1ª promotoria de justiÇa da comarca de marechal …...ato que, per se, viola a constituição...

54
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________ 1 EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE MARECHAL CÃNDIDO RONDON – ESTADO DO PARANÁ AUTOS N. 0004620-38.2013.8.16.0112 APELANTE: ESTADO DO PARANÁ APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ CONTRARRAZÕES AO RECURSO DE APELAÇÃO O Ministério Público do Estado do Paraná, no uso de suas atribuições legais e constitucionais junto a esta Comarca de Marechal Cândido Rondon/PR, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, nos Autos do Processo em epígrafe, oferecer as presentes CONTRARRAZÕES AO RECURSO DE APELAÇÃO, pelo que requer sejam elas encaminhadas, juntamente com as razões recursais, ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Ademais, tendo em vista o teor da decisão que recebeu o recurso de apelação apenas no efeito devolutivo (evento 119.1) e considerando a sentença prolatada (evento 102.1), a qual julgou parcialmente procedente a presente ação civil pública, apresenta-se, em seguida, requerimento para execução provisória da sentença.

Upload: others

Post on 05-Nov-2020

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

1

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA

DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE MARECHAL CÃNDIDO

RONDON – ESTADO DO PARANÁ

AUTOS N. 0004620-38.2013.8.16.0112

APELANTE: ESTADO DO PARANÁ

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ

CONTRARRAZÕES AO RECURSO DE APELAÇÃO

O Ministério Público do Estado do Paraná, no uso de suas

atribuições legais e constitucionais junto a esta Comarca de Marechal Cândido

Rondon/PR, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, nos Autos do

Processo em epígrafe, oferecer as presentes CONTRARRAZÕES AO

RECURSO DE APELAÇÃO, pelo que requer sejam elas encaminhadas,

juntamente com as razões recursais, ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do

Paraná.

Ademais, tendo em vista o teor da decisão que recebeu o

recurso de apelação apenas no efeito devolutivo (evento 119.1) e considerando a

sentença prolatada (evento 102.1), a qual julgou parcialmente procedente a presente

ação civil pública, apresenta-se, em seguida, requerimento para execução provisória

da sentença.

Page 2: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

2

DA EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA SENTENÇA

Diante da sentença proferida junto ao evento 102.1, tem-se

que o Estado do Paraná foi condenado, em síntese, na obrigação de fazer de

transferir os presos da Cadeia Pública de Marechal Cândido Rondon, na obrigação

de não fazer de não alocar novos presos nas vagas disponíveis, bem como, na

obrigação de fazer secundária de criar 150 (cento e cinquenta) vagas para abarcar os

presos de Marechal Cândido Rondon.

Salienta-se que o recurso de apelação do Estado do Paraná foi

recebido apenas no efeito devolutivo (evento 119.1), sendo que na oportunidade,

também se determinou a imediata intimação para cumprimento das determinações

contidas na sentença presente no evento 102.1.

Neste particular, convém mencionar que embora a sentença

proferida contra Estado devesse estar sujeita ao duplo grau de jurisdição, reexame

necessário, não produzindo efeitos senão depois de transitar em julgado, conforme

disposição do art. 475, inciso I, do Código de Processo Civil, tal situação não

possui o condão de ser aplicada para o presente caso, porquanto a sentença tratou

estritamente de obrigações de fazer e não fazer.

Pontua-se que em diversos julgados oriundos de Tribunais de

Justiça, reconheceu-se a possibilidade de execução provisória de sentença contra a

Fazenda Pública, nas hipóteses de obrigações de fazer, não fazer e dar coisa certa,

conforme segue:

O recurso extraordinário e o recurso especial não tem efeito

Page 3: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

3

suspensivo. A parte que pretende obter a suspensão da

execução provisória deve-se valer de medida cautelar

inominada. Pretensão de emprestar ao recurso extraordinário

o efeito suspensivo, que já foi indeferido em sede de medida

cautelar inominada, por vias obliquas, para desse modo

suspender a execução provisória. - Seja quem for o devedor,

Fazenda Pública ou não, tratando-se de obrigação de

fazer, não fazer ou dar coisa certa, o cumprimento da

sentença será efetivado nos termos do art. 461 e 461-A do

CPC- A sentença que condena a Fazenda Pública a uma

obrigação de fazer, não-fazer ou dar coisa cumulada com

uma obrigação de pagar quantia, será efetivada em

momentos e procedimentos distintos. Assim, a mesma

sentença poderá ser efetivada em uma fase do mesmo

processo, em relação àquele capítulo que reconheceu

uma obrigação de fazer, não-fazer ou dar coisa, e

também será objeto de execução em processo autônomo,

em relação ao capítulo que reconhece a obrigação de

pagar quantia certa. (TJMG. Agravo de Instrumento Cv

1.0106.06.022272-1/010. Rel.: Des. Edivaldo George dos

Santos. 7ª C. Cível. j. em 16/03/2010. Publicação da súmula

em 06/04/2010).

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO À SAÚDE. EMBARGOS À

EXECUÇÃO DE SENTENÇA. CARÊNCIA DE AÇÃO

POR FALTA DE INTERESSE DE AGIR.

DESCABIMENTO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA

CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. FORNECIMENTO

Page 4: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

4

DE MEDICAMENTO. OBRIGAÇÃO DE FAZER.

HIPÓTESE EM QUE NÃO INCIDE A VEDAÇÃO DA

LEI 9.494/97 (ART. 2º-B) E DA CONSTITUIÇÃO

FEDERAL (ART. 100 E PARÁGRAFOS). BLOQUEIO

DE VALORES NA CONTA CORRENTE DO ENTE

PÚBLICO. POSSIBILIDADE. Apelo desprovido. Sentença

confirmada em reexame necessário, de ofício. Unânime.

(TJRS. Apelação Cível n. 70047762075. 21ª C. Cível. Rel.:

Genaro José Baroni Borges. j. em 28/03/2012).

