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    A COMPREENSO DO SIGNIFICADO CULTURAL DO ANEURISMA CEREBRAL E DOTRATAMENTO ATRIBUDOS PELO PACIENTE E FAMILIARES: UM ESTUDO

    ETNOGRFICO*

    Maria Helena Pinto**Mrcia Maria Fonto Zago***

    PINTO, M.H.; ZAGO, M.M.F. A compreenso do significado cultural do aneurisma cerebral e do tratamento atribudospelo paciente e familiares: um estudo etnogrfico. Rev.latino-am.enfermagem, Ribeiro Preto, v. 8, n. 1, p. 51-56, janeiro 2000.

    Este trabalho consiste de um estudo etnogrfico descritivo, com 13 pacientes acometidos pelo aneurisma cerebral e seusfamiliares, com o objetivo de compreender o significado da doena e do tratamento. Os dados foram coletados por entrevistas eobservaes durante a hospitalizao e depois da alta, no ambulatrio e na residncia. O tema central obtido do estudo foiTinha que ser para mim. Deus sabe o que faz. Este tema revela uma interpretao religiosa para a doena e uma fundamentaomgica para o tratamento. Assim, o aneurisma cerebral interpretado como uma doena material (corpo) e uma doena espiritual(alma).

    UNITERMOS: aneurisma cerebral, cultura, paciente, cirurgia

    INTRODUO

    O interesse pelo tema surgiu da minha vivnciajunto a clnica cirrgica, especificamente com ospacientes/familiares acometidos pelo aneurisma cerebral,onde pude observar suas diferentes reaes quanto aoprocesso da doena e tratamento do aneurisma cerebral.

    MELLO et al. (1992) em uma investigaorealizada em 1985, relatam que no Hospital de Base deBraslia DF, 61% dos Acidentes Vasculares Cerebraisforam causados por ruptura de aneurisma.

    Os aneurismas intracranianos caracterizam-se poruma dilatao localizada e anormal na parede das artrias,situadas geralmente no polgono arterial de Wills. Elespodem ser congnitos, traumticos, arterioesclerticos,por alongamento sptico ou formao de bolsa para foradas paredes do vaso (HOLANDA et al., 1995; BLACK& MATASSARIN-JACOBS, 1996).

    DAMIANI et al. (1997) afirmam que ahipertenso arterial, obesidade, cardiopatia, diabetesmlito, hipercolesterolemia, tabagismo, etilismo crnico,hiperuricemia, os contraceptivos orais e discrasiassangneas so importantes fatores de risco para oacidente vascular cerebral e BLACK & MATASSARIN-JACOBS (1996) inclui tambm, o traumatismo cranianoe o uso da cocana.

    A maioria dos pacientes que apresentam a rupturade aneurisma esta faixa etria de 30 a 60 anos de idade,sendo o pico de incidncia mxima na quinta dcada devida, e com ocorrncia maior entre as mulheres (FOX,1990; HOLANDA et al., 1995).

    O paciente tipicamente, relata um incio agudode cefalia intensa, em geral a pior cefalia que o pacientej experimentou, seguido de perda ou no da conscincia.Algumas vezes, a perda da conscincia sbita e noacompanhada por cefalia. O quadro normalmente ocorredurante um exerccio fsico. Ao exame, sinais de irritaoda meninge so comuns, como fotofobia, rigidez de nucae febre baixa (BLACK & MATASSARIN, 1996).

    A maioria dos sinais e sintomas de ruptura deaneurisma cerebral o resultado do extravasamento agudode sangue dentro do espao subaracnideo. A hipertensoarterial e o estresse constante talvez sejam causas deruptura de aneurisma que causa aumento da fora do fluxosangneo, particularmente na bifurcao entre as artrias,onde a localizao mais comum dos aneurismas, o queaumenta a sua gravidade, independente do volume doaneurisma.

    As principais complicaes aps a ruptura deaneurismas intracranianos so: ressangramento,vasoespasmos, hiponatremia, hidrocefalia, meningitesptica e hematoma intracraniano (FOX, 1990). Essa

    * Este trabalho parte da Dissertao de Mestrado apresentada a Escola de Enfermagem de Ribeiro Preto da Universidade deSo Paulo, em novembro de 1998** Enfermeira. Professor do Departamento de Enfermagem Geral da Faculdade de Medicina de So Jos do Rio Preto-SP*** Enfermeira. Professor Doutor do Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da Escola de Enfermagem de RibeiroPreto da Universidade de So Paulo. Orientadora do estudo

    Rev. latino-am. enfermagem - Ribeiro Preto - v. 8 - n. 1 - p. 51-56 - janeiro 2000

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    mudana inesperada da condio do cliente, altera o seuestilo de vida, sendo a hospitalizao necessria por umperodo mais longo.

