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ANUARIO INTERNACIONAL DA COMUCIÓN LUSÓFONA I 2014 121 Imagens de uma investigação sobre as políticas culturais portuguesas Manuel Gama [email protected] (Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho) Artigo recibido: 12/09/2014 Artigo aceptado: 25/10/2014 Artigo publicado: 10/12/2014 Resume POLÍTICAS CULTURAIS: Um olhar transversal pela janelaecrã de Serralves é um projeto de investigação de doutoramento realizado entre os anos de 2011 e de 2014 com o objetivo de contribuir para a discussão crítica e construtiva sobre as políticas culturais em Portugal. No presente artigo vai resgatarse o conceito cinematográfico de argumento para se apresentar o percurso metodológico da investigação: num primeiro momento, sob a forma de argumento programa, vão ser enunciadas as linhas gerais que foram tidos em conta na conceção do projeto; e, num segundo momento, sob a forma de argumento modelo, vai apresentarse o processo de implementação da investigação. O artigo termina com a apresentação sumária das conclusões da investigação. Palavras Clave: Estudos Culturais; Políticas Culturais; argumento programa; argumento modelo. Abstract CULTURAL POLICIES: A transversal look through Serralves screenwindow is a PhD research project done between 2011 and 2014 aiming to contribute for a constructive and critical discussion about cultural policies in Portugal. In this article, the argument’s cinematographic concept will be redeemed to present the methodological route of the investigation: in a first moment, under the form of a program argument, the general lines which were taken into account in the project design will be enunciated, and in a second moment, under the form of a model argument, the process of the investigation implementation will be presented. The article ends with a short presentation of research findings. Keywords: Cultural Studies; Cultural Policies; Program Argument; Model Argument. 1. Uma investigação em Estudos Culturais sobre Políticas Culturais POLÍTICAS CULTURAIS: Um olhar transversal pela janelaecrã de Serralves pretendeu, através da produção de um ponto de vista realizado a partir da observação da Fundação de Serralves, contribuir para a discussão crítica e construtiva sobre as políticas culturais em Portugal. A realização de estudos e de reflexões mais ou menos profundas sobre as políticas culturais não é uma novidade em Portugal, mas a realidade é que na maioria dos casos têm sido muito pouco consequentes uma vez que as suas conclusões não têm sido integradas de forma coerente nos programas das políticas culturais e, quando o são, raramente correspondem a uma prática política consistente. Nesta investigação, mais do que apresentar, a partir do estudo de uma instituição considerada como uma referência a nível nacional, um conjunto de boas e de más práticas das políticas culturais portuguesas dos últimos anos, procurou reunirse um conjunto de

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ANUARIO INTERNACIONAL DA COMUCIÓN LUSÓFONA I 2014 121    

Imagens de uma investigação sobre as políticas culturais portuguesas    Manuel Gama  -­‐  [email protected]  (Centro  de  Estudos  de  Comunicação  e  Sociedade  da  Universidade  do  Minho)      

Artigo  recibido:  12/09/2014  Artigo  aceptado:  25/10/2014  Artigo  publicado:  10/12/2014  

Resume  POLÍTICAS   CULTURAIS:   Um   olhar   transversal   pela   janela-­‐ecrã   de   Serralves   é   um   projeto   de  investigação  de  doutoramento  realizado  entre  os  anos  de  2011  e  de  2014  com  o  objetivo  de  contribuir  para  a  discussão  crítica  e  construtiva  sobre  as  políticas  culturais  em  Portugal.  No  presente  artigo  vai  resgatar-­‐se  o  conceito  cinematográfico  de  argumento  para  se  apresentar  o  percurso  metodológico  da  investigação:  num  primeiro  momento,  sob  a  forma  de  argumento  programa,   vão   ser   enunciadas   as   linhas   gerais   que   foram   tidos   em   conta   na   conceção   do  projeto;   e,   num   segundo   momento,   sob   a   forma   de   argumento   modelo,   vai   apresentar-­‐se   o  processo  de  implementação  da  investigação.  O  artigo  termina  com  a  apresentação  sumária  das  conclusões  da  investigação.    Palavras   Clave:   Estudos   Culturais;   Políticas   Culturais;   argumento   programa;   argumento  modelo.    Abstract  CULTURAL   POLICIES:   A   transversal   look   through   Serralves   screen-­‐window   is   a   PhD   research  project   done   between   2011   and   2014   aiming   to   contribute   for   a   constructive   and   critical  discussion  about  cultural  policies  in  Portugal.    In   this   article,   the   argument’s   cinematographic   concept   will   be   redeemed   to   present   the  methodological   route   of   the   investigation:   in   a   first  moment,   under   the   form   of   a   program-­‐argument,   the   general   lines   which   were   taken   into   account   in   the   project   design   will   be  enunciated,  and  in  a  second  moment,  under  the  form  of  a  model  argument,  the  process  of  the  investigation  implementation  will  be  presented.  The  article  ends  with  a  short  presentation  of  research  findings.    Keywords:  Cultural  Studies;  Cultural  Policies;  Program  Argument;  Model  Argument.  

 1.  Uma  investigação  em  Estudos  Culturais  sobre  Políticas  Culturais  

POLÍTICAS   CULTURAIS:   Um   olhar   transversal   pela   janela-­‐ecrã   de   Serralves   pretendeu,  através  da  produção  de  um  ponto  de   vista   realizado   a  partir   da  observação  da  Fundação  de  Serralves,   contribuir   para   a   discussão   crítica   e   construtiva   sobre   as   políticas   culturais   em  Portugal.  A   realização  de  estudos  e  de   reflexões  mais  ou  menos  profundas   sobre  as  políticas  culturais  não  é  uma  novidade  em  Portugal,  mas  a  realidade  é  que  na  maioria  dos  casos  têm  sido  muito  pouco  consequentes  uma  vez  que  as  suas  conclusões  não  têm  sido  integradas  de  forma  coerente   nos   programas   das   políticas   culturais   e,   quando   o   são,   raramente   correspondem   a  uma  prática  política  consistente.    

Nesta   investigação,   mais   do   que   apresentar,   a   partir   do   estudo   de   uma   instituição  considerada  como  uma  referência  a  nível  nacional,  um  conjunto  de  boas  e  de  más  práticas  das  políticas   culturais   portuguesas   dos   últimos   anos,   procurou   reunir-­‐se   um   conjunto   de  

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evidências  que  permitissem  perceber:  Como  é  que  a  Fundação  de  Serralves,  enquanto  entidade  emissora  e  recetora  de  políticas  culturais,  influenciou  e  foi  influenciada  pelas  políticas  públicas  para   a   cultura   emanadas   da   administração   central   e   da   administração   local   da   sua   área   de  influência?  Para  o  efeito  convocaram-­‐se  imagens  que  podem  concorrer  para  a  promoção  de  um  processo  de  reflexão  que  contribua  para  que  Portugal  veja  implementada  uma  política  cultural,  enquadrada   internacionalmente,   que   seja   fruto  de  uma   rede  de  políticas   culturais  públicas   e  privadas  que,  articuladamente,  desenvolva  um  conjunto  de  medidas  setoriais  para  atingir  um  objetivo   que   poderá   ser   tão   aparentemente   simples   como   o   de   “contribuir   para   que   o  desenvolvimento   assegure   a   progressiva   realização   das   potencialidades   dos   membros   da  coletividade”  (Furtado,  1986:64).    2.  A  metáfora  cinematográfica  

Apesar  de  POLÍTICAS  CULTURAIS:  Um  olhar  transversal  pela  janela-­‐ecrã  de  Serralves  não  ser  uma  investigação  sobre  cinema,  nem  ter  sido  realizada  por  especialistas  ou  estudiosos  da  7ª   arte,   a   realidade   é   que   utilizou   códigos   e   técnicas   oriundos   daquela   que   pode   ser  considerada  como  “a  primeira  fase  do  que  é  verdadeiramente  uma  cultura-­‐mundo”  (Lipovetsky  &   Serroy,   2010:92)   para   sublinhar   que   é   urgente   a   implementação   de   políticas   em   que   a  cultura   seja,   novamente,   “vista   como   um   instrumento   privilegiado   que   torna   possível   o  aperfeiçoamento   e   a   superação   de   si,   a   abertura   aos   outros,   o   acesso   a   uma   vida   menos  unilateral”  (Ibidem:243).  

