110439157 quatro ramos do mabinogion texto anotado
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PREFÁCIO
I Que é o Mabinogion?
O título O Mabinogion foi usado pela primeira vez por Lady Charlotte
Guest em sua tradução de doze contos medievais galeses publicada entre 1838
e 1849.
A forma Mabinogion surge no fim do conto Pwyll, Príncipe de Dyfed
(Ac yuelly y teruyna y geing hon yma o'r Mabynnogyon, “Aqui termina este
ramo do Mabinogion”, frase que também encerra os demais Ramos), mas,
comumente, admitese que o sentido do termo mabinogi, na origem
significando apenas "infância", tenha depois sido ampliado para abranger um
conto sobre a infância de um herói em geral. Mabinogion seria o plural de
mabinogi.
Antes das traduções de Lady Guest, somente os quatro primeiros dentre
os doze contos eram conhecidos como Pedeir Ceinc y Mabinogi, "Os Quatro
Ramos do Mabinogi". Desde então, a palavra Mabinogion tem sido usada como
um termo conveniente para designar todos os contos, com exceção de Hanes
Taliesin, "A História de Taliesin".
Os textos anônimos foram preservados no Livro Branco de Rhyderch
(Llyfr Gwyn Rhydderch), escrito entre 1300 e 1325, e no Livro Vermelho de
Hergest (Llyfr Coch Hergest), escrito entre 1375 e 1425, embora fragmentos
desses contos já tenham sido encontrados em manuscritos do séc. XIII e
acreditese que tenham existido muito antes sob a forma oral. A questão da
data de composição do Mabinogion é importante, pois pode demonstrar que é
anterior à História dos Reis da GrãBretanha (Historia Regum Britanniae) de
Geoffrey de Monmouth, sendo a evidência de que o folclore e a cultura galeses
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seriam muito mais antigos e resistentes.
O Mabinogion, desconhecido fora de Gales até a época de Lady
Charlotte Guest, é uma parte da longa, consistente e gloriosa tradição da poesia
galesa que merece ser melhor conhecida. Mesclada em seu contexto está a
magia dos druidas, esses misteriosos "sacerdotes" célticos que mantinham as
antigas tradições e fizeram com que o Mabinogion sobrevivesse à conquista
saxônica e ao triunfo do cristianismo alcançado pela igreja romana e, depois,
pela anglicana.
II As lendas do Mabinogion
O Mabinogion propriamente dito consiste de quatro lendas, também
chamadas Os Quatro Ramos do Mabinogion. Essas lendas são:
• Pwyll, Príncipe de Dyfed (Pwyll, Pendeuic Dyuet, Primeiro Ramo):
durante uma caçada, Pwyll encontra Arawn (“Língua Prateada”),
Senhor de Annwn (o Outro Mundo da tradição céltica) e, como
compensação por um insulto não intencional, oferecese para trocar de
lugar com Arawn e lutar contra seu inimigo Hafgan (“Verão Branco”).
Pwyll passa um ano sob a forma de Arawn e ganha sua amizade graças
a suas boas maneiras e pelo sucesso em sobrepujar Hafgan, assim
obtendo o título de Penannwn ("Senhor de Annwn"). Ele se casa com
Rhiannon, mas somente depois de derrotar Gwawl, o antigo
pretendente. O casal vive feliz até o nascimento de Pryderi.
• Branwen, Filha de Llyr (Branwen uerch Lyr, Segundo Ramo):
Branwen casouse com Matholwch, rei da Irlanda, e deu à luz Gwern,
mas os irlandeses, que tinham sofrido um grave insulto feito por
Efnyssien, meioirmão de Branwen, quando a comitiva de Matholwch
estava na GrãBretanha, vingaramse obrigando Branwen a servir na
cozinha do castelo, onde era agredida pelo cozinheiro. Ela criou um
pássaro e enviou uma mensagem a Bran, seu irmão, rei da Grã
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Bretanha, que veio com um frota para resgatála. Efnyssien lançou
Gwern numa fogueira e seguiuse uma batalha entre britanos e
irlandeses; ela morreu de tristeza e foi supultada num "túmulo de quatro
lados" nas margens do rio Alaw, em Anglesey. Seu mito, que tem uma
forte semelhança com o de Cordélia, filha de Lear, é um tipo de
Soberania, como fica óbvio quando sua história é investigada com
profundidade. Quanto à Irlanda, ficaram vivas na ilha somente cinco
mulheres grávidas, cujos filhos foram os fundadores dos Cinco Reinos.
• Manawyddan, Filho de Llyr (Manawydan uab Llyr, Terceiro Ramo):
Manawyddan ap Llyr é mencionado no conto Culhwch e Olwen como
um seguidor de Arthur, mas, originalmente, é um deus marinho que
corresponde ao irlandês Mánannan mac Lir. No Mabinogion, é irmão de
Bendigeid Fran ("Bran, o Abençoado"), ficando sem terras depois da
morte deste e tornandose marido de Rhiannon. Ajudou a quebrar os
encantamentos lançados por Llwyd sobre Dyfed como vingança pelo
tratamento violento dado a Gwawl por Pwyll, primeiro marido de
Rhiannon. Manawyddan é um homem engenhoso e um mestre artesão,
capaz de ganhar seu sustento enquanto a terra está enfeitiçada. Como
instrutor e homem de poder, ele fica no lugar do pai de Pryderi e herda
as qualidades de Pwyll.
• Math, Filho de Mathonwy (Math uab Mathonwy, Quarto Ramo): o
filho de Mathonwy é tio de Gwydion, Gilfaethwy e Arianrhod e irmão
de Penardun. Ele era onisciente, possuindo, entre outras habilidades, o
estranho dom de ouvir tudo que era dito em seus domínios tão logo as
palavras fossem transportadas pelos ventos. Era muito sábio, um grande
rei. Neste conto, ele somente pode viver enquanto seus pés estiverem no
colo de uma virgem, Goewin, a não ser em tempo de guerra. Como
Gwydion provoca uma guerra entre Math e Pryderi, Math deixaa
temporariamente, sendo Goewin violada por Gilfaethwy, que nutria por
ela uma paixão secreta. Para aliviar a vergonha da jovem, Math casase
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com ela e pune seus sobrinhos, Gilfaethwy e Gwydion, transformando
os em vários animais. É com a ajuda de Gwydion que Math cria
Blodeuwedd com flores como noiva para Llew Llaw Gyffes, seu
sobrinhoneto.
Sete outros contos foram associados aos Quatro Ramos:
• O Sonho de Macsen Wledig: um imperador romano, Magnus
Maximus (383388 d. C.), conhecido na tradição galesa como Macsen
Wledig. Geoffrey de Monmouth, que o chama Maximianus, diz que ele
fez de Conan Meriadoc o governante da Bretanha Menor, na atual
França. Neste conto, o imperador sonha com uma mulher desconhecida
por quem fica apaixonado. Por fim, mensageiros finalmente informam
que esta realmente existe em Cymru (Gales), de forma que Macsen
deixa Roma para casarse com ela. Seu nome é Elen. O Maximus
histórico, subjacente à lenda, realmente serviu na GrãBretanha, mas
levou muitas tropas da ilha em sua luta contra Gratianus, imperador do
Ocidente, assim deixando a GrãBretanha sem proteção. Traços dos
fatos permanecem nas lendas: os galeses retiveram seu nome, que
aparece em várias genealogias de famílias nobres como uma conexão
imperial. Os soldados romanos que partiam tomaram esposas
estrangeiras, mas, conta a lenda, cortaram suas línguas para que não
pudessem corromper o idioma britânico de seus filhos. Vemos assim
como é antiga e poderosa a devoção dos Cymry (galeses) a sua
linguagem.
• Lludd e Llefelys: Lludd é filho de Beli e irmão de Llefelys. Foi o rei da
GrãBretanha que reconstruiu a cidade de Londres, cujo nome vem do
rei: Caer Lludd, Caer London. Três pragas caíram sobre a ilha: uma
raça chamada Coranianos (genedyl y Coraneit, “a raça dos
Coranianos”), que podia saber tudo que era dito; um grito que era
ouvido a cada Véspera de Maio e que fazia murcharem as lavouras,
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matava os animais e crianças e deixava as mulheres estéreis e o
desaparecimento dos mantimentos do rei. Lludd procurou conselhos
junto a seu irmão, Llefelys, que lhe disse que os Coranianos seriam
vencidos depois de beberem uma infusão de insetos esmagados em
água; que o grito era provocado por dragões que seriam vencidos depois
de se embebedarem com hidromel forte, sendo necessário enterrálos
exatamente no centro da GrãBretanha, e que o ladrão das provisões era
um homem de poder capaz de lançar um feitiço de sono sobre a corte e,
então, roubar toda a comida. Lludd venceu as três pragas e a paz da ilha
foi restabelecida.
• Culhwch e Olwen: Culhwch é o filho de Celyddon Wledig e sobrinho
de Arthur. Sua mãe, Goleuddydd (“Dia Brilhante”), deuo à luz depois
de ficar apavorada com a visão de uma vara de porcos, de modo que ele
foi chamado Culhwch, ou "Chiqueiro". Seu pai casouse outra vez
depois da morte de Goleuddydd. A madrasta de Culhwch lançou um
feitiço sobre ele para que não pudesse casarse senão com Olwen (“a
dos rastros brancos”), filha de Yspaddaden Pencawr (“espinheiro, chefe
dos gigantes”), o gigante. Na corte de Yspaddaden, Culhwch recebeu
trinta e nove anoethu ou tarefas impossíveis, que deveriam ser
cumpridas antes de casarse com Olwen, todas as quais foram
cumpridas com a ajuda dos cavaleiros de Arthur. A principal tarefa era
caçar o Twrch Trwyth, um javali gigante, para o que seria necessário o
auxílio de vários cavalos específicos, cães de caça e homens, incluindo
Mabon, o jovem miraculoso, cujo encontro é narrado nesse conto.
Outras missões incluem a viagem de Arthur ao Outro Mundo para obter
alguns dos Objetos Sagrados, ou Treze Tesouros da GrãBretanha um
feito que é também relatado num poema galês do séc. IX, o Preiddeu
Annwn, "Os Espólios de Annwn", atribuído ao bardo Taliesin. O poder
de Yspaddaden é vencido e Culhwch casase com Olwen.
• O Sonho de Rhonabwy: Rhonabwy adormece a sonha que Arthur e
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Owain estão jogando gwyddbwyll (um jogo de tabuleiro céltico) ante
um campo de batalha. Durante o jogo, os cavaleiros de Arthur lutam
com os corvos de Owain, mas os jogadores apenas continuam com seu
passatempo, até que Arthur, impaciente por começar a perder, esmaga
as peças. O jogo talvez simbolizasse uma batalha pela soberania.
Os contos Culhwch e Olwen e O Sonho de Rhonabwy despertaram o
interesse dos estudiosos por preservarem tradições mais antigas do que o
material arturiano. A narração de O Sonho de Macsen Wledig é uma história
romântica sobre o imperador romano Magnus Maximus.
Três dos contos são versões galesas de romances arturianos que também
aparecem no trabalho de Chrétien (ou Chréstien) de Troyes. Os críticos do séc.
XIX acreditavam que os contos baseavamse nos próprios poemas de Chrétien,
mas as opiniões mais recentes inclinamse a afirmar que as duas coleções são
independentes, mas têm um ancestral comum:
• A Dama da Fonte: Owain, inspirado pelo conto de Cynon (na tradição
galesa, o filho de Clydno um dos guerreiros de Arthur e amante de
Morfudd, irmã gêmea de Owain), sai em busca do Castelo da Fonte,
que era guardado pelo Cavaleiro Negro. Ele atravessou o mais belo vale
e viu um brilhante castelo numa colina. Depois de entrar nesse lugar
sobrenatural, Owain derrota o Cavaleiro Negro e casa com sua viúva.
Após um começo difícil, ele vence seu ressentimento e guarda o reino
até que sua sede por aventuras o faz partir, deixando para trás a esposa.
Dama da Fonte é também o título da condessa misteriosa no Yvain, de
Chrétien de Troyes.
• Peredur, Filho de Efrawg: na mitologia galesa, Peredur era o sétimo
filho de Efrawg e o único do sexo masculino a sobreviver. Seu pai e
irmãos morreram antes que ele atingisse a maioridade. Isso não impediu
Peredur de tornarse um dos cavaleiros de Arthur e suas muitas
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aventuras formaram a base para o Sir Percival posterior. Talvez por
causa de sua posição como sétimo filho, Peredur era particularmente
adepto de matar bruxas, que, em Gales, compareciam ao campo de
batalha trajando armaduras completas. No fim de seu conto no
Mabinogion, Peredur enfrenta a “líder das bruxas” e, com sua espada,
rompe elmo e armadura em duas partes, enquanto as demais feiticeiras
fogem.
• Gereint, Filho de Erbin: Gereint é o rei de Dumnonia (reino que, no,
período pósromano, abrangia Devon, a Cornualha e outras áreas do
sudoeste da Inglaterra) cujas aventuras são contadas nesta narrativa. No
romance francês, o herói deste conto é Erec, mas, como este não é
comumente conhecido em Gales, substituíramno por Gereint. Este
pode ser uma figura histórica, um primo de Arthur. Embora seja listado
como contemporâneo desse rei, pode ter pertencido a uma geração
anterior, pois o conto O Sonho de Rhonabwy diz que Cadwy, seu filho,
era um contemporâneo de Arthur. O nome do pai de Gereint é citado
como Erbin, mas, na Vida de São Cyby, Erbin é chamado seu filho. Em
Culhwch e Olwen, encontramos os nomes de dois de seus irmãos, Ermid
e Dywel. Gereint, suspeitando que sua esposa é infiel, forçaa a
acompanhálo numa exaustiva jornada de aventuras para testar seu amor
e obediência a cada passo do caminho. Como outras fortes heroínas
célticas, ela suporta calmamente sua provação, permanecendo leal e
amorosa durante todo o tempo. Gereint finalmente sentiu “duas
tristezas”, do remorso por ter desconfiado de sua esposa e por tratála
tão mal.
Lady Guest também incluiu em sua tradução um oitavo conto
(removido das traduções inglesas posteriores, que, no entanto, continuam a usar
o termo Mabinogion), não encontrado nem no Livro Branco de Rhyderch, nem
no Livro Vermelho de Hergest, mas em um manuscrito do séc. XVII:
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• Taliesin – seu nome significa “Testa Brilhante”. Foi um bardo galês e,
de acordo com o mito, a primeira pessoa a adquirir a habilidade da
profecia. Em uma versão da história, ele é o servo da feiticeira
Cerridwen, uma deusa da fertilidade, mãe de Afagddu, o homem mais
feio do mundo, e chamavase Gwion Bach. Cerridwen preparava uma
beberagem mágica que, depois de um ano fervendo, produziria três
gotas que dariam a quem as bebesse toda a sabedoria do mundo. Essa
pessoa conheceria todos os segredos do passado, do presente e do
futuro. Ela queria dálas a Afagddu como compensação por sua feiúra.
Enquanto Gwion Bach cuidava do fogo sob o caldeirão, uma parte do
líquido quente caiu em seu dedo e ele a sorveu ao sentir a dor. Eram as
três gotas da sabedoria. Todo o líquido restante era veneno. A furiosa
Cerridwen empregou todos os seus poderes mágicos para perseguir o
menino. Durante a caçada, ele se transformou numa lebre, num peixe e
num grão de trigo, que Cerridwen, metamorfoseada em galinha,
engoliu, descobrindose então grávida. Mais tarde, Gwion, renascido de
Cerridwen, foi jogado ao mar e apanhado numa armadilha para peixes,
quando passou a chamarse Taliesin por causa de sua testa brilhante.
Os Quatro Ramos são, essencialmente, histórias medievais e seus
personagens comportamse, falam e vivem de modo muito semelhante a sua
audiência do séc. XIV. Suas maneiras são (em geral) corteses e refinadas,
invocam freqüentemente o deus cristão e suas roupas incluem brocados, sedas,
toucados e outros itens medievais. Contudo, ainda que sejam produto de uma
sociedade cristã da Idade Média, os Quatro Ramos baseiamse também numa
visão de mundo profundamente pagã, proveniente de tradições e crenças das
culturas neolíticas e da Idade do Bronze, bem como da Idade do Ferro céltica e
da era romanobritânica.
O Mabinogion é verdadeiramente uma peça encantadora da literatura
galesa, que abre caminho a fantásticas narrativas dramáticas capazes de encher
a mente do leitor com a vibrante e imaginativa natureza do povo céltico. As
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duras realidades históricas são transformadas por uma sensibilidade sonhadora,
que submete a mente com um imaginário antigo e primitivo, verdadeiro para a
percepção mítica dos celtas.
III Sobre esta tradução
Os celtas são uma paixão antiga, que vem da infância, quando, aos sete
ou oito anos, vi, pela primeira vez, em um livro de história, uma reprodução de
uma página do famoso Livro de Kells. O fascínio por aquelas cores, curvas e
espirais capazes de confundir os olhos foi imediato. Passei, desastradamente no
começo, a copiálas e criar outros padrões de inspiração céltica em meus
cadernos escolares no meio de aulas que me davam sono.
Embora desde pequeno fosse acostumado aos contos sobre os cavaleiros
da Távola Redonda (que conheci de forma resumida numa edição do Tesouro
da Juventude da década de 1920, pertencente a uma irmã da minha avó
materna), não podia de forma alguma imaginar que a imensa riqueza dos mitos
célticos fosse tão estonteante quanto suas artes visuais.
Derrotados em suas batalhas contra romanos e saxões, os celtas acharam
nos mitos um local de refúgio onde seus velhos deuses, disfarçados de reis,
cavaleiros e magos, encontraram abrigo seguro contra a passagem do tempo,
atravessando a Idade Média e chegando à era dos computadores sem nada
perderem de seu brilho e grandeza épica.
Podemos considerar Os Quatro Ramos do Mabinogion como uma
introdução ao imaginário onírico dos celtas, com suas muitas referências às
crenças précristãs: viagens ao Outro Mundo, contatos com seres sobrenaturais,
montes e castelos encantados, caldeirões miraculosos, gigantes, metamorfoses
mágicas e muitos outros elementos ancestrais que permeiam a mente mais
recôndita do homem ocidental.
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Para esta tradução, foram utilizados os textos originais em galês
medieval e versões para a língua inglesa, sobretudo a de Lady Guest que,
apesar de às vezes sofrer determinadas críticas, continua a ser considerada uma
tradução clássica em língua inglesa e é sumamente esclarecedora pelo conteúdo
de suas Notas aos Quatro Ramos. Resisti, tanto quanto possível, a transformar
esta obra numa espécie de “enciclopédia” resumida sobre os celtas. Assim,
observações sobre organização social, religião, moradia vestuário e
alimentação, por exemplo, foram grandemente reduzidas ou mesmo
suprimidas, confiandose que o Leitor interessado saberá informarse por si
mesmo e garantindo seu prazer na descoberta de novos dados que irão agregar
se e completar as variadas informações já contidas neste livro.
Bellovesos Isarnos
O PRIMEIRO RAMO DO MABINOGION
PWYLL, PRÍNCIPE DE DYFED
Introdução
No Primeiro Ramo, Pwyll, governante do reino de Dyfed, no sul de Gales, troca de lugar com
Arawn, Senhor de Annwn, literalmente, o NãoLugar, o Mundo Inferior dos Mortos e do Povo
das Fadas na tradição britânica. Pwyll trava uma batalha no lugar de Arawn, selando assim uma
duradoura amizade entre sua terra e o Outro Mundo. Voltando ao mundo dos homens, Pwyll se
casa com uma mulher chamada Rhiannon, que ele encontrou inicialmente num montículo
gorsedd. Tais montes são antigos lugares tribais de reunião, freqüentemente montes artificiais
de sepultamentos préhistóricos. Rhiannon é a evemerização de uma deusa eqüina précristã
que encarna a soberania da terra. Eles têm um filho, Pryderi, nascido na Véspera de Maio, que
continuará a aparecer em cada conto restante dos Quatro Ramos.
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I Pwyll encontra Arawn.
wyll1, príncipe de Dyfed2, era o senhor das Sete
Províncias de Dyfed. Certa vez, ele estava em
Narberth, seu palácio principal, e teve desejo de
sair e caçar, sendo Glyn Cuch3 a parte de seus
domínios em que lhe agradava caçar. Assim, ele
partiu de Narberth à noite e foi até Llwyn
Diarwyd, onde pernoitou. Levantouse bem cedo
pela manhã e foi a Glyn Cuch, começando a
caçada tão logo soltou os cachorros no bosque e soou o chifre. Pwyll seguiu os
galgos e acabou perdendose de seus companheiros. Ele escutava ainda o
ladrido de seus cães de caça, mas ouviu outros cães latindo, diferentes dos seus,
aproximandose dele na direção oposta.
Viu então uma clareira no mato formando uma área limpa. Quando seus cães
chegaram à extremidade da clareira, Pwyll avistou um veado perseguido pelos
outros cachorros. Assim que o veado chegou ao meio da clareira, esses cães
alcançaramno e o derrubaram. Olhando a cor dos cachorros, Pwyll nem
prestou atenção ao veado, pois, de todos os mastins que já tinha visto no
mundo, nenhum era como estes. Seu pelo era de um branco lustroso, brilhante,
e suas orelhas eram vermelhas, tão lustrosas quanto a brancura de seus corpos.
Ele veio na direção dos cachorros que tinham derrubado o veado e afugentou
os, açulando seus próprios cães contra a presa.
Enquanto Pwyll atiçavaos, percebeu vindo em sua direção um cavaleiro
montado num grande corcel cinzaclaro, trazendo um chifre de caça ao redor do
pescoço e trajando vestes de lã cinzenta próprias para caçar. O cavaleiro parou
perto dele e faloulhe então:
Príncipe – disse ele , sei quem sois e não vos saúdo.
Porventura – respondeu Pwyll – possuís dignidade tal que poderíeis não o
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fazer.
Verdadeiramente, não é minha dignidade que me impede.
Que é então, ó príncipe? – perguntou Pwyll.
Pelos Céus, a razão é vossa própria ignorância e falta de cortesia!
Qual descortesia, príncipe, vistes em mim?
Jamais vi descortesia maior do que espantar os cães alheios que estavam
matando o veado e jogar sobre a presa os seus próprios. Isso foi descortês e, no
entanto, posso não me vingar de vós pessoalmente, mas declaro ao Céu que hei
de trazervos mais desonra que o valor de cem veados!
Príncipe, se procedi mal saberei recuperar vossa amizade.
Como a recuperareis?
De acordo com qual possa ser vossa dignidade, mas não sei quem sois.
Sou um rei coroado na terra de onde venho.
Senhor, possa o dia fazervos prosperar. E de qual terra vindes?
De Annwfyn – respondeu ele. – Arawn4, um rei de Annwfyn5, eu sou.
Senhor, como posso ganhar vossa amizade?
Depois de agir desse modo, vós ainda o podeis – disse. – Há um homem cujos
domínios são opostos aos meus e que está sempre guerreando contra mim. É
Hafgan, um rei de Annwfyn, e, por libertarme de tal opressão, o que
facilmente podeis fazer, ganhareis minha amizade.
Com prazer o farei. Mostraime como é possível.
Mostrarvosei. Vede, então, como podeis fazer. Farei uma firme amizade
convosco. Enviarvosei a Annwfyn em meu lugar, darvosei a mais adorável
mulher que jamais vistes para dormir convosco toda noite e, ainda mais,
colocarei sobre vós minha forma e minha semelhança, de modo que nenhum
pajem da câmara real, nenhum oficial, nem qualquer outro homem que algum
dia me seguiu saberá que não sou eu. Isso será pelo espaço de um ano a partir
de amanhã e então nos encontraremos neste lugar.
Sim – disse Pwyll , mas, quando um ano se passar, como descobrirei esse de
quem falais?
Em um ano a contar desta noite – respondeu Arawn – é o tempo marcado para
que nos encontremos em campo; comparecei lá sob a minha aparência e, com
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um só golpe que lhe deis, ele já não viverá. E, se ele pedir que lhe deis outro,
não o façais, não importa o quanto insista convosco, pois, quando eu o atendi,
ele lutou comigo no dia seguinte tão bem como antes.
Na verdade, que farei em relação ao meu reino? – perguntou Pwyll.
Farei com que ninguém em todos os vossos domínios, nem homem, nem
mulher, saiba que eu não sou vós e lá estarei em vosso lugar – prometeu
Arawn.
Então prazerosamente seguirei adiante.
Claro será vosso caminho, nada vos deterá até que entreis em meus domínios
e eu próprio serei vosso guia.
II Na Corte de Annwfyn.
Assim, Arawn conduziuo até avistarem o palácio e suas habitações.
Vede – disse Arawn – a corte e o reino em vosso poder. Entrai na corte,
ninguém lá vos reconhecerá e, quando virdes os serviços lá feitos, sabereis
quais são seus costumes.
Pwyll então se adiantou para a corte e, quando entrou, contemplou dormitórios
e salões e câmaras e os mais belos edifícios jamais vistos. Ele entrou no salão
para desmontar, vindo jovens e pajens auxiliálo, os quais os saudaram ao
adentrarem as dependências do palácio. Vieram dois cavaleiros e tiraramlhes
as roupas de caça, vestindoo com uma túnica de seda e ouro. O salão estava
preparado e Pwyll viu a mansão e o anfitrião que nela entrava. Este era o mais
gracioso dos anfitriões e o mais bem equipado que Pwyll havia conhecido.
Com eles entrou igualmente a rainha e ele nunca vira mulher tão formosa. Ela
trajava uma túnica de brilhante cetim amarelo. Eles se lavaram, foram para a
mesa e sentaramse, a rainha a um lado de Pwyll e do outro um que parecia ser
um conde.
Ele começou a conversar com a rainha e pensou, em razão de suas palavras,
que ela era a senhora mais decente e de mais nobre conversação, bem como a
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mais alegre que já houvera. Partilharam a carne e a bebida, cantando e
festejando. De todas as cortes na terra, era esta a melhor provida de comida e
bebida e recipientes de ouro e jóias reais.
Quando chegou a hora de dormir, Pwyll e sua rainha foram para o leito. Ele
virou seu rosto para a beira da cama e deulhe as costas, não lhe dizendo
palavra alguma antes que amanhecesse. No dia seguinte, o carinho e a afeição
voltavam à conversação deles, embora durante o ano que se seguiu noite
alguma fosse diferente da primeira.
III Pwyll mata Hafgan.
Pwyll levou o ano a caçar e ouvir os menestréis, festejando, divertindose e
tagarelando com seus companheiros até chegar a noite fixada para a luta. E,
quando essa noite chegou, lembraramse dela até mesmo aqueles que viviam
nas regiões mais distantes de seus domínios. Pwyll foi ao encontro e os nobres
do reino com ele. Chegando todos ao campo, um cavaleiro ergueuse e falou:
Senhores – disse , escutai bem. Este encontro é entre estes dois homens e
entre eles apenas. Cada um reclama do outro sua terra e território, assim cada
um de vós fique apartado e deixe que a luta se dê entre eles somente.
Logo após, os reis encontraramse no meio do campo e, ao primeiro empurrão,
o homem que estava no lugar de Arawn golpeou Hafgan bem no centro de seu
escudo e este se partiu em dois, sua armadura quebrouse e o próprio Hafgan
foi lançado ao solo pela distância de um braço e uma lança por cima de seu
cavalo, recebendo um ferimento mortal.
Ó chefe – falou Hafgan , que direito tendes de provocar minha morte? Eu
não vos estava prejudicando em nada e não sei, assim, porque me mataríeis.
Mas, pelo amor do Céu, uma vez que começastes a matarme, completai vosso
trabalho.
Príncipe – replicou Pwyll , posso ainda arrependerme por matarvos. Façao
quem o possa, pois eu não o farei.
Meus fiéis senhores – gemeu Hafgan , socorreime desde agora. Minha morte
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chegou. Não mais serei capaz de apoiarvos.
Meus nobres – também falou aquele que estava sob a semelhança de Arawn ,
deliberai e dizei quem deveriam ser os meus homens.
Senhor – disseram os nobres , todos poderiam ser vossos homens, pois já não
há rei algum sobre Annwfyn além de vós.
Sim – disse Pwyll , está certo que aquele que vem com humildade seja
recebido graciosamente, mas aquele que não vem com obediência seja
compelido pela força das espadas.
Ele recebeu depois as homenagens dos homens e começou a conquista do país.
No dia seguinte, por volta do meiodia, os dois reinos estavam em seu poder.
Logo depois, ele foi manter seu compromisso e chegou a Glyn Cuch.
Quando chegou lá, o rei de Annwfyn esperava para encontrálo e cada um
regozijouse ao ver o outro.
Verdadeiramente – disse Arawn , possa o Céu recompensarvos pela vossa
amizade por mim, eu ouvi falar disso! Quando vós mesmo chegardes a vossos
domínios, vereis o que fiz por vós.
O Céu possa premiarvos por qualquer coisa que tenhais feito por mim –
respondeulhe Pwyll.
Então, Arawn restituiu a Pwyll, príncipe de Dyfed, sua própria forma e
semelhança e ele próprio retomou as suas. Arawn partiu para a Corte de
Annwfyn e alegrouse ao contemplar os habitantes e o palácio que não vira por
um tão longo tempo. Porém, como não chegaram a perceber sua ausência, não
se espantaram de sua vinda mais do que o habitual. O dia da chegada foi gasto
com alegria e divertimentos e Arawn sentouse com sua esposa e seus nobres.
Quando já era mais hora de dormir que de divertiremse, foram todos
descansar.
Pwyll, príncipe de Dyfed, veio igualmente ao seu país e domínios, começando
a indagar dos nobres da terra como fora seu governo no último ano em
comparação com o que antes tinha sido.
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Senhor – disseram eles , jamais foi tão grande vossa sabedoria, nunca fostes
tão gentil ou tão liberal ao distribuirdes vossos dons e em época alguma vossa
justiça foi vista assim tão meritória quanto no último ano.
Pelo Céu! – exclamou Pwyll. – Por todo o bem de que desfrutastes deveríeis
agradecerlhe pelo que vos fez, pelo modo como se resolveu esse assunto.
E depois Pwyll relatoulhes toda a aventura.
Em verdade, senhor – disseram eles , rendei graças ao Céu por haverdes
alcançado tal amizade e não nos negueis o governo de que desfrutamos neste
ano que passou.
Tomo o Céu como testemunha de que não vôlo negarei – respondeu Pwyll.
E desde então fortaleceram a amizade que havia entre eles e cada um enviou ao
outro cavalos, galgos, falcões e todas as jóias que pensaram poderiam agradar
ao outro. Por motivo da sua permanência daquele ano em Annwfyn, por havê
lo governado tão prosperamente, em um só dia unindo os dois reinos através de
seu valor e coragem, desde aquela época em diante Pwyll perdeu seu título de
príncipe de Dyfed e foi chamado de “Senhor de Annwfyn”.
IV Rhiannon.
Certa vez, Pwyll estava em Narberth, seu palácio principal onde uma festa fora
preparada para ele, e com ele havia uma grande multidão de homens. Após a
primeira refeição, Pwyll levantouse e subiu ao topo de um monte6 que estava
além do palácio, chamado Gorsedd Arberth. Disselhe um da corte:
Senhor, é próprio deste monte que qualquer um a sentarse sobre ele não
possa partir sem antes receber ferimentos ou golpes ou ainda ver alguma
maravilha.
Eu – respondeu Pwyll – não temo receber ferimentos ou golpes no meio de
uma multidão como esta. Agradarmeia muito, porém, ver essa maravilha de
que falais. Lá irei então me sentar no monte.
E no alto do monte sentouse. Enquanto lá estava sentado, viu uma dama
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montada num grande cavalo puramente branco, envolvida numa veste de
dourado brilhante, vindo pela estrada que partia do monte.
Homens – disse Pwyll , há algum dentre vós que conheça aquela dama?
Não há, senhor – tornaram eles.
Vá um de vós e conheçaa para que possamos saber quem é.
Um deles ergueuse e foi até a estrada para conhecêla, mas ela passou. O
homem seguiua tão depressa quanto pôde estando a pé, e, quanto maior era sua
velocidade, mais ela se distanciava dele. Ao perceber que de nada lhe adiantaria
seguíla, retornou a Pwyll e disselhe:
Senhor, é impossível a qualquer um no mundo seguíla a pé.
Realmente, vai ao palácio, toma o cavalo mais rápido que vires e perseguea –
ordenou o príncipe.
Ele tomou então um cavalo e seguiu adiante. Chegou a um descampado e
esporeou seu cavalo. Contudo, quanto mais o apressava, mais ela se afastava
dele, mantendo ainda o mesmo passo de antes. O cavalo dele começou a falhar
e, quando as patas do animal deram sinal de que não prosseguiriam, o cavaleiro
retornou ao lugar em que Pwyll estava.
Senhor – disse ele , ninguém terá proveito em seguir aquela dama. Não
conheço nestes reinos qualquer cavalo mais rápido que este, o qual não foi
capaz de ajudarme a perseguíla.
