12 muito além da ilustração...ju – o senhor disse que a imagem ainda não tem o mesmo relevo da...

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Campinas, 17 a 31 de dezembro de 2012 12 Muito além da ilustração Fotos: Divulgação Jornal da Unicamp – O senhor poderia conceituar a an- tropologia visual? Etienne Samain – Antropologia é uma etiqueta. Falar de antropologia visual é uma redundância. Em função do nosso contexto, o visual se tornou muito mais presente e fundamental na definição das sociedades e culturas. Como antropólogo, eu posso afirmar que os antropólogos continu- am endeusando a escrita, como se ela fosse o único suporte. Respeito muito essa posição, mas diria que, ao lado da es- crita, existem outros modos de comunicação humana que representam maneiras diferenciadas de se pensar o mun- do; modos e maneiras distintas de organizar a sociedade. Podemos, através de um leque de imagens oferecido pelas sociedades atuais, pensar essas sociedades e as culturas que elaboramos. O drama dos antropólogos é acreditar que só há a afirmação do homem e do mundo com a palavra escri- ta. Isso é bom para situar se vamos fazer uma antropologia visual. Se quisermos nos aproximar do ser humano, hoje, temos que tomá-lo na sua realidade. E o homem cada vez mais é saturado por imagens. Através delas damos sentido à existência. A antropologia visual é uma etiqueta, algo ne- cessário na sociedade em que vivemos. JU – Essa antropologia visual está intimamente liga- da à arte? Etienne Samain – A sociedade se expõe de uma manei- ra generalizada, através de visualidades diversas. Não va- mos limitar as imagens somente àquelas que vivenciamos. Como antropólogo, quero tomar as imagens no sentido mais amplo da palavra. Assim, pode ser fotografia, pintura, escultura, vídeo etc. Quero ver as imagens na sua globalida- de, sabendo que são singulares, mas que também estão in- ter-relacionadas. As imagens, para mim, são cada vez mais referentes à arte. A arte é um fundamento da antropologia. Temos que dar mais relevo às artes. As imagens não são apenas ilustrações e documentos do mundo. São questio- namentos do mundo e da história. As artes, portanto, são o coração da antropologia. JU – Como surgiu a ideia do livro? Etienne Samain – Não sei como o livro veio a mim. Sim, foi ele quem veio a mim e não o contrário. E veio em função de questionamentos ao longo dos anos. Teve como razão a questão fundamental da comunicação humana. Nós somos com um grande tear com milhares de fios. Somos feitos de sons, imagens, escritas etc. Então, respeitando as singularidades e complementariedades entre esses supor- tes da comunicação, achei que valia a pena refletir um pou- co mais sobre a questão das imagens no tempo da nossa história. O livro também é resultado das inquietações de um antropólogo, que entende que as imagens não podem ser usadas abertas, desdobradas para pensar o mundo. A obra também traz as reflexões alimentadas por dois grandes pensadores, Gregory Bateson [1904-1980] e Aby Warburg [1866-1929], o primeiro um antropólogo inglês e o segun- do um destacado historiador da arte alemão. Bateson foi o fundador da nova comunicação e Warburg é considerado o pai da iconologia moderna. O encontro desses dois perso- nagens foi importante para que eu ousasse trabalhar com este tema. JU – Como o livro foi organizado? Ele conta com a co- laboração e diversos autores, não? Etienne Samain – São dez autores, brasileiros e estran- geiros, todos com destacados trabalhos relacionados de al- guma forma ao tema central do livro. O livro foi dividido em três partes. A primeira faz uma abordagem mais epis- temológica. Traz a proposta de entender as imagens de ou- tra maneira, de pensá-la na sua essência. De considerá-la em termos fenomenológicos. A imagem não é um ato ou um fato. Ela é uma questão, um problema. Estou falando, obviamente, de boas imagens. Uma boa imagem carrega toda uma memória ancestral, mas que também é portadora de uma promessa, de um desejo. Uma verdadeira imagem questiona o nosso mundo. Não é apenas uma ilustração. O livro solicita que o leitor olhe o mundo das imagens artísti- cas em particular, mas não apenas elas, como um território de questionamento de nossos destinos e nossas culturas. Esse novo olhar não despreza, porém, outras formas de contemplar as imagens. Diria que a imagem é tanto um fe- nômeno, uma aparição, como ela é uma memória. No ato de fotografar já criamos uma memória. Antes do click, toda imagem leva consigo uma memória ancestral e carrega um desejo de um mundo que poderia ser repensado. As outras duas partes do livro são tentativas de ordem poética de se aproximar da imagem concreta, para ver como ela pode nos conduzir a pensar o nosso mundo. JU – Para os leigos, é simples aceitar que as imagens nos fazem pensar. Entretanto, não parece tão trivial acolher a ideia de que as imagens pensam, como afirma o título do livro. Afinal, como as imagens pensam? Etienne Samain – De fato, não é tão simples entender que as imagens são portadoras e veiculam pensamento. As imagens, sem nós, humanos, são capazes de pensar. Ima- gine a