes que podem ser analisadas.

Vamos rever os exemplos usados no texto:

António: – É só para vocês verem... e provarem, claro! São alguns petiscos bem

portugueses.

António: – Claro. Foi para comerem tudo isto que vos convidei...

De facto, ele usa uma forma muito frequente para explicitar a finalidade em

português: a preposição 'para’, seguida da forma flexionada do infinitivo. O português

é uma das poucas línguas no mundo em que se pode flexionar a forma infinitiva dos

verbos. Isto quer dizer que é possível, em português, atribuir pessoa ao infinitivo para

todos os verbos de qualquer conjugação. Tem ainda a particularidade de não conter

qualquer forma irregular.

INFINITIVO FLEXIONADO

eu provar

eu comer

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tu provares

ele, você provar

nós provarmos

vós provardes

eles, vocês provarem

tu comeres

ele, você comer

nós comermos

vós comerdes

eles, vocês comerem

Recordemos os exemplos do diálogo:

• É só para vocês verem... e

provarem

• Foi para comerem tudo isto que vos

convidei

Nestes exemplos concretos, estamos perante frases que exprimem finalidade e

são iniciadas pela preposição ‘para’, que aqui desempenha a função de

complementador. Estas frases são complementos do verbo da frase anterior, o que

origina orações não finitas, isto é, com o verbo no infinitivo. Estas frases mantêm uma

relação de dependência semântica com a oração antecedente ou principal.

Poder-se-ia dizer a mesma coisa recorrendo ao conector ‘para que’.

Obteríamos então uma frase equivalente, embora mais formal. Trata-se igualmente de

frases finais, que complementam a frase principal. No entanto, são orações finitas,

porque o verbo é temporalmente conjugado.

Observemos o quadro:

É só para que vocês vejam ... e provem, claro!

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Foi para que comessem tudo isso que vos convidei.

As formas verbais seriam flexionadas no modo conjuntivo, no presente ou no

imperfeito, em concordância com o tempo do verbo da oração principal:

A primeira, que contém o verbo da frase principal no presente: ‘é’, obriga a que os

verbos da frase final estejam no presente do conjuntivo: ‘vejam’ e ‘provem’.

A segunda, porque o verbo da frase principal ‘convidei’ está no pretérito

perfeito, obriga à concordância com o Pretérito imperfeito do modo conjuntivo

‘comessem’. Esta frase inclui um processo de ênfase de que falaremos mais adiante.

Na sua leitura mais simples equivale a “Convidei-vos para comerem tudo isso” ou

“Convidei-vos para que comessem tudo isso”

Mas o diálogo mostra ainda outros exemplos de uso do infinitivo pessoal.

Recordemos os excertos:

António – (...) São de várias regiões do país... e todos diferentes uns dos outros. Por

exemplo, o da Serra da Estrela não tem nada a ver com o de Azeitão, apesar

de serem os dois de ovelha.

António – Ah, é verdade João! Já me esquecia...Obrigado por me teres lembrado!

Isto sem vinho não tem graça (...)

Estamos perante outras situações diferentes de uso do infinitivo flexionado,

diferentes da expressão de finalidade que analisámos. No primeiro caso, o conector

concessivo ‘apesar de’ introduz uma oração concessiva infinitiva (com o infinitivo

flexionado).

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O da Serra da Estrela não tem nada a ver com o de Azeitão, apesar de serem os

dois de ovelha.

O da Serra da Estrela não tinha nada a ver com o de Azeitão, apesar de serem os

dois de ovelha.

Poder-se-ia substituir por ‘embora’ e teríamos uma oração finita, com o verbo

no modo conjuntivo concordando com o tempo da oração principal. Seria, então,

equivalente a:

O da Serra da Estrela não tem nada a ver com o de Azeitão, embora sejam os dois

de ovelha.

O da Serra da Estrela não tinha nada a ver com o de Azeitão, embora fossem os

dois de ovelha.

Já a frase

Obrigado por me teres lembrado!

é uma oração causal infinitiva iniciada pelo conector ‘por’. Também aqui existe uma

relação de dependência semântica entre duas frases. Neste caso, o valor semântico

da causalidade é a razão, ou o motivo, pelo qual o António agradece. A forma infinitiva

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ocorre sobre o auxiliar ‘ter’ porque se usa aqui o infinitivo composto como expressão

de passado. Podemos obter a mesma expressão de causalidade se colocarmos duas

orações finitas iniciadas por um conector como ‘porque’, ‘visto que’, ‘uma vez que’,

entre outros. Estes podem iniciar uma oração no modo indicativo em qualquer tempo.

Será, por exemplo:

Obrigado porque me lembraste.

Obrigado visto que me lembraste

Obrigado uma vez que me lembraste

Etc..

Esta breve análise pretendeu apenas alertar muito sumariamente para a

diversidade das construções infinitivas em português. Muito fica por dizer sobre a

riqueza da sua utilização.

Vamos agora retomar o convite do António e descobrir um pouco mais deste

outro lado da cultura portuguesa que está directamente relacionado com os aromas e

os sabores de cada região.

Eu despeço-me, até ao próximo programa!

Petiscar é uma palavra curiosa em português. Pode ser interpretada de duas

formas distintas. Uma que significa “comer pouco,” outra alerta para alimentos

saborosos, bem temperados, que podem ser comidos, cada um deles, em pequenas

quantidades, mas em grande variedade e, de preferência, acompanhados de um bom

vinho!

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E se cada região já é tão diferente, a combinação de todos esses sabores

vindos de todas as regiões do país revela tradições de extraordinária riqueza cultural.

Pela diversidade entre litoral e interior e pelas características orográficas do norte, do

centro, do sul e das ilhas, Portugal apresenta uma enorme variação quanto a sabores,

aromas e formas de confecção daquilo que, só, aparentemente, poderão ser produtos

iguais.

Se não, vejamos: as regiões produtoras de cereais, como, por exemplo, o trigo

no Baixo Alentejo, ou o milho no norte transmontano e Beiras, apresentam tipos de

pão que vão desde pão alentejano ao pão de Mafra, ao pão de milho, ao pão de

centeio.

As regiões produtoras de carne de porco especializaram-se na fabricação de

enchidos e de carnes fumadas que diferem do norte para o centro e para o sul. As

alheiras de Mirandela, os diversos tipos de linguiças e chouriços, paios, salpicões e

presuntos das Beiras e Alentejo, rivalizam com os petiscos de peixe e marisco do

litoral.

As regiões do litoral, influenciadas pela presença do mar, têm desenvolvido

modos originais de cozinhar peixes, mariscos, bivalves e outros petiscos marinhos.

As regiões de pastagem com produção de leite, sejam de serra ou de planície,

produzem naturalmente queijos, cada um com características próprias, que vão do tipo

de pasto ao processo de fabrico e às formas de maturação. Existem actualmente 14

zonas geográficas de produção conhecidas como “Denominação de Origem

Protegida,” que abrangem quase todo o país e correspondem maioritariamente a

queijos de ovelha e cabra no continente e de vaca nas ilhas dos Açores.

Esta denominação de Origem obriga a uma produção controlada de acordo

com regras precisas que passam pelas condições de produção do leite, higiene de

ordenha, até à conservação do leite e fabrico do queijo.

É incontornável a fama do queijo da Serra, produzido nos distritos de Viseu e

Guarda em volta da Serra da Estrela. É feito a partir de leite de ovelha, sobretudo nos

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12

meses de Novembro a Março, e consoante a sua maturação pode ser mais

amanteigado ou mais denso ou curado. Tem um aroma e um paladar inconfundíveis e

é um dos mais internacionais queijos portugueses.

Igualmente muito conhecido e semelhante no processo de fabrico, mas

diferente em sabor, o queijo de Azeitão é produzido apenas nos concelhos de Azeitão,

Setúbal, Sesimbra e Palmela. Caracteriza-se por ter um paladar silvestre de uma serra

virada para o mar.

Com sabores bastante diferentes, os queijos produzidos na Beira Baixa e no

Alentejo, normalmente de ovelha, têm em muitos casos mistura com leite de cabra e

caracterizam-se por paladares bastante intensos e processos de maturação bastante

longos.

Os pequenos queijos de Évora têm uma consistência dura e cor amarelada e

um sabor ligeiramente picante e acidulado; os queijos alentejanos de Nisa e de Serpa

possuem cada um características bastante distintas e muito apreciadas.

O queijo de S. Jorge é um queijo de vaca com um paladar forte e ligeiramente

picante, produzido na ilha de S. Jorge, nos Açores. Poder-se-ia dizer que é o maior

queijo português porque se apresenta em grande formato podendo pesar até mais de

10 quilos.

Portugal tem várias zonas de origem controlada e os vinhos de mesa, todos

reflectem um carácter individualizado do solo. As regiões vinícolas estão demarcadas

e mostram como têm personalidade própria: os vinhos do Dão, do Douro, da Bairrada,

do Alentejo ou do Algarve entre outros.

Para além dos vinhos verdes do Minho, naturalmente gaseificados, excelentes

para acompanhar marisco e peixe, há regiões demarcadas muito conhecidas. É o caso

dos vinhos do Douro muito frutados e de cores fortes. Os tintos acompanham

geralmente carnes e queijos de sabor intenso. Os do Dão, a norte da Serra da Estrela,

são aveludados e excelentes vinhos de mesa. Os tintos combinam com carnes

picantes e queijos.

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Os brancos, mais suaves e aromáticos, também acompanham bem os queijos

característicos da região.

Os vinhos do Alentejo são a companhia ideal para todas as especialidades

alentejanas.

De igual modo, no Ribatejo e Vale do Tejo, na Estremadura até Setúbal e no

Algarve, são produzidos vinhos de óptima qualidade que são os complementos

perfeitos para todos os seus produtos regionais.

O Vinho do Porto é um vinho natural, produzido unicamente a partir de uvas da

região demarcada do Douro. O carácter único do vinho do Porto deve-se ao clima

particular da região, às castas utilizadas e ao modo como é feita a fermentação,

respeitando normas de produção e de envelhecimento rigorosas. Existem actualmente

três tipos de vinho do Porto: Branco, Ruby e Tawny. As características do aroma,

corpo e sabor do vinho do Porto são inconfundíveis. É um vinho de fama internacional,

envelhecido e exportado a partir da cidade do Porto de que herdou o nome.

O vinho da Madeira é um vinho licoroso, produzido na ilha da Madeira há mais

de 300 anos. A produção deste vinho é feita a partir de determinadas castas especiais,

como a Tinta Negra Mole e a sua fabricação é também muito especial. Possui um

aroma e um paladar original, além de várias tonalidades. É um vinho de reputação

mundial.

Os vinhos do Porto e da Madeira são vinhos para momentos de festa e de

convívio, sendo servidos como aperitivos ou digestivos.

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1

PROGRAMA 14

PRATICAR DESPORTO

Lisboa possui, dispersos pela cidade, vários espaços onde se pode praticar

desporto: municipais e privados, grandes e pequenos. Integrados em bairros de menor

dimensão ou em áreas institucionais, como o Estádio Universitário, existem para todos

os gostos e os lisboetas não se furtam a usá-los.

O Parque do Calhau, situado no bairro com o mesmo nome, é um parque

natural, onde as pessoas se podem dedicar à prática de exercício físico, ou,

simplesmente, relaxar do stress quotidiano, num ambiente aprazível. O António

convidou os seus amigos para usufruir deste agradável espaço ao ar livre.

António: – Ora bem, já cá estamos. Toca a mexer!

João: – Bem precisamos! Depois do que comemos ontem...

Ana: – Falem por vocês. Eu só vim, porque me arrastaram...

João: – Não sejas piegas! Vais ver que vais gostar.

Ana: – Mas onde é que nós estamos, afinal?

António: – Numa zona que os lisboetas já vão conhecendo e é muito agradável: o

Parque do Calhau.

João: – Do Calhau?! O que é isso?

António: – É outra forma de dizer pedra.

Ana: – Tem então o nome do bairro onde se situa. É que eu reparei na placa no início

da rua…

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João: – Pois está claro!

António: – Basta de conversa! Vamos fazer o circuito de manutenção.

Ana: – Ó António... que estrada é aquela?

António: – É o Eixo Norte-Sul. Sem ele, o trânsito de Lisboa ainda seria mais caótico,

se é que isso é possível…

Ana: – Deixa cá ver se acerto… o Norte fica para a nossa esquerda…

António: – Correcto.

João: – Então isso quer dizer que prà direita fica o Sul... logo o Eixo Norte-Sul vai

desembocar na Ponte 25 de Abril, não é?

António: – Afirmativo. Vê-se logo que vocês já vão tendo uma ideia geral da cidade.

Ana: – Que engraçado… parece um moinho!

António: – Parece, não! É o moinho das Três Cruzes, um dos poucos que restam na

cidade.

João: – Olha, lá vai mais um com uma camisola da selecção.

António: – Sim. Tudo o que é selecção nacional, seja qual for a modalidade, equipa

assim, de vermelho e verde e, claro, com as quinas. São o símbolo de Portugal.

João: – A propósito, por que razão é que se vêem bandeiras nacionais em algumas

janelas e varandas?

António: – Isso tem a ver com o orgulho que os portugueses sentiram, quando se

organizou cá o Europeu de Futebol. Se vocês tivessem cá estado na altura, então é

que tinham assistido a um espectáculo inesquecível.

João: – Agora o espectáculo vai repetir-se com o Mundial da Alemanha: PORTUGAL!

PORTUGAL!

Ana: – Então? Ó tagarelas, não se deixem atrasar!

João: – Aquela está a armar-se em carapau de corrida. Ela já vai ver...

António: – Estou com vontade de comer.

Ana: – Sabes se há aqui algum café?

António: – Não é preciso. Tenho uma surpresa. Trouxe uma merenda.

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João: – O que é isso? Algo que se coma?

António: – Algo que se come e que se bebe. E que tal irmos para o Parque das

Merendas? O tempo está bom e não há nada melhor do que merendar depois de um

bom exercício. Já venho!

Ana: – Associação Portuguesa de Educação Ambiental.

João: – Está no sítio ideal, nem parece que estamos no meio de Lisboa!

António: – Chegou a comida!

João: – Do que é que estamos à espera, já comia qualquer coisinha... mas não me

apetece ficar sentado.

Ana: – Também acho. E se fôssemos comendo e andando ao mesmo tempo?

António: – Até sabe melhor!

No programa de hoje, em que acompanhámos a Ana, o João e o António a

praticar desporto de manutenção, vamos abordar alguns aspectos relacionados com

frases condicionais, com o uso do vocativo e com a contracção de palavras. Faremos,

também, uma referência breve a formas de expressar opinião.

1. FRASES CONDICIONAIS CONTRAFACTUAIS OU IRREAIS

O António quis chamar a atenção dos amigos para um acontecimento no

passado. Para isso coloca a hipótese “se vocês tivessem cá estado”. É uma hipótese

irreal porque sabemos que não se verificou. Observemos o excerto do diálogo:

“Se vocês tivessem cá estado, então é que tinham assistido a um espectáculo

inesquecível.”

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Tal como já tínhamos referido no programa 11, a propósito das construções

condicionais factuais, esta frase é constituída por duas orações que mantêm entre si

uma relação de dependência semântica. Chama-se oração antecedente ou

condicional à oração de cujo conteúdo proposicional depende semanticamente o

conteúdo proposicional da outra oração, a que se atribui o nome de condicionada ou

consequente. Ora vejamos:

FRASE CONDICIONAL

“Se vocês tivessem cá estado, então é que tinham assistido a um espectáculo

inesquecível.”

oração condicional/antecedente + oração condicionada/consequente

A oração condicional ou antecedente (se vocês tivessem cá estado) enuncia

o facto que condiciona a oração condicionada ou consequente (então é que tinham

assistido a um espectáculo inesquecível), ou seja, a oração que exprime a

consequência. Uma vez chegados a este ponto, observemos, agora, o tipo de relação

de dependência semântica que existe entre estas duas orações. A oração antecedente

(se vocês tivessem cá estado) dá a entender que a Ana e o João não estiveram em

Portugal no período de tempo em que ocorreu o evento referido anteriormente; a

oração consequente (então é que tinham assistido a um espectáculo

inesquecível) revela a consequência: a Ana e o João perderam um espectáculo

inolvidável. Por outras palavras, esta frase estabelece uma relação entre proposições

que se verificam em mundos alternativos ao mundo real. Podemos, assim, depreender

que estamos perante uma frase condicional contrafactual ou irreal. Atente-se no

quadro seguinte:

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FRASES CONDICIONAIS CONTRAFACTUAIS

1.“Se vocês tivessem cá estado, então é que tinham assistido a um espectáculo

inesquecível.”

se + pretérito mais-que-perfeito do conjuntivo + pretérito mais-que-perfeito

composto do indicativo

A frase 1 utiliza o pretérito mais-que-perfeito do conjuntivo na oração

condicional ou antecedente, e o pretérito mais-que-perfeito composto do indicativo na

oração condicionada ou consequente.

Esta mesma frase poderia ocorrer da seguinte forma e com o mesmo

significado:

FRASES CONDICIONAIS CONTRAFACTUAIS

2. “Se vocês tivessem cá estado, então é que teriam assistido a um espectáculo

inesquecível.”

se + pretérito mais-que-perfeito conjuntivo + condicional perfeito

Vemos que a frase poderia ocorrer com o condicional perfeito na oração

condicionada ou consequente e manteria o mesmo significado.

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2. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O VOCATIVO

O vocativo é usado para chamar, ou interpelar, o interlocutor. Expressa-se por

meio de formas interpeladoras. Vejamos os exemplos retirados do diálogo:

Ana: – Ó António... Que estrada é aquela?

(…)

Ana: – Ó tagarelas, não se deixem atrasar!

Reparem na forma como a Ana chama a atenção do António e do João; nos

dois excertos, sobressai a partícula Ó, observemos:

“Ó António, …”

“Ó tagarelas, …”

Este Ó (com acento agudo) é uma interjeição indicativa de chamamento ou

invocação. Constitui uma expressão de cariz invocativo, isolada do resto da frase por

vírgula, que nomeia a pessoa a quem o falante se dirige e designa-se vocativo.

“Ó António, dá-me o livro.” = maior ênfase

“António, dá-me o livro.” = menor ênfase

Tanto podemos dizer: “Ó António, dá-me o livro” como: “António, dá-me o

livro.” A diferença reside na ênfase que se quer dar à pessoa chamada ou invocada.

Ou seja, o recurso à interjeição Ó confere mais ênfase à frase em que foi usada.

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Antes de avançarmos, deixem-me que vos alerte para o seguinte: convém não

confundir a interjeição Ó do vocativo, com a interjeição Oh!, indicadora de admiração.

Interjeições são as palavras com que, de maneira espontânea, exprimimos vivamente

as nossas emoções. São frequentes nas frases exclamativas e costumam ser

acompanhadas de ponto de exclamação. Vejamos:

1. “Oh! António, está chover!” (surpresa/admiração)

2. “Oh! António, esqueci-me do guarda-chuva!” (desalento)

Na frase 1, temos uma interjeição que veicula surpresa, enquanto que a frase 2

exprime desalento.

3. CONTRACÇÃO DE PALAVRAS

Como certamente sabem, na oralidade, a velocidade de elocução, isto é, a

velocidade a que falamos, favorece o desaparecimento de vogais não acentuadas. É o

que se passa neste excerto:

“Então isso quer dizer que na direcção oposta fica o Terreiro do Paço... prà

direita, não é?”

Quero aludir, muito brevemente, à forma sincopada da preposição para: pra.

Esta forma é usada na oralidade e pode contrair-se com os artigos ou pronomes o, a,

os, as, reparem:

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para + o, a, os, as = prò, prà, pròs, pràs

Deixem-me alertar-vos para o facto de todas estas formas contraídas se

escreverem com acento grave. O mesmo acontece quando se verifica na língua

escrita a contracção da preposição a com o artigo a (como por ex.: eles vão à

ginástica) ou com qualquer forma do demonstrativo iniciada igualmente por a-, como

aquele, aquela, etc.. Na língua ocorre a contracção, sempre com acento grave.

Vejamos:

Eles vão à ginástica [ir a + a ginástica]

Eles vão àquele ginásio [ir a + aquele ginásio]

4. EXPRESSAR OPINIÃO

O António, ao apresentar a cidade aos amigos, deixa passar o que sente,

integrando a sua própria opinião no discurso. Observemos o que diz:

Ana: – Mas onde é que nós estamos, afinal?

António: – Numa zona que os lisboetas já vão conhecendo e é muito agradável:

o Parque do Calhau.

Esta afirmação do António tem por finalidade formular um juízo valorativo

pessoal em relação ao local onde a Ana, o João e ele próprio se encontram. Ele dá

uma informação objectiva, “os lisboetas já vão conhecendo”, e associa-lhe (usando a

conjunção e) a sua própria opinião: “e é muito agradável”!. Observem outras formas de

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9

formular um enunciado com o mesmo sentido (apenas a frase 1 está incluída no

diálogo):

EXPRESSAR OPINIÃO

1.“É uma zona que os lisboetas já vão conhecendo e é muito agradável.”

2. … e quanto a mim é muito agradável.”

3. … e para mim é muito agradável.”

4. … e em minha opinião é muito agradável.”

Na primeira frase, o António utiliza simplesmente o verbo – neste caso o verbo

ser, aqui conjugado no presente do indicativo –seguido do adjectivo agradável

Nas outras frases são introduzidas expressões que sublinham que o juízo de

valor que está a ser feito pelo locutor tem um carácter pessoal, resulta da sua opinião:

a frase 2 recorre à expressão “quanto a mim”; a frase 3 possui uma estrutura similar,

substituindo “quanto a mim” por “para mim”; já na frase 4 optou por usar-se a

expressão “em minha opinião”.

Vamos terminar o programa de hoje com uma expressão idiomática:

armar-se em carapau de corrida = pretender ser

muito esperto

Esta expressão é usada em contextos irónicos e tem um carácter pejorativo. É

usada quando se pretende aludir a alguém que age, tendo-se em conta de muito

esperto.

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10

Fiquem, agora, com alguns momentos dedicados aos espaços destinados à

prática desportiva em Lisboa, e não só. Até ao próximo programa.

O parque mais conhecido da capital é o Parque de Monsanto. Espaço com

vastas áreas de mata diversificada, oferece imensas possibilidades para actividades

de lazer. É um parque repleto de contrastes onde as zonas de clareira são

interrompidas por um denso arvoredo que permitem ter acesso a bonitas vistas sobre

a cidade e o rio.

O Parque Florestal de Monsanto foi criado em 1934 por Duarte Pacheco. A

melhor forma de o conhecer é a realização de uma visita ao Espaço Monsanto,

localizado na encosta norte do Parque. Esta instituição fomenta o conhecimento da

natureza junto das crianças urbanas que raramente contactam com o mundo natural.

Refira-se que muitas das calçadas de Lisboa são de pedra extraída de Monsanto.

O Estádio Universitário data dos anos 50 do século XX e tem sido alvo de

vários melhoramentos. Como o nome indica, é frequentado maioritariamente pelos

estudantes das Instituições de Ensino Superior situadas nas proximidades. O

Complexo Desportivo Universitário é constituído por:

• estádio de honra, campo relvado e pista de atletismo;

• circuito de manutenção;

• pistas de atletismo;

• pavilhões polidesportivos onde se realizam muitas vezes competições

interescolares;

• campos de ténis;

• ginásio;

• campos de futebol;

• e campos de grandes jogos;

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11

O Estádio Universitário de Lisboa disponibiliza um vasto leque de instalações

desportivas, das quais importa destacar, pela sua dimensão actual e número de

utentes, o Complexo de Piscinas.

Outro espaço é o Parque da Bela Vista, que tem cerca de 85 hectares e

oferece zonas de lazer e de prática desportiva. O relevo natural, a paisagem e o facto

de estar no centro da cidade fizeram deste parque o preferido da organização do Rock

in Rio, um importante evento musical, que veio divulgar o Parque da Bela Vista junto

do grande público.

Há modalidades desportivas que despertam a atenção dos portugueses, como

por exemplo:

• o andebol;

• o hóquei em patins, modalidade na qual Portugal detém um longo e rico

palmarés;

• o atletismo, outra modalidade na qual o país se tem destacado;

• a vela;

• o judo;

• e o tiro, entre outras.