Assim sendo, em cotejo à sentença presente no evento 102.1,

conforme seus itens III.1, III.2 e III.3, e decisão constante no evento 119.1, o

Ministério Público requer seja intimado o Estado do Paraná, bem como o

Governador e Secretário de Segurança Pública do Estado, para cumprimento

imediato e integral da sentença, nos seguintes termos:

a) na obrigação de fazer, consistente em extirpar, no prazo

máximo de 45 (quarenta e cinco) dias, a situação de superlotação verificada na

Cadeia Pública de Marechal Cândido Rondon, por meio da transferência dos presos

registrados no local, sobretudo os condenados definitivamente, adequando o

número de presos ao número de vagas disponíveis, que consiste em 18 (dezoito);

b) na obrigação de não fazer, consistente em não alocar

novos presos acima das vagas disponíveis;

c) para que o oficial de justiça, no prazo de 55 (cinquenta e

cinco) dias, realize vistoria no estabelecimento prisional com a finalidade de aferir

se os detentos foram devidamente transferidos e a superlotação solucionada,

Page 5: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

5

conforme consignado no evento 102.1, item III.1;

d) na hipótese de descumprimento da medida no prazo

estipulado no evento 102.1, item III.1, pela incidência da multa, nos termos da

sentença, conforme evento 102.1, item III.1, letra “a”;

e) na hipótese de descumprimento da medida prevista no

evento 102.1, item III.2, pela incidência da multa, nos termos da sentença,

conforme evento 102.1, item III.2, letra “a”;

f) na obrigação de fazer secundária, sendo que em não

sendo adimplida no prazo estipulado a situação mencionada no evento 102.1, item

III.1 (fim da superlotação), e sem prejuízo das penalidades dispostas (evento 102.1,

itens III.1, letra “a” e item III.2, letra “a”), que o Estado do Paraná promova a

criação de 150 (cento e cinquenta) vagas – inclusive em outra localidade desta

unidade federativa – para abarcar os presos (presentes e futuros) de Marechal

Cândido Rondon, ao que deverão ser verificados parâmetros mínimos, conforme

segue:

f.1) a Administração Pública deverá, no prazo de 30 (trinta) a

90 (noventa) dias – a contar da intimação referente a certificação de que o prazo do

item III.1 foi descumprido – apresentar projeto básico referente a criação das novas

vagas condizente com as diretrizes estabelecidas nos artigos 7º, §2º, incisos I, II, e

III; 11 e 12, todos da Lei n. 8.666/93, bem como na Resolução n. 03/2005, do

Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária;

f.2) após a apresentação do projeto básico em Juízo, deverá

continuar tomando as medidas administrativas de praxe para início e execução da

Page 6: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

6

obra, que deverá ser concluída no prazo de 18 (dezoito) meses a 36 (trinta e seis)

meses a contar da apresentação judicial do projeto básico;

f.3) descumprida a determinação exarada no evento 102.1,

item III.3, ou não respeitados quaisquer dos prazos estipulados na sentença, pelo

cumprimento do disposto no evento 102.1, item III.3, letra “c”;

g) não respeitados os prazos, para satisfação dos

requerimentos apresentados nos itens “d” e “e”, realize-se, imediatamente, o

bloqueio judicial de todas as contas e/ou aplicações financeiras do Estado do

Paraná, Governador e Secretário de Segurança Pública do Estado, com a finalidade

de compelir o ente federativo e seus representantes a realizarem as obrigações

dispostas na sentença, diante do nítido desrespeito à sentença.

Quanto à possibilidade do bloqueio supra requerido, convém

fazer menção aos seguintes julgados:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL –

FAZENDA PÚBLICA – FORNECIMENTO DE

MEDICAMENTOS – BLOQUEIO DE VERBAS

PÚBLICAS – CABIMENTO – ART. 461, § 5º, E ART.

461-A DO CPC – DECISÃO MANTIDA POR SEUS

PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. 1. A negativa de

fornecimento de um medicamento de uso imprescindível,

cuja ausência gera risco à vida ou grave risco à saúde, é

ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e

saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados

em primeiro plano. 2. O bloqueio da conta bancária da

Page 7: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

7

Fazenda Pública possui características semelhantes ao

seqüestro e encontra respaldo no art. 461, § 5º, do CPC,

uma vez tratar-se não de norma taxativa, mas

exemplificativa, autorizando o juiz, de ofício ou a

requerimento da parte, a determinar as medidas

assecuratórias para o cumprimento da tutela específica. 3. O

direito à saúde deve prevalecer sobre o princípio da

impenhorabilidade dos recursos públicos. Nas bem

lançadas palavras do Ministro Teori Albino Zavascki, pode-se

ter por legítima, ante a omissão do agente estatal responsável

pelo fornecimento do medicamento, a determinação judicial

do bloqueio de verbas públicas como meio de efetivação do

direito prevalente. (REsp 840.912/RS, Primeira Turma,

julgado em 15.2.2007, DJ 23.4.2007) Agravo regimental

improvido. (In STJ - REsp 851797 / RS – 2ª TURMA –

RELATOR: HUMBERTO MARTINS –JULGADO EM

22.05.2007 – DJU 04.06.2007, P. 330).

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO.

AGENDAMENTO DE PAGAMENTO DAS CUSTAS

RECURSAIS. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 511, CPC.

DESERÇÃO. - Não há como se ter por atendido o comando

previsto no artigo 511, CPC, tão somente com a juntada aos

autos do comprovante de agendamento de pagamento das

custas recursais, sobretudo quando consta do mesmo a

ressalva de que não traduz ele a efetiva quitação do débito, a

qual depende de evento futuro e incerto, qual seja, a existência

de saldo em conta corrente na data agendada. VV.: AGRAVO

Page 8: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

8

DE INSTRUMENTO - NUNCIAÇÃO DE OBRA NOVA -

OBRA EMBARGADA - DESCUMPRIMENTO DA

DETERMINAÇÃO JUDICIAL - "ASTREINT" -

EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA MULTA, VIA PENHORA

ELETRÔNICA - BACENJUD - POSSIBILIDADE -

PRIORIDADE À PENHORA DE DINHEIRO - ARTIGO

655-A, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL -

DEFERIMENTO PELO JUÍZO "A QUO" - DECISÃO

MANTIDA - PROVIMENTO NEGADO. A multa diária

fixada para o caso de descumprimento da obrigação de fazer

pode ser executada provisoriamente, a partir do momento em

que reconhecido o desrespeito à decisão judicial. "É lícita a

penhora sobre dinheiro, mormente quando o executado é

instituição financeira. Precedentes do STJ. (...) III. Recurso

especial não conhecido. (REsp 798.764/MA, Rel. Ministro

ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA,

julgado em 06/04/2010, DJe 26/04/2010)". O bloqueio de

valores "on line", regulamentado pelo dispositivo

processual, contido no dispositivo do artigo 655-A,

representa valioso mecanismo colocado à disposição do

magistrado, a fim de possibilitar maior efetividade das

ações executivas. O propósito da fixação da multa é

compelir a parte a cumprir a decisão agravada,

ressaltando-se que o bloqueio dos valores permanecerão

indisponíveis ao exeqüente, até a execução definitiva do

decisum. (TJMG. Agravo de Instrumento

Cv 1.0024.13.052128-9/001. Rel.: Des. Newton Teixeira

Carvalho. 13ª C. Cível. j. em 30/01/2014. Publicação da

Page 9: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

9

súmula em 07/02/2014).