Na verdade – respondeu Pwyll , deve haver alguma ilusão aqui. Partamos
para o palácio.
Partiram assim para o palácio e lá passaram aquele dia. Levantaramse no dia
seguinte e estiveram no palácio até a hora de comer. Depois da refeição, Pwyll
determinou:
O mesmo grupo de ontem, nós iremos para o topo do monte. E tu – disse ele
para um dos rapazes que o acompanhavam , leva ao campo o mais rápido
cavalo que conheceres.
Assim fez o jovem e foram todos para o monte, levando o cavalo consigo.
Estando já sentados, viram a dama no mesmo cavalo, com as mesmas vestes e
vindo pela mesma estrada.
19
Vede – exclamou Pwyll , eis ali a mesma dama de ontem! Fica pronto jovem,
para saber quem ela é.
Fáloei alegremente, meu senhor.
Logo depois, veio a dama na direção oposta à deles. E o rapaz montou no
cavalo, mas ela passou antes mesmo que ele se houvesse acomodado na sela e
havia um claro espaço entre eles, embora a velocidade dela não fosse maior que
a do dia anterior. O jovem, pois, colocouse a caminho e pensou que, apesar do
passo suave de sua montaria, haveria de alcançála rapidamente. Entretanto,
isso não o serviu e ele deu de rédeas no cavalo. Ainda assim, não chegou mais
perto dela do que se estivesse a pé e, quanto mais apressava seu cavalo, mais
ela se distanciava dele. A dama, contudo, não cavalgava mais rápido do que
antes. Ao ver que de nada lhe adiantaria seguíla, retornou ao lugar onde Pwyll
estava.
Senhor – disse ele , o cavalo não pode mais nada além do que já vistes.
Percebo sem dúvida que não seria de auxílio a qualquer um que devesse
seguíla. E, pelo Céu, ela deve ter alguma tarefa a cumprir para alguém nesta
planície, se sua pressa nos permite afirmálo. Mas voltemos ao palácio.
E para o palácio eles foram, passando aquela noite com canções e celebração,
como lhes agradou.
No dia seguinte, eles se divertiram até chegar a hora de comer e, quando a
refeição terminou, Pwyll disse:
Onde estão todos aqueles que ontem e no dia anterior foram ao cimo do
monte?
Vede, senhor – responderam eles , aqui estamos.
Vamos ao monte e sentemonos lá. E tu – ordenava Pwyll ao pajem que
conduzia seu cavalo , sela bem meu cavalo, apressate com ele para a estrada e
traze também minhas esporas contigo.
Assim fez o jovem. E eles foram e sentaramse no monte. Antes que estivessem
lá por mais que um curto tempo, perceberam a dama vindo pela mesma estrada,
da mesma maneira e com o mesmo passo.
Rapaz – disse Pwyll , eu vejo a dama chegando. Dáme meu cavalo.
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Mas ela passou por ele antes mesmo que houvesse acabado de montar no
cavalo. Pwyll virou depois dela e seguiua. Ele deixou que seu cavalo saltasse
alegremente e pensou que se aproximaria dela no segundo ou terceiro salto,
mas não conseguiu chegar mais perto do que estava no princípio. Fez então o
cavalo acelerarse à velocidade máxima, porém percebeu que seria inútil para
seguíla.
Ó donzela – gritoulhe Pwyll , pelo amor de quem mais amais, esperaime.
Com prazer vos esperarei – disse ela – e seria melhor para o vosso cavalo que
o tivésseis pedido desde logo.
Ela então deixou cair de sua cabeça a parte da veste que lhe cobria o rosto.
Fixou seus olhos em Pwyll e começou a falarlhe.
Senhora – perguntou ele , de onde vindes e para onde vos dirigis em vossa
jornada?
Viajo a meu próprio serviço e estou certamente contente em vos ver.
Sejam para vós minhas saudações.
Pwyll então pensou que a beleza de todas as donzelas e de todas as damas que
jamais vira não era nada em comparação com a dessa jovem.
Senhora, não quereis dizerme algo acerca do vosso propósito?
Contarvosei – disse ela. – minha principal busca era para encontrarvos.
Ora, essa é para mim a mais agradável procura que vos poderia ter trazido. E
não quereríeis dizerme quem sois?
Eu sou Rhiannon7, filha de Hefeyd Hen8 e procuram darme um marido contra
minha vontade. Mas eu não teria um marido em razão do meu amor por vós e
nem terei um, a menos que me rejeiteis. E aqui eu vim ouvir vossa resposta.
Pelo Céu, esta é a minha resposta: pudesse eu escolher entre todas as damas e
donzelas do mundo, a vós eu escolheria.
Verdadeiramente, se assim pensais, fazei a promessa de irdes conhecerme
antes que eu seja dada a outro.
Maior será meu prazer quanto mais cedo puder fazêlo e irei encontrarme
convosco em qualquer lugar onde o desejeis.
Desejo que me encontreis em um ano a contar deste dia no palácio de Hefeyd.
E farei com que seja preparado um banquete, de modo que esteja pronto
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quando vierdes.
Com satisfação manterei meu compromisso.
Senhor, permanecei com saúde e sede cuidadoso para manterdes vossa
promessa. E agora eu me vou.
Assim eles se separaram. Pwyll voltou para onde estavam seus homens e
seguiu com eles para casa. E, ao ouvir quaisquer perguntas que lhe fizessem
sobre a donzela, desviava a conversa para outros assuntos.
V No palácio de Hefeyd Hen.
E, quando se passou um ano desde aquele dia, Pwyll fez cem cavaleiros
equiparemse e acompanharemno ao palácio de Hefeyd Hen. Ele chegou ao
palácio e havia grande alegria por sua causa, multidões de pessoas regozijando
se e vastos preparativos para sua vinda. Toda a corte foi colocada sob suas
ordens.
O salão estava guarnecido, todos foram para a refeição e sentaramse. Hefeyd
Hen estava a um lado de Pwyll e Rhiannon do outro. Eles comeram e
festejaram e conversaram um com o outro e, ao começar o divertimento depois
da comida, adentrou o salão um alto jovem ruivo, de aparência real, vestido
com um traje de cetim. Quando entrou no salão, saudou Pwyll e seus
companheiros.
A saudação do Céu esteja convosco, minha alma – disse Pwyll. – Vinde e
sentaivos.
Não – o recémchegado respondeu , eu sou um pretendente e cumprirei
minha incumbência.
Fazeio de boavontade.
Senhor, minha incumbência é para convosco, é pretendendo um dom vosso
que venho.
Qualquer benefício que possais pedirme, desde que esteja ao meu alcance,
vós o obtereis.
Ah! – Rhiannon exclamou. – Portanto vós lhe destes essa resposta?
22
Porventura ele não a deu na presença de todos estes nobres? – perguntou o
rapaz.
Minha alma, qual é o dom que pedis?
A dama que mais amo está para tornarse vossa noiva nesta noite. Vim para
vôla pedir, com a festa e o banquete neste lugar.
A resposta que lhe fora dada deixou Pwyll silencioso. Rhiannon lhe falou:
Ficai silencioso tanto quanto quiserdes. Nunca homem algum fez pior uso de
sua inteligência do que vós.
Senhora, eu não sabia quem ele era.
Ora, esse é o homem a quem desejavam darme contra minha vontade. Ele é
Gwawl, o filho de Clud, um homem de grande poder e riqueza e, em razão da
palavra que dissestes, entregaime a ele para que a vergonha não caia sobre vós.
Não compreendo vossa palavra, senhora. Nunca poderei fazer como dizeis!
Entregaime a ele e eu farei com que eu jamais seja dele.
Através de quais meios o fareis?
Darei em vossas mãos um saquinho, cuidai de guardálo bem. Gwawl vos
pedirá o banquete, a festa e os preparativos, que não estão em vosso poder. Em
relação aos convidados e à casa, eu lhe darei isso. No que concerne a mim
mesma, concordarei em tornarme sua noiva em doze meses a contar desta
noite. Que estejais aqui ao fim desse ano e trazei este saco convosco, deixando
também que vossos cem cavaleiros fiquem escondidos no pomar além do
palácio. E, quando ele estiver no meio da alegria e festejando, entrai no salão
vestido em trajes rotos, segurando esse saco em vossas mãos. Não lhe pedireis
nada além de um saco cheio de comida. E eu farei com que, se toda carne e
toda bebida existentes nestas sete províncias forem colocadas dentro dele, ainda
assim o saco não fique mais cheio do que antes. Depois que uma grande
quantia tenha sido posta ali dentro, ele vos perguntará se vossa bolsa já está
cheia. Direis então que ela nunca se encherá, a menos que surja um homem de
nobre nascimento e grande riqueza e pressione a comida no saco com ambos os
pés, dizendo: “Bastante foi colocado aí dentro”. Eu farei com que ele vá e
empurre a comida para baixo dentro da bolsa e, enquanto ele estiver assim
ocupado, virai o saco de maneira que Gwawl fique de cabeça para baixo dentro
23
dele. Trazei também ao redor do vosso pescoço uma corneta de chifre e, tão
logo o tenhais jogado no saco, soprai o chifre e seja esse o sinal entre vós e
vossos cavaleiros. Quando eles ouvirem o som do chifre, que desçam ao
palácio.
Senhor – disse Gwawl, impaciente , esperase que eu tenha uma resposta ao
meu pedido.
Como está em meu poder darvos muito do que pedistes, vós o tereis –
replicou Pwyll.
Minha alma – Rhiannon falou a Gwawl , sobre a festa e o banquete que aqui
estão, eu os ofereci aos homens de Dyfed e a casa e os guerreiros que estão
conosco. Estes eu não posso suportar que sejam dados a qualquer um. Em um
ano a contar desta noite, um banquete será preparado para vós neste palácio a
fim de que eu possa tornarme vossa noiva.
VI O jogo do Texugo na Bolsa. O casamento de Rhiannon e Pwyll.
Assim, Gwawl partiu para seus domínios e Pwyll também voltou para Dyfed. E
todo aquele ano se passou, até chegar o tempo do banquete no palácio de
Hefeyd Hen. Então Gwawl, o filho de Clud, foi à festa que lhe fora preparada
no palácio, onde houve grande alegria no momento de sua chegada. E Pwyll
também, o rei de Annwfyn, veio ao pomar com seus cem cavaleiros, consoante
Rhiannon lhe ordenara, trazendo o saco consigo. Pwyll usava vestimentas
grosseiras e rasgadas e calçava sapatos desajeitados, grandes demais para seus
pés. Quando ele soube que haviam começado as diversões após a refeição, ele
foi em direção ao salão e, ao adentrálo, saudou Gwawl, filho de Clud, e seus
companheiros, tanto homens quanto mulheres. Gwawl respondeulhe:
O Céu vos faça prosperar e a saudação do Céu esteja convosco.
Senhor – disse Pwyll , possa o Céu recompensarvos, tenho um dom para vos
pedir.
Bemvindo seja vosso rogo e, se me pedirdes o que é justo, com satisfação o
alcançareis.
Está certo. O benefício que peço e além do qual nada desejo é que se encha
24
com carne este saquinho que vedes.
Um pedido razoável é esse e prazerosamente o tereis. Trazeilhe comida –
Gwawl ordenou.
Surgiu um grande número de criados que começaram a encher a bolsa, mas,
apesar de tudo que lhe punham dentro, não estava mais cheia do que ao
começarem. E Gwawl perguntou:
Minha alma, não se encheu ainda esse vosso saco?
Não se encherá, juro pelo Céu, a não ser que apareça um possuidor de terras e
domínios e tesouros e empurre com ambos os seus pés a comida que está
dentro do saco, enquanto diz: “Bastante foi colocado aí dentro”.
Rhiannon então disse a Gwawl, o filho de Clud:
Ergueivos rapidamente.
Com boavontade me erguerei. – Gwawl replicou.
Ele se levantou e pôs os dois pés dentro do saco. Imediatamente Pwyll virou a
bolsa, ficando Gwawl de cabeça para baixo lá dentro. Fechoua depressa e fez
um forte nó com os cordões. Soou o chifre e logo os de sua casa que estavam
escondidos desceram sobre o palácio. Eles prenderam todos os que tinham
vindo com Gwawl e jogaramnos em sua própria prisão. Pwyll livrouse dos
trapos, dos sapatos velhos e de todos os andrajos. Cada um dos seus cavaleiros
que entravam dava um golpe no saco, perguntando:
O que tem aí?
Um texugo – respondiam os outros.
Cada um que entrava perguntava:
Que jogo estais jogando assim?
O jogo do texugo na bolsa.
E foi então jogado pela primeira vez o jogo do “Texugo na Bolsa”.
Senhor – disse o homem dentro do saco , se apenas quiserdes ouvirme, não
mereço ser morto em um saco.
Senhor – Hefeydd Hen interveio , ele fala a verdade. É adequado que o
escuteis, pois ele não merece tal destino.
Realmente, seguirei vossa orientação quanto a ele – disse Pwyll.
25
Vede – Rhiannon falou , este é então o meu conselho. Estais agora numa
posição em que vos compete satisfazer pretendentes e trovadores. Deixai que
ele o faça em vosso lugar e tomai dele a promessa de que não buscará vingança
por tudo que lhe foi feito. E isso será punição suficiente.
Com prazer farei o que dissestes – gemeu o homem dentro do saco.
Com prazer eu o aceitarei – tornou Pwyll , uma vez que é a deliberação de
Hefeydd e Rhiannon.
Tal é então nosso conselho – responderam eles.
Fazei que vos dê as garantias.
Nós responderemos por ele até que seus homens estejam livres para fazêlo –
disse Hefeydd.
Deixaramno então sair da bolsa e seus vassalos foram libertados.
Exigi agora de Gwawl as garantias – Hefeydd dizia. – Sabemos quais
deveriam serlhe tomadas.
E Hefeydd enumerou as garantias. Disse Gwawl:
Preparai vós mesmo o acordo.
Bastarmeá que seja feito como Rhiannon disse – respondeu Pwyll.
Estavam assim empenhadas as garantias para aquele acordo.
Na verdade, senhor – falava Gwawl , estou grandemente ferido e tenho
muitas contusões. Tenho necessidade de ser medicado e com vossa permissão
eu partirei.
Com toda a minha boavontade podeis fazêlo.
Assim, Gwawl partiu para seus próprios domínios.
E o salão foi preparado para Pwyll e os homens de sua companhia. Todos
foram para as mesas e sentaramse naquela noite como se haviam sentado um
ano antes. Eles comeram e festejaram e passaram a noite em alegria e
tranqüilidade, até chegar o momento em que todos deveriam dormir, quando
Pwyll e Rhiannon foram para seus aposentos.
Na manhã seguinte, ao raiar do dia, Rhiannon disse:
Meu senhor, levantaivos e começai a dar vossos presentes aos menestréis.
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Hoje a ninguém recuseis que vos possa reclamar a generosidade.
Assim seja alegremente – Pwyll respondeu , tanto hoje quanto em todos os
dias em que deva durar a comemoração.
E assim Pwyll surgiu e fez que se proclamasse o silêncio, a fim de que todos os
pretendentes e menestréis expusessem e mostrassem que dons eram de sua
vontade e desejo. Tendo isso sido feito, a festa continuou e Pwyll nada recusou
a quem quer que fosse enquanto ela durou. Quando o banquete enfim terminou,
Pwyll dirigiuse a Hefeydd:
Meu senhor, com vossa permissão partirei amanhã para Dyfed.
Certamente – respondeu o sogro , possa o Céu prosperar convosco. Fixai
também um tempo quando Rhiannon possa seguirvos.
Sem dúvida iremos juntos.
Isso desejais, senhor?
Sim, pelo Céu – Pwyll afirmou.
No dia seguinte, eles partiram para Dyfed e viajaram para o palácio de
Narberth, onde um banquete estava sendo preparado para recebêlos. Lá, veio
até eles um grande número de homens importantes e as mais nobres damas da
terra e, de todos esses, não houve um só a quem Rhiannon não desse um rico
presente, fosse uma pulseira, um anel ou alguma pedra preciosa. E eles
governaram o país prosperamente naquele ano e no seguinte.
VII Nascimento e rapto de Pryderi.
E, no ano seguinte, os nobres do país começaram a entristecerse, vendo que
um homem a quem tanto amavam e que, além disso, era seu senhor e irmão de
criação, sem um herdeiro. Vieram até ele e o lugar onde se encontraram foi
Preseleu, em Dyfed. Disseram os nobres:
Senhor, sabemos que não sois tão jovem quanto alguns homens deste país e
tememos não possais ter um herdeiro da esposa que tomastes. Tomai, pois,
outra esposa de que possais ter herdeiros. Não podeis continuar sempre
conosco e, embora desejeis permanecer como estais, não vôlo permitiremos.
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Verdadeiramente – tornou Pwyll , não faz muito tempo que nos unimos e
muitas coisas podem ainda acontecer. Concedeime um ano a partir de agora e
pelo espaço de um ano nós ficaremos juntos. Depois disso, farei de acordo com
vossos desejos.
Os nobres assim lhe permitiram fazer. E, antes do fim do ano, nasceulhes um
filho. Ele nasceu em Narberth e, na noite em que nasceu, foram trazidas
mulheres para assistir a mãe e o menino. As mulheres dormiram, bem como
Rhiannon, a mãe do menino. O número de mulheres trazidas ao quarto era seis.
Elas vigiaram por uma boa parte da noite, mas, antes da meianoite, cada uma
delas caiu adormecida e somente despertaram perto do amanhecer. Quando
acordaram, olharam para onde tinham colocado o menino e perceberam que ele
não estava lá.
Oh – disse uma das mulheres , o menino desapareceu!
Sim – disse outra – e será uma vingança pequena se formos queimadas ou
levadas de outra forma à morte por causa da criança.
Há no mundo – perguntava uma terceira – algum conselho que nos possa ser
útil em relação a isso?
Há sim – respondeu uma outra. – Eu vos ofereço um bom conselho.
Qual é?
Há uma cadela de caça aqui e ela tem uma ninhada de filhotes. Matemos
alguns dos cãezinhos e esfreguemos o sangue na face e mãos de Rhiannon e
depositemos os ossos diante dela. Afirmemos que ela própria devorou seu filho.
Sozinha, não será capaz de contradizernos.
Tudo foi feito de acordo com essa deliberação. Ao acordar de manhã, Rhiannon
disse:
Mulheres, onde está meu filho?
Senhora, nada queirais perguntarnos em relação a vosso filho, nada temos
além das feridas e contusões que recebemos lutando convosco. Na verdade,
jamais vimos mulher tão violenta quanto vós, por isso de nada nos adiantou
contender convosco. Não devorastes vós mesma o vosso filho? Assim, não o
reclameis de nós.
Tende piedade – disse a mãe , o Senhor Deus sabe todas as coisas! Não me
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acuseis falsamente. Se é por medo que me falais essas coisas, juro pelo Céu que
vos hei de defender!
Em verdade – retrucaram as mulheres , nós mesmas não desejamos provocar
o mal a ninguém no mundo.
Por misericórdia, não recebereis qualquer mal dizendo a verdade – implorava
Rhiannon.
Mas, a todas as suas palavras, fossem suaves ou severas, ela recebia a mesma
resposta das mulheres.
E Pwyll, o Senhor de Annwfyn, surgiu e com ele toda a sua casa e as multidões
que o acompanhavam. O fato não pôde ser escondido, mas sua história passou
adiante, atravessou o país e os nobres ouviramna. Eles vieram até Pwyll e
pediramlhe que aprisionasse sua esposa, em razão do grande crime que
cometera. Mas Pwyll respondeulhes que não possuíam um motivo para pedir
lhe que prendesse sua esposa, exceto por ela não ter filhos.
Mas filhos ela agora mostrou que pode telos, então não a prenderei. Se ela
fez mal, deixaia penitenciarse por isso – disse o príncipe.
Assim, Rhiannon chamou os mestres e os homens sábios e, como preferiu o
castigo a enfrentar as mulheres, tomou sobre si uma penitência. E, pela pena
que lhe foi imposta, ela deveria permanecer naquele palácio de Narberth até
que se passassem sete anos, sentandose diariamente em um montadouro que
estava sem o portão. Ela deveria contar sua história a todos os que lá
chegassem os quais pudesse supor que ainda não a soubessem. Ela deveria
oferecerse aos convidados e estranhos, pedindo a estes que lhe permitissem
carregálos em suas costas ao interior do palácio. Mas raramente ocorreu que
qualquer um o aceitasse. Desse modo ela passou parte do ano.
VIII A égua de Teirnyon.
Naqueles dias, Teirnyon Twryf Fliant era o senhor de Gwent Is Coed9 e era o
melhor homem do mundo. Em sua casa havia uma égua que não se podia
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encontrar no reino outra égua ou cavalo mais bonitos. Na noite de cada
primeiro de maio, ela paria e ninguém sabia o que acontecia ao potro. Certa
noite, Teirnyon disse a sua esposa:
Mulher, é muito fácil para nós que nossa égua deva parir todos os anos e não
tenhamos nenhum dos seus potros.
E o que podemos fazer a esse respeito?
Esta é a noite do primeiro de maio. A vingança do Céu caia sobre mim se eu
não descobrir quem é que leva os potros!
Assim, ele ordenou que a égua fosse trazida para dentro de uma casa e armou
se. Teirnyon começou a vigiar naquela noite. Logo no começo da noite, a égua
pariu um grande e belo potro. O animalzinho já se estava pondo em pé.
Teirnyon ergueuse, olhou o tamanho do potro e, enquanto o fazia, ouviu um
grande tumulto. Logo depois, viu uma enorme garra entrar pela janela da casa e
agarrar o potro pela crina. Teirnyon puxou sua espada e golpeou o braço no
cotovelo, de forma que a porção do braço que agarrava o potro ficou na casa
com ele. Imediatamente, Teirnyon escutou outro rebuliço e um alto lamento.
Abriu a porta e correu para fora na direção do barulho, no entanto a escuridão
da noite impediuo de ver a causa de toda a agitação. Ele correu atrás da coisa e
seguiua. Lembrouse então de ter deixado a porta aberta e retornou. Viu que
havia à porta uma criancinha usando fraldas, enrolada numa manta de seda. Ele
tomoua, vendo que era um menino muito forte para a pouca idade que tinha.
Teirnyon então fechou a porta, indo para o quarto onde sua esposa estava.
Senhora – disse ele , estais dormindo?
Não, senhor. Eu estava adormecida, mas despertei quando entrastes.
Vede, eis aqui para vós um menino, se o quiserdes, uma vez que nunca
tivestes um.
Que aventura foi essa, meu senhor?
Foi assim... – respondeu Teirnyon e contoulhe como tudo havia acontecido.
Na verdade, senhor, como estava ele vestido?
Usava uma manta de seda.
É então de nobre linhagem – replicou a esposa. – Meu senhor, se o quiserdes
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eu terei grande alegria e satisfação. Chamarei a mim minhas mulheres e lhes
direi que estive grávida.
Prontamente permito que o façais.
E assim agiram eles. Determinaram que o menino fosse batizado e lá foi
realizada a cerimônia. O nome que lhe deram foi Gwri Wallt Euryn10, porque o
cabelo em sua cabeça era tão amarelo quanto o ouro. O menino foi criado na
corte até um ano de idade. Antes que o ano houvesse acabado, ele já podia
caminhar com segurança e era maior do que um menino de três anos, até
mesmo do que um de grande tamanho. E o menino foi cuidado no segundo ano,
sendo então maior do que uma criança de seis anos. Antes do final do quarto
ano, ele subornaria os cavalariços para que lhe permitissem levar os cavalos à
água.
Meu senhor – disse a Teirnyon sua esposa , onde está o potro que salvastes
na noite em que encontrastes o menino?
Ordenei aos cavalariços que cuidassem dele.
Não seria bom, senhor, determinardes que ele fosse trazido e dado ao menino,
vendo que, na mesma noite em que encontrastes o menino, o potro nasceu e vós
o salvastes?
Não me oporei a vós nessa questão. Permitirvosei darlhe o potro.
Senhor, possa o Céu recompensarvos. Dáloei ao menino.
Assim, o cavalo foi dado ao menino. Ela foi então aos cavalariços e àqueles
que cuidam dos cavalos e ordenoulhes tomarem conta do animal, de forma que
pudesse ser trazido tão logo o menino estivesse apto a montálo.
IX O retorno de Pryderi.
Enquanto essas coisas se passavam, eles ouviram novidades sobre Rhiannon e
o seu castigo. E Teirnyon Twrif Fliant, por causa da piedade que sentia ao
ouvir tal história sobre Rhiannon e seu castigo, fez indagações minuciosas a
esse respeito, até já ter ouvido muitos dos que vinham a sua corte. Então
Teirnyon, repetidas vezes lamentando a triste história, ponderou consigo
mesmo e olhou com grande atenção o menino. Enquanto o observava, pareceu
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lhe que jamais vira tão grande semelhança entre pai e filho quanto entre o
menino e Pwyll, o Senhor de Annwfyn. O rosto de Pwyll eralhe bem
conhecido, pois fora outrora um de seus seguidores. Ele foi logo depois afligido
pelo erro que cometera, mantendo junto a si um menino que sabia ser o filho de
outro homem. E, na primeira vez que ficou a sós com sua esposa, Teirnyon lhe
disse que não era correto manterem o menino consigo, permitindo que uma
senhora tão excelente quanto Rhiannon fosse tão duramente castigada por causa
dele, uma vez que o menino era o filho de Pwyll, Senhor de Annwfyn. A
esposa concordou com ele que deveriam mandar o menino para Pwyll.
E três coisas, senhor – disse ela , assim ganharemos. Agradecimentos e
presentes por libertar Rhiannon de sua punição, agradecimentos de Pwyll por
alimentar e restituirlhe seu filho e, se o menino for de natureza gentil, será
nosso filho adotivo e fará por nós todo o bem que estiver em seu poder.
Assim foi resolvido de acordo com essa deliberação.
Não depois do dia seguinte, Teirnyon equipouse e com ele dois outros
cavaleiros. O menino, como um quarto em sua companhia, foi com eles no
cavalo que Teirnyon lhe dera. Eles viajaram para Narberth e não levaram muito
tempo para chegar ao lugar. Quando se aproximaram do palácio, viram
Rhiannon sentada junto ao montadouro. Eles vinham em sua direção e ela lhes
falou.
Chefe, não vos aproximeis mais, eu carregarei cada um de vós para dentro do
palácio. Esse é meu castigo por matar meu próprio filho e devorálo.
Boa dama – disse Teirnyon , não penseis levarme em vossas costas.
Tampouco a mim – acrescentou o menino.
Realmente, minha alma – Teirnyon falou à criança , nós não iremos desse
modo.
Eles entraram assim no palácio e houve grande alegria pela sua chegada. No
palácio, uma grande festa havia sido preparada, pois Pwyll retornara dos
confins de Dyfed. Eles entraram no salão e lavaramse e Pwyll alegrouse por
ver Teirnyon. Sentaramse nesta ordem: Teirnyon entre Pwyll e Rhiannon e os
dois companheiros de Teirnyon do outro lado de Pwyll, com o menino entre
32
eles. Depois da refeição, eles começaram a divertirse e discursar. O discurso
de Teirnyon era concernente à aventura da égua e do menino e de como ele e
sua esposa tinham alimentado e cuidado da criança como se fosse sua.
E vede, aqui está o menino, senhora – disse Teirnyon. – Agiu mal quem quer
que tenha dito aquela mentira a vosso respeito. Quando ouvi sobre vossa
tristeza, fiquei preocupado e aflito. Acredito não haver ninguém nesta multidão
que não perceberá ser este menino o filho de Pwyll.
Não há um só – responderam todos – que não esteja certo disso.
Juro pelo Céu – Rhiannon exclamou que, se isso for verdade, sem dúvida
minhas dificuldades chegaram ao fim.
Senhora – falou Pendaran Dyfed11 , bem chamastes Pryderi vosso filho e bom
tornouse para ele o nome de Pryderi, filho de Pwyll, Senhor de Annwfyn.
Senhor – disse Rhiannon , o seu próprio nome não seria melhor para ele?
Que nome ele tem? – perguntou Pendaran Dyfed.
Gwri Gwallt Euryn – respondeu Teirnyon – é o nome que lhe demos.
Pryderi – Pendaran disse – será o seu nome.
Seria mais apropriado – interveio Pwyll – que o menino tomasse o nome da
palavra que sua mãe falou ao receber as felizes novidades a seu respeito.
Assim foi resolvido de acordo com essa deliberação.
Teirnyon – disse Pwyll , o céu vos recompense por haverdes cuidado do
menino até este momento e, sendo de linhagem nobre, seria apropriado que ele
vos retribuísse por isso.
Meu senhor – respondeu Teirnyon , foi minha esposa quem o alimentou e
não houve ninguém no mundo tão aflito por vêlo partir quanto ela. Seria bom
que ele pudesse lembrarse do quanto eu e minha esposa fizemos por ele.
Chamo o Céu como testemunha de que, enquanto eu viver, hei de apoiarvos
e a vossos domínios, tanto quanto eu possa preservar os meus próprios. E,
quando ele subir ao poder, irá sustentálos mais adequadamente do que eu. E,
se esta deliberação for agradável a vós e aos meus nobres, ocorrerá que, como
cuidastes dele até esta data, eu o entregarei para ser conduzido por Pendaran
Dyfed de agora em diante. E vós sereis companheiros e ambos pais adotivos do
33
menino.
Essa é uma boa deliberação – disseram todos.
Assim, o menino foi dado a Pendaran Dyfed e os nobres do país foram
enviados com ele. Teirnyon Twrif Fliant e seus companheiros partiram para seu
país e suas posses, com carinho e alegria, não sem que antes lhe fossem
oferecidos os melhores cavalos, os cães mais escolhidos e as mais belas jóias.
Mas nada quis levar para si.
Todos depois permaneceram em seus próprios domínios. E Pryderi, o filho de
Pwyll, o Senhor de Annwfyn, foi cuidadosamente educado, como era mister, de
modo que se tornou o mais decente rapaz e o mais gracioso e mais habilidoso
em todos os bons jogos do que qualquer outro no reino. Passaramse anos e
anos, até que o fim da vida de Pwyll, o Senhor de Annwfyn, chegou e ele
morreu.
E Pryderi governou prosperamente as Sete Províncias de Dyfed. Era amado por
seu povo e por todos ao seu redor. À extensão de seu reino, ele acrescentou as
três províncias de Ystrad Tywi e as quatro províncias de Cardigan. Estas foram
chamadas as Sete Províncias de Seissyllwch. Quando fez esta adição, Pryderi, o
filho de Pwyll, o Senhor de Annwfyn, quis tomar uma esposa. A escolhida foi
Cicfa, a filha de Gwynn Gohoyw, o filho de Gloyw Wlallt Lydan, filho do
Príncipe Casnar, um dos nobres da ilha.
E assim termina esta parte do Mabinogion.
NOTAS AO PRIMEIRO RAMO
1 Pwyll, príncipe de Dyfed
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Não há certeza sobre quem teria sido Pwyll, mas, em algumas das linhagens de
Gwynfardd, Príncipe de Dyfed (outro nome de Pryderi), dizse que este é o
filho de Pwyll, filho de Meirig, filho de Aircol, filho de Pyr, filho de Llion, o
Antigo, o que é confirmado por linhagens contidas em outros manuscritos.
Aircol Law Hir (“Aircol Mão Grande”) é mencionado no Liber Landauensis
como o filho de Tryfun e contemporâneo de São Teiliaw, que viveu no séc. VI.
No entanto, essas linhagens são puramente mitológicas, como se depreende do
título de Pryderi, Gwynfardd Dyfed, “Sábio de Dyfed”. Não devemos esquecer
que os nomes de Pwyll e de Pryderi significam, respectivamente, “Razão” e
“Pensamento Profundo”, o que indicaria tratarse de personagens alegóricos.
Mas o túmulo de Pwyll, de acordo com fontes galesas, estaria em Dyfed
(Myvyriam Archaiology, I, p. 82).
No poema Preiddeu Annwn (“Os Espólios de Annwn”), de Taliesin, Pwyll é
mencionado juntamente com seu filho, dando a entender que teria vivido na
época de Arthur. As linhas de abertura dessa composição trazem alusões muito
antigas e obscuras:
Os Espólios de Annwn (Livro de Taliesin, 30)
Louvarei o soberano, supremo rei do país,Que ampliou seus domínios até os confins do mundo.Completo estava o cativeiro de Gweir em Caer SidiGraças à malícia de Pwyll e Pryderi.Ninguém antes dele chegara até lá.A pesada corrente azul prendia o jovem fielE ante os espólios de Annwn dolorosamente ele cantaE até o julgamento continuará um bardo de intercessão. Três vezes o bastante para encher Prydwen, até lá fomos.Exceto sete, ninguém voltou de Caer Sidi.
