15 - as várias possibilidades de leitura de um texto

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Capitulo 12 As vrias de leitura de um texto Leia o texto abaixo : possibilidades

animais. No entanto, certos termos, como invejosa, disse, bem como a vontade de igualar-se ao boi so elementos prprios do ser humano, aplicam-se ao homem. H ento no texto uma reiterao do trao semntico (de significado)/humano/. Essa reiterao obriga a ler a fbula como uma histria de gente. No plano humano, a r no a r, mas o homem invejoso que faz tudo para igualar-se a quem ele inveja.

Uma r viu um boi que tinha uma boa estatura. Ela, que era pequena, invejosa, comeou a inflar-se para igualarse ao boi em tamanho. Depois de algum tempo, disse: Olhe-me, minha irm, j o bastante? Estou do tamanho do boi? De jeito nenhum. E agora? De modo algum. Olhe-me agora. Voc nem se aproxima dele. O animal invejoso inflou-se tanto que estourou. (Adaptao de fbula de LA FONTAINE, Fbulas.)

O primeiro problema que a leitura dessa fbula coloca o seguinte: trata-se de uma histria de animais ou de homens? O leitor responderia imediatamente: de homens, claro. Mas como que ele sabe disso? A resposta poderia ser: a escola sempre ensinou que as fbulas pem a nu certos comportamentos humanos. Mas como os estudiosos chegaram a essa concluso? Os personagens so as duas rs e o boi, que so

Os elementos com o trao /humano/ so os desencadeadores de um plano de leitura no integrado ao plano de leitura inicialmente proposto. Com efeito, os termos r e boi propem iniialmente um plano de leitura: uma histria de bichos. Entretanto, medida que vamos lendo o texto, os elementos que contm trao /humano/ no permitem mais que se leia a fbula como histria de animais, pois desencadeiam um novo plano de leitura: a fbula passa a ser lida como histria de homens. A recorrncia de traos semnticos estabelece a leitura que deve ser feita do texto. Essa leitura no provm dos delrios interpretativos do leitor, mas est inscrita como virtualidade (possibilidade) no texto. Lido de maneira fragmentria, um texto pode dar a impresso de um aglomerado de noes desconexas, ao qual o leitor pode atribuir o sentido que quiser. Sem dvida, h vrias possibilidades de interpretar um texto, mas h limites. Certas interpretaes se tornaro

inaceitveis se levarmos em conta a conexo, a coerncia entre seus vrios elementos. Essa coerncia garantida, entre outros fatores, pela reiterao, a redundncia, a repetio, a recorrncia de traos semnticos ao longo do discurso. Mas que deve fazer o leitor para perceber essa reiterao? Deve tentar agrupar os elementos significativos (figuras ou temas) que se somam ou se confirmam num mesmo plano do significado. Deve percorrer o texto inteiro, tentando localizar todas as recorrncias, isto , todas as figuras e temas que conduzem a um mesmo bloco de significao. Essa recorrncia determina o plano de leitura do texto. H textos que permitem mais de uma leitura. As mesmas figuras podem ser interpretadas segundo mais de um plano de leitura. Tomemos, a ttulo de exemplificao, o seguinte poema de Ceclia Meireles:

que

nem

se

mostra.

Eu no dei por esta mudana, 10 to simples, to certa, to fcil: - Em que espelho ficou perdida a minha face? (Ceclia Meireles: poesia. Por Darcy Damasceno. Rio de Janeiro, Agir. 1974. p. 19-20.)

Nos versos 1 e 5, o autor, ao dizer que no tinha este rosto e estas mos com as caractersticas do momento presente, faz pressupor que, no passado, ele os tinha com caractersticas opostas. Ao dizer, no verso 9: Eu no dei por esta mudana, define dois planos distintos: um, do passado; outro, do presente, ambos opostos entre si. Levando em conta esses dados, pode-se imaginar o poema dividido em dois eixos, da forma como segue: Como se v, as figuras do eixo 1 agrupam-se em funo do significado da estaticidade, da perda da energia vital;

Retrato

Eu no tinha este rosto de hoje. assim calmo, assim triste, assim magro, riem estes olhos to vazios, nem o lbio amargo 5 Eu no tinha estas mos sem fora, to paradas e frias e mortas: eu no tinha este corao

o que se pressupe no eixo 2 agrupa-se em torno do significado do dinamismo, da posse da vitalidade plena. Ao dizer Eu no dei por esta mudana, o poeta manifesta a sua perplexidade diante do contraste entre o que era e o que veio a ser. Quando se agrupam as figuras a partir de um elemento significativo, estamos perto de depreender o tema do texto. No poema em pauta, por exemplo, a decepo diante da conscincia sbita e inevitvel do envelhecimento.