No   cinema   a   montagem   pode   ser   “o   verdadeiro   momento   de   elaboração   do   filme”  (Chabrol,  2005:66).  Não  obstante  ser  durante  este  processo  que  se  “fornece  um  suplemento  de  sentido   às   imagens,   cujo   mero   conteúdo   não   poderia   dar   esse   sentido”   (Amiel,   2008:35),   a  verdade  é  que  múltiplos   fatores,   como  a  experiência  da  equipa,  os   recursos  disponíveis  ou  a  capacidade   do   realizador   para   se   deixar   influenciar   pelos   imponderáveis   da   gravação,  contribuem   para   que   a   planificação   do   processo   de   recolha   de   imagens   possa   ter   níveis   de  desenvolvimento  muito  díspares  e  para  que  o  material  recolhido  e  disponibilizado  na  mesa  de  montagem  possa  ser  muito  distinto  do  que  estava   inicialmente  previsto.  Acresce  ainda  que  o  complexo   processo   de   “agenciamento   das   imagens-­‐movimento   de   forma   a   construir   uma  imagem   indirecta  do   tempo”   (Deleuze,  2009:54)  depende   também  do  efeito  que   se  pretende  provocar  com  a  obra  e  que  pode  concorrer  para  que  as  imagens  sejam  trabalhadas  unicamente  para  cumprir  uma  função  narrativa  ou  para  sublinhar  efeitos  metafóricos  óbvios.  

Neste  projeto  de  investigação  optou-­‐se,  conscientemente,  por  desenvolver  um  plano  de  recolha  de   imagens   constituído  por   sequências  principais,   de   forma  a  permitir   a   inclusão  de  novas  perspectivas  em   função  do   trabalho  realizado   (Marner,  2007).  Na  mesa  de  montagem,  procurou-­‐se   implementar   uma   “montagem   criadora”   (Amiel,   2008:42)   que   integrasse,   por  exemplo,  “o  todo  orgânico  e  o  intervalo  patético”  (Deleuze,  2009:66)  –  “o  patético  surge,  assim,  como  um  operador  de  transformação  qualitativa  de  sentido,  transformando  o  vazio  e  a  ruptura  da  descontinuidade  numa  reversão  do  movimento”  (Grilo,  2008:102)  –  tentando  desta   forma  contribuir  para  o  “salto  qualitativo”  (Deleuze,  2009:64)  das  políticas  culturais  em  Portugal.  

Para   apresentar   sinteticamente   a   linha   orientadora   do   processo   de   planificação   e   de  montagem   da   janela-­‐ecrã   decidiu-­‐se   resgatar   e   adaptar   o   conceito   de   argumento   que,   no  cinema,   se   refere   normalmente   a   um   conjunto   de   “etapas   muito   diferentes   do   trabalho   de  preparação”  (Aumont  &  Marie,  2009:25)  de  uma  obra:  numa  1ª  fase  sob  a  forma  de  argumento  programa  onde  são  enunciadas  as   linhas  gerais  do  enquadramento  metodológico  que  foi  tido  em  conta  na  conceção  da  investigação;  e  numa  2ª  fase  sob  a  forma  de  argumento  modelo  que  permitirá   perceber   clara   e   objetivamente   como   se   processou   a   implementação   de   toda   a  investigação  e  diagnosticar  as  diferenças  principais  entre  o  plano  de  intenções  e  a  montagem  final  do  filme  das  políticas  culturais  produzido  entre  2011e  2014.  

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3.  O  argumento  do(s)  argumento(s)  Pelo   diagnóstico   exploratório   efetuado   às   políticas   culturais,   considerou-­‐se   que   o  

programa   de   trabalho   a   implementar   no   projeto   de   investigação   ganharia   se   permitisse   a  produção   de   conhecimento   científico   assente   em   alguns   dos   princípios   norteadores   do  “Racionalismo  Aberto  e  Crítico”  (Carvalho,  2009:124-­‐128).  

Assim   sendo,   a   planificação   não   poderia   recear   a   implementação   de   um   processo   de  diálogo  constante  transdisciplinar  uma  vez  que  “os  horizontes  disciplinares  surgem  não  como  um  entrave  a  ser  abolido,  mas   [antes]  como  [um]  ponto  de  partida  para  uma  “viagem”  entre  saberes  [que  tradicionalmente  estão]  compartimentados”  (Ortiz,  2004:122).  Uma  viagem  que,  neste  caso,  poderia  ser  efetuada  na  companhia  dos  estudos  culturais  que  são  por  excelência  um  campo   interdisciplinar   onde   certas   preocupações   e   métodos   convergiram,   permitindo  compreender   fenómenos   e   relações   que   não   estavam   acessíveis   através   das   disciplinas  existentes  (Turner,  2003).  

Quando  no  final  da  década  de  cinquenta  do  século  passado,  se  começou  a  desenvolver  esta  área  de  investigação,  que  deve  ser  analisada  “tanto  do  ponto  de  vista  político,  na  tentativa  de  constituição  de  um  projeto  político,  quanto  do  ponto  de  vista  teórico,  isto  é,  com  a  intenção  de   construir   um   novo   campo   de   estudos”   (Escosteguy,   2001:5),   foram   dados   os   primeiros  passos  para  a  “produção  de  uma  análise  cultural  que  faz  convergir  princípios  e  preocupações  académicas   com   uma   exigência   de   intervenção   cívica,   ou   seja,   [que]   articula   inquietações  simultaneamente   teóricas  e  preocupações   concretas   com  a  polis”   (Baptista,  2009:19).  Assim,  pelo  “politeísmo  metodológico”  (Martins,  2009:29-­‐40)  que  encerram,  os  estudos  culturais  pode  ser  um  dos  campos  de  investigação  científica  que,  combinando  abordagens  mais  flexíveis  fruto  da  criatividade  dos  investigadores  com  abordagens  mais  estruturas  assentes  no  rigor  científico  (Moscovici,  1988),  melhor  pode  responder  ao  desafio  de  repensar  as  fronteiras  de  produção  de  conhecimento  científico  e  de  efetuar  uma  articulação  entre  a  cultura  e  a  sociedade,  sem  ter  de  “pôr  em  causa  a  componente  teórica  que  garanta  uma  abordagem  mais  reflectida  e  sem  ter  de  abdicar   da   possibilidade   de   se   ver   nas  manifestações   analisadas   não   uma  mera   extensão   do  poder,  mas  […]  abrindo  a  possibilidade  de  se  poder  destrinçar  formas  de  este  ser  rearticulado,  negociado  ou  contestado”  (Sanches,  1999:204-­‐205).  