Não sou eu um candidato à fama se uma canção for ouvida? Em Caer Pedryvan, quatro os seus giros.Na primeira palavra do caldeirão, quando pronunciada,Pelo alento de nove donzelas foi ele gentilmente aquecido.Não é o caldeirão do senhor de Annwn? Qual sua intenção? Uma saliência sobre sua borda de pérolas.Não cozinhará a comida de um covarde que não tenha sido jurado,Cintilando, uma espada brilhante para ele foi erguidaE na mão de Lleminawg foi ela deixada.E diante da entrada do portal de Uffern a lâmpada queimava.E quando chegamos com Arthur, um trabalho esplêndido,
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Exceto sete, ninguém retornou de Caer Fedwyd.
Não sou um candidato à fama com a canção ouvidaEm Caer Pedryvan, na ilha da forte porta?O crepúsculo e a escuridão de breu foram misturados juntos.Brilhante vinho sua bebida ante o seu séquito.Três vezes o bastante para encher Prydwen viemos pelo mar.Exceto sete, ninguém voltou de Caer Rigor.
Não merecerei muito do soberano da literatura.Além de Caer Wydyr não viram a bravura de Arthur.Três vintenas de centúrias pararam no muralha,Difícil era a conversa com seu sentinela.Três vezes o bastante para encher Prydwen lá fomos com Arthur.Exceto sete, ninguém voltou de Caer Golud.
Não merecerei muito daqueles com longos escudos.Eles não sabem qual o dia, qual o causador,Em que hora no dia sereno Cwy nasceu.Quem fez com que ele não fosse aos vales de Defwy.Não conhecem o boi malhado, larga a faixa de sua cabeça.Sete vintenas de saliências em sua coleira.E, quando viemos com Arthur de aflita memória.Exceto sete, ninguém retornou de Caer Fandwy.
Não merecerei muito daqueles com propensões relaxadas.Eles não sabem em que dia o chefe foi originado,Em que hora no dia sereno o proprietário nasceu,Qual animal eles mantêm, prateada sua cabeça.Quando fomos com Arthur do aflito combate,Exceto sete, ninguém voltou de Caer Ochren.
Monges congregamse como cães num canil,Pelo contato com seus superiores adquirem conhecimento.É um o curso do vento, é uma a água do mar?É uma a centelha do fogo, do tumulto irrestringível?Monges congregamse como lobos,Pelo contato com seus superiores adquirem conhecimento.Eles não sabem quando a noite profunda e a aurora se dividem,Nem qual é o curso do vento, ou quem o agita,Em que lugar ele morre, sobre qual terra ruge.A tumba do santo está sumindo do túmuloaltar.Orarei ao Senhor, o grande supremo,Que eu não seja desventurado. Cristo seja minha parte.
Em certas partes do poema, falase de Arthur como se ele próprio tivesse
participado das expedições ali registradas. O navio Prydwen é bem conhecido
como um de seus tesouros. Uma das tríades localiza o cativeiro de Gweir no
Castelo de Oeth e Anoeth. Gweir parece não ter sido um personagem real, mas
um título aplicado às experiências de muitos personagens do Mabinogion,
especialmente Mabon. O nome Gweir mab Gwystyl significa “O Cativo, filho
do Refém”. Dizse que Gweir foi libertado por Goreu, um primo de Arthur,
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cujo nome significa “o melhor”.
Nos mais antigos contos arturianos de Gales, Arthur é amherawdr
("imperador", do latim imperator), não "rei". O Arthur da Historia Brittonum
(o primeiro texto "histórico" sobrevivente a mencionar Arthur), do monge galês
Nennius, no começo do séc. IX, é descrito como miles (“guerreiro”) e dux
(“líder”), nunca como rex (“rei”).
Caer Sidi, “Castelo Giratório”. “O paraíso de quatro cantos além do mar”, uma
ilhatorre de quatro cantos nas águas de Annwn (forma mais recente de
Annwfyn, o Outro Mundo onde habitam os deuses do paganismo céltico), um
local misterioso muitas vezes mencionado na mitologia galesa. Caer Fandwy,
"Castelo da Luz", Caer Fedwid, "Castelo da Folia" são outros lugares do Outro
Mundo ou outros nomes do Outro Mundo, também chamado, algumas vezes,
Yr Echwydd, "o pordosol" ou "o ocaso".
2 Dyfed
Também conhecido como Demetia, uma designação latina. Considerase que
corresponda ao atual condado de Pembroke. Chegou a abranger também os
condados de Carmathen e Cardigan, formando a divisão ocidental do sul de
Gales, enquanto Gwent (ou Vendetia) formaria a oriental.
Na Visitação Heráldica de Gales, de Lewis Dwnn (reinado de Elizabeth I),
publicada pela Sociedade Galesa de Manuscritos no sé. XIX, lêse:
O reino de Dyfed estendeuse antigamente entre os rios Teify e Towy, desde Llyn Teify e da fonte do Towy até St. David e o centro desse reino era o Portal negro, em Carmarthen, e há atualmente uma lembrança dessas fronteiras num velho livro de pergaminho do bispo de St. David.
De acordo com esse texto, Dyfed ocuparia a sexta parte de Cardiganshire, dois
terços do condado de Carmarthen e o condado de Pembroke inteiro.
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É evidente, contudo, que, na época em que o mabinogi de Pwyll foi escrito,
restringiase aos Cantrefi (Hundreds, Províncias) de Arberth ou Narberth, Dau
Gleddyf, y Coed, Penfro, Rhos, Pebidiog e Cenmaes. O texto contanos que
Pryderi acrescentou as três províncias de Ystrad Tywi (Carmarthenshire),
Cantref Mawr e Cantref Eginawg, juntamente com as quatro províncias de
Ceredigiawn, Cantref Emlyn, Cantref Wedws, Cantref Mabwyniawn e Cantref
Gwarthaf. As sete províncias foram reunidas sob o nome de Seissyllwch.
Em Gales, na Idade Média, a unidade básica de terra era o tref – uma pequena
vila ou povoado. Em teoria, 100 trefi formavam um cantref (literalmente, “cem
povoados”) e meio cantref, ou um terço de cantref, era um cwmwd, embora, na
prática, o número real variasse muito. Junto com os cantrefi, os cwmwdau eram
as divisões geográficas em que se organizavam a justiça e a defesa. Haveria um
chefe encarregado do cwmwd, provavelmente relacionado ao príncipe que
governasse o reino. Sua corte se localizaria num tref especial, chamado
maerdref. Ali viveriam os camponeses que cultivavam a terra do chefe, junto
com os oficiais da corte e os servos. Os cwmwdau eram também divididos em
maenorau ou maenolydd. De acordo com o Livro Vermelho de Hergest, havia
dezesseis cantrefi em Gales no séc. XIV.
Os cantrefi eram muito importantes para a administração da lei em Gales. Cada
cantref tinha seu próprio tribunal, que era uma assembléia dos uchelwyr, os
principais proprietários de terras do cantref. Esse tribunal seria presidido pelo
rei, se ele estivesse presente no cantref, ou por um representante. Além dos
juízes, haveria um escrivão, um oficial de justiça e, às vezes, dois defensores
profissionais. O cantref podia apreciar crimes, determinar limites e questões
relativas às heranças. O tribunal do commote (cwmwd) mais tarde absorveu
muitas das funções do tribunal do cantref e, em algumas áreas, os nomes dos
commotes são mais bem conhecidos do que os nomes dos cantrefi do qual
faziam parte. A palavra cwmwd, às vezes escrita cymwd em documentos
antigos, em inglês commote, era uma divisão de terras secular (não eclesiástica)
em Gales medieval. A palavra deriva do prefixo cym (“junto”, “com”) e do
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substantivo bod (“casa”, “residência”). A palavra inglesa deriva do bretão
antigo compot, que significa “parcela de terra”.
A adição feita por Pryderi provavelmente restaurou o tamanho que Dyfed
possuía na época dos romanos.
Geoffrey de Monmouth afirma que, na época de Arthur, Dyfed era governado
por Stater, mas a história nada sabe desse governante e conta sobre um rei
chamado Agricola, que ocupou o trono por volta do ano 500, e sobre um outro
rei, Vortipor, que era um homem idoso em 540. Antes do tempo de Agricola,
uma dinastia irlandesa, os Ui Liatháin, dominava ali.
3 Glyn Cuch
Cuch, ou, como geralmente se escreve, Cych, é a torrente que divide os
condados de Pembroke e Carmarthen e cai no Teify entre Cenarth e Llechryd.
Na parte superior do Glyn Cuch (“vale do Cuch”), ficava a residência de
Cadifor Fawr, um régulo de Dyfed que morreu em 1088 e foi chamado
“Senhor de Blaen Cuch e Cilsant”. A partir dele, muitas das principais famílias
de Pembrokeshire traçam sua ascendência.
4 Arawn, Senhor de Annwfyn
Contase deste personagem que lutou contra Amaethon mab Dôn na “Batalha
das Árvores” ou Kadd Goddeu. Há dúvidas quanto a identificálo com Arawn
ab Cynfarch, a quem as Tríades celebram como um dos três Cavaleiros do
Conselho (tríade 86) ou com Aron mab Dewinfin, cujo túmulo é mencionado
nas Englynion y Beddau (Myv. Arch., I, p. 82).
5 Annwfyn
Annwfyn ou Annwn é geralmente traduzido como “Inferno”, embora, “Regiões
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Inferiores” fosse mais adequado para expressar seu significado.
O “Outro Mundo” da tradição britânica, ao contrário do Hades clássico ou do
Inferno dos cristãos, não é um local de punição ou lamentação eterna, porém
uma fonte de poder ancestral que pode ser visitada e de onde parte a “Caçada
Selvagem”.
Os “Cães de Annwn” são objeto de uma antiga crença galesa que ainda não se
extinguiu. Dizse que são, às vezes, ouvidos voando pelos ares à noite,
perseguindo uma presa desconhecida. Acreditase que o seu comandante seja
Gwyn ap Nudd, de quem se conta o seguinte em Culhwch e Olwen:
Vieram ambos de lá para Gelli Wic, na Cornualha, e trouxeram consigo a correia feita com a barba de Dillus Farfawc e entregaramna nas mãos de Arthur. Então Arthur compôs esta estrofe:
Kai fez uma correiada barba de Dillus, filho de Euri.Estivesse ele vivo, morto estarias.
E, desde então, Kai ficou furioso, de modo que os guerreiros da Ilha não puderam fazer a paz entre ele e Arthur. A partir daí, fosse nos problemas de Arthur, fosse pela matança de seus homens, jamais Kai viria novamente em seu auxílio.
Disse Arthur: Qual das maravilhas é melhor para nós procurarmos? É melhor para nós procurarmos Drudwyn, o filhote de Greid, o filhode Eri.
Um pouco antes disso, Creiddylad, a filha de Llud Llaw Ereint, e Gwythyr, o filho de Greidawl, estavam prometidos. Antes que ela se tornasse sua noiva, Gwyn ap Nudd veio e raptoua pela força; e Gwythyr, o filho de Greidawl, reuniu seus homens e foi lutar com Gwyn ap Nudd. Mas Gwyn superouo e capturou Greid, o filho de Eri, e Glinneu, o filho de Taran, e Gwrgwst Ledlwn e Dynarth, seu filho. E ele capturou Penn, o filho de Nethawg, e Nwython e Kyledyr Wyllt, seu filho. E ele matou Nwython e arrancou seu coração e obrigou Kyledyr a comer o coração de seu pai. E, a partir daí, Kyledyr tornouse louco. Quando Arthur ouviu falar a esse respeito, ele foi para o norte e convocou Gwyn ap Nudd a comparecer ante ele e libertar os nobres que havia aprisionado e a fazer a paz entre Gwyn ap Nudd e Gwythyr, o filho de Greidawl. E esta foi a paz feita: a donzela permaneceria na casa de seu pai sem vantagem para qualquer deles e Gwyn ap Nudd e Gwythyr, filho de Greidawl, lutariam a cada primeiro de maio daquela data até o Dia do Julgamento, e qualquer deles que fosse então o vencedor obteria a donzela.
A “Família de Annwn” (Plant Annwn) são as fadas galesas que habitam em
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Annwn, cuja entrada para o mundo dos homens é através dos lagos. Seu rei é
Gwyn ap Nudd e a Família de Annwn é conhecida, sobretudo, por suas
donzelas (Gwragen Annwn), por seu gado branco ou malhado (Gwartheg y
Llyn) e por seus ligeiros cães brancos (Cwn Annwn), que às, vezes, aparecem
com a amante encantada de Gwyn, mas são, com freqüência, ouvidos latindo
nas noites de verão em busca das almas de homens que morreram sem
absolvição e sem penitência. As Donzelas do Lago são esposas amorosas e
dóceis até a violação de algum tabu que esteja ligado a elas; o Gado do Lago
traz riqueza e prosperidade a qualquer fazendeiro que o possuir e tiver sorte
bastante para retêlo, mas os Cães de Annwn demonstram bem a natureza desse
povo subaquático: são os companheiros dos mortos, como os súditos de Fin
Bheara na Irlanda. Gwyn ap Nudd é chamado Rei de Annwn em alguns relatos,
mas é mais comum que Arawn, o amigo de Pwyll de Dyfed, receba esse título.
6 Um monte
A palavra original é gorsedd, que significa “trono” (plural gorseddau) ou
monte usado como lugar de julgamentos e, nesse sentido derivado, aplicase
muitas vezes.
O monte chamado Tynwald, na ilha de Man, foi o local onde se realizavam as
assembléias judiciais daquela ilha.
A palavra gorsedd, usada sem qualificação, designa a gorsedd nacional de
Gales, chamada Gorsedd Beirdd Ynys Prydain (“Gorsedd dos Bardos da Ilha da
GrãBretanha”). Existem outras, como a Gorseth Kernow (“Gorsedd da
Cornualha”) e a Goursez Vreizh (“Gorsedd da Bretanha”). As gorseddau
existem para promover a criação da literatura, a poesia e a música tradicionais.
O símbolo comumente usado para representar a gorsedd é uma linha tripla,
estando a central em pé e as laterais inclinadas em direção à central: /|\. Esse
símbolo é chamado awen (“inspiração”) e dizse que representa os raios do sol
nascente. É também conhecido como Y Nod Cyfrin (“O Sinal Místico”), ou Y
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Nod Pelydr Goleuni (“O Sinal do Raio de Luz”). Entretanto, na gorsedd
bárdica, representa os atributos de Amor, Justiça e Verdade. Também é um
persistente símbolo da imaginação céltica, que tende a expressar conceitos em
forma tríplice.
7 Rhiannon. Uma (pequena) lenda sobre Modron.
Depois da morte de Pwyll, Pridery deu a mão de Rhiannon em casamento a
Manawyddan, o filho de Llyr, e a história subseqüente é relatada no mabinogi
(o Terceiro Ramo) que leva seu nome. Seus pássaros maravilhosos, cuja canção
era tão doce que guerreiros poderiam ficar extáticos durante anos escutandoa,
são um tema freqüente entre os poetas.
Três coisas que não se ouvem comumente: a canção dos pássaros de Rhiannon; uma canção de sabedoria da boca de um saxão e um convite para uma festa vindo de um avarento (Trioed y Cybyd, “As Tríades do Avarento”, Myv. Arch., III, p. 245).
Na tradição britânica, os pássaros de Rhiannon são três melros que cantam num
ramo da árvore imortal que cresce no centro do paraíso terrestre. Sua canção
pode levar o ouvinte a um transe que o transporta ao Outro Mundo.
Rhiannon é uma forma tardia do céltico antigo Rigantona, significando
“Grande (ou Divina) Rainha”. Os atributos de Rhiannon podem ser traçados a
partir da deusa céltica Epona e da grega Despoina (“A Senhora”), filha de
Deméter, porém se aproximam mais de Modron, deusamãe de Gales, cujo
mito ela incorpora.
Uma (pequena) lenda sobre Modron (Trioedd Ynis Prydein)
Em Denbigshire há uma paróquia que é chamada Llanferes e ali existe o Rhyd y Gyfarthfa ("Vau dos Latidos"). Antigamente, os cães da zona rural costumavam reunirse ao lado desse vau para latir e ninguém ousava descobrir o que havia ali, até que Urien Rheged chegou. E, quando ele chegou ao lado do vau, nada viu além de uma mulher lavando. E, então, os cães pararam de latir e Urien pegou a mulher e a possuiu; e então ela disse: "A benção de Deus nos pés que te trouxeram aqui." "Porque?" disse ele. "Porque fui destinada a lavar aqui até que eu concebesse um filho de um cristão. E eu
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sou a filha do Rei de Annwfyn e volta aqui ao fim de um ano e receberás esse menino." E, assim, ele veio e recebeu um menino e uma menina, ou seja, Owein, filho de Urien e Morfudd, filha de Urien.
Teyrnion Twrif Wliant, que dentro em pouco vai aparecer neste conto, talvez
fosse, no passado, o consorte original de Rhiannon. Seu nome significa
“Grande Rei (Tigernonos), Rugido do Mar” (rugido do mar, twrf lliant).
Uma possível tradução para o nome de Gwawl mab Clud, o pretendente que
Rhiannon desprezará em favor de Pwyll, é “Luz”. Clud talvez signifique “fama,
renome”, do protocéltico *kluto. É a deusa padroeira do rio Clyde (Clôta).
8 Hefeyd Hen
De acordo com as lendas, Hefeyd Hen (efydd, “bronze”, hen,”antigo”;
provavelmente o mesmo Hefeyd Hir) era o filho de São Bleiddan de
Glamorgan. Ele foi um dos três forasteiros a que se entregou o poder, graças a
seus poderosos feitos e qualidades louváveis. Em algumas linhagens, dizse que
ele é filho de Caradawc Freichfras (“Caradawc Braço Forte”), ancestral
lendário da casa reinante em Morgannwg (Glamorgan) e possível fundador do
reino de Gwent, no séc. V. d. C.
9 Gwent Is Coed
Uma das divisões de Gwent; as outras duas são Gwent Uch Coed e Coch y
Dena, ou “A Floresta de Dean”. Gwent era o nome antigamente atribuído à
divisão oriental do sul de Gales. No presente, aplicase apenas ao condado de
Monmouth.
10 Gwri Gwallt Euryn
Gwri Gwallt Euryn (“o Bravo do Cabelo Dourado”), chamado Pridery neste
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conto, recebe freqüentes alusões dos poetas, que se referem a ele utilizando
qualquer dos nomes.
No conto Culhwch e Olwen, ele aparece sob seu nome primitivo, mas é mais
conhecido como Pryderi. Era um dos três principais guardadores de porcos da
ilha e era assim chamado porque cuidava dos animais de Pendaran Dyfed, no
vale do Cuch, em Emlyn. Uma das tríades diz que os suínos eram do próprio
Pwyll e que Pryderi pastoreavaos durante a ausência de seu pai em Annwfyn.
Essa versão, contudo, não corresponde às circunstância dadas no texto, que
contam o nascimento de Pryderi depois da misteriosa expedição de Pwyll.
Encontramos as aventuras da maturidade de Pryderi detalhadas no mabinogi de
Manawyddan, com o qual seu nome é mencionado numa passagem do Kerd am
Feib Llyr (“Canto ante os Filhos de Llyr”), atribuído a Taliesin. O nome da
esposa de Pryderi, Cigfa, significa “a da festa”.
No mabinogi de Math ab Mathonwy, relatase que Pryderi foi privado da vida
por Gwydion ab Dôn, graças às artes mágicas empregadas para vencêlo em
combate singular, depois de têlo enganado por meios similares ao levar alguns
suínos que Pwyll recebera de Annwfyn e que ele e seu povo apreciavam muito.
O encontro aconteceu em Melenryd, um vau do rio Cynfael, em
Merionethshire. O mesmo conto situa sua tumba em Maen Tyriawg, mas uma
localidade diversa é assinalada pelos Englynion y Beddau:
Em Abergenoli está o túmulo de Pryderi,
Onde as ondas quebram contra a costa.
11 Pendaran Dyfed
Aprendemos das tríades que o pai adotivo de Pryderi era o chefe de uma das
principais tribos galesas, aquela que se espraiava por Dyfed, Gower
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(Glamorgan) e Cardigan (tríade 16).
Além disso e do fato de que possuía uma imensa vara de porcos que Pryderi
guardava para ele no vale do Cuch e da menção feita a ele como um “jovem
pajem” no mabinogi de Branwen, não restam dados sobre Pendaran Dyfed.
O SEGUNDO RAMO DO MABINOGION
BRANWEN, FILHA DE LLYR
Introdução
O Segundo Ramo conta como Branwen ("Corvo Branco"), filha do deus Llyr ("Mar"), casase
com Matholwch, rei da Irlanda. Seu irmão, o gigante Bran, o Abençoado, dá a Matholwch um
caldeirão mágico que pode devolver a vida aos mortos. Matholwch leva Branwen para a
Irlanda, mas a maltrata. Bran vadeia o Mar da Irlanda, rebocando atrás de si uma frota de
navios de guerra. Branwen é resgatada, mas todos os galeses são mortos, exceto sete, e o
próprio Bran é mortalmente ferido. Entre os sete que escapam incluemse Pryderi,
Manawyddan (um deus marinho associado à Ilha de Man) e o bardo Taliesin. Eles retornam a
Gales e Bran pede que sua cabeça seja cortada e enterrada no Monte Branco, onde hoje está a
Torre de Londres, para proteger a GrãBretanha de invasões. Bran significa "Corvo" e um
bando de corvos é ainda hoje mantido na Torre de Londres. A tradição diz que, se os corvos
deixarem a Torre, o país cairá sob a invasão estrangeira.
I A chegada de Matholwch.
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endigeid Fran12, o filho de Llyr, era o rei coroado desta
ilha e era honrado com a coroa de Londres. Certa tarde,
ele estava em Harlech13, em Ardudwy, na sua corte, e
sentouse no rochedo de Harlech, examinando o mar.
Com ele estavam seu irmão Manawyddan, o filho de
Llyr, e seus irmãos por parte de mãe, Nissyen e
Efnissyen, e igualmente muitos outros nobres, como era adequado verse em
torno de um rei. Seus dois irmãos pelo lado materno eram os filhos de
Eurosswydd14 com sua mãe, Penardun, a filha de Beli15, filho de Manogan. E
um desses rapazes era um bom jovem, de gentil natureza e faria a paz entre
seus parentes, levando seus familiares a ser amigos quando sua ira estivesse no
mais alto ponto; e esse era Nissyen. Mas o outro levaria seus irmãos à contenda
quando estivessem em perfeita paz. Ao se sentarem, viram treze navios vindo
rapidamente do sul da Irlanda em sua direção. O vento soprava atrás deles e
aproximavamse rapidamente.
Vejo navios ao longe disse o rei , vindo velozmente em direção a terra.
Ordenai aos homens da corte que se armem e vão até lá para descobrir suas
intenções.
Assim, os homens armaramse e foram rumo aos navios. Ao verem os navios
próximos, ficaram certos de jamais ter visto embarcações melhor equipadas.
Belas bandeiras de cetim estavam nelas. Viram que um dos navios sobrepujava
os demais e enxergaram um escudo erguido no lado do navio e a ponta do
escudo voltada para cima em sinal de paz. Os homens acercaramse o suficiente
para poder conversar. Lançaram então os botes e vieram para terra, saudando o
rei, que já podia ouvílos do lugar onde estava, no rochedo sobre suas cabeças.
O Céu vos faça prosperar disse ele e sede bem vindos. A quem pertencem
estes navios e quem é o chefe entre vós?
Senhor eles disseram , Matholwch, rei da Irlanda, está aqui e estes navios
lhe pertencem. Para que ele vem? perguntou o rei. E ele virá a terra?
Ele veio até vós como pretendente, senhor disseram eles , e não virá a terra
a menos que obtenha de vós o seu dom.
E o que seria isso? inquiriu o rei.
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Ele deseja aliarse convosco, senhor disseram eles , e vem para pedir
Branwen16, a filha de Llyr, a fim de que, se bem vos parecer, a Ilha do
Poderoso17 possa unirse à Irlanda, tornandose ambas mais fortes.
Realmente disse ele , deixaios vir a terra e vamos então conversar.
E essa resposta foi levada a Matholwch.
De boa vontade irei disse ele.
Então desembarcou e receberamno alegremente. Grande foi a multidão no
palácio naquela noite, reunindo a comitiva do visitante e os da corte. No dia
seguinte, reuniramse em conselho e resolveram dar a mão de Branwen a
Matholwch. Ela era uma das três principais damas desta Ilha e a mais linda
donzela do mundo.
E escolheram Aberffraw como o lugar onde se tornaria sua noiva. Com essa
finalidade partiram e rumo a Aberffraw dirigiramse as multidões. Matholwch e
sua comitiva em seus navios, Bendigeid Fran e seu séquito por terra, até
chegarem a Aberffraw. Em Aberffraw começaram a festa e sentaramse da
seguinte maneira: o rei da Ilha do Poderoso e Manawyddan, o filho de Llyr, a
um lado e Matholwch do outro lado e Branwen, a filha de Llyr, ao lado dele. E
não estavam dentro de uma casa, mas sob tendas. Casa alguma jamais pôde
conter Bendigeid Fran. Começaram o banquete, divertiramse e fizeram
discursos. E quando lhes era mais agradável dormir do que se divertirem, foram
descansar.
II A ira de Efnissyen.
No dia seguinte, eles se levantaram e todos os da corte e os oficiais começaram
a equipar e ordenar os cavalos e os criados, dispondoos ordenadamente ao
longo do mar.
Nesse dia, Efnissyen, o homem briguento de quem falamos acima, chegou por
acaso ao local onde estavam os cavalos de Matholwch e perguntou de quem os
cavalos poderiam ser:
São os cavalos de Matholwch, rei da Irlanda, que se casou com Branwen,
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vossa irmã; dele são os cavalos.
E é então o que fizeram com uma moça como ela, além de tudo minha irmã,
entregaramna sem meu consentimento? Não me poderiam ter oferecido insulto
algum maior do que esse! exclamou ele. Lançouse sobre os cavalos e cortou
lhes os lábios até os dentes, as orelhas até perto de suas cabeças, os rabos quase
na raiz e, onde quer que pudesse agarrar suas pálpebras, cortouas até o osso,
desfigurando os cavalos e tornandoos inúteis.
Chegaram com essas novas a Matholwch, dizendo que os cavalos haviam sido
desfigurados e machucados, de forma a nenhum deles jamais poder ser
utilizado outra vez.
De fato, senhor disse um da comitiva , foi um insulto contra vós e como tal
deve ser entendido.
Na verdade, é uma espanto para mim que, se desejavam insultarme, me
houvessem dado uma donzela de tão alta estirpe e tão amada por sua família
como fizeram.
Senhor disse um outro , vós vedes que assim é e nada tendes a fazer além
de irdes para vossos navios.
E logo ele partiu para seus navios.
Notícias chegaram a Bendigeid Fran de que Matholwch estava deixando a corte
sem pedir permissão e mensageiros foram enviados para perguntarlhe o
porquê de agir assim. E os mensageiros enviados foram Iddic, o filho de
Anarawd, e Hefeydd Hir. Estes o alcançaram e perguntaramlhe o que
pretendia fazer e por que partia.
Na verdade disse ele , se eu soubesse, não teria chegado perto daqui. Fui
completamente insultado, ninguém jamais teve tratamento pior do que eu tive
neste lugar. Mas uma coisa acima de todas me surpreende.
O que é? perguntaram eles. Que Branwen, a filha de Llyr, uma das três
principais damas desta ilha e filha do rei da Ilha do Poderoso, me fosse dada
como minha noiva e depois disso eu fosse insultado. E fico maravilhado de que
o insulto não me fosse feito antes de me concederem uma donzela tão excelente
48
quanto ela.
Verdadeiramente, senhor, não era o desejo de qualquer um dos que estão na
corte disseram eles , nem de qualquer um dos que estão no Conselho que
recebêsseis tal insulto. Como fostes insultado, a desonra é maior para
Bendigeid Fran do que para vós.
Exatamente disse ele , assim penso. Não obstante, ele não pode desfazer o
insulto.
Os homens retornaram com essa resposta ao lugar onde Bendigeid Fran estava
e contaramlhe qual resposta Matholwch lhes dera.
Na verdade disse ele , não há meios pelos quais o impedir de partir em
inimizade conosco que não iremos tomar.
Bem, senhor disseram eles , enviailhe uma outra embaixada.
Assim farei disse ele. Ergueivos, Manawyddan, filho de Llyr, e Hefeydd
Hir e Unic Glew Ysgwyd e ide atrás dele para dizerlhe que terá um cavalo
bom para cada um dos que foram machucados. E, além disso, como
compensação pelo insulto18, ele terá um bastão de prata, tão grande e alto como
ele mesmo e um prato de ouro do tamanho do seu rosto. E contailhe quem fez
isso tudo e que foi feito contra minha vontade, mas quem o fez é meu irmão por
parte de mãe e seria então duro para mim condenálo à morte. Deixaio vir e
encontrarse comigo disse ele e faremos a paz em quaisquer termos que ele
possa desejar.
A embaixada foi até Matholwch e disselhe todas essas palavras de modo
simpático e ele as escutou.
Homens disse ele , vou buscar conselho.
Assim, ele reuniu seu Conselho, onde consideraram que, se ele recusasse a
proposta, o mais provável seria sofrerem mais vergonha em lugar de obter uma
tão grande compensação. Resolveram então aceitála e retornaram em paz à
corte.
III O casamento de Branwen e Matholwch. O Caldeirão da Renovação.
49
Então os pavilhões e as tendas foram dispostos à maneira de um salão. E eles
vieram comer e, como se haviam sentado no início da festa, sentaramse agora.
Matholwch e Bendigeid Fran começaram a discursar. Pareceu a Bendigeid
Fran, enquanto falavam, que Matholwch não estava tão alegre quanto estivera
antes. E pensou que o soberano poderia estar triste em razão da pequenez da
compensação que obtivera pelo erro que fora cometido contra ele.
Ó homem disse Bendigeid Fran , não estais falando nesta noite tão
animadamente quanto antes. E, se é por causa da pequenez da compensação,
vós lhe acrescentareis qualquer coisa que possais escolher e amanhã mesmo
vos entregarei os cavalos.
Senhor disse ele , o Céu vos recompense!
E eu vos aumentarei a compensação disse Bendigeid Fran , pois vos darei
um caldeirão19 cuja propriedade é que, se um dos vossos homens for morto hoje
e jogado lá dentro, amanhã ele estará tão bem como jamais esteve nos melhores
dias, exceto que não recuperará sua fala.
Matholwch deulhe grandes agradecimentos e ficou muito alegre por esse
motivo.
Na manhã seguinte entregaram a Matholwch tantos cavalos treinados quantos
havia. E então viajaram para outro distrito, onde o pagaram com potros até
completar o número total. Desde então, esse distrito foi chamado Talebolyon.
Uma segunda noite sentaramse juntos.
Meu senhor disse Matholwch , de onde obtivestes o caldeirão que me
destes?
Ganheio de um homem que esteve em vosso país disse Bendigeid Fran , e
não o daria a não ser a alguém que viesse de lá.
Quem era? perguntou ele.
Llassar Llaesgyfnewid. Ele chegou aqui vindo da Irlanda com Cymideu
Cymeinfoll, sua esposa, que escapou da Casa de Ferro na Irlanda, quando a
aqueceram até que ficasse rubra ao redor deles e fugiram para cá. E é um
assombro para mim nada saberdes em relação a esses fatos.
50
Na verdade, sei alguma coisa e tudo quanto souber vôlo contarei. Certo dia,
eu estava caçando na Irlanda e cheguei a um monte junto a um lago, que é
chamado Lago do Caldeirão. Vi um enorme homem de cabelos amarelos vindo
do lago com um caldeirão em suas costas. Era um homem de grande tamanho e
de horrível aspecto e uma mulher o seguia. E, se o homem era alto, duas vezes
maior era a mulher. Eles vinham em minha direção e saudaramme. 'Na
verdade', eu perguntei, 'para onde estais viajando?' 'Vede', disseme, 'este é o
motivo pelo qual viajamos. Ao fim de um mês e uma quinzena esta mulher terá
um filho. E a criança que nascerá ao fim de um mês e uma quinzena será um
guerreiro totalmente armado'. Assim, leveios comigo e sustenteios. Estiveram
comigo por um ano. E esse ano eu os tive comigo não de má vontade. Mas
então houve murmúrios porque eles estavam comigo. Pois, desde o começo do
quarto mês, eles começaram a fazerse odiados e a fazer desordens na terra,
cometendo afrontas e molestando e estorvando os nobres e as damas. Então
meu povo se ergueu e pediume que me separasse deles. Obrigaramme a
escolher entre eles e meus domínios. E eu utilizei o conselho do meu país para
saber o que seria feito em relação a eles, pois não partiriam por sua própria
vontade, nem contra sua vontade poderiam ser compelidos a fazêlo, através de
luta. E, estando o povo do país nesse dilema, ordenaram que fosse feita uma
câmara toda de ferro. Quando o quarto já estava pronto, lá veio cada ferreiro
que havia na Irlanda e cada um que possuía tenazes e martelo. Empilharam
carvões tão alto que chegaram ao topo da câmara. Serviram ao homem, à
mulher e à criança uma abundância de comida e bebida. Quando perceberam
que eles estavam bêbados, começaram a por fogo nos carvões ao redor do
quarto e a soprálos com foles até que a casa ficasse incandescente em volta
deles. E houve uma reunião no meio do chão do quarto. O homem permaneceu
até que as placas de ferro estivessem todas brancas de calor. E então, em razão
do grande calor, o homem chocouse contra as placas com seu ombro e
rebentouas e sua esposa o seguiu; mas, exceto ele e sua esposa, ninguém
escapou na ocasião. Assim, eu suponho, senhor disse Matholwch a Bendigeid
Fran , que eles vieram até vós.