que indicado por termos como magro, frias, etc. No entanto, outras figuras, como triste, amargo, que nem se mostra, obrigam a ler o texto no como simples desgaste fsico, mas como o desgaste psquico, que se manifesta como a perda da energia, do entusiasmo, da alegria de viver. O texto admite ao menos duas leituras: o desgaste material das coisas com o fluxo inexorvel do tempo e o desgaste psquico do ser humano com o passar do tempo. Entretanto, dizer que um texto pode permitir vrias leituras no Significados que remetem ao presente Significados que remetem ao passadomodo algum, admitir que qualquer implica, de (explicitamente) (implicitamente) interpretao seja correta nem que o leitor possa dar ao Eu no tinha este rosto de hoje, Eu tinha aquele rosto de outrora o texto sentido que lhe aprouver. E em que dispositivos podemos nos apoiar para controlar assim calmo, assim triste, to irrequieto, to alegre, uma certa interpretao e impedir que ela seja pura inveno do leitor? Sem dvida, o texto que admite assim magro to cheio vrias leituras contm em si indicadores dessas vrias nem estes olhos to vazios, e olhos to expressivospossibilidades. No seu interior aparecem figuras ou temas que tm mais de um significado e que, por isso, nem o lbio amargo e o lbio doce apontam para mais de um plano de leitura. So relacionadores de dois ou mais planos de leitura. H Eu no tinha estas mos sem fora, Eu tinha aquelas mos com energia, outros termos que no se integram a um certo plano de leitura proposto e por isso so desencadeadores de outro to paradas, e frias, e mortas, to dinmicas, e clidas, e vivas, plano. eu no tinha este corao eu tinha outro corao, Na fbula A r e o boi, se no houvesse figuras com o trao que nem se mostra. que se manifestava. /humano/, no se poderia interpret-la como uma histria de gente. Esses termos so os desencadeadores desse plano de Esse texto pode ser lido como o envelhecimento fsico, o leitura.

O leitor cauteloso deve abandonar as interpretaes que no encontrem apoio em elementos do texto.

TEXTO COMENTADO

O ferrageiro de Carmona

Um ferrageiro de Carmona que me informava de um balco: Aquilo? de ferro fundido, foi a forma que fez, no a mo. 5 S trabalho em ferro forjado que quando se trabalha ferro; ento, corpo a corpo com ele, domo-o, dobro-o, at o onde quero.

De certo subiu l em cima. Reparou nas flores de ferro 20 dos quatro jarros das esquinas? Pois aquilo ferro forjado. Flores criadas numa outra lngua. Nada tm das flores de forma moldadas pelas das campinas 25 Dou-lhe aqui humilde receita ao senhor que dizem ser poeta: o ferro no deve fundir-se nem deve a voz ter diarria. Forjar: domar o ferro fora, 30 no at uma flor j sabida, mas ao que pode at ser flor se flor parece a quem o diga. MELO NETO. Joo Cabral de. Crime na caile Relator. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1987. p. 31-2.

O ferro fundido s derram-lo No h nele a e o cara-a-cara de uma forja.

sem luta, na forma. queda-de-brao

10 Existe grande diferena do ferro forjado ao fundido; 15 uma distncia to enorme que no pode medir-se a gritos. Conhece a Giralda em Sevilha?

Num primeiro plano de leitura, que podemos denominar trabalho com o ferro, observa-se que h duas maneiras de trabalh-lo: a fundio e o forjamento. Na primeira, a forma() faz o ferro adquirir uma forma; na segunda, a mo do ferreiro que d a forma. Nessa, o ferreiro realmente trabalha o ferro num corpo a corpo com ele, d-lhe a forma que quer, enquanto naquela o ferro adquire a forma da forma().