O futebol constitui o denominado “desporto-rei” em Portugal, tal como em

muitos países e tem marcado presença no panorama internacional quer a nível

clubístico, quer a nível das selecções nacionais. Com efeito, os três grandes clubes

portugueses, o Sport Lisboa e Benfica, o Futebol Clube do Porto e o Sporting Clube de

Portugal são instituições com pergaminhos reconhecidos aquém e além fronteiras.

Juntos conquistaram vários títulos internacionais, entre os quais pode destacar-se a

conquista da Taça UEFA, em 2003 e da Liga dos Campeões, em 2004, pelo Futebol

Clube do Porto, sob a orientação do treinador José Mourinho.

Durante o Verão de 2004, Portugal foi o organizador da fase final do

Campeonato da Europa de Futebol. Construíram-se e remodelaram-se dez estádios,

um pouco por todo o país. Não podemos deixar de aludir a uma obra arquitectónica de

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12

grande envergadura, que foi erguida a propósito desta competição desportiva: o

Estádio Municipal de Braga.

Obra projectada pelo arquitecto Souto Moura assume-se como um ponto de

referência na paisagem urbanística da capital do Minho. O estádio possui capacidade

para trinta mil espectadores. Os topos são ocupados pelo perfil da encosta do monte,

sobre a qual a estrutura foi erigida. As pontes construídas pela civilização Inca, do

Peru, serviram de fonte de inspiração à cobertura.

Durante o Euro 2004, a população portuguesa empenhou-se, a fundo, no apoio

à selecção portuguesa. As janelas e as varandas encheram-se de bandeiras e

cachecóis com as cores da bandeira nacional: o vermelho e o verde. Apesar do

campeonato ter sido ganho pela selecção da Grécia, a boa carreira da equipa nacional

deu azo a grandes festejos que percorreram o país na sua totalidade.

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1

PROGRAMA 15

FESTAS E TRADIÇÕES

Os muitos povos que, ao longo dos tempos, passaram pela Península Ibérica

deixaram marcas em Portugal através de uma grande diversidade cultural. Encontram-

se muitos vestígios celtas, romanos, árabes, entre outros, nas festas e nos trajes

populares, dispersos um pouco por todo o país.

De todos os vestígios da Península Ibérica, talvez os Pauliteiros de Miranda

sejam os mais evidentes na sua exuberância. Conservam ainda os seus trajes únicos

bem coloridos e, com os seus paus, reproduzem antigas danças guerreiras com

origem ou influências que se supõe serem celtas. Estas terão sido bem conservadas

pela sua localização geográfica lá por detrás dos montes, como indica o nome desta

região, Trás-os-Montes.

A Ana e o João visitam o António, em sua casa, e conversam sobre as

tradições e as festas populares...

António: - Até que enfim que conseguiram arranjar um bocadinho para conversarmos

tranquilamente!

Ana: - É verdade! Já não era sem tempo...

António: - Pelos vistos têm andado num virote...

João: - Podes crer! Mas da última vez que aqui estivemos, comemos que nem uns

abades!

Ana: - Pudera! Com todos aqueles petiscos...

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2

António: - A intenção era estarmos juntos. O resto foi só para vos recordar os nossos

paladares portugueses.

Ana: - E foi mesmo muito bom. Acho que não vou esquecer aqueles queijos... e as

azeitonas... Estavam saborosíssimas...

João: - E agora, olha... cá estamos outra vez!

António: - Sempre que queiram!

João e Ana: - Obrigadíssimo/a, António!

António: - Então, contem-me lá! O que é que descobriram de novo? Ou o que é que

querem saber?! Se eu puder ajudar...

Ana: - Pois... A verdade é que o tempo é pouco para tudo o que queremos ver...

Ontem à noite, por exemplo, vimos um programa bastante interessante na televisão.

Era sobre festas populares... tradições portuguesas...

João: - É verdade. Tinha imensa informação... eu não consegui fixar nem metade...

Acho mesmo que já não me lembro de nada…

António: - Ah!... Festas tradicionais... sim… conheço alguma coisa. Pelo menos do

Norte… …Minho… Trás-os –Montes… Beiras…!

João: - Ainda bem. Que bom. Assim até nos podes ajudar a descobrir mais coisas...

Eu não conheço quase nada do Norte, tirando alguma coisa sobre aquelas romarias

mais populares de Viana do Castelo...

António: - Ah! as Festas da Senhora d' Agonia! Olha, tenho aí livros sobre isso tem

imensas fotografias dos trajes minhotos, que são riquíssimos... e até de outras

tradições menos conhecidas, como os Caretos e os Pauliteiros de Miranda, de Trás-os

Montes...

João: - A propósito de Pauliteiros e de Trás-os-Montes, lembro-me que falaram de

Miranda... do Douro, acho eu. É lá que há duas línguas, não é?

António: - Exactamente. Falam Português naturalmente, mas as pessoas mais velhas

também falam o Mirandês. Agora também é ensinado nas escolas. Assim as crianças

aprendem-no. É uma forma desta língua tão antiga não se perder.

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3

João: - Acho muito boa ideia.

Ana: - Foi pena que não tivessem falado disso... Mas mostraram tanta coisa! Eu,

daquilo que vi, gostei especialmente dos trajes. Os Pauliteiros, com aquelas saias,

com aquelas meias de riscas, o chapéu cheio de fitas e flores...

João: - Tem ar de ser uma tradição bem antiga... E, ainda por cima, a baterem com os

paulitos uns nos outros, enquanto dançam... Será que não se aleijam de vez em

quando?

António: - Não... Não é assim tão violento!... É uma dança de homens,

uma espécie de dança guerreira… Simulam defesa e ataque. Há várias explicações

sobre as suas origens… Parece que estão ligadas aos celtas...

João: - Olha, sabes de que é que eu gosto? É dos trajes das mulheres do Minho

António: - Aqueles fatos....todos bordados... até as chinelas!

Ana: - Levam muitos fios de ouro ao pescoço, não é?

António: - Pois é. São autênticas fortunas que passam de pais para filhos, posso

garantir-vos! Mas olhem que na zona Centro também há festas muito interessantes...

Estou a lembrar-me da Festa dos Tabuleiros, em Tomar, e da Feira do Cavalo, na

Golegã.

João: - Daqui a pouco temos a Ana a refilar porque também quer saber coisas da terra

dela... ou melhor, da terra do pai.

Ana: - Ah! Claro! As minhas raízes estão no Alentejo... No tal programa de televisão,

mostraram as Festas do Povo de Campo Maior. Fiquei fascinada!

João: - Quando é que são?

António: - São sempre no início de Setembro e são, de facto, muito bonitas.

Ana: - Só o trabalho que deve dar fazer tantas flores de papel!... Quem é que paga?

António: - Eles lá se organizam... Há um responsável, o “cabeça de rua”, que é a

pessoa que se encarrega de recolher os donativos dos moradores... e até dos que são

de lá mas que estão fora. As flores... essas são feitas sobretudo pelas mulheres, ao

serão, sempre em segredo.

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4

Ana: - E Marvão? Como é? O meu pai costuma falar muito de Marvão. Diz que é muito

bonito...

António: - Também concordo com ele. Vale a pena a visita. É uma vila construída

toda dentro de muralhas, mesmo junto à fronteira com Espanha... comparam-na a um

ninho de águias porque fica a cerca de 900 metros de altitude, no cimo dum penhasco.

É de uma beleza!... Nem imaginam!...

João: - Por este andar, com tanta coisa interessante que tens para nos dizer, acho

que a conversa vai durar até de manhã...

António: - Nunca ouviste dizer que "as conversas são como as cerejas"? Encadeiam-

se umas nas outras... Uma conversa puxa outra... Temos muito tempo… A noite ainda

é uma criança!

Hoje, a Ana e o João foram visitar o António. A propósito da sua conversa,

falaremos de alguns pronomes indefinidos, de alguns quantificadores indefinidos e de

alguns quantificadores universais. Vamos ainda abordar o significado de algumas

expressões próprias do português.

1. PRONOMES INDEFINIDOS

Ao longos destes programas, vimos que a Ana quer sempre ir a todo o lado e

ver sempre tudo. Vamos ouvi-la novamente!

Ana: - A verdade é que o tempo é pouco para tudo o que queremos ver, não é...?

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5

“Tudo” trata-se de um “pronome indefinido”.

Tudo

pronome indefinido

É um pronome porque substitui, no discurso, um nome: neste caso, as coisas a

que a Ana se refere. A Ana disse “O tempo é pouco para tudo o que queremos ver”

mas também poderia ter dito “O tempo é pouco para as coisas que queremos ver”.

O tempo é pouco para tudo o que queremos ver/

O tempo é pouco para as coisas que queremos ver/

O tempo é pouco para todas as coisas que queremos ver/

Os pronomes indefinidos são assim chamados porque designam algo,

identificado de forma vaga ou imprecisa. Este pronome indefinido, “tudo”, refere-se

aqui ao conjunto ou à totalidade das coisas, sem faltar nenhuma, que a Ana e o João

querem ver: “todas as coisas”. Assim, o pronome indefinido “tudo” exprime uma ideia

de quantidade.

Este pronome indefinido é invariável, isto é, não varia em género, número ou

pessoa. O mesmo se passa com o indefinido que é seu antónimo, “nada”, e que

exprime uma ideia de “vazio”.

tudo = todas as coisas

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6

É o que acontece na frase do João que vamos ouvir já de seguida:

Em “todas as coisas”, “todas” é um quantificador pois está antes do nome e

especifica-o. Especifica a quantidade, o número ou parte das coisas referidas. É um

quantificador da totalidade, também chamado quantificador universal.

2. QUANTIFICADORES UNIVERSAIS

Os quantificadores universais remetem para conjuntos universalmente

considerados, referindo todos os elementos desses mesmos conjuntos.

Este quantificador “todo” é variável em género e número, de acordo com a

realidade a que se refere: “todas as coisas” / “toda a coisa”/ “todo o ser”/ “todos os

seres”.

tudo ≠ nada

João: - (...) Na verdade, acho mesmo que já não me lembro de nada...

todas as coisas

toda a coisa

todo o ser

todos os seres

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7

Além de “todo, toda, todos, todas” também são quantificadores universais

variáveis em género e número “ambos” e “ambas”: “ambos os rapazes” /”ambas as

raparigas”.

Os quantificadores “todo” e “ambos” são seguidos de artigo definido.

Mas também podem aparecer seguidos de outro determinante, como mostra a

frase da Ana.

“Aqueles” é um determinante demonstrativo porque nesta situação implica um

certo afastamento temporal do locutor (da Ana) relativamente àquilo que refere:

“aqueles petiscos” são “os petiscos que comeram no outro dia”. Os demonstrativos

têm valor deíctico porque situam no espaço ou no tempo.

Voltando ainda aos quantificadores universais, gostaríamos de sublinhar que

há alguns que não admitem a presença de artigo definido. É o caso de “qualquer” e de

“cada”.

ambos os rapazes

ambas as raparigas

todas as coisas

ambos os rapazes

Ana: - Pudera! Com todos aqueles petiscos...

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8

De referir que “qualquer” apenas apresenta flexão em número. Não varia em

género: qualquer rapaz /qualquer rapariga. Chamamos a atenção para seu plural:

quaisquer rapazes/ quaisquer raparigas:

O quantificador “cada” é invariável (não varia em género nem em número).

3. QUANTIFICADORES INDEFINIDOS

Na conversa entre os três amigos ocorrem ainda outro tipo de quantificadores,

diferentes dos que vimos até agora. Vamos ver alguns excertos do diálogo:

qualquer homem

cada homem

qualquer rapaz /qualquer rapariga

quaisquer rapazes/ quaisquer raparigas

cada revista

cada jornal

Ana: - (...) ontem à noite, por exemplo, vimos um programa bastante interessante

na televisão. Era sobre festas populares... tradições portuguesas...

João: - Olha! Tinha tanta informação... eu não fixei nem metade... na verdade,

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9

No excerto a que assistimos existem alguns “Quantificadores indefinidos”. Os

quantificadores indefinidos de quantidade exprimem a quantidade de forma imprecisa

ou indeterminada. É o exemplo de “tanta” em “tinha tanta informação”.

“Tanta” acentua a quantidade de informação que o programa apresentava.

“Alguma”, em “Eu conheço alguma coisa”, é também um quantificador

indefinido de quantidade.

Relativiza o conhecimento do António acerca das festas populares.

Como se constata nestes exemplos, os quantificadores “tanto” e “algum”

variam em género (aqui vemo-los no feminino) e, naturalmente, também variam em

número.

4. ALGUMAS EXPRESSÕES DO PORTUGUÊS

Antes de terminarmos os nossos comentários de hoje, vamos ainda apresentar

o significado de algumas expressões do português.

acho mesmo que não me lembro de nada!

António: - Ah! As festas tradicionais... sim... eu conheço alguma coisa...

Tinha tanta informação...

Eu conheço alguma coisa...

António: - Ah! Pelos vistos, têm andado num virote, ham!

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“Andar num virote” significa andar muito ocupado, atendendo a muitas coisas

ao mesmo tempo. É uma expressão que se emprega num registo de língua popular ou

mesmo familiar. Tem como sinónimos expressões como “andar num corrupio”, “andar

numa correria”, “andar numa roda viva”.

Vamos ver ainda mais algumas expressões:

Como o António explica, e muito bem, “As conversas são como as cerejas”

significa que um assunto traz sempre outro à conversa. Quando tocamos num assunto

surge sempre um outro. Daí a comparação que a expressão estabelece entre as

conversas e as cerejas... quando tiramos uma cereja de um monte delas, há sempre

outras que vêm atrás, presas à primeira... Esta expressão tem como sinónimo uma

outra: conversa puxa conversa!

andar num virote

andar num corrupio

andar numa correria

andar numa roda viva

António: - Então, nunca ouviste dizer? As conversas são como as cerejas...

Encadeiam-se umas nas outras... Uma conversa puxa outra... Há muito tempo... A

noite ainda é uma criança!

As conversas são como as cerejas...

Conversa puxa conversa...

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11

Finalmente, “a noite ainda é uma criança” significa que estamos ainda no

princípio do serão, o nascer do dia ainda vem longe.

Fiquem ainda connosco para saberem um pouco mais sobre as festas

tradicionais portuguesas.

O Norte de Portugal é terra de importantes romarias, festas em honra de um

santo de devoção local e muitas vezes coincidentes com feiras onde se transaccionam

produtos agrícolas, artesanato e outros.

Viana do Castelo, cidade situada no Alto Minho, na foz do Rio Lima, tem uma

das mais conhecidas festas: a Romaria da Senhora da Agonia.

Atrai todos os anos muita gente, entre habitantes da cidade, peregrinos vindos de

longe e muitos curiosos. Acontece por volta do dia 20 de Agosto, durante um longo

fim-de-semana. Há dois grandes momentos que marcam esta festa:

• a procissão ao mar: os pescadores levam a imagem da Nossa Senhora da

Agonia num barco para a barra e todos os barcos a acompanham, numa

mostra da devoção das gentes do mar;

• e o cortejo etnográfico, que reflecte os usos e costumes das gentes de Viana

do Castelo. Nele adquire um especial relevo a mulher de Viana, percorrendo

uma parte da cidade com a diversidade dos seus trajes rústicos e

profusamente bordados, os seus lenços coloridos, os cordões e cruzes de ouro

maciço e os corações e brincos em filigrana.

Esta grande festa transmite a expressão viva da cultura vianense e do modo

de ser das gentes minhotas.

A noite ainda é uma criança

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12

Uma outra festa, cuja origem se perde no tempo, é a festa dos Tabuleiros,

em Tomar. Está directamente ligada ao culto do Espírito Santo, que marcou

profundamente a Idade Média portuguesa. Os tabuleiros são conjuntos artisticamente

construídos com pães, para os mais desfavorecidos, e são empilhados em forma de

cilindro e ornamentados com flores e fitas coloridas. Estas construções deviam, de

acordo com a tradição, ter a altura de cada uma das raparigas que, vestida de branco

o transportava à cabeça. No cimo, apresentam uma coroa e uma pomba branca,

símbolo do Espírito Santo. A procissão dos tabuleiros desfila pelas ruas de Tomar,

numa manifestação de rara beleza e significado, normalmente no período da Páscoa.

As Festas do Divino Espírito Santo realizam-se por todo o Arquipélago dos

Açores, a partir do domingo de Pentecostes até ao Verão. Estas festas, de origem

medieval, vieram para os Açores com os primeiros povoadores. A invocação do

Espírito Santo durante as catástrofes naturais que frequentemente atingiram o

arquipélago e a fama dos seus milagres, a vida difícil e o isolamento das ilhas muito

contribuíram para que o culto se instalasse e perdurasse até aos nossos dias.

As festas do Espírito Santo são uma demonstração viva do espírito devoto e

alegre do povo açoriano e tornaram-se assim nas mais tradicionais de todo o

arquipélago dos Açores. O ponto principal das festas atinge-se com a distribuição dos

diferentes tipos de pão (pão doce, pão de mesa e pão de água) e vinho de cheiro por

toda a gente. O encerramento de todas estas festas é sempre grandioso. É com

enorme entusiasmo que se assiste a uma espantosa demonstração de fogo de

artifício, que ilumina a última noite festiva.

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1

PROGRAMA 16

PORTUGAL, UMA SOCIEDADE MODERNA

A Internet revolucionou os espaços de convívio como, por exemplo, os cafés.

Estes sempre foram um lugar privilegiado para se conversar e trocar ideias com

amigos e colegas, enquanto se bebe um café ou se saboreia um capucino. A

comunicação alargou-se de tal modo que hoje é possível comunicar em tempo real

com pessoas em qualquer parte do Mundo. Estes espaços passaram a designar-se

cibercafés. Têm frequentemente no seu nome palavras relacionadas com o mundo

cibernético, sugerindo desde logo a possibilidade de se ter acesso à Internet. Neste

programa, vamos acompanhar a visita do João e da Ana a um cibercafé.

__________________________________________________________

Ana: – João, o que é que eles te disseram sobre a Internet?

João:– Bom, não me pareceu nada caro. Quanto mais usarmos, mais barato fica.

Ana: – É o normal. Como é que vamos fazer então?

João: – Eu sugiro que comecemos com meia-hora. Deve ser suficiente para vermos

os nossos e-mails, não achas?

Ana:–Acho pouco tempo. Não te esqueças de que temos de procurar informações

sobre a Madeira e os Açores.

João: – Que cabeça a minha!Tens toda a razão. Já me tinha esquecido disso.

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2

Ana:– Que tal começarmos com uma hora para cada um de nós? Depois, se

precisarmos de mais tempo, podemos sempre pagar mais meia-hora.

João:– Olha, Ana, disseram-me ainda que se usarmos uma hora ou mais, temos

direito a um café.

Ana:– Excelente! Estou mesmo a precisar duma bica!

****

Ana:– João, já terminaste de escrever os teus postais?

João:– Estou quase a terminar... só preciso de escrever mais estes dois postais.

Ana:– Não sei como ainda tens paciência para escrever postais... Para mim, postais

só no Natal. E, mesmo assim... Sempre que posso, envio mensagens, SMS ou MMS.

João:– É claro que eu também prefiro escrever e-mails! Aliás, uso bastante o correio

electrónico, mas quando não há outro remédio...

Ana:– E, quanto menos se escreve postais ou cartas, menos se gosta de escrever,

não é verdade?

João: – Ana, diz-me lá, qual é o postal que devo enviar aos meus avós? Este aqui do

castelo de S. Jorge ou este com várias vistas de Lisboa?

Ana:– Sei lá. Os dois são bonitos. Mas, deixa-me ver melhor... Quanto mais olho

para este aqui com o castelo, mais gosto dele. O castelo é tão bonito!

João:– Obrigado. Então, vou enviar-lhes este. Vão adorar!

Ana:– Olha o que eu encontrei aqui sobre a Madeira.

João: – Mas, tu já conheces a Madeira, não conheces?

Ana:– Sim, fui lá uma vez, há muitos anos. Era eu ainda uma criança. Quase já nem

me lembro de nada...João. Achas que podemos pedir ao António para imprimir umas

folhas?

João:– Sim, claro. Tenho a certeza que ele não se importa. Mas, diz-me lá, o que é

que tu tanto precisas de imprimir?

Ana:– Não sejas curioso, João. Que mania!

João:– Olha quem fala!

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3

Ana:– É que eu gravei numa pendisk as informações sobre a Madeira que encontrei

na net.

João: – Não acredito, Ana. Tu trouxeste uma pendisk! Não há dúvida que as

mulheres pensam sempre em tudo! Será que te posso pedir um favor, Ana?

Ana:– Hum! Deixa-me pensar... Talvez sim, talvez não...

João:–Vá lá, Ana. Não sejas assim. Afinal, os amigos são para as ocasiões, não

achas?

Ana:– Que descarado me saíste tu! Queres usar a minha pendisk, não é verdade? .

João:– Como é que adivinhaste?

Ana:– Já te conheço há muito tempo.

João:– E quanto mais me conheces, mais gostas de mim.

Ana:– Tens cá uma lata! Deixa-te de conversas e toca a despachar, se não hoje não

saímos daqui. Toma lá a pendisk! E depois, deixa-me ver o que encontrares sobre os

Açores.

João: – Sim, claro.Obrigado, Ana.

Ana:– Logo que terminares, vamos dar mais um passeio por Lisboa. Por isso,

despacha-te lá.

João:– Mas, estou quase pronto. É só mais um minutinho!

Que lindo! Ana, não queres vir comigo aos Açores?

Ana:– Claro, que gostava muito de ir lá . Mas desta vez tenho de ir à Madeira ... por

razões sentimentais, claro.

João:– Razões sentimentais? Vá lá , Ana, confessa-te.

Ana:– Não é o que estás a insinuar...é que os meus avós maternos eram de lá.

João:– Bom, está bem. Eu compreendo. Mas, olha que os Açores são

deslumbrantes...e para não falar da minha companhia,claro

Ana:– Tu não desistes. És mesmo teimoso!

João:– Ana, alguém que tu conheces bem manda-te saudades. Adivinha lá quem é.

Ana:– Não faço ideia nenhuma. Ah! Já calculo quem seja...

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4

João:– Agora vou então procurar as informações sobre os Açores. E tu, Ana,

encontraste muita coisa sobre a Madeira no tal site?

Ana:– Sim, encontrei. Mas ainda me faltam as informações sobre os preços dos

bilhetes de avião.

João:– Boa ideia, Ana. Será que também me podias ver os preços para os Açores?

Ana:– Claro, João.

João: – Obrigado, Ana.

Ana:– Se nos sobrar tempo, podemos ainda fazer chat com aqueles nossos amigos

que estão sempre on-line!

João:– Estão sempre em linha, queres tu dizer!

__________________________________________________________

Neste programa vamos abordar o Futuro do Conjuntivo em construções

hipotéticas, as construções que traduzem proporcionalidade e ainda algumas

expressões do português.

Vamos começar por rever duas sequências do diálogo passado no Cibercafé em que

as personagens usam o Futuro do Conjuntivo.

Ana:– Que tal começarmos com uma hora para cada um de nós? Depois, se

precisarmos de mais tempo, podemos sempre pagar mais meia-hora..

João:– Olha, Ana, disseram-me ainda que se usarmos uma hora ou mais, temos

direito a um café.

****

Ana:– Se nos sobrar tempo, podemos ainda fazer chat com aqueles nossos amigos

que estão sempre on-line!

João:– Estão sempre em linha, queres tu dizer!

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5

1. FUTURO DO CONJUNTIVO E CONSTRUÇÕES HIPOTÉTICAS

Observemos agora algumas frases do diálogo.

CONSTRUÇÕES HIPOTÉTICAS

FUTURO DO CONJUNTIVO

1. “...se precisarmos de mais tempo, podemos sempre pagar mais meia-hora..”

2. “...se usarmos uma hora ou mais, temos direito a um café.”

3. “Se nos sobrar tempo, podemos ainda fazer chat com aqueles nossos amigos

que estão sempre on-line!”

As frases 1, 2 e 3 são construções hipotéticas. São frases que apresentam um

maior ou menor grau de incerteza ou de probabilidade. De um modo geral, o tempo

verbal usado neste tipo de construções é o Futuro do Conjuntivo, como em 1. “...se

precisarmos de mais tempo...”; em 2. “...se usarmos uma hora ou mais...” ou em 3.

“Se nos sobrar tempo...” Na frase principal ou subordinante destas frases, temos o

Presente do Indicativo. Ora, vejamos: (1) “...podemos sempre pagar mais meia-

hora...”;(2) “...temos direito a um café”; (3) “...podemos fazer chat com aqueles

nossos amigos...”