Ante o exposto, o Ministério Público se manifesta pela

aplicação integral da sentença supramencionada, assim como pelo bloqueio judicial

na hipótese de descumprimento das obrigações impostas, dentro dos prazos

estabelecidos.

Marechal Cândido Rondon/PR, 25 de junho de 2014.

Caio Bergamo A. Marques

Promotor de Justiça

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO

Page 10: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

10

EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ.

AUTOS N. 0004620-38.2013.8.16.0112

APELANTE: ESTADO DO PARANÁ

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ

Contrarrazões de Apelação pelo Ministério Público

Excelentíssimo Senhor Procurador de Justiça,

Colenda Câmara,

Ilustre Desembargador Relator,

Eméritos Julgadores,

I – Do relatório:

O requerido Estado do Paraná, inconformado com a sentença

constante no evento 102.1, prolatada pelo Juízo a quo, a qual julgou parcialmente

procedente a presente Ação Civil Pública, condenando-o, em síntese, na

obrigação de fazer de transferir os presos da Cadeia Pública de Marechal Cândido

Rondon, na obrigação de não fazer de não alocar novos presos nas vagas

disponíveis, bem como, na obrigação de fazer secundária de criar 150 (cento e

cinquenta) vagas para abarcar os presos de Marechal Cândido Rondon, interpôs

RECURSO DE APELAÇÃO.

Page 11: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

11

O apelante, Estado do Paraná, pugna pela improcedência da

ação e reforma da decisão atacada (evento 102.1), sustentando, preliminarmente,

pela impossibilidade jurídica do pedido, ao que também aduz considerações sobre o

mérito da demanda, alegando, em síntese, ofensa ao princípio da separação dos

poderes, com violação do Estado Democrático de Direito, da lesão à ordem

pública e econômica, de ofensa ao princípio da reserva do possível, da ausência de

omissão estatal, quanto à remoção de presos por ausência de vagas e

impossibilidade fática de remanejamento, bem como de impossibilidade das

astreintes cominadas ao Estado do Paraná e da multa diária dirigida às pessoas do

Governador e Secretário de Segurança Pública de Estado.

Todavia, conforme se verá ao longo destas contrarrazões, o

disposto nas razões do recurso interposto pelo requerido não possui fundamento

legal capaz de reformar a decisão atacada. Senão vejamos.

II – Do juízo de admissibilidade:

Para insurgimento em sede recursal é imprescindível o

preenchimento de certos requisitos de admissibilidade, de ordem subjetiva e

objetiva.

Neste diapasão, analisar-se-ão os requisitos de admissibilidade

recursal, classificando-os em duas ordens, conforme se relacionem à própria

existência do poder de recorrer ou ao seu exercício.

II. 1 – Dos requisitos intrínsecos:

Cabimento: a apelação é o instrumento previsto e adequado

Page 12: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

12

para a impugnação de sentenças, sejam elas definitivas ou meramente terminativas,

conforme a norma expressa do artigo 513 do Código de Processo Civil.

Legitimidade para recorrer: tendo o apelante sido parte no

processo, é inequívoca a pertinência subjetiva do recurso, ex vi do artigo 499 do

Estatuto Instrumental.

Interesse recursal: o recurso é necessário para a reforma do

conteúdo da decisão judicial, bem como útil para a obtenção de resultado prático

mais favorável ao insurgente.

Inexistência de fatos impeditivos ou extintivos do poder de

recorrer: não há no feito manifestação de renúncia ou desistência das irresignações,

bem como aquiescência ao decisum.

II. 2 – Dos requisitos extrínsecos:

Tempestividade: a apelação foi interposta dentro do prazo

legal, conforme se vislumbra junto à certidão constante no evento 117.1.

Regularidade formal da interposição: a impugnação foi

apresentada por meio de petição com a identificação da parte apelante e

acompanhada das respectivas razões, nos moldes do artigo 514 do Código de

Processo Civil.

Preparo: o apelante não efetuou o preparo das custas, tendo

em vista que ele não antecipa custas, conforme certidão presente no evento 117.1.

Page 13: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

13

Destarte, positivo o juízo de admissibilidade, deve o

recurso ser conhecido, sendo que, desde já, passa-se ao exame do mérito.

III – Da fundamentação.

No mérito, as insurgências não merecem provimento,

porquanto despidos de fundamento os argumentos invocados pelo apelante.

A sentença de primeira instância foi objetiva ao condenar o

apelante na obrigação de fazer consistente em transferir os presos da Cadeia

Pública de Marechal Cândido Rondon, na obrigação de não fazer consistente em

não alocar novos presos nas vagas disponíveis, bem como na obrigação de fazer

secundária de criar 150 (cento e cinquenta) vagas para abarcar os presos de

Marechal Cândido Rondon, não havendo elementos capazes de modificar a decisão

de mérito.

III. 1 – Da Preliminar de impossibilidade jurídica do

pedido:

Pugna o apelante, Estado do Paraná, que seja reconhecida a

impossibilidade jurídica do pedido, sob o argumento, em síntese, de que não se

encontram entre as atribuições do Ministério Público e do Poder Judiciário a

instrumentalização de políticas públicas, pois elas competiriam unicamente aos

Poderes Legislativo e Executivo.

Contudo, em que pesem tais argumentos, à luz da Carta

Magna, a preliminar não merece acolhimento.

Tem-se que, em síntese, os presos na Cadeia Pública local

Page 14: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

14

foram privados de suas liberdades e, ao mesmo tempo também, da dignidade, da

saúde, do respeito às suas integridades física e mental, de qualquer forma de

assistência, dentre outros. Essa privação afronta o princípio da dignidade da pessoa

humana, estampado na Constituição da República Federativa do Brasil como um

imperativo de justiça social.