Apesar   de   o   legado   de   mais   de   cinquenta   anos   de   institucionalização   revelar   uma  multiplicidade   de   discursos   e   de   práticas   que   contribuíram   para   que   os   estudos   culturais  fossem  sendo  construídos  por  um  conjunto  de  diferentes  metodologias  e  posições  teóricas  que  por  vezes   indicam  caminhos  distintos,  a  verdade  é  que  esse  percurso,  algo   instável,   constitui  um   sinal   de   que   esta   disciplina   está   aberta   ao   que   ainda   não   sabe,   ao   que   ainda   não   pode  nomear,  não  sendo  um  sinónimo  de  que  é  apenas  pluralista  (Hall,  2005).  Portanto,  justificar  o  desenvolvimento   do   argumento   do   projeto   de   investigação   sob   a   bandeira   dos   estudos  culturais  não  se  revelava,  também,  um  processo  pacífico.  

Não   obstante   a   dificuldade   do   argumento   para   o   argumento,   era   indiscutível   que   a  transdisciplinaridade  potenciava  a  análise  que  se  pretendia  efetuar  às  políticas  culturais.  A   convocação   simultânea   que   se   queria   fazer   de  métodos   e   técnicas   oriundos   de   campos  de  investigação  –  como  o  da  sociologia,  o  da  ciência  política,  o  das  ciências  da  comunicação  ou  o  da  psicologia   social   –   poderia,   à   partida,   ser   facilmente   sancionada   à   luz   das   múltiplas  possibilidades  de  complementaridade  e  de  cruzamentos  disciplinares  que  os  estudos  culturais  encerram.  Mas  será  que  essa  justificação  era  suficiente?  

As   políticas   culturais   podem   e   devem   “beneficiar   do   escrutínio   científico   a   que   a  sociologia   é   capaz   de   submetê-­‐las”   (Silva,   2003:10).   Uma   perspetiva   eminentemente  sociológica   na   investigação   permitiria   analisar   o   facto   social   em   função   do   contexto   e   das  causas   que   o   originaram,   das   relações   sociais   que   foram   sendo   produzidas,  mas   também  do  ponto   de   vista   interno   do   processo   social   de   concepção   e   implementação   das   políticas  

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culturais.   Os   resultados   desta   visão   até   poderiam,   com   alguma   sorte   e   em   algum   aspeto  específico,   ser   reintegrados   no   “tecido   social,   influindo   nas   acções   de   indivíduos   e  organizações,   tornando-­‐se   elementos   constitutivos   dos   processos   de   reprodução   e  transformação  social”  (Costa,  2009:141).  Mas  a  verdade  é  que  se  corria  o  risco  de  produzir  um  processo   vazio   de   consequências   pois,   por   mais   que   se   compreenda   um   problema   e   se  identifiquem   as   mudanças   necessárias   para   o   corrigir,   é   necessário   ter   ferramentas   para  conseguir  produzir  a  mudança  (Fullan,  2005),  ou  seja  ter  “uma  competência  específica  […  para]  entrar   com   alguma   probabilidade   de   sucesso   no   jogo   propriamente   político”   (Bourdieu,  2011:174).  

Tornava-­‐se   por   isso   fundamental,   para   se   aspirar   a   consequência   da   ação,   juntar   ao  olhar   sociológico   uma   análise   das   políticas   culturais   sob   a   ótica   da   ciência   política   que  permitisse  diagnosticar  e  compreender  alguns  dos  aspetos  “relativos  aos  processos  de  decisão  e   às   relações   de   poder   nas   sociedades   […],   bem   como   as   estruturas   políticas   e   sociais   que  intervêm  directa  ou  indirectamente  na  tomada  de  decisões”  (Fernandes,  2010:34).  Este  ponto  de   vista   poderia   convocar   imagens   particularmente   importantes   para   a   investigação   como   a  imagem  do   sistema   político   construída   a   partir   das   teias   de   relações   que,   explicitamente,   se  estabelecem  com  o  setor  cultural;  ou  a  imagem  que,  a  partir  dos  princípios  utilizados  na  análise  das  tendências  individuais,  estabeleceria  uma  ponte  entre  o  perfil  de  alguns  dos  protagonistas  do  poder  político  público  e  a  sua  ação  política  concreta;  ou  ainda  a  imagem  que  apresentaria,  sumariamente,  a  relação  entre  as  razões  evocadas  para  a  tomada  de  algumas  decisões,  os  seus  objetivos,  as  suas  funções  manifestas  e  as  suas  funções  latentes.  

No  entanto,   apesar  de   se   considerarem  promissoras   as   imagens  que  a   ciência  política  poderia  fornecer,  julga-­‐se  que  o  olhar  poderia  ficar  amputado.  

Tendo   em   consideração   “que   o   sentido   do   texto   é   activado   pelo   leitor,   audiência   ou  consumidor”  (Baptista,  2009:  25),  poderia  ser  útil  compreender,  a  partir  do  estudo  e  análise  de  algumas   decisões   concretas,   a   codificação   da  mensagem   que   as   enuncia,   a   forma   como   essa  mesma   mensagem   foi   descodificada   pelos   seus   destinatários   e   como   é   que   o   processo   de  codificação/descodificação   contribuiu   para   o   complexo   processo   de   formação   das  representações  sociais  entendidas  aqui  como  “um  saber  funcional  ou  teorias  sociais  práticas”  (Vala,  2000:478).  

Portanto  parecia  nítido  que,  para  a  consequência  da  realização,  a   investigação  deveria  apoiar-­‐se   também   nas   ciências   da   comunicação   para,   por   exemplo,   aferir   da   eficácia   do  processo   de   comunicação   das   políticas   culturais   e   na   psicologia   social   para,   através   da  objetivação  e  da  ancoragem,  “compreender  [,  por  um  lado,]  como,  no  senso  comum,  as  palavras  e  os  conceitos  são  transformados  em  coisas,  em  realidades  externas  aos   indivíduos  […  e,  por  outro,  como  se  opera]  a  transformação  do  não  familiar  em  familiar”  (Ibidem:502).  

Uma  análise  intercalar  do  programa  que  se  encontrava  em  construção,  demonstrou  que  o  argumento  da  articulação  disciplinar  parecia  revelar,  de  forma  inequívoca,  a  sua  pertinência  e  adequação  para  a  investigação.  

Não   obstante   a   avaliação   francamente   positiva,   não   se   considerou   suficiente   para  justificar  o  enquadramento  do  programa  a  desenvolver,  uma  vez  que  não  se  podia  olvidar  que  a  articulação  pode,   enganosamente,   parecer  um  conceito   simples.  Quando  a   teoria   e   o  método  são   entendidos   sob   a   ótica   do   desenvolvimento   em   relação   à   mudança   de   posições  epistemológicas   e   condições   políticas,   com   o   objetivo   de   fornecer   orientações   para   uma  intervenção  estratégica,  torna-­‐se  impossível  analisar  uma  teoria  cuidadosamente  embalada  ou  um  método  claramente  delineado  (Slack,  2005).  

Revelou-­‐se   por   isso   necessário   revisitar   o   problema   desencadeador   da   investigação   e  reavaliar   a  pertinência  de  um  projeto  de   investigação  que  pretendia   ser  mais  um  contributo  para   a   discussão   crítica   e   construtiva   sobre   as   políticas   culturais   em   Portugal   no   início   de  

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século   XXI.   Um   projeto   que   pretendia   contribuir   para   a   construção   de   teoria   a   partir   de  conhecimentos   conjunturais,   que   têm  de   ser  debatidos  de  uma   forma  dialógica,   e   como  uma  prática  que  pensa  que  a  sua  intervenção  no  mundo  faria  alguma  diferença  e  teria  algum  efeito  (Hall,  2005).  