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6

2. CONSTRUÇÕES QUE TRADUZEM PROPORCIONALIDADE

Comecemos por rever uma sequência do diálogo em que as personagens

usam um tipo de construção que traduz proporcionalidade.

(1)“Quanto mais usarmos, mais barato fica.”

(2)“Quanto menos se escreve postais ou cartas, menos se gosta de escrever...”

(3)“Quanto mais olho para este aqui com o castelo, mais gosto dele.”

(4) “E quanto mais me conheces, mais gostas de mim.”

Estas frases proporcionais são introduzidas por conectores correlativos. Os

conectores correlativos exprimem quantificação ou grau de intensidade. Observemos

o quadro-resumo:

CONECTORES CORRELATIVOS

Quanto mais..., (tanto) mais

Quanto menos..., (tanto) menos

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7

3. ACTOS DE FALA

Quanto aos actos de fala, destacamos a expressão da irritação na seguinte

sequência:

Ana:– Não sejas curioso, João. Que mania!

E a expressão da censura neste excerto:

Ana:– Tu não desistes. És mesmo teimoso!

Vejamos agora o quadro-síntese:

ACTOS DE FALA

IRRITAÇÃO: “Que mania!”

CENSURA: “És mesmo teimoso.”

4. EXPRESSÕES DO PORTUGUÊS

As expressões que destacamos no diálogo e que passamos a explicar são:

1. “Os amigos são para as ocasiões “ significa que se deve pedir ajuda aos amigos

quando se precisa.

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8

2. “Tens cá uma lata.” significa ter descaramento ou atrevimento.

Na primeira frase “os amigos são para as ocasiões” significa que devemos

pedir ajuda aos amigos quando precisamos. No diálogo, esta frase foi dita com ironia;

Na segunda frase, a expressão “tens cá uma lata” significa que se tem

descaramento ou se mostra atrevimento.

Sugerimos que fiquem ainda connosco para conhecerem melhor Portugal. Hoje

apresentamo-vos alguns aspectos de modernidade da sociedade portuguesa.

_______________________________________________________________

Em Portugal, o primeiro cibercafé terá aparecido no ano de 1995 em Lisboa.

Mas este género de estabelecimentos tem vindo a crescer de tal modo que é possível,

hoje em dia, encontrá-los em pequenas cidades ou vilas pelo país. Neles, alugam-se

computadores à hora, compra-se material informático, imprimem-se páginas de um

documento, enviam-se mensagens de correio electrónico, fazem-se chats, vídeo-

conferências ou telefona-se usando voz IP. E tudo isto enquanto se come ou bebe

alguma coisa.

Num estudo realizado em 2004 concluía-se que 54% da população portuguesa

usava computador e cerca de metade da população afirmava ter computador em casa.

O mesmo estudo indicava que 43% dos portugueses utilizava a Internet, enquanto

31% dos inquiridos afirmava ter conexão à Internet em casa, mas ainda eram poucos

os que tinham acesso à Internet de Banda Larga. Estes dados têm vindo a sofrer

alterações positivas nos últimos anos devido aos incentivos proporcionados à

população. A Sociedade da Informação e da Comunicação criou nos cidadãos

portugueses novas expectativas em vários domínios como na educação, na cultura, na

Page 190: 15233235 Falamos Portugues (1)

9

economia, no entretenimento e nos serviços. A explosão da Internet veio permitir a

divulgação do conhecimento e da informação de forma rápida.

O desenvolvimento das novas tecnologias permitiu também modernizar as

empresas existentes e criar outras, com capacidade criativa, permitindo-lhes assim

competir num mundo cada vez mais globalizado. Portugal não foi excepção neste

domínio. Surgiram empresas inovadoras, competitivas e com projectos arrojados.

É o caso da Via Verde Portugal, empresa constituída em 2000, que faz a

gestão de sistemas electrónicos de cobrança de serviços, como as portagens. Nos

últimos anos, alargou o pagamento a postos de combustíveis e a parques de

estacionamento. A cobrança destes serviços faz-se através de um identificador

colocado no veículo e o equipamento colocado na via ou em qualquer outro local.

Nos telemóveis, Portugal também foi bastante receptivo. A taxa de adesão é

superior aos 100%, havendo mais telemóveis que habitantes. Por isso, as operadoras

têm vindo a diversificar a oferta de serviços, no sentido de tentarem fidelizar os seus

clientes. De entre os vários serviços, destaca-se o acesso móvel à Internet através de

tecnologias de 3ª geração.

No domínio da Educação, não pode deixar de referir-se que as escolas

públicas portuguesas estão, desde Janeiro de 2006, ligadas à Internet em Banda

Larga. Pretende-se com esta medida promover o uso das novas tecnologias na

Educação e esbater assim as assimetrias regionais. Salientamos ainda o projecto

denominado Escola Virtual que se baseia nas tecnologias da Informação e da

Comunicação. Este projecto apresenta na Internet todos os conteúdos programáticos

das várias disciplinas, concebidos por pessoas especializadas e recorrendo à

integração de recursos multimédia. Trata-se de um modelo de aprendizagem muito

inovador e que utiliza as mais modernas Tecnologias da Informação e da

Comunicação.

A introdução do cartão electrónico em algumas escolas portuguesas surge no

seguimento de um esforço para modernizar a escola e melhorar a qualidade de vida

Page 191: 15233235 Falamos Portugues (1)

10

de todos os seus participantes. Assim, o dinheiro vivo deixa de existir na escola e

todos os pagamentos nos vários serviços, como a papelaria e o refeitório, são feitos

através do cartão. Este introduz também uma maior celeridade no acesso aos

serviços, deixando de existir filas. O cartão pode também ser usado na biblioteca ou

na sala de computadores. Para além disso, o cartão permite um maior controlo do

encarregado de educação em relação ao seu educando, autorizando ou não a saída

deste do recinto escolar e conhecendo ainda rapidamente as suas faltas e notas.

Na Indústria de Moldes para Plásticos, Portugal ocupa um lugar de relevo, a

nível mundial. A maioria das empresas ligadas a esta área localiza-se na zona da

Marinha Grande. São na generalidade pequenas e médias empresas, PME’s, mas a

sua produção é reconhecida pela enorme precisão e excelente relação

qualidade/preço. Produzem geralmente os moldes para as Indústrias automóvel,

electrónica, de embalagem e de electrodomésticos. Esta indústria tem sabido

acompanhar a modernização dos tempos, investindo em alta tecnologia e apostando

na especialização dos seus empregados.

Portugal tem-se destacado também na produção de embalagens de plástico

para as maiores empresas do mundo nas áreas da alimentação, da limpeza e da

indústria automóvel. Produzem-se assim milhões de embalagens em plástico para

guardar produtos tão variados como margarinas, água, leite, iogurtes, produtos de

limpeza e óleos lubrificantes. Os produtos produzidos têm-se conseguido impor no

mercado internacional pela sua qualidade, utilidade e originalidade no design.

Portugal tem-se modernizado muito nestas últimas décadas. Terá de continuar

a fazê-lo com determinação, audácia e muita criatividade, se quiser competir com os

outros países da União Europeia e do Mundo.

Page 192: 15233235 Falamos Portugues (1)

1

PROGRAMA 17

MADEIRA

As regiões Autónomas dos Arquipélagos dos Açores e da Madeira são dois

destinos com características bem diferentes para quem quer conhecer o outro lado de

Portugal: o Portugal insular.

O Arquipélago da Madeira fica a cerca de mil quilómetros a sul de Portugal

continental e a 600 km do continente africano e é formado pelas ilhas da Madeira e do

Porto Santo, além de outros ilhéus. Descoberto e colonizado nos princípios do séc.

XV, surpreende pela beleza contrastada das suas principais ilhas: a extensa praia de

areia branca de Porto Santo e a diversidade geológica da Ilha da Madeira, com picos

montanhosos, florestas e muito casario disperso pelas encostas.

A Ana e o João queriam conhecer estas duas realidades mas como não tinham

muito tempo, decidiram separar-se; assim, cada um foi em busca do que mais

atractivo sentia para si. A Ana, que gosta tanto de andar e sentir a natureza

atravessando paisagens intensas, foi à Madeira, porque lá podia andar pelas levadas

no meio de vistas deslumbrantes e penhascos, entre a serra, o céu e o mar.

Reencontraram-se em Lisboa, depois destas suas experiências. Neste

programa a Ana contou ao João as suas impressões de viagem...

Ana: – Tive tanta pena que não tivesses ido comigo, João! Não podes imaginar a

beleza daquelas paisagens... É ainda mais bonito do que eu supunha!...

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João: – Bem, eu acho que imagino... Como é uma Ilha, deve ser parecida com S.

Miguel, não? Deve haver muitas lagoas, muitas vistas calmas para o mar...

Ana: – Não, João! Nada disso! A Madeira não tem nada a ver com os Açores... Eu

lembro-me bem. Quando visitei os Açores com os meus pais, vi zonas planas por

entre os montes, as fajãs, que é onde se cultiva muita coisa, não é?

João: – Exactamente. É muito bonito...

Ana: - Mas na Madeira praticamente não existem fajãs... ou existem muito poucas...

As que existem são muito pequenas porque a ilha é mesmo muito montanhosa. Olha!

Imagina uma folha de papel muito amarrotada... põe-na em cima de água.... é a ilha...

com montanhas e picos muito altos... e vales muito fundos... Agora imagina estradas

que serpenteiam por essas montanhas e muitas casinhas espalhadas e nos sítios

mais incríveis... Há imensa vegetação... muita água... muitos regatos... e as levadas...

É lindo!...

João: – Então as estradas devem ter muitas curvas, não?

Ana: – Lá isso é verdade; mas agora anda-se muito bem... é muito mais fácil do que

há 10 anos atrás. Ultimamente têm aberto tantos túneis, têm construído tantas

estradas novas e viadutos que se torna muito fácil atravessar a ilha.

João: – A sério?

Ana: – É impressionante! Por exemplo, ainda não há muitos anos demorava-se mais

de duas horas para se ir do Funchal a S. Vicente, que fica no lado norte... agora leva-

se pouco mais de meia hora.

João: – Que diferença!!! É muito bom!

Ana: – É óptimo para as pessoas. É claro que, quem quer passear e ver a paisagem,

vai pelas estradas mais estreitas que sobem e descem os montes e leva mais tempo.

Mas quem precisa de se deslocar rapidamente de um lado para o outro, vai pelas vias

rápidas, mais largas, com muitos túneis... e quase sem curvas...

João: – Então de que é que gostaste mais?

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3

Ana: – Olha que é difícil de dizer. A paisagem é fantástica: há sempre o verde da

vegetação e o azul forte do mar. É óbvio que adorei os caminhos ao longo das

levadas! Têm paisagens de cortar a respiração! Alguns são mesmo difíceis de

percorrer porque são muito estreitos e à beira de precipícios... com o mar lá muito em

baixo... Há quem faça estes caminhos todos...

João: – A pé???

Ana: – Claro. Lá não cabem carros ... nem bicicletas... e em grande número das

levadas é mesmo preciso ter cuidado! É preciso ver bem onde se põe o pé... Anda-se

muito... mas depois há sempre uma poncha e uma espetada à nossa espera... para

retemperar forças!

João: – Poncha?

Ana: – Ah! É uma bebida muito popular feita com aguardente de cana, mel e limão... é

uma delícia....

João: – Estou a ver... E a capital?

Ana: - O Funchal tem imenso movimento... É uma cidade muito agradável. À noite é

tão bom passear junto ao mar!... não faz frio... O clima é sempre ameno.

Ah! E no Domingo havia bandas de música a tocar em vários pontos da cidade!

João: – A sério?

Ana: – É verdade! E ranchos folclóricos também! Iam andando pela rua, depois

chegavam a um largo e começavam a dançar... Elas têm umas saias com riscas

verticais muito coloridas. Foi muito engraçado.

João: – Sei. Já vi em várias revistas.

Ana: – E devias ter visto o Bailinho da Madeira. É curioso. Não faço ideia nenhuma

por que razão é que eles dançam semi-dobrados. Deve haver uma razão qualquer!

Não me lembrei de perguntar a ninguém.

João: – O quê?! Tu falas pelos cotovelos... e não perguntaste a ninguém? Como pode

ser possível? Eu nem acredito...

Ana: – Eu quase só falei com outros turistas... E acho que falei muito pouco!

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João: – Deixa-me rir! Tu achas que falas pouco?!!!

Ana: – É verdade. Mesmo agora a falar contigo, apesar de tudo o que já te disse,

ainda não te consegui contar nada da viagem. Acho mesmo que tenho de lá voltar

porque ficou muita coisa por ver.

A Ana gostou bastante de tudo o que viu na Ilha da Madeira e contou ao João

alguns dos momentos da sua viagem. Vamos observar neste programa algumas

formas de construção da concordância em frases negativas, a expressão de

modalidade com o verbo “dever” e o valor de algumas expressões de passado.

1. EXPRESSAR NEGAÇÃO

Em português as frases negativas são normalmente introduzidas pelo

marcador de negação “não”. Este marcador de negação, “não”, é colocado antes do

verbo que nega, ou seja, em posição anterior ao constituinte negado.

Ana: – (...) Não podes imaginar a beleza daquelas paisagens...

Ana: – (...) À noite é tão bom passear junto ao mar!... Não faz frio.

Ana: – (:..) não faço ideia ...

É também possível usar simultaneamente o marcador “não” e quantificadores

negativos na mesma frase. Esses quantificadores negativos podem ser, por exemplo,

nada.

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Ana: – Não, João! Nada disso! (...)

A frase “nada disso” é equivalente a “não é nada disso”.

Nada disso! = Não é nada disso!

Trata-se de um processo de intensificação da negativa que tem como objectivo

explicitar a intenção do locutor em relação àquilo que é referido. O locutor poderia ter

dito apenas “Não é isso”. No entanto, prefere enfatizar aquilo que diz:” Não é nada

disso”. Dizer “não é nada disso” significa dizer “é o contrário disso”, “é o oposto

disso”. Observemos outro exemplo semelhante do diálogo:

Ana: – (...) É curioso. Não faço ideia nenhuma por que razão é que eles

dançam semi-dobrados.

O locutor poderia ter dito apenas “Não faço ideia”. Em vez disso, opta mais

uma vez por enfatizar o que diz, recorrendo ao marcador de negação Não e a um

quantificador negativo: nenhuma: “Não faço ideia nenhuma”.

O português permite, em certas frases, a presença de mais de um constituinte

negativo, como é caso das frases que vimos: Não... nada; Não...nenhuma.

2. DEVER + INFINITIVO

Neste diálogo, ocorrem várias frases construídas com o verbo dever +

Infinitivo. Trata-se de mais uma forma de modalidade em português, à semelhança

Page 197: 15233235 Falamos Portugues (1)

6

do que acontece com poder + infinitivo. Como vimos em programas anteriores,

poder + infinitivo tem o valor de “possibilidade”.

No caso concreto do verbo dever + infinitivo, um dos seus significados está

associado a “probabilidade” e à manifestação de um certo grau de incerteza. Vejamos

os exemplos do diálogo:

João: – (...) Como é uma Ilha, deve ser parecida com os Açores, não?

Deve haver muitas lagoas, muitas vistas para o mar...

João: – Então as estradas devem ter muitas curvas, não?

Todos estes exemplos revelam expectativas do João. Ele refere-se a uma

realidade que não conhece, ou seja, à Madeira, baseando-se naquilo que conhece dos

Açores. São frases que explicitam uma ideia de probabilidade e podem ser

substituídas por outras estruturas, de igual significado:

deve ser parecida com os Açores, não?

provavelmente é ... parecida com os Açores, não?

é provável que seja parecida com os Açores, não?

deve haver muitas lagoas

provavelmente há muitas lagoas...

é provável que haja muitas lagoas

devem ter muitas curvas, não?

provavelmente têm ... muitas curvas, não?

é provável que tenham muitas curvas, não?

A mesma ideia está contida nesta frase da Ana “Deve haver uma razão qualquer”.

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Ana: – (...) Deve haver uma razão qualquer!

Ela considera que “provavelmente” há uma razão qualquer para eles dançarem

semi-dobrados. Mas um outro sentido, bem diferente de probabilidade, tem a frase:

“devias ter visto o Bailinho da Madeira”.

Ana: – E devias ter visto o Bailinho da Madeira.

Aqui está contida a ideia de sugerir, ou melhor, de envolver o João numa

situação que este não conhece. Poder-se-ia mesmo dizer que equivale a “É pena que

não tenhas visto o Bailinho da Madeira ...” .Embora não se verifique no diálogo, a

construção dever + Infinitivo pode ter ainda um outro significado. Está relacionado

com “necessidade” e com “obrigatoriedade”. Será, por exemplo, o caso de:

O senhor deve apanhar um táxi para chegar ao aeroporto. [necessidade]

Ele deve obedecer imediatamente à ordem da polícia [obrigatoriedade]

Ainda uma particularidade deste verbo modal dever: não é usado no Pretérito

Perfeito do Indicativo e raramente surge no Futuro do Conjuntivo. Nesses casos é

normalmente substituído por ter de.

Ele teve de apanhar um táxi para chegar ao aeroporto

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3. EXPRESSÃO DE TEMPO PASSADO PRÓXIMO: O PRETÉRITO PERFEITO

COMPOSTO

O Pretérito Perfeito Composto é formado pelo auxiliar ter no presente do

Indicativo e o Particípio Passado de outro verbo. Como tempo gramatical, apresenta

características particulares em português, que o distinguem de muitas outras línguas.

De facto, este tempo marca um aspecto iterativo, isto é, de repetição, e também de

duração, de algo que se inicia no passado mas que perdura até ao presente, até ao

tempo em que se fala, podendo ainda prolongar-se no futuro. Vejamos estes

exemplos retirados do diálogo:

Ana: – (...) Ultimamente têm aberto tantos túneis, têm construído tantas

estradas novas e viadutos que se torna muito fácil atravessar a ilha.

A Ana quis efectivamente explicar ao João que a abertura de novos túneis e a

construção de novas estradas são actividades que começaram há um tempo não

especificado e continuam a decorrer. Este tempo pode conter também uma leitura de

iteratividade, isto é, de repetição ao longo do tempo. Esta leitura pode ser apoiada

pela presença de advérbios ou de expressões adverbiais. A presença do advérbio

“ultimamente” reforça a marcação de um tempo indeterminado bastanto vago, não só

quanto ao seu início como também quanto ao seu termo.

4. EXPRESSÃO “FALAR PELOS COTOVELOS”

Uma breve nota para alertar para uma expressão usada pelo João. Ele acha

que a Ana é muito faladora, por isso diz:

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9

João: – O quê?! Tu falas pelos cotovelos... e não perguntaste a ninguém?

“Falar pelos cotovelos” é uma expressão muito frequente para caracterizar

pessoas que falam muito e com grande desembaraço. É usada num registo de língua

familiar.

Vamos agora passear um pouco pela Ilha da Madeira e fazer o reconhecimento

do ambiente que a Ana viveu e quis descrever ao João...

Apesar de ser muito montanhosa, a Ilha da Madeira é quase

inteiramente aproveitada para produção agrícola. Para isso, ao longo do tempo foram

sendo escavados socalcos, que criam espaços planos pelos montes para o cultivo de

produtos agrícolas, e foi desenvolvido um sistema de irrigação, formado por inúmeros

canais – as levadas. As levadas designam-se assim porque “levam” a água do Norte

da Ilha para outras zonas do sul onde ela é mais escassa. Os caminhos de

manutenção dos canais formam passeios pedestres de indiscutível beleza um pouco

por toda a ilha e não têm qualquer acesso por estrada. Uns são mais longos, outros

mais curtos, uns podem ser visitados por amadores, outros só por caminhantes

treinados porque passam por caminhos íngremes e desafiam o equilíbrio, outros

mostram cascatas que se precipitam em vales profundos, mas todos eles possuem a

magia do contacto directo com a natueza. No total, esses canais correspondem a

mais de 2000 km e alguns datam dos pricípios do séc. XVI.

Por todos os cantos e no meio das luxuriantes florestas existem locais próprios

para as famílias se reunirem em alegres piqueniques, com espaços próprios onde se

podem grelhar as tradicionais espetadas...

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A cidade do Funchal, a capital, é um enorme anfiteatro que se espraia pelos

montes circundantes da baía. Esta tem a forma de um porto natural onde os barcos

dos pescadores convivem com barcos de recreio na marina e com os cruzeiros

transatlânticos no cais... Entre a Cidade Velha, de ruelas estreitas, a leste, e a zona

turística, de grandes hotéis, a oeste, fica o coração da cidade, com o seu importante

centro histórico, no qual, a Sé, acabada de construir em 1514, é um dos símbolos mais

representativos.

Aos domingos, a alegria é tónica da cidade. Grupos folclóricos animam a baixa

do Funchal cantando e dançando, entre muitas outras, o seu tão característico

Bailinho da Madeira. Os jovens dançam curvados, recordando os tempos em que os

escravos dançavam assim por não poderem erguer os olhos para ver os seus

patrões...

O Mercado dos Lavradores é um cartão de visita da Madeira. Ali é possível

encontrar um pouco de tudo o que é produzido na Ilha, desde produtos agrícolas e

peixe, até objectos em verga, frutas e também, flores, muitas flores. A Ilha oferece

enorme variedade de flores exóticas. Entre elas, as orquídeas e as estrelícias que são

o ex-libris da Madeira.

Lá no alto, a capela da Senhora do Monte domina a paisagem. É possível subir

no teleférico e descer no tobogã, uma espécie de trenó feito em verga com deslizantes

de madeira, empurrado por dois condutores que o guiam, travando com as suas

próprias botas. É um transporte típico usado apenas no Monte que data de 1850 e é,

sem dúvida, uma forma bastante original de descer. Depois, um cálice de um dos

deliciosos tipos de vinho da Madeira ajuda a recuperar o fôlego...

Muito perto do Funchal há uma pitoresca vila de pescadores que preserva no

nome a existência de antigas colónias de lobos marinhos: é Câmara de Lobos, um dos

centros mais importantes de pesca do peixe-espada. Este peixe é mais uma das

especialidades da Madeira. É pescado à linha e vive a cerca de 800 metros de

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profundidade. Frito ou grelhado, com ou sem banana, não há restaurante que não o

tenha na ementa.

O resto da Ilha, agora muito acessível graças à rede viária com túneis, que

torna mais prática a travessia dos montes, mostra-se muito diversificado: é fácil visitar

as piscinas naturais de Porto Moniz no extremo oriental, subir à simpática aldeia de

Santana a 400 metros de altitude para ver as originais casas, descer à enseada

mimosa de Porto da Cruz, subir aos cumes do Pico do Arieiro, descobrir o miradouro

da Eira do Cerrado e descer àquila vila perdida lá em baixo no fundo dos montes que

dá pelo nome de Curral das Freiras, passar pela Camacha para ver o artesanaoto e ir

até às falésias de S. Lourenço no extremo mais ocidental... e, de regresso ao Funchal

pelo Machico, passar por baixo da gigantesca pista de aterragem do aeroporto de

Santa Cruz....

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1

PROGRAMA 18

AÇORES

A região Autónoma do Arquipélago dos Açores é um destino cheio de magia

para quem quer conhecer um pouco mais de Portugal. As nove ilhas açoreanas ficam

a cerca de 1 400 quilómetros a oeste de Lisboa e espalham-se pelo Atlântico norte ao

longo de 650 Km, reunidas em três grupos: o grupo oriental, com as Ilhas de Santa

Maria e São Miguel, onde se situa a capital Ponta Delgada; o grupo central, com as

ilhas Terceira, Graciosa, São Jorge, Pico e Faial; e o grupo ocidental, com as duas

pequenas e mais isoladas ilhas: Flores e Corvo. Estas ilhas têm vulcanismo activo

porque estão isoladas na linha Dorsal Média Atlântica, uma das linhas de afastamento

das placas da crosta terrestre.

O João, que prefere ambientes tranquilos mas que ao mesmo tempo tem um

fraquinho por vulcões, foi à Ilha de S. Miguel e ficou com pena de não ter tempo para

visitar as outras ilhas...veio deslumbrado!

Reencontrou-se com a Ana em Lisboa, depois destas suas experiências, e

contou-lhe as suas impressões de viagem.

João: – A minha viagem foi mesmo muito diferente da tua.... Pelo que contas da

Madeira, não encontro muitas semelhanças...

Ana: – Mas também deves ter muita coisa para contar sobre S. Miguel, não?

Gostaste?

João: – Vim apaixonado!