Assevera-se que a submissão dos presos a essa constante

degradação humana é inadmissível, exigindo a pronta intervenção do Ministério

Público, por ser a Instituição responsável pela fiscalização da execução da pena e da

medida de segurança.

Ainda, tem-se que a Cadeia Pública local está infectada por

tuberculose, sendo doença incurável e capaz de causar epidemia em toda a cidade

de Marechal Cândido Rondon, já que os presos não ficam apenas em sua cela

(utilizou-se o singular porque são tão poucas celas – quatro no total para 140

pessoas – que sequer vale a pena gastar o “s”), mas também saem para ir às

audiências nos fóruns, têm contato com seus familiares, policiais civis e policiais

militares.

Ademais, a enorme população carcerária indica rebelião ou

fuga próxima, sendo inclusive já afirmado por um dos detentos aos Promotores de

Justiça Marcelo Augusto Ribeiro e Tiago Trevizoli Justo, quando de uma das visitas

mensais à Delegacia de Polícia, que os presos estavam pensando em se rebelar, o

que levou os membros do Parquet a tentar dissuadi-lo de tal ideia.

Portanto, o Estado brasileiro, atuando de forma irresponsável

em relação àqueles que estão à margem da sociedade, afastados de seu meio social,

expõe a risco esta própria sociedade, por tornarem os presos cada vez mais

Page 15: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

15

perigosos, já que em regra a ressocialização do preso não é alcançada. Por seu

turno, as autoridades públicas encarregadas da execução penal não podem, sob

pena de crime de responsabilidade, deixar de agir contra a administração pública

omissa no cumprimento de seus deveres para com a pessoa privada de liberdade.

Desta feita, quando a escassez de vontade política estatal leva

à ausência de recursos humanos, à deterioração do estabelecimento prisional, ao

aviltamento da condição humana do encarcerado, em suma, ao completo

desrespeito às normas de execução penal – a ponto de tornar insuportável o

cumprimento das penas e expor a risco toda a sociedade – outro remédio não resta

senão a inadiável interdição da carceragem e o fechamento das celas.

Convém consignar que o Superior Tribunal de Justiça já

firmou entendimento no sentido de que se a Administração deixar de promover as

políticas públicas essenciais, o Ministério Público possuiria legitimidade para discutir

tais demandas através da ação civil pública, ao que o Poder Judiciário poderia

discutir o próprio mérito administrativo, conforme segue:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO

REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SANEAMENTO SANITÁRIO.

LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

PRECEDENTES DO STJ. PRETENSÃO RECURSAL

QUE ENCONTRA ÓBICE NA SÚMULA N. 7 DO STJ.

ALEGAÇÃO GENÉRICA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535

DO CPC. SÚMULA N. 284 DO STF. 1. O Ministério

Público detém legitimidade ativa para o ajuizamento de

ação civil pública que objetiva a implementação de

Page 16: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

16

políticas públicas ou de repercussão social, como o

saneamento básico ou a prestação de serviços públicos.

Nesse sentido: REsp 743.678/SP, Rel. Ministro Mauro

Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 28/09/2009;

REsp 855.181/SC, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda

Turma, DJe 18/09/2009; REsp 137.889/SP, Rel. Ministro

Francisco Peçanha Martins, Segunda Turma, DJ

29/05/2000. (...) 3. A verificação da presença dos requisitos

que autorizam o deferimento da liminar, no caso, depende do

exame fático-probatório do que consta dos autos, o que, em

sede de recurso especial, encontra óbice no entendimento

contido na Súmula n. 7 do STJ. 4. Agravo regimental não

provido. (STJ. AgRg no AREsp 50.151/RJ. Rel.: Ministro

Benedito Gonçalves. 1ª Turma. j. em 03/10/2013. DJe

16/10/2013).

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO

CIVIL PÚBLICA. TARIFA DE LIGAÇÃO

INTERURBANA. REGIÃO METROPOLITANA. ÁREAS

CONURBADAS. RECURSO ESPECIAL. OFENSA AO

ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA.

LEGITIMIDADE PASSIVA DA ANATEL. MÉRITO

ADMINISTRATIVO. ACÓRDÃO QUE RECONHECE A

CONURBANIDADE, AMPARANDO-SE NA PROVA

DOS AUTOS. SÚMULA 7/STJ. ALEGAÇÕES DE

CERCEAMENTO DE DEFESA, DE DESEQUILÍBRIO

ECONÔMICO-FINANCEIRO DO CONTRATO E

DEVER DE INDENIZAR NÃO CONHECIDAS POR

Page 17: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

17

ÓBICES SUMULARES. (...) 3. Ao Poder Judiciário não é

vedado debater o mérito administrativo. Se a

Administração deixar de se valer da regulação para

promover políticas públicas, proteger hipossuficientes,

garantir a otimização do funcionamento do serviço

concedido ou mesmo assegurar o "funcionamento em

condições de excelência tanto para o

fornecedor/produtor como principalmente para o

consumidor/usuário", haverá vício ou flagrante

ilegalidade a justificar a intervenção judicial. 4. Hipótese

em que o Tribunal de origem reconheceu, com base na prova

dos autos, que o Município da Lapa pertence à Região

Metropolitana de Curitiba em virtude de conurbanidade, "não

apenas em termos urbanísticos mas também administrativos e

sobretudo econômicos, comungando da movimentação

regional". A revisão desse entendimento implica reexame de

fatos e provas, obstado pelo teor da Súmula 7/STJ. 5. A

mesma orientação deve ser aplicada em relação à análise do

cerceamento de defesa. 6. Veda-se a apuração de eventual

desequilíbrio econômico-financeiro, em razão da Súmula

5/STJ. 7. É inadmissível Recurso Especial quanto a questão

inapreciada pelo Tribunal a quo, a despeito da oposição de

Embargos Declaratórios. Incidência da Súmula 211/STJ. 8.

Recursos Especiais não conhecidos. (STJ. REsp 1176552/PR.

Rel. Ministro Herman Benjamin. 2ª Turma. j. em 22/02/2011,

DJe 14/09/2011).

No mesmo sentido é o posicionamento exarado pelo próprio

Page 18: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

18

Supremo Tribunal Federal:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO

EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.

SEGURANÇA PÚBLICA. LEGITIMIDADE.

INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO.

IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS.