Sem dúvida, eles vieram para cá disse ele e deramme o caldeirão.
51
De que maneira vós os recebestes?
Espalheios em cada parte dos meus domínios e eles se tornaram numerosos e
estão prosperando por toda parte e fortalecem os lugares onde estão com
homens e armas dos melhores jamais vistos.
Naquela noite, continuaram a conversar tanto quanto quiseram e tiveram
menestréis e diversão e, quando lhes era mais agradável dormir do que
permanecer mais tempo sentados, foram descansar. E assim o banquete
continuou com alegria. Quando terminou, Matholwch viajou para a Irlanda e
Branwen com ele. Partiram de Aber Menei com treze navios e chegaram à
Irlanda, onde houve grande alegria em razão da sua chegada. Nenhum grande
homem ou nobre dama visitou Branwen a quem ela não desse um broche, um
anel ou uma jóia real como presente com o qual era honroso ser visto ao partir.
Nessas atividades, ela gastou o ano com muito renome e passou
agradavelmente seu tempo, desfrutando de honra e amizade. E, entretanto,
ocorreu que ela ficou grávida. No devido tempo, nasceulhe um filho e o nome
que lhe deram foi Gwern, filho de Matholwch. Mandaram o menino para ser
criado num lugar onde estavam os melhores homens da Irlanda.
IV O desprezo a Branwen.
E no segundo ano ergueuse um tumulto na Irlanda em razão do insulto que
Matholwch recebera em Câmbria e do pagamento que lhe fora feito por seus
cavalos. Seus irmãos de criação que, como tais, estavam mais próximos dele,
culpavamno abertamente por esse motivo. E ele não pôde ter paz em razão do
tumulto até o vingarem dessa desgraça. A vingança que tomaram foi afastar
Branwen do quarto dele e fazêla cozinhar para a Corte. E ordenaram que o
açougueiro, depois de picar a carne, fosse até ela e lhe desse a cada dia um
golpe na orelha. Tal foi a punição que lhe deram.
Realmente, senhor disseram a Matholwch seus homens , proibí já os navios,
as balsas de transporte e os botes de irem a Câmbria e todos os que vierem de
52
Câmbria até aqui, prendeios para que não possam voltar e fazer com que estas
coisas sejam conhecidas lá.
Assim ele fez e assim foi por não menos do que três anos.
Branwen criou um estorninho na cobertura da padaria do palácio, ensinouo a
falar e ensinou ao pássaro qual era a aparência de seu irmão. Escreveu uma
carta sobre suas aflições e sobre o desprezo com que era tratada, amarrandoa
na raiz da asa do pássaro, que enviou em direção à GrãBretanha. O pássaro
chegou à Ilha e, certo dia, encontrou Bendigeid Fran em Caer Seiont, em
Arfon, onde estava reunido com seus nobres. A ave pousou em seu ombro e
arrepiou suas penas, de modo que a carta fosse vista. Souberam então que o
pássaro fora criado em casa.
V Bran parte para a Irlanda.
Bendigeid Fran tomou a carta e olhoua. Depois de a ler, entristeceuse
excessivamente pelas notícias das aflições de Branwen. E imediatamente
começou a enviar mensageiros que reunissem toda a Ilha. Fez com que sete
vintenas e quatro países viessem a ele e queixouse ele mesmo diante de todos
pela aflição que sua irmã suportava. Então deliberaram e no Conselho
resolveram ir para a Irlanda e deixar sete homens como príncipes aqui e
Caradawc20, o filho de Bran, como o chefe deles e dos seus sete cavaleiros. Em
Edeyrnion esses homens foram deixados. Por essa razão foram os cavaleiros
deixados na cidade. Os nomes desses sete homens eram Caradawc, filho de
Bran, e Hefeydd Hir e Unic Glew Ysgwyd e Iddic, o filho de Anarawc
Gwalltgrwm e Fodor, filho de Erfyll, e Gwlch Minascwrn e Llassar, filho de
Llaesar Llaesgygwyd e Pendaran Dyfed, como um jovem pajem com eles.
Esses foram estabelecidos como sete ministros para encarregaremse desta ilha.
E Caradawc, o filho de Bran, era o chefe entre eles.
Bendigeid Fran, com a multidão de que falamos, velejou para a Irlanda e não
estava ainda longe no mar quando chegou à água rasa. Não eram senão dois
53
rios: o Lli e o Archan foram chamados e as nações cobriram o mar. Ele então
prosseguiu com todas as provisões que tinha em suas costas e aproximouse das
praias da Irlanda.
Os porqueiros de Matholwch estavam próximos da costa e foram a Matholwch.
Senhor disseram eles , saudação a vós.
O Céu vos proteja ele respondeu , tendes quaisquer novidades?
Senhor, vimos coisas maravilhosas, vimos uma floresta no mar, num lugar
onde jamais vimos uma só árvore.
Isso sem dúvida é uma maravilha. Vistes qualquer outra coisa?
Vimos, senhor disseram eles , uma vasta montanha ao lado da floresta que
se movia e havia um alto cume no topo da montanha e um lago em cada lado
do cume. E a floresta e a montanha e todas essas coisas se moviam.
Na verdade disse ele , não há ninguém que possa saber qualquer coisa em
relação a isso, exceto Branwen.
Mensageiros foram mandados a Branwen.
Senhora disseram eles , que pensais seja isso?
Os homens da Ilha do Poderoso, que vieram aqui por ouvirem sobre meus
maustratos e minhas aflições.
Que é a floresta vista sobre o mar? perguntaram eles.
As velas e os mastros dos navios ela respondeu.
Ai! Que é a montanha que se vê ao lado dos navios?
Bendigeid Fran, meu irmão, chegando à água rasa; não há navio que possa
contêlo.
Que é o alto cume com um lago em cada um dos seus lados?
Ao olhar na direção desta ilha ele está irado e seus dois olhos, um em cada
lado de seu nariz, são os dois lagos que ladeiam o cume.
Os guerreiros e os principais homens da Irlanda foram reunidos
apressadamente e fizeram um conselho.
Senhor disseram os nobres a Matholwch , não há outro conselho além de
54
retirarvos para além do Linon (um rio que há na Irlanda) e manter o rio entre
vós e ele, destruindo a ponte que atravessa o rio, pois há no seu fundo uma
magnetita sobre a qual nenhum barco ou navio poderá passar.
Assim, eles se retiraram pelo rio e quebraram a ponte.
Bendigeid Fran chegou a terra e a frota com ele pela margem do rio.
Senhor disseram os capitães , conheceis a natureza deste rio, que nada pode
atravessálo e que não há ponte sobre ele?
Não há nenhuma replicou o rei , exceto que aquele que será o chefe, deixai
o ser uma ponte. Eu o serei.
Foi então essa declaração proferida pela primeira vez e é ainda usada como
provérbio. Quando ele se deitou atravessando o rio, tábuas foram colocadas
sobre ele e o exército passou por cima.
Quando o gigante levantouse, os mensageiros de Matholwch chegaram até ele,
saudaramno e deramlhe cumprimentos em nome de Matholwch, seu parente,
e mostraram como, pela sua benevolência, ele não tinha merecido de Bendigeid
Fran senão o bem.
Pois Matholwch deu o reino da Irlanda a Gwern, vosso sobrinho e filho de
vossa irmã. E isso ele coloca diante de vós como uma compensação pelo erro e
desprezo feitos a Branwen. E Matholwch será mantido onde quiserdes, seja
aqui ou na Ilha do Poderoso.
Disse Bendigeid Fran:
Não terei eu mesmo o reino? Então porventura eu possa aconselharme em
relação a vossa mensagem. Deste momento até lá, nenhuma outra resposta
obtereis de mim.
Em verdade disseram eles , a melhor mensagem que recebermos para vós,
nós vôla traremos e esperai que falaremos ao nosso rei.
Esperarei respondeu Bendigeid Fran e retornai rapidamente.
VI Uma casa para Bran.
55
Os mensageiros partiram e chegaram a Matholwch.
Senhor disseram eles , preparai uma mensagem melhor para Bendigeid
Fran. Ele absolutamente não escutaria aquela que lhe transmitimos.
Meus amigos disse Matholwch , qual poderia ser vosso conselho?
Senhor, não há outro conselho exceto este apenas. Ele nunca soube o que é
estar dentro de uma casa, fazei então uma casa que possa contêlo e aos homens
da Ilha do Poderoso de um lado e a vós e ao vosso exército do outro. Entregai
vosso reino à vontade dele e prestailhe homenagem. Assim, em razão da honra
que lhe fizestes construindolhe uma casa, considerando que ele nunca teve
uma casa que o pudesse conter, ele fará a paz convosco.
Os mensageiros então voltaram a Bendigeid Fran levandolhe essa mensagem.
E ele buscou o conselho e no Conselho resolveuse que essa decisão seria
aceita. Tudo foi feito de acordo com o aviso de Branwen e a fim de que o país
não fosse destruído. A paz foi feita e tão vasta quanto forte a casa foi
construída. Mas os irlandeses planejaram uma maquinação astuta. E a astúcia
foi que pusessem suportes em cada lado dos cem pilares que estavam na casa.
Colocaram um saco de couro em cada suporte e um homem armado dentro de
cada um deles. Então Efnissyen entrou antes do exército da Ilha do Poderoso,
esquadrinhando a casa com olhares ferozes e selvagens e observou os sacos de
couro que estavam pendurados nos pilares.
Que há nesse saco ? perguntou ele a um dos irlandeses.
Comida, boa alma disse este.
Efnissyen apalpouo até chegar à cabeça do homem e apertou a cabeça até
sentir seus dedos se encontrarem no cérebro através do osso. Ele deixou aquele
saco e pôs sua mão sobre outro, perguntando o que havia lá dentro.
Comida disse o irlandês.
E daquele modo ele fez a cada um deles até que, de todos os duzentos homens,
não deixara nenhum vivo senão um. Ele perguntou o que estava ali.
Comida, boa alma disse o irlandês.
Efnissyen apalpouo até sentir a cabeça e apertoua como fizera aos outros.
56
Embora achasse que a cabeça deste estava protegida, não o deixou até matálo.
E então cantou uma estrofe.
"Há neste saco um diferente tipo de comida:O combatente pronto para quando o ataque é feitoPor seus companheiros, preparado para a batalha."
Logo após vieram os guerreiros para a casa. Os homens da Ilha da Irlanda
entraram na casa por um lado e os homens da Ilha do Poderoso pelo outro. Tão
logo se sentaram, houve harmonia entre eles e a soberania foi conferida ao
menino. Quando se concluiu a paz, Bendigeid Fran chamou o menino a si e de
Bendigeid Fran o menino foi para Manawyddan e foi amado por todos os que o
viram. De Manawyddan o menino foi chamado por Nissyen, o filho de
Eurosswydd, indo amorosamente até ele.
Por quê disse Efnissyen não vem meu sobrinho, o filho de minha irmã, até
mim?
Alegremente o deixo ir a vós disse Bendigeid Fran.
E o menino alegremente foi até ele.
Pela minha crença no Céu disse Efnissyen em seu coração , jamais
imaginado por alguém desta casa foi o massacre que vou cometer neste
momento.
VII Efnissyen mata Gwern. A luta entre britanos e irlandeses.
Efnissyen se ergueu, pegou o menino pelos pés e, antes que qualquer um na
casa pudesse agarrálo, ele depressa o empurrou no fogo ardente. E quando
Branwen viu seu filho queimando no fogo, ela, do lugar onde estava sentada
entre seus dois irmãos, esforçouse para também saltar no fogo. Mas Bendigeid
Fran agarroua com uma mão e seu escudo com a outra. Então todos eles
correram pela casa e nunca um tão grande tumulto foi feito por uma multidão
dentro de uma casa quanto o que foi feito por eles enquanto cada homem se
armava. Então disse Morddwyd Tyllyon:
Os moscardos da Vaca de Morddwydd Tyllyon!
Enquanto todos buscavam suas armas, Bendigeid Fran mantinha Branwen entre
57
seu escudo e seu ombro.
Os irlandeses acenderam um fogo sob o Caldeirão da Renovação. Lançaram ali
os cadáveres até que estivesse cheio. No dia seguinte, eles voltavam tão bons
lutadores quanto antes, exceto que não eram capazes de falar. E quando
Efnyssien não viu os corpos mortos dos homens da Ilha do Poderoso
ressuscitados em parte alguma, pensou em seu coração:
Ai! Desgraçado sou eu, que devo ter sido a causa de chegarem os homens da
Ilha do Poderoso a um tão grande dilema. Que o mal me castigue se eu não
encontrar uma libertação para eles.
Ele se lançou sobre os cadáveres dos inimigos. Dois irlandeses descalços
vieram até ele e, pensando que fosse um dos seus, arremessaramno no
caldeirão. Efnyssien esticouse dentro do caldeirão, quebrandoo em quatro
partes. Mas o esforço estourou também seu coração.
Em conseqüência disso, os homens da Ilha do Poderoso obtiveram tanto
sucesso quanto os irlandeses. Contudo, não foram vitoriosos, pois, dentre todos
eles, apenas sete homens escaparam e ao próprio Bendigeid Fran um dardo
envenenado ferira no pé.
Eis que os sete homens que escaparam foram Pryderi, Manawyddan, Gluneu
Eil Taran, Taliesin, Ynawc, Grudyen, o filho de Muryel, e Heylin, o filho de
Gwynn Hen.
Bendigeid Fran ordenoulhes que cortassem sua cabeça:
Tomai minha cabeça e levaia ao Monte Branco21, em Londres, para sepultála
com o rosto em direção à França. Por um longo tempo estareis na estrada. Em
Harlech estareis festejando por sete anos, os pássaros de Rhiannon cantando
para vós durante esse tempo. Durante todos esses dias, a cabeça será para vós
uma companhia tão agradável como já era quando em meu corpo. E em
Gwales, em Penfro, estareis por quatro vintenas de anos. Lá podereis
permanecer e a cabeça intacta convosco até que abrais a porta que dá para Aber
58
Henfelen e para a Cornualha. Depois de haverdes aberto a porta não podereis
mais permanecer lá. Parti então para Londres para enterrar a cabeça e segui
adiante.
VIII A morte de Branwen.
Cortaramlhe a cabeça e esses sete prosseguiram com ela. Branwen era a oitava
com eles. O grupo chegou a terra em Aber Alaw, em Talebolyon, e sentaramse
para descansar. Branwen olhou em direção à Irlanda e em direção à Ilha do
Poderoso, para ver se as podia enxergar.
Ai disse ela , a aflição esteve comigo desde que nasci; por minha causa
foram duas ilhas destruídas!
Ela então proferiu um alto gemido e assim se partiu o seu coração. Fizeramlhe
um sepulcro de quatro lados e enterraramna nas margens do rio Alaw.
Os sete homens viajaram para Harlech levando a cabeça consigo; ao chegarem
lá encontraram uma multidão de homens e mulheres.
Tendes alguma novidade? perguntou Manawyddan.
Não temos nenhuma disseram eles , salvo que Caswallawn22, o filho de
Beli, conquistou a Ilha do Poderoso e foi coroado rei em Londres.
Que aconteceu a Caradawc, o filho de Bran, e aos sete homens que foram
deixados com ele nesta ilha?
Caswallawn veio sobre eles e matou seis dos homens. O coração de Caradawc
partiuse de tristeza por isso, pois ele podia ver a espada que matava os
homens, mas não sabia quem a empunhava. Caswallawn tinha arremessado
sobre ele o Véu da Ilusão, de modo que ninguém podia vêlo matar os homens,
mas apenas a espada podia ser vista. E não lhe agradou matar Caradawc porque
ele era seu sobrinho, o filho de seu primo. E agora ele é o terceiro cujo coração
se quebrou pela aflição. Pendaran Dyfed, que permanecera como um jovem
pajem com esses homens, escapou para a floresta disseram eles.
IX Os pássaros de Rhiannon.
59
Então foram para Harlech, onde pararam para descansar e providenciaram
comida e bebida. Estavam sentados fazendo a refeição quando vieram três
pássaros e começaram a cantarlhes uma certa canção. Todas as canções que
eles jamais tinham ouvido eram desagradáveis em comparação a essa e os
pássaros pareciamlhes estar a uma enorme distância, embora aparecessem tão
distintamente como se estivessem perto. Nesse repasto continuaram por sete
anos.
X A Diversão da Nobre Cabeça.
Ao fim do sétimo ano eles foram para Gwales, em Penfro. Lá encontraram um
lugar bom e digno de um rei, dando para o oceano, onde havia um espaçoso
salão. Eles entraram no salão e duas das suas portas estavam abertas, mas a
terceira porta estava fechada, aquela que olhava em direção à Cornualha.
Vede lá disse Manawyddan , é a porta que não podemos abrir.
E naquela noite eles se regalaram e ficaram alegres. De todas as comidas que
tiveram diante de si e de tudo que ouviram, nada lembraram; nem disso, nem
de qualquer tristeza, fosse qual fosse. Lá permaneceram quatro vintenas de
anos, inconscientes de jamais terem passado um tempo mais alegre ou
tranqüilo. E não ficaram mais cansados do que no primeiro instante em que
chegaram, nem qualquer um deles sabia o tempo que haviam estado lá. A
conversação da cabeça eralhes tão agradável como se o próprio Bendigeid
Fran estivesse com eles. Em razão dessas quatro vintenas de anos, o período foi
chamado "a diversão da nobre cabeça". E a diversão de Branwen e Matholwch
foi no tempo em que foram para a Irlanda.
XI A Terceira Ocultação Agradável.
Certo dia, disse Heilyn, o filho de Gwynn:
O mal me castigue se eu não abrir essa porta para saber se é verdade o que
60
dizem a esse respeito.
Ele assim abriu a porta e olhou em direção à Cornualha e Aber Henfelen. E,
quando eles olharam, ficaram conscientes de todos os males que tinham
suportado, de todos os amigos e companheiros que tinham perdido e de toda a
miséria que lhes ocorrera como se tudo tivesse acontecido naquele mesmo
momento e, especialmente, do terrível destino de seu senhor. Não puderam
descansar por causa de sua perturbação, mas viajaram com a cabeça rumo a
Londres. Sepultaram a cabeça no Monte Branco e, quando estava enterrada,
essa foi a terceira ocultação agradável; e o terceiro descobrimento infortunado
se deu quando ela foi desenterrada, já que nenhuma invasão pelo mar viria a
esta ilha enquanto a cabeça estivesse oculta.
E esta é então a história contada por aqueles que viajaram pela Irlanda.
Na Irlanda ninguém ficou com vida, exceto cinco mulheres grávidas em uma
caverna na floresta irlandesa. Essas cinco mulheres na mesma noite deram à luz
cinco filhos a que alimentaram até se tornarem jovens adultos. Eles pensaram
em esposas e ao mesmo tempo desejaram possuílas. Cada um tomou como
esposa a mãe de um dos seus companheiros e eles governaram o país23 e
povoaramno.
E estes cinco dividiramno entre si. Por causa dessa partilha estão ainda assim
arranjadas as cinco províncias da Irlanda. Eles examinaram a terra onde a
batalha teve lugar e encontraram ouro e prata suficientes para se tornarem ricos.
E assim termina esta parte do Mabinogion relativa ao golpe dado a Branwen,
que foi o terceiro infeliz golpe desta ilha; e relativa ao entretenimento de Bran
quando as hostes de sete vintenas e quatro países foram à Irlanda para vingar o
golpe dado a Branwen; e relativa ao banquete de sete anos em Harlech e à
canção dos pássaros de Rhiannon e à permanência da cabeça pelo espaço de
quatro vintenas de anos.
61
NOTAS AO SEGUNDO RAMO
12 Bendigeid Fran
Bran, o filho de Llyr Llediaith e soberano da GrãBretanha, de acordo com as
autoridades galesas, obteve seu título de bendigeid ou “abençoado” da
circunstância de haver introduzido o cristianismo na ilha. A tradição nos conta
que ele era o pai de Caradawc (Caratacus), cujo cativeiro asseguramnos que
compartilhou; e prossegue afirmando que, tendo abraçado a fé cristã durante os
sete anos que ficou detido em Roma, voltou a seu país nativo e fez com que o
Evangelho fosse ali pregado . A tríade 35 recita esses eventos:
Os Três Abençoados Soberanos da Ilha da GrãBretanha, Bran, o Abençoado,
filho de Llyr Llediaith, que primeiro trouxe a fé de Cristo para nação dos
Cimbri [os galeses], ao vir de Roma, onde esteve por sete anos como refém
por seu filho Caradawc, a quem os romanos fizeram prisioneiros através das
artes e engano e traição de Aergwedd ab Coel ab Cyllyn Sant (usualmente se
pensa que seja Cartimandua). O segundo foi Lleurig ab Coel ab Cyllyn Sant,
que foi chamado Lleufer Mawr (“Luz Verde”) e construiu a igreja de Llandaf,
que foi a primeira na GrãBretanha e que deu os privilégios de terra e de
parentesco e de direitos sociais e de sociedade aos que eram da fé de Cristo.
O terceiro foi Cadwaladyr, o Abençoado, que deu guarida em suas terras e
com todos os seus bens aos crentes que fugiram dos saxões sem fé e dos
estrangeiros que poderiam têlos matado.
O benefício que Bran assim conferiu a seu país trouxe a sua família a distinção
de ser contada como uma das Três Tribos Sagradas. As famílias de Cunedda
Wledig e de Brychan Brycheiniog seriam as outras duas.
Bran é comparado a Prydain ab Aedd Mawr e Dyfnwal Moelmud como um dos
três reis que deram estabilidade à realeza pela
excelência de seu governo (tríade 36).
62
Vários antigos documentos galeses aludem aos incidentes ligados a Bran no
mabinogi de Branwen. Assim, no curioso poema intitulado Kerdd am Feib
Llyr, atribuído a Taliesin, estão as seguintes linhas (Myv. Arch., I, p. 86):
Eu estava com Bran na Irlanda,Eu vi quando Morddwyd Tyllion foi morto.
E há uma tríade sobre a história de sua cabeça sendo enterrada no Monte
Branco, com a face voltada para a França, considerada um encantamento contra
a invasão estrangeira. Arthur, ao que parece, orgulhosamente desenterrou a
cabeça.
As Três Ocultações Fatais da Ilha: primeira, a cabeça de Bendigeid Fran ab Llyr, que Owain, filho de Macsen Wledig, enterrara sob o Monte Branco, em Londres, e, enquanto estivesse ali colocada, invasão alguma poderia ser feita na Ilha; a segunda foram os ossos de Gwrthefyr, o Abençoado (Vortimer, Vortemir), que foi sepultado no principal porto da Ilha e, enquanto lá permanecessem ocultos, todas as invasões seriam ineficazes. A terceira foram os dragões enterrados por Llud ab Beli na cidade de Pharon, nos rochedos de Snowdon. E as três ocultações foram feitas sob a benção de Deus e o mal sobreveio desde o tempo de sua revelação. Gwrtheyrn Gwrtheneu (Vortigern) descobriu os dragões para vingarse da ofensa dos galeses, ele convidou os saxões sob aparência de homens de defesa para lutar contra os Gwyddyl Ffychti; e, depois disso, ele descobriu os ossos de Gwrthefyr, o Abençoado, pelo amor de Ronwen (Rowena), a filha do saxão Hengist. Arthur descobriu a cabeça de Bendigeid Fran porque escolheu não manter a Ilha senão por sua própria força. E, depois das Três Revelações, vieram grandes invasões sobre a raça dos galeses.
O nome de Bran ocorre freqüentemente nos poemas de Cynddelw e de outros
bardos da Idade Média.
As lendas mais antigas contam que Brennius, irmão de Belinus (Beli), brigou e
lutou contra este, mas foram reconciliados por sua mãe, Tonuuena, e juntos
marcharam sobre a Gália e conquistaramna. Depois, submeteram Roma, que
Brennius saqueou (390 a. C.). Brenus ou Brian foi o nome do condutor dos
celtas em suas vitórias em Alia e Delfos.
Brennius, Brenus, Brian ou Bran deveria ser, na origem, uma divindade que
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terminou sendo diminuída com o advento do cristianismo. Todavia, estava tão
firmemente enraizada na devoção dos britânicos que não foi possível erradicá
la. Fizeram dela, então, o introdutor da nova fé na ilha. Esse processo de
cristianização foi muito comum e não só no mundo celta.
Há três Brans na mitologia céltica e no ciclo lendário: Bran, o galgo de Fin;
Bran, filho de Febal, o herói irlandês que atingiu a Ilha das Mulheres, o Paraíso
Ocidental de Manannan mac Lir, e Bran, o Abençoado, cuja história é aqui
contada. É claro que os mitos irlandeses e galeses estão intimamente
conectados, mas Bran, o Abençoado, parece representar um deus ancestral.
Alguns estudiosos sugerem que Bran seria uma divindade até mesmo pré
céltica, incorporada à tradição céltica posterior. Devese lembrar que Bran era
de um tamanho monstruoso, tão grande que casa alguma podia contêlo, mas
era um dos gigantes benevolentes e possuía tesouros mágicos que enriqueceram
a ilha, dos quais o principal era o Caldeirão da Renovação, que veio da Irlanda
e estava destinado a retornar par lá.
13 Harlech
Muitas das localidades que surgem no conto de Branwen podem ser
identificadas apenas com o auxílio de um bom mapa, dispensando maiores
explicações. Uma ou duas, porém, exigem uma pequena explanação. De
Harlech, podese dizer que se chama também Twr Bronwen, ou “Torre de
Branwen”. Recebeu também o nome de Caer Collwyn, lembrando Collwyn ab
Tangno, chefe de uma das quinze Tribos Nobres do norte de Gales. Harlech
fica próximo da costa do mar, nos confins de Ardudwy, um dos seis distritos de
Merionethshire, de que a porção chamada Dyirfryn Ardudwy é o que resta do
Cantref y Gwaelod, inundado no tempo de Gwyddno Garanhir.
Edeyrnion, que o texto menciona pouco depois, situase também em
Merionethshire.
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Talebolyon é uma localidade em Anglesey.
Abberffraw, também em Anglesey, foi a residência dos príncipes de Gwynedd
desde o tempo de Roderick, o Grande, em 843, até 1282, ano em que morreu
Llewelyn, último príncipe nativo reinante em Gales. Esse soberano lutava
defendendo a independência de seu país frente aos ingleses e caiu vítima de
uma armadilha.
14 Eurosswydd
Eurosswydd é, sem dúvida, o general romano Ostorius, que capturou Llyr
Llediaith e toda sua família, incluindo Bran e Caradawc. É mencionado como
tal na tríade 50.
15 Beli, filho de Manogan
Beli teve como filha ou irmã a Penardun, que, com Llyr, foi a mãe de Bran, o
qual dizem ter sido ancestral de Arthur tanto pelo lado paterno, quanto pelo
paterno. Seria irmão do rei britano histórico Cunobelinos (“Cão de Belenos”),
do éc. I d. C., governante da tribo dos Catuuellauni e senhor de uma grande
região do sul da GrãBretanha. É o rei chamado Cymbeline por Shakespeare.
Beli, também chamado Belinus, fez muitas estradas e estabeleceu sua capital
em Caer Husk. Construiu Billingsgate em Trinouantum (Londres). Contase
que foi enterrado numa urna de ouro.
Na verdade, Beli era o deus galês da morte, esposo da deusamãe Dôn e
correspondia ao irlandês Bile, consorte de Danu, considerada progenitora das
divindades da Irlanda (Tuatha Dé Dánann, “povo, filhos ou tribo de Danu”).
Em sua honra era celebrada a festa de Beltaine (“fogos de Belenos”) na véspera
de maio, a noite entre 30 de abril e 1º. de maio, quando os fogos de todas as
casas deveriam ser apagados e novamente acesos com uma chama proveniente
da fogueira sagrada feita pelos Druidas.
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16 Branwen
A bela Branwen (ou Bronwen, “a do alvo colo”, como é mais conhecida), é
uma das mais populares heroínas do romance galês. Não menos celebrada por
seus sofrimentos que por seus encantos, percebemos que sua tumultuosa
história foi um tema favorito para os poetas de sua nação. As indignidades que
teve de suportar na Irlanda são referidas na tríade 49.
Em 1813, uma sepultura contendo uma urna funerária foi descoberta nas
margens do rio Anglesey, num local chamado Ynis Bronwen (“Ilha de
Branwen”) e atribuída à filha de Llyr, pois concordava com a descrição do
Mabinogion:
Bedd petrual a waned i Fronwen ferch Lyr ar lan Alawc ac yno y claddwyd hi.
Fizeramlhe um sepulcro de quatro lados e enterraramna nos bancos do rio Alaw (Branwen, VIII).
A urna, muito simples e de tosca feitura, continha ainda cinzas e ossos
calcinados.
Branwen parece ser a Brangwaine ou Brangwain do romance, embora o
personagem da heroína galesa e o papel que desempenha difiram grandemente
daqueles assinalados à confidente de Tristan e Yseult, a bela. Da mesma forma,
também Matholwch parece idêntico a Morholt, o severo rei da Irlanda que
surge na história de Tristan e Yseult.
17 A Ilha do Poderoso
Ynis y Kedyrn, a “Ilha do Poderoso”, é um dos muitos nomes dados à Grã
Bretanha pelos galeses. Uma tríade em que muitas outras dessas denominações
estão preservadas, assevera que, enquanto esteve desabitada, a ilha chamavase
Clas Myrddin (“Recinto de Myrddin”), mas após sua colonização, passou a ser
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Fel Ynis, que foi novamente mudado para Ynis Prydain, “Ilha da Grã
Bretanha” ou “Ilha de Brutus”, depois que Brutus a conquistou. Esse Brutus
seria filho do príncipe troiano Enéias, que arrebatou a ilha a uma raça de
gigantes que a aterrorizavam e dividiua entre seus filhos como nos conta
Geoffrey de Monmouth. A mesma tríade afirma que algumas autoridades
atribuem a designação mais moderna a Aed, o Grande (Myv. Arch., II, p. i).
Os Nomes da GrãBretanha
Estes são os nomes da Ilha da GrãBretanha.
O primeiro nome que esta ilha ostentou, antes que fosse tomada ou habitada: Cercado de Myrddin. E depois que foi tomada e habitada, a Ilha do Mel. E depois que foi conquistada por Prydein, filho de Aedd Mawr, foi ela chamada Ynis Prydein, a Ilha de Prydein [Pretânia, Pritânia, Britânia].
A GrãBretanha tem três principais ilhas afastadas: Anglesey, Man e Lundy. Possui três deltas principais e sete vintenas de subordinados. Tem trinta e quatro portos pincipais e trinta e três cidades importantes. São estes os seus nomes:
Caer Alclut (Dumbarton)Caer Llyr (Leicester)Caer HawydCaer Efrawc (York)Caer Gent (Canterbury?)Caer Wyranghon (Worcester)Caer Llundein (London)Caer LirionCaer Golin (Colchester)Caer Lloyw (Gloucester)Caer GeiCaer SiriCaer WyntCaer Went (Gwent)Caer Grant (Cambridge)Caer Dawri (Dorchester)Caer Llwyd Coet (Lincoln)Caer Myrdin (Carmarthen)Caer yn Aruon (Carnarvon)Caer GorgyrnCaer Lleon (CaerleononUsk or Chester)Caer Gorcon (Worren?)Caer CusradCaer Urnas (Wroxeter)Caer SelemionCaer Mygeid (Meivod)Caer LyssyditCaer Beris (Portchester)Caer Llion (Chester or CaerleononUsk)Caer Weir (Warwick)Caer Gradawc
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Caer Widawl Wir (St. Albans)
Geoffrey de Monmouth (1100? – 1154) foi bispo de St. Asaph. Escreveu a
Historia Regum Britanniae (“História dos Reis da GrãBretanha”) para celebrar
oss feitos de Arthur e sua obra Vita Merlini (“A Vida de Merlin”) foi a primeira
fonte de inspiração para os romances arturianos).
A denominação Clas Myrddin (Myrddin vem de Moridunum, “Fortaleza do
Mar”) acima mencionada é um reflexo da tradição de que a própria Grã
Bretanha seria vigiada por Merlin como seu espírito guardião. Esotericamente,
o aprisionamento de Merlin por Nimue, como narrado nas lendas do ciclo
arturiano, tem sua base no Clas Myrddin – o lugar onde Merlin está
voluntariamente confinado para velar pela sorte da ilha. O personagem tem um
caráter primordial: antes mesmo de ser habitada, a ilha já levava o nome de
Merlin.