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2

Ana: – São bonitas, as açoreanas?!

João: – Ó Ana! Não é nada disso! Pelo que me disseste, a Madeira deve ser uma Ilha

com muita gente... com muito movimento.... muito activa, digamos assim...

Ana: – A Ilha da Madeira, sim. O Porto Santo talvez seja mais calmo!

João: – Pois... é que em S. Miguel sente-se uma tranquilidade enorme... é difícil de

descrever... Sente-se... Pronto!

Ana: – Acho que te entendo... A Madeira é uma ilha com muita gente! O Funchal está

completamente cheio de turistas...

João: – Talvez seja isso! Em Ponta Delgada... turistas... não há muitos, não! Aliás, a

cidade é como se fosse o reflexo de toda a Ilha. Cheira a tranquilidade por

todos os cantos... E pelo que me disseram, é mesmo uma característica de todo

o Arquipélago açoreano: em terra, predomina o verde... com muitas hortênsias

azuis a separar terrenos e estradas... e com salpicos pretos e brancos... são as

vacas a pastar!!!

Ana: – Mas que bucólico... Tanta paz deve ser para compensar a actividade

vulcânica...não? Eu lembro-me de ter ouvido falar num tremor de terra há

poucos anos, não foi?

João: – Foi. Mas foi no mar, muito perto da Ilha Terceira. Acho que foi em 1998...

2000... Mas mais famoso do que esse tremor de terra foi a erupção dos

Capelinhos em 1957 na Ilha do Faial... Eu não fui lá, mas pelas fotografias que

vi, deve ter sido medonho... Houve quem se assustasse!...

Ana: – Mas quem é que não se assusta com um tremor de terra?... As pessoas lá

devem sentir muitos tremores de terra, não?

João: – Não. Acho que deve haver alguns, mas como são pequeninos, ninguém nota.

No entanto, em S. Miguel há alguns sítios onde se sente mesmo aquela força

natural, telúrica. Apesar de a última erupção ter sido em 1630, há várias fontes

de água quente e, junto da Lagoa das Furnas, por exemplo, há muitas

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3

fumarolas e cheira imenso a enxofre. Eles chamam-lhes caldeiras e fazem lá

um cozido sensacional. Imagina tu! É um cozido único!

Ana: – Cozido? Cozido de quê?

João: – ... de hortaliças e vários tipos de carnes e enchidos. É tudo metido numa

panela grande, é tapado e depois põem a panela dentro dum saco. Com a

ajuda de uma corda, colocam-na num buraco, no chão. Ao fim de umas cinco

ou seis horas... quando se abre aquela panela... Hum... que cheirinho!

Ana: – Já te estou a ver deliciado com o cozido! Ou não fosses tu o comilão-mor!

João: – Podes crer. Comi muito... mas uma vez não são vezes... E soube tão bem!...

Ana: – Deve ser saboroso... E depois, que mais é que viste?

João: – As paisagens!... São todas deslumbrantes... Quando vinha das Furnas, passei

por Vila Franca do Campo, uma cidade muito bonita. No mar, mesmo em frente,

mais ou menos a um quilómetro, há um ilhéu que é o que resta de uma cratera

antiga e que forma a baía mais deliciosa que alguma vez vi! É praticamente

circular, tem cerca de 150 metros de diâmetro.

Ana: – Uau! Deve ser giro!

João: – É fabuloso! Infelizmente passei por lá já tarde e fiquei pouco tempo, porque

apanhei o último barco! Era o último do dia. Para lá ia vazio... mas era também

o último para voltar... E vinha completamente cheio! Nem imaginas...

Ana: – Podias ter vindo a nado...

João: – A nado?! Bom... Lá poder, podia! Era só um quilómetro... mas talvez fosse

um bocadinho cansativo.

Ana: – Bom! Pelos vistos, gostaste mesmo!

João: – Adorei! Tenho de voltar lá com mais tempo... Não tenho palavras para

descrever... As Lagoas são lindas! A Lagoa do Fogo tem uma cor verde

esmeralda... é inacreditável! Ah! E aquela lagoa das Sete Cidades, com uma

metade verde, outra metade azul... como os olhos da princesa e do pastor...

Ana: – O quê? Tu sentes-te bem?

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4

João: – Ah! Pois... Tu não sabes a lenda daquela lagoa... Diz a lenda que uma

princesa...

O João veio encantado com a sua visita à Ilha de S. Miguel, no Arquipélago dos

Açores. Na sua conversa com a Ana, ele descreve essa experiência e usa algumas

construções linguísticas que podemos observar mais atentamente. Seleccionámos

para hoje uma reflexão sobre formas de indeterminação e uma breve análise sobre o

uso e omissão do artigo definido com nomes geográficos.

1. INDETERMINAÇÃO DE SUJEITO

Sabemos que em português é frequente construir frases sem explicitar o

sujeito, já que o podemos reconstituir pela própria flexão do verbo. Isto é possível,

porque o português é uma língua de sujeito nulo. Por exemplo, tomemos a frase

proferida pelo João:

- Vim apaixonado!

O verbo, na primeira pessoa do singular – vim – indica-nos que o sujeito da

frase é o pronome eu. O sujeito está, neste caso, subentendido.

No entanto, em português nem sempre há um sujeito com referência definida, como

no exemplo apresentado. Casos há em que o sujeito pode ser indeterminado, ou seja,

não tem uma referência definida. Em português, há várias formas de tornar o sujeito

indeterminado. Vamos olhar para alguns dos exemplos do texto:

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5

João: – Pois... é que em S. Miguel sente-se uma tranquilidade enorme... é difícil de

descrever... Sente-se... Pronto!

João: – Talvez seja isso! Em Ponta Delgada... turistas... não há muitos, não! Aliás, a

cidade é como se fosse o reflexo de toda a Ilha. Cheira a tranquilidade por

todos os cantos... E pelo que me disseram, é mesmo uma característica de

todo o Arquipélago açoreano...

João: – ... de hortaliças e vários tipos de carnes e enchidos. É tudo metido numa

panela grande, é tapado e depois põem a panela dentro dum saco. Com a

ajuda de uma corda, colocam-na num buraco, no chão. Ao fim de umas cinco

ou seis horas... quando se abre aquela panela... Hum... que cheirinho!

Constatamos que existem aqui duas formas diferentes de exprimir o sujeito

indeterminado. Uma recorre à terceira pessoa do singular do verbo, acompanhada do

pronome se; É o caso de:

SUJEITO INDETERMINADO: SE

sítios onde se sente...

quando se abre

� a outra usa o verbo na terceira pessoa do plural, como nos exemplos:

Page 208: 15233235 Falamos Portugues (1)

6

SUJEITO INDETERMINADO:

3ª PESSOA PLURAL

pelo que me disseram

depois põem a panela

colocam-na num buraco

2. USO E OMISSÃO DO ARTIGO COM NOMES GEOGRÁFICOS

Uma outra questão interessante em português prende-se com o uso e com a

omissão do artigo definido junto de nomes geográficos e de topónimos, ou seja, junto

de nomes de localidades. Os artigos definidos têm a função de determinar (ou

apresentar) o nome que os segue.

Encontramos alguns exemplos no diálogo que ouvimos há pouco. Vejamos:

João: – A minha viagem foi mesmo muito diferente da tua.... Pelo que contas da

Madeira, não encontro muitas semelhanças...

***

João: – Foi. Mas foi no mar, muito perto da (Ilha) Terceira. Acho que foi em 1998...

2000... Mas mais famoso do que esse tremor de terra foi a erupção dos

Capelinhos em 1957 na Ilha do Faial...

Page 209: 15233235 Falamos Portugues (1)

7

João: – (...) As Lagoas são lindas! A Lagoa do Fogo tem uma cor verde

esmeralda... é inacreditável! Ah! E aquela lagoa das Sete Cidades com uma

metade verde.

De acordo com a regra geral, cada nome (ou substantivo) é precedido do artigo

que o apresenta no discurso. O artigo está normalmente presente no caso concreto de

nomes de países, de regiões, de continentes, de oceanos, de mares e de

arquipélagos. É o que acontece com a maioria dos nomes geográficos, como por

exemplo, os nomes de oceanos ( o Atlântico, o Pacífico, o Índico), de mares ( o

Mediterrâneo, o Mar Negro) e de rios (o Tejo, o Amazonas, o Mississipi).

o Atlântico, o Pacífico...

o Índico, o Mediterrâneo...

o Tejo, o Amazonas, o Mississípi

É também o que acontece com a maioria dos nomes de países (o Brasil, a

Àfrica do Sul, os Estados Unidos) e de ilhas (as Honduras, a Madeira, os Açores ).

o Brasil, a Àfrica do Sul, , os Estados Unidos,

as Honduras, , a Madeira, os Açores, etc..

Page 210: 15233235 Falamos Portugues (1)

8

No entanto, há casos de países em que o artigo é omitido. É o que se verifica

com países como:

Portugal, Angola, Moçambique, Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe, Goa, Macau,

Timor, Marrocos, Israel, Cuba, Malta

Com os nomes de localidades, o artigo é, normalmente, omitido.

E é o caso da grande maioria dos nomes de cidades:

Ponta Delgada, Vila Franca do Campo, Lisboa, Madrid, Paris, Tóquio,

Estocolmo, Dakar, Luanda, Sidney, Los Angeles.

No entanto, quando os topónimos correspondem a um nome comum existente

na língua, verifica-se frequentemente a presença do artigo. Vejamos os exemplos:

Ana: – (:..) O Funchal está completamente cheio de turistas...

João: – (...) Mas mais famoso do que esse tremor de terra foi a erupção dos

Capelinhos em 1957 na Ilha do Faial... (...)

João: – (:..) há várias fontes de água quente e, junto da Lagoa das Furnas, por

exemplo, há muitas fumarolas e cheira imenso a enxofre.

João: – As paisagens!... são todas deslumbrantes... Quando vinha das Furnas,

passei por Vila Franca do Campo, uma cidade muito bonita.

Page 211: 15233235 Falamos Portugues (1)

9

As palavras “lagoa” ou “furnas” são palavras comuns do vocabulário quotidiano.

Lagoa refere um pequeno lago e furnas são cavidades naturais existentes em rochas.

Palavras como “Funchal” e “Faial” também são oriundas do vocabulário comum,

embora possam ter um sentido menos transparente. Funchal significa um local onde

havia grande concentração de funcho, uma planta herbácea de crescimento

espontâneo; e Faial quer igualmente dizer um local onde havia muitas faias, plantas

também de crescimento espontâneo. Assim, “funchal” e “faial” formam-se

respectivamente a partir de “funcho” e de “faia”, nomes das plantas que nasciam

espontaneamente no local onde surgiram as cidades que designam, a que se veio

juntar o sufixo –al, que quer dizer conjunto, ou colectivo de determinada planta, árvore,

etc.

Assim, sintetizando, normalmente os nomes de cidades só admitem a presença

de artigo quando têm origem num nome comum. Recordamos aqui mais alguns nomes

de outras cidades que são usadas com o artigo. Por exemplo:

O Porto, o Rio de Janeiro, a Guarda, a Praia, a Cidade Velha

3. EXPRESSÂO DO PORTUGUÊS

Ao referir-se ao barco que liga Vila Franca do Campo ao Ilhéu, o João disse

que vinha ‘apinhado’ ou vinha ‘à pinha’. É uma maneira informal de explicar que o

barco trazia muita gente, vinha completamente cheio, não cabia mais ninguém.

Page 212: 15233235 Falamos Portugues (1)

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Vir apinhado ou à pinha = vir muito cheio de

gente

E agora chegou o momento de irmos conhecer um pouco deste paraíso que o

João visitou.

As nove ilhas que constituem este arquipélago são conhecidas pelas

paisagens vulcânicas, pela flora abundante e pela tranquilidade. Possuem condições

ideais para quem gosta de se isolar, de passear calmamente ou de entrar pelo mar

num barco à vela.

A Ilha de S. Miguel é a maior e também a mais povoada das ilhas do

Arquipélago. Com 90 km de comprimento e entre 8 a 15 km de largura, contém

excitantes paisagens vulcânicas com caldeiras que resultam de antigas erupções e

com nascentes termais em vários pontos da ilha. O Vale das Furnas é um dos ex-libris

da ilha. É uma enorme caldeira rodeada por flores e vegetação frondosa onde

repousam as águas transparentes e tranquilas da Lagoa das Furnas. Nas suas

margens, as sulfaradas vulcânicas, as caldeiras, com água fervente e borbulhante com

o seu característico cheiro a enxofre e o calor do próprio terreno, criam um espaço

único onde se desenvolvem as cozinhas naturais como o famoso «cozido». Existem

muitas nascentes de água termal a diversas temperaturas.

Diferente, mas igualmente fascinante, a lagoa do Fogo de águas límpidas azul-

turquesa, ocupa a cratera de um antigo vulcão. Em dias de sol, aquela pequena praia

de areia lá ao longe é um local paradisíaco para um piquenique! A ocidente, a Lagoa

das Sete Cidades, com 12 km de perímetro, possui o fascínio da conjugação de duas

Page 213: 15233235 Falamos Portugues (1)

11

lagoas, uma azul e outra verde que, como diz a lenda, teriam sido formadas com as

lágrimas de uma princesa e de um pastor que tiveram os seus amores contrariados.

A Ilha Terceira é a mais desenvolvida das ilhas do grupo central. Angra do

Heroísmo, a capital, declarada Património Mundial em 1983, teve um papel importante

ao longo da história como ponto estratégico de ligação entre Europa, África e América.

O interior é predominantemente verde mas no litoral norte há zonas áridas cobertas de

lava. Nos Biscoitos estes campos de lava formam piscinas naturais muito frequentadas

no verão.

A Ilha do Pico deve o seu nome à montanha que domina toda a ilha e que

constitui o ponto mais alto de Portugal com 2351 metros de altitude. A região ocidental

é caracterizada pela cultura da vinha, cultivada entre muros feitos de pedras de lava

soltas. Estas formam paisagens classificadas pela UNESCO, desde 2004, como

Património Mundial.

Na frente do Pico, separada por um canal de 8 km, a Ilha do Faial é muito

conhecida pela marina da bonita cidade da Horta. Pela sua localização geográfica, é

paragem quase obrigatória para os veleiros que cruzam o Atlântico Norte. As

tripulações têm por hábito deixar nas paredes do cais os seus cartões de visita

tornando muito alegre o ambiente em volta. Esta ilha, o Faial, ficou igualmente

conhecida pela erupção do vulcão dos Capelinhos em 1957-58. São bem visíveis as

marcas que deixou quer pela extensão de cinzas quer pelo farol meio soterrado que ali

permanece.

O que une toda a comunidade açoreana são as Festas do Espírito Santo

comuns a todas as ilhas que têm lugar no domingo de Pentecostes. Preparadas

durante as sete semanas depois da Páscoa, envolvem rituais muito antigos que

apenas aqui ficaram preservadas. Estas festas, trazidas para as ilhas pelos primeiros

colonos portugueses no século XV, constituem ainda hoje uma forte tradição que junta

familiares emigrados em países como a América do Norte, Brasil e outros.

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1

PROGRAMA 19

AUTORES CONTEMPORÂNEOS ENCONTRO COM JÚLIO POMAR

Numerosas figuras portuguesas sobressaem actualmente no panorama

artístico e cultural internacional. Para darmos só alguns exemplos, poderemos falar do

arquitecto Siza Vieira… da pintora Paula Rego…do pintor Manuel Cargaleiro…do

escultor João Cutileiro e da pintora Graça Morais.

Entre estas figuras de projecção mundial, incluiu-se o pintor e escultor Júlio

Pomar, a cuja obra daremos hoje particular atenção.

Júlio Artur da Silva Pomar nasce em Lisboa, a 10 de Janeiro de 1926.

Frequenta Belas-Artes, primeiro em Lisboa e depois no Porto. A sua obra, plena de

liberdade criadora, manifesta uma acentuada diversificação de processos e evidencia

um percurso multifacetado e singular.

Hoje, a Ana e o João passaram a tarde numa livraria. Foram procurar

conhecer alguns autores portugueses de projecção internacional.

João: – Então, Ana? Satisfeita com os livros que comprámos?

Ana: - Com os que comprámos, sim! No entanto, não consigo deixar de pensar nos

que não pudemos comprar... Acredita: ainda gostaria de ter comprado muitos mais...

João: – Ou não fosses tu uma leitora inveterada...

Ana: - Sou realmente uma leitora inveterada! Mais ainda: orgulhosa e saudavelmente

inveterada!

João: – Sim, está bem! Justifica-te. És mas é compulsiva!

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Ana: – Sim, mas de forma sã! Sãmente compulsiva, se me permites!

Ana: - Ainda te digo mais: um dia, se eu tivesse dinheiro suficiente, gostaria de abrir

uma livraria... Olha, se não conseguir voltar (se ficar por lá...) abro uma livraria

especializada em livros portugueses!

João: – Desce à terra, Ana! Não te conhecia essa faceta de jovem empresária!

Embora até perceba esse teu sonho! Com tantos autores portugueses para conhecer

melhor! Era juntar o útil ao agradável!

Ana: - Sim, há inúmeras personalidades portuguesas cujos percursos têm sido

brilhantes! E merecem mesmo ser conhecidos!

João: – Os livros que comprámos referem-se só a alguns exemplos: Paula

Rego...Júlio Pomar ...

Ana: - Passa-me aí o livro sobre Pomar! É um dos maiores nomes da pintura

portuguesa! Representado nas mais diversas galerias mundiais!

João: – Das artes plásticas, se não te importas! Tem pintura, mas também desenho,

escultura, cerâmica, gravura, ilustração... Não te lembras da decoração mural em

azulejo, da estação de metro do Alto dos Moinhos!?

Ana:- Ah, sim, já me lembro: imagens de Camões, Bocage, Fernando Pessoa e

Almada Negreiros! Mas é a pintura que me fascina: repara nesta profusão de cores!

João: – Pois é! Eu adoro este azul! Os azuis e os vermelhos são muito vivos... muito

exuberantes, não é?

Ana: - No entanto, estão em harmonia perfeita... tal como a ligação do creme e do

preto!

João: – O que mais me impressiona são os animais: tigres, macacos, tartarugas,

porcos, vistos de vários ângulos, nas mais diversas perspectivas...

Ana: - Que animal é esse, nessa pintura? Mostra! Deixa-me ver!

João: - Calma! Toma lá! Apressadinha!

Ana: - Gosto muito de Pomar mas as telas de Paula Rego também têm imensa força!

Sobretudo a imagem da mulher! Tem um impacto muito grande! Ora vê lá!

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3

João: – Repara nos corpos, nas mais diversas posturas...

Ana: - E os rostos, as mãos, as pernas e os pés! São impressionantes! Transmitem

sentimentos muito intensos!

João: – Cada quadro, parece ser uma cena duma história! Leva-nos a imaginar o que

irá acontecer a seguir!

Ana: – Agora por história, tens de ler José Saramago. É um notável contador de

histórias!

João: – O que ganhou o prémio Nobel da literatura aqui há uns anos?

Ana: – Esse mesmo. Foi galardoado em 1998! Este livro é dele!

João: – É um autor muito traduzido, não é?

Ana: – Se é! Está traduzido em mais de vinte e cinco línguas... mas aconselho-te a

leitura em português! Tem outro encanto!

João: – Ouvi dizer que tem um estilo muito característico...

Ana: – Inconfundível, mesmo! Por exemplo, nunca utiliza travessão para indicar as

falas das diferentes personagens!

João: – E o leitor, não perde o fio à meada? Não deve ser nada fácil de ler!

Ana: – Autores como ele nunca são muito fáceis! Mas não tenhas receio que não te

vais perder! O que é curioso é exactamente isso: o leitor nunca se perde, nunca

confunde os interlocutores! O domínio da técnica narrativa é perfeito... e as histórias

envolventes, fantásticas!

João: – Bom, já me convenceste! Vou ter muito que ler! Mas hoje, gostava de passar

os olhos por este livro sobre Siza... Ainda te lembras do Pavilhão de Portugal, no

Parque das Nações?

Ana: - Claro! É um edifício emblemático – com aquela pala, de betão armado, a cobrir

a Praça Cerimonial!

João: – Embora seja de betão armado, parece levíssima. É um feito de engenharia

extraordinário! O material é contínuo... não tem juntas!

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Ana: - Também são dele a estação de metro Baixa-Chiado e o próprio Plano de

Reconstrução do Chiado – toda a zona foi recuperada de forma a conservar o mesmo

ambiente que tinha antes do incêndio de 1988!

João: - Deve ter sido um enorme desafio! Não é à toa que a sua obra é conhecida

por todo o mundo! Tem mesmo uma vasta obra no estrangeiro!

Ana: – O que é que tens mais aí? Mostra lá!

João: – Tenho um livro sobre o mestre do cinema português – Manoel de Oliveira!

Depois vês!

Ana: – E eu ainda aqui tenho um sobre João Cutileiro – que fez a escultura ao 25 de

Abril... a que está no cimo do Parque Eduardo VII!

João: – Há tantos autores portugueses notáveis, que me apetecia conhecer melhor!

Ana: – Olha, se eu um dia tivesse dinheiro...

João: – Já sei! Abririas uma livraria! Entretanto, enquanto isso não acontece, talvez

seja melhor pensarmos em poupar um bocadinho mais...

Ana e João: - Para comprarmos mais uns livritos..

Hoje, a Ana e o João quiseram conhecer melhor a obra de alguns autores

portugueses. A propósito da sua conversa, abordaremos alguns advérbios e o modo

de formação do plural de alguns nomes e de alguns adjectivos.

1. ADVÉRBIOS

Os advérbios constituem uma classe de palavras muito heterogénea. Usam-se

para modificar diversos tipos de constituintes numa frase. Por exemplo, se eu disser

“ouçamos atentamente a Ana e o João”, “atentamente” é um advérbio e utilizo-o

para me referir à maneira ou modo como quero que ouçamos a Ana e o João: “com

atenção”, “de forma/ de maneira atenta” . No excerto que vamos ver a seguir, a Ana

Page 218: 15233235 Falamos Portugues (1)

5

usa advérbios para “confirmar” o que é dito e para “precisar” ou “ajustar” ligeiramente o

sentido do que é dito.

1.1. ADVÉRBIOS EM - MENTE

João: - Ou não fosses tu uma leitora inveterada...

Ana: - Sou realmente uma leitora inveterada! Mais ainda: orgulhosa e

saudavelmente inveterada!

João: – Sim, está bem! Justifica-te. És mas é compulsiva!

Ana: – Sim, mas de forma sã! Sãmente compulsiva, se me permites!

1.1.1. MODO DE FORMAÇÃO

Em português, muitos advérbios são derivados de adjectivos com o sufixo –

mente. No excerto que revimos, “realmente”, “saudavelmente” e “sãmente” são

advérbios derivados de adjectivos por sufixação. Vejamos cada um dos exemplos:

Formação de Advérbios em -mente

(1) realmente (real + -mente)

(2) saudavelmente (saudável + -mente)

(3) sãmente (sã + -mente)

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No exemplo (1), “realmente” forma-se a partir do adjectivo “real”, a que se

juntou o sufixo –mente. No exemplo (2), “saudavelmente” forma-se a partir do

adjectivo “saudável” + o sufixo –mente; de referir que mesmo que os advérbios em –

mente derivem de adjectivos com acento circunflexo ou agudo, como é aqui o caso de

“saudável” (palavra com acento agudo), não são acentuados graficamente.

Os exemplos (1) e (2) demonstram que quando os adjectivos são uniformes

(isto é, têm a mesma forma para o género masculino e feminino, como é o caso de

“real” e de “saudável”) o sufixo –mente vem juntar-se a esses mesmos adjectivos para

formar o advérbio.

No exemplo (3) temos o advérbio “sãmente”, sinónimo de “saudavelmente”,

formado a partir do adjectivo “sã”, que significa “saudável”, + o sufixo –mente. “Sã”

é a forma feminina do adjectivo masculino “são”.

O exemplo (3) demonstra que quando o adjectivo é biforme (apresenta uma

forma para o masculino – “são”- e outra para o feminino – “sã”) o advérbio é formado

a partir da forma feminina do adjectivo, a que se junta o sufixo.

No caso do advérbio derivar de adjectivos com til (~) , é de salientar que o

advérbio conserva o til (~) do adjectivo que lhe deu origem, pois este sinal serve para

marcar a nasalação da vogal.

Reparem agora na seguinte frase da Ana:

Ana:- Mais ainda: orgulhosa e saudavelmente inveterada!