OMISSÃO ADMINISTRATIVA. 1. O Ministério Público

detém capacidade postulatória não só para a abertura do

inquérito civil, da ação penal pública e da ação civil pública

para a proteção do patrimônio público e social do meio

ambiente, mas também de outros interesses difusos e coletivos

[artigo 129, I e III, da CB/88]. Precedentes. 2. O Supremo

fixou entendimento no sentido de que é função

institucional do Poder Judiciário determinar a

implantação de políticas públicas quando os órgãos

estatais competentes, por descumprirem os encargos

político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a

comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a

integridade de direitos individuais e/ou coletivos

impregnados de estatura constitucional, ainda que

derivados de cláusulas revestidas de conteúdo

programático. Precedentes. Agravo regimental a que se

nega provimento. (STF. RE 367432 AgR. Relator(a): Min.

Eros Grau. 2ª Turma. j. em 20/04/2010. DJe-086 DIVULG

13-05-2010 PUBLIC 14-05-2010 EMENT VOL-02401-04 PP-

00750).

Page 19: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

19

Assim sendo, vislumbra-se que é pacífico o entendimento de

que o Ministério Público pode intervir quando o Estado se omite na implantação

de políticas públicas, as quais envolvem a transgressão de direitos basilares.

Por tais considerações e pelos motivos já expostos na inicial, o

Ministério Público pugna pelo afastamento da preliminar alegada, no sentido do

reconhecimento da ausência de condição da ação, por impossibilidade jurídica do

pedido, devendo a sentença ser mantida.

III. 2 – Da ofensa ao princípio da separação dos poderes.

Da violação do Estado Democrático de Direito. Da lesão à ordem pública e à

ordem econômica. Da ofensa ao princípio da reserva do possível:

De outra senda, pugna o apelante pela reforma do decisum,

aduzindo, em síntese, que é necessário observar o princípio da separação dos

poderes, segundo o qual se delimita a atuação de cada Poder a fim de se evitar

conflito de competência entre eles e a prevenção a sérios riscos à ordem pública e à

segurança jurídica, o que também se confunde com eventual ofensa ao princípio da

reserva do possível.

Todavia, apesar dos argumentos sustentados pelo apelante,

tem-se que os eles não comportam acolhimento.

Conforme ensina Luiz Roberto Barroso1:

O conteúdo nuclear e histórico do princípio da separação de Poderes pode

ser descrito nos seguintes termos: as funções estatais devem ser divididas e atribuídas a órgãos 1 BARROSO, Luiz Roberto. Curso de Direito Costitucional Contemporâneo – Os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

Page 20: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

20

diversos e devem existir mecanismos de controle recíproco entre eles, de modo a proteger os

indivíduos contra o abuso potencial de um poder absoluto. A separação de Poderes é um dos

conceitos seminais do constitucionalismo moderno, estando na origem da liberdade individual e dos

demais direitos fundamentais. Em interessante decisão, na qual examinava a possibilidade de

controle judicial dos atos das Comissões Parlamentares de Inquérito, o Supremo Tribunal Federal

identificou esse sentido básico da separação de Poderes com a vedação da existência, no âmbito do

Estado, de instâncias hegemônicas, que não estejam sujeitas a controle.

Nesse mesmo sentido expôs o Desembargador Relator Sidney

Romano dos Reis em seu voto proferido na Apelação Cível nº 994.06.096464-8, TJ-

SP, senão vejamos:

A separação dos poderes é justamente a técnica pela qual o Poder é

contido pelo próprio poder. Ê o sistema de freios e contrapesos (checks and balances, ou método

das compensações), uma garantia de que os dogmas inseridos na Constituição Federal e que

representam a vontade da maioria do povo serão cumpridos inclusive pelo Poder Público.

Superada a fase do absolutismo, época marcada pela célebre frase de Luís XIV V etat c' est

rríoi (o Estado sou eu), a administração do Estado passou a ser tripartida.

Em que pese a conceituação ser clara sobre a independência

dos poderes, no mesmo voto, o Desembargador Sidney Romano dos Reis expõe

sobre sua relativização:

De outro lado, o apelo da Fazenda do Estado, como de hábito, se

sustenta na pretensa invasão da seara administrativa pelo, Judiciário, olvidando, todavia, e

também como sempre, que não se pode deixar de garantir direitos que a Constituição afirme como

inalienáveis, mormente quando o Poder Público não cumpra com sua obrigação legal, de sorte que,

em havendo violação a direitos individuais ou coletivos, pode e deve o Judiciário compelir a

Page 21: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

21

Administração à observância do texto legal, nada havendo nisso de ativismo judicial, senão de

cumprimento irrestrito da missão de entregar a tutela jurisdicional, até porque respeitado o devido

processo legal, a ampla defesa e o contraditório.

Neste mesmo sentido é a jurisprudência pátria, senão

vejamos:

MANDADO DE SEGURANÇA - INTERDIÇÃO DA

CADEIA PÚBLICA PELO JUIZ DA EXECUÇÃO -

DESRESPEITO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS

PODERES - INOCORRÊNCIA - ESTABELECIMENTO

QUE NÃO GARANTE OS DIREITOS À SAÚDE E

SEGURANÇA DOS DETENTOS - OFENSA AO

PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA -

ART. 66, VIII, DA LEI Nº. 7.210/1984 -

APLICABILIDADE. - A Administração não atua de forma

isolada e totalmente independente na execução penal,

sendo certo que o Poder Judiciário tem participação

importante em tal atividade. - A Constituição da

República impõe, em seu art. 5º, XLIX, o respeito à

integridade física e moral dos presos, competindo, ao juiz

da execução, interditar estabelecimento penal que estiver

funcionando em condições inadequadas. (TJMG.

Mandado de Segurança - Cr 1.0000.13.059355-1/000.

Relator(a): Des.(a) Cássio Salomé. 7ª C. Criminal. j. em

19/09/2013. Publicação da súmula em 26/09/2013).

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL

Page 22: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

22

PÚBLICA. LIMINAR. REFORMA E CONSTRUÇÃO DE

PRESÍDIO ESTADUAL. MUNICÍPIO DE ITAQUI.

DIREITOS FUNDAMENTAIS. DIGNIDADE DA

PESSOA HUMANA. FUNDAMENTO DE UM ESTADO

DEMOCRÁTICO E SOCIAL DE DIREITO.

INTERDIÇÃO DE ESTABELECIMENTO PENAL.

INCOMPETENCIA DO JUÍZO CÍVEL. LIMINAR

CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. POSSIBILIDADE. 1.