H, no texto, termos que no se encaixam nesse primeiro plano

de leitura e estabelecem um segundo plano. So desencadeadores de outro plano de leitura: lngua, receita ao (...) poeta, voz. Esses termos remetem linguagem. Pode-se ento denominar o segundo plano de leitura de trabalho com a linguagem. Neste, vemos que h duas maneiras de trabalhar a linguagem: a fundio, que deve ser lida como a construo de textos a partir de uma frmula, e o forjamento, que deve ser concebido como a produo original dos textos. Naquela, a linguagem (ferro) esparrama-se na forma(); neste, ela domada e adquire a forma que o poeta quer dar-lhe. Nos dois planos de leitura, a fundio apresentada como algo de valor negativo, que no se deve fazer (o ferro no deve fundir-se), porque nela no h originalidade (flores de forma() moldadas pelas das campinas). O forjamento o termo de valor positivo pois um trabalho original (Forjar: domar o ferro fora / no at uma flor j sabida, / mas ao que pode at ser flor / se flor parece a quem o diga). A categoria de base com que trabalha o texto na estrutura fundamental /imitao/ (presente no processo de fundio) versus /criao/ (presente no processo de forjamento). O texto nega a imitao e afirma a criao. Essa imitao e essa criao aparecem tanto no trabalho com o ferro (primeiro plano de leitura) quanto no trabalho com a linguagem (segundo plano de leitura).

EXERCCIOS

Paisagens com cupim No canavial tudo se gasta pelo miolo, no pela casca. Nada ali se gasta de fora, qual coisa que em coisa se choca. 5 Tudo se gasta mas de dentro: o cupim entra os poros, lento, e por mil tneis, mil canais, as coisas desfia e desfaz.

Por fora o manchado reboco 10 vai-se afrouxando, mais poroso, enquanto desfaz-se, intestina, o que era parede, em farinha. E se no se gasta com choques, mas de dentro, tampouco explode. 15 Tudo ali sofre a morte mansa do que no quebra, se desmancha. MELO NETO, Joo Cabral de. Poesias completas (19401965). 3. ed. Rio de Janeiro, J. Olympio, 1979. p. 149. Questo 1 Anote as palavras que mostram a oposio semntica (de sentido) /exterioridade/versus/interioridade/, Questo 2 Anote palavras e expresses que mostram a oposio de sentido /silncio/ versus /rudo/.

Questo 3 As coisas no canavial se acabam silenciosa ou ruidosamente, a partir de dentro ou de fora? Justifique sua resposta com elementos do texto. Questo 4 Com base na resposta questo anterior, que mostra o modo como as coisas se acabam, estabelea o tema do poema. Questo 5 Os termos reboco e parede indicam o termo casa, que tem um significado fsico (edifcio) e um significado social (famlia). Os termos poros e morte tm um valor humano e um valor no-humano. Que funo tm no poema esses termos com mais de um significado?

capacidade de luta, com sua inrcia. (c) A corruptibilidade das coisas materiais, dos sistemas sociais, dos seres humanos. (d) Todos os agentes externos que corroem as coisas. (e) As causas indeterminadas de corroso.

Questo 6 Levando em conta a possibilidade de vrias leituras do poema, a corroso (o desgaste) pode ser lida em diferentes planos. So eles o plano fsico, o histrico (social) e o humano. Como entender a corroso em cada um desses planos? Questo 7 O agente da corroso o cupim. Com base nas mltiplas possibilidades de leitura, mostre o que simboliza o cupim. (a) O tempo fsico das secas e das intempries, o tempo histrico da estagnao, o tempo psicolgico da estreiteza de horizontes e da impotncia. (b) O homem com seu trabalho, com sua falta de

PROPOSTA DE REDAO Uma senhora inglesa foi passear na Alemanha. L viu uma casa muito bonita e pensou em alug-la para nela passar com a famlia as frias de vero. Foi falar com o proprietrio, acertou com ele as bases do aluguel, assinou o contrato e voltou para a Inglaterra. J em sua casa, lembrou-se de que no havia visto banheiros na casa que alugara. Imediatamente, escreveu a seguinte carta para o proprietrio: Prezado senhor: Sou a pessoa que alugou sua casa para as prximas frias. Gostaria que o senhor me indicasse a localizao do W.C. e o descrevesse para mim

O alemo, no sabendo o significado da abreviatura W.C. (banheiro), julgou que a mulher falasse da igreja chamada White Chapel (Capela Branca). Com base nessa depreenso errada de significado, redigiu uma resposta que provocou um efeito cmico.

Observe que esse efeito humorstico resulta do fato de se ler uma carta que fala de igreja como se fosse uma carta que falasse de banheiro. Redija a carta que o alemo mandou para a inglesa, procurando tirar o maior proveito possvel da dupla interpretao que o texto propiciou. No discurso literrio, sobrepem-se ao significado denotativo de um termo significados paralelos. impresses, valores, que constituem o que se denomina sentido conotativo.