    O prognstico dos doentes aps o sangramentode aneurisma intracraniano est associado gravidadedo sangramento inicial, a ocorrncia de ressangramentoe a ocorrncia de vasoespasmo.

    Esses pacientes devem ser internados paraobservao e tratamento especfico.

    O cuidado de enfermagem ao paciente comaneurisma cerebral uma tarefa complexa pois, o inciosbito de uma doena gera sentimentos de insegurana eansiedade no paciente e em sua famlia, levando aindagaes como: O que aconteceu? Porque issoaconteceu comigo? Ser perigoso?

    O mal sbito, a descoberta do diagnstico e aforma de cura um processo que deve ser realizadotransformando os sinais e sintomas iniciais em umacondio identificvel culturalmente: um nome, umacausa conhecida, um tratamento e um prognstico.

    A enfermagem, durante todo o processo dediagnstico e interveno, tem como responsabilidadedesenvolver a interao com o cliente/paciente, com ainteno de solucionar os problemas emergentes queesteja alterando a sua integridade. Assim, os aspectosfisiolgicos do cuidado de enfermagem so os de maiordivulgao na literatura.

    As informaes sobre o contexto sciocultural,com a compreenso de suas atitudes e mesmo o querepresenta uma possvel mudana de estilo de vida parao paciente/famlia acabam ficando no esquecimento.

    Como j foi referido por ZAGO (1994), aassistncia de enfermagem ao paciente cirrgico devefundamentar-se tambm na compreenso dossentimentos, valores, significados e crenas dos clientese suas famlias, para o cuidar.

    Diante do exposto este estudo tem como objetivocompreender o significado do aneurisma cerebral etratamento atribudos pelo paciente e famlia.

    A DOENA: A PERSPECTIVA CULTURALDO PACIENTE

    A doena pode ser vista como um desvio sociale ser analisada pelo corpo de conhecimentos, crenas evalores, atravs dos quais ela definida pelos diversosgrupos scioculturais.

    O significado da doena para o paciente e para asua famlia inclui as dimenses culturais, sociais epsicolgicas dos problemas de sade e do contexto emque aparece.

    Para HELMAN (1994), cada famlia pode ser

    considerada como uma pequena unidade da sociedade,com sua prpria organizao e viso de mundo.

    A famlia a instituio social que influenciafortemente um indivduo e poder determinar o sucessoou o fracasso da vida do cliente. Se uma instituio,qualquer disfuno em um dos elementos como a doena,reflete nos demais componentes deste sistema,produzindo mudana em toda a famlia (FRIEDMAN,1992).

    Os significados so internalizados pelosindivduos atravs de processos de interaosciocultural. Assim, os padres culturais que as pessoasutilizam para interpretar um dado episdio de doena,so criaes sociais, so aprendidos atravs daconvivncia com os membros da sociedade em que vive(ALVES, 1993).

    A doena a interpretao, consensual, do gruposciocultural sobre a origem e a importncia dofenmeno, o efeito deste sobre seu comportamento e orelacionamento com outras pessoas, e tambm sobre asprovidncias a serem tomadas para contornar a situao.

    Qualquer adversidade, como a doena, normalmente parte integrante das dimenses psicolgica,moral e social de uma cultura em particular. A maneiracomo as pessoas interpretam e respondem aos seusproblemas de sade muito mais amplo do que ao daenfermidade e devem ser considerados (HELMAN,1994).

    LEININGER (1988) diz que o cuidadoprofissional baseado na cincia e na arte humanista,compreendendo comportamentos, funes personalizadasdirigidas para a promoo da sade e para a recuperaodessa sade.

    Deste modo, O cuidado humano respeita osvalores culturais e o estilo de vida das pessoas e estalicerado em conhecimentos transculturais apreendidospela observao da estrutura social, a viso do mundo,os valores, a lngua e os contextos ambientais dasdiferentes culturas (BARROS et al., 1997, p.11).

    A enfermagem contempornea enfatiza ocuidado, e situa-se para alm do tratar, isto , do visvel edo palpvel, abrangendo a dimenso afetiva e expressivados cuidados, valorizando o potencial de cada um paracrescer e desenvolver por si mesmo (BLACK &MATASSARIN-JACOBS, 1996).