Liminar contra a Fazenda Pública. A Constituição Federal de

1988 estabelece e atenta para o postulado de que o cidadão

tem direito à adequada tutela jurisdicional - aí incluídas as

liminares - como decorrência do princípio da inafastabilidade

do controle jurisdicional, estabelecendo em seu art. 5º, inc.

XXXV, que "a lei não excluirá da apreciação do Poder

Judiciário lesão ou ameaça a direito". Isso quer dizer que

nenhuma lesão ou mera ameaça de lesão de direito individual

ou não, pode ser por lei infraconstitucional subtraída do

conhecimento do Poder Judiciário, pena de

inconstitucionalidade. 2. Incompetência do juízo cível. A

competência para a interdição de presídios é do juiz da

execução penal (art. 66, inciso VIII, da Lei de Execuções

Penais). Tem legitimidade o órgão do Ministério Público para,

nos autos da Ação Civil Pública, buscar a condenação do ente

público a solucionar os problemas encontrados na instituição

penal, inclusive a realizar obras para melhoramento das

instalações, mas não o tem para pedir ao juízo cível,

competente para a análise e julgamento da Ação Civil Pública,

a interdição do estabelecimento penal, haja vista que a

Page 23: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

23

competência para interditar presídios, nos termos do que

disciplina o art. 66, VIII, da LEP, é do juízo da execução

penal. Competência absoluta e, portanto, improrrogável. 3.

Mérito. Evidenciados os requisitos para o deferimento parcial

da liminar que vem expressamente autorizada na Lei da Ação

Civil Pública (art. 12 da Lei nº 7.347/85). 3.1 Direitos

fundamentais e Dignidade da Pessoa Humana.

Fundamento de um Estado que se diz Democrático e

Social de Direito. Sem prejuízo dos princípios da

Tripartição do Poderes e da Reserva do Possível, o

enfoque a ser dado nestes autos deve ser outro, no plano

dos Direitos Fundamentais, que jamais podem ser

desvinculados do conceito de Estado Democrático e

Social de Direito. Viola substancialmente o postulado

constitucional da dignidade da pessoa humana a

aglomeração sub-humana de presos na Penitenciária

Estadual de Itaqui, em número muito superior às vagas

existentes, e a precariedade das instalações. Localização

do Presídio - no centro da cidade - que agrava ainda mais

a situação caso levada a efeito uma rebelião, cuja

possibilidade, haja vistas as insustentáveis e indignas

instalações, sem quaisquer condições de higiene e

segurança, inclusive com um numero menor de camas do

que de presos, é cada vez mais iminente. Trata-se, ainda,

de uma questão de segurança pública; logo, de proteção

não apenas à dignidade dos encarcerados, mas da

segurança de toda a coletividade. 3.2 Tutela de Direitos

Fundamentais por meio de Ação Civil Pública. Em nome da

Page 24: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

24

garantia do acesso à justiça, todos os meios previstos na

Constituição para a tutela dos direitos fundamentais devem ser

permitidos, enquadrando-se, nestes, portanto, a Ação Civil

Pública, observadas, por evidente, as disposições da Lei nº

7.347/85 e da própria CF (art. 129, III). 3.3 Tripartição dos

Poderes. Poder Discricionário. Limites. Proibição de

Retrocesso. A despeito da alegação do Estado de que há

violação ao poder discricionário da Administração

Pública, em que pese não se possa desconsiderar a

conveniência e oportunidade, de forma a relegar qualquer

interferência judicial, pena de afronta ao princípio da

separação dos poderes, a violação de direitos

fundamentais, sobretudo a uma existência digna, haja

vista a inércia do Poder Executivo, legitima o controle

judicial. 3.4 Da Reserva do Possível. O princípio da

reserva do possível não se aplica quando se está diante de

direitos fundamentais, em que se busca preservar a

dignidade da vida humana, consagrado na Constituição

Federal de 1988 como um dos fundamentos do nosso

Estado Democrático e Social de Direito (art. 1º, inciso III,

da Constituição Federal). 3.5 Da astreinte. Natureza

coercitiva, e não punitiva. Visa um fazer por parte do

Poder Público. Incidente, portanto, a regra do art. 461,

§4º, do Código de Processo Civil. Valor adequado, haja

vista a natureza do direito em discussão. REJEIÇÃO DE

UMA PRELIMINAR E ACOLHIMENTO PARCIAL DA

OUTRA. RECURSO PROVIDO EM PARTE. (TJRS.

Agravo de Instrumento nº 70034484964. 1ª C. Cível. Relator:

Page 25: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

25

Carlos Roberto Lofego Canibal. j. em 26/05/2010).

E M E N T A – APELAÇÃO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA –

MELHORIA DA SEGURANÇA PÚBLICA –

PRELIMINAR DE INTEMPESTIVIDADE AFASTADA –

ALEGAÇÕES DE NULIDADE DA SENTENÇA –

INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO, IMPOSSIBILIDADE

JURÍDICA DO PEDIDO, FALTA DE INTERESSE DE

AGIR – AFASTADAS – POSSIBILIDADE DO

JUDICIÁRIO ADENTRAR NO ÂMBITO DA

DISCRICIONARIEDADE DA ADMINISTRAÇÃO –

DEVER DE OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS

NORTEADORES – POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO

DE MULTA – VALOR REDUZIDO – RECURSO

PARCIALMENTE PROVIDO. A alegação de incompetência

do juízo falece de fundamento, pois a competência do juízo a

quo possui respaldo expresso na Lei que disciplina a Ação Civil

Pública - art. 2º da Lei 7.347/85. Evidente o interesse do

Ministério Público resguardar que a segurança pública seja

promovida com eficiência e, de outro lado, a Ação Civil

Pública se mostra instrumento adequado para tanto, nos

termos da respectiva legislação, o que reflete, inclusive, na

possibilidade jurídica do pedido, que encontra respaldo na

LACP. Diante do conjunto fático apresentado nos autos,

mormente em relação às condições precárias da

segurança pública de Camapuã/MS, mostra-se correta a

sentença de primeiro grau em acolher o pedido inicial e

determinar as melhorias necessárias à sua efetivação. O

Page 26: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

26

STJ já assentou entendimento no sentido de ser possível

ao Judiciário adentrar ao âmbito discricionário da

Administração quando seus atos se afastarem de seus

princípios basilares, como moralidade, razoabilidade,

eficiência, etc. A mera alegação de falta de recursos não pode

ser utilizada para, por si só, afastar o dever estatal previsto

constitucionalmente. É possível a aplicação de multa

cominatória m face do Estado, que, no presente caso, mostra-

se excessiva, impondo-se sua redução. Recurso parcialmente

provido. (TJMS. Apelação n. 0500622-87.2006.8.12.0006.