Sempre que, numa frase, ocorra uma sequência de dois ou mais advérbios em

– mente, só o último costuma receber o sufixo.

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Vamos ver mais um exemplo; imagine-se a frase que se segue:

“A Ana falou séria, espontânea e admiravelmente”

Nas sequências de dois ou mais advérbios em –mente (em que só o último,

como vimos, recebe o sufixo), os advérbios que surgem antes dele apresentam-se na

forma feminina e conservam a acentuação.

1.2. CLASSIFICAÇÃO E POSIÇÃO DE ALGUNS ADVÉRBIOS NA FRASE

Vamos falar agora da classificação e da posição de alguns advérbios na frase.

Comparemos os exemplos que foram dados:

(1) Ana: - Mais ainda: orgulhosa e saudavelmente inveterada!

João: – Sim, está bem! Justifica-te. És mas é compulsiva!

Ana: – Sim, mas de forma sã! Sãmente compulsiva, se me permites!

***

(2) João: - Ou não fosses tu uma leitora inveterada...

Ana: - Sou realmente uma leitora inveterada!

No exemplo (1), a Ana afirma que é “orgulhosa e saudavelmente

inveterada” e “sãmente compulsiva; os advérbios “saudavelmente” e “sãmente”

modificam os adjectivos “inveterada” e “compulsiva” (através do seu uso, a Ana

explicita que é uma leitora “inveterada”, mas de maneira saudável e “compulsiva”, mas

de uma “forma sã”).

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Os advérbios em análise são advérbios adjuntos porque estão junto de um

outro termo da frase, do qual dependem (neste caso, esse termo é o adjectivo). A

posição dos advérbios adjuntos na frase não é móvel.

Os advérbios que modificam adjectivos posicionam-se na frase antes do

adjectivo que modificam: vemos que “saudavelmente” está antes de “inveterada” e

“sãmente” antes de “compulsiva”.

No caso de os advérbios modificarem verbos em tempos simples figuram na

frase depois do verbo: é o caso do exemplo que vimos há pouco:

“A Ana falou séria, espontânea e admiravelmente”

Os advérbios “séria, espontânea e admiravelmente” são colocados a seguir à

forma verbal “falou”.

No exemplo (2), quando a Ana diz “Sou realmente uma leitora inveterada”, o

advérbio “realmente” exprime a atitude do falante, isto é, o ponto de vista do

enunciador, sobre os factos enunciados; através da sua utilização, a Ana reconhece a

verdade da afirmação do João, que insinua que ela é “uma leitora inveterada”. Estes

advérbios designam-se disjuntos, pois não modificam um dado elemento específico

dentro de uma frase mas toda uma frase, globalmente considerada.

Ao contrário dos advérbios adjuntos, os advérbios disjuntos caracterizam-se

normalmente pela mobilidade, pela possibilidade de poderem ocupar diversas

posições na frase:

A) - Sou realmente uma leitora inveterada!

B) – Realmente, sou uma leitora inveterada!

C) – Sou uma leitora inveterada, realmente!

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A Ana utiliza o advérbio no meio da frase mas poderia tê-lo utilizado no início ou no

fim. Assim, poderia ter dito “Realmente, sou uma leitora inveterada” ou “Sou uma

leitora inveterada, realmente”.

2. PLURAL DE NOMES E DE ADJECTIVOS EM –L

Abordemos agora, de forma muito rápida, a formação do plural de nomes e de

adjecivos terminados em –l. Trataremos a formação do plural de nomes e de

adjectivos em –l ao mesmo tempo, uma vez que a formação do plural dos adjectivos

segue a regra de formação do plural dos nomes. Vejam o exemplo que apresentamos:

João: – O que mais me impressiona são os animais (...)

Ana: - Que animal é esse, nessa pintura?

Como observaram, a Ana usa o nome singular “animal” e o João o seu plural

“animais”.

Nomes e adjectivos terminados em –al formam o plural em –ais .

No diálogo ocorrem ainda nomes ou adjectivos terminados terminados em –el,

-il e -ul. Os nomes e os adjectivos terminados em –el formam o plural em –eis

(exemplo dos adjectivos “notável/”notáveis”).

Os nomes e os adjectivos terminados em –il formam o plural também em –eis

(adjectivos “fácil” /”fáceis”).

Os nomes e os adjectivos terminados em –ul (átono/ não acentuado) formam o

plural em –uis (caso os nomes “azul/”azuis).

Finalmente, nomes e adjectivos terminados em –ol (de que não vimos exemplo

no diálogo) formam o plural em –óis (nomes “farol”/”faróis”):

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Vimos hoje advérbios em –mente e o modo de formação do plural de alguns

nomes e de alguns adjectivos.

Agora convido-vos para um breve encontro com Júlio Pomar!

É no âmbito do neo-realismo, a partir dos anos 40, que a obra de Júlio Pomar

começa a ganhar destaque nacional – o autor é considerado o expoente máximo do

neo-realismo.

A fase neo-realista prolongar-se-á de 1946 a 56. Desta fase destacam-se: O

Gadanheiro, de 1945 e O Almoço do Trolha, de 1946-50.

No Gadanheiro, nos movimentos do trabalho perpassa força que se adivinha

heróica.

A personagem central de O Almoço do Trolha, acocorada e encolhida, revela

também, por contraste, uma enorme força latente. É a obra mais emblemática do

realismo de intervenção social.

Nestas, figuras de trabalhadores anónimos preenchem quase toda a tela,

agigantando-se, com os seus corpos entre o deformado e o escultórico, transformados

em heróis do quotidiano.

Plural de nomes e adjectivos terminados em -l

Singular

Plural

-al (animal)

- el (notável)

- il átono (fácil)

- ol (farol)

- ul (azul)

- ais (animais)

- eis (notáveis)

- eis (fáceis)

- óis (faróis)

-uis (azuis)

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A partir de 1957, Pomar envereda por um neo-figurativismo lírico, de que é

exemplo Maria da Fonte. Os contornos começam a ficar indistintos e assistimos a

uma certa fragmentação e escurecimento.

Tal caminho irá conduzir ao surgimento, em 1964, da importante série da

Tauromaquia.

Nos anos 70, entra num período marcado por processos de colagens, em que

ganham relevo as cores lisas, as formas recortadas.

Em curso desde 68, a temática erótica é explorada numa série em que o

erotismo adquire um tom explícito.

De 1979 a 1982, produz a série dos Tigres, inspirada na novela Tigres Azuis,

de Jorge Luís Borges.

As figuras de animais, numa efabulação delirante, desempenham um saliente

papel no trabalho de Pomar. No seu “bestiário pessoal”, além de tigres, sucedem-se,

entre outros, gatos, tartarugas, macacos, porcos e até traças…

Sobre o seu bestiário, diz-nos Pomar… [excerto de entrevista a Pomar]

Na década de 80, volta-se para a cultura portuguesa, retratando

personalidades emblemáticas da nossa história cultural: é o caso de Camões ou de

Fernando Pessoa. Em Lusitânia no Bairro Latino, de 1985, vemos Mário de Sá-

Carneiro, Santa Rita Pintor e Amadeu de Sousa Cardoso.

Hellmut Wohl, falando sobre a pintura de Pomar, assinala que a partir de 80 se

dá uma mudança na obra deste, inaugurada num estilo de grande amplitude pictórica

e de cores e de grande liberdade gestual – o «estilo tardio» da obra de Pomar. O

trabalho de maior destaque desta fase é a Caça ao Snark, triptícos baseados no

poema Hunting of the Snark, de Lewis Carroll.

Júlio Pomar é também um nome ligado à azulejaria.

Camões, Fernando Pessoa e Almada Negreiros surgem, em 1989, representados no

enorme painel da estação do Alto dos Moinhos.

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12

Destaca-se igualmente como importante retratista, tendo pintado, entre muitos,

o retrato de António Lobo Antunes ou de Mário Soares.

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1

PROGRAMA 20

ARTESANATO PORTUGUÊS

O artesanato português é de uma enorme riqueza e variedade, reflectindo a

relação criativa do artesão com a matéria-prima da sua região e com a sua cultura.

As louças têm características únicas, destacando-se pelos motivos e cores. O

talento e a genialidade de Bordalo Pinheiro manifestam-se nas suas naturezas mortas,

como o pote das ginjas ou o gato e o rato.

As mulheres de Viana do Castelo souberam muito bem reproduzir a natureza

observada, estilizando-a nos seus bordados.

A lenda do galo de Barcelos está associada à cidade de Barcelos e é quase

um símbolo do país.

Neste programa, a Ana e o João descobrem a enorme riqueza e diversidade do

artesanato português.

Ana: - João?

João: - Hum, sim... Quem fala?

Ana: - Sou eu, a Ana.

António: - Ai, desculpa, não estava a reconhecer a tua voz.

Ana: - Estavas a dormir?

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2

João: - Não faz mal. Estava só a passar pelas brasas. São quase horas de jantar. Diz

lá.

Ana: - Podes vir ter comigo cá abaixo?

João: - Posso. Porquê? Aconteceu alguma coisa?

Ana: - Não. Está tudo bem. Mas, encontrei aqui uma coisa gira.... Lembras-te dos

folhetos e das brochuras que temos sobre artesanato português?

João: - Sim... e do livro que compraste. E depois?

Ana: - E depois?! Olha, nem de propósito! Nós ontem a falarmos de artesanato e eu

acabei de assistir aqui, por acaso, a um bocadinho de um programa sobre artes e

ofícios tradicionais em Portugal.

João: - Porque é que não me avisaste?

Ana: - Nem deu tempo. Foram mesmo só uns minutitos... E além disso, fiquei cheia de

pena de não o ter visto todo!

João: - Que pena!

Ana: - Vá... mas anda lá! Desce lá! Quero contar-te tudo, enquanto está fresquinho e

me lembro de todos os pormenores!

João: - Ok. Desço já.

******

João: - Então conta lá o que viste. Com tanto entusiasmo...

Ana: - Olha, eu já imaginava que o artesanato português era um nunca mais acabar...

Mas ainda supera as minhas expectativas, sabes? Eu não vi o princípio do programa,

mas ainda vi peças tão bonitas… azulejos, tecelagem, cerâmica decorativa, vitrais ... E

mostraram pessoas a trabalhar e tudo... Acho que era uma escola de artes e ofícios

tradicionais aqui em Lisboa.

João: - Ah, que giro. Se conseguíssemos descobrir onde fica, podíamos lá ir.

Ana: - Ah, isso era uma excelente ideia, só que eu não sei onde fica. Bem, mas isso

depois vemos na net, mais tarde.

João:- Boa ideia. Temos com certeza pano para mangas.

Page 228: 15233235 Falamos Portugues (1)

3

Ana:- Se queres dizer que temos muito por descobrir, tens toda a razão.

João: - Olha, há uma coisa de que tu não gostas nada mas que te tem deixado colada

a todas as montras que encontramos pelo caminho.

Ana: - Ah, já sei. A joalharia. Nem me fales! Sabes é que eu perco-me por isso… um

anelzinho moderno… de prata ou ouro, tanto faz. Eu não sou esquisita.. Olha e outra

coisa que também adoro são aqueles lenços minhotos , cheios de cor… Aliás, se

passarmos por um, não resisto a comprá-lo.

João: - Eu vi lenços desses numa loja aqui perto! Era uma loja com muitos bordados

e rendas. Até tinha lá imensos bordados da Madeira. Olha, e aquelas rendas feitas

com aqueles pauzinhos todos. Ficava todo baralhado com tantos pauzinhos.

Ana: - João, esses "pauzinhos" chamam-se bilros.

João: - Bilros?!!! Que nome esquisito! Qual será a origem?

Ana: - Ah, não faço ideia... mas tem ar de qualquer coisa que se perde no tempo....

Mas, espera, pelos vistos diz aqui que são típicos de Vila do Conde e de Peniche.

João: - Olha e aqui temos tapetes.

Ana: - O que eu gostava de ter um tapete destes! Mas é impossível. São tapetes

murais. E são feitos na região de Portalegre… Hum! Ah, mas isto é aqui artístico no

verdadeiro sentido da palavra… Olha, repara. Reproduzem obras de artistas como

Vieira da Silva, Almada Negreiros, , Maria Keil, entre outros... Bem, eu nem faço ideia

do preço por metro quadrado!...

João: - Esquece. Esses também são só para ver e apreciar... em museus!

Ana: - Sim, mas há também os Arraiolos… bordados à mão…

João: - Oh e os azulejos que estão aí por todo o lado: nas igrejas, nos palácios, nos

jardins, nas estações de metro, até no meio do trânsito, como ali ao pé do Jardim

Zoológico, lembras-te?

Ana: - João, ainda não fomos ao Museu do Azulejo. Temos de lá ir.. Amanhã?

João: - Boa ideia! vamos de manhã.

Page 229: 15233235 Falamos Portugues (1)

4

_____________________________________________________________

No diálogo vimos a Ana e o João a falarem sobre artesanato. Neste programa

vamos estudar o uso do imperativo para se fazer um pedido, o uso do vocativo e um

tipo particular de frases exclamativas muito usadas na oralidade.

1. FAZER UM PEDIDO

Vamos observar algumas sequências do diálogo em que é feito um pedido.

Ana: - Vá... mas anda lá! Desce lá! Quero contar-te tudo, enquanto está fresquinho e

me lembro de todos os pormenores!

******

João: - Então conta lá o que viste. Com tanto entusiasmo...

Ana: - Olha, eu já imaginava que o artesanato português era um nunca mais acabar...

Mas ainda supera as minhas expectativas, sabes?

******

Ana:- (...) Olha, repara. Reproduzem obras de artistas como Vieira da Silva, Almada

Negreiros, Maria Keil, entre outros...

Vejamos então agora as frases:

FAZER UM PEDIDO: USO DO IMPERATIVO

1. Anda lá!

2. Desce lá!

3. Olha...

4. Olha, repara!

5. Conta lá ...

Page 230: 15233235 Falamos Portugues (1)

5

Todas as frases apresentadas no quadro são expressão de um pedido por

parte do locutor. Verificamos que na sua construção se usa o imperativo. Apesar das

frases imperativas serem geralmente consideradas expressão de ordem, é frequente

também expressarem um pedido, um conselho ou uma exortação. Todas as frases

acima são exemplo de um pedido. No entanto as frases 3, 4 apresentam também um

valor pragmático, principalmente fático, i.e., as frases são usadas para chamar a

atenção do interlocutor.

O contexto situacional em que as frases se inserem são determinantes para a

interpretação de ordem ou pedido. Por isso, afirmámos que as frases apresentadas

expressavam um pedido. Mas agora vejamos novamente a frase 5.

5. Então conta lá o que viste

Se esta frase fosse proferida num tribunal, estaríamos perante uma ordem e não

um pedido. É o contexto que nos permite identificar se a frase se trata de uma ordem

ou de um pedido.

Antes de terminar, chamo a vossa atenção para a partícula de realce ou enfática,

lá. Esta é muito usada na oralidade e serve para aumentar a importância dada à ideia

expressa, não modificando contudo o valor lógico da frase. Está intimamente ligada à

entoação, à expressividade do locutor e ao contexto em que é proferida. Vejamos

novamente as frases do diálogo:

1. Anda lá!

2. Desce lá!

3. Conta lá ...

Page 231: 15233235 Falamos Portugues (1)

6

2. VOCATIVO

Ana: - João, esses "pauzinhos" chamam-se bilros.

O vocativo consiste num sintagma nominal (SN) que apenas invoca o

destinatário do enunciado. Assim, o termo João não está subordinado a nenhum outro

elemento da frase. Serve apenas para chamar com maior ênfase essa pessoa. Este

termo de entoação exclamativa é separado da frase por uma vírgula. Se quisermos

ainda dar mais ênfase à frase, fazemos preceder o vocativo da interjeição ó.

- Ó João, esses "pauzinhos" chamam-se bilros.

O vocativo com ou sem a interjeição é muito usado na oralidade em português.

3. FRASE EXCLAMATIVA

Observemos agora a frase:

O que eu gostava de ter um tapete destes!

Trata-se de uma frase exclamativa muito frequente na oralidade. O sintagma - O que –

é colocado em posição inicial de frase. Esta frase realiza um acto ilocutório expressivo

ou seja exprime o estado psicológico do locutor relativamente a um determinado

estado de coisas descrito no enunciado. Esta frase poderia ser parafraseada por outra:

Como eu gostava de ter um tapete destes!

Page 232: 15233235 Falamos Portugues (1)

7

4. VOCABULÁRIO

Agora, vejamos a sequência do diálogo:

João: - Eu vi lenços desses numa loja aqui perto! Era uma loja com muitos bordados

e rendas. Até tinha lá imensos bordados da Madeira. Olha, e aquelas rendas feitas

com aqueles pauzinhos todos. Ficava todo baralhado com tantos pauzinhos.

Ana: - João, esses "pauzinhos" chamam-se bilros.

João: - Bilros?!!! Que nome esquisito! Qual será a origem?

1. “Ficava todo baralhado com tantos pauzinhos.”

2. “Bilros?! Que nome esquisito! Qual será a origem?”

1. Ficava todo baralhado significa ficava completamente confuso.

2. Que nome esquisito significa que nome estranho.

1. ficar todo baralhado = ficar completamente confuso

2. esquisito = estranho

Page 233: 15233235 Falamos Portugues (1)

8

5. EXPRESSÕES DO PORTUGUÊS

E, para terminarmos, recordemos algumas expressões do diálogo e tentemos

conhecer o seu significado.

1.“Estava só a passar pelas brasas.”

Passar pelas brasas = dormir um sono leve e curto; dormitar

2. “o artesanato português era um nunca mais acabar...”

Ser um nunca mais acabar...” = existe tanta variedade que não é possível

nomear todos os elementos.

3. “temos pano para mangas”

ter pano para mangas = ter muito para fazer

_____________________________________________________________________

Algum artesanato apresenta ainda hoje um aspecto utilitário ou está relacionado

com festas populares ou religiosas.

A cestaria tem origem muito remota no nosso país e utiliza espécies arbóreas

autóctones.Tem uma importância significativa na vida doméstica e rural. Fabricam-se

os mais variados objectos em junco, madeira, verga ou palha.

A transformação da lã e do linho adquiriu também uma enorme importância. Os

tecidos produzidos em lã, em algodão e em linho permitiam às comunidades locais

fabricar peças de vestuário e de uso doméstico. Ainda hoje são muito apreciados os

lençóis e as colchas de linho, os cobertores de lã e as mantas de trapos.

Page 234: 15233235 Falamos Portugues (1)

9

Mas longe vão os tempos em que estes objectos satisfaziam apenas as

necessidades das populações. Hoje produz-se para vender e para exportar. As

pessoas exigem agora objectos mais sofisticados mas que relembram a tradição e arte

de outrora.

Quem não conhece as famosas rendas de bilros de Peniche e de Vila do

Conde? É uma renda feita com minúcia, destreza e sobretudo muita paciência, não se

distinguindo nela o direito do avesso.

Os bordados de Viana do Castelo são inconfundíveis. Os motivos são

inspirados em animais domésticos, flores e folhas ou elementos geométricos bordados

com linha de algodão azul, vermelha e branca.

Os bordados de Niza, os famosos alinhavados, são executados à mão com

muita paciência e perícia, apresentando motivos inspirados na flora local.

Ninguém pode ficar indiferente às rendas e aos bordados em panos de linho

dos Açores.

E que dizer então dos bordados no vestido de baptizado, nas toalhas, nos

lenços, executados com tanta beleza, minúcia, riqueza e imaginação?

A tapeçaria de Portalegre, com o seu ponto característico feito em lã, tem vindo

a adquirir notoriedade, em virtude da recriação original de obras de alguns pintores

portugueses como, por exemplo, Almada Negreiros, Maria Helena Vieira da Silva e

Maria Keil.

Os tapetes de Arraiolos provêm de uma vila alentejana com o mesmo nome.

São tapetes bordados à mão com fios de lã e sobre tela. São uma das expressões

mais verdadeiras do artesanato regional. Os desenhos mais tradicionais apresentam

plantas e animais e são bastante coloridos.

Trabalha-se com requinte e arte materiais nobres como o estanho, a prata, a

filigrana e o ouro. Produzem-se peças sofisticadas, modernas ou tradicionais que se

exportam e adquirem reputação internacional.

Page 235: 15233235 Falamos Portugues (1)

10

Na Marinha Grande trabalha-se o vidro de uma maneira singular e original,

onde tradição e modernidade andam de mãos dadas. Apesar da crise enfrentada pela

indústria vidreira, o vidro continuou a ser produzido e manuseado com cuidado, arte e

empenho nas fábricas da Marinha Grande, impondo-se no mercado internacional pela

sua grande qualidade e originalidade

Quanto à tradição de trabalhar o barro, ela persiste em várias regiões. Quem

não conhece as características bilhas da região de Niza, «as cantarinhas», com as

suas pedrinhas brancas cuidadosamente cravadas no barro vermelho, como de

verdadeiros diamantes se tratassem?

Ou os conhecidos «bonecos» de Estremoz que retratam com simplicidade e

alguma ingenuidade várias figuras populares e religiosas.

O azulejo passou também a ser usado como suporte para a produção artística,

considerando-se hoje que se trata de uma manifestação original da cultura portuguesa,

onde é possível observar a história, a mentalidade e o gosto de um povo ao longo de

várias épocas. Mas o azulejo está presente em diversos palácios e igrejas por esse

país fora. Mencionamos apenas alguns: o Palácio Nacional de Sintra, a Quinta da

Bacalhoa, a Igreja de Jesus e o Palácio dos Marqueses da Fronteira.

O artesanato revela a alma e a arte de um povo que tem sabido guardar as

suas tradições e adaptá-las às necessidades e aos gostos dos tempos.

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1

PROGRAMA 21

NO CASTELO DE S. JORGE

Os séculos de História deste país estão patentes um pouco por toda a

capital. A colina mais alta de Lisboa exibe um dos castelos mais simbólicos de

Portugal. Com efeito, o Castelo de S. Jorge tem sido fiel acompanhante de Lisboa

desde tempos idos. Recebeu o nome de S. Jorge: o militar que se fez santo.

Uma das lendas mais conhecidas referentes a S. Jorge gira em torno da sua

bravura ao salvar uma virgem das garras de um dragão. A devoção a este santo foi

propagada, em Portugal, pelos ingleses que acompanharam Afonso Henriques na

conquista de Lisboa, no século XII. Mas foi só durante o reinado de D. João I que o

castelo foi colocado sob sua protecção. O Mestre de Avis, acérrimo devoto de S.

Jorge, tornou-o então padroeiro nacional.

Hoje a Ana e o João vão conhecer o Castelo de S. Jorge.

Ana: – Companheiro João, está na altura de empreendermos uma viagem ao

passado.

João: – A História de Portugal é um mundo vasto. Por onde é que começamos a

nossa viagem?

Ana: – Vou-te dar uma pista. Diz-me um local de Lisboa que seja visível de longe e de

muitos sítios.

João: – o Rio Tejo.

Ana: – Não, mas não estás longe.

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2

João: – O Aqueduto das Águas Livres.

Ana: – Ainda não. Pensa em arquitectura militar...

João: – Já sei! O Castelo de Lisboa!

Ana: – Correctíssimo. Ficas já a saber que esse era o nome do castelo, antes de ser

conquistado, aos Mouros, por D. Afonso Henriques, em 1147, com o auxílio dos

Cruzados a caminho da Terra Santa. Desde então, é o Castelo de ...

João: – ... de S. Jorge. Também já vi isso no guia. O Santo que luta contra um dragão

montado no seu cavalo.

Ana: – Mas que bem! Que letrados que nós somos!

João: – Anda, vem daí.

Ana: – Segundo o guia, estamos na Porta Martim Moniz. Sabes quem foi?

João: – Já ouvi falar. Mas, para ser sincero, devo admitir que não sei quem foi.

Ana: – Pois ouve só, a lenda que envolve o seu nome parece uma cena retirada dum

filme.

João: – Conta lá, despacha-te.

Ana: – Durante uma das muitas investidas contra o castelo, durante o cerco de

Lisboa, o intrépido Martim Moniz impediu que esta porta se fechasse a custo da sua

própria vida.

João: – Quero mais detalhes.

Ana: – Pois bem, o seu corpo ficou entalado entre os dois batentes e permitiu que os

cristãos liderados por D. Afonso Henriques entrassem na cidade.

João: – Ui! Deve ter doído!