Mas  a  constatação  de  que  a  crise  económica  e  financeira,  que  se  agudizou  em  Portugal  no  final  da  1ª  década  do  século  XXI,  estava  constantemente  a  servir  de  álibi  para  o  adensar  do  nevoeiro   sobre   o   muro   de   betão   da   “operação   inoperativa”   (Agambem,   2008:44)   que   as  políticas   culturais   estavam   a   ser   sujeitas,   contribuiu   para   se   constatar   que   a   pertinência   da  janela-­‐ecrã   se   mantinha   cada   vez  mais   atual,   bem   como   para   tornar   cada   vez  mais   óbvia   a  escolha   do   caminho   a   seguir   pois,   como   afirma   Stuart   Hall   (2005),   há   algo   de   especial   nos  estudos  culturais  que  não  se  encontra  em  muitas  das  outras  práticas  intelectuais  e  críticas.  

E  foi  a  partir  destes  princípios  orientadores  que,  segundo  o  paradigma  qualitativo  num  modelo  não-­‐experimental  transversal  correlacional/causal,  foi  concebida  a  planificação  de  um  estudo  de  caso  intrínseco  e  instrumental,  onde  se  pretendia  recorrer  à  análise  de  documentos  e  à  realização  de  entrevistas  semiestruturadas  para  a  recolha  de  dados.  

Sobre   a   relevância   do   ponto   estratégico   a   partir   do   qual   se   decidiu   apresentar   esta  quase   “imagem-­‐percepção”   (Deleuze,   2009:115-­‐136)   do   estado   das   políticas   culturais,  relembram-­‐se  que  o  processo  de  seleção  do  espaço  a  partir  do  qual  se  iria  captar  um  conjunto  de   imagens   sobre   o   setor   cultural   –   imagens   que   ao   serem   reveladas   através   do  enquadramento   de   outras   imagens   potenciavam   o   realce   dos   seus   aspetos   mais   relevantes  contribuindo,   desta   forma,   para   a   construção   de   um   ponto   de   vista   rigoroso  mas   criativo   –  permitiu   concluir   de   forma   inequívoca   que   o   contexto   em   que   surgiu,   a   forma   como   foi  evoluindo  ao  longo  de  mais  de  vinte  e  cinco  anos  de  existência  e  a  diversidade  dos  seus  campos  de   ação,   eram   motivos   mais   que   suficientes   para   justificar   a   pertinência   de   olhar   para   as  políticas   culturais   em   Portugal   pela   janela-­‐ecrã   da   Fundação   de   Serralves.   Tanto   mais   que,  “longe  de  ser  o  mero  cenário  onde  se  desenrola  a  acção,  o  espaço  é  parceiro  activo  na  narração,  pois   intervém  como  uma  das   forças  activas  da  história”   (Gardies,  2008:84)  que  conta  alguns  dos   episódios   importantes   das   relações   entre   a   cultura   e   o   poder   na   contemporaneidade  portuguesa.    4.  Argumento  programa  

Definidos   os   princípios   orientadores   da   investigação,   o   argumento   programa   foi  estruturado   em   três   sequências   principais   de   recolha   de   imagens,   após   as   quais   se   deveria  seguir  um  rigoroso  processo  de  montagem.  

Na   Sequência   Principal   1   decidiu-­‐se   fazer   a   análise   de   documentos   centrada  essencialmente  nas   fontes,   de   forma  a   efetuar  um  recorte  peculiar  de   estudo,   constituindo  o  ângulo  novo  e   imprevisto  que  deveria  delinear  e  estruturar  o  eixo  da   investigação  (Carvalho,  2009).  O  conjunto  de  documentos  previstos  analisar  nesta  sequência  contemplava:   legislação  relacionada  com  a  Fundação  de  Serralves  publicada  em  Diário  da  República;  os  Planos  Anuais  de   Atividades   e   os   Relatório   &   Contas   da   Fundação   de   Serralves;   e   textos   e   documentos  relacionados  com  o  tópico  em  estudo.  

Na   Sequência   Principal   2   de   recolha   de   dados   previu-­‐se   efetuar   a   análise   de  documentação   oficial   produzida   pela   administração   central   (e.g.,   leis   orgânicas   do   Governo,  programas  de  Governo  para  a  cultura,   legislação  do  setor  cultural,   iniciativas  parlamentares);  de   documentação   oficial   produzida   pela   administração   local   (e.g.,   atas   das   reuniões   da  assembleia  municipal,  atas  das  reuniões  de  câmara,  plano  e  orçamento  municipal,  relatório  de  atividades  e  de  contas,  mapa  de  pessoal)  com  especial  atenção  para  as  autarquias  que  no  ano  de   2011   tinham   o   estatuto   de   fundadoras   da   Fundação   de   Serralves;   e   de   outro   tipo   de  

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documentos   provenientes   de   fontes   primárias   e   inadvertidas   que   poderiam   surgir   na  Sequência  Principal  1.  

Finalmente,   na   Sequência   Principal   3   considerou-­‐se   adequado,   para   debelar   algumas  dúvidas  que  pudessem  subsistir   ou  para   sublinhar   algumas  das   conclusões  preliminares  das  sequências   anteriores,   a   realização   de   entrevistas   semi-­‐estruturadas   a   elementos-­‐chave   da  Fundação   de   Serralves,   do   poder   central,   das   autarquias   que   em  2011   tinham  o   estatuto   de  fundadoras  da  Fundação  de  Serralves  e  de  instituições  culturais  públicas  e  privadas.  Ao  longo  da  implementação  do  argumento  programa  estava  ainda  prevista,  como  é  evidente,  a  realização  de  uma  profunda  revisão  da   literatura  e  a  análise  de  um  conjunto  muito  amplo  de  documentação   relacionado  com  o   tópico  em  estudo  de   forma  a  permitir   reunir  dados  para  a  triangulação  da  informação  recolhida  sob  diferentes  formatos  e  para  a  construção  de  um  novo  olhar  sobre  um  problema  velho  que  remonta,  pelo  menos,  à  época  do  Estado  Novo.    5.  Argumento  modelo  

Apresentado  o  argumento  programa,  realça-­‐se  que  quando  o  desenho  metodológico  foi  concebido,   o   objeto   científico   ainda   se   encontrava   em   fase   de   construção   uma   vez   que   só  depois  de  haver  um  conhecimento  profundo  do  objeto  real  é  que  se  poderiam  selecionar,  com  rigor,   os   aspetos  que   seriam  mais  pertinentes   investigar.  Acresce   ainda  que   a   construção  do  objeto  científico  “é  um  trabalho  de  grande  fôlego,  que  se  realiza  pouco  a  pouco,  por  retoques  sucessivos,   por   toda   uma   série   de   correcções,   de   emendas,   sugeridas   por   o   que   se   chama   o  ofício,   quer   dizer,   esse   conjunto   de   princípios   práticos   que   orientam   as   opções   ao   mesmo  tempo   minúsculas   e   decisivas”   (Bourdieu,   2011:25).   A   recolha   de   imagens   efetivamente  realizada  nas  três  sequências  principais  pré-­‐definidas  dependia,  por  isso,  da  decomposição,  ou  seja  da  descrição  e  da  explicação  (Journot,  2005),  que  deveria  ser  efetuada  de  forma  intercalar  a  cada  uma  das  sequências.  

Se   a   observação   do   argumento   modelo   for   efetuada   sob   este   ponto   de   vista,   não   se  estranharão  as  diferenças  entre  o  plano  de  intenções  e  o  plano  de  concretizações  uma  vez  que,  em   função   do   objeto   científico   definido,   foi   necessário   mobilizar   outras   técnicas   que   se  consideraram  mais   adequadas   e   pertinentes   para   que,   de   forma   rigorosa   mas   não   rígida,   a  recolha   de   dados   contribuísse   efetivamente   para   se   tentar   cumprir   o   objetivo   do   projeto   de  investigação.  