seguinte situação. Ao colocarmos diversas imagens juntas, elas passam a ter uma convivência entre elas. Elas dialogam em função das formas, das cores etc. Às vezes, um conjunto de imagens pode sugerir uma aparente de- sordem. Entretanto, quando olhamos mais atentamente, elas compõem uma mensagem profunda, diferente da- quela oferecida quando olhadas separadamente. Então, a pergunta “o que pensam as imagens” não é uma boa questão. A questão principal é “como elas pensam”. JU – As imagens presentes no livro estimulam o leitor a fazer esse exercício? Etienne Samain – As imagens do livro são tenta- tivas de aproximação do assunto. Tentam dizer como as imagens nos fazem pensar e como pensam entre elas. A imagem da capa, que mostra um tipo de bor- boleta conhecida como corujão, é um bom exemplo. Vista com asas abertas, não há dúvida de que se trata de uma borboleta. Com asas fechadas, entre- tanto, ela se parece com uma cobra. É um recurso de camuflagem, para se proteger de predadores. Essa imagem é uma metáfora. As borboletas pas- sam, são diversas, são leves, são transitórias. São voláteis, não são “sérias”. As imagens também são vistas assim pelas pessoas. Cada um que olha tem uma visão da imagem. Tudo isso faz com que imagem ainda não seja tomada muito a sério. Nesse sentido, a imagem da capa do livro é inquietante e instigante. Mais do que ilustrações e documentos, as imagens constituem questionamentos do mundo e da história. A afirmação é do professor do Instituto de Artes (IA) da Unicamp, Etienne Samain, organizador do livro Como pensam as imagens, recém-lançado pela Editora da Unicamp. A obra, que conta com a colaboração de dez autores - brasileiros e estrangeiros -, estimula a reflexão sobre a importância das imagens no mundo atual, mundo no qual a escrita continua merecendo maior relevo como suporte da comunicação humana. “O livro solicita que o leitor olhe o mundo das imagens artísticas em particular, mas não apenas elas, como um território de questionamento de nossos destinos e nossas culturas. Esse novo olhar não despreza, porém, outras formas de contemplar as imagens”, afirma o docente. Na entrevista que segue, Etienne Samain fala sobre a obra, de como foi concebida e manifesta o desejo de que ela não circule apenas no meio acadêmico. “Espero que este livro não seja o meu, mas sim o nosso livro”. MANUEL ALVES FILHO [email protected] JU – O senhor disse que a imagem ainda não tem o mesmo relevo da escrita. Todavia, há um adágio popular que diz que uma imagem vale mais do que mil palavras. Como explica essa aparente contradição? Etienne Samain – As pessoas reconhecem que a ima- gem é importante e que ela é reveladora. Ao mesmo, a imagem é capaz de esconder o que pensa. Tem discursos múltiplos em torno dela. O adágio é importante para a re- levância da imagem. De um lado, a imagem é muito verbor- rágica, fala demais, confunde. Por outro, é muda, esconde. No mundo de hoje há uma saturação de imagens. Estamos afogados por elas. Entretanto, muitas imagens são medío- cres. Com isso, somos privados de outras imagens. Temos que saber escolher ou criar imagens capazes de expressar o ser humano, os seus destinos de maneira concreta. Não se trata de gerar um objeto simpático. Trata-se de uma ima- gem com peso de provocação, de tomada de posição. JU – Atualmente, gerar e manipular imagens são pro- cedimentos corriqueiros, graças às tecnologias como os te- lefones celulares e os programas de computador. Como o senhor vê o emprego desses recursos? Etienne Samain – Há um aspecto potencialmente posi- tivo, pois temos suportes cada vez melhores para produzir imagens. Entretanto, tudo depende do valor de uso dessas potencialidades. As máquinas nos proporcionam vanta- gens, mas precisamos ver o que vamos retirar delas. Quan- do eu falo de “uso”, estou me referindo à reflexão sobre o mundo. Atualmente, há uma enorme banalização das ima- gens e, o mais grave, uma ocultação de coisas, pois as ima- gens também abafam. No começo da fotografia, dizia-se que ela era reveladora de toda verdade. Agora, diz-se que ela sabe mentir. A imagem sempre foi manipulada. Não existe registro puro. Assim, a imagem pode ser desvirtua- da através da manipulação. Por outro lado, a manipulação também pode evocar algo interessante, trazer informações complementares. JU – O livro é voltado apenas aos estudiosos do tema? Etienne Samain – O livro certamente não é para ser livro no avião. Ele é exigente. Mas, espero que ele não fique limitado ao mundo acadêmico. A obra levanta questões do dia a dia, mas requer que o leitor faça certo esforço para compreendê-la. Entretanto, não é um livro hermético. Es- pero que este livro não seja o meu, mas sim o nosso livro. COMO PENSAM AS IMAGENS Organizador: Etienne Samain Área de interesse: Antropologia, Fotografia Páginas: 240 | Preço: R$ 64,00 Etienne Samain, organizador do livro: “A sociedade se expõe e revela-se através de visualidades e de representações figurativas diversas” Vigília noturna no Kosovo, Georges Mérillon, 1990 (à esq.), e Madona de Bentalha, Hocine Zaourar, 1997, duas das fotos analisadas no livro