Ana: – Mas tu pensas que isso o impediu de continuar? Ouve o resto: ferido

gravemente, Martim Moniz entrou com os companheiros e fez ainda algumas vítimas

entre os inimigos, antes de cair morto. D. Afonso Henriques quis honrar a sua valentia

e o sacrifício da sua vida ordenando que esta entrada passasse a ter o nome de

Martim Moniz.

João: – Nada que o Martim Moniz não merecesse!

Page 238: 15233235 Falamos Portugues (1)

3

Ana: – O povo diz que foi D. Afonso Henriques que mandou colocar o busto do herói

num nicho de pedra, onde ainda hoje se encontra, junto à Praça de Martim Moniz.

João: – Ah! Então, é daí que eu conhecia o nome.

Ana: – Provavelmente.

João: – Vamos andando, Ana. Quero visitar a Igreja de Santa Cruz.

Ana: – E não te esqueças da Olispónia!

João: – O quê?!

Ana: – Uma exposição multimédia que recria a Lisboa do séc. XVI.

João: – Agora percebo o que tu querias dizer com a história da viagem ao passado…

Ana: – Imagina só o que as pedras deste lugar já testemunharam...

João: – Deste lugar e de outros espalhados por este país. Afinal, são mais de

oitocentos anos de história.

Ana: – É verdade. Promete-me que não me deixas ir embora sem irmos a Guimarães.

João: – Está descansada. Estou a ver que D. Afonso Henriques te levou a pensar na

cidade berço.

Ana: – Bem sabes, que sempre fui uma apaixonada por História...

João: – Deixa lá o Condado Portucalense para outro dia. Agora estamos no Castelo

de S. Jorge. Que mais é que tu leste sobre este local?

Ana: – Vejamos... presume-se que o Castelo remonte a 48 A.C., ainda no tempo dos

Romanos ... Ah! Ouve só: o Monólogo do Vaqueiro, de Gil Vicente, “fundador” do

teatro português, foi representado aqui.

João: – Estou a tentar imaginar a cena...

Ana: – Fica sabendo que foi escrito e representado pelo próprio Gil Vicente na câmara

da rainha, em 1502, para comemorar o nascimento do príncipe D. João, futuro D. João

III.

João: – Queres dizer que a família real vivia aqui?

Page 239: 15233235 Falamos Portugues (1)

4

Ana: – No Paço Real da Alcáçova, a antiga Alcáçova Mourisca, desde o reinado de D.

Dinis. Todavia, mudaram-se para o Paço da Ribeira, mandado construir por D.

Manuel.

João: – Porquê?

Ana: – D. Manuel não gostava de viver no Castelo. Depois houve um terramoto em

1531 que danificou o Paço da Alcáçova.

João: – As pessoas falam muito no terramoto de 1755 e quase ninguém se lembra

que houve outros que marcaram a história desta cidade.

Ana: – Não posso deixar de pensar nos povos que já terão passado por este castelo...

por esta cidade.

João: – Dos Romanos, dos Árabes e dos Cristãos, lembro-me eu.

Ana: – Fora o resto.

João: – Sentemo-nos um pouco. Quero apreciar a luz deste local.

No programa de hoje, iremos abordar aspectos relacionados com os advérbios

e com as interjeições. Faremos, ainda, alusão a formas de expressar dor e suposição

com o futuro composto do indicativo.

1. ADVÉRBIOS

Ana: – Vou-te dar uma pista. Diz-me um local de Lisboa que seja visível de longe e

de muitos sítios.

João: – O Rio Tejo.

Ana: – Não, mas não estás longe.

João: – O Aqueduto das Águas Livres.

Ana: – Ainda não. Pensa em arquitectura militar...

João: – Já sei! O Castelo de Lisboa!

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5

Nas frases proferidas pela Ana, encontramos três advérbios: não, longe e

ainda. Os advérbios são palavras invariáveis que modificam vários tipos de

constituintes da frase, como por exemplo os verbos, tal como pode ser visto na frase.

“mas não estás longe,” em que não modifica o verbo estar.

“Diz-me um local de Lisboa que seja visível de longe e de muitos sítios.”

“Não, mas não estás longe.”

“Ainda não. Pensa em arquitectura militar...”

Olhemos, agora, com mais atenção para estes advérbios. Em duas destas

frases o verbo está subentendido e depreende-se do contexto do diálogo, neste caso,

entre a Ana e o João:

1. “Não, …” = (não acertaste no nome do local a que me refiro)

2. “Ainda não.” = (ainda não acertaste no nome do local a que me refiro)

Na frase 1, o advérbio não corresponde à frase “não acertaste no nome do

local a que me refiro.” Na frase 2, os advérbios ainda não equivalem à frase “ainda

não acertaste no nome do local a que me refiro.”

Já dissemos que os advérbios podem modificar um verbo, completando a

acção por ele expressa. Porém, nem todos os advérbios o fazem da mesma maneira.

Com efeito, não, longe e ainda possuem diferenças entre si.

Page 241: 15233235 Falamos Portugues (1)

6

Classificação

Não – advérbio de negação

Longe – advérbio de localização espacial

Ainda não – adverbial temporal.

O advérbio não transmite o significado de negação, conferindo, por isso, um

carácter negativo a uma frase, como por exemplo: “mas não estás longe.” Os

advérbios longe e ainda indicam uma localização, seja ela no espaço: “Diz-me um

local de Lisboa que seja visível de longe e de muitos sítios,” ou no tempo: “Ainda

não” (o João, até àquele momento, não acertou). Exprime aqui um valor aspectual

inacabado, que vimos num dos programas anteriores.

2. EXPRESSAR ATITUDES E SENTIMENTOS – DOR

Ana: – Pois bem, o seu corpo ficou entalado entre os dois batentes e permitiu que os

cristãos liderados por D. Afonso Henriques entrassem na cidade.

João: – Ui! Deve ter doído!

Esta exclamação do João, que se refere à dor que Martim Moniz terá,

certamente, sentido, retoma algo de que já falámos num programa anterior - as

interjeições. “Ui!” é aqui uma interjeição. Estas são frequentes nas frases exclamativas

e costumam ser acompanhadas de ponto de exclamação. Observem, agora, mais

formas de expressar dor em português:

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7

EXPRESSAR DOR

1.“Ai!/Ui! Deve ter doído!”

2. “Dói-me imenso (o braço)!”

3. “Cuidado, estás a magoar-me!”

As interjeições são as palavras com que, de maneira espontânea,

exprimimos vivamente as nossas emoções. Assim, é perfeitamente natural que

ocorram neste contexto, tal como a frase 1 exemplifica. As frases 2 e 3 não recorrem

a interjeições. Aqui expressa-se dor através do uso dos verbos doer e magoar,

respectivamente, e também devido ao facto destas frases serem exclamativas. A não

ocorrência de interjeições confere-lhes menos ênfase do que se estas tivessem sido

utilizadas.

3. EXPRESSAR SUPOSIÇÃO COM O FUTURO COMPOSTO DO INDICATIVO

Ana: - Não posso deixar de pensar nos povos que já terão passado por este castelo...

por esta cidade.

A Ana, influenciada pela relevância histórica do castelo de S. Jorge, imagina

quem terá pisado aquelas pedras. Reparem como o faz:

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8

“Não posso deixar de pensar nos povos que já terão passado por este castelo...

por esta cidade.”

(Verbo auxiliar ter no futuro do indicativo + o particípio passado do verbo

principal passar)

A Ana utiliza o futuro composto do indicativo (terão passado) para exprimir a

probabilidade, a suposição sobre factos passado. Esta forma verbal composta é

construída com o verbo auxiliar ter no futuro do indicativo, seguido do particípio

passado do verbo principal passar.

4. EXPRESSÕES

Ana: – É verdade. Promete-me que não me deixas ir embora sem irmos a

Guimarães.

João: – Está descansada. Estou a ver que D. Afonso Henriques te levou a pensar na

cidade berço

Antes de terminarmos, gostaria de fazer referência à expressão cidade berço,

usada pelo João. Encontramo-nos em presença de uma expressão com valor

metafórico e que remete para o início da existência da nação, isto é, para o

nascimento de Portugal. Guimarães foi o berço de Portugal e a sua primeira cidade

capital e, assim, ganhou o direito a este cognome

Fiquem, agora, com uns breves apontamentos sobre a longa história do castelo

de S. Jorge.

O Castelo de S. Jorge foi durante vários séculos a casa oficial da família real

portuguesa. Em 1531, um terramoto afectou gravemente as estruturas do Castelo. Foi

Page 244: 15233235 Falamos Portugues (1)

9

então que D. Manuel I, o Venturoso, se mudou para o Paço da Ribeira, no actual

Terreiro do Paço.

A partir daí, as grossas paredes passaram a servir para guardar presos e

militares. O terramoto de 1755 abalou as suas estruturas. Sofreu trabalhos de restauro

durante o regime do Estado Novo, já em pleno século XX. O Castelo terá começado a

ser edificado pelos árabes.

Ao ocupar uma das colinas mais altas de Lisboa, oferece vistas magníficas.

Por outro lado, quem se encontra na zona mais baixa da cidade tem a oportunidade de

apreciar a sua grande dimensão, que lhe é conferida pelas muralhas maciças nas

quais se podem contar onze torres. Uma delas, a Torre Ulisses, que protegia a entrada

principal do recinto, é, na actualidade, um miradouro.

Regressando ao interior do Castelo, deparamos com um espaço ajardinado,

com fontes, pavões reais e cisnes e, como não podia deixar de ser, com a estátua de

D. Afonso Henriques. O Castelo de S. Jorge não foi o único edifício a sofrer abalos

violentíssimos que se registaram na manhã do dia 1 de Novembro de 1755.

Há acontecimentos que, embora não mereçam honra de feriado nacional ou

de celebrações festivas, marcaram a Humanidade de uma forma global e em várias

dimensões. O Terramoto de 1755 constitui um evento que se inscreve, com toda a

propriedade, nesta categoria. Este acontecimento teve repercussões em toda a

Europa e nas manifestações artísticas da época. Voltaire, autor francês do século

XVIII, foi um dos que se lhe referiu num poema de sua autoria, facto que testemunha o

interesse que este marco da História de Portugal ainda desperta na actualidade.

Ó míseros mortais! Ó terra deplorável!

De todos os mortais monturo inextricável!

Eterno sustentar de inútil dor também!

Filósofos que em vão gritais: «Tudo está bem»;

Vinde pois, contemplai ruínas desoladas,

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10

Restos, farrapos só, cinzas desventuradas,

os meninos e as mães, os seus corpos em pilhas,

membros ao deus-dará no mármore em estilhas,

desgraçados cem mil que a terra já devora,

em sangue, a espedaçar-se, e a palpitar embora,

que soterrados são, nenhum socorro atinam

e em horrível tormento os tristes dias finam! (…)

Voltaire. O Poema sobre o Desastre de Lisboa. Trad. Vasco Graça Moura.

Lisboa: Alêtheia Editores, 2005. 35.

Numa palavra, Lisboa continua indelevelmente ligada à tragédia que a

mutilou, há 250 anos. Soube, no entanto, fazer das fraquezas forças e partir dos

escombros para uma modernização que se impunha.

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1

PROGRAMA 22

POR LISBOA ANTIGA

Eu canto para ti Lisboa à tua espera

Teu nome escrito com ternura sobre as águas

E o teu retrato em cada rua onde não passas

Trazendo no sorriso a flor do mês de Maio.

(excerto de «Canção com Lágrimas»

de Manuel Alegre, Adriano Correia de Oliveira)

A Ana e o João deambulam por uma cidade que se perde no tempo e no

coração dos poetas.

João: – Está na hora de prosseguirmos a nossa viagem pelo passado, Ana… Vamos

Ana.

Ana: – Estou aqui tão bem… Bem, nem pareço eu mesma…

João: – Não discordo! Mas temos de ir andando, não te esqueças que tu queres ver

tudo!

Ana: – Pronto! Já despertei.

João: – Cicerone, indica o caminho!

Ana: – Vamos passear pela Lisboa medieval.

João: – Estás a referir-te aos bairros circundantes do Castelo de S. Jorge?

Ana: – Tal e qual! Temos a Mouraria, a Madalena, a Graça, o Castelo, a Sé…

João: – …e Alfama!

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2

Ana: – De quem é esta estátua?

João: – Deixa ver… S. Vicente. Repara só no barco com dois corvos!

Ana: – É uma nau. É o símbolo da cidade.

João: – Anda ver a vista do Tejo, Ana. É única.

Ana: – Tens razão.

João: – As ruas aqui em volta são tão estreitas!...

Ana: – E parece que quem as desenhou não conhecia a linha recta.

João: – Travessas, becos, pequenos largos e escadinhas… Faz-me lembrar um

casbá, não achas?

Ana: – Pudera! Esta é uma área que tem imensa influência árabe, com as suas ruelas

a subir e a descer.

João: – As frontarias são giras. Olha as sacadas!

Ana: – Deixa-me que te diga que esta zona da cidade já foi uma das áreas mais ricas

de Lisboa.

João: – Explica lá, que tu já tens o guia na mão e eu não quero cansar as minhas.

Ana: – Saíste-me cá um espertinho… Antes da Idade Média, esta zona era habitada

por gentes com posses e elevado prestígio social.

João: – E o que é que mudou?

Ana: – Bem, a cidade cresceu e os terramotos obrigaram essas pessoas a mudar-se

para outras áreas da cidade.

João: – O próprio D. Manuel I deixou o Paço da Alcáçova.

Ana: – E por falar em mudanças, já vimos um bocadinho de Alfama! Se percorrermos

a Rua de S. Tomé, vamos dar à Calçada da Graça. Não queres ir até lá?

João: – Eu nem me atrevo a dizer que não! Tu matavas-me! A menina “quero ver

tudo!”

Ana: – É que no cimo da Calçada encontramos a Igreja de Nossa Senhora da Graça e

o miradouro!

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3

João: – Está bem. Convenceste-me com o miradouro. Mas tens de me prometer que

depois voltamos ao Largo das Portas do Sol para ver o Museu de Artes Decorativas!

Ana: – Está combinado.

João: – Ana, eu lembro-me dos meus pais falarem do Panteão Nacional. Não é por

aqui?

Ana: – Efectivamente, não é longe. O guia diz que também se chama Igreja de Santa

Engrácia.

João: – Ainda bem que viemos cá! Gosto muito de edifícios do estilo Barroco.

Ana: – Mas não penses que este edifício era o original. O primeiro caiu em 1681,

durante uma tempestade.

João: – Esta cidade não tem falta de desastres naturais!

Ana: – Isso é assim em todos os lugares do mundo, João. É a Mãe-Natureza!

João: – Se esta igreja é um Panteão, quem é que estará lá sepultado?

Ana: – Segundo o guia, o Panteão abriga os monumentos fúnebres de heróis e de

diversas personalidades da História de Portugal.

João: – Isso já eu sabia!

Ana: – Até lá está a Amália Rodrigues!

João: – Entremos, que ainda temos de ir ver o Museu de Artes Decorativas.

Ana: – Aqui vou eu!

Vamos, hoje, abordar formas de expressar resignação e alguns aspectos

relacionados com o grau do advérbio bem e com o uso hiperbólico da língua. Logo no

início do diálogo deparamos com uma intervenção de Ana de que vos quero falar um

pouco:

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4

1. EXPRESSAR RESIGNAÇÃO

João: – Está na hora de prosseguirmos a nossa viagem pelo passado, Ana… Vamos Ana.

Ana: – Estou aqui tão bem… Bem, nem pareço eu mesma…

João: – Não discordo! Mas temos de ir andando, não te esqueças que tu queres ver tudo!

Ana: – Pronto! Já despertei.

No excerto que acabámos de ver, a Ana aparenta estar com pouca vontade de

continuar o seu percurso por Lisboa, uma vez que está a usufruir da beleza do espaço

onde se encontra. Ao ser confrontada com a inevitabilidade da partida, resigna-se e

levanta-se. Utiliza, então, a palavra “pronto.”Ela poderia ter optado por uma outra

alternativa. Ora vejamos:

EXPRESSAR RESIGNAÇÃO

Pronto!

Que remédio!

O que é que se há-de fazer?

O que é que hei-de fazer?

Note-se que a palavra “pronto” é muitas vezes usada como um regulador da

comunicação. Na oralidade, é frequentemente utilizada para dar um assunto como

concluído e passar para outro. Nestas acepções a palavra é invariável, não admitindo

qualquer flexão.

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5

2. GRAUS DO ADVÉRBIO BEM

“Estou aqui tão bem…”

Regressemos, agora, ao tema dos advérbios. Estes últimos, relembro, são uma

classe de palavras bastante heterogénea e complexa. São palavras invariáveis que

modificam outros constituintes da frase como, por exemplo, os verbos, completando a

acção por eles expressa. Alguns advérbios são graduáveis, isto é, admitem flexão em

grau. Quando são graduáveis, tal como se verifica com o advérbio de modo bem, têm

superlativo absoluto sintético, observem:

Superlativo absoluto sintético de bem:

“Estou aqui optimamente…”

Superlativo absoluto analítico:

Superlativo absoluto analítico de bem:

“Estou aqui muito bem…”

Podem então ser modificados por advérbios com valor quantitativo:

“Estou aqui tão bem…”

(tão – advérbio com valor quantitativo + advérbio bem)

Page 251: 15233235 Falamos Portugues (1)

6

Surgem também em construções comparativas, como vamos observar nas

seguintes frases:

GRAUS DO AVÉRBIO BEM

Comparativo de inferioridade de bem:

“Estava aqui pior do que (estava) no hotel…”

Comparativo de igualdade de bem:

“Estava aqui tão bem como (estava) no hotel…”

Comparativo de superioridade de bem:

“Estava aqui melhor do que (estava) no hotel…”

Note-se que há advérbios que não se flexionam em grau porque o próprio

significado não admite variação de intensidade. Exemplos: aqui, ali, lá, hoje, amanhã,

anualmente.

3. USO HIPERBÓLICO DA LÍNGUA

Ana: – E por falar em mudanças, já vimos um bocadinho de Alfama! Se percorrermos

a Rua de S. Tomé, vamos dar à Calçada da Graça. Não queres ir até lá?

João: – Eu nem me atrevo a dizer que não! Tu matavas-me! A menina “quero ver

tudo!”

Esta intervenção do João leva-nos a aludir, de modo muito ligeiro, ao uso de

recursos estilísticos, concretamente, num registo de língua familiar. “Tu matavas-me!”

exclama o João, com humor, para a sua prima Ana, que já conhece bem. Claro está

que a Ana não iria cumprir esta ameaça, se o João se recusasse a fazer o que ela

Page 252: 15233235 Falamos Portugues (1)

7

queria. Estamos perante um uso hiperbólico da língua. A hipérbole consiste no

emprego de termos exagerados, a fim de pôr em destaque determinada realidade. Por

outras palavras, o João pretende realçar que não se atreveria a não fazer o que a Ana

queria, pois esta ficaria muito irritada com ele.

4. INTERJEIÇÃO: PUDERA!

João: – Travessas, becos, pequenos largos e escadinhas… Faz-me lembrar um

casbá, não é?

Ana: – Pudera! Esta é uma área que tem imensa influência árabe, com as suas

ruelas a subir e a descer.

Permitam-me que me refira ao modo exuberante como a Ana expressa a sua

concordância com o António. Ela recorre à palavra Pudera!. Esta corresponde a uma

interjeição, quando usada neste contexto, marcado por uma carga emocional; assim

se justifica o uso do ponto de exclamação. Esta interjeição tem origem no pretérito-

mais-que-perfeito do indicativo do verbo Poder. Se a Ana tivesse querido, poderia ter

optado por um outro enunciado, como estes que vos propomos:

“Pudera! Esta é uma área que tem imensa influência árabe, com as suas ruelas

a subir e a descer.”

“Não admira! …”

“É evidente! …”

“É claro! …”

Page 253: 15233235 Falamos Portugues (1)

8

Obrigado pela vossa atenção e não deixem de acompanhar, a seguir, uma

breve digressão pela história de Lisboa.

As excelentes condições naturais oferecidas pelo seu porto fluvial depressa

atraíram as atenções. Os Fenícios, grandes navegadores da altura, fundaram pelo ano

800 a.C. um núcleo urbano a que chamaram Alis Ubbo. Os romanos concederam-lhe

a categoria de município e atribuíram-lhe o nome de Felicitas Julia. A civilização árabe

também passou por Lisboa até esta ser conquistada pelo primeiro rei de Portugal, D.

Afonso Henriques, em 1147.

Em meados do século XIII, Lisboa é elevada a capital do reino, substituindo

Coimbra. A sua relação com o rio adquire ainda mais destaque com a aventura dos

Descobrimentos, que se desenrola nos séculos XV e XVI. O país viveu uma era de

grande prosperidade. São os anos das viagens de Vasco da Gama e de outros

navegadores que sulcam os mares em busca de novas terras. Um dos motivos que

terá contribuído para o sucesso desta empresa terá residido na facilidade com que os

portugueses entabulavam relações, comerciais e pessoais, com outros povos. Aliás, a

Ana e o João já visitaram algumas das magníficas pérolas da arquitectura que esses

séculos nos deixaram: o Mosteiro dos Jerónimos e a Torre de Belém, por exemplo.

Esta cidade conheceu, também, momentos mais conturbados. Além dos

terramotos que sempre visitaram Lisboa, de tempos a tempos, a capital portuguesa foi

também palco de convulsões sociais e políticas. Lembram-se da Revolução de 1383-

85, desencadeada pela morte de D. Fernando? E da posterior subida ao poder de D.

João I, o primeiro rei da dinastia de Avis?

No século XVI, em 1580, Portugal perde a independência para Castela, que

só virá a recuperar 60 anos mais tarde, em 1640. Isto para não falar da Revolução dos

Cravos, já no século XX, sobre a qual vos falaremos no próximo programa.

Voltando ao passado, e mantendo-nos fiéis à ligação Lisboa – rio Tejo, há

que fazer referência ao ouro que vinha do Brasil no século XVIII, que muito veio ajudar

Page 254: 15233235 Falamos Portugues (1)

9

na reconstrução da cidade, marcada por uma obra emblemática: o Aqueduto das

Águas Livres, cuja construção já se tinha iniciado antes do grande cataclismo que

marcou este século. Lembremo-nos ainda que a cidade de Lisboa tinha sido destruída

pelo terramoto de 1755.

O século XIX assistiu à chegada do comboio. E do primeiro sistema de

iluminação pública.

O século seguinte testemunhou um contínuo crescimento da cidade, algumas

vezes desordenado, de que resultaram construções em bloco, que não privilegiaram

espaços verdes e zonas de lazer. No entanto, o encanto de Lisboa e a sua relação

com o rio não foram afectados. Veja-se o caso das Docas e do Parque das Nações.

Espera-se que o esforço de modernização empreendido nesses anos tenha

continuação nos alvores deste novo milénio.

Apesar de todas as vicissitudes que marcaram a história de Lisboa ao longo

dos tempos, a essência da cidade continua viva e a servir de inspiração aos poetas.

Olhemos para Lisboa através dos olhos de uma poetisa: Sophia de Mello Breyner

Andresen.

Lisboa

Digo:

« Lisboa»

Quando atravesso – vinda do sul – o rio

E a cidade a que chego abre-se como se do meu nome nascesse

Abre-se e ergue-se em sua extensão nocturna

Em seu longo luzir de azul e rio

Em seu corpo amontoado de colinas -

Vejo-a melhor porque a digo

Page 255: 15233235 Falamos Portugues (1)

10

Tudo se mostra melhor porque digo

Tudo mostra melhor o seu estar e a sua carência

Porque digo

Lisboa com seu nome de ser e de não ser

Com seus meandros de espanto insónia e lata

E seu secreto rebrilhar de coisa de teatro

Seu conivente sorrir de intriga e máscara

Enquanto o largo mar a Ocidente se dilata

Lisboa oscilando como uma grande barca

Lisboa cruelmente construída ao longo da sua própria ausência

Digo o nome da cidade

- Digo para ver

Sophia de Mello Breyner Andresen

Obra Poética II 1977

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PROGRAMA 23

O DIA DA LIBERDADE

No dia 25 de Abril de 1974, Portugal acordou para uma nova fase do seu devir

histórico. O “25 de Abril” ou “Revolução dos Cravos” vinha pôr fim a 50 longos anos de

ditadura militar.

Ana: – Cá estamos nós, no celebérrimo Largo do Carmo! Este é um dos locais mais

célebres do 25 de Abril!

João: – Mas olha, ninguém diria!