A   estratégia   adotada   contribuiu   assim   para   que   tivesse   havido   um   reajuste   geral   ao  calendário   de   execução   dos   trabalhos   em   função   da   construção   do   objeto   científico   e   da  aplicação   de  métodos   e   instrumentos   de   recolha   de   dados   que   só   era   possível   selecionar   e  construir  depois  de  focada  a  investigação.  

Em  setembro  de  2011,  durante  o  processo  de  recolha  de   imagens  para  a   investigação,  detetou-­‐se  que  estava  a  ser  implementada  a  iniciativa  Art@Biblio  que  constitui  o  1º  projeto  de  uma   rede   cultural   protagonizado   por   cinco   das   doze   autarquias   que   nesse   ano   tinham   o  estatuto  de  fundadoras  da  Fundação  de  Serralves.  

Dada   a   pertinência   da   operação   e   os   promotores   e   parceiros   envolvidos,   decidiu-­‐se,  apesar   de   não   estar   inicialmente   previsto,   integrar   o   estudo,   através   da   observação   direta  (Quivy  &  Campenhoudt,  2008)  e,  sempre  que  possível,  da  objetivação  participante  (Bourdieu,  2011),   da   Art@Biblio   na   investigação.   Sublinha-­‐se   que   esta   opção   acabou   por   se   revelar  fundamental  para  a  construção  de  um  outro  e  novo  olhar  sobre  a  Fundação  de  Serralves,  sobre  as   autarquias   envolvidas   e   sobre   as   autarquias  que,   apesar  de   convidadas,   decidiram  não   se  associar  ao  projeto  da,  autodenominada,  rede  de  bibliotecas.  

O   processo   de   recolha   de   imagens   da   Art@Biblio   dividiu-­‐se   em   três  momentos:   o   1º  momento  decorreu  de  forma  intensiva  no  1º  trimestre  de  2012  e  incluiu  a  observação  de  todas  as   atividades   relacionadas   com   a   implementação   de   uma   das   ações   do   projeto   num   dos  

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municípios   aderentes,   bem   com   todas   as   reuniões   realizadas   no   âmbito   do   projeto;   o   2º  momento   decorreu   de   forma   mais   esporádica   até   ao   final   do   ano   de   2012,   centrando-­‐se  essencialmente  em  algumas  das  reuniões  das  comissões  permanente  e  de  acompanhamento;  e  o  3º  momento,  que  voltou  a  ser   intensivo,  decorreu  entre   janeiro  e  maio  de  2013  e   incluiu  a  observação   de   um   conjunto   muito   significativo   de   atividades   relacionadas   com   a  implementação  da  mesma  ação  observada  no  1º  momento  noutra  dos  municípios  aderentes,  bem   como   a   observação   de   algumas   das   reuniões   realizadas   no   âmbito   do   projeto   e   do  seminário  de  encerramento  do  projeto  que  decorreu  na  Fundação  de  Serralves.  

Para  o  registo  da  informação  proveniente  da  “observação  armada”  (Deshaies,  1997:298)  realizada  foi  criada  uma  ficha  de  observação  que  depois  de  preenchida,  uma  por  cada  um  dos  episódios   observados,   foi   integrada   no   diário   de   campo   das   observações   que   depois   foi  utilizado  intensamente  na  mesa  de  montagem  da  investigação.  

O   instrumento   criado   para   a   recolha   dos   dados   das   observações   foi   estruturado   em  quatro  secções  distintas  mas  complementares.  A  1ª  para   informações  práticas  e  objetivas  de  cada   um  dos   episódios   observados,   ou   seja,   para   as   “notas   de   trabalho   de   campo”   (Lessard-­‐Hébert,  Goyette  &  Boutin,  1994:157)  a  realizar  imediatamente  a  seguir  a  cada  observação.  A  2ª  para  as  “anotações  interpretativas”  (Sampieri,  Collado  &  Lúcio,  2006:385)  e  pessoais  de  caráter  subjetivo   –   impressões   e   estados   de   espírito   –   que   surgissem   nas   vinte   e   quatro   horas  subsequentes   a   cada   observação.   A   3ª   para   as   “reflexões   teóricas   e   metodológicas”   (Costa,  1986:132)   que   os   episódios   de   observação   suscitassem.   E   a   4ª   secção   destinada   ao  estabelecimento   das   pontes   possíveis   entre   as   conclusões   preliminares   resultantes   da  interpretação  dos  diferentes   episódios   observados,   a   investigação   em   curso   e   os   episódios   a  observar  no  futuro,  com  o  objetivo  final  de  diagnosticar  a  necessidade  de  aplicação  de  técnicas  complementares  de  observação.  

De   facto   “a   complementaridade   permite   […]   efectuar   um   trabalho   de   investigação  aprofundado,  que,  quando  conduzido  com  lucidez  e  as  precauções  necessárias,  apresenta  um  grau   de   validade   satisfatório”   (Quivy   &Campenhoudt,   2008:200).   Por   isso,   no   estudo   da  Art@Biblio,  para  além  de  se  ter  efetuado  a  “recolha  intensiva  de  informação  acerca  de  um  vasto  leque   de   práticas”   (Costa,   1986:137)   das   instituições   envolvidas   no   projeto,   de   se   tentar  marcar  “presença  repetida  no  maior  número  possível  das  actividades  de  todo  o  tipo  que  nele  se  passam”  (Ibid.),  de  se  ter  recorrido  a  informantes  privilegiados  que  permitiram  a  “inserção  no  tecido  social   local,   […  e  obter   informações   sobre]  acontecimentos  que  nele   se  vão  passando”  (Costa,   1986:139)   e   de   se   terem   realizado   conversas   informais   por   ser   “a   técnica   mais  adequada   para   a   captação   de   acontecimentos,   práticas   e   narrativas”   (Ibidem:140),   achou-­‐se  importante  aplicar  um  questionário  aos  bibliotecários  envolvidos  no  projeto.  

Para   a   construção   do   questionário   aplicado   no   processo   de   recolha   de   imagens   da  Art@Biblio   foi   utilizado   o   processo   sugerido   por   Sampieri,   Collado  &   Lúcio   (2006:325-­‐342).  Assim,  depois  de  analisados  questionários  aplicados  noutras  investigações,  optou-­‐se  por  criar  um  questionário  de  raiz  a  partir  do  “questionário  de  recolha  de  dados  estatísticos”  (Direcção-­‐Geral  do  Livro  e  das  Bibliotecas,  s.d.)  aplicado  no  ano  de  2010  pela  então  Direcção  de  Serviços  de  Bibliotecas   da  Direção  Geral   do   Livro   e   das  Bibliotecas   tutelada   pelo   então  Ministério   da  Cultura.  

Ainda  no  âmbito  do  processo  de  recolha  de  imagens  sobre  a  Art@Biblio  foi  organizada  uma  mesa  redonda  na  Fundação  de  Serralves  que,  para  além  da  participação  da  maioria  dos  bibliotecários  que,  no  ano  de  2012,   integravam  a  Art@Biblio,  contou  com  os   testemunhos  de  elementos   de   outros   projetos   de   redes   culturais   nacionais   cujas   práticas   passadas   se  consideraram   importantes   para   o   desenvolvimento   futuro   da   Art@Biblio:   a   Comum-­‐RC   e   a  Artemrede.   Obviamente   que   a   realização   da   mesa   redonda   também   não   estava   prevista  inicialmente.  No   entanto,   considerou-­‐se   ser   este  o   instrumento  mais   adequado  para,   por  um  

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lado,  recolher  um  conjunto  de   imagens  que  dificilmente  se  conseguiriam  por  outros  métodos  ou  técnicas,  e,  por  outro  lado,  promover  uma  discussão  informal,  mas  orientada,  sobre  o  tema  em  análise,  através  de  uma  adaptação  muito  livre  da  técnica  de  focus  group  que  “permite  não  só  que  se  crie  um  espaço  de  debate  em  torno  de  um  assunto  comum  a  todos  os  intervenientes,  como   também   permite   que   através   desse   mesmo   espaço   os   participantes   construam   e  reconstruam   os   seus   posicionamentos   em   termos   de   representação   e   de   actuação   futura”  (Galego  &  Gomes,  2005:179).  