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Page 1: 12 Muito além da ilustração...JU – O senhor disse que a imagem ainda não tem o mesmo relevo da escrita. Todavia, há um adágio popular que diz que uma imagem vale mais do que

Campinas, 17 a 31 de dezembro de 201212

Muito além da ilustração

Fotos: Divulgação

Jornal da Unicamp – O senhor poderia conceituar a an-tropologia visual?

Etienne Samain – Antropologia é uma etiqueta. Falar de antropologia visual é uma redundância. Em função do nosso contexto, o visual se tornou muito mais presente e fundamental na definição das sociedades e culturas. Como antropólogo, eu posso afirmar que os antropólogos continu-am endeusando a escrita, como se ela fosse o único suporte. Respeito muito essa posição, mas diria que, ao lado da es-crita, existem outros modos de comunicação humana que representam maneiras diferenciadas de se pensar o mun-do; modos e maneiras distintas de organizar a sociedade. Podemos, através de um leque de imagens oferecido pelas sociedades atuais, pensar essas sociedades e as culturas que elaboramos. O drama dos antropólogos é acreditar que só há a afirmação do homem e do mundo com a palavra escri-ta. Isso é bom para situar se vamos fazer uma antropologia visual. Se quisermos nos aproximar do ser humano, hoje, temos que tomá-lo na sua realidade. E o homem cada vez mais é saturado por imagens. Através delas damos sentido à existência. A antropologia visual é uma etiqueta, algo ne-cessário na sociedade em que vivemos.

JU – Essa antropologia visual está intimamente liga-da à arte?

Etienne Samain – A sociedade se expõe de uma manei-ra generalizada, através de visualidades diversas. Não va-mos limitar as imagens somente àquelas que vivenciamos. Como antropólogo, quero tomar as imagens no sentido mais amplo da palavra. Assim, pode ser fotografia, pintura, escultura, vídeo etc. Quero ver as imagens na sua globalida-de, sabendo que são singulares, mas que também estão in-ter-relacionadas. As imagens, para mim, são cada vez mais referentes à arte. A arte é um fundamento da antropologia. Temos que dar mais relevo às artes. As imagens não são apenas ilustrações e documentos do mundo. São questio-namentos do mundo e da história. As artes, portanto, são o coração da antropologia.

