1413-8123-csc-20-02-0421

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saúde pública

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    1 Diretoria de Ensino e Pesquisa, Fundao Hospitalar do Estado de Minas Gerais. Al. lvaro Celso 100, Santa Efignia. 30130-100 Belo Horizonte MG Brasil. [email protected]

    Programa Mais Mdicos um equvoco conceitual

    The Mais Mdicos program a conceptual mistake

    Resumo O Programa Mais Mdicos vem deter-minando um ruidoso debate na mdia, reflexo principalmente de um embate entre o governo e a classe mdica, trazendo um clima de ansiedade e incerteza populao. Este texto discute os equ-vocos que vm norteando e confundindo os ato-res envolvidos nessa celeuma que envolve o citado programa.Palavras-chave Programa Mais Mdicos

    Abstract The Mais Mdicos program (involving the influx of Cuban physicians) has been a topic of heated debate in the media, mainly due to the difference of opinion between the government and the medical profession. The population in general is left in a climate of anxiety and uncertainty. This paper discusses the misconceptions that have been misleading and confusing the actors involved in the conflict surrounding the program in question. Key words Mais Mdicos program

    Robespierre Costa Ribeiro 1

    DOI: 10.1590/1413-81232015202.00812014

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    Introduo

    Em um esforo para responder voz das ruas, reflexo legtimo dos anseios da populao recen-temente expressos nas manifestaes de junho de 2013, a Presidenta Dilma Roussef criou o Progra-ma Mais Mdicos. Desde ento surgiu um ques-tionamento da classe mdica brasileira a respeito do programa e uma celeuma se desenrolou na mdia leiga.

    Segundo o destacado epidemiologista ingls Dr. Geoffrey Rose, se quisermos melhorar a sa-de de uma populao devemos buscar as causas das causas1. Por exemplo, no modelo tradicional de servio de sade centrado na doena, se um indivduo com colesterol elevado teve um infar-to, a causa do infarto foi o colesterol elevado e a partir da interrompida a corrente de causalida-de. Ora, e o que causou a elevao do colesterol? Verifica-se que foi um comportamento alimentar inadequado. E o que causou o comportamento inadequado? Um estilo de vida no saudvel. E o que causou esse estilo de vida no saudvel? Os determinantes sociais e econmicos presentes na populao, que constituem ento a causa das causas, ou seja, os determinantes primrios das doenas so principalmente econmicos e sociais e, consequentemente, seus remdios tambm de-vem ser econmicos e sociais (ex: mudana do estilo de vida).

    Ainda, segundo Rose1, a preveno tem sido direcionada aos indivduos de alto risco, entre-tanto, uma parcela muito maior da populao, considerada como saudvel, e que na verdade deveria ser considerada como de m sade por apresentar risco moderadamente elevado de adoecer, no habitualmente contemplada pelas aes de preveno e justamente esta parcela que vai contribuir com o maior nmero de do-entes na populao.

    Tanto a Presidente quanto a classe mdica e outros que alimentaram o debate sobre o progra-ma se equivocaram em 3 questes:

    1 questo: Definio do problema

    Quais so as doenas de maior impacto na populao?

    A populao j reclama h muito tempo de um processo crescente de adoecimento, acompa-nhado de uma deficincia crnica na assistncia ao indivduo adoentado. A Fiocruz conduziu o Estudo de Carga de Doena do Brasil2 com o objetivo de identificar prioridades em funo do perfil epidemiolgico, facilitando, assim, a

    tomada de decises e a destinao adequada de recursos por parte dos gestores. As doenas que determinaram a maior carga representada pelo nmero de Anos de Vida Perdidos Ajustados por Incapacidade, foram as doenas cardiovascula-res, diabetes mellitus e cncer. Pois bem, essas doenas possuem praticamente os mesmos de-terminantes, denominados fatores de risco, que por sua vez surgem em decorrncia de um estilo de vida no saudvel em relao a um compor-tamento alimentar caracterizado por consumo inadequado de alimentos ricos em gorduras satu-radas, com alto contedo de acar, pouca fibra e baixa ingesto de frutas e vegetais, associado com pouca atividade fsica e horas excessivas de ativi-dades sedentrias. Por outro lado, essas doenas possuem como solo comum o excesso de peso corporal EPC (sobrepeso e/ou obesidade), fa-tor de risco encontrado em propores epidmi-cas em nossa populao. Podemos ento definir como a primeira causa do adoecimento da nossa populao as doenas cardiovasculares, o diabe-tes mellitus e o cncer, que possuem um determi-nante comum o EPC. Estas doenas e o EPC so consequncia da segunda causa que represen-tada por um estilo de vida no saudvel relativo ao comportamento alimentar e atividade fsica.