Ana: – Pois é! Toda esta tranquilidade, esta calma... os pombos a esvoaçarem... a

bebericarem do chafariz... as pessoas a irem calmamente comprar o jornal ali ao

quiosque... Até parece que o local nunca conheceu agitação...

João: - Mas conheceu! E não foi pouca!

Ana: - Eu tinha mesmo de vir aqui! Fui construindo uma imagem deste sítio, a partir

das descrições do avô! Lembras-te? Sempre nos falou tanto do dia da revolução...

João: - E ficava com um brilhozinho no olhar... notava-se um orgulho, um

contentamento...

Ana: – Pudera...! Foi um homem que viveu “na carne” a opressão... e lutou sempre...

na clandestinidade... por isso, não admira nada!

João: – Não, não admira nada! ! O avô foi um forte opositor à ditadura...

Ana: – Um forte opositor? Um acérrimo opositor...

1

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João: - Era um grande homem, o nosso avô! Olha, o que sei do 25 de Abril, foi ele

quem me ensinou...

Ana: – Sim, contava-nos tudo, tim-tim por tim-tim! Tudo com muitos pormenores...

João: – E com muita vivacidade! Lembras-te dos discos que às vezes punha a tocar,

naquele gira-discos, que havia lá em casa dele?

Ana: – Era a chamada música de intervenção – tinha um carácter de combate e de

denúncia! Recordas-te da “Grândola Vila Morena”, do Zeca Afonso?

João: – Aquela canção que foi transmitida no dia 25 de Abril pela Rádio? Que foi uma

das senhas da revolução?

Ana: - Sim, essa mesma! O avô explicava-nos sempre isso! Ai... Como é que era a

letra?

João e Ana: – “Grândola vila morena/Terra da fraternidade/ O povo é quem mais

ordena/ Dentro de ti ó cidade!”.

Ana: - Fantástico, João! Ainda nos lembramos perfeitamente!

João: – Mas o primeiro sinal para iniciar as operações tinha sido emitido na véspera...

Ana: – Ah! Pois tinha! Era uma canção do Paulo de Carvalho. Chamava-se...

João: - “E depois do Adeus”! Após ouvirem o sinal, os Capitães de Abril começaram

a cumprir a sua missão. É preciso ser-se corajoso!

Ana: – Sim ! Porque todos os que se opunham ao regime eram severamente

perseguidos... eram presos, torturados...

João: – É difícil imaginarmos tempos assim! Nós, que sempre vivemos em

Democracia e Liberdade! Por isso é que o avô queria que soubéssemos!

Ana: – Claro! Mas mesmo assim, não é fácil imaginarmos a vida, o dia a dia das

pessoas! Já pensaste no que seria a vida num país onde não podias estar a falar na

rua com mais duma pessoa? Vinha a polícia de costumes e dispersava os grupos de

mais de duas pessoas! Eram considerados “ajuntamentos”, imagina...

João: – E podias ser multada se não tivesses “licença de porte de isqueiro”!

2

Page 258: 15233235 Falamos Portugues (1)

Ana: – A esta distância, parece ridículo! Mas a existência das pessoas tinha imensas

limitações: por exemplo, nas escolas, rapazes e raparigas não se misturavam! Tinham

salas, corredores e até recreios separados!

João: – Mas acho que ainda pior do que isso era não haver liberdade de expressão...

Ana: – Estás a referir-te ao “lápis azul” da censura, não é?

João: – Pois! Os censores riscavam com um lápis azul tudo o que considerassem

subversivo – a imprensa e as artes eram completamente controladas: teatro, cinema,

literatura, música, tudo passava pelo crivo da censura!

Ana: - Olha! Não vamos mais longe – o próprio Zeca Afonso, de quem falámos há

pouco! Foi preso pela PIDE!

João: – Claro! Também, a cantar “coisas” como “Eles comem tudo/ E não deixam

nada”!

Ana: – Isso era um protesto muito forte contra a injustiça na distribuição da riqueza...

Porque alguns eram riquíssimos mas o povo, esse era paupérrimo!

João: – Mas Zeca Afonso chega mesmo ao ponto de denunciar os assassínios

cometidos pela polícia. Olha, é o caso d’ “A morte saiu à rua”!

Ana: – É inimaginável! Se alguém te acusasse, mesmo que fosse mentira, vinham os

interrogatórios, os espancamentos, às vezes mesmo a morte...

João:- De facto, não deve haver nada pior do que viver-se com medo!

Ana: – Deve ser mesmo péssimo! Já viste bem? Às vezes, viver-se com medo do

próprio vizinho? Com medo até da sombra da esquina...

João: – Por isso, quando os militares controlaram certos locais estratégicos e a

situação estava dominada, o povo começou a festejar, a vir para a rua...

Ana: – Imagina este largo como o avô o descrevia: apinhado de gente, em cima dos

tanques do exército... tudo a gritar palavras de ordem... os militares e o povo, lado a

lado...

João: – O Presidente do Conselho, Marcelo Caetano, teve de acabar por se render...

3

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Ana: – A alegria era tanta que o povo espetava cravos nas espingardas dos

soldados...

João: – Era finalmente a liberdade!

Ana: – Para muitos, era uma espécie de “madrugada”! Sophia de Mello Breyner diz

exactamente isso. Queres ouvir?

Ana: – Esta é a madrugada que eu esperava/ O dia inicial inteiro e limpo/ Onde

emergimos da noite e do silêncio/ E livres habitamos a substância do tempo!

Hoje, a Ana e o João visitaram o Largo do Carmo. O local, pela sua importância

histórica, levou-os a falar sobre o 25 de Abril. A propósito da sua conversa,

abordaremos adjectivos (os graus de alguns adjectivos e a sua posição na frase).

1. ADJECTIVOS

Os adjectivos qualificativos, como a própria designação indica, exprimem qualidades

das entidades que qualificam. Alguns adjectivos qualificativos, como já vimos em

programas anteriores, são graduáveis – isto é, podem ser modificados por expressões

de grau. Estão nesta condição os adjectivos que apontam para qualidades que

admitem uma gradação, uma escala de valores (por exemplo, uma dada realidade

pode ser “bonita” em escalas diferentes: “bonita”; “tão bonita como outra”; “menos ou

mais bonita do que outra”; “muito bonita”; “bonitíssima”; etc.).

Na conversa a que hoje assistimos, a Ana e o João utilizam muitos adjectivos

graduados . Atenção ao excertos que se seguem:

1.1. GRAUS DOS ADJECTIVOS

4

Page 260: 15233235 Falamos Portugues (1)

Sequência 1:

Ana: - Cá estamos nós, no celebérrimo Largo do Carmo! Sabias que este é um dos

locais mais célebres do 25 de Abril?

Sequência 2:

João: – Não, não admira nada! ! O nosso avô foi um forte opositor à ditadura...

Ana: – Um forte opositor? Um acérrimo opositor, diz antes assim...

Sequência 3:

Ana: – Porque alguns eram riquíssimos mas o povo, esse era paupérrimo!

A Ana, para qualificar as entidades a que se refere, utiliza adjectivos no grau

superlativo; a maior parte dos adjectivos do excerto estão no grau superlativo absoluto

sintético. A Ana recorre ao superlativo absoluto sintético para apresentar as

qualidades das entidades no seu grau máximo: diz-nos que o largo do Carmo é um

local “celebérrimo” (equivale ao superlativo absoluto analítico extremamente

célebre ou extremamente famoso), que o avô foi um “acérrimo opositor” à

ditadura (isto é, um opositor “mais do que forte”, extremamente forte ou

extremamente acre), que alguns eram “riquíssimos” (ou seja, extremamente

ricos), mas que o povo era “paupérrimo” (extremamente pobre).

Superlativo Absoluto Sintético

Celebérrimo (= extremamente célebre)

Acérrimo (= extremamente acre/ forte)

Riquíssimo (= extremamente rico)

Paupérrimo (=extremamente pobre)

5

Page 261: 15233235 Falamos Portugues (1)

Já de seguida, vamos ver melhor como se forma em cada um destes exemplos o grau

superlativo absoluto sintético.

1.1.1. FORMAÇÃO DO GRAU SUPERLATIVO ABSOLUTO SINTÉTICO

Como já foi abordado em programas anteriores, em português o superlativo absoluto

sintético forma-se, em muitos casos, com o sufixo –ÍSSIMO .

No que diz respeito particularmente aos adjectivos terminados no grau normal em -co,

após a queda da vogal final –o, mudam o c em qu antes de receberem o sufixo:

RICO [RIC(O) + ÍSSIMO ] RIQUÍSSIMO

Vemos que em “RICO” o “–o” cai, desaparece, o “C” muda para “QU” e junta-se

depois o sufixo –ÍSSIMO para formar o superlativo abosoluto sintético.

Mas há também adjectivos cujo superlativo absoluto sintético nos chegou directamente

do latim. São cultismos, palavras cultas, que nos chegaram por via erudita:

Grau Normal

Superlativo Absoluto Sintético

CÉLEBRE

ACRE

POBRE

CELEBÉRRIMO (do latim celeberrĭmu-)

ACÉRRIMO (do latim *acerrĭmu-)

PAUPÉRRIMO (do latim pauperrĭmu-)

6

Page 262: 15233235 Falamos Portugues (1)

“Celebérrimo”, superlativo absoluto sintético de “célebre”, chegou-nos do latim

“celeberrimu-“; “acérrimo”, superlativo absoluto sintético de “acre”, provém do latim

“* acerrimu-“ e “paupérrimo”, superlativo absoluto sintético de “pobre”, vem do latim

“pauperrimu-“.

Estas formas de superlativo tendem a ocorrer em registos discursivos bastante

cuidados.

De salientar que alguns dos superlativos absolutos sintéticos ditos “eruditos” têm

também uma forma popular, formada , com o sufixo –íssimo, a partir do adjectivo:

Adjectivo

Forma erudita

Forma popular

pobre

paupérrimo

pobríssimo [pobr(e) +-íssimo]

Assim, neste caso, para o adjectivo “pobre” temos a forma erudita “paupérrimo” a par

da forma popular “pobríssimo”.

1.2. CASOS PARTICULARES DE COMPARATIVO E DE SUPERLATIVO

Alguns adjectivos apresentam formas particulares para expressar a quantificação:

Ouçamos a Ana e o João:

7

Page 263: 15233235 Falamos Portugues (1)

João: – Mas acho que ainda pior do que isso era não haver liberdade de

expressão...

João: - De facto, não deve haver nada pior do que viver-se com medo!

Ana: – Deve ser mesmo péssimo!

Normal

Comparativo de

Superioridade

Superlativo Absoluto

Sintético

MAU

BOM

PEQUENO

GRANDE

PIOR

MELHOR

MENOR

MAIOR

PÉSSIMO

ÓPTIMO

MÍNIMO

MÁXIMO

“Pior” é o comparativo de superioridade de “mau”; “péssimo” é o superlativo

absoluto sintético. À semelhança do que se passa com “mau”, também “bom”,

“pequeno” e “grande” têm formas próprias de comparativo e de superlativo: “bom”,

“melhor”, “óptimo”; “grande”, “maior”, “máximo”; “pequeno”, “menor”,

“mínimo”.

2. POSIÇÃO DO ADJECTIVO NA FRASE

Vamos agora dar atenção às posições que os adjectivos qualificativos podem ocupar

na frase, bem como ao valor semântico associado a cada posição.

8

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Certos adjectivos qualificativos podem ocorrer na frase em duas posições diferentes:

antes ou depois do nome que qualificam.

Cada uma das posições veicula um significado particular, ou seja, um mesmo

adjectivo em posições diferentes suscita diferentes interpretações. Vejamos o seguinte

excerto:

João: - Era um grande homem, o nosso avô!

Como certamente repararam, o João coloca o adjectivo “grande” antes do nome;

“grande” assume, desta forma, o significado de “notável, querendo dizer de valor

superior”;

Mas imaginemos que o João colocava o adjectivo a seguir ao nome e dizia, por

exemplo, “O nosso avô era um homem grande”; nesta posição, “grande” significaria

então “de estatura elevada”.

um grande homem (= notável)

um homem grande (= de estatura elevada)

Sintetizando: os adjectivos que designam qualidades objectivas, objectivamente

observáveis e muitas vezes até passíveis de medida, são colocados depois do nome.

O adjectivo tem assim um valor descritivo, que remete para o seu sentido inerente,

”não figurado”; alguns destes adjectivos, da classe de qualidade objectiva, podem ser

colocados antes de alguns nomes; o significado do adjectivo deixa então de ser

9

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objectivo e passa a avaliativo; por vezes, nesta situação, o adjectivo adquire um valor

expressivo.

Vejamos exemplos de adjectivos de uso muito frequente em português, cuja

significação muda consoante a sua posição na frase:

amigo velho (= idoso) / velho amigo (= amigo de longa data);

pessoa rica ( = endinheirada) / rica pessoa (= bondosa; boa);

homem pobre (= sem recursos) / pobre homem (= sem sorte)

Se temos um “amigo velho” quer dizer que temos um amigo idoso, mas se temos um

“velho amigo” temos um “amigo de longa data”, não necessariamente idoso; uma

“pessoa rica” é alguém endinheirado, com recursos materiais, mas “uma rica pessoa”

é alguém bondoso, com qualidades humanas superiores; “um homem pobre” é um

homem sem recursos materiais mas um “pobre homem” é um homem “sem sorte”, um

“coitado”.

Terminámos a explicação de hoje dedicada aos adjectivos; vamos agora aprender um

pouco mais sobre a história recente de Portugal, que ficou marcada pela “Revolução

dos Cravos” – o 25 de Abril.

Em 28 de Maio de 1926, um golpe de estado tinha terminado com a Primeira

República, extinguido todas as instituições políticas democráticas e instaurado no país

uma ditadura militar, que se afiguraria duradoura.

António Oliveira Salazar viria a ser a personalidade política central do regime

então iniciado. Começa por ser Ministro das Finanças, mas depressa determina toda

10

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a orientação política do governo. É nomeado Presidente do Conselho em 1932, cargo

que ocupa até 1968, quando adoece gravemente em virtude de uma queda e é

substituído por Marcelo Caetano.

A constituição de 1933 inaugura um regime político que ficou conhecido como

Estado Novo. Preconiza um estado forte, centralizador e antidemocrático, cuja

actuação será marcada pelo autoritarismo.

O referido sistema político controla todas as actividades económicas e sociais

do país através dum rígido intervencionismo económico-social. O nacionalismo

corporativo dificulta o surgimento de movimentos sindicais.

Uma das traves mestras do governo é o seu severo imperialismo colonialista.

Portugal mantém violentamente, sob condenação das Nações Unidas, o último império

colonial do mundo ocidental.

Desde 1961, trava, no Ultramar, uma sangrenta Guerra Colonial. Iniciada em

Angola, na sequência de acções repressivas contra trabalhadores angolanos, estende-

se em 1963 à Guiné e depois a Moçambique.

Na metrópole, as mulheres assistem, impotentes e inconsoláveis, ao embarque

de milhares de jovens combatentes, para uma guerra que lhes rouba os seus jovens

filhos, namorados e maridos.

Todos irão esperar ansiosamente “o grande dia” – o dia do regresso, do

reencontro. Salazar apela ao cumprimento do dever, ao sentido de patriotismo. Apela

à heroicidade, mas os rostos que nos chegam da guerra só espelham desespero e

incompreensão.

A Guerra do Ultramar transformou-se num dos maiores motivos de oposição ao

governo. Levanta, por diversas vezes, fortes movimentos de contestação estudantil.

Tais lutas são acentuadas em 1972, quando o estudante Ribeiro dos Santos, do

MRPP, é morto a tiro pela PIDE, no decorrer de uma manifestação.

11

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Com efeito, a PIDE, polícia política do Estado Novo, é o instrumento da

repressão, silenciador de todas as vozes discordantes. Os opositores ao regime são

perseguidos, presos ou são forçados à clandestinidade e ao exílio. É o caso de Álvaro

Cunhal e de Mário Soares.

Portugal, seguindo o lema do “orgulhosamente sós”, está votado ao isolamento

internacional. A dura censura exercida sobre as artes e a cultura leva a

intelectualidade portuguesa também ao exílio.

A partir de Agosto de 1973, “os capitães de Abril” começam a reunir

clandestinamente. Pouco a pouco, delineia-se um movimento – o Movimento dos

Capitães - a favor duma revolução, contra o regime e a guerra colonial.

O “Movimento das Forças Armadas” – MFA – é a força militar que no dia 25 de

Abril de 1974 depõe o governo ditatorial e conduz à restauração da Democracia.

Na sequência imediata da Revolução, a sociedade portuguesa presencia rápidas

alterações:

- são libertados os presos políticos e a Pide é extinta;

- a Pide, a polícia política do Estado Novo, é extinta e alguns informadores, os

Pides, são presos;

- o povo, exultante, aplaude o regresso ao país dos líderes do partido socialista

e comunista;

- a 1 de Maio de 1974, comemora-se, pela primeira vez em Portugal, o Dia do

Trabalhador;

- cessou a Guerra Colonial e a 27 de Julho de 1974 é reconhecido o direito à

independência das colónias portuguesas;

- as primeiras eleições livres ocorrem no dia 25 de Abril de 1975.

Durante os anos que se seguiram à Revolução, desenrola-se um período de forte

contestação das autoridades tradicionais e de luta laboral e social. Os músicos e

12

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13

cantores, tanto tempo privados de voz, fazem eco das preocupações revolucionárias

no “canto de intervenção”.

Mas os valores conquistados por Abril levarão o seu tempo a germinar, a

implantar-se na mentalidade e no modo de vida dos portugueses.

Hoje, no dealbar do séc. XXI, Portugal é um país livre, democrático e plural onde a

abertura ao mundo e o multiculturalismo, sobretudo depois da adesão à CEE, em

1986, são uma realidade cada vez mais acentuada.

.

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1

PROGRAMA 24

NO PORTO

O Porto prosperou com o comércio desde que as rotas mercantis dos romanos

cruzavam o Douro. Soube ainda aproveitar as riquezas geradas pelas descobertas

marítimas portuguesas dos séculos XV e XVI. Posteriormente, o comércio dos vinhos

com a Inglaterra compensou a perda do comércio das especiarias. O Porto constitui

hoje um centro industrial importante e é a segunda cidade do país.

A Ana e o João decidem por isso visitar o Porto, também conhecido como

Cidade Invicta, título atribuído pela rainha D. Maria II, devido à coragem dos seus

habitantes, durante o cerco da cidade pelos Miguelistas.

__________________________________________________________

Ana: - Que azulejos interessantes. A maior parte deles são alusivos a episódios da

História de Portugal.

João: - Mas também há representações de festejos populares e religiosos. Sabias que

o autor destes azulejos foi Jorge Colaço?

Ana: - Que ignorância, a minha! Quem foi ele?

João:- É o mesmo autor dos painéis do Palace Hotel do Buçaco e da Igreja dos

Congregados aqui no Porto.

Ana: - Como sabes essas coisas? Andaste a ler o meu guia, não é verdade?

João:- Enquanto dormias. Mas, toca a despachar. Temos milhentas coisas para ver

aqui no Porto.

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2

João:- Gostei imenso da casa. É obviamente dos anos 30. As linhas são Art Déco. O

seu proprietário teve muito bom gosto.

Ana:- Achei a casa linda, mas os jardins são magníficos.

João:- Parece que o proprietário da casa solicitou a colaboração de artistas

estrangeiros para o desenho destes jardins.

Ana:- O projecto foi, sem dúvida, bem conseguido. Quanto à casa, achei-a bonita,

mas prefiro coisas mais modernas como aquela casa que vimos na Av. Dos

Combatentes daquele arquitecto, o da reconstrução do Chiado em Lisboa. Como era o

nome dele?

João:- Siza Vieira. É o mesmo que desenhou a Faculdade de Arquitectura aqui do

Porto.

Ana:- Eu sei. Que edifícios espectaculares!

******

Ana:- Estou a gostar do ambiente da cidade e das pessoas aqui do Porto.

João: Acho que visitámos muitas coisas, mas ainda ficou tanto por ver.

Ana:- Ficaria aqui mais tempo, se pudesse.

João:- Dir-se-ia que gostaste do Porto.

Ana:- Eu diria antes que me apaixonei por esta cidade e por estas gentes.

João:- E não vimos tudo. Gostaria tanto de ter visitado a Igreja de Santa Clara. É uma

igreja renascentista. Ou a Igreja de São Francisco. Parece que o seu interior do século

XVIII surpreende todos os visitantes. Imagina lá que há mais de 200 kg de ouro no

altar, nas colunas e nos pilares. E para não falar no Museu Soares dos Reis. Que

pena!

Ana:- Mas talvez ainda tenhamos tempo amanhã de manhã. Se nos levantarmos

cedo, é claro.

João:- Se não fosses tu, não ficaríamos a conhecer tão bem o Porto.

Ana:- Mas, vá lá, João, o que é sabes sobre o Museu Soares dos Reis?

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3

João:- Bom, sei que fica num palácio construído em finais do século XVIII. Pertencia

a uma família rica do Porto. Mais tarde, a família real adquiriu-o para sua residência. E

só muito mais tarde é que se tornou no Museu Soares dos Reis. Sabes quem foi

Soares dos Reis, não sabes?

Ana:- Já ouvi falar. Era um escultor, não era?

João:- Sim, do século XIX. Li no teu guia que é o autor da escultura O Desterrado e

que está no Museu. Mas, parece que há muitas coisas para ver no Museu, desde

pintura a ourivesaria.

Ana:- Não sei se te diga ou não, mas...lembras-te do prometido?

João:- Eu cá não prometi nada.

Ana:- Não?! Caves do vinho do Porto, diz-te alguma coisa? Creio que te lembras bem.

João:- Ainda te lembras disso? Apenas o tinha sugerido. E já foi há tanto tempo!

Ana:- Deixa-te de lamentações... Descansamos um pouco aqui nestes jardins e

depois continuamos a visita, faça sol ou faça chuva.

João:- E parece que chuva é coisa que aqui não falta. Tenho a impressão de que

continuamos a treinar-nos para alguma maratona!

Ana:- Não faças fitas. Se queremos aproveitar bem a estadia no Porto, devemo-nos

esforçar um pouco.

João:- Pobre de mim!

Ana:- Mas não achas boa ideia?

João:- Lá achar, acho. Só não sei se sobreviverei.

_____________________________________________________________________

Acompanhámos a visita da Ana e do João à cidade do Porto. Agora, vamos retomar

algumas frases do diálogo para abordar o uso do Condicional, a sintaxe dos clíticos e

ainda para explicar o significado de algumas expressões do português.

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4

1. Uso do Condicional

Vejamos novamente um excerto do diálogo:

Ana:- Estou a gostar do ambiente da cidade e das pessoas aqui do Porto.

João:- Acho que visitámos muitas coisas, mas ainda ficou tanto por ver.

Ana:- Ficaria aqui mais tempo, se pudesse.

João:- Dir-se-ia que gostaste do Porto.

Ana:- Eu diria antes que me apaixonei por esta cidade e por estas gentes.

João:- E não vimos tudo. Gostaria tanto de ter visitado a Igreja de Santa Clara. É

uma igreja renascentista. Ou a Igreja de São Francisco. Parece que o seu interior do

século XVIII surpreende todos os visitantes. Imagina lá que há mais de 200 kg de

ouro no altar, nas colunas e nos pilares. E para não falar no Museu Soares dos Reis.

Que pena!

Observemos agora algumas frases que acabaram de ouvir no diálogo.

USO DO CONDICIONAL

1.Ficaria mais tempo, se pudesse.

2.Dir-se-ia que gostaste do Porto.

3.Eu diria antes que me apaixonei por esta cidade e por estas gentes.

4.Gostaria tanto de ter visitado a Igreja de Santa Clara.

5.Se não fosses tu, não ficaríamos a conhecer tão bem o Porto.

As frases que estamos a ver apresentam o Condicional com valor modal.

Assim, em (1) o condicional é usado como uma probabilidade feita sob uma condição:

se a Ana pudesse (condição) ficaria mais tempo (era provável que ficasse mais

tempo); em (2) faz-se uma suposição provável – ou seja, pela reacção da Ana, o João

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5

supõe que ela tenha gostado do Porto; em (3) é feita uma eufemização – isto é, a Ana

declara ter-se apaixonado pelo Porto mas de uma forma eufemística, suavizada; em

(4) exprime-se um desejo e em (5) usa-se o condicional para exprimir uma certa

irrealidade.