Tendo   em   consideração   que   o   estudo   da   Art@Biblio   não   foi   inscrito   no   argumento  programa,   teve   que   ser   incluída   uma   nova   sequência   no   argumento   modelo   –   a   Sequência  Principal   2A   –   que   foi   sendo   desenvolvida   em   paralelo   com   a   Sequência   Principal   2   que,  inevitavelmente,  também  foi  alvo  de  um  ajuste  de  calendário.  

Para   além   dos  motivos   já   invocados   para   o   ajuste   no   calendário,   salienta-­‐se   que   este  também  foi  provocado  por  se  ter  observado  que  um  número  muito  significativo  de  autarquias  com   o   estatuto   de   fundadoras   da   Fundação   de   Serralves   se   foi   revelando   algo   reticente   a  disponibilizar  alguma  da  documentação  solicitada,  o  que  obrigou  a  um  trabalho  suplementar  junto  dos  arquivos  municipais.  

Como   já   foi   sublinhado,   a   flexibilidade   metodológica   associada   ao   rigor   científico   foi  uma  das  pedras  de  toque  deste  processo  investigativo.  Para  colmatar  todos  os  contratempos  e  dificuldades  que  se  previam  sentir  em  alguns  momentos  do  processo  de  recolha  de   imagens,  definiu-­‐se   previamente   que   deveria   ser   aplicado   regularmente   um   mecanismo   interno   de  avaliação  –  umas  vezes  formal  outras  vezes  informal,  umas  vezes  centrada  no  processo,  outras  nos  objetivos,  outras  nos  resultados  e  outras  ainda  nos  participantes  –  de   forma  a  conseguir,  em   tempo   real,   ir   aplicando   os   ajustes   que   se   consideravam   mais   adequados   para   a  consequência  da  ação.  

Numa   das   avaliações   intercalares   efetuadas   concluiu-­‐se   que,   devido   à   pertinência   e   à  adequação  da  estratégia  de  recolha  de  imagens  adotada  na  Sequência  Principal  2A,  esta  deveria  ser   utilizada,   com   algumas   adaptações,   para   o   desenvolvimento   de   uma   nova   sequência,   a  Sequência  Principal  2B,  para  aprofundar  um  dos  eixos   incontornáveis  das  políticas   culturais,  ou  seja  os  públicos  da  cultura.  

O  casting  para  o  projeto  protagonista  da  Sequência  Principal  2B  recaiu  sobre  o  evento  Serralves  em  Festa,  que  é  promovido  desde  2004,  uma  vez  que  o  projeto  está  enquadrado  no  eixo   estratégico   da   Fundação   de   Serralves   relacionado   com   a   Sensibilização   e   Formação   de  Públicos.  

Dadas  as  caraterísticas  do  evento  selecionado,  a  Sequência  Principal  2B  foi  estruturada  em  três  momentos.  No  1º  momento  foram  analisados  os  diversos  documentos  disponibilizados  pela  Fundação  de  Serralves  sobre  o  Serralves  em  Festa.  No  2º  momento  fez-­‐se  a  observação  da  9ª   Edição   do   Serralves   em   Festa   que   decorreu   nos   dias   2   e   3   de   junho   de   2012.   E   no   3º  momento,  que  decorreu  no  1º  semestre  de  2013,  fez-­‐se  a  observação  da  pré-­‐produção  da  10ª  edição   do   Serralves   em   Festa,   de   forma   a   complementar   a   informação   recolhida   nos   dois  primeiros  momentos  com  os  aspetos  práticos  que  permitem  a  concretização  de  um  projeto  que  se  transformou  no  “maior  festival  de  expressão  artística  contemporânea  em  Portugal  e  um  dos  maiores  da  Europa”  (Fundação  de  Serralves,  2011:2).  

Regra   geral,   as   técnicas   aplicadas   na   Sequência   Principal   2B   foram   similares   às  aplicadas   na   Sequência   Principal   2A,   no   entanto,   porque   à   observação-­‐participação   foi  acrescentada   uma   componente   de   observação   indireta,   torna-­‐se   importante   sublinhar   como  esse  processo  decorreu.  

Dada   a   dimensão   e   duração   do   Serralves   em   Festa,   só   era   possível   efetuar   uma  observação   abrangente   se   se   tivesse   uma   equipa   devidamente   preparada   para   resistir   a  quarenta   horas   non-­‐stop   de   atividades   artísticas   e   culturais.   Por   isso,   para   a   observação   do  

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Serralves   em  Festa,   para   além  da  observação  direta,   realizaram-­‐se  momentos  de  observação  indireta  que  só  foram  possíveis  graças  à  empenhada  colaboração  dos  cursos  de  Gestão  Artística  e  Cultural  do  Instituto  Politécnico  de  Viana  do  Castelo.  

No  caso  da  observação  indireta  supervisionada  da  edição  de  2012,  foi  estruturada  uma  operação   recorrendo   a   sete   equipas,   de   dois   elementos   cada,   que   permaneceram,   cada   uma,  por   um   período   de   doze   horas   consecutivas   nas   instalações   da   Fundação   de   Serralves  observando   o   decorrer   do   evento   Serralves   em   Festa   na   ótica   do   fruidor   cultural.   Para   a  implementação  da  observação  indireta  foram  efetuadas  sessões  preparatórias  da  operação  de  captura  de   imagens  e   foi   feito  o  acompanhamento  no   terreno  de   todo  o  processo  através  de  encontros  para  a  partilha  de  experiências  e  de  pontos  de  situação,  que  decorreram,  regra  geral,  de  quatro  em  quatro  horas  nos  dois  dias  do  evento.  Para  além  das  notas  de  campo  retiradas  da  observação   direta   –   não   só   dos   eventos,   mas   também   dos   encontros   com   as   equipas   que  estavam   a  mediar   a   observação   indireta   no   terreno   –   cada   um   dos   grupos   de   observadores  produziu  um  documento  reflexivo  sobre  a  experiência  que,  depois  de  efetuada  a  análise  do  seu  conteúdo,   forneceu   dados   muito   pertinentes   para   a   investigação.   Realça-­‐se   que   com   este  momento  de  observação   indireta   se   tentou  apreender  o   espírito  da   festa,   como  ela   chega  ao  grande  público  e  como  este  se  vai  relacionando  com  os  diferentes  objetos  artísticos  que  lhe  vão  sendo  propostos  ao  longo  do  evento.  

No   caso   da   edição   de   2013,   a   observação   indireta   contou   com   a   colaboração   de   um  grupo  de  dois  alunos  finalistas  do  mesmo  curso,  que  estava  a  realizar  o  seu  estágio  profissional  na   Fundação   de   Serralves.   Como   o   grupo   já   tinha   previsto   observar,   durante   cerca   de   cem  horas,  os  processos  de  pré-­‐produção  e  de  produção  do  evento,   foi  estruturada  uma  operação  de  observação  de  forma  a  serem  recolhidos  dados  pertinentes  para  a  investigação.  Tal  como  na  observação   que   decorreu   em   2012,   realizaram-­‐se   reuniões   preparatórias   e   de  acompanhamento   com   os   observadores,   foram   fornecidas   fichas   de   observação   para  sistematização   da   informação   recolhida   nos   episódios   de   observação,   e   foram   produzidos  relatórios  finais  de  estágio  onde  os  observadores  incluíram  uma  análise  crítica  do  processo  e  dos  resultados.  A  observação  direta  da  10ª  edição  do  Serralves  em  Festa  incluiu  a  participação  numa  reunião  de  pré-­‐produção  do  evento  que  decorreu  em  maio  de  2013  e  numa  reunião  geral  com  os  voluntários  do  evento  que  decorreu  em  junho  de  2013.  