18 Uma compensação pelo insulto
Exceto no que diz respeito ao tamanho da vara de prata, a compensação aqui
oferecida a Matholwch está em perfeita concordância com o que exigem as leis
do rei galês do séc. X, Hywel Dda, onde a multa por insultar um rei estava
fixada em “cem vacas para cada cantref e um bastão de prata com três nós no
alto, que vá do chão até o rosto do rei quando sentado em sua cadeira e tão
grosso quanto seu anular”, entre outras coisas.
19 Um caldeirão
Os poderes exercidos pela família de Llyr graças à influência do caldeirão
possuem uma forte semelhança com aqueles dos Tuatha Dé Dánann, a raça de
magos que outrora invadira a Irlanda, de acordo com o relato do “Livro das
Conquistas da Irlanda”. Essa tribo, durante sua permanência na Ásia, esteve em
guerra com os sírios e obteve o triunfo com a ajuda da magia, pois conheciam a
arte de ressuscitar aqueles dos seus que caíssem em batalha, enviando
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demônios para animar seus cadáveres, de modo que os sírios, para seu horror,
viam os inimigos que haviam matado tão vigorosos como antes, vindo para a
luta. Para enfrentar essa dificuldade, recorreram ao conselho de seus
sacerdotes, que lhes disseram para atravessar os corpos dos guerreiros que
matassem com uma estaca de sorveira, pois, se tivessem sido animados por
demônios, instantaneamente se transformariam em vermes. O conselho foi
seguido e os Tuatha Dé Dánann viramse obrigados a deixar o país.
Nos antigos mitos célticos, havia muitos caldeirões, dispensando variadamente
dons de vida, saúde, inspiração e sabedoria. Em geral, acreditase que, com o
tempo, esses caldeirões cederam lugar ao Santo Graal e incorporaramse às
comemorações da GrãBretanha medieval. De acordo com Taliesin (Preiddeu
Annwn, “Os Espólios de Annwn”, veja nota n°. 1), Arthur foi até os portais do
Outro Mundo em busca de um desses caldeirões.
20 Caradawc, filho de Bran
Esse príncipe, conhecido sob seu nome latinizado de Caratacus, rei da tribo
dos Catuuellauni, é lembrado principalmente por seu cativeiro em Roma que,
de acordo com as autoridades galesas, foi compartilhado por Bran, seu pai, Llyr
Llediaith, seu avô, e todos os seus parentes próximos. Há muitas tríades
relativas e essa importante ocorrência em sua vida (tríades 17, 23, 24, 34, 41,
55). Uma delas parece afirmar que ele foi escolhido por seus compatriotas
como general ou “rei de guerra” (o que corresponderia ao título romano dux
bellorum) para repelir as incursões dos romanos; há outra tríade que corrobora
essa asserção, apresentandoo como um dos “Três Governantes de Eleição”,
tendo sido aclamado pela voz do país e do povo, embora não fosse um chefe
tribal. Não á dúvida de que gozava de um alto grau de estima em sua nação.
Dizemno que “os homens da GrãBretanha, do príncipe ao escravo,
tornaramse seus seguidores na necessidade do país contra o progresso do
inimigo e da destruição. E, aonde quer que ele fosse em guerra, os homens da
Ilha seguiamno e ninguém desejava permanecer em casa.” Nessa tríade (a de
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n°. 12), ele é chamado um dos “Três Servidores Supremos” (“Tríades Galesas”,
12, Peniarth MS 54):
Três Servidores Supremos da Ilha da GrãBretanha: Caradawc, filho de Bran e Caurdaf, filho de Caradawc, e Owen, filho de Maxen Guledic.
Caradawc é também louvado como um daqueles bravos príncipes que, em
razão de seu valor, jamais puderam ser vencidos senão pela traição. O que o
entregou nas mãos de seus inimigos é algo que se lembra com muita
freqüência. Afairwy ab Llud ab Bel (Androgenus, o Mandubracius de Geoffrey
de Monmouth) e sua filha, Aregwedd Foeddawg, foram os traidores e são
sempre mencionados com palavras de desprezo e execração. “Um dos
oponentes dignos de Louvor” é outro dos títulos atribuídos a Caradawc, porque
ele resistiu à invasão dos exércitos de Claudius Caesar.
Alguns pesquisadores pensam que, com o tempo, a história de Caratacus
tornouse confusa na lembrança popular e que ele foi o original de Arthur.
Outro rei identificado com Caratacus chamavase Aruiragus e é um
personagem bastante controverso.
Aruiragus tornouse conhecido na história romana graças a uma obscura
referência em Juvenal, poeta romano, feita entre os anos 80 e 90 d. C., onde ele
surge como oponente britano aos romanos. Geoffrey de Monmouth faz dele um
rei da GrãBretanha (que sucedeu a seu pai, Cunobelinos), morto na invasão de
Cláudio à ilha, em 43 d. C. A paz foi restabelecida entre Cáudio e Aruiragus,
casandose este com a filha do imperador romano, Genuissa. Mais tarde,
Aruiragus revoltouse, mas a paz foi restabelecida pelos bons serviços de
Genuissa. Em outro lugar, dizse que Aruiragus deu a José de Arimatéia os
famosos doze campos na localidade de Glastonbury.
21 O Monte Branco
Sob o nome de Gwinfrin, “Monte Branco”, o texto referese mais
70
provavelmente à Torre de Londres, em que os galeses, que sempre viram a
cidade como de sua própria fundação, parecem ter um interesse peculiar. De
acordo com o conto “Lludd e Llefelys”, Londres teria sido fundada por Lludd
ap Beli:
Beli, o Grande, o filho de Manogan, tinha três filhos, Lludd e Caswallawn e Nynyaw; e, de acordo com a história, ele tinha um quarto filho chamado Llefelys. E, depois da morte de Beli, o reino da Ilha da GrãBretanha veio às mãos de Lludd, seu filho mais velho; e Lludd governou prosperamente e reconstruiu as muralhas de Londres e cercoua com inumeráveis torres. E, depois disso, ele convidou os cidadãos a construírem casas ali dentro, tais que quaisquer outras casas no reino não pudessem igualar. E, além disso, ele era um poderoso guerreiro e generoso e liberal em dar carne e bebida a todos que os solicitassem. E, embora ele possuísse muitos castelos e cidades, amava a esta mais do que a qualquer outra. E ele morava lá durante a maior parte do ano e assim foi ela chamada Caer Lludd e, por fim, Caer London. E depois que a raça dos estrangeiros lá chegou, ela foi chamada London ou Lwndrys.
Llywarch ab Llywelyn (Pryddid y Moch), um poeta do séc. XII e parte inicial
do XIII, fala dela como “a branca eminência de Londres, um local de fama
espêndida” (Myv. Arch., I, p.28).
O estabelecimento da fortaleza da Inglaterra, por sua vez, em sido atribuído a
celtas, romanos, saxões e normandos; agora, contudo as “Torres de Iulius” são
consideradas como pertencentes ao período normando primitivo.
22 Caswallawn
Caswallawn, o filho de Beli, geralmente conhecido pelo nome de
Cassiuelaunus, que lhe foi dado pelos romanos, é um personagem muito
celebrado na história galesa. É lembrado como um dos chefes escolhidos para
oporse à invasão de Caesar (em 54 a. C.) e instituído, assim como Caradawc,
um dos “reis de guerra” da GrãBretanha (tríade 24).
Relatase que Caswallawn liderou um exército de 61.000 homens contra Iulius
Caesar. Os encantos de Fflur, a filha de Mygnach Gorr, são apontados como a
causa de sua incursão.
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Ela fora capturada por Mwrchan, um príncipe gaulês aliado de Caesar, a quem
ele pretendia dar seu prêmio. A expedição que Caswallawn encabeçou teve
sucesso: 6.000 dos partidários de Caesar foram mortos e Fflur foi resgatada.
Algumas das circunstâncias dessa realização deram a Caswallawn a designação
de um dos “Três Fabricantes de Sapatos Dourados”, sendo os outros dois
Manawyddan e Llew Llaw Gyffes. O feito inteiro colocouo entre os “Três
Amantes Fiéis da GrãBretanha”.
O exército de Caswallawn não retornou com seu líder, pelo que é chamado um
dos “Três Exércitos Migrantes da GrãBretanha”.
Meinlas era o nome do cavalo de Caswallawn (Trioedd y Meirchion, “Tríades
dos Cavalos”):
As Tríades dos Cavalos (do Livro Negro de Carmarthen, 8)
Os três cavalos saqueadores da Ilha da GrãBretanha:Carnalawg, o cavalo de Owain, filho de Urien,Bucheslwm Seri, o cavalo de Gwgawn Gleddyvrudd,E Tafawd Mr Breichhir, o cavalo de Rhydderch Hael.
Os três cavalos vivazes da Ilha da GrãBretanha: Gwineu Goddwf Hir, o cavalo de of Cai,Rhuthr Eon Tuth Blaidd, o cavalo de Gilbert, filho de Cadgyffro E Ceincaled, cavalo de Gwalchmai.
Os três cavalos vigorosos da Ilha da GrãBretanha:Lluagor, o cavalo de Carndawg;E Meinlas, o cavalo de Caswallawn, filho de Beli.(Provavelmente foi esquecido Melyngar Mangre, o cavalo de Lleu Llaw Gyffes).
23 As cinco divisões da Irlanda. Trefuilngid Treeochair.
Antes da invasão dos anglonormandos, na época de Henrique II, a Irlanda
estava dividida numa pentarquia composta pelos reinos de Munster, Leinster,
Connaught, Ulster e Meath. No relato irlandês “A Fundação do Solar de Tara”,
há detalhes interessantes sobre os cinco reinos da ilha:
Trefuilngid Treeochair
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Em "A Fundação da Mansão de Tara", o ancião Fintan (Irlanda, ciclo de Ulster; homemdruida primordial. O único que escapou do dilúvio. Ele atravessa o tempo transformandose em diversos animais para transmitir o conhecimento, a história do mundo e das coisas. Seu nome significa "branco antigo" e sua genealogia é sempre indicada em filiação matrilinear) tem como missão mostrar que Tara foi e deverá continuar a ser a sede da Realeza Suprema da Irlanda. Ele conta o seguinte:
"Uma vez estávamos fazendo uma grande assembléia dos homens da Irlanda ao redor de Conaing Bececlach, Rei da Irlanda. Certo dia, então, vimos nessa assembléia um grande herói, belo e poderoso, aproximandose de nós e vindo do oeste, da direção do pôrdosol. Maravilhamonos grandemente com a magnitude de sua forma. Tão alto quanto uma árvore era o topo de seus ombros, o céu e o sol visíveis entre suas pernas em razão do seu tamanho e beleza. Um véu de brilhante cristal sobre ele, como uma veste de linho precioso. Sandálias em seus pés e não se sabe de que material eram. Cabelo amarelodourado caindo em cachos até a altura de suas coxas. Tábuas de pedra na sua mão esquerda, um ramo com três frutos em sua mão direita e eram estes os frutos que nele estavam, nozes e maçãs e bolotas do mês de maio: e não maduro estava cada fruto. Com passos largos ele caminhou para trás de nós, ao redor da assembléia, com seu ramo dourado de muitas cores de madeira do Líbano atrás dele e um de nós lhe disse "Vem aqui e conversa com o rei, Conaing Bececlach." Ele respondeu e disse "Que desejais de mim?" "Saber de onde vieste", disseram eles, "e para onde vais e quais são teu nome e sobrenome." "Sem dúvida eu vim", disse ele, "do pôrdosol e estou indo para o nascerdosol e meu nome é Trefuilngid Treeochair" (tríplice portador da chave tripla). "Porque te foi dado esse nome?", disseram eles. "Fácil dizer", disse ele. "Porque sou eu quem provoca o nascerdosol e o seu poente."
[Trefuilngid Treeochair, então, é quem provoca a aurora e o ocaso. Ele fez um pedido: que todos os irlandeses fossem reunidos naquele lugar. Depois que todos estavam presentes, ele perguntou se havia alguém que conhecesse toda a história da ilha. Quando se descobriu que não, ele escolheu um dos presentes para se tornar o depositário desse conhecimento. O escolhido foi Fintan. Fintan depois declarou que Trefuilngid Treeochair era "um anjo ou o próprio Deus."
[Um detalhe interessante é que, quando Trefuilngid Treeochair pediu que o povo fosse reunido, o rei Conaing Bececlach disse que isso poderia ser feito, embora eles não fossem poucos, mas seria difícil para os irlandeses sustentálo durante o tempo em que permanecesse com eles. O gigante então declarou que podia se sustentar somente com o aroma do ramo que ele trazia. Esse ramo merece atenção.
[É um ramo dourado, de muitas cores, de madeira do Líbano, com três "frutos" diferentes: nozes, maçãs e bolotas (de carvalho). Na tradição irlandesa, o ouro não é particularmente significativo, ao contrário da prata, que representa autoridade. A cor dourada indica apenas que o ramo é brilhante e precioso. Já "muitas cores" tem um significado importante: um manto de [várias cores representa o druidismo, objetos ou criaturas multicoloridos possuem origem sobrenatural. O ramo é de madeira do Líbano, isto é, cedro. É uma árvore muitas vezes mencionada no Antigo Testamento. O cedro não é nativo da Irlanda, de modo que a referência a essa árvore indica genericamente uma madeira rara e valiosa.
73
[A árvore de que foi retirado esse ramo combina as qualidades de seus frutos. A noz não é necessariamente a proveniente da nogueira, pois, em gaélico medieval, a palavra cno indica ao mesmo tempo a noz e a avelã. Seja como for, essa noz representa sabedoria, poesia, magia, florestas. A maçã é o amor e a felicidade. A bolota é a abundância, enquanto o carvalho indica hospitalidade, tradição e lei. É com o aroma desse ramo que o gigante se alimenta.
[A roupa que ele usa é um véu de cristal. Encontramos na lenda céltica barcos de cristal e edifícios de cristal (casas, fortalezas, castelos). Nesse caso, o cristal representa uma técnica e uma perfeição inacessíveis às habilidades humanas, bens que não podem ser comprados por nenhum soberano deste mundo.
[Talvez Trefuilngid Treeochair seja o deus do tempo gaélico. Além de ser o conhecedor de toda a história, é ele quem regula o curso do sol (aurora e poente).
[É ele próprio quem faz, nesse mesmo conto, as únicas atribuições direcionais seguras existentes na tradição irlandesa (mas as fortalezas e celebrações vêm da "História da Irlanda", de Keating):]
Sabedoria oeste (província: Connacht; fortaleza real: Uisnech; Beltaine)
Sabedoria, alicerce, ensinamento, pacto, julgamento, crônicas, conselhos, relatos, histórias, ciência, decoro, eloqüência, beleza, modéstia, generosidade, abundância, riqueza.
Batalha norte (província: Ulaid, Ulster; fortaleza real: Tailtiu; Lughnasadh)
Batalhas, disputas, audácia, locais incultos, lutas, arrogância, inutilidade, orgulho, capturas, ataques, severidade, guerras, conflitos.
Prosperidade leste (província: Laighin, Leinster; fortaleza real: Tara; festim de Tara a cada três anos)
Prosperidade, suprimentos, colméias, torneios, feitos de armas, chefes de família, nobres, prodígios, bom costume, boas maneiras, esplendor, abundância, dignidade, força, riqueza, administração da casa, muitas artes, muitos tesouros, cetim, sarja, seda, trajes, hospitalidade.
Música sul (província: Mumhan, Munster; fortaleza real: Tlachtgha; Samhain)
Cachoeiras, feiras, nobres, saqueadores, conhecimento, sutileza, ofício dos músicos, melodia, ofício dos menestréis, sabedoria, honra, música, aprendizagem, ensino, ofício dos guerreiros, jogo de fidchell, veemência, ferocidade, arte poética, advocacia, modéstia, código, séquito, fertilidade.
[Realeza centro (província: Mide, Meath)
Reis, mordomos, dignidade, primazia, estabilidade, instituições, esteios, destruições, ofício de guerreiros, ofício de condutores de carruagens, soldadesca, principados, grandes reis, ofício dos mestrespoetas, hidromel, generosidade, cerveja, renome, grande fama, prosperidade.
74
O TERCEIRO RAMO DO MABINOGION
MANAWYDDAN, FILHO DE LLYR
75
Introdução
No Terceiro Ramo, Manawyddan casase com Rhiannon, ganhando assim a soberania sobre
Dyfed. O país cai então sob um feitiço que faz todos os habitantes e suas casas desaparecerem,
exceto os principais personagens do conto. Rhiannon e seu filho, Pryderi, entram em um caer
(castelo), talvez uma antiga fortificação de terra, onde encontram uma tigela de ouro ao lado de
uma fonte. Quando tocam a tigela, ambos desaparecem, bem como o caer. Manawyddan
recupera Rhiannon, Pryderi e a terra de Dyfed, capturando a esposa do mágico que causara seu
desaparecimento e ameaçando enforcála caso ele não retirasse seu feitiço.
I O Terceiro Príncipe Humilde. Manawyddan casase com Rhiannon.
uando os sete homens de que falamos acima já
haviam enterrado a cabeça de Bendigeid Fran
no Monte Branco, em Londres, com sua face
voltada para a França, Manawyddan24
contemplou a cidade de Londres e seus
companheiros, soltando um grande suspiro.
Muita tristeza e peso caíram sobre ele.
Ai, Céu TodoPoderoso, ai de mim! ele
exclamou. Não há ninguém, exceto eu mesmo, sem um lugar para descansar
nesta noite.
Senhor disse Pryderi , não fiqueis triste. Vosso primo é rei da Ilha do
Poderoso e, embora possa ter agido mal para convosco, jamais estivestes a
reclamar terras ou posses. Sois o terceiro príncipe humilde desta ilha.
Sim respondeu ele , mas embora esse homem seja meu primo, entristeceme
não ver ninguém no lugar de Bendigeid Fran, meu irmão, nem posso eu estar
feliz na mesma habitação que ele.
Seguireis o conselho de outro homem?
Permaneço necessitando de um conselho respondeu Manawyddan. Qual
seria ele?
Sete províncias continuam sendo minhas disse Pryderi , onde mora
76
Rhiannon, minha mãe. Eu a darei a vós e com ela as sete províncias e, embora
não tenhais posses além dessas províncias somente, jamais poderíeis ter visto
províncias tão belas quanto essas. Cicfa, a filha de Gwynn Gloyw, é minha
esposa e, uma vez que a herança das províncias pertence a mim, que vós e
Rhiannon desfruteis dela e, se jamais desejardes quaisquer domínios, tomareis
esses.
Não desejarei, Príncipe ele disse , o Céu vos recompense por vossa
amizade.
Eu vos demonstraria a melhor amizade do mundo se o permitísseis.
Eu o farei, meu amigo, e o Céu vos recompense. Irei convosco procurar
Rhiannon e ver vossos domínios.
Fareis bem respondeu Pryderi e acredito que jamais escutastes uma dama
falando melhor do que ela. Quando estava no seu auge, ninguém era mais bela.
Ainda agora seu aspecto não é desagradável.
Eles partiram e, conquanto a jornada fosse longa, chegaram por fim a Dyfed.
Uma festa fora preparada por Rhiannon e Cicfa para recebêlos em sua chegada
a Narberth. Manawyddan e Rhiannon então se sentaram juntos e começaram a
conversar e as palavras de Rhiannon inflamaram a mente e os pensamentos
dele. Manawyddan pensou em seu coração que jamais contemplara uma dama
mais cheia de graça e beleza do que ela.
Pryderi ele falou , quero que seja como dissestes.
Que cochicho foi esse? perguntou Rhiannon.
Senhora disse Pryderi , eu vos ofereci como esposa a Manawyddan, filho de
Llyr.
Com esse desejo eu de boa vontade concordo disse Rhiannon.
Muito feliz também estou eu disse Manawyddan. Possa o Céu recompensar
aquele que me mostrou uma amizade tão perfeita quanto essa.
Antes que a festa terminasse, ela se tornou sua noiva. Disse Pryderi:
Permanecei aqui pelo resto da festa. Eu irei a Lloegyr25 prestar minha
homenagem a Caswallawn, o filho de Beli.
77
Senhor falou Rhiannon , Caswallawn está em Kent, podeis assim
permanecer na festa e aguardar até que ele esteja mais próximo.
Esperaremos ele respondeu.
Terminaram então a festa. E começaram a percorrer Dyfed, a caçar e a dedicar
se aos prazeres. Enquanto atravessavam o país, descobriram que nunca tinham
visto terras mais agradáveis nas quais viver, nem melhores campos de caça e
tampouco maior abundãncia de mel e peixes. Era tal a amizade entre aqueles
quatro que não podiam separarse nem à noite, nem durante o dia.
No meio de tudo isso, Pryderi foi encontrar Caswallawn em Oxford e prestar
lhe homenagem. Teve lá uma honrosa recepção e foi altamente louvado por
oferecer sua homenagem.
II O encantamento sobre Dyfed.
Depois de retornar, Pryderi e Manawyddan festejaram, viveram
confortavelmente e dedicaramse aos prazeres. Começaram uma festa em
Narberth, pois era o palácio principal, onde se originava toda honra. Ao
terminarem a primeira refeição daquela noite, enquanto aqueles que os
serviram comiam, eles se ergueram e saíram, dirigindose todos os quatro ao
gorsedd, isto é, o monte de Narberth e seu séquito com eles. Ao sentaremse,
sobreveio um estrondo de trovão com a violência de uma tempestade e caiu
sobre eles uma névoa tão espessa que nenhum deles podia ver o outro. Depois
da névoa, tudo em volta ficou claro outra vez. Quando olharam na direção do
lugar onde antes estavam, não viram gado, rebanhos, moradias, não enxergaram
nada, nem casa, nem animal, nem fumaça, nem fogo, nem homem, nem
habitação, nada além das casas vazias da corte, desertas e desabitadas, sem
qualquer homem ou animal dentro delas. Seus companheiros estavam
verdadeiramente perdidos para eles, sem que estes quatro soubessem qualquer
coisa do que lhes acontecera.
Em nome do Céu gritou Manawyddan , onde estão todos os da corte e todos
78
os meus acompanhantes que estavam ao seu lado? Vamos ir e ver o que
aconteceu.
Assim, eles chegaram ao salão e lá não havia homem algum. Foram ao castelo,
entraram no dormitório e não viram ninguém. Na adega e na cozinha nada
havia além de desolação. Eles quatro então festejaram, caçaram e dedicaramse
aos prazeres. Começaram a viajar pelo país e por todos os domínios que
tinham, visitaram as casas e as habitações e nada acharam além de bestas
selvagens. Como já haviam terminado a festa e consumido todas as suas
provisões, começaram a alimentarse das presas que mataram na caça e do mel
de enxames silvestres. Assim passaram agradavelmente o primeiro ano e o
segundo, mas no último ano começaram a sentirse exaustos.
III A peregrinação dos muitos trabalhos.
Realmente disse Manawyddan , não devemos esperar assim. Vamos para
Lloegyr e procuremos algum ofício pelo qual possamos ganhar nosso sustento.
Foram então para Lloegyr e chegaram até Hereford, onde dedicaramse a fazer
selas. Manawyddan começou também a fazer capas para cavalos. Ele dourouas
e coloriuas com esmalte azul, do mesmo modo que vira ser feito por Llasar
Llaesgywydd. Ele fez o esmalte azul como fora feito por outro homem. Desde
então é ainda chamado Calch Lasar (“esmalte azul”), porque Llasar
Laesgywydd o forjara.
Durante todo o tempo em que esse trabalho pôde ser feito por Manawyddan,
nenhuma sela ou capa foi comprada de qualquer outro seleiro em toda a
Hereford. Até que, por fim, cada um dos seleiros percebeu que estavam
perdendo muito do seu ganho e que homem algum comprava deles além
daquele que não podia obter de Manawyddan o que procurava. Reuniramse
então e concordaram em matálo e a seus companheiros.
Eles, no entanto, foram avisados a esse respeito e deliberaram para decidir se
deixariam a cidade.
Pelo Céu disse Pryderi , não sou da opinião de que abandonemos a cidade,
79
mas sim de que matemos esses campônios.
Discordo disse Manawyddan , pois, se lutarmos com eles, adquiriremos má
fama e seremos jogados à prisão. Seria melhor para nós irmos buscar o sustento
em outra cidade.
Que ofício exerceremos? disse Pryderi.
Fabricaremos escudos respondeu Manawyddan.
Sabemos algo sobre esse trabalho?
Tentaremos.
Começaram então a fazer escudos, moldandoos de acordo com os melhores
que já tinham visto. Esmaltaramnos como haviam feito com as selas. Eles
prosperaram naquele lugar, a ponto de escudo algum ser encomendado na
cidade além daqueles que eles mesmos fabricavam. Porém, terminaram
marcados pelos artesãos, que se reuniram apressadamente trazendo consigo
seus concidadãos e todos concordaram em que deveriam procurar um meio de
matálos. Mas eles foram avisados e souberam como os homens haviam
decidido destruílos.
Pryderi disse Manawyddan , esses homens querem nos matar.
Não suportemos tal ameaça da parte desses campônios. Caiamos sobre eles e
matêmolos!
Discordo. respondeu Manawyddan. Caswallawn e seus homens poderiam
ouvir falar sobre isso e nós seríamos arrasados. Partamos para outra cidade.
Assim, para outra cidade eles foram.
Que ofício exerceremos? disse Manawyddan.
Qualquer um que desejeis e nós conheçamos respondeu Pryderi.
Discordo ele replicou. Vamos fazer sapatos, pois não há coragem
suficiente entre os sapateiros nem para lutar conosco, nem para molestarnos.
Nada sei sobre esse ofício Pryderi comentou.
Mas eu sei e irei ensinarte a costurar. Não tentaremos preparar o couro, mas
o compraremos pronto e com ele faremos os sapatos.
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Assim, eles começaram comprando o melhor couro que havia na cidade e ele
não comprou senão o couro para as solas. Associouse ao melhor ourives da
cidade, ordenoulhe que fizesse fechos para os sapatos e os dourasse. Ele
observou como era feito até aprender o processo e, desde então, foi chamado de
um dos "três sapateiros de ouro". E, à medida em que podiam ser obtidos dele,
nenhum sapato ou meia era comprado dos sapateiros da cidade. Porém, quando
os sapateiros perceberam que seus ganhos estavam caindo (pois enquanto
Manawyddan dava forma ao trabalho, Pryderi o costurava), eles reuniramse e
deliberaram e concordaram que haveriam de matálos.
Pryderi disse Manawyddan , esses homens tencionam matarnos.
De modo que devemos então suportar isso desses ladrões grosseiros?
Pryderi exclamou. É preferível matálos a todos!
Discordo. Não os mataremos, nem tampouco permaneceremos mais tempo
em Lloegyr. Partamos para Dyfed e vejamos como se encontra.
Eles então viajaram até chegar a Dyfed e foram em direção a Narberth. Lá
acenderam o fogo e sustentaramse caçando. Assim passaram um mês.
Reuniram seus cachorros ao seu redor e lá permaneceram por um ano.
IV O castelo encantado. Pryderi e Rhiannon desaparecem.
Certa manhã, Pryderi e Manawyddan levantaramse para caçar. Eles juntaram
os cães e saíram do palácio. Alguns dos mastins correram à frente deles e
chegaram a um pequeno arbusto que estava bem próximo. Entretanto, tão logo
haviam chegado ao arbusto, retrocederam depressa, seu pelo fortemente
eriçado.
Aproximemonos do arbusto disse Pryderi e vejamos o que está lá.
Assim que chegaram perto, um javali selvagem puramente branco surgiu de
dentro do arbusto. Os homens então açularam os mastins, que investiram contra
o javali. Este, porém, deixou o arbusto e recuou, ficando um pouco mais longe
dos caçadores. Ele resistiu aos cachorros sem fugir deles até que os homens se
acercassem. Quando Pryderi e Manawyddan chegaram, o javali retrocedeu uma
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segunda vez e preferiu fugir. Eles então o perseguiram até enxergarem um
vasto e imponente castelo, todo recentemente construído, num lugar onde
nunca antes tinham visto uma pedra ou construção. O javali correu rapidamente
para dentro do castelo e os cães foram atrás dele. Quando o javali e os cães já
haviam desaparecido dentro do castelo, Pryderi e Manawyddan começaram a
maravilharse por encontrarem um castelo num local onde jamais tinham visto
qualquer espécie de edificação. Do alto da gorsedd eles olharam e tentaram
escutar os cachorros, mas durante todo o tempo que lá estiveram, nada ouviram
dos cães, nem puderam saber coisa alguma a seu respeito.
Senhor disse Pryderi , eu vou entra no castelo para ter notícias dos
cachorros.
Na verdade replicou Manawyddan , seríeis tolo em entrar nesse castelo que
nunca antes vistes. Se seguirdes meu conselho, não entrareis lá. Quem quer que
tenha sido o responsável pelo feitiço que caiu sobre esta terra também fez com
que esse castelo aparecesse aqui.
Realmente, mas ainda assim não posso abandonar meus cães.
Quando entrou no castelo, não viu lá nem homem, nem besta, nem javali, nem
cães, nem casa, nem habitação. Mas no centro do pavimento do castelo ele
contemplou uma fonte com mármore trabalhado ao seu redor. Havia na borda
da fonte uma tigela de ouro sobre uma placa de mármore e correntes que
pendiam do ar, das quais ele não conseguia discernir o fim.
Agradaramno grandemente a beleza do ouro e o rico artesanato da tigela. Ele
avançou para o precioso objeto e segurouo. Ao agarrar a tigela, suas mãos
ficaram presas, bem como seus pés prenderamse à placa acima da qual estava
colocada a tigela. Toda a sua alegria o abandonou para que ele não pudesse
proferir sequer uma palavra. E Pryderi ficou ali, imóvel.
Manawyddan esperou por ele até perto do fim do dia. Já era bem tarde quando,
estando certo de que não teria novas de Pryderi ou dos cães, Manawyddan
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retornou ao palácio. Assim que entrou, Rhiannon olhou para ele.
Onde disse ela estão vosso companheiro e vossos cães?
Vede que aventura respondeu Manawyddan ocorreu comigo.
E contoulhe tudo.
Fostes um mau companheiro Rhiannon acusouo e um companheiro bom
haveis perdido.
Com essas palavras, ela saiu e seguiu rumo ao castelo, de acordo com a direção
que ele lhe indicara. O portão do castelo, encontrouo aberto. Ela não estava
nada assustada e entrou. Tão logo pôs os pés dentro do castelo, percebeu
Pryderi segurando a tigela e dirigiuse até ele.
Ó meu senhor ela disse , que estais fazendo aqui?
Ela agarrou a tigela com ele e, assim que o fez, suas mãos prenderamse à
tigela e seus pés, à placa. Ficou também incapaz de dizer uma só palavra.
Anoiteceu então e um trovão se fez ouvir. Uma névoa caiu sobre eles e o
castelo desapareceu, levando Rhiannon e Pryderi.
V A segunda viagem para Lloegyr.
Quando Cicfa, a filha de Gwynn Gloyw, viu que no palácio não havia ninguém
além dela mesma e de Manawyddan, entristeceuse tanto que não lhe
interessava mais se iria viver ou morrer. Percebeuo Manawyddan:
Estais enganada disse ele se é por medo de mim que vos entristeceis.
Chamo o Céu como testemunha de que jamais vistes amizade mais pura do que
esta que terei para convosco enquanto o Céu desejar que estejais assim.
Declarovos que, estivesse eu na aurora da minha juventude, ainda assim
manteria minha lealdade para com Pryderi e hei de mantêla também para
convosco. Portanto, não tenhais medo de mim. Tomo o Céu como testemunha
de que encontrareis em mim toda a amizade que puderdes desejar e que estiver
em meu poder mostrarvos, durante todo o tempo em que agradar ao Céu
prolongar nossa tristeza e aflição.
O Céu vos recompense ela disse , era esse o julgamento que eu fazia de vós.
A jovem dama tomou então coragem e ficou mais alegre.
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Na verdade, senhora falou Manawyddan , não é adequado para nós
ficarmos aqui, pois perdemos nossos cães e não podemos conseguir comida.
Partamos para Lloegyr, será mais fácil encontrarmos sustento lá.
Com satisfação, senhor Cicfa respondeu , é assim que faremos.
Senhor ela perguntou , qual carreira seguireis? Escolhei uma que seja
decente.
Nenhuma outra escolherei ele respondeu senão a de fabricar sapatos, como
fiz anteriormente. Senhor, tal ofício não é adequado para um homem de
nascimento tão nobre quanto vós.
Entretanto, irei conformarme com isso.
Ele começou então a exercer seu ofício e fez todo seu trabalho com o melhor
couro que pôde obter na cidade. Como havia feito no outro lugar, mandou que
fechos de ouro fossem fabricados para os sapatos. Exceto ele mesmo, todos os
sapateiros da cidade ficaram desocupados, sem trabalho. Pois, enquanto
podiam obtêlos de Manawyddan, nenhum sapato ou meia eram comprados de
qualquer outro. Assim permaneceram por um ano, até que os sapateiros
tornaramse invejosos e reuniramse para decidir o que fazer em relação a ele.