    2 questo: Propostas equivocadas de enfrentamento do problema

    Pois bem, o que encontramos escrito nos cartazes empunhados pela populao? Dentre as demandas julgadas mais importantes encon-travam-se vrios textos nos cartazes contendo a palavra sade. Mesmo sem considerar integral-mente o sentido amplo do conceito sade defini-do pela Organizao Mundial da Sade (OMS) e optando por um foco no seu aspecto orgnico, evidentemente que a populao quer muito mais ter sade plena do que ficar doente para depois tentar se recuperar.

    Infelizmente, ainda predomina nas polticas de sade pblica em nosso pas o equvoco de uma viso dominada por uma perspectiva mdi-ca com foco na doena que, por sua vez, se reduz a aes direcionadas cura atravs de medica-mentos e cirurgias.

    Ora, se o problema um estilo de vida ca-racterizado por comportamento alimentar ina-dequado e pouca atividade fsica, por que ento propor aumentar o nmero de mdicos para atendimento clnico populao atravs de aber-tura de mais faculdades de medicina, mais vagas nas residncias mdicas e importao de mdicos

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    de Coletiva, 20(2):421-424, 2015

    estrangeiros? Se o problema o estilo de vida, ento as aes deveriam ser implementadas para incentivar a populao a incorporar hbitos de vida saudveis. Ser que formar mais mdicos, aumentar o tempo de graduao com mais dois anos prestando assistncia no SUS e importar mdicos iria contribuir efetivamente para modi-ficar esses hbitos de vida da populao? Certa-mente que no! Melhorar o atendimento clnico necessrio para o tratamento de doentes, mas no suficiente para preservar e manter a sa-de da maioria dos indivduos no doentes ainda, porm perigosamente exposta a fatores de risco para o desenvolvimento de doenas de alta carga na populao. Outra coisa, o problema maior da ateno bsica o seu gerenciamento e subfinan-ciamento. Pases europeus, o Canad e os Esta-dos Unidos possuem um grande contingente de mdicos estrangeiros atendendo sua populao, aps serem certificados por instituio nacional competente. A surge a falcia de que o corporati-vismo mdico no Brasil quer impedir a contrata-o de mdicos estrangeiros. Isso est desviando a ateno para a raiz do problema que, como j foi dito, no pode ser resolvido com a contrata-o de mais mdicos para o atendimento clnico, sejam estes brasileiros ou estrangeiros. De forma conveniente, o mdico foi colocado como bode expiatrio de um problema gerado pela m ad-ministrao e direcionamento equivocado das aes do sistema de sade pblica, do qual ele tambm vtima.

    As propostas recentes do governo so basea-das em um determinismo farmacolgico e cirr-gico que visa ao atendimento ao indivduo do-ente, que representa uma parcela muito pequena da populao. Esto se referindo ao atendimento clnico do doente. Com isso, o sistema de sade aguarda o indivduo adoecer para ento tratar a sua doena. Todos sabem que essa atitude torna o servio de sade pblica extremamente oneroso, praticamente no resolutivo em termos de recu-perao da sade. Diversas instituies de sade j vm propondo h dcadas aes com foco na preveno primordial, priorizando programas de promoo da sade da populao com o ob-jetivo de mant-la, ao invs de deix-la adoecer primeiro para depois tratar. Devido ao perfil das doenas de maior carga na populao, as aes deveriam ser de promoo da sade cardiovascu-lar e preveno das doenas cardiometablicas, aes estas que atingiriam tambm o diabetes e cncer, pelo compartilhamento de fatores de ris-co comuns a essas doenas.