Camapuã. 2ª C. Cível. Relatora: Des. Tânia Garcia de Freitas

Borges. j. em 29/01/2013).

EMENTA AÇÃO CIVIL PÚBLICA OBRIGAÇÃO DE

FAZER E NÃO FAZER POLÍTICA PÚBLICA -

Superlotação de cadeias públicas da comarca de Cerqueira

César - Pretensão de obrigar o Estado à remoção e à limitação

de presos de estabelecimento prisional Sentença que julgou o

pedido prejudicado com relação a uma das cadeias, por

carência superveniente, e procedente o pedido com relação à

outra Reexame necessário e apelação do réu. CONTROLE

JURISDICIONAL DA POLÍTICA PÚBLICA.

Possibilidade. Conceitos e limites. Hipótese em que a

omissão estatal é persistente e duradoura. A crise de

superpopulação carcerária não pode significar a falta de

solução do problema. Deficiência da política pública que

deve ser corrigida perante o Judiciário. SENTENÇA

MANTIDA. Reexame necessário e recurso desprovido. (TJSP.

Page 27: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

27

Apelação nº 0003828-77.2006.8.26.0136. Cerqueira César. 8ª C.

de Direito Público. Relator: João Carlos Garcia. j. em

14/11/2012).

Ademais, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da

ADPF 45, atribuiu a seguinte interpretação ao Princípio da Separação dos Poderes:

É certo que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções

institucionais do Poder Judiciário - e nas desta Suprema Corte, em especial - a atribuição de

formular e de implementar políticas públicas, pois, nesse domínio, o encargo reside, primariamente,

nos Poderes Legislativo e Executivo.

Tal incumbência, no entanto, embora em bases excepcionais, poderá

atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os

encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a

eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura

constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático.

Segundo o Ministro Relator Celso de Mello, [...] se tais Poderes

do Estado (referindo-se ao Executivo e Legislativo) agirem de modo irrazoável ou

procederem com a clara intenção de neutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direitos sociais,

econômicos e culturais, afetando, como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou

de um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangível consubstanciador de um

conjunto irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna e essenciais à própria

sobrevivência do indivíduo, aí, então, justificar-se-á, como precedentemente já enfatizado - e até

mesmo por razões fundadas em um imperativo ético-jurídico -, a possibilidade de intervenção do

Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido

injustamente recusada pelo Estado.

Page 28: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

28

Nesta mesma linha de raciocínio, o Ministro Humberto

Martins, do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Agravo Regimental no

Recurso Especial (AgRg no REsp nº 1136549 RS 2009/0076691-2)2, assim proferiu:

[...] se prevalecesse o entendimento de que, em face do princípio da

separação dos poderes, estaria o Judiciário impedido de corrigir distorções em matéria de políticas

públicas, a efetivação de outros princípios igualmente constitucionais ficaria comprometida, o que

contraria a hermenêutica atual que privilegia a harmonização das normas e princípios

constitucionais conflitantes, de modo a buscar a máxima eficácia possível de ambos, e assim evitar

que a aplicação de um implique na exclusão total de outro.

Estreitamente vinculado ao princípio da força normativa da

Constituição, em relação ao qual configura um subprincípio, o cânone hermenêutico da máxima

efetividade orienta os aplicadores da Lei Maior para que interpretem suas normas em ordem a

otimizar-lhes a eficácia, sem alterar o conteúdo.

Nesse sentido, a correta interpretação do princípio da separação dos

Poderes, em matéria de políticas públicas, deve ser a de utilizá-lo apenas para limitar a atuação

do judiciário quando a administração pública atua dentro dos limites concedidos pela lei.

Fora daí, quando a Administração extrapola os limites da competência

que lhe fora atribuída e age sem sentido, ou fugindo da finalidade a qual estava vinculada,

descabe a aplicação do referido princípio, e autorizado se encontra o Poder Judiciário a reconhecer

que o Executivo não cumpriu com sua obrigação legal, agredindo com isso, direitos difusos e

coletivos, e a corrigir tal distorção restaurando a ordem jurídica violada.

2 Disponível em <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14602763/agravo-regimental-no-recurso-especial-

Page 29: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

29

O sistema jurídico deve ser analisado sob a premissa de que todos os seus

postulados estão em harmonia, sob pena de se quebrar a lógica intrínseca do próprio sistema.

Ora, diante de um ordenamento jurídico que consagra o princípio da separação dos Poderes, e que

também impõe ao Poder Público a prática de atividades positivas destinadas a efetivar os direitos

sociais, a melhor interpretação é aquela que se coaduna com os dois postulados.

Em suma, a atuação do Poder Judiciário no controle das políticas

públicas não se pode dar de forma indiscriminada, pois isso violaria o princípio da separação dos

Poderes. No entanto, quando a Administração Pública, de maneira clara e indubitável, viola

direitos fundamentais por meio da execução ou falta injustificada de programas de governo, a

interferência do Poder Judiciário é perfeitamente legítima e serve como instrumento para

restabelecer a integridade da ordem jurídica violada.

Firmando o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça:

“ADMINISTRATIVO – CONTROLE JUDICIAL DE

POLÍTICAS PÚBLICAS – POSSIBILIDADE EM CASOS

EXCEPCIONAIS – DIREITO À SAÚDE –

FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS –

MANIFESTA NECESSIDADE – OBRIGAÇÃO DO

PODER PÚBLICO – AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO

PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES – NÃO

OPONIBILIDADE DA RESERVA DO POSSÍVEL AO

MÍNIMO EXISTENCIAL. 1. Não podem os direitos

sociais ficar condicionados à boa vontade do

Administrador, sendo de fundamental importância que o

Judiciário atue como órgão controlador da atividade

agrg-no-resp-1136549-rs-2009-0076691-2/inteiro-teor-14602764>. Acesso em 05/09/2013.

Page 30: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

30

administrativa. Seria uma distorção pensar que o

princípio da separação dos poderes, originalmente

concebido com o escopo de garantia dos direitos

fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como

óbice à realização dos direitos sociais, igualmente

fundamentais. 2. Tratando-se de direito fundamental, incluso

no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho

jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de

determinada política pública nos planos orçamentários do ente

político, mormente quando não houver comprovação objetiva

da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal [...]”.