Mas Manawyddan foi avisado disso e contaramlhe que os sapateiros haviam
concordado em juntarse para matálo.
Portanto, senhor exclamou Cicfa , devemos suportar isso desses
campônios?
Não,voltaremos para Dyfed.
Assim, rumo a Dyfed eles partiram.
VI Retorno a Dyfed. As três plantações e o assalto dos ratos.
Manawyddan, ao iniciar a viagem de retorno a Dyfed, levou consigo um fardo
de trigo. Ele prosseguiu em direção a Narberth e lá habitou. Nunca esteve ele
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mais feliz do que ao ver Narberth outra vez e as terras onde se acostumara a
caçar com Pryderi e Rhiannon. Ele habituouse a pescar e caçar em suas terras.
Manawyddan começou a preparar um terreno e semeou uma plantação e uma
segunda e uma terceira. Trigo algum no mundo jamais brotou melhor. E as três
plantações prosperaram com perfeito crescimento e nunca homem algum viu
um trigal tão belo quanto esse.
Passaramse as estações do ano até que a colheita chegou. Ele foi olhar uma de
suas lavouras e viu que estava madura.
Vou ceifar isto amanhã ele disse.
Naquela noite ele voltou a Narberth e pela manhã bem cedo, com a chegada da
aurora, ele foi ceifar a plantação. Ao chegar lá, nada encontrou além da palha
nua. Cada uma das espigas de trigo fora cortada da haste. Todas as espigas
haviam sido levadas embora, não restando nada além da palha. E com isso ele
ficou grandemente espantado.
Ele foi então examinar outro trigal e viu que também estava maduro.
Certamente disse ele , este eu virei ceifar amanhã.
E pela manhã ele veio com a intenção de ceifálo. Ao chegar lá, nada encontrou
além da palha nua.
Ó Céu cheio de graças ele exclamou , eu sei que aquele que começou minha
ruína está completandoa e também destruiu o país comigo.
Ele foi então examinar a terceira plantação e, quando chegou lá, encontrou um
trigo melhor do que jamais fora visto e também este estava maduro.
Que o mal me castigue disse ele se eu não vigiar aqui esta noite. Quem
quer que tenha levado os outros grãos virá da mesma maneira para carregar
estes. E eu descobrirei quem é. Assim, ele apanhou suas armas e começou a
vigiar a lavoura. Ele contara a Cicfa tudo que havia acontecido.
Na verdade ela perguntou , que pensais fazer?
Vigiarei a plantação esta noite.
85
Ele foi vigiar o trigal. À meianoite, então, surgiu o maior tumulto do mundo.
Ele olhou e viu a maior multidão de ratos do mundo, tão grande que não
poderia ser contada nem medida. Ele não soube o que era até que os ratos
abriram caminho pela plantação; cada um deles subia pela haste e dobravaa
com seu peso, cortava as espigas de trigo e levavaas embora, deixando apenas
a palha. Manawyddan viu que não havia uma só haste sem um rato pendurado
nela. Todos eles seguiam seu caminho, carregando as espigas consigo.
Com ira e fúria ele correu para os ratos, mas não pôde aproximarse deles mais
do que se fossem mosquitos ou pássaros no ar, exceto por um só que, embora
lento, ia tão depressa que um homem a pé dificilmente poderia alcançálo. Ele
correu atrás desse, apanhouo e colocouo em sua luva, amarrando a abertura
com uma corda e levandoo consigo ao retornar ao palácio. Ele então chegou ao
salão onde Cicfa estava e acendeu um fogo. Ele pendurou a luva pela corda em
um gancho na parede.
Que tendes aí, senhor? Cicfa quis saber.
Um ladrão respondeu Manawyddan que encontrei roubandome.
Que tipo de ladrão poderia ser, meu senhor, que podeis colocálo dentro de
vossa luva?
Já vos direi.
Manawyddan mostroulhe então como seus campos tinham sido devastados e
destruídos e como os ratos tinham vindo ao último dos campos bem sob seus
olhos.
E um deles era menos ágil que os demais e está agora em minha luva.
Enforcáloei amanhã e, pelo Céu, se a todos eu tivesse, a todos eu enforcaria.
Meu senhor ela disse , isso é espantoso, mas ainda assim seria impróprio
para um homem da vossa dignidade ser visto a enforcar um ser repugnante
como esse. E, se agirdes bem, não vos ocupareis dessa criatura, mas deixareis
que se vá.
A aflição recaia sobre mim se, podendo pegálos, eu não os enforcasse a
todos. Mas este único que tenho, irei enforcálo.
Na verdade, senhor, não há razão pela qual eu socorreria esse verme, além de
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impedir que o descrédito recaia sobre vós. Fazei portanto, senhor, como
quiserdes.
Soubesse eu de qualquer razão no mundo por que o devêsseis socorrer, eu
aceitaria vosso conselho em relação a esse assunto. Mas como não conheço
nenhuma, senhora, estou decidido a destruílo.
Fazeio então de boamente disse ela.
VII Libertai o rato!
Então ele foi para o gorsedd de Narberth levando o rato consigo. Ele montou
duas forquilhas na parte mais alta do gorsedd. Enquanto fazia isso, viu um
sábio vindo em sua direção, em velhas, pobres e esfarrapadas vestimentas. Há
sete anos Manawyddan não via naquele lugar nem homem, nem animal,
ninguém além daquelas quatro pessoas que haviam permanecido juntas até se
perderem duas delas.
Meu senhor disse o sábio , um bom dia para vós.
O Céu vos faça prosperar e minha saudação para vós. De onde vindes, ó
sábio? perguntou Manawyddan.
Eu venho de Lloegyr, onde estive cantando. Por quê o perguntais?
Porque nos últimos sete anos não vi homem algum por aqui, exceto quatro
segregados e vós mesmo, neste momento.
Na verdade, senhor, atravesso esta terra para chegar à minha própria. E que
trabalho estais fazendo, senhor?
Estou enforcando um ladrão que apanhei a roubarme.
Que tipo de ladrão é esse? perguntou o sábio. Vejo em vossa mão uma
criatura semelhante a um rato e parece muito impróprio para um homem da
vossa posição tocar um ser assim tão asqueroso como esse. Deixai que se vá em
liberdade.
Não o deixarei partir, pelo Céu! exclamou Manawyddan. Eu o peguei
roubandome e o destino de um ladrão eu hei de infligirlhe. Irei enforcálo.
Senhor disse ele , antes de ver um homem da vossa posição fazendo um
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trabalho como esse, prefiro darvos uma libra que recebi como gratificação para
que deixeis o animal partir livre.
Eu não o deixarei partir, pelo Céu, e tampouco o venderei!
Como o quiserdes, senhor. Exceto pelo fato de que eu não desejaria ver um
homem de posição igual à vossa tocando um animal como esse, eu não me
importo absolutamente.
E o sábio seguiu seu caminho.
Enquanto ele estava colocando a trave sobre as duas forquilhas, um sacerdote
veio em sua direção montado num cavalo coberto com arreios.
Um bom dia para vós, senhor disse ele.
O Céu vos faça prosperar Manawyddan respondeu ; vossa benção.
A benção do Céu esteja convosco. E o que, senhor, estais fazendo?
Estou enforcando um ladrão que apanhei a roubarme.
Que tipo de ladrão, senhor?
Uma criatura em forma de rato. Esteve me roubando e vou infligirlhe o
destino de um ladrão.
Senhor, antes de vervos tocando esse asqueroso, eu preferiria comprarlhe a
liberdade.
Pela minha confissão do Céu, não irei vendêlo nem tampouco libertálo.
É verdade, senhor, que não é nada digno de se comprar, mas, a ver que vos
estais sujando por tocardes nessa criatura repulsiva, prefiro darvos três libras
para que o deixeis ir.
Pelo Céu, eu não aceitarei qualquer valor por ele. Será enforcado como deve
ser.
De boa vontade, senhor, fazei o que vos der satisfação.
E o sacerdote seguiu seu caminho.
Manawyddan então passou o laço pelo pescoço do rato e, quando estava a
ponto de enforcálo, viu a comitiva de um bispo, com seus cavalos de aparato e
servidores. E o próprio bispo foi em sua direção. Manawyddan parou o que
estava fazendo.
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Senhor Bispo, vossa benção.
A benção do Céu esteja convosco. Que trabalho estais fazendo?
Enforcando um ladrão que apanhei a roubarme.
Isso que vejo em vossa mão não é um rato?
Sim. E me roubou.
Uma vez que cheguei na hora de sua condenação, vou resgatálo de vós. Dar
vosei sete libras por ele, o que é preferível a ver um homem de posição igual à
vossa destruindo uma criatura repugnante tão vil quanto essa. Deixaio partir e
tereis o dinheiro.
Ao Céu declaro que não o deixarei partir!
Se não o quereis libertar por essa quantia, darvosei vinte e quatro libras em
dinheiro vivo para que o solteis.
Não o libertarei por quantia alguma, pelo Céu!
Se não o quereis libertar pelo que já vos ofereci, darvosei todos os cavalos
que vedes nesta planície e as sete cargas da minha bagagem e os sete cavalos
sobre os quais estão.
Pelo Céu, não o aceitarei Manawyddan replicou.
Uma vez que não o quereis libertar por tudo que já vos ofereci, dizei qual é
vosso preço.
É o que farei. Quero que Rhiannon e Pryderi sejam libertados.
Isso obtereis.
Ainda assim, pelo Céu, não libertarei esse rato.
Então que mais quereis?
Que o feitiço e a ilusão sejam removidos das Sete Províncias de Dyfed.
Isso também obtereis. Deixai, portanto, que o rato parta livre.
VIII Llwyd. Pryderi e Rhiannon são libertados.
Pelo Céu que não o libertarei. Devo saber quem é esse rato.
É minha esposa.
Ainda mesmo que o seja, não a libertarei. Por que ela veio até mim?
Para despojarvos. Eu sou Llwyd, filho de Cilcoed, e lancei o encantamento
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sobre as Sete Províncias de Dyfed. E foi para vingar Gwawl, filho de Clud, pela
amizade que lhe dedicava, que lancei o encantamento. Em Pryderi eu vinguei
Gwawl, filho de Clud, pelo jogo do "Texugo na Bolsa", que Pwyll Pen Annwn
precipitadamente jogou com ele na corte de Hefeydd Hen. E, quando se soube
que havíeis chegado para viver nesta terra, todos os de minha casa vieram e
imploraramme que os transformasse em ratos para que pudessem destruir
vossos grãos. Foram esses mesmos que vieram na primeira noite, bem como na
segunda, e destruíram vossas duas plantações. Na terceira noite, vieram a mim
minha esposa e as damas da Corte, suplicaramme que as transformasse e assim
eu fiz. Porém, ela está grávida. Não fosse isso e vós não poderíeis têla
apanhado. No entanto, uma vez que aconteceu e ela foi presa, irei devolvervos
Pryderi e Rhiannon. Retirarei também o feitiço e a ilusão de Dyfed. Agora já
vos contei quem ela é. Deixai, pois, que se vá.
Não a libertarei, pelo Céu.
O que mais quereis?
Vede o que devo ter: a promessa de que nunca vos vingareis por isto, seja
sobre Pryderi, Rhiannon ou sobre mim mesmo.
Tudo obtereis. Na verdade, agistes com sabedoria ao pedílo, pois sobre vossa
cabeça poderia ter recaído todo esse problema.
Sim, foi por receio de que assim ocorresse que fiz tal pedido.
Dai agora a liberdade a minha esposa.
Não o farei, pelo Céu, até que veja Pryderi e Rhiannon livres comigo.
Vede, ali vêm eles respondeu Llwyd.
Imediatamente surgiram Pryderi e Rhiannon. Manawyddan ergueuse para
encontrálos, saudouos e sentouse a seu lado.
Ah, príncipe, deixai agora que parta minha esposa disse o bispo. Já não
recebestes tudo quanto pedistes?
Alegremente a libertarei.
E no mesmo instante soltoua.
Llwyd então a tocou com uma vara mágica e ela transformouse numa jovem, a
90
mais bela jamais vista.
Olhai ao vosso redor e vereis vossa terra toda cultivada e povoada, como
esteve em seus melhores dias.
Manawyddan ergueuse e olhou em volta. Viu todas as terras cultivadas e
cheias de rebanhos e habitações.
Qual servidão ele perguntou foi imposta a Pryderi e Rhiannon?
Pryderi teve as aldravas do portão do meu palácio sobre seu pescoço e
Rhiannon usou a coleira dos burros depois que passaram a carregar feno em
seus pescoços. Essa a servidão que lhes foi imposta.
Em vista de tal servidão, esta história é chamada O Mabinogi de Mynnweir
(“Coleira”) e Mynord (“Martelo”).
E assim termina esta parte do Mabinogion.
NOTAS AO TERCEIRO RAMO
24 Manawyddan, filho de Llyr
Na origem,um deus do mar que corresponde ao irlandês Mánannan mac Lir, o
príncipe que figura como herói do presente mabinogi é objeto de duas tríades,
numa das quais se faz alusão a suas singulares aventuras:
Três Fabricantes de Sapatos de Ouro da Ilha da GrãBretanha: Caswallawn, filho de Beli, quando ele foi à Gasconha para obter Fflur, filha de Mygnach Gorr, que para lá fora levada para Caesar, o Imperador, por um homem chamado Mwrchan, o Ladrão, rei daquele país e amigo de Iulius Caesar, e Caswallawn trouxea de volta à Ilha da GrãBretanha; Manawyddan, filho de Llyr Llediaith, quando estava em Dyfed impondo restrições; Llew Llaw Gyffes, filho de Dôn, procurando obter um nome e armas de Arianrhod, sua mãe.
91
Na outra, ele é apresentado como um dos príncipes humildes da ilha, pois,
tendo cultivado a arte dos menestréis após o cativeiro com seu irmão Bran em
Roma, ele não retomaria sua posição mais tarde, embora pudesse fazêlo
(“Tríades Galesas”, tríade 8, Peniarth MS 54):
Três Príncipes Humildes da Ilha da GrãBretanha: Llywarch Hen, filho de Elidyr Lydanwyn e Manawydan filho de Llyr Lledyeith e Gwgawn Gwrawn, filho de Peredur, filho de Eliffer Gosgordfaur.
Os outros principais personagens cujos nomes surgem neste mabinogi são aqui
passados em silêncio, pois já foram objeto de notas precedentes.
25 Lloegyr
É o nome galês para a parte oriental e maior da ilha; corresponde, no uso
moderno, à palavra Inglaterra. Na lenda arturiana, o nome também aparece
como Loegres ou Logres, de Locrinus, filho mais velho do príncipe Brutus, o
bisneto do troiano Enéias. Brutus acidentalmente matou seu pai e fugiu da Iália
para a Grécia, sendo ali reconhecido como líder dos troianos escravizados. Ele
então os conduziu para fora da Grécia, e, tendo sido instruído pela deusa Diana
enquanto dormia em seu templo, navegou para a GrãBretanha e fundou uma
segunda Tróia, Tróia Nova (Trinouantum), nas margens do Tâmisa. Ele
derrotou um exército de gigantes e acorrentou seus líderes, Gog e Magog, para
que fossem seus porteiros. O mítico Brutus é lembrado como ancestral dos
britanos. Locrinus governou a região que, mais tarde, levou seu nome.
92
O QUARTO RAMO DO MABINOGION
MATH, FILHO DE MATHONWY
Introdução
O Quarto Ramo conta como o mago Gwydion ("Selvagem?") e seu irmão, Gilfaethwy, usam as
artes mágicas para obter de Pryderi os porcos do Outro Mundo que o Senhor de Annwn lhe
enviara. Pryderi persegueos através de Gales até ser morto por Gwydion. Gilfaethwy viola
Goewin, donzela que serve de escabelo a Math ("Riqueza" ou "Tesouro"), senhor de Gwynedd,
93
no norte de Gales. O escabelo de Math deve ser uma virgem. Goewin conta a Math o que
aconteceu e diz que ele deve procurar outra para ocupar seu lugar. Mah escolhe Arianrhod
("Roda de Prata"), que demonstra não ser mais virgem dando à luz filhos gêmeos, Llew Llaw
Gyffes ("Leão da Mão Firme") e Dylan ap Ton ("Oceano, Filho da Onda). O ciclo de histórias
ligado a Llew inclui seu casamento com uma noiva magicamente criada, Blodeuwedd ("Rosto
de Flor"), sua morte e renascimento, terminando com sua chegada ao trono de Gwynedd. Tais
eventos são dirigidos ou criados por Gwydion, quase do mesmo modo que Merlin guiará a vida
do jovem Arthur nos romances posteriores.
I A paixão de Gilfaethwy.
ath26, filho de Mathonwy, era o
senhor de Gwynedd e Pryderi, o
filho de Pwyll, era o senhor das
vinte e uma Províncias do Sul.
Estas eram as sete províncias de
Dyfed, as sete províncias de
Morganwc, as quatro províncias de Ceredigiawn e as três de Ystrad Tywi.
Naquele tempo, Math, o filho de Mathonwy, não podia existir a não ser que
seus pés estivessem no colo de uma donzela, exceto quando se estivesse
preparando para o tumulto da guerra. A donzela que estava com ele era
Goewin27, filha de Pebin de Dol Pebin, em Arfon, e ela era, entre as donzelas
conhecidas por lá, a mais bela de sua época.
Math sempre habitou em Caer Dathyl28, em Arfon. Ele não era capaz de
percorrer o país, mas Gilfaethwy, o filho de Don, e Eneyd, o filho de Don, seus
sobrinhos, os filhos de sua irmã, juntamente com seus domésticos, percorriam o
país em seu lugar.
A donzela estava continuamente com Math e a afeição de Gilfaethwy, o filho
de Don, recaiu sobre ela. Ele amoua tanto que não sabia mais o que fazer por
causa dela e logo sua cor, seu aspecto e seu ânimo mudaram por amor a ela, de
94
sorte que não era fácil reconhecêlo.
Um dia, seu irmão Gwydion olhouo firmemente.
Jovem ele disse , o que te incomoda?
Por quê? replicou o outro. Que vês em mim?
Vejo que perdeste teu aspecto e tua cor. Portanto, o que te incomoda?
Meu senhor irmão, o que me incomoda, não me serviria confessálo a quem
quer que fosse.
Mas que poderia ser, minha alma?
Tu sabes que Math, o filho de Mathonwy, é dono desta propriedade; que, se
homens sussurrarem juntos, ainda que em tom muito baixo, se o vento os
encontrar, ele ficará sabendo.
Sim, mantém tua paz, conheço teu intento. Tu amas Goewin.
Quando viu que seu irmão conhecia seu desejo, Gilfaethwy soltou o mais
profundo suspiro do mundo.
Fica em silêncio, minha alma, e não suspires falou Gwydion. Não é assim
que terás sucesso. Provocarei, se não puder ser de outro modo, um levante de
Gwynedd, Powys e Deheubarth para conseguir a donzela. Que a partir de agora
fique melhor o teu ânimo e eu farei os planos.
Assim, eles foram até Math, o filho de Mathonwy.
Senhor Gwydion disse , ouvi dizer que chegaram ao sul certos animais
como nunca antes foram conhecidos nesta ilha.
Como se chamam? o rei perguntou.
Porcos, senhor.
E que tipo de animais são?
São animais pequenos e sua carne é melhor que a dos bois.
Então eles são pequenos?
E mudam seus nomes. Agora são chamados suínos.
Quem é o dono deles?
Pryderi, o filho de Pwyll. Os animais foramlhe enviados de Annwn por
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Arawn, o rei de Annwn, e ainda mantêm aquele nome, meio pântano, meio
porco.
Realmente, de que modo podemos obtêlos de Pryderi?
Eu irei, senhor, como um dentre doze sob o disfarce de bardos, procurar os
porcos.
Mas pode ser que ele os recuse a ti.
Minha viagem não será infrutífera, senhor. Não voltarei sem os suínos.
II Na corte de Pryderi. A magia de Gwydion.
Ele e Gilfaethwy partiram e com eles outros dez homens. Eles chegaram a
Ceredigiawn, ao lugar agora chamado Rhuaddlan Teifi, onde ficava o palácio
de Pryderi. Sob o disfarce de bardos eles chegaram. Foram alegremente
recebidos e Gwydion foi acomodado ao lado de Pryderi naquela noite.
De verdade disse Pryderi , eu ficaria muito feliz em ouvir uma história de
algum dos vossos homens.
Senhor falou Gwydion , temos um costume pelo qual, na primeira noite em
que chegamos à corte de um grande homem, quem recita é o chefe da canção.
Assim, com toda a boa vontade, eu contarei uma história.
Gwydion era o melhor contador de histórias do mundo. Naquela noite, ele
divertiu a corte com um discurso agradável e contos, de tal maneira que
encantou a cada um na corte e conversar com ele deu grande prazer a Pryderi.
Depois disso:
Senhor ele disse a Pryderi , seria mais agradável para vós que um outro
cumprisse minha missão em relação a vós do que se eu mesmo vos dissesse o
que é?
Não respondeu Pryderi , podeis falar livremente.
Vede então, senhor, esta é a minha missão: obter de vós os animais que vos
foram enviados de Annwn.
Realmente, seria a coisa mais fácil de conceder, não houvesse um acordo
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entre mim e minha terra a respeito deles. O acordo é que não posso desfazerme
deles até que tenham produzido o dobro do seu número.
Senhor, eu posso liberarvos de vossas palavras e este é o meio pelo qual eu o
farei: não me deis os suínos nesta noite, nem os recuseis a mim e amanhã de
manhã vos mostrarei uma troca por eles.
Gwydion e seus companheiros foram para o alojamento e deliberaram:
Ah, meus homens, com o pedido que fiz não obteremos os suínos.
Bem, como podem os animais ser conseguidos?
Eu farei com que os obtenhamos disse Gwydion.
Ele recorreu a suas artes e começou a trabalhar um encantamento. Fez com que
doze cavalos aparecessem e doze galgos, cada um deles com o peito branco e
tendo doze coleiras e doze correias que ninguém diria que fossem feitas de
outra coisa que não ouro. Sobre os cavalos havia doze selas e cada uma das
partes que deveria ser de ferro era inteiramente de ouro. As rédeas eram feitas
do mesmo artesanato. Com os cavalos e os cães ele foi até Pryderi.
Bom dia para vós, senhor ele disse.
O Céu vos faça prosperar e saudações para vós.
Senhor, eis para vós a libertação da palavra que dissestes na noite de ontem
sobre os suínos: que não os poderíeis dar, nem vender. Podeis trocálos pelo
que é melhor. Eu darei estes doze cavalos, todos ajaezados como estão, com
suas selas e suas rédeas e os doze galgos, com suas coleiras e correias e ainda
os doze escudos dourados que ali vedes.
Esses escudos ele formara com um fungo.
Bem disse Pryderi , vou aconselharme a esse respeito.
Eles deliberaram e decidiram dar os suínos a Gwydion, ficando com seus
cavalos, cães e escudos.
III A fuga de Gwydion. Preparase a batalha entre Gwynedd e Dyfed.
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Então Gwydion e seus homens pediramlhes licença e partiram com os porcos.
Ah, meus companheiros disse Gwydion , é necessário viajarmos com
rapidez. A ilusão não vai durar uma hora além deste mesmo horário amanhã.
Naquela noite, eles viajaram até a parte superior de Ceredigiawn, até o lugar
que, por essa razão, é ainda chamado Mochdref29. No dia seguinte, coninuaram
seu caminho através de Elenydd e, quando anoiteceu, chegaram à cidade que,
por esse motivo, também se chama Mochdref, entre Ceri e Arwystli. Então
foram adiante e, à noite, alcançaram aquele distrito em Powys que passou assim
a ser chamado Mochnant, onde pernoitaram. Eles viajaram para a província de
Rhos e o lugar onde permaneceram à noite é ainda chamado Mochdref.
Meus homens disse Gwydion , devemos prosseguir para a segurança de
Gwynedd com estes animais, pois há uma reunião de exércitos perseguindo
nos.
Eles viajaram para a maior cidade de Arllechwedd. Lá fizeram um chiqueiro
para os suínos e, por isso, o nome de Creuwyryon foi dado àquela cidade.
Depois de fazer o chiqueiro para os suínos, eles foram até Math, o filho de
Mathonwy, em Caer Dathyl. Quando chegaram lá, estava havendo uma
mobilização no país.
Que novas há por aqui? perguntaram eles.
Pryderi está reunindo vinte e uma províncias para perseguirvos
responderamlhes. É surpreendente que tenhais viajado tão lentamente.
Onde estão os animais em busca dos quais fostes? quis saber Math.
Construiuse um chiqueiro para eles numa outra província.
Logo depois, eles ouviram as trombetas e o exército no país. Colocaramse em
ordem, partiram e chegaram a Penardd, em Arfon.
IV Gilfaethwy viola Goewin.
À noite, o filho de Don e Gilfaethwy, seu irmão, retornaram a Caer Dathyl.
Gilfaethwy tomou o divã de Math, filho de Mathonwy. Enquanto ele, sem a
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menor cortesia, botava para fora da sala as outras donzelas, obrigava Goewin a
permanecer contra sua vontade.
Pela manhã, assim que viram o dia, eles voltaram ao lugar onde estava Math, o
filho de Mathonwy, com seu exército. Quando chegaram lá, os guerreiros
estavam deliberando sobre a localidade em que deveriam esperar a chegada de
Pryderi e dos homens do sul. Eles foram para o conselho e resolveuse aguardá
los nas fortalezas de Gwynedd, em Arfon. Dentro de dois fortes eles se
posicionaram, Maenor Penardd e Maenor Coed Alun30. Lá Pryderi atacouos e
teve lugar o combate. Grande foi a matança em ambos os lados, mas os homens
do sul foram forçados a fugir. Eles fugiram para o local que é agora chamado
Nant Call. Até lá os homens de Gwynedd os seguiram e fizeram uma vasta
matança entre os do sul, que novamente fugiram, indo para o lugar chamado
Dol Pen Maen. Ali os homens de Dyfed se detiveram e pediram para fazer a
paz.
V A paz entre Gwynedd e Dyfed. A morte de Pryderi.
Para que pudesse ter paz, Pryderi deu como reféns a Gwrgi Gwastra e a vinte e
três outros, filhos de nobres. Depois disso, eles viajaram em paz até Traeth
Mawr. Contudo, enquanto seguiam juntos para Melenryd, os homens que iam a
pé não podiam ser impedidos de disparar flechas. Pryderi despachou uma
embaixada para Math, a fim de pedirlhe que proibisse seu povo de lutar e
deixasse a questão ser resolvida entre ele e Gwydion, filho de Don31, pois fora
este o provocador da contenda. E os mensageiros chegaram a Math.
Chamo o Céu como testemunha de que, se isso for agradável a Gwydion,
filho de Don, eu de boa vontade permitirei que assim seja. Jamais compelirei
quem quer que seja a lutar, a não ser que nós mesmos estejamos dispostos a dar
o melhor de nós.
Realmente disseram os mensageiros a Gwydion , Pryderi disse que seria
mais justo que o homem que lhe causou esse dano opusesse seu próprio corpo
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ao dele, deixando que o povo de Dyfed ficasse incólume.
Declaro ao Céu que não pedirei ao povo de Gwynedd para lutar por minha
causa. Se for posível que eu mesmo lute com Pryderi, prazerosamente oporei
meu corpo ao dele.
Essa resposta levaram de volta a Pryderi, que disse:
A ninguém mais, senão a mim mesmo, pedirei que lute por meus direitos.
Esses dois então chegaram ao local combinado, armaramse e combateram.
Graças à força, à ferocidade e pela magia e encantamentos de Gwydion, Pryderi
foi morto. Enterraramno em Maen Tyriawc, acima de Melenryd, e lá está sua
sepultura.
Tristes, os homens do sul voltaram para sua própria terra. Não era de causar
espanto que estivessem pesarosos, vendo que haviam perdido seu senhor,
muitos de seus melhores guerreiros e a maior parte de seus cavalos e armas.
Cheios de alegria e triunfantes voltaram os homens de Gwynedd.
Senhor disse Gwydion a Math , não seria adequado para nós que
soltássemos os reféns que nos foram dados pelos homens do sul como garantia
de paz? Pois não devemos jogálos na prisão.
Deixa então que sejam libertados concordou o rei.
Assim, aquele jovem e os outros reféns que estavam com ele foram libertados
para seguir os homens do sul.
VI Math toma Goewin como esposa. A punição de Gwydion e Gilfaethwy.
O próprio Math foi adiante para Caer Dathyl. Gilfaethwy, filho de Don, e todo
o pessoal da casa que estava com ele foram percorrer Gwynedd, como estavam
habituados, sem retornarem à corte. Math foi diretamente para sua câmara e
ordenou que um lugar lhe fosse preparado para reclinarse, de modo que
pudesse colocar seus pés no colo da donzela.
Senhor disse Goewin , buscai outra donzela para acomodar vossos pés, pois
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sou agora uma esposa.
Que significa isso? o rei perguntou.
Uma ataque, senhor, inesperadamente foi feito contra mim. Eu não fiquei
quieta, mas não havia ninguém na corte que o pudesse saber. Esse ataque foi
feito por vossos sobrinhos, os filhos de vossa irmã. Gwydion, filho de Don, e
Gilfaethwy, filho de Don. Fizeram o mal contra mim e vos trouxeram desonra.
Na verdade ele exclamou , irei fazer tudo que estiver em meu poder quanto
a esse assunto! Contudo, primeiro farei com que sejas recompensada e depois
procurarei uma indenização para mim mesmo. Quanto a ti, serás minha esposa
e a posse de meus domínios darei em tuas mãos.
Gwydion e Gilfaethwy não se aproximaram da Corte, mas permaneceram nos
confins do país até que se tornou proibido darlhes comida e bebida.
Primeiramente, não chegaram perto de Math, mas, por fim, tiveram de fazêlo.
Senhor disseram eles , bom dia para vós.
Bem, é para compensarme que viestes?
Senhor, obedeceremos vosso desejo.
Pelo meu desejo, eu não teria perdido meus guerreiros, nem tantas armas
quantas perdi! Não podeis compensarme pela minha vergonha, isso sem falar
na morte de Pryderi. Porém, como viestes aqui vos colocar à minha disposição,
agora mesmo começarei a punirvos!
Ele pegou seu bastão mágico e golpeou Gilfaethwy, mudandoo em cervo.
Rapidamente agarrou Gwydion para que não escapasse e golpeouo com o
mesmo bastão, transformandoo em outro cervo.
Uma vez que agora estais presos, desejo que partais juntos e sejais
companheiros e possuais a mesma natureza das criaturas cuja forma ostentais.
Vinde a mim dentro de doze meses a partir de hoje.
Ao término de um ano a partir daquele dia, houve um alto barulho sob o muro
da câmara e o latido dos cães do palácio junto com o barulho.
Olhai disse Math o que está lá fora.
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Eu olhei, senhor disse alguém , há dois cervos e um filhote com eles.
O rei ergueuse, foi para fora e, ao sair do palácio, viu os três animais. Ele
ergueu seu bastão e falou:
Como cervos fostes no ano passado, no ano que há de vir sereis porcos
selvagens.
Golpeouos imediatamente com o bastão mágico.
Este jovem eu pegarei e ordenarei que seja batizado.
E o nome que lhe deu foi Hydwn.
Ide e sede suínos selvagens e que tenhais a natureza de suínos selvagens. Que
estejais sob este muro dentro de doze meses a partir de hoje.
No fim do ano, o latido dos cães foi escutado sob o muro da câmara real. A
Corte reuniuse e logo o rei se ergueu e saiu. Ao chegar lá fora, viu três
animais. Foram estes os animais que ele viu: dois porcos selvagens das
florestas e um filhote bem crescido com eles, que era muito grande para sua
idade.
Na verdade disse Math , este eu vou pegar e fazer com que seja batizado.
Ele golpeouo com seu bastão mágico e o filhote tornouse um lindo jovem de
cabelos ruivos e o nome que o rei lhe deu foi Hychdwn.
Agora, quanto a vós, como fostes porcos selvagens no ano passado, sereis um
casal de lobos pelo ano que está por vir.
Tocouos imediatamente com seu bastão mágico e eles se tornaram lobos.
Que sejais da natureza dos animais cuja semelhança está sobre vós e retornai
aqui sob este muro no prazo de doze meses a contar deste dia!
No mesmo dia ao fim do ano, ele escutou um clamor e um ladrido de cães sob
o muro da câmara real. O rei se levantou e saiu. Ao chegar, viu dois lobos e um
forte filhote com eles.
Este eu vou pegar disse Math e fazer com que seja batizado. Há um nome
pronto para ele e é Bleiddwn. Eis que esses três, tais são eles:
Os três filhos de Gilfaethwy, o Falso,os três fiéis combatentes,
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Bleiddwn, Hydwn e Hychdwn, o Alto.
Então, ele golpeou os dois com seu bastão mágico e eles reassumiram sua
própria natureza.
Ó homens, pelo erro que contra mim cometestes suficientes já foram vossa
punição e vossa desonra. Fazei agora um bálsamo precioso para estes homens,
lavai suas cabeças e aprontaios.