A   implementação   da   Sequência   Principal   2B,   que   não   estava   prevista   no   argumento  programa,   revelou-­‐se   muito   pertinente,   pois   permitiu   aprofundar   a   palavra-­‐chave   que   lhe  estava   subjacente,  mas   também   permitiu   retirar   algumas   ilações   interessantes   sobre   outros  aspetos  do  funcionamento  geral  da  Fundação  de  Serralves  como  o  facto  de  os  Planos  Anuais  de  Atividades  e  os  Relatório  &  Contas  da  Fundação  poderem  não  ser  um  espelho  fidedigno  do  que  acontece  realmente  na  instituição.  

À  medida   que   a   investigação   foi   decorrendo,   a   Sequência   Principal   2A   e   a   Sequência  Principal  2B  foram  ganhando  protagonismo,  uma  vez  que  iam  contribuindo  substantivamente  para   a   construção   de   uma   visão   crítica   e   construtiva   das   políticas   culturais   portuguesas  observadas  a  partir  de  um  espaço  social   semiprivado  que,   como  é  óbvio,   também  é  utilizado  para   a   legitimação   do   poder   público.   Face   a   esta   evidência,   percebeu-­‐se   que   seria   mais  adequado   e   produtivo   que   a   Sequência   Principal   3   começasse   a   ser   desenvolvida   a   par   da  Sequência  Principal  2.  

Inicialmente   estava   previsto   realizar,   na   última   etapa   de   recolha   de   imagens,   um  conjunto   de   entrevistas   semi-­‐estruturadas   a   elementos-­‐chave   da   Fundação   de   Serralves,   do  poder  central,  das  autarquias  que  em  2011  tinham  o  estatuto  de   fundadoras  da  Fundação  de  Serralves  e  de  instituições  culturais  públicas  e  privadas,  mas  rapidamente  se  constatou  que  o  caminho   a   seguir   deveria   ser   outro   e   ser   realizado   de   forma   transversal   ao   longo   de   toda   a  

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investigação.  E   foi  por   isso  que  surgiu  a  Sequência  Principal  2+3  fruto  da  fusão  da  Sequência  Principal  2  com  a  Sequência  Principal  3.  

Durante   a   Sequência   Principal   2+3,   realizou-­‐se   a   análise   de   grande   parte   da  documentação   elencado   na   Sequência   Principal   2   e   realizou-­‐se   um   conjunto   de   entrevistas  semi-­‐estruturadas  que  se  considerou  fundamental  para  o  sucesso  da  janela-­‐ecrã  e  que,  na  sua  maioria,  estavam  previstas  na  Sequência  Principal  3.  

Quanto   às   entrevistas,   salientam-­‐se   as   realizadas   a   três   diretores   da   Fundação   de  Serralves  e  a  cinco  vereadores  com  o  pelouro  do  setor  cultural  em  autarquias   fundadoras  da  Fundação  de  Serralves.  No  que  respeita  à  entrevista  que  estava  prevista  realizar  ao  secretário  de  Estado  da  Cultura  no  1º   semestre  de  2013,  o   facto  de  em  outubro  de  2012   Jorge  Barreto  Xavier  ter  substituído  Francisco  José  Viegas  no  cargo  concorreu  para  a  sua  não  realização,  pois  considerou-­‐se  que  a  pouca  experiência  de   Jorge  Barreto  Xavier  no  cargo  não  permitiria   fazer  uma  análise  consistente  entre  o  plano  de  intenções  e  as  concretizações  efetivas.  

A   participação   em   eventos   científicos,   a   apresentação   de   comunicações   em   eventos  científicos,  mas   também  com  a  participação  em  eventos  de  outra  natureza  que  pudessem  de  alguma   forma   ser   pertinentes   para   o   decurso   da   investigação,   foi   outra   das   estratégias  utilizadas   durante   o   processo   de   recolha   de   imagens   para   a   janela-­‐ecrã.   Julga-­‐se   que   esta  ligação   permanente   com   o   objeto   científico   e   a   realidade   social   que   se   pretendia   capturar  possibilitou   um   contacto   empenhado   e   um   confronto   de   ideias   com   alguns   protagonistas   do  setor,  que  se  revelou  particularmente  profícuo,  tanto  mais  que  “a  observação  directa  pessoal  e  a  observação  participante  podem  abrir  o  investigador  a  detectar  problemas  e  a  orientar-­‐se  na  busca   das   fontes   indirectas   ou   a   arquitectar   hipóteses”   (Godinho,   2011:87).   A   diversidade   e  qualidade  dos  envolvidos  em  alguns  dos  mais  de  sessenta  eventos  a  que  se  assistiu/participou  nos   três   anos   que  durou   a   investigação   foram  decisivos   para   o   sucesso  da   realização   e   para  justificar  o  facto  de  o  número  de  entrevistas  semi-­‐estruturadas  ter  sido  muito  mais  reduzido  do  que  o  inicialmente  previsto,  uma  vez  que  para  além  desta  atitude  pró-­‐ativa  com  uma  espécie  de  “questionamento   comum   aplicado   a   locais   e   situações   diferentes”   (Chartier,   2011:328),   se  realizou   um   conjunto  muito   significativo   de   entrevistas   informais   no   âmbito   da   observação  direta  e  participante  que  forneceu  dados  relevantes  para  a  janela  que  se  queria  abrir.    6.  Imagens  do  argumento    

Parece  que  não  restam  dúvidas  de  que  a  transformação  das  três  sequências  principais  incluídas  no  argumento  programa  nas  quatro  sequências  principais  do  argumento  modelo  foi  consciente  e  acompanhada  de  “uma  extrema  vigilância  das  condições  de  utilização  das  técnicas,  da   sua   adequação   ao   problema   posto   e   às   condições   do   seu   emprego”   (Bourdieu,   2011:25),  apresentam-­‐se  por  isso  agora  algumas  das  imagens  da  janela-­‐ecrã  que  prende  contribuir  para  que  o  abril  das  políticas  culturais  se  comece  a  cumprir  plenamente  em  Portugal.  

Um  grande  plano  sobre  alguns  dos  estudos  que  se  têm  debruçado  sobre  as  relações,  os  objetos  e  os  sujeitos  envolvidos  na  definição  e  implementação,  desde  o  2º  quartel  do  século  XX,  de   políticas   para   o   setor   cultural   em   Portugal,   permite   perceber   que   é   indiscutível   que   o  desenvolvimento  cultural  conquistado  em  quase  quarenta  anos  de  democracia  é  francamente  superior  ao  potenciado  pelos  mais  de  quarenta  anos  de  ditadura  e  que  todos,  setor  público  e  setor   privado,   têm   uma   cota   parte   de   responsabilidade   na   transformação   cultural   positiva  operada  em  Portugal  desde  1974.  Mas  no  filme  das  políticas  culturais  ninguém  sai   ilibado  de  um  passado  que  tem  que  ser  considerado  de  globalmente  errante  e  ninguém  se  pode  demitir  da  sua  função  no  futuro,  se  se  quer  que  ele  seja  promissor.  