    Segundo PERESTRELLO (1982) os fatoresscioculturais em grande parte determinam tanto aapresentao da doena quanto a reao dos outros amesma. Assim, cada cultura possui sua prpria linguagemde sofrimento, que faz a ligao entre as experinciassubjetivas de mal estar e o seu reconhecimento social.Os fatores culturais determinam quais sinais e sintomasso percebidos como anormais.

    Os profissionais de sade devem, portanto, estar

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    atento para o significado das doenas - como evoluem,como so adquiridas, manifestadas e a sua influnciasobre o comportamento do paciente/famlia, e consider-lo na determinao do diagnstico e tratamento. Oplanejamento da assistncia ter os seus objetivosatingidos se for considerado o paciente no seu contextosciocultural com o significado atribudo pelo paciente doena e ao tratamento.

    METODOLOGIA

    Dentre os mtodos de pesquisa qualitativa, aetnografia foi a escolhida. Segundo GERMAIN (1993) oestudo etnogrfico um processo de investigar que utilizaa observao-participante e a entrevista como principaistcnicas de coleta de dados. Estes mtodos permitem queo pesquisador veja e oua cuidadosamente o que os atoresde uma situao social dizem e fazem.

    Na observao-participante, o pesquisador chegaa uma situao social com o objetivo de engajar-se nasituao, observar as atividades, as pessoas e os aspectosfsicos da situao (ZAGO, 1994). O processo umcontnuo ir-e-vir, onde existem momentos deessencialmente observar, observar com algumaparticipao, essencialmente participar e observarrefletindo (GERMAIN, 1993; BOGDAN & BIKLEN,1994).

    Fizeram parte deste estudo 13 pacientesacometidos pelo aneurisma cerebral, sendo 10 do sexofeminino e 3 do sexo masculino, todos na faixa etria de30 a 60 anos de idade. A coleta dos dados foram realizadasem trs momentos: antes e depois da descoberta dodiagnstico, durante a hospitalizao e depois da altahospitalar, no retorno ambulatorial. As entrevistas foramgravadas com o consentimento formal do informante ecom a garantia de anonimato.

    Os dados coletados foram registrados logo apscada sesso de observao-participante ou entrevista, emum dirio de campo. Os relatos obtidos dos informantesforam transcritos literalmente.

    A anlise dos dados, foi realizada buscando-se acompreenso do significado cultural da doena e dotratamento do aneurisma cerebral entre o cliente/famlia.

    MINAYO (1993) afirma que o processo deanlise de contedo relaciona as estruturas significantescom as estruturas de significados dos enunciados. Assim,os contedos, ou seja, os dados, so relacionados com osfatores que o caracterizam: variveis psicossociais,contexto natural e processo de produo da mensagem.

    Para GERMAIN (1993), na etnografia opesquisador inicialmente realiza a anlise de contedoqualitativo para, atravs de um processo indutivo, derivar

    padres (modelos) ou temas.A mesma autora explica que o processo de anlise

    dos dados acontece durante todo o perodo de coleta dedados. A medida que os dados so coletados, processa-se a sua anlise, o que ajuda o pesquisador a traar metaspara as prximas entrevistas.

    RESULTADOS E DISCUSSO

    A anlise dos registros etnogrficos, realizaram-se em busca o significado do aneurisma cerebral e dotratamento entre os pacientes/famlias. Seguiram ospassos preconizados por GERMAIN (1993): codificao organizao dos dados, categorizao agrupamentode cdigos similares e derivao de temas culturais.

    O TEMA CENTRAL

    As informaes obtidas deram origem a trscategorias: processo de adoecer, operar a cabea esobreviver cirurgia. A integrao entre essas categoriasrevelou o tema central: Tinha que ser para mim. Deussabe o que faz.

    Com essa assertiva os pacientes e familiaresexpem os seus conhecimentos, crenas, comportamentose atitudes que permeiam o processo de adoecer, operar acabea e sobreviver cirurgia.

    Inicialmente, poder-se-ia considerar que essaassertiva simplista, pois, todo o processo experienciadopelo paciente/famlia fundamentado na crena religiosa.Porm, o processo reflete consideraes maisaprofundadas.