Depois de preparados, eles foram até Math.
Ó homens disse o rei , vós obtivestes paz e tereis igualmente amizade. Dai
me vosso conselho, qual donzela devo buscar?
Senhor disse Gwydion, o filho de Don , fácil é darvos conselho. Buscai
Arianrhod32, filha de Don, vossa sobrinha, filha de vossa irmã.
VII Arianrhod. O nascimento de Dylan e Llew.
Trouxeram a donzela até Math e ela entrou.
Ah, jovem dama, és tu a donzela?
Desconheço, senhor, outra que o seja mais do que eu.
Então Math pegou seu bastão mágico e depositouo no chão.
Passai por cima disto ele disse e saberei se és a donzela.
Ela passou sobre o bastão mágico e surgiu em seguida um belo e roliço menino
de cabelos loiros. Enquanto o menino gritava, ela se dirigia para a porta. Logo
uma pequena forma foi vista mas, antes que qualquer um pudesse dar uma
segunda olhada, Gwydion pegoua, envolveua numa echarpe de veludo e a
escondeu. O lugar onde a ocultou foi o fundo de uma arca nos pés de sua cama.
Realmente disse Math em relação ao belo menino de cabelos loiros ,
ordenarei que seja batizado e Dylan será o nome que lhe darei.
Eles assim batizaram o menino e, tão logo acabaram a cerimônia, ele
mergulhou no mar. Imediatamente, quando já estava no mar, ele mostrou sua
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natureza e nadou tão bem quanto o melhor peixe que estivesse nas águas. Por
essa razão, foi chamado Dylan, o Filho da Onda. Debaixo dele jamais se
quebrou uma onda. E o golpe pelo qual encontrou a morte foi desferido por seu
tio Gofannon. Foi chamado "o terceiro golpe fatal".
Uma manhã, quando Gwydion estava deitado em sua cama, acordado, ele
escutou um choro dentro da arca que ficava nos pés. Embora não fosse alto, era
o bastante para que pudesse ouvílo. Então ele se levantou depressa e abriu a
arca. Ao abríla, viu uma criança de colo estendendo os bracinhos das dobras
da echarpe e tiroua dali de dentro. Ele pegou o menino em seus braços e levou
o a um lugar onde sabia haver uma mulher que poderia amamentálo. Ele
combinou com a mulher que ela cuidaria do menino. E este foi assim
alimentado naquele ano.
No fim do ano, ele parecia, por seu tamanho, uma criança de dois anos. No
segundo ano, era um menino grande, capaz de ir sozinho à corte. Quando
chegou à corte, Gwydion notouo e o menino tornouselhe familiar, amandoo
mais do que a qualquer outra pessoa. O menino foi então educado na corte até
os quatro anos de idade, quando então estava grande como se tivesse oito.
VIII Arianrhod amaldiçoa Llew.
Gwydion certo dia saiu caminhando e o menino seguiuo. Ele foi para o
Castelo de Arianrhod33, tendo o menino consigo. Quando entrou na corte,
Arianrhod ergueuse para encontrálo e deulhe as boasvindas.
O Céu te faça prosperar. Quem é o menino que te segue? ela perguntou.
Este jovem é teu filho.
Ai! Que te aconteceu para me envergonhares assim? Por quê buscas minha
desonra e a guardas por tanto tempo?
A menos que suportes desonra maior do que eu estar criando um menino
como este, pequena será tua desgraça.
Qual o nome do menino?
104
Na verdade, ele ainda não tem nome.
Bem, eu vou lançar este destino sobre ele: jamais terá um nome até que de
mim o receba.
Ante o Céu eu seja testemunha de que és uma mulher malvada! Contudo, o
menino terá um nome, por mais desagradável que isso possa ser para ti. E,
quanto a ti, o que te aflige é que já não és chamada uma donzela!
Furioso, ele partiu imediatamente e voltou a Caer Dathyl, onde passou aquela
noite.
No dia seguinte, ele se levantou e tomou o menino consigo. Foram ambos
caminhar pela orla do mar, entre o lugar onde estavam e Aber Menei. Lá,
Gwydion viu alguns juncos e algas marinhas e transformouos em um barco. E
de madeira seca e juncos fez couro de cordovão em grande quantidade. Deulhe
cor de tal maneira que jamais alguém viu couro mais belo do que esse. Fez
então uma vela para o barco. Ele e o menino entraram no porto do Castelo de
Arianrhod. Gwydion começou a dar forma aos sapatos e a costurálos até ser
observado pelos habitantes do castelo. Quando soube que já o estavam
observando, disfarçou seu aspecto, colocando outra aparência sobre si mesmo e
sobre o menino, a fim de que não os reconhecessem.
Que homens são aqueles naquele barco? perguntou Arianrhod.
São sapateiros responderamlhe.
Ide e vede que tipo de couro possuem e que espécie de trabalho fazem.
Foram, portanto, ao encontro deles. Ao chegarem, Gwydion estava dando a cor
a um couro de cordovão e dourandoo. Os mensageiros retornaram e contaram
no a Arianrhod.
Bem, tomai a medida do meu pé e dizei ao sapateiro que faça sapatos para
mim.
Assim, ele fez sapatos para ela, mas não de acordo com a medida, porém
maiores. Os sapatos foram levados a Arianrhod e ela viu que estavam muito
grandes.
Estes ficaram muito grandes, mas ele receberá seu pagamento ela disse.
105
Deixaio fazer também outros que sejam menores do que estes.
Gwydion fez outros sapatos que eram muito menores do que o pé dela e
enviouos ao castelo.
Dizeilhe que nestes meus pés não cabem.
Na verdade falou Gwydion , eu não lhe farei mais sapatos, a não ser que
veja seu pé.
IX Como Llew obteve seu nome.
Assim, ela desceu ao barco e quando chegou lá Gwydion estava dando forma
aos sapatos e o menino os estava costurando.
Ah, senhora disse ele , bom dia para vós.
O Céu vos faça prosperar. Fico surpresa de que não consigais fazer sapatos de
acordo com uma medida.
Eu não podia, mas agora serei capaz.
Logo uma enorme carriça pousou no assoalho do barco e o menino atirou
contra ela, acertandoa na pata, entre o tendão e o osso. Arianrhod sorriu.
Realmente ela disse , foi com mão firme que o leão mirou.
Que o Céu não te recompense, mas ele já ganhou um nome. E é um nome
bom o bastante. Llew Llaw Gyffes34 será chamado a partir de agora.
O trabalho então desapareceu em algas e juncos. Ele não mais continuou a fazê
lo. Por essa razão, foi chamado "o terceiro sapateiro de ouro".
Na verdade disse ela , não prosperareis da melhor forma fazendome o mal.
Não te fiz mal algum ainda respondeu Gwydion.
Nesse momento, ele devolveu ao menino e a si mesmo suas próprias formas.
Bem disse Arianrhod , vou lançar um destino sobre essa criança: ele nunca
terá armas e armadura até que eu mesma o invista com elas.
Pelo Céu, seja tua malícia qual for, ele terá armas.
Eles então foram para Dinas Dinllef35. Lá, Gwydion criou Llew Llaw Gyffes
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até que este pudesse controlar qualquer cavalo e fosse perfeito em todas as
qualidades, em força e altura. Gwydion, porém, viu que Llew estava abatido
pela falta de cavalos e armas. Chamouo e disse:
Ah, jovem, amanhã partiremos juntos numa missão. Por isso, fica mais alegre
do que estás agora.
É o que quero Llew respondeu.
X Gwydion engana Arianrhod novamente.
Na manhã seguinte, quando o dia raiava, eles se levantaram. Foram ao longo da
costa do mar, rumando para Bryn Aryen. No alto de Cefn Clydno equiparamse
com cavalos e seguiram em direção ao Castelo de Arianrhod. Eles mudaram
suas formas e foi sob a semelhança de dois rapazes que se apresentaram ante o
portão, mas o aspecto de Gwydion era mais calmo que o do outro.
Porteiro disse ele , entra e dize que aqui estão bardos provenientes de
Glamorgan.
E o porteiro entrou.
As boasvindas do Céu estejam com eles, deixaos entrar disse Arianrhod.
Com grande alegria foram saudados. O salão estava preparado e eles foram
comer. Quando a refeição estava terminada, Arianrhod conversou com
Gwydion sobre contos e histórias. Gwydion era um excelente narrador de
contos. Quando chegou o momento de deixarem os festejos, um quarto estava
pronto para eles, que foram descansar.
Gwydion levantouse logo que o sol começou a se por e chamou a si sua magia
e seu poder. No momento em que o dia raiou, ressoou pela terra um grande
alvoroço, com trombetas e gritos. Quando já era dia, eles ouviram uma batida
na porta do quarto e escutaram Arianrhod perguntando se poderia abríla. O
rapaz ergueuse e abriulhe a porta. Arianrhod entrou acompanhada de uma
donzela.
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Ah, bons homens disse ela , estamos em grandes apuros.
Sim, é verdade concordou Gwydion. Escutamos trombetas e gritos. Que
pensais possam ser?
Na verdade, sequer podemos ver a cor do oceano por causa dos navios, lado a
lado. Os guerreiros estão vindo à terra com toda a rapidez possível. E que
podemos fazer?
Senhora, nada podemos fazer além de fechar o castelo e defendêlo da melhor
maneira que conseguirmos.
É verdade, que o Céu vos recompense. Vós dois o defendereis. E aqui
encontrareis abundância de armas.
Imediatamente, ela foi buscar armas e retornou com duas donzelas, trazendo
consigo couraças para dois homens.
Senhora disse ele , armai este moço e eu me aprontarei com a ajuda de
vossas donzelas. Depressa, eu ouço o barulho dos homens aproximandose.
Assim farei de boa vontade.
Ela armouo completamente e com grande satisfação.
Já terminastes de armar o jovem? perguntou Gwydion.
Sim, terminei Arianrhod respondeu.
Da mesma forma terminei eu. Vamos agora tirar nossas armas, não temos
necessidade delas.
Porque? Há um exército em volta da casa!
Cara senhora, não há exército algum aqui.
Oh! ela gritou. De onde vem então todo esse tumulto?
Esse tumulto foi apenas para quebrar tua profecia e conseguir armas para teu
filho. E agora ele tem armas sem que deva qualquer agradecimento a ti.
Pelos Céus, és um homem perverso! Muitos jovens podem ter perdido suas
vidas pelo tumulto que provocaste hoje nesta província. Vou agora lançar um
destino sobre este jovem ela disse. Ele jamais terá uma esposa da raça que
agora habita esta terra.
Em verdade falou Gwydion , sempre foste uma mulher maliciosa e
ninguém nunca te pôde suportar. Todavia, uma esposa ele terá.
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XI A criação de Blodeuwedd.
Logo depois, eles foram a Math, o filho de Mathonwy, e queixaramse muito
amargamente de Arianrhod. Gwydion também lhe mostrou como havia se
esforçado para conseguir armas para o rapaz.
Bem disse Math , procuraremos, eu e tu, por meio de encantamentos e
ilusão, formar com flores uma esposa para ele. Llew chegou agora à altura de
um homem e é o mais agradável jovem jamais visto.
Eles apanharam então as flores do carvalho, as flores da giesta e as flores da
ulmária. Com elas criaram uma donzela, a mais bela e graciosa que um homem
jamais viu. Eles a batizaram e deramlhe o nome de Blodeuwedd36.
Depois que ela se tornou sua noiva e todos festejaram, Gwydion disse:
Não é fácil para um homem manterse sem posses.
É verdade disse Math. Eu darei ao rapaz a melhor província para governar.
Senhor disse ele , que província é essa?
A província de Dinodig ele respondeu.
Tal lugar chamase nestes dias Eifionydd e Ardudwy. O lugar na província
onde ele morou era um ponto chamado Mur y Castell, nos confins de Ardudwy.
Lá ele habitou e reinou e tanto ele quanto seu governo eram amados por todos.
Certo dia, ele seguiu para Caer Dathyl para visitar Math, filho de Mathonwy.
No dia em que ele iniciou a viagem para Caer Dathyl, Blodeuwedd chegou à
sua corte. Ela escutou o som de um chifre de caça sendo soprado e viu um
cervo cansado passar, perseguido por cães e caçadores. Depois dos cachorros e
dos caçadores vinha uma multidão de homens a pé.
Mandai um jovem disse ela para perguntar que turba possa ser aquela.
Assim, o jovem foi e inquiriu quem seriam eles.
Aquele disseram eles é Gronw Pebyr, o senhor de Penllyn.
E assim o jovem lhe falou.
Gronw Pebyr perseguiu o cervo, vindo a apanhálo perto do rio Cynfael, onde o
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matou. Esfolando o cervo e dando pedaços aos seus cães, ele ficou lá até que a
noite começou a fecharse. Como o dia estava desaparecendo e a noite se
aproximava, ele chegou ao portão da Corte.
Na verdade disse Blodeuwedd , o príncipe vai falar mal de nós se, a esta
hora, deixarmos que parta para outra terra sem convidálo a entrar.
Sim, senhora concordaram eles , será mais apropriado convidálo a entrar.
Mensageiros foram então mandados ao seu encontro e convidaramno a entrar.
Ele aceitou contente a oferta e foi para a corte. Blodeuwedd veio recebêlo e
saudálo, dandolhe as boasvindas.
Senhora disse ele , que o Céu vos pague por vossa gentileza.
XII Blodeuwedd apaixonase por Gronw Pebyr. A conspiração contra
Llew.
Quando já haviam desmontado, foram sentarse. Blodeuwedd olhou para o
hóspede e, desde esse momento, encheuse de amor por ele. Ele a contemplou e
o mesmo pensamento que a invadira preencheuo também, de forma que ele
não pôde esconderlhe que a amava , mas declarouse a Blodeuwedd, que ficou
por isso tomada de felicidade. Toda a conversa deles foi sobre a afeição e o
amor que sentiam um pelo outro e que havia surgido em espaço não maior do
que uma noite. E essa noite passaram um na companhia do outro.
No dia seguinte, ele quis partir. Mas ela disse:
Suplicote que não me deixes hoje.
E naquela noite ele permaneceu. Tentavam descobrir um meio de ficar sempre
juntos.
Não há outra possibilidade falou Gronw além de te esforçares para saber de
Llew Llaw Gyffes como ele pode ser levado à morte. E isso deve ser feito sob a
aparência de solicitude para com ele.
No dia seguinte, Gronw quis partir.
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Aconselhote a não me deixares hoje ela disse.
Porque me pedes, não partirei. Contudo, há o perigo de que o chefe que
possui este castelo possa retornar à casa.
Amanhã ela respondeu sem dúvida permitirei que sigas teu caminho.
No dia seguinte, ele quis partir e ela não o impediu.
Sê cuidadosa disse Gronw com o que te disse. Conversa muito com ele e,
sob o disfarce das brincadeiras do amor, procura descobrir como é possível dar
lhe a morte.
Llew Llaw Gyffes voltou para casa naquela noite. Eles passaram o dia
conversando, ouvindo os menestréis e festejando. À noite, foram descansar e
ele falou com Blodeuwedd uma vez e faloulhe ainda uma segunda vez, mas,
por mais que fizesse, não obteve dela palavra alguma.
Que te incomoda? Estás bem?
Eu estava pensando ela disse sobre aquilo que jamais pensaste em relação a
mim. Eu ficaria cheia de tristeza por tua morte, caso partisses mais cedo do que
eu.
O Céu te recompense por tua preocupação por mim, mas, até que o próprio
Céu determine, eu não serei morto com facilidade.
Pelo amor do Céu e pelo meu próprio, mostrame como podes ser morto.
Minha memória é melhor do que a tua para recordálo.
Digote com prazer. Não posso ser morto facilmente, a não ser por um
ferimento. A lança pela qual eu for atingido deve ser preparada no decorrer de
um ano. Nada deve ser feito em relação a isso exceto durante o sacrifício dos
domingos.
Isso é verdadeiro?
Está conforme a verdade. E eu não posso ser morto dentro de uma casa, nem
fora dela. Não posso ser morto estando a cavalo, nem a pé.
Realmente, de que maneira podes ser morto?
Já te digo. Preparandose um banho para mim ao lado de um rio, colocandose
um teto sobre o caldeirão, cobrindoo bem e firmemente. Devese trazer um
111
bode e deixálo ao lado do caldeirão. Então, se eu puser um pé no dorso do
bode e o outro na borda do caldeirão, qualquer um que me atingir poderá
provocar minha morte.
Bem disse ela , agradeço ao Céu que seja fácil evitar tudo isso.
Depois de ouvir essas palavras, ela não esperou um momento sequer para
mandar uma mensagem a Gronw. Este trabalhou para fazer a lança e, em doze
meses a contar daquele dia, ela estava pronta. E, no mesmo dia em que a
terminou, Gronw ordenou que Blodeuwedd fosse informada.
Senhor ela disse , estive pensando sobre como é possível ser verdade o que
anteriormente me disseste. Poderias mostrarme de que modo seria possível
ficares ao mesmo tempo sobre a borda do caldeirão e sobre um bode, se eu
preparar o banho para ti?
Eu te mostrarei disse ele.
Ela então mandou mensagem a Gronw e sugeriu que ele ficasse emboscado na
colina agora conhecida como Bryn Cyfergir, na margem do rio Cynfael. Ela
também ordenou que fossem reunidas todas as cabras da província e levadas ao
outro lado do rio, em direção oposta a Bryn Cyfergir.
No dia seguinte, ela falou assim:
Senhor, eu ordenei que o telhado e o banho fossem preparados e eis que estão
prontos.
Bem, eu irei com prazer examinálos.
Um dia depois, Llew veio e examinou o banho.
Entrarás no banho, senhor? ela perguntou.
É com prazer que o farei ele disse.
Ele foi para o banho e começou a lavarse.
Senhor, vê os animais de que falaste como sendo chamados bodes.
Bem, faze com que um deles seja trazido e colocado aqui.
O bode foi trazido. Llew ergueuse do banho, pôs suas calças e colocou um pé
112
na borda do banho e o outro no dorso do bode.
XIII Llew desaparece.
Gronw imediatamente surgiu da colina que é agora chamada Bryn Cyfergir. Ele
ficou sobre um pé só, arremessou o dardo envenenado e atingiuo no lado. A
haste ficou para fora, mas a ponta do dardo permaneceu dentro do corpo de
Llew. Este voou sob a forma de uma águia, dando um grito terrível. Não foi
mais visto deste então.
Assim que ele partiu, Gronw e Blodeuwedd foram juntos ao palácio, naquela
noite. No dia seguinte, Gronw levantouse e apoderouse de Ardudwy. Depois
de tomar a terra, ela a governou, de forma que Ardudwy e Penllyn estavam
ambas sob seu domínio.
Essas notícias alcançaram Math, filho de Mathonwy. Um grande peso e a
tristeza caíram sobre Math e muito mais sobre Gwydion do que sobre ele.
Senhor disse Gwydion , não terei descanso até obter notícias de meu
sobrinho.
Realmente Math respondeu , que o Céu seja tua força.
Gwydion partiu e começou a andar pelo país. Ele atravessou Gwynedd e Powys
até os confins. Quando já o havia feito, foi ao Arfon e avizinhouse da casa de
um vassalo, em Maenawr Penardd. Ele chegou à casa e ficou lá naquela noite.
O dono da casa e seus domésticos voltaram e o último a vir foi o porqueiro, a
quem o dono da casa disse:
Bem, jovem, tua porca veio esta noite?
Veio respondeu o rapaz e neste momento já está com os porcos.
Aonde vai essa porca? quis saber Gwydion.
Todos os dias, quando o chiqueiro é aberto, ninguém consegue ficar de olho
nela, nem sabe se ela corre por aí ou afunda terra adentro.
Peçote que me concedas não abrires o chiqueiro até que eu esteja lá contigo.
Com toda boa vontade eu o farei.
113
XIV A águia no carvalho.
Eles foram descansar naquela noite. Tão logo o guardador de porcos viu a luz
do dia, foi despertar Gwydion. Este se levantou e vestiuse, indo com o
guardador até o chiqueiro, onde permaneceu. O porqueiro então abriu o
chiqueiro. No mesmo momento, a porca saltou para fora e partiu com grande
velocidade. Gwydion seguiua e ela foi em direção contrária ao curso do rio,
dirigindose para um riacho que é agora chamado Nant y Llew. Ali ela parou e
começou a alimentarse. Gwydion chegou embaixo da árvore e olhou para
descobrir o que a porca poderia estar comendo. Ele viu que ela estava comendo
carne podre e vermes. Olhando então para o topo da árvore, ele viu uma águia
e, quando a águia se balançava, a carne estragada e os vermes caíam dela e a
porca devoravaos. Pareceu a Gwydion que a águia poderia ser Llew. Ele
cantou uma estrofe:
Carvalho que cresces entre duas margens do rio:escurecidos estão o céu e a colina!Não direi por sua feridasque este é Llew?
Depois disso, a águia desceu até alcançar o centro da árvore. E Gwydion cantou
outra estrofe:
Carvalho que cresces no chão do planalto,não estás ainda molhado? Não ficaste encharcadopor nove vintenas de tempestades?Não acolhes em teus ramos Llew Llaw Gyffes?
A águia desceu então ao mais baixo ramo da árvore. Gwydion cantou logo esta
estrofe:
Carvalho que cresces abaixo da colina íngreme:imponente e majestoso é teu aspecto!Não o direi eu?Que Llew virá para meu colo?
114
A águia desceu para os joelhos de Gwydion e este a tocou com sua vara
mágica. Ele assim retornou à sua própria forma. Jamais viu alguém uma visão
tão digna de pena, pois Llew era apenas pele e ossos.
XV Cura e vingança de Llew Llaw Gyffes.
Ele foi então para Caer Dathyl e foramlhe trazidos os bons médicos que havia
em Gwynedd. Antes do fim do ano ele já estava quase curado.
Senhor disse ele a Math, o filho de Mathonwy , já é chegado o tempo de
que eu receba uma compensação daquele que me fez passar por todas essas
aflições.
É verdade respondeu o rei. Ele jamais será capaz de manterse na posse do
que é teu por direito.
Bem, quanto antes eu recobrar meus direitos, mais satisfeito ficarei.
Eles então convocaram e reuniram todo o Gwynedd e partiram para Ardudwy.
Gwydion foi à frente e seguiu para Mur y Castell37. Quando Blodeuwedd ouviu
que ele estava chegando, tomou suas donzelas e fugiu para a montanha. Elas
passaram pelo rio Cynfael e foram em direção a um abrigo que havia na
montanha. Seu medo era tanto que corriam sempre com os rostos voltados para
trás. Desavisadas, não viram o lago e caíram dentro dele.
Todas elas se afogaram, exceto a própria Blodeuwedd. Gwydion prendeua.
Disselhe então:
Não te matarei. O que farei contigo é pior do que isso. Pois irei transformarte
em um pássaro e, pela vergonha que lançaste sobre Llew Llaw Gyffes, de agora
em diante jamais tornarás a mostrar tua face à luz do sol e isso por medo dos
outros pássaros. Será da natureza deles atacarte e perseguirte onde quer que te
encontrem. Não perderás teu nome, mas serás sempre chamada Blodeuwedd.
Eis que Blodeuwedd, na linguagem desta época, é uma coruja e por esse
motivo a coruja é odiosa a todos os pássaros. E ainda agora a coruja é chamada
115
Blodeuwedd.
Gronw Pebyr retirouse então para Penllyn, de onde enviou uma embaixada. Os
mensageiros que ele mandou perguntaram a Llew Llaw Gyffes se este aceitaria
terras, um domínio, ouro ou prata pelo dano que havia recebido.
Não aceitarei coisa alguma, pela minha fé no Céu! ele exclamou. Vede que
isto é a única coisa que aceitarei dele: que ele vá ao ponto em que eu estava
quando ele me feriu com o dardo e eu ficarei no lugar onde ele estava e com
um dardo irei mirar nele. E isso é o mínimo que aceitarei.
E essas palavras foram ditas a Gronw Pebyr.
Realmente ele disse , isso é necessário para mim? Meus fiéis guerreiros,
todos os de minha casa e meus irmãos adotivos, não há nenhum dentre vós que
suporte o golpe em meu lugar?
Verdadeiramente, não há responderam eles.
Em razão da recusa de sofrerem um golpe por seu senhor, eles são chamados
até este dia "a terceira tribo desleal"38.
Bem falou Gronw , irei ao seu encontro.
Os dois foram então para as margens do rio Cynfael. Gronw parou no lugar em
que Llew Llaw Gyffes estava quando ele o golpeou, enquanto Llew ficou no
lugar onde Gronw estava. E Gronw Pebyr disselhe:
Uma vez que foi pelos ardis de uma mulher que vos fiz o que fiz, conjurovos
em nome do Céu a deixarme colocar entre mim e o golpe a pedra que vedes lá
adiante, no banco do rio.
Na verdade disse Llew , não o recusarei a vós.
Possa o Céu recompensarvos.
Llew então arremessou o dardo contra ele. O dardo perfurou a pedra e
atravessou Gronw igualmente, indo sair em suas costas. Assim Gronw Pebyr
foi morto. A pedra existe ainda na margem do rio Cynfael, em Ardudwy, tendo
em si o buraco. Portanto, é ainda hoje chamada Llech Gronw.
116
Uma segunda vez Llew Llaw Gyffes tomou posse da terra e governoua
prosperamente. E, como a história conta, ele foi depois disso o senhor de
Gwynedd.
E assim termina esta parte do Mabinogion.
NOTAS AO QUARTO RAMO
26 Math, filho de Mathonwy
A fama da magia de Math ab Mathonwy, em que ele parece ter sobrepujado
todos os demais encantadores da ficção galesa, (exceto, talvez, Merlin e seu
próprio aluno, Gwydion, filho de Dôn), está preservada em duas tríades (31 e
32), onde é reputado um homem de ilusão e fantasia e onde um dos principais
encantamentos da ilha é mostrado como obra sua.
As artes místicas de Math parecem herdadas de seu pai (ou mãe, uma vez que
Mathonwy é um personagem indistinto), cuja vara mágica é celebrada por
Taliesin no Kerdd Doronwy. Ali se afirma que, quando essa vara crescer na
floresta, frutos mais luxuriantes serão vistos nas águas espectrais (Myv. Arch.,
I, p. 63).
Taliesin fala freqüentemente dos poderes do próprio Math – veja o Kadd
Goddeu (nota nº. 31), Marwnad Aeddon o Fôn, etc. (Myv. Arch., I, pp. 30,70).
27 Goewin, filha de Pebin
A singular ocupação atribuída a essa donzela não é de forma alguma
117
inconsistente com os costumes galeses. Pelas leis de Hywel Dda, sabemos que
havia um oficial na corte do rei com o título “Segurador dos Pés” (prefiro
traduzir como “Escabelo”), cujo dever era justamente aquele que seu título
sugere. São dadas as seguintes especificações em relação a ele:
O Escabelo sentase sob os pés do Rei:Ele come do mesmo prato que o Rei.Ele acenderá as velas ante o Rei em sua refeição.Ele terá um prato de carne e bebida, ainda que não se junte à festa.Sua terra será livre e ele receberá um cavalo do Rei e terá uma parte do presente de dinheiro dos visitantes.
28 Caer Dathyl
Caer Dathyl, em Arfon (o atual Carnarvonshire), onde se diz que Math teve sua
corte e de onde Gwydion partiu em sua astuciosa jornada, já foi alvo de
comentários anteriores. Os restos dessa fortaleza chamamse agora Pen y Caer.
Situamse no topo de uma colina que dista cerca de uma milha de Llanbedr, em
Carnarvonshire, a meio caminho entre Llanrwst e Conwy. Parece que foi bem
defendida pelos profundos fossos que ainda a rodeiam.
Fundações de edifícios circulares podem ainda ser traçadas em suas
proximidades. Desse lugar, Gwydion partiu rumo ao sul e encontrou Pryderi
num lugar chamado Rhuddlan Teifi (provavelmente Glen Teify, cerca de uma
milha e meia de Cardigan Bridge), onde nos dizem que ficava seu palácio.
29 Mochdref
Retornando com seu prêmio, Gwydion passou por Mochdref (“Cidade do
Porco”), em Cardiganshire, foi para Elenid, provável erro do copista para
Melenid, uma montanha perto de Llandewi Ystrad Enni, em Radnorshire, que
dá nome ao Cantref inteiro. De lá, passando por Mochdref, entre Keri e
Arwystli, nós o encontraremos entrando no distrito de Mochnant (“Riacho do
Porco”), que está parte em Montgomery e parte em Denbigshire e onde a
cidade de Castell y Moch (“Castelo do Porco”) pareceria apontar uma outra
118
alusão aos incomuns acompanhantes de sua rápida retirada. Gwydion parou
numa terceira Mochdref, em Denbigshire, agora um povoado entre Conwy e
Abergele, no antigo Cantref de Rhos, e reuniuse a seu príncipe em Caer
Dathyl, depois de deixar seu butim em segurança nas fortalezas de
Arllechwedd, um nome antigamente aplicado aos dois distritos (superior e
inferior) de Anton, agora chamados Uchaf e Isaf.
30 Locais de luta
Os lugares nos quais Math, filho de Mathonwy, fez sua resistência e esperou a
aproximação do indignado Pryderi podem ser reconhecidos como Maenor
Penardd, perto de Conway, e Maenor Alun, agora Coed Helen, perto de
Carnarvon. Nant Call, para onde os homens do sul foram compelidos a retirar
se, é um riacho que cruza Dol Pen Maen e a estrada de Carnarvon, cerca de
nove milhas distante dessa última cidade. O curso dos dois exércitos pode ser
facilmente traçado: de Nant Call para a bem conhecida localidade de Dol Pen
Maen (no antigo Cantref de Dunodig, agora o distrito de Eifionydd); de lá,
através de Traeth Mawr, para Melenryd e, por fim, ao longo do pitoresco vale
do Ffestiniog, para Maen Tyriawc, onde a expedição terminou com a vitória
indigna obtida por Math com a ajuda de encantamentos e com a morte do
galante filho de Pwyll. Contamnos que ele foi sepultado em Maen Tyriawc; o
Beddau Milwyr, contudo, localiza a tumba de Pryderi em Abergenoli, “onde as
ondas quebram contra a costa”.
31 Gwydion, filho de Dôn
Gwydion foi um dos Três Pastores Tribais da ilha. Ele guardava o gado de
Gwynedd, Uch e Conwy. Era também um grande astrônomo e, nessa qualidade,
foi comparado a Gwyn ab Nudd e Idris (Myv. Arch., I, p. 63, tríade 89):
Três renomados astrônomos da Ilha da GrãBretanha: Idris, o gigante; Gwydion, filho de Dôn, e Gwyn, filho de Nudd. Tal era seu conhecimento das estrelas, suas naturezas e qualidades, que eles poderiam prognosticar tudo que se desejasse saber até o dia do Julgamento.
119
A Via Láctea foi, por sua vez, chamada Caer Gwydion, “Castelo de Gwydion”.
Honras semelhantes, sem dúvida, parecem ter sido atribuídas a toda a família
de Dôn. Ela mesma deu seu nome à constelação de Cassiopéia, em galês Llys
Don, “Corte de Dôn”; Caer Arianrhod, “Castelo de Arianrhod”, a constelação
Corona Borealis, é assim chamada para lembrar Arianrhod, uma das heroínas
do presente conto.
Gwydion era um mago e, como já se observou, aprendeu suas artes mágicas do
próprio Math, o que é repetidamente aludido nos poemas galeses, em especial
nos de Taliesin. As notáveis características de seus poderes de encantação
foram assim relatadas numa composição atribuída àquele bardo, intitulada
Kadeir Kerridwen (“O Assento de Cerridwen”, Myv. Arch., II, p. 325):
O Assento de Cerridwen (Livro de Taliesin, 16)
Soberano do poder do ar, também tu,A satisfação de minhas transgressões.Na meianoite e nas manhãsAli brilhavam minhas luzes.Delicada a vida de Minawg ap Lleu,A quem vi há apenas um momento. O fim, na rampa de Lleu.Ardente era seu esforço nos combates,Afagddu, meu filho, também.Feliz o Senhor que o fezNa competição das canções.Sua sabedoria era melhor que a minha, O mais habilidoso homem de que jamais se soube.Gwydion, o filho de Don, de aspecto severo,Com flores uma mulher formou,E trouxe os porcos do sul,Embora não tivesse chiqueiros para eles;O viajante corajoso com varinhas achatadasFormou uma cavalhada,De primaverisPlantas e selas perfeitas.Quando forem julgados os assentos,Superandoos estará o meu,Meu assento, meu caldeirão e minhas leisE minha eloqüência em desfile encontramse para o assento.Sou chamada habilidosa na corte de Don.Eu e Euronwy e Euron.Vi um feroz conflito em Nant FrangeonNum domingo, no momento da aurora,Entre a ave da fúria e Gwydion.Na quartafeira, certamente eles foram a MonaPara obter rodopios e feiticeiros.