Sem  minimizar  a  importância  que  a  administração  central  pode  ter  na  coordenação  da  política   cultural   nacional,   a   verdade   é   que   em  2013   se  podia   afirmar  que   a   tutela   ainda  não  tinha  aprendido   com  os  erros   e  que,   salvo  episódios  pontuais,   a   sua  ação   tinha,  desde  1974,  

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oscilado   entre   as   políticas   de   ausência   e   as   políticas   de   opulência,   que   não   raras   vezes   na  prática   se   tinham   revelado   inoperantes   e   inconsequentes.   A   recorrente   falta   de   articulação  entre  as  políticas  de  cultura  e  de  educação,  e  o,  mais  que  esperado,  incumprimento  da  maioria  dos   indicadores  e  metas  que,  no  ano  de  2005,   foram  definidos  para  as   catorze  orientações  e  objetivos  estratégicos  para  o  ano  de  2013,  são  apenas  duas  das  imagens  que  foram  recolhidas  no  âmbito  da  janela-­‐ecrã  e  que  sublinham  o  que  acabou  de  se  afirmar.  

A  administração  local  tem  tido  um  papel  importantíssimo  no  desenvolvimento  cultural  observado,   nomeadamente   nos   investimentos   efetuados,   no   entanto,   em   2013   ainda   eram  patentes  as  enormes  dificuldades  que  os  municípios  tinham  em  articular  a  sua  ação  com  a  ação  de   outros  municípios.   A   construção   de   infraestruturas   culturais,   por   um   lado,   e   o   défice   de  trabalho  em  rede  entre  estruturas  similares,  por  outro,  revelam  perfeitamente  as  duas  faces  de  uma  mesma  moeda  que  urge  cambiar.  

E,   não   obstante   existirem   exemplos   positivos   do   contributo   da   sociedade   civil   na  produção  de  políticas  culturais,  é  inegável  que  se  tem  observado  que,  não  raras  vezes,  há  uma  visão   muito   corporativa   e   uma   enorme   falta   de   proatividade   por   parte   de   muitas   das  instituições  e  dos  agentes  culturais  portugueses.  

Assinale-­‐se  ainda  que  a  falta  de  rigor  na  designação  de  um  conjunto  muito  significativo  de   centros   de   arte   e   museus   que,   em   Portugal   no   início   da   2ª   década   do   século   XXI,   se  dedicavam   às   artes   moderna   e   contemporânea,   pode   representar   simbolicamente   os  problemas   transversais   às   políticas   culturais   que   têm   sido   emanadas   dos   setores   público   e  privado.  

Para  além  de  um  conjunto  de  imagens  simbólicas,  as  evidências  encontradas  ao  longo  da  rodagem   da   janela-­‐ecrã   permitiram   dar   resposta   à   pergunta   que   foi   formulada   no   início   do  processo   de   produção   e   realização,   mas   também   às   perguntas   específicas   que   foram   sendo  formuladas  ao  longo  do  processo  de  recolha  de  imagens  que  não  se  convocam  neste  artigo,  e  serviram  para  reforçar  que  em  2013  ainda  havia  um  longo  caminho  a  percorrer  até  Portugal  ver  implementada  uma  política  cultural  coerente,  consistente  e  consequente.  

A  aposta  na  descentralização  cultural,  que  foi  um  dos  motivos  que  concorreu  para  que  em  1979  fosse  criada  a  comissão  organizadora  que  esteve  na  génese  da  Fundação  de  Serralves,  continuava   na   ordem   do   dia   pois,   não   obstante   o   país   ter   sido   dotado   de   um   conjunto   de  infraestruturas   espalhadas  um  pouco  por   todo  o   território  nacional,   a   verdade   é  que  muitos  dos   espaços   culturais   não   foram   dotados   de   recursos   minimamente   adequados   para  cumprirem  a  sua  missão  descentralizadora.  

A  publicação  no  ano  de  1986  de  um  decreto-­‐lei  que  previa,  pela  1ª  vez,  benefícios  fiscais  às  pessoas  singulares  e  coletivas  que  apoiassem  financeiramente  a  criação,  a  ação  e  a  difusão  cultural,   criou  o  enquadramento   legal  que   facilitou  a  angariação  das  verbas  necessárias  para  que  a  Fundação  de  Serralves  fosse  instituída  em  1989,  mas  não  concorreu  para  que,  em  2013,  se   pudesse   afirmar   que   o   mecenato   cultural   era   uma   prática   ancorada   na   sociedade   civil  portuguesa.  

O  reconhecimento  que  algumas  autarquias   têm  do  papel  que  a  Fundação  de  Serralves  pode  ter  na  capacitação  dos  seus  técnicos  municipais  é  indiscutível.  No  entanto,  o  desfecho  de  projetos  como  a  Art@Biblio  pode  ser  um  sinal  para  questionar  a  pertinência  e  a  consequência  de   algumas   das   opções   da   Fundação   de   Serralves   e   o   real   contributo   da   instituição   para   a  qualificação  das  políticas  culturais.  

Com  o  sublinhado  que  as  três  últimas  imagens  convocadas  permite  efetuar,  julga-­‐se  que  está  nítido  que  a  Fundação  de  Serralves,   enquanto  entidade  emissora  e   recetora  de  políticas  culturais,   influenciou   e   foi   influenciada   pelas   políticas   públicas   emanadas   da   administração  central  e  da  administração  local  da  sua  área  de  influência,  mas  também  se  julga  percetível  que  

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tal   só   se  observou  em  aspetos  muito   específicos   e  que   tal  não   se   revelou   substantivo  para   a  implementação  de  uma  política  cultural  em  Portugal.  

Apesar  de  a  missão  da  Fundação  de  Serralves  não  estar  relacionada  com  a  definição  e  a  execução   de   uma   política   cultural   nacional,   a   verdade   é   que   uma   instituição   cultural  considerada  como  um  caso  ímpar  de  sucesso  na  relação  entre  setor  público  e  o  setor  privado  não  se  pode  demitir  da  sua   função,  devendo  contribuir  proativamente  para  a   implementação  de  uma  rede  de  políticas  culturais  públicas  e  privadas  em  território  nacional.  

Porque  uma  política  cultural  que  se  queira  coerente,  consistente  e  consequente  tem  que,  no  início  da  2ª  década  do  século  XXI,  estar  enquadrada  pelas  dinâmicas  internacionais,  resta  a  esperança  que  a  aposta  que  a  União  Europeia  vai,  aparentemente,  efetuar  no  setor  cultural  e  criativo  durante  o  período  de  2014  a  2020,  seja  uma  oportunidade  para  que  todos  preparem  e  se   preparem   convenientemente   para   a   mudança   de   paradigma   inevitável   que   tem   que   se  observar  nas  políticas  culturais  portuguesas.  

Urge,   por   isso,   implementar   em   Portugal   uma   política   cultural,   enquadrada  internacionalmente,  que  seja  fruto  de  uma  rede  de  políticas  culturais  públicas  e  privadas  que,  articuladamente,   desenvolva   um   conjunto   de   medidas   setoriais   para   atingir   o   objetivo,   tão  aparentemente   simples,   de   contribuir   para   o   desenvolvimento   integral   dos   indivíduos   e   das  sociedades.  

Se  a  janela-­‐ecrã  cumprir  a  sua  função,  muitos  serão  os  que,  olhando  para  a  encruzilhada,  vão  afirmar  que  não  sabem  por  onde  vão,  mas  que  sabem  que  não  vão  por  ali  e,  por  isso,  vão  ficar  pensativos.    Referencias    Agambem,   G.   (2008)   “Arte,   Inoperatividade,   Política”   in   Cardoso,   R   (coord.)   Política,   Porto:  

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