JU – Como surgiu a ideia do livro?Etienne Samain – Não sei como o livro veio a mim.

Sim, foi ele quem veio a mim e não o contrário. E veio em função de questionamentos ao longo dos anos. Teve como razão a questão fundamental da comunicação humana. Nós somos com um grande tear com milhares de fios. Somos feitos de sons, imagens, escritas etc. Então, respeitando as singularidades e complementariedades entre esses supor-tes da comunicação, achei que valia a pena refletir um pou-co mais sobre a questão das imagens no tempo da nossa história. O livro também é resultado das inquietações de um antropólogo, que entende que as imagens não podem ser usadas abertas, desdobradas para pensar o mundo. A obra também traz as reflexões alimentadas por dois grandes

pensadores, Gregory Bateson [1904-1980] e Aby Warburg [1866-1929], o primeiro um antropólogo inglês e o segun-do um destacado historiador da arte alemão. Bateson foi o fundador da nova comunicação e Warburg é considerado o pai da iconologia moderna. O encontro desses dois perso-nagens foi importante para que eu ousasse trabalhar com este tema.

JU – Como o livro foi organizado? Ele conta com a co-laboração e diversos autores, não?

Etienne Samain – São dez autores, brasileiros e estran-geiros, todos com destacados trabalhos relacionados de al-guma forma ao tema central do livro. O livro foi dividido em três partes. A primeira faz uma abordagem mais epis-temológica. Traz a proposta de entender as imagens de ou-tra maneira, de pensá-la na sua essência. De considerá-la em termos fenomenológicos. A imagem não é um ato ou um fato. Ela é uma questão, um problema. Estou falando, obviamente, de boas imagens. Uma boa imagem carrega toda uma memória ancestral, mas que também é portadora de uma promessa, de um desejo. Uma verdadeira imagem questiona o nosso mundo. Não é apenas uma ilustração. O livro solicita que o leitor olhe o mundo das imagens artísti-cas em particular, mas não apenas elas, como um território de questionamento de nossos destinos e nossas culturas. Esse novo olhar não despreza, porém, outras formas de contemplar as imagens. Diria que a imagem é tanto um fe-nômeno, uma aparição, como ela é uma memória. No ato de fotografar já criamos uma memória. Antes do click, toda imagem leva consigo uma memória ancestral e carrega um desejo de um mundo que poderia ser repensado. As outras duas partes do livro são tentativas de ordem poética de se aproximar da imagem concreta, para ver como ela pode nos conduzir a pensar o nosso mundo.

JU – Para os leigos, é simples aceitar que as imagens nos fazem pensar. Entretanto, não parece tão trivial acolher a ideia de que as imagens pensam, como afirma o título do livro. Afinal, como as imagens pensam?

Etienne Samain – De fato, não é tão simples entender que as imagens são portadoras e veiculam pensamento. As imagens, sem nós, humanos, são capazes de pensar. Ima-gine a seguinte situação. Ao colocarmos diversas imagens juntas, elas passam a ter uma convivência entre elas. Elas dialogam em função das formas, das cores etc. Às vezes, um conjunto de imagens pode sugerir uma aparente de-sordem. Entretanto, quando olhamos mais atentamente, elas compõem uma mensagem profunda, diferente da-quela oferecida quando olhadas separadamente. Então, a pergunta “o que pensam as imagens” não é uma boa questão. A questão principal é “como elas pensam”.

JU – As imagens presentes no livro estimulam o leitor a fazer esse exercício?

Etienne Samain – As imagens do livro são tenta-tivas de aproximação do assunto. Tentam dizer como as imagens nos fazem pensar e como pensam entre elas. A imagem da capa, que mostra um tipo de bor-boleta conhecida como corujão, é um bom exemplo. Vista com asas abertas, não há dúvida de que se trata de uma borboleta. Com asas fechadas, entre-tanto, ela se parece com uma cobra. É um recurso de camuflagem, para se proteger de predadores. Essa imagem é uma metáfora. As borboletas pas-sam, são diversas, são leves, são transitórias. São voláteis, não são “sérias”. As imagens também são vistas assim pelas pessoas. Cada um que olha tem uma visão da imagem. Tudo isso faz com que imagem ainda não seja tomada muito a sério. Nesse sentido, a imagem da capa do livro é inquietante e instigante.