O ponto de perspectiva temporal nestas frases não é o passado. Como

dissemos logo no início, destaca-se nestas o seu carácter modal. Não apresentam

características temporais mas sim gramaticalizam as opiniões das personagens.

Contrastem-se as frases em análise com a frase seguinte, que não está no diálogo:

O ponto de perspectiva temporal desta frase é o passado. Aqui o condicional

usa-se para perspectivar o futuro mas a partir do passado (ontem).

2. Sintaxe dos Clíticos

Vejamos agora mais umas frases do diálogo e observemos a sintaxe dos

pronomes clíticos que correspondem às formas átonas do pronome pessoal.

SINTAXE DOS CLÍTICOS

1. Dir-se-ia que gostaste do Porto.

2. Creio que te lembras bem.

3. Ainda te lembras disso?

4. Apenas o tinha sugerido.

5. Tenho a impressão de que continuamos a treinar-nos...

6. Ontem a Ana encontrou um colega e este convidá-la-ia para ir ao teatro.

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6

6. Se queremos...., devemo-nos esforçar.

Em 1, observamos que o pronome objecto está colocado entre a forma infinitiva

e os afixos flexionais. Trata-se de uma sobrevivência da gramática antiga do

português. Em 2., o pronome surge antes do verbo porque se trata de uma frase

subordinada. O complementador- Qu atrai o clítico para a posição antes do verbo. Na

frase 3, o clítico surge antes do verbo porque temos uma frase interrogativa e além

disso iniciada com um operador de focalização -ainda. Em 4., o clítico precede o

verbo. O advérbio de focalização apenas atrai o clítico para uma posição antes do

verbo. Em 5., observamos que o pronome clítico ocorre à direita da forma infinitiva. No

entanto, também seria possível fazê-lo preceder o verbo aspectual - continuar a... A

frase poderia ser dita do seguinte: Tenho a impressão de que nos continuamos a

treinar...

Na frase 6, o clítico surge depois do verbo modal dever. No entanto, também

seria possível colocar o clítico depois da forma infinitiva. Ambas as frases estariam

correctas. Assim, a frase poderia ser dita:

Se queremos..., devemos esforçar-nos...

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7

3. Actos de fala

Quanto aos actos de fala, destacamos a expressão de desejo e de pena.

Vejamos novamente um pequeno excerto do diálogo:

Ana:- Estou a gostar do ambiente da cidade e das pessoas aqui do Porto.

João: Acho que visitámos muitas coisas, mas ainda ficou tanto por ver.

Ana:- Ficaria aqui mais tempo, se pudesse.

João:- Dir-se-ia que gostaste do Porto.

Ana:- Eu diria antes que me apaixonei por esta cidade e por estas gentes.

****

João:- E não vimos tudo. Gostaria tanto de ter visitado a Igreja de Santa Clara. É

uma igreja renascentista. Ou a Igreja de São Francisco. Parece que o seu interior do

século XVIII surpreende todos os visitantes. Imagina lá que há mais de 200 kg de

ouro no altar, nas colunas e nos pilares. E para não falar no Museu Soares dos Reis.

Que pena!

ACTOS DE FALA

• Para se expressar desejo:

“Gostaria tanto de ....”

• Para expressar pena:

“Que pena!”

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8

4. Expressões do Português

Vamos agora recordar algumas expressões do diálogo e explicar o seu significado.

1.“Temos milhentas coisas para ver aqui no Porto.”

2. “Faça sol ou faça chuva.”

3. “Não faças fitas.”

A frase 1 “Temos milhentas coisas para ver aqui no Porto” trata-se de um

exagero, de uma hipérbole, que significa que se tem muito para fazer, sendo aqui

locais para visitar ou ver. A frase 2 “Faça sol ou faça chuva” significa em qualquer

circunstância. A frase 3 “Não faças fitas” significa não dar nas vistas, não agir de forma

exagerada. Esta expressão é utilizada num registo de língua bastante informal.

Agora espero que gostem da proposta que vos fazemos para conhecerem o

Porto

______________________________________________________________

O centro histórico do Porto merece uma visita. Comecemos a nossa visita pelo

Terreiro da Sé. Aqui podemos ver a Sé, a casa do Cabido e o Palácio Episcopal. A Sé

foi alvo de intervenções ao longo dos séculos, apresentando hoje uma enorme

variedade de estilos. Os tesouros artísticos da Sé merecem ser visitados. Num dos

claustros gótico e abobadado observam-se os painéis setecentistas de azulejos de

rara beleza.

Na rua D. Hugo pode ver-se a Casa-Museu Guerra Junqueiro, propriedade

daquele poeta do século 19.É um edifício setecentista, de estilo barroco, atribuído a

Nicolau Nasoni.

Se descermos as escadas até ao Cais da Ribeira, zona típica, chegamos ao

Barredo – bairro de aspecto medieval.

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9

Pela rua de S. João, chegamos ao Largo de S. Domingos onde se erguia o

convento com o mesmo nome. Mas, entre 1787 e 1832, o edifício sofreu vários

incêndios, ficando quase totalmente destruído, restando-lhe agora a fachada

recuperada.

Na Rua de S. Bento da Vitória, pode visitar-se o Mosteiro com o mesmo nome.

Este mosteiro é considerado um dos edifícios religiosos mais importantes e

imponentes da cidade do Porto Ao fundo da Rua de S. Bento, avista-se a Ponte e a

Bolsa.

Na Cadeia e Tribunal da Relação, estiveram presos Camilo Castelo Branco e

Ana Plácido e ainda o famoso Zé do Telhado, assaltante da região, que ajudava os

mais necessitados e que faz hoje parte do imaginário popular.

Nicolau Nasoni, arquitecto de origem italiana, figura importante no panorama

artístico do século XVIII, da cidade do Porto. É da sua responsabilidade a fachada da

Igreja da Misericórdia, a transformação da Sé e o conjunto dos Clérigos, considerado

um magnífico exemplar do barroco. Se descermos a Rua dos Clérigos podemos

apreciar a Av. dos Aliados e a Praça da Liberdade. A Ribeira também merece ser

descoberta.

Se caminharmos até à Ponte de D. Luís, projectada por um discípulo de Eiffel no

século XIX, poderemos observar toda a zona envolvente, como o casario de cores

fortes, desde o Cais até à Sé, considerada hoje Património Mundial pela UNESCO.

A Praça da Ribeira foi até ao século XIX, o centro da actividade comercial da

cidade. Actualmente, esta zona atrai muitos turistas pelos restaurantes e espaços

nocturnos existentes. Veja-se ainda na Ribeira, a Igreja de São Francisco: a sua

fachada austera, gótica não nos deixa adivinhar a talha dourada existente no seu

interior. Mas o interesse e património histórico da cidade do Porto não se esgotam

nestas zonas.

Há muito mais por descobrir nesta cidade encantadora, como por exemplo a

Fundação de Serralves, com a sua casa e jardins magníficos, o Coliseu, fundado em

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10

1941 e desenhado por Cassiano Branco, o Estádio do Dragão do arquitecto Manuel

Salgado e a Igreja de Cedofeita, do século XII, considerada a mais antiga do Porto.

O edifício da Bolsa, de estilo neoclássico, é um edifício centenário e um dos

mais emblemáticos da cidade.

Podem ainda visitar-se as Caves do Vinho do Porto, em Vila Nova de Gaia ou

fazer-se um passeio de barco.

A cidade do Porto é considerada pela UNESCO como sendo «cidade

património mundial». É uma cidade cheia de monumentos históricos, cafés antigos,

mercados, restaurantes e ruas estreitas. No entanto, a sua verdadeira beleza está na

força e singularidade do seu rio, o rio Douro, um dos maiores da Península Ibérica.

O Porto é actualmente um próspero centro urbano mundialmente conhecido

pelo seu vinho, pelos seus monumentos, pelas suas actividades culturais.

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1

PROGRAMA 25

POR ALDEIAS E VILAS DE PORTUGAL

Neste programa apresentaremos um percurso por algumas aldeias e vilas

históricas portuguesas. Seleccionámos apenas aquelas que apresentam hoje alguma

originalidade arquitectónica e despertam a curiosidade dos visitantes.

A Ana e o João não têm tempo para descobrir todo o país, recorrem, por isso,

a livros e a DVD temáticos, esperando num futuro próximo a oportunidade de visitar

estes pitorescos recantos.

******

Ana:- Olha, João, encontrei estes dois livros sobre Portugal que me parecem

interessantes. E tu, encontraste algum DVD?

João:- Encontrei este e gostaria que o víssemos juntos. Será que nos deixam visioná-

lo? Deixa-me perguntar àquele funcionário.

Ana:- Custe o que custar, temos de visitar apenas uma cidade por região. O que

achas, João?

João:- Concordo contigo. Proponho Évora ou Beja no Alentejo

Ana:- E no centro, talvez, Coimbra. Talvez se possa dar um pulinho até ao Buçaco.

João:- Buçaco! Mas o que é que tu queres fazer no Buçaco? Só há árvores e plantas

ou haverá algo mais do que isso?

Ana:- Não digas uma coisa dessas, João. É verdade que o Buçaco é uma floresta

antiga, um verdadeiro jardim botânico.

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2

João:- Será como dizes, mas não acredito.

Ana:- Mas, para que não te restem dúvidas, vou ler-te o que está escrito aqui no guia.

Ana:- O Buçaco foi retiro monástico no século XVI. Os monges ergueram capelas e

caminhos de contemplação. Do seu mosteiro, poder-se-ão ainda ver os claustros, a

capela e algumas celas de monges. Uma placa recordar-lhe-á que Wellington dormiu

numa das celas forradas a cortiça. Poderá ainda ver o monumento à Batalha do

Buçaco e que assinala a vitória de Wellington em 28 de Setembro de 1810.

João:- Ana, basta de História!

Ana:- E há ainda o Palace-Hotel do Buçaco, mandado construir pelo Rei D. Carlos I

em 1888 e terminado em 1907.

João:- Então, o hotel terá cerca de 100 anos! Deve ser interessante.

Ana:- Interessante e caro, a avaliar pelo seu aspecto. Não é certamente para as

nossas bolsas!

João:- Haverá, com certeza outros hotéis mais baratos lá perto.

João:- E se víssemos agora algo sobre Coimbra?

Ana:- Boa. Duvido que seja mais completo do que este guia. É excelente, este guia.

Até dá sugestões de lugares onde se pode comer e dormir.

João:- Vá lá Ana, eu sei que estás mortinha por ler o que diz o guia.

Ana:- Coimbra foi terra Natal de seis reis e sede da mais antiga Universidade de

Portugal. Do largo da Portagem, na Baixa, até à Praça do Comércio, encontrará lojas,

bares, restaurantes e pastelarias. Num dos recantos, poderá visitar a Igreja de São

Tiago com a sua fachada simples, um restauro do século XII, possuindo no seu interior

um retábulo rococó em talha dourada. Na Igreja de Santa Cruz estão sepultados os

dois primeiros reis de Portugal. Poderá ainda visitar a Igreja do Carmo com um

retábulo do sec. XVI e a Igreja da Graça também do mesmo século. A Sé Velha, em

estilo fortaleza, é considerada um dos mais belos edifícios românicos portugueses. A

Sé Nova fica perto da Universidade e foi fundada em 1598 pelos jesuístas.

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3

A Universidade foi fundada por D. Dinis em 1290 e é uma das mais antigas do Mundo.

Do outro lado do Mondego, temos os conventos de Santa Clara e que estão muito

ligados a Santa Isabel e a D. Inês de Castro que aí foi apunhalada em 1355. Uma

lenda conta-nos que surgiu aí uma nascente, a Fonte dos Amores, que pode ser vista

nos Jardins da Quinta das Lágrimas.... diga -se lá o que se disser, Coimbra tem muito

encanto.

João:- E lá bem no Norte, não podemos deixar de visitar Braga.

Ana:- Há tantos outros lugares que eu gostava de visitar.

João:- Pois é. Também eu. Mas não é possível ver tudo desta vez. Temos de cá

voltar, Ana. O que diz o livro sobre Braga? Gostas tanto desse guia!

Ana:- Lá estás tu outra vez a falar no guia. O que vale é que eu faço ouvidos de

mercador!

Ana:- As Igrejas, as mansões do século XVIII e os magníficos jardins dão a Braga um

encanto muito especial. Se pensa visitar Braga, poderá começar por um pequeno

passeio no centro histórico, junto à Praça da República, a praça central, onde se pode

ver a Torre de Menagem do século XIV. Poderá ainda ver a impressionante Sé. Se se

interessar por igrejas, poderá visitar a Capela dos Coimbras do Século XVI e a Igreja

de Santa Cruz, no estilo Barroco do século XVII. Muitas das mansões de Braga datam

do período barroco, tal como o Palácio do Raio e a Cãmara Municipal, ambos

atribuídos ao arquitecto do século XVIII, André Soares da Silva.

João:- Mas já que gostas tanto de Natureza, podíamos dar um salto ao Parque

Nacional de Peneda-Gerês.

Ana:- Adivinhaste os meus pensamentos! Gostava imenso de conhecer esse parque,

mas nem me atrevia a fazer a sugestão. Dizem que é de uma enorme beleza natural.

Parece que até há garranos à solta.

João:- Garranos?! Que raio de bichos são esses?

Ana:- São cavalos e éguas baixos e robustos!

João:- Estou impressionado contigo, Ana.

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4

Ana:- E agora mais a sul, muito mais a sul.. Vejamos o que se pode visitar em Évora.

Évora ganhou fama sob os romanos e floresceu na Idade Média como centro de

aprendizagem e de artes. Poderá admirar a praça do Giraldo com a fonte de 1571, o

Templo romano construído no século II ou III d.c. O convento dos Lóios, do século XV,

é agora uma luxuosa pousada onde se pode dormir nas celas e jantar nos claustros. A

Sé que demorou 50 anos a construir e que mais parece uma fortaleza. A igreja da

Misericórdia do sec. XVIII e a Igreja de Nª Sraª da Graça do sec. XVI, a Igreja de S.

Francisco do sec. XV com a capela dos ossos do sec. XVII e a Universidade.

Ana:- Aconteça o que acontecer, não me vou embora sem passar pelo Algarve. Há

praias lindíssimas!

João:- Como a de Arrifana na costa oeste. É abrigada pelas falésias e tem uma vista

espantosa. Conheço-a e não me importo nada de lá voltar.

Ana:- Ou a praia de Beliche, que apesar de ficar “no fim do Mundo”, tem bonitas

formações rochosas. Ou ainda a praia do Camilo. É lindíssima!

João:- Ou a Ria Formosa, uma reserva natural que vale a pena conhecer.

Ana:- Acho que ficamos a conhecer Portugal de lés a lés.

A Ana e o João querem partir à descoberta de Portugal. Neste programa, vamos

abordar a expressão de dúvida, de incerteza, através do uso do futuro do indicativo.

Vamos ainda apresentar frases concessivas e finalmente conhecer o significado de

algumas expressões do português.

1. EXPRESSÃO DE DÚVIDA/ INCERTEZA

A dúvida, a incerteza, é marcada no diálogo pelo uso do Futuro do Indicativo.

Este não marca geralmente uma localização temporal. Introduz antes no enunciado uma

fonte de incerteza, sendo considerado por isso modal.

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5

Vejamos novamente um excerto do diálogo:

Ana:- O Buçaco foi retiro monástico no século XVI. Os monges ergueram capelas e

caminhos de contemplação. Do seu mosteiro, poder-se-ão ainda ver os claustros, a

capela e algumas celas de monges. Uma placa recordar-lhe-á que Wellington dormiu

numa das celas forradas a cortiça. Poderá ainda ver o monumento à Batalha do

Buçaco e que assinala a vitória de Wellington em 28 de Setembro de 1810.

João:- Ana, basta de História!

Ana:- E há ainda o Palace-Hotel do Buçaco, mandado construir pelo Rei D. Carlos I

em 1888 e terminado em 1907.

João:- Então, o hotel terá cerca de 100 anos! Deve ser interessante.

Ana:- Interessante e caro, a avaliar pelo seu aspecto. Não é certamente para as

nossas bolsas!

João:- Haverá, com certeza outros hotéis mais baratos lá perto.

Vejamos então algumas frases do diálogo:

EXPRESSÃO DE DÚVIDA/ INCERTEZA: FUTURO DO NDICATIVO

1. Do seu mosteiro, poder-se-ão ainda ver os claustros, a capela e algumas celas de

monges. Uma placa recordar-lhe-á que Wellington dormiu numa das celas forradas a

cortiça. Poderá ainda ver o monumento à Batalha do Buçaco.

2. Então, o hotel terá cerca de 100 anos!

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3. Haverá, com certeza, outros hotéis mais baratos lá perto.

4. Será como dizes, mas não acredito.

Em 1 o futuro apresenta uma possibilidade, antecipada ao leitor/turista.

Chamamos a vossa atenção para a construção da frase com os pronomes clíticos “se”

e “lhe”.: “Do seu mosteiro, poder-se-ão ainda ver os claustros...” e “Uma placa

recordar-lhe-á ---“. Como já vimos em programas anteriores, esta posição do clítico,

alojado entre a forma infinitiva “poder” “recordar” e os afixos flexionais “ão” e “á”,

chamada posição mesoclítica, é uma reminiscência da gramática antiga da língua

portuguesa.Na frase 2,o uso do futuro exprime um cáculo aproximado. Na frase 3, o

futuro é usado para expressar uma hipótese. Na frase 4 temos uma concessão com

dúvida.

2. FRASES CONCESSIVAS

Vamos rever duas sequências do diálogo para abordarmos as frases

concessivas com repetição do verbo. Estas frases apresentam de algum modo uma

relação contrastiva.

Ana:- Custe o que custar, temos de visitar apenas uma cidade por região. O que

achas, João?

João:- Concordo contigo. Proponho Évora ou Beja no Alentejo.

*****

Ana:- Aconteça o que acontecer, não me vou embora sem passar pelo Algarve. Há

praias lindíssimas!

João:- Como a de Arrifana na costa oeste. É abrigada pelas falésias e tem uma vista

espantosa. Conheço-a e não me importo nada de lá voltar.

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FRASES CONCESSIVAS

1. Custe o que custar, temos de visitar apenas uma cidade por região.

2. Aconteça o que acontecer, não me vou embora sem passar pelo Algarve.

3. …diga-se lá o que se disser, Coimbra tem muito encanto.

Trata-se de frases concessivas com repetição de verbo. Nestas frases,

observamos a ocorrência de uma situação que contrasta com aquilo que se esperaria.

Observamos ainda a presença do conjuntivo nas frases concessivas, conferindo-lhes

um carácter modal

4. EXPRESSÕES

Vamos agora recordar algumas expressões do diálogo e explicar o seu significado.

1. “O que vale é que eu faço ouvidos de mercador!”

2. “…ou a praia de Beliche, que apesar de ficar no fim do Mundo, tem bonitas

formações rochosas.”

3. “Acho que ficamos a conhecer Portugal de lés a lés.”

Na frase 1, fazer ouvidos de mercador significa fingir-se que não se ouve. Na frase

2, ficar no fim do Mundo significa ficar num lugar longínquo, muito longe. Na frase 3,

conhecer Portugal de lés a lés significa conhecer Portugal de uma ponta à outra.

Conhecer Portugal em toda a sua extensão.

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Agora espero que gostem da proposta que vos fazemos para descobrirem

Portugal.

___________________________________________________________

Castelo Rodrigo ergue-se no cimo de um monte vizinho da Serra da Marofa.

Esta antiga vila fortificada foi testemunha de um acontecimento importante das guerras

da Restauração. Para além das casas do burgo, há a Igreja Matriz, dedicada a Nossa

Senhora do Rocamador, de traça românica e fundada no século XII para apoiar os

peregrinos que se dirigiam a Santiago de Compostela.

Marialva fica situada no alto de um monte rochoso, entre Celorico e Foz Côa.

É uma cidadela medieval portuguesa, cujas origens parecem ser anteriores à

colonização romana. Foi um burgo próspero nos séculos XII e XIII, mas é hoje pouco

habitada. Possui quatro portas de entrada: a do Anjo da Guarda, a do Monte, a de

Nascente e a da Traição. Junto à Porta do Anjo, no exterior da muralha, fica a Ermida

de Nossa Senhora dos Remédios e a Igreja de São Pedro.

Nesta cidadela, existe também uma Torre de Menagem, um pelourinho e uma

das entradas para a cisterna. Existem ainda as Igrejas de São Tiago e a Capela do

Senhor dos Passos, de estilo neoclássico.

Sortelha é uma aldeia de granito, situada perto da Covilhã. Conserva o seu

aspecto medieval na arquitectura das suas casas de granito. Dentro das muralhas,

destacam-se, no largo do Pelourinho, uma construção quinhentista dominada pela

Torre de Menagem e pela cisterna. As ruas são estreitas e os largos pequenos. As

casas de granito apresentam alguns traços manuelinos. A Igreja Matriz é dedicada a

Nossa Senhora das Neves.

Castelo Novo fica situado numa das encostas da Serra da Gardunha e é

considerada uma localidade bem conservada do ponto de vista arquitectónico. Perto

do castelo, destacam-se a Torre de Menagem e a Igreja Matriz. Na Praça dos Paços

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9

do Concelho, temos a casa da Câmara do século XV e o Pelourinho. O largo da Bica é

dominado pelo Chafariz do mesmo nome do século XVIII.

O pico onde se ergue a aldeia de Monsanto domina a planície à sua volta. E lá

no alto, está o castelo que foi conquistado aos mouros por D. Afonso Henriques em

1165. A caminho do castelo, encontram-se as típicas casas em granito, janelas com

cortinas de renda, o miradouro e as ruínas da capela românica de S. Miguel.

Salientamos ainda a Torre de Menagem e a Igreja Matriz ou Igreja de S.

Salvador. As ruas são estreitas, empedradas e acolhedoras. Perto, vê-se a Torre de

Lucano do século XIV com o seu relógio. Nesta aldeia viveu o médico e escritor

Fernando Namora.

Monsanto como tantas outras aldeias e vilas, tem um miradouro com uma vista

deslumbrante.

Piódão mantém os traços medievais e surpreende pela disposição em anfiteatro

das casas feitas de xisto. As ruas são pequenas e sinuosas e desembocam aqui e

além em pequenos largos ou surgem escadinhas com degraus de xisto.

No largo da entrada, temos a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, toda

caiada de branco, apresentando uma arquitectura religiosa de matriz popular.

Esta aldeia é rodeada pela Serra do Açor e pelos rios Alva e Ceira, afluentes do

Mondego.

Óbidos foi uma localidade com alguma importância. O seu castelo e conjunto

urbano estão hoje classificados. A Porta da Vila apresenta uma magnífica capela -

oratório do século XVIII, revestida a azulejos.

O Museu Municipal possui boas colecções de pintura, particularmente de

Josefa de Óbidos e de Arte Sacra.

A Igreja Matriz de Santa Maria foi, sucessivamente, templo visigótico, mesquita

e novamente igreja cristã.

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A Igrejas de S. Pedro, em estilo gótico, reconstruída depois do terramoto de

1755 e a Igreja da Misericórdia, com a bandeira pintada em 1590 por Diogo Teixeira,

merecem ser visitadas.

Marvão foi conquistada por D. Afonso Henriques aos mouros. O seu castelo é

uma fortificação orientada estrategicamente para a fronteira. O passeio pelas ruas

desta vila é um prazer, devido à beleza das suas ruas e das casas caiadas e com

vasos de flores coloridas nas janelas.

Fora das muralhas, temos o convento de Nossa Senhora da Estrela, mosteiro

franciscano de século XV, de estilo gótico. Salientamos ainda a cidade romana de

Ammaia. O seu desaparecimento deu origem a algumas lendas na memória popular.

Monsaraz fica situada no cimo de uma colina de onde se avista vasta planície

alentejana. Foi um castro pré-histórico. Vêem-se ainda hoje na região monumentos

megalíticos, como por exemplo o Menir de Outeiro, o Menir de Belhoa e o Cromeleque

do Xerez.

O primitivo castro foi romanizado e mais tarde ocupado sucessivamente por

visigodos e mouros. Só em 1252, D. Sancho II, com o auxílio dos Templários,

consegue conquistá-la definitivamente. Em 1412 foi doada a D. Fernando por D. Nuno

Alvares Pereira, seu avô.

Hoje, a riqueza de Monsaraz vem-lhe sobretudo do conjunto urbano. No largo

D. Nuno Álvares Pereira, vê-se a Igreja Matriz que tem no seu interior um fresco,

representando as fases da Justiça terrena.