    No processo de adoecer, as falas dos pacientes/familiares, sobre a sua doena estabelecem uma relaoentre o ambiente e seus problemas pessoais (os trsuniversos: o mundo pessoal, o natural e o sobrenatural):o trabalho excessivo, a fadiga, as crises familiares, a faltade ateno sade, e os males fsicos. Na associaodesses universos, a experincia da doena seconsubstancia, torna-se concreta e perceptvel para ospacientes e familiares: Eu andava muito preocupada!,... ficou doente por desiluso, ... tinha que ser paramim!, Acho que muito trabalho!, ... de famlia!Todos ns temos presso alta!, O que tem que ser paraa gente ser!, ... esse sangue fica parado no corpo evai para a cabea!. A concretizao significativa nomomento em que provoca interrupes nas atividadescotidianas ou economicamente produtivas, que trazemresultados negativos para a organizao da vida dafamlia. desse modo que o paciente percebe-se comodoente, quando o senso comum corresponde s condies

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    de vida reais do homem comum. Nesse sentido,MONTERO (1985) refere que as imagens associam asade possibilidade do uso instrumental do corpo, e nosentido inverso, a doena reflete a impossibilidade douso instrumental do corpo.

    Assim, o ... desmaiei pela dor de cabea, ...a cabea comeou a doer inteirinha, ela nunca doeuassim..., so situaes inesperadas que desequilibram ocotidiano do paciente /famlia. Acrescido ao aparecimentosbito dos sintomas, a necessidade de internao e detratamento cirrgico de urgncia, a espera e asdificuldades para realizar os exames diagnsticos, asituao torna-se subjetivamente complexa. Operar acabea que ... o espigo..., ...cabea cabea...,...a parte mais sensvel, especial do corpo..., ... tudo..., impem ao processo de significao da doena,um componente a mais, pois, na cultura popular, a cabea a sede da racionalidade, segundo MONTERO (1985).A famlia, como a principal rede de apoio para o pacientee de disseminao dos elementos culturais de um grupo,busca no seu contexto, o conhecimento as possibilidadesde reconhecer a situao. Assim, ela obtm informaesde outras pessoas que vivenciam uma situao semelhantee que tiveram uma evoluo positiva ou negativa, o quecolabora para o conflito: O sogro dela operou e foi tudobem, tenho um cunhado meu que operou, mas ele ficoumais ruim.... O cotidiano da enfermaria, com aconvivncia com diferentes situaes positivas enegativas, em momentos diferentes, acentuam o caos parao paciente/famlia.

    Pelas observaes, o caos se confirma com odiagnstico e a indicao cirrgica: ...no sei o que vaiser..., quando perspectivas conflituosas surgem, ...eudei graas Deus que iam fazer alguma coisa....

    Neste momento, as explicaes dos mdicos,sobre a patologia e a indicao cirrgica, transcendem ocaos experienciado pelos pacientes/familiares. Em geral,como retratado por outros estudos antropolgicos(MONTERO, 1985; HELMAN, 1994), a fala do mdicoabstrai o paciente de suas condies reais de existncia efalam da doena e do tratamento em termos universais,levando o paciente a um processo de submisso s normasmdicas e institucionais. A literatura mostra com clarezaque as relaes mdico/paciente se instituem enquantorelaes de poder, e que, por no ser objeto desse estudo,no sero ampliadas.

    A situao de caos, conflito ou crise est, ento,concretizada.

    Resta aos envolvidos, refletir sobre a experincia,e buscar, em si mesmos, alternativas de enfrent-la, masdentro do seu contexto cultural.

    Estudos antropolgicos e sociolgicos janalisaram que as terapias alternativas, na culturabrasileira, contrastam-se com a medicina oficial: enquanto

    esta ltima explica o como das molstias, as primeirasprocuram responder ao por qu das enfermidades.MONTERO (1985) complementa que as medicinasalternativas buscam o sentido para a situao. As visesreligiosas dispem-se a explicar o sentido da vida,respondendo a um por qu, que de algum modo justificaos conflitos, o caos da situao de cada pessoa, entre eles,a doena. Atravs de vrios modelos teolgicos, aspessoas buscam explicar e justificar a doena.

    Pelo tema, Tinha que ser para mim. Deus sabeo que faz, compreendemos que os pacientes/familiaresdesvelam que a interpretao religiosa da doena umacontecimento mais abrangente do que uma disfunoorgnica, contrariamente ao modelo mdico que dissociaa experincia do paciente. Com a religio, eles interpretamos sintomas enquanto indicadores de uma situao externa(como vimos em relao aos universos utilizados parapacientes/famlias para explicarem a etiologia da doena)ao paciente, e que se volta contra ele. Para MONTERO(1985) o discurso religioso trabalha com a experinciaconcreta e subjetiva que o paciente/famlia tm de suadoena. Portanto, a doena torna-se um acontecimentosimbolicamente significativo que organiza a vida de todosos envolvidos.

    Considerando-se que os brasileiros tm umatradio cultural religiosa no catolicismo e que aesperana no milagre um trao caracterstico dessareligio (MONTERO, 1985), podemos compreender quea busca pelo significado da cura-mgica-religiosa, estfundamentada no tema ...Deus sabe o que faz.