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Arianrhod, de louvável aspecto, aurora de serenidade,A maior desgraça obviamente no lado dos britanos,Com pressa envia sobre sua corte a correnteza de um arcoíris, Uma torrente que espanta a violência da terra.O veneno de sua posição anterior à volta do mundo deixará.Não falam falsamente, os livros de Beda.O assento do Preservador está aqui.E, até o julgamento, continuará na Europa.Possa a Trindade concedernosMisericórdia no dia do julgamento,Uma justa esmola para bons homens.
Em outro poema (Kadd Goddeu, “A Batalha das Árvores”, Taliesin fala sobre
ele:
A Batalha das Árvores (Livro de Taliesin, 8)
Estas são as estrofes que foram cantadas na "Batalha das Árvores", ou, como outros a chamam, a “Batalha de Achren”, que foi por causa de uma corça branca e de um cachorro; e eles vieram do Inferno e Amaethon ap Don os trouxe. E, portanto, Amaethon ap Don e Arawn, Rei de Annwn, lutaram. E havia um homem nessa batalha, a menos que seu nome fosse conhecido, ele não poderia ser vencido; e havia uma mulher chamada Achren no outro lado e, a menos que seu nome fosse descoberto, sua hoste não poderia ser vencida. E Gwydion adivinhou o nome do homem e cantou as duas estrofes seguintes:
De cascos firmes é meu corcel impelido pelas esporas;Os altos galhos do amieiro estão em teu escudo;Bran és chamado, dos ramos brilhantes.
E, assim;
De cascos firmes é meu corcel no dia da batalha:os altos ramos do amieiro estão em tua mão:Bran, pelo ramo que carregas,Amaethon, o bom, prevaleceu.
Numa multiplicidade de formas estiveAntes de assumir aspecto consistente.Uma espada fui, estreita, matizada:Acreditarei quando for manifesto.Uma lágrima fui no ar,Fui a mais sombria das estrelas.Uma palavra fui entre letras,Fui um livro na origem.Dos faróis fui a luzUm ano e meio.Fui uma ponte que se prolongaSobre três vintenas de fozes.Fui um percurso, uma águia fui.Um barco fui nos mares.Fui um complacente no banquete.Uma gota fui num aguaceiro.Fui uma espada no aperto da mão,
121
Um escudo fui em batalha.Fui uma corda numa harpa,Disfarçado por nove anosNa água, na espuma.Fui uma esponja no fogo,Fui madeira na moita.Não sou aquele que não cantaráUm combate, embora pequeno.O conflito na batalha das árvores dos ramos.Contra o Guledig de PrydeinPassaram ali cavalos principais,Esquadras cheias de riquezas.Ali passou um animal com grandes mandíbulas,Nele havia uma centena de cabeças.E uma batalha foi lutadaSob a raiz de sua línguaE há uma outra batalhaNo orifício de seu olho.Um negro sapo desajeitadoCom uma centena de garras.Uma cobra salpicada com crista.Por causa do pecado, uma centena de almasAtormentada será em sua carne.Estive em Caer Vevenir,De lá se apressaram pastos e árvores.Menestréis cantavam,Bandos de guerreiros perambulavamNa exaltação dos britanosQue Gwydion realizara.Havia um apelo ao Criador,A Cristo por interesses,Até o momento em que o EternoLibertasse aqueles a quem fizera.O Senhor respondeulhesPela linguagem e elementos:Tomai a forma das árvores principais,Arranjaivos em ordem de batalhaE refreai o públicoInexperiente na batalha mão a mão.Quando as árvores foram encantadas,Na expectativa de não serem árvores,As árvores sussurraram suas vozesDe cordas de harmonia,As disputas cessaram.Interrompamos dias tristes,Uma mulher refreou a grande desordem.Ela chegou totalmente encantadora.O cabeça da fileira, o cabeça era uma mulher.A vantagem de uma vaca insoneNão nos faria ceder o caminho.O sangue dos homens até nossas coxas,Os maiores dos esforços mentais importunosRealizados no mundo.E acabousePor refletir sobre o dilúvioE sobre o Cristo crucificadoE sobre o dia do julgamento iminente.
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Os Amieiros, cabeça da fileira,Formaram a vanguarda.Os Salgueiros e SorveirasChegaram tarde para o exército.Ameixeiras, que são raras,Indesejadas pelos homens,As esmeradas Nespereiras,Verdadeiros objetos de disputas. Os espinhentos arbustos de RosasContra uma multidão de gigantes.A Framboesa refreou, O que é melhor falhouPara a segurança da vida.A Alfena e a MadressilvaE a Hera na sua frente.Como o Tojo, para o combateA Cerejeira foi provocada.A Bétula, apesar de sua mente elevada, Atrasouse antes que ele fosse enfileirado.Não por causa de sua covardia,Mas por causa de sua grandeza.O Liburno tinha em menteQue tua natureza selvagem era estranha.Pinheiros no pórtico,A sede da controvérsia,Por mim grandemente exaltadosNa presença dos reis,Os Olmos, com seu cortejo,Não se afastavam um pé.Ele lutaria com o centroE com os flancos e a retaguarda.Aveleiras, julgouseQue amplo era teu empenho mental.A Alfena, feliz a sua parte,O touro da batalha, o senhor do mundo,Morawg e Morydd Tornaramse prósperos em Pinheiros.Azevinho, ele estava matizado de verde,Ele era o herói.O Espinheiro, cercado de ferrões,Com a dor em sua mão.O Álamo foi coberto,Ele foi coberto na batalha.A Samambaia, que foi saqueada,A Giesta, na vanguarda do exército, nas trincheiras foi ela ferida.O Tojo não se saiu bem, Porém o deixou estendido.A Urze foi vitoriosa, afastando em todos os lados.O povo comum ficou encantadoDurante o tempo originandose dos homens.O Carvalho, movendose rapidamente,Diante dele estremecem céu e terra.Um valente porteiro contra um inimigoSeu nome é considerado.As Campânulas Azuis combinaramseE provocaram uma consternação.Ao rejeitar, foram rejeitadasOutras, que foram perfuradas.
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As Pereiras, as melhores invasorasEm tempo de conflito na planície.Uma lenha muito colérica,O Castanheiro é acanhado,O opositor da felicidade.O jato tornouse negro,A montanha tornouse curvada,As florestas tornaramse um fornoExistente outrora nos grandes maresDesde que foi ouvido o grito:Os cimos da Bétula cobriramnos com folhasE transformaramnos e mudaram nosso estado enfraquecido.Os ramos do carvalho apanharamnos numa armadilhaDo Gwarchan de Maelderw.Rindo no lado do rochedo,O senhor não é de uma natureza ardente.Não de mãe, nem de pai,Quando eu fui feitoCrioume o meu CriadorDe poderes nove vezes formados,Do fruto dos frutos,Do fruto do Deus primordial,De prímulas e florações da colina,Das flores de árvores e arbustos.Da terra, de uma trajetória terrena,Quando eu fui formadoDa giesta e da urtiga,Da água da nona onda.Fui encantado por MathAntes de me tornar imortal,Fui encantado por Gwydion,O grande purificador dos britanos,De Eurwys, de Euron,De Euron, de Modron,De cinco vezes cinqüenta homens de ciência,Mestres, filhos de Math. Quando a remoção ocorreu,Eu fui encantado pelo Guledig.Quando ele estava meio queimado,Fui encantado pelo sábioDos sábios, no mundo primitivo.Quando tive um ser,Quando a multidão do mundo estava em dignidade,O bardo ficou acostumado aos benefícios.À canção de louvor estou inclinado, que a língua recita.Eu toquei no poente,Dormi em púrpura.Verdadeiramente estava no encantamentoCom Dylan, o filho da onda.Na circunferência, no meio,Entre os joelhos de reis,Dispersando lanças não afiadasDo firmamento quando vieramÀ grande profundeza, dilúvios.Na batalha haveráQuatro vintenas de centenasQue dividirão de acordo com sua vontade.
124
Eles não são mais velhos nem mais jovensDo que eu mesmo em suas divisões.Um milagre, a centúria nasceu, cada um de novecentos.Ele estava comigo também,Com minha espada manchada de sangue.Foime atribuída honraPelo Senhor e a proteção estava onde ele estava.Se eu for aonde o javali foi morto,Ele comporá, ele se decomporá,Ele formará linguagens.O radiante de mão forte, seu nome,Com um raio ele governa seus números.Eles se espalhariam numa chamaQuando eu tivesse de ascender.Fui uma cobra malhada na colina,Fui uma víbora no lago.Fui um bico encurvado cortante,Fui uma lança furiosa.Com minha casula e tigela,Profetizarei não erroneamenteQuatro vintenas de fumigaçõesSobre cada um o que trarão.Cinco batalhões de braçosSerão apanhados por minha faca.Seis corcéis de matiz amarelado,Uma centena de vezes melhor éMeu corcel amarelo claro,Rápido como a gaivota marinha,A qual não passaráEntre o mar e a margem.Não sou eu proeminente no campo do sangue?Sobre ele está uma centena de capitães.Carmim a pedra do meu cinto,De ouro é a borda do meu escudo.Não houve ninguém nascido na brechaQue tenha estado a visitarme,Exceto GoronwyDos vales de Edrywy.Compridos e brancos os meus dedos,Faz muito tempo que fui um pastor.Viajei na terraAntes que eu fosse versado no conhecimento.Viajei, fiz um circuito,Dormi numa centena de ilhas,Numa centena de fortalezas habitei.Vós, inteligentes Druidas,Declarai a ArthurO que há mais antigoDo que eu para eles cantarem.E um veioDa reflexão sobre o dilúvioE do Cristo crucificadoE do dia do julgamento futuro.Uma gema dourada numa jóia dourada.Sou esplêndidoE ficarei livreDa opressão dos ferreiros.
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Gwydion surge no papel duplo de mago e poeta nas linhas compostas a seu
respeito no Kadd Goddeu, em que um de seus irmãos, Amaethon, luta contra
Arawn por causa de um corça, um cachorro e um pavoncino que ele levara do
Reino do Além. O lado que adivinhasse o nome de uma certa pessoa entre seus
oponentes nessa luta seria o vencedor e Gwydion, por meio de suas artes,
satisfez essa condição. Em conseqüência, Amaethon venceu.
32 Arianrhod, filha de Dôn
“Roda de Prata” (?), filha de Dôn, era uma das Três Belas Damas da ilha (tríade
107):
Três Belas Donzelas da Ilha da GrãBretanha: Gwen filha de Cywryd, filho de Crydon; Creirwy, filha de Ceridwen e Arianrod, filha de Dôn.
Já se observou que o nome galês da constelação Corona Borealis era Caer
Arianrhod (veja nota n°. 31). Na Grécia, essa mesma constelação é associada a
Ariadne, filha do rei de Creta, Minos, e amante de Teseu e, depois, do deus
Dioniso.
Além de Dylan e Llew, sabemos que Gwenwynwyn (o principal lutador de
Arthur) e Gwanar foram filhos de Arianrhod, nascidos de sua união com
Lliaws ab Nwyfre (tríade 14).
33 O Castelo de Arianrhod. A Lenda da Cidade de Ys.
Na cidade de Clynnog, em Carnarvonshire, havia a tradição de que uma antiga
cidade próxima dali e chamada Caer Arianrhod fora engolida pelo mar e suas
ruínas, diziase, seriam ainda visíveis nas marés vazantes e com bom tempo.
Caer Sidi, a torre de iniciação do Outro Mundo, onde os poetas aprendem a
sabedoria inspirada e os mortos vão entre as encarnações, seria também o
126
domínio de Arianrhod.
Existe outra importante lenda, de origem bretã, envolvendo uma cidade
submersa nos mitos célticos:
A Lenda da Cidade de Ys
Aqui está a história do Rei Gradlon e da Cidade de Ys. O Rei Gradlon vivia na Cornualha. Ele possuía uma frota de muitos navios que gostava de opor a seus inimigos, muitas vezes em países distantes onde o clima era frio. Era um excelente marinheiro e estrategista e freqüentemente vencia suas batalhas, saqueando os navios oponentes e enchendo suas arcas com ouro e troféus.
Um dia, seus marinheiros, cansados das lutas nesses países frios, rebelaramse, recusandose a atacar o castelo que lhes fora prometido. Muitos deles morreram durante o inverno. Eles decidiram voltar a seus barcos e retornar a sua terra, a Bretanha, para encontrar as esposas e filhos que lá viviam em paz. O Rei Gradlon deixouos partir e viuse só na noite fria.
Ele fora dominado por seus próprios homens e, depois da intensa excitação das lutas e vitórias, conheceu uma tristeza profunda. O rei subitamente sentiu uma presença ao seu redor. Ele levantou a cabeça e viu, alva sob o luar e vestindo uma couraça brilhante da luz das estrelas noturnas, uma mulher de longo cabelo vermelho. Era Malgven, a Rainha do Norte, soberana boreal reinando sem oposição sobre os países frios.
Ela disse ao Rei Gradlon: “Eu te conheci, és corajoso e hábil no combate. Meu marido é velho, sua espada está enferrujada. Tu e eu iremos matálo. Então tu me levarás ao teu país da Cornualha.”
Eles mataram o velho Rei do Norte, encheram uma arca com ouro e, como Gradlon não tinha mais navio, montaram em Morvarc’h, o cavalo mágico de Malgven. Morvarc’h significa “cavalo do mar”, ele era negro como a noite e soprava fogo por suas narinas. O cavalo galopava na crista das ondas e eles rapidamente se reuniram aos barcos do rei que voltavam para a Cornualha. Uma tempestade violenta e um temporal de raios começaram então, espalhando os navios pelo oceano.
O nascimento de Dahut
Gradlon e Malgven ficaram um ano inteiro no mar. Certo dia, num navio, Malgven deu à luz uma criança, uma menina chamada Dahut. Desafortunadamente, a rainha ficou doente e morreu. O Rei Gradlon e sua filha, Dahut, voltaram para a Cornualha. Mas o rei estava tão triste que ele nunca saía de seu castelo.
Dahut cresceu, ela era muito bela, como Malgven, sua mãe. O Rei Gradlon gostava de brincar com os cachos de seu longo cabelo dourado. Dahut gostava do mar. Um dia, ela pediu a seu pai que construísse uma cidade, uma cidade próxima ao mar.
A cidade construída ante o mar
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O Rei Gradlon amava sua filha e concordou. Muitos milhares de operários começaram e construir a cidade que parecia emergir do mar. Para prevenir contra as altas ondas e a tempestade, foi construído um altíssimo dique que circundava a cidade com uma única e fechada porta de bronze que dava acesso a ela. O Rei Gradlon era o único que tinha a chave. Ela foi chamada a cidade de Ys.
O noivado de Dahut com o Oceano
Os pescadores viam na praia, a cada entardecer, uma mulher que cantava em alta voz, penteando seu comprido cabelo loiro. Era a princesa Dahut. Ela dizia:
“Oceano, belo Oceano azul, rolame na areia, sou tua prometida,Oceano, belo Oceano azul.Nasci no mar, entre as ondas e a espuma, quando era uma criança,eu brincava contigo.Oceano, belo Oceano azul, rolame na areia, sou tua prometida,Oceano, belo Oceano azul.Oceano, que decides quais navios e homens voltarão, dáme os naufrágiosdos navios suntuosos e suas riquezas, ouro e tesouros.Traze à minha cidade lindos marinheiros que eu possa admirar.Não sejas ciumento, eu os devolverei a ti um após o outro.Oceano, belo Oceano azul, rolame na areia, sou tua prometida,Oceano, belo Oceano azul.”
A cidade de Ys tornouse um lugar onde as pessoas podiam divertirse e encheuse de marinheiros. Cada dia via novas festas, jogos e danças.
A máscara mágica
A cada dia, a princesa Dahut tinha um noivo novo. Ao entardecer, ela colocava uma máscara preta sobre o rosto dele, ele permanecia com ela até de manhã.
Assim que o canto da cotovia era ouvido, a máscara apertavase na garganta do rapaz e sufocava o noivo da noite anterior. Um cavaleiro levava o corpo em seu cavalo para lançálo no Oceano, além da Baía dos Mortos. Assim, todos os noivos de Dahut morriam quando a manhã chegava e eram jogados no mar.
Certo dia de primavera, um estranho cavaleiro chegou à cidade de Ys. Ele estava vestido em vermelho, suas mãos eram longas e finas, suas unhas pontudas e recurvadas. Dahut sorriulhe, o cavaleiro sequer olhou para ela. Ao entardecer, ele aceitou aproximarse dela. Por um longo tempo ele passou suas mãos compridas com unhas pontudas no belo cabelo dourado da princesa.
Subitamente, veio do mar um grande barulho e uma terrível rajada de vento golpeou as muralhas da cidade de Ys. “A tempestade pode rugir, as portas da cidade são fortes e é o Rei Gradlon, meu pai, quem possui a única chave, amarrada ao seu pescoço”, disse Dahut.
“Teu pai, o rei, dormiu, podes agora pegar a chave facilmente”, respondeu o cavaleiro.
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A submersão da cidade
A Princesa Dahut entrou no quarto de seu pai, lentamente se aproximou dele e pegou a chave, presa a uma corrente em volta do seu pescoço. Imediatamente, uma enorme onda, mais alta do que uma montanha, caiu sobre Dahut. Seu pai acordou e ela lhe disse: “Pai, depressa, temos de tomar o cavalo Morvarc’h, o mar derrubou os diques”. O rei colocou sua filha em cima do cavalo, o mar estava furioso. O cavalo empinouse sobre a água que estava subindo com grandes bolhas. Dahut agarrouse a seu pai e disselhe: “Salvame, meu pai!”
Então houve um grande relâmpago na tempestade e uma voz falou, alcançando de rochedo a rochedo: “Gradlon, afoga a princesa”.
São Guenole, o missionário de Deus
Uma forma pálida como um morto apareceu, envolvida numa grande veste castanha. Era São Guenole, que disse à princesa: “Vergonha e infortúnio estejam contigo, tentaste roubar a chave da cidade de Ys!” Dahut respondeu: “Salvame, levame ao fim do mundo!" Mas o cavalo Morvarc’h não se movia mais e as águas furiosas os envolviam. São Guenole repetiu sua ordem a Gradlon: “Afoga a princesa!”, ondas enormes estavam nos pés deles. Dahut escorregou para o chão e o Rei Gradlon, furioso, empurrou sua filha para dentro do mar. As ondas se fecharam sobre a princesa. O mar inundou a cidade de Ys, cujos habitantes morreram todos afogados.
O cavalo do rei moveuse de novo, saltando na praia e então atravessando prados e colinas, galopando a noite inteira. Gradlon chegou à cidade onde dois rios unemse entre sete colinas, Quimper. Ele decidiu fazer dela sua capital e ali viver o resto de seus dias. Quando morreu, sua estátua foi esculpida em granito. Essa estátua está ainda entre as duas torres da catedral de São Corentin, em Quimper. Ela representa o Rei Gradlon a cavalo, olhando na direção da cidade desaparecida.
As pessoas dizem que Dahut, depois de sua morte, tornouse uma sereia e que ela aparece aos pescadores nas noites de luar, penteando seu longo cabelo dourado. Também dizem que, quando o tempo está bastante calmo, é possível ouvir os sinos da cidade desaparecida.
Gwelaste morverc'h, pesketourO kriban en bleo melen aourDre an heol splann, e ribl an dour ?Gwelous a ris ar morverc'h venn,M'he c'hlevis o kanann zokenKlemvanus tonn ha kanaouenn.
Pescador, viste uma menina do marpenteando seu comprido, dourado cabeloenquanto o grande sol brilhava aqui, às margens do mar?Eu vi a branca filha do mar,Eu até mesmo a ouvi cantar,Lamentosas eram a melodia e a canção.
A Cidade de Ys, epílogo
A lenda conta que a cidade de Ys ficava na Baía de Douarnenez. O lugar chamado Pouldavid, distante uns poucos quilômetros a leste da cidade de
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Douarnenez, é a forma francesa de Poul Dahut, o “buraco de Dahut” em bretão, e indica o local onde a princesa foi engolida pelas ondas.
Dizse também que a cidade de Ys era a mais bela capital do mundo e que Lutécia foi chamada de Paris porque par Ys significa “como Ys” em bretão.
Dois provérbios populares bretões testemunhamno:
Abaoue ma beuzet Ker IsN'eus kavet den par da Paris.
Desde que foi afundada a cidade de Ys,Ninguém encontrou uma igual em Paris.
Pa vo beuzet ParisEc'h adsavo Ker Is.
Quando Paris for engolfada,A cidade de Ys reemergirá.
34 Llew Llaw Gyffes
O incidente relatado no conto da jornada de Llew Llaw Gyffes (“Leão com a
Mão Firme”) e Gwydion ab Dôn disfarçados de fabricantes de sapatos
dourados em busca de um nome e armas de sua mãe, Arianrhod, forma a
matéria de uma tríade que já foi citada (veja nota n°. 24).
Llew Llaw Gyffes foi um dos Três Homens Carmesins da ilha, dos quais o
mais conhecido foi Arthur, pois, onde ele tivesse pisado, nem erva, nem grama
cresceriam pelo espaço de um ano (tríade 24).
Llew obtém seu nome de Arianrhod depois de atingir uma carriça. Os druidas
consideravam a carriça (também cambaxirra ou uirapuru) como “o supremo
entre todos os pássaros”. Era o pássaro sagrado da ilha de Man. Druida e rei
dos pássaros, seus gorjeios eram interpretados como augúrios. Na tradição
céltica, a carriça é profética e a direção de onde ela pia à noite é considerada
extremamente significativa. Na Escócia, era conhecida como “ave da Rainha do
Céu” e consideravase extremamente desfavorável matála, mas, na Inglaterra e
na França, havia uma caça à carriça no dia de São Estevão (26 de dezembro),
uma cerimônia que surgiu de um antigo rito précristão. Os caçadores vestiam
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se ritualmente, matavam uma carriça, penduravamna numa vara e levamna
em procissão, pedindo dinheiro; então a enterravam no cemitério.
A carriça era associada ao Outro Mundo e esses rituais de caça estavam ligados
ao solstício de inverno e à morte da vegetação. Na Irlanda, a ave era conhecida
como “doutor de Fionn” e caçada pelos “Meninos da Carriça” com um ritual
semelhante ao encontrado na GrãBretanha e na França no dia de São Estevão.
O pássaro representava um deus primordial (como Cronos, Bran ou Arthur) que
deveria ceder seu lugar, não importando quão notável fosse seu reinado.
A sepultura de Llew é mencionada nos Englynion y Beddau Milwyr Ynis
Prydain como sendo protegida pelo mar.
Melyngar Mangre, o cavalo de Llew, era um dos principais cavalos de guerra
da ilha (“Tríades dos Cavalos”, veja nota nº. 22).
35 Dinas Dinllef
Dinas Dinllef situase na costa, cerca de três milhas ao sul de Carnarvon, na
paróquia de Llantwrawg, nos confins de uma grande extensão de terra chamada
Morfa Dinllef. Os restos de uma fortaleza ali existentes consistem em um
grande monte circular, bem defendido por rampas de terra e fossos profundos.
36 Blodeuwedd
A história de Blodeuwedd, a bela “Rosto de Flor”, foi sempre popular entre os
poetas. As linhas de Taliesin relativas a sua romântica origem já foram
mencionadas na nota sobre Gwydion ab Dôn (veja nota nº. 31) e Dafyd Gwilyn
tem um poema muito bonito sobre sua transformação em coruja, onde, após
algumas questões preliminares relacionadas a seus hábitos peculiares e
retirados, o poeta prossegue inquirindolhe qual sua história e seu nome. O
pássaro responde que, outrora, os nobres nos banquetes chamavamna
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Blodeuwedd e ela jura por São David que é a filha de um senhor de Mona
(Anglesey) igual em dignidade ao próprio Meirchion (o pai do rei Mark da
Cornualha, famoso por seu papel na lenda de Tristan e Yseult; pensase que
Meirchion tenha sido um rei da Cornualha no fim do séc. V). Ela prossegue,
dizendo que Gwydion, filho de Dôn, transformoua com sua vara mágica,
levandoa do seu passado estado de beleza a sua condição de miséria atual
porque ela, certa vez, supusera amar Gronw, o alto e belo, filho de Fed
Goronhir, senhor de Penllyn.
37 Mur y Castell
Mur y Castell (“Muralha do Castelo”), nos limites de Ardudwy, também
chamado Tomen y Mur (“Colina do Forte”), fica a cerca de duas milhas ao sul
do Cynfael ou rio Ffestiniog e dista cerca de três milhas do Llyn y Morwynion,
ou “Lago das Donzelas”, em que as infortunadas acompanhantes de
Blodeuwedd encontraram seu destino final.
38 A tribo de Gronw Pebyr
A tríade 35 recita a circunstância da falta de devoção evidenciada por essa
tribo, como detalha o texto:
As Três Tribos Desleais da Ilha da GrãBretanha: a tribo de Gronw Pebyr de Penllyn, que se recusou a ficar no lugar de seu senhor para receber o dardo envenenado de Llew Llaw Gyffes, em Llech Gronw, em Blaen Cynfael, em Ardudwy. E a tribo de Gwrgi e Peredur, que desertou de seus senhores em Caer Greu, onde havia uma reunião para a batalha na manhã seguinte contra Eda Glinmawr e ambos foram mortos, E a terceira, a tribo de Alan Fyrgan, que retornou às escondidas de seu senhor, deixandoo e a seus servos no caminho para Camlan, onde ele foi morto.
Penllyn, de que Gronw era o senhor, é um distrito às margens do Llyn Tegid ou
Lago Bala. A tradição diz que recebeu seu nome de Tacitus, um dos filhos de
Cunedda.
Cunedda Wledig (gwledig, que se torna wledig depois de certos sons, significa,
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aproximadamente, "príncipe" ou “chefe”, termo talvez usado como tradução
céltica do latim protector) era um governante da tribo dos Votadini, no norte da
GrãBretanha, que emigrou para o norte de Gales com uma grande parte de
seus súditos em 430. Ele expulsou os invasores irlandeses de uma grande parte
de Gales. A linhagem sugere que sua família era originalmente romana. A filha
de Cunedda, Gwen, era a mãe de Eigyr (Igraine), a mãe de Arthur, tornandoo
assim bisavô deste.
PRONUNCIANDO O GALÊS
I A língua de Gales
O idioma de Gales, mais adequadamente chamado Cymraeg de preferência ao
termo inglês Welsh (palavra germânica com o sentido de “estrangeiro”),
pertence a um ramo do céltico, idioma indoeuropeu. A linguagem dos galeses
é prima distante do irlandês e irmã do bretão. O galês é ainda utilizado por
cerca de meio milhão de pessoas dentro do País de Gales e, possivelmente,
outras poucas centenas de milhares na Inglaterra e áreas alémmar.
Nas regiões mais densamente povoadas de Gales, tais como o sudeste
(contendo os grandes centros urbanos de Cardiff, Newport e Swansea), a língua
cotidiana normal é o inglês, mas há outras áreas, notadamente nas regiões do
oeste e do norte (particularmente Gwynedd e Dyfed) onde o Galês permanece
forte e grandemente visível. O nome galês do país é Cymru (kamri), a “Terra
dos Companheiros”; o povo é conhecido com Cymry (kamri) e a língua, como
Cymraeg (kamráig). Diferenças regionais no galês falado não impedem que
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usuários de regiões diferentes entendamse mutuamente e o galês padrão é
compreendido por falantes do idioma em toda parte.
Apesar de sua aparência, extraordinária para o não iniciado, o galês é hoje uma
língua cuja ortografia é completamente regular e fonética, de forma que, tendo
compreendido as regras, você poderá aprender a ler e pronunciar sem muita
dificuldade. Para crianças pequenas, aprender a ler o galês oferece muito menos
dificuldades do que o inglês, pois as muitas inconsistências da ortografia
inglesa não são encontradas no galês, em que todas as letras são pronunciadas.
II O alfabeto galês
O alfabeto da língua galesa possui 28 letras:
A B C Ch D Dd E F Ff G Ng H I LLl M N O P Ph R Rh S T Th U W Y
III As vogais
A como em pai. Palavras galesas: am, ac.
E como no inglês bet ou echo. Palavras galesas: gest (guést); enaid (énaid).
U como no francês mur (aqui representado por ü). Palavras galesas: ganu
(gánü); Cymru (kahmrü); tu (tü); un (ün).
O como no inglês lot ou moe. Palavras galesas: o’r (ore); dod (dode); bob
(bobe).
W u como em tu, nu. Palavras galesas: cwm (kum); bws (bus); yw (iu); galw
(gálu).
Y tem dois sons diferentes, o som final do inglês happy (i, neste texto) ou o
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som representado pelo u do inglês bus (ah, neste texto): y (ah); yr (ahr); yn
(ahn); fry (vri); byd (bid).
Todas as vogais (inclusive w e y) podem ser alongadas pela adição de um
acento circunflexo (^), conhecido em galês como to bach (“pequeno teto”).
IV Os ditongos
Ae, ai e aw são pronunciados como o inglês eye: ninnau (ninái); mae (mái);
henaid (hénaid); main (máin); craig (kráig).
Eu e ei são pronunciados como ei na palavra pray: deusiau (dêixái), ou, em
alguns dialetos, (dixah); deil (dêil ou dáil); teulu (têilü ou táielü).
Ew é semelhante a eu, ou, talvez, ao inglês mount: mewn (meun ou máun);
tew (teu).
Oe como em mói: croeso (króiso); troed (tróid); oen (óin).
Wy como no inglês win ou ui: wy (ui); wyn (win); mwyn (muin).
Ywy como no inglês Howie: bywyd (bowid); tywyll (towithl).
Aw como no inglês áu: mawr (máur); prynhawn (prinháwn); lawr (láur).
V As consoantes
Na maioria das vezes, B, D, H, L, M , N, P, R, S e T são pronunciados
aproximadamente da mesma forma que seus equivalentes em português (o H é
sempre pronunciado como no inglês hat, jamais mudo). As diferenças são as
seguintes:
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C sempre como em carro, nunca como em cigarro: canu (káni); cwm (cum);
cael (káil) e, é claro, Cymru (kamrü).
CH como no escocês loch ou no alemão ach ou noch. O som nunca é como no
inglês church, mas como em Dogherty: edrychwn (edráchun); uwch (üuch);
chwi (chui).
Dd é como o th inglês nas palavras seethe ou them: bydd (bithe); sydd (sith);
ddofon (thovon); ffyddlon (fithlon).
Th é como o th inglês em think, forth, thank: gwaith (gwáith); byth (bith).
F é como o v português: afon (ávon); fy (vi); fydd (vith); hyfryd (havrid); fawr
(váur); fach (vach).
Ff é como o f português: ffynnon (finon); ffyrdd (firth); ffaith (fáith).
G é sempre como em gado, guerra: ganu (gánü); ganaf (gánav); angau (angái);
gem (guem).
Ng é como no inglês finger ou Long Island. O ng comumente surge com um h
depois, como uma mutação do c: Yng Nghaerdydd (“em Cardiff”, pronunciado
ung háir dith) ou Yng Nghymru (“em Gales”, pronunciado ang humri).
Ll é um l com uma expiração. Isso significa que você deve fazer com seus
lábios e língua como se fosse pronunciar um l e então soprar o ar suavemente
pelos lados da língua ao invés de dizer qualquer outra coisa. Em inglês, o som
mais próximo a esse seria um l com um th (de think) antes: llan (thlan); llawr
(thláur); llwydd (thluith).
Rh soa como uma ligeira expiração antes que o r seja pronunciado: rhengau
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(hrengái); rhag (hrag); rhy (hri).
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SUMÁRIO
Prefácio
I. Que é o Mabinogion? ........................ 3II. As lendas do Mabinogion ........................ 4III. Sobre esta tradução ........................ 12
O Primeiro Ramo do Mabinogion
Pwyll, Príncipe de Dyfed
Introdução ........................ 14I Pwyll encontra Arawn. ........................ 14II Na Corte de Annwfyn. ........................ 17III Pwyll mata Hafgan. ........................ 18IV Rhiannon. ........................ 20V No palácio de Hefeyd Hen. ........................ 25VI O jogo do Texugo na Bolsa. O casamento de
Rhiannon e Pwyll. ........................ 16
VII Nascimento e rapto de Pryderi. ........................ 31VIII A égua de Teirnyon. ........................ 33IX O retorno de Pryderi. ........................ 35
Notas ao Primeiro Ramo
1 Pwyll, príncipe de Dyfed ........................ 39Os Espólios de Annwn ........................ 402 Dyfed ........................ 423 Glyn Cuch ........................ 444 Arawn, Senhor de Annwfyn ........................ 445 Annwfyn ........................ 456 Um monte ........................ 467 Rhiannon ........................ 47Uma (pequena) lenda sobre Modron ........................ 488 Hefeyd Hen ........................ 489 Gwent Is Coed ........................ 4910 Gwri Gwallt Euryn ........................ 4911 Pendaran Dyfed ........................ 50
O Segundo Ramo do Mabinogion
Branwen, Filha de Llyr
Introdução ........................ 51I A chegada de Matholwch. ........................ 51II A ira de Efnissyen. ........................ 53
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