Mais do que ilustrações e documentos, as imagens constituem questionamentos do mundo e da história. A afirmação é do professor do Instituto de Artes (IA) da Unicamp, Etienne Samain, organizador do livro Como pensam as imagens, recém-lançado pela Editora da Unicamp. A obra, que conta com a colaboração de dez autores - brasileiros e estrangeiros -, estimula a reflexão sobre a

importância das imagens no mundo atual, mundo no qual a escrita continua merecendo maior relevo como suporte da comunicação humana. “O livro solicita que o leitor olhe o mundo das imagens artísticas em particular, mas não apenas elas, como um território

de questionamento de nossos destinos e nossas culturas. Esse novo olhar não despreza, porém, outras formas de contemplar as imagens”, afirma o docente. Na entrevista que segue, Etienne Samain fala sobre a obra, de como foi concebida e manifesta

o desejo de que ela não circule apenas no meio acadêmico. “Espero que este livro não seja o meu, mas sim o nosso livro”.

MANUEL ALVES [email protected]

JU – O senhor disse que a imagem ainda não tem o mesmo relevo da escrita. Todavia, há um adágio popular que diz que uma imagem vale mais do que mil palavras. Como explica essa aparente contradição?

Etienne Samain – As pessoas reconhecem que a ima-gem é importante e que ela é reveladora. Ao mesmo, a imagem é capaz de esconder o que pensa. Tem discursos múltiplos em torno dela. O adágio é importante para a re-levância da imagem. De um lado, a imagem é muito verbor-rágica, fala demais, confunde. Por outro, é muda, esconde. No mundo de hoje há uma saturação de imagens. Estamos afogados por elas. Entretanto, muitas imagens são medío-cres. Com isso, somos privados de outras imagens. Temos que saber escolher ou criar imagens capazes de expressar o ser humano, os seus destinos de maneira concreta. Não se trata de gerar um objeto simpático. Trata-se de uma ima-gem com peso de provocação, de tomada de posição.

JU – Atualmente, gerar e manipular imagens são pro-cedimentos corriqueiros, graças às tecnologias como os te-lefones celulares e os programas de computador. Como o senhor vê o emprego desses recursos?

Etienne Samain – Há um aspecto potencialmente posi-tivo, pois temos suportes cada vez melhores para produzir imagens. Entretanto, tudo depende do valor de uso dessas potencialidades. As máquinas nos proporcionam vanta-gens, mas precisamos ver o que vamos retirar delas. Quan-do eu falo de “uso”, estou me referindo à reflexão sobre o mundo. Atualmente, há uma enorme banalização das ima-gens e, o mais grave, uma ocultação de coisas, pois as ima-gens também abafam. No começo da fotografia, dizia-se que ela era reveladora de toda verdade. Agora, diz-se que ela sabe mentir. A imagem sempre foi manipulada. Não existe registro puro. Assim, a imagem pode ser desvirtua-da através da manipulação. Por outro lado, a manipulação também pode evocar algo interessante, trazer informações complementares.

JU – O livro é voltado apenas aos estudiosos do tema?Etienne Samain – O livro certamente não é para ser

livro no avião. Ele é exigente. Mas, espero que ele não fique limitado ao mundo acadêmico. A obra levanta questões do dia a dia, mas requer que o leitor faça certo esforço para compreendê-la. Entretanto, não é um livro hermético. Es-pero que este livro não seja o meu, mas sim o nosso livro.

COMO PENSAM AS IMAGENSOrganizador: Etienne SamainÁrea de interesse: Antropologia, FotografiaPáginas: 240 | Preço: R$ 64,00

Etienne Samain, organizador do livro: “A sociedade se expõe e revela-se através de visualidades e de

representações fi gurativas diversas”

Vigília noturna no Kosovo, Georges Mérillon, 1990 (à esq.), e Madona de Bentalha, Hocine Zaourar, 1997, duas das fotos analisadas no livro