    3 questo: Propostas desconectadas das evidncias cientficas relevantes

    Inmeros documentos, resolues e diretri-zes nacionais e internacionais j existem com a fi-nalidade de orientar os servios de sade pblica para a incorporao de aes efetivas no enfren-tamento dessas doenas de grande carga popu-lao. A Organizao Mundial de Sade (OMS), da qual o Brasil signatrio, prope aes mul-tinveis e multissetoriais numa perspectiva eco-lgica, tendo como prioridade as crianas e as escolas como local estratgico para essas aes, logicamente devido ao baixo acmulo de fatores de risco nesta faixa etria. Desde o ano 2000, com a publicao da Estratgia Global para Preveno e Controle das Doenas Crnicas No Transmis-sveis, culminando em 2011 com a Declarao Poltica da Reunio de Alto Nvel da Assembleia Geral sobre a Preveno e Controle das Doenas Crnicas No Transmissveis, a OMS alerta que apenas 4 comportamentos nocivos sade (dieta no saudvel, sedentarismo, tabagismo e consu-mo excessivo de lcool) determinam a incidncia de 4 Doenas Crnicas No Transmissveis que por sua vez so responsveis por metade de todas as mortes em todo o mundo. No Brasil, o lcool no tem toda essa determinao. Para o enfrenta-mento dessas doenas, a OMS elaborou em 2003 uma diretriz denominada Estratgia Global so-bre Dieta, Atividade Fsica e Sade3, na qual de-fine as aes mais efetivas, oriundas de estudos e experincias exitosas.

    A Poltica Nacional de Promoo da Sade4 e o Plano de Aes Estratgicas para o Enfren-tamento das Doenas Crnicas No Transmiss-veis5 recomendam priorizar as crianas nas aes de promoo da sade e desenvolver, no Brasil, aes para a promoo da alimentao saudvel no ambiente escolar, com produo e distribui-o de material sobre esta para a insero, de for-ma transversal, no contedo programtico das escolas em parceria com as secretarias estaduais e municipais de sade e educao.

    Recentemente, uma fora-tarefa composta por destacadas instituies e stakeholders como a Academia Americana de Pediatria, o Colgio Americano de Medicina do Esporte, a Keiser Per-manente, o Ministrio da Sade do Brasil, a Uni-versidade de So Paulo, dentre outros, elaborou um documento (Designed to Move)6 que orienta a escolha de programas para estimular a ativida-de fsica com o objetivo de melhorar a sade da populao. Este documento enfatiza a necessi-

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    dade de se priorizar programas voltados para as crianas, a serem implementados nas escolas, e destaca o Programa norte-americano TAKE 10! que inclusive tem uma verso brasileira j testada em nossa populao.

    Concluindo, existem inmeras evidncias cientficas relevantes e diretrizes elaboradas para melhorar a sade da populao, o que falta ento a vontade poltica para implementar aes ba-seadas nessas evidncias.

    O povo no quer mais mdicos, o povo quer mais sade!

    Referncias

    Rose G. Sick individuals and sick populations. Interna-tional J epidemiol 1985; 14(1):32-38. Gadelha AMJ, et al. Relatrio Final do Projeto Estimati-va da Carga de Doena do Brasil 1998. Rio de Janeiro: ENSP/Fiocruz-FENSPTEC; 2002. World Health Organization (WHO). WHO Global stra-tegy on diet, physical activity and health. [acessado 2013 jul 17]. Disponvel em: http://www.who.int/dietphysi-calactivity/strategy/eb11344/strategy_english_web.pdfBrasil. Ministrio da Sade (MS). Secretaria de Ateno Sade. Poltica nacional de promoo da saude. Bra-slia: MS; 2006.Brasil. Ministrio da Sade (MS). Secretaria de Aten-o Sade. Plano de aes estratgicas para o en-frentamento das doenas crnicas no transmissveis (DCNT) no Brasil 2011-2022. Braslia: MS; 2006.Designed to Move. [acessado 2013 jul 21]. Disponvel em: http://designedtomove.org/

    Artigo apresentado em 06/03/2014Aprovado em 27/05/2014Verso final apresentada em 29/05/2014

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