    Segundo MONTERO (1985) e HELMAN(1994), o fenmeno mgico da cura constitui-se numsistema simblico que produz um conhecimento sobre omundo, lhe atribui significados e transformam a situao,os conflitos, o caos. Entretanto, a cura mgica surge comoalgo que se soma, que se complementa ao tratamentomdico. A compreenso da doena e a expectativa pelacura, revaloriza as prticas mgico-religiosas (...fizerampromessa. Eu tenho mais que agradecer a Deus,...Deus reserva as coisas pra gente e temos que passar,no adianta fugir), explicando aos envolvidos o porqu da situao. Assim, o aneurisma cerebral interpretado como uma doena material (do corpo) eespiritual (da alma). Assim, a doena material requerinterveno mdica (a cirurgia) e a doena espiritualrequer a busca da f religiosa. Embora haja uma distinoformal, no h um confronto real. Essa polaridade levaos pacientes e familiares a buscarem pelacomplementariedade das duas prticas.

    O significado dado a doena e a cirurgia, pelospacientes e familiares, elaboram-se tendo como refernciaos parmetros do discurso, os traos da cultura religiosado grupo.

    Essa significao extremamente importantepara os enfermeiros que buscam fundamentar o cuidado

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    no contexto cultural do paciente/famlia. Considerandoque o cuidado ao paciente/famlia com aneurismacerebral, em todos os perodos operatrios, complexoe compreende o alm do tratar, importante abranger asua dimenso afetiva, expressiva e cultural.

    CONSIDERAES FINAIS

    Compreender o significado do aneurismacerebral e do tratamento entre os pacientes e familiares um aspecto fundamental para a assistncia de enfermagemefetiva. O enfermeiro precisa apreender a interpretaoque o indivduo confere doena, que uma situaoconsiderada anormal na nossa cultura.

    O significado que emergiu dos dados evidencia

    a crena em Deus como indispensvel para oenfrentamento de momentos de sofrimento e insegurana.Desta forma, compreende-se que o paciente/famliadesvelam que a interpretao religiosa da doena umacontecimento mais abrangente do que uma disfunoorgnica.

    O reconhecimento das crenas e da necessidadede cuidado espiritual pode requerer do enfermeiro umaateno especial s pistas no verbais ou comentrioscasuais, os quais expressam as preocupaes espirituaisdo paciente.

    Acredito que, tentar atender as crenas e prticasreligiosas do paciente no planejamento da assistncia,pode ser mais uma estratgia para aumentar a disposiodo paciente ao aprendizado e tambm a uma melhorparticipao no tratamento.

    THE CULTURAL MEANING OF CEREBRAL ANEURYSM AND ITS TREATMENT FOR THEPATIENT AND RELATIVES: AN ETHNOGRAPHIC STUDY

    This is a descriptive ethnographic study with 13 patients with cerebral aneurysm and their relatives aiming at understandingthe meaning of the illness and the treatment. The data were collected by interviews and observations during the hospitalizationand, after the discharge, in the outpatient clinic and at home. The central theme obtained from the study was It had to be for me!God knows what He does. This theme reveals a religious interpretation for the illness and a magic basis for its cure.Thus,cerebral aneurysm is interpreted as a material illness (body) and a spiritual illness (soul).

    KEY WORDS: cerebral aneurysm, culture, surgery, patient

    LA COMPRENSIN DEL SIGNIFICADO CULTURAL DEL ANEURISMA CEREBRAL Y DELTRATAMIENTO ATRIBUDOS POR EL PACIENTE Y LOS FAMILIARES: UN ESTUDIO

    ETNOGRFICO

    Esta investigacin consiste en un estudio etnogrfico de los pacientes afectados por aneurisma cerebral y sus familiares,con el objetivo de objetivo de comprender el significado de la enfermedad y el tratamiento. Los datos fueron recolectados porentrevistas y observaciones durante la hospitalizacin y despus del alta en la consulta externa y en la residencia. El tema centralobtenido del estudio fue: Tenia que ser para mi. Dios sabe lo que hace. Este tema manifiesta una interpretacin religiosa parala enfermedad y una fundamentacin mgica para el tratamiento. As, el aneurisma cerebral es comprendido como una enfermedadmaterial (del cuerpo) y una enfermedad espiritual (del alma).

    TRMINOS CLAVES: paciente con aneurisma cerebral, cultura, ciruga, paciente

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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    Recebido em: 25.9.98Aprovado em: 18.1.99

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