(STJ - AgRg no REsp: 1136549 RS 2009/0076691-2, Relator:

Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento:

08/06/2010, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação:

DJe 21/06/2010).

Assevera-se, por tal, que se está diante de Direitos

Fundamentais, ao que deve se sobressair a Dignidade da Pessoa Humana, e

sem prejuízo das argumentações levantadas pelo apelante, o enfoque a ser

dado nestes autos deve ser outro, no plano dos Direitos Fundamentais, que

jamais podem ser desvinculados do conceito de Estado Democrático e Social

de Direito.

Portanto, evidencia-se que viola substancialmente o postulado

constitucional da dignidade da pessoa humana a aglomeração sub-humana de

presos na Cadeia Pública local Cândido Rondon, o que também gera sérios riscos

de saúde para os presos e a sociedade local, repercutindo até mesmo na segurança

pública, ante a eminência de rebeliões e fuga de presos, ameaçando sobremaneira a

Page 31: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

31

tranquilidade e segurança da pacata população rondonense.

Desta forma, a alegação do apelante de que a remoção dos

presos e construção de nova unidade prisional local, implicariam consequente

ofensa a tripartição dos poderes e geraria grave lesão à ordem administrativa,

ofendendo também o princípio da reserva do possível, ante os fundamentos

lançados, tem-se que a argumentação é descabida de qualquer razão, ao que se

pugna pela manutenção da sentença prolatada pelo Juízo a quo.

III. 3 – Da ausência de omissão estatal. Das condições

verificadas na Cadeia Pública de Marechal Cândido Rondon:

Ainda, sustenta o apelante de que não se verifica omissão

estatal para a resolução do problema relacionado à superlotação da Cadeia Pública

de Marechal Cândido Rondon, todavia, em que pesem tais argumentos, tem-se que

tais alegações não merecem prosperar, na medida em que as atuais condições

verificadas no ergástulo público já ocorrem por várias décadas, sem a ocorrência de

qualquer atuação estatal com vistas a modificar a decadente situação do local.

Conforme fartamente demonstrado nos autos, é de

conhecimento público que, há décadas, a Cadeia Pública local não comporta as

mínimas condições legais para manter os presos provisórios e condenados.

A lotação carcerária é um problema constante nesta Comarca,

sendo que apesar de já terem sido solicitadas providências por diversas vezes da

Secretaria de Segurança Pública e da Secretaria de Justiça, de forma a se solucionar

os problemas verificados, tais órgãos têm permanecido simplesmente inertes.

Page 32: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

32

No caso, o ambiente do prédio em que os presos são reclusos

é insalubre, sem qualquer condição de conforto, higiene, iluminação e aeração, o

que se evidencia junto aos laudos apresentados com a inicial.

Ademais, no local praticamente não há incidência de luz solar,

as instalações elétricas são precárias, oferecendo risco de curto-circuito, os

banheiros são infectos, além de que existem odores e sujeiras que causam náuseas e

incômodos aos segregados, bem como surtos de tuberculose e outras doenças.

Não bastasse isso, a Cadeia Pública apresenta inúmeros casos

de fugas de presos, as quais são decorrentes da própria superlotação, sendo que em

razão desta, não são menores os temores de uma fuga em massa e rebelião, que

oferecem sérios riscos aos funcionários e a própria sociedade.

Junto à inicial foram acostados diversos laudos, os quais, em

suma, não apontam para conclusões diversas das já tratadas, no sentido da

impossibilidade de se continuar utilizando a Cadeia Pública local, porquanto esta

não suporta o número excessivo de presos que estão alojados frente às vagas

existentes, além da própria condição estrutural do prédio, que é caótica e precária.

Toda a situação evidenciada nos autos configura flagrante

afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana, sendo que a constante

submissão dos presos a esta constante degradação humana é inadmissível,

demandando por solução que não pode mais esperar a ação do Estado, o qual,

embora transcorridos vários anos, ainda permanece inerte, sem realizar qualquer

melhoria tendente a solucionar os problemas verificados de forma definitiva.

Na época da propositura da Ação Civil Pública, conforme

Page 33: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

33

mencionado, havia 140 (cento e quarenta) detentos custodiados na Delegacia de

Marechal Cândido Rondon, quando esta possuía capacidade apenas para 18

(dezoito) presos.

Outrossim, consoante se observa junto as gravações realizadas

na Inspeção Judicial (evento 82.1), verifica-se que a situação em nada se alterou,

porquanto a superlotação ainda é latente, na medida em que existiriam cerca de 160

(cento e sessenta) presos ocupando as 18 (dezoito) vagas disponíveis.

Neste caso, diante do disposto no Auto Circunstanciado que

foi realizado da Inspeção Judicial (evento 82.1), afere-se de forma indubitável que

em todos os pavimentos da Cadeia Pública local existem detentos em número

excessivamente superior à capacidade das celas.

No Auto Circunstanciado (evento 82.1), ainda se dispõe de

que “em todos (sic) as alas não existe selas separadas, existe apenas paredes e grades entre as

alas, sendo que as condições da cadeia pública local são precárias, celas com muita umidade,

pouca ventilação e infiltração de luz solar”.

Diferentemente não demonstram as fotografias realizadas das

instalações da Cadeia Pública local (evento 82.2), as quais retratam de forma

fidedigna a imundície a que os presos estão submetidos, violando severamente seus

poucos direitos assegurados constitucionalmente, que ainda assim deveriam

permanecer intactos, apesar de estarem recolhidos pela prática de crimes.

Ainda, no que tange ao áudio da gravação realizada na data da

Inspeção Judicial (evento 82.2), denote-se que após o douto Magistrado fazer

alguns questionamentos a preso que falava como representante do grupo de

Page 34: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

34

detentos, este passou informações como a de que em cada colchão dormiriam 03

(três) pessoas, além do fato de que a alimentação fornecida pelo Estado não possuir

condições de consumo, sendo que é rotina os familiares levaram a alimentação que

é consumida pelos presos, bem como, tal detento também relatou que sequer

existia efetivo para levar os presos com problemas de saúde para receberem

atendimento médico.

O relato do preso, conforme exposto acima, é apenas um

indicativo da lastimável situação que está instalada na Cadeia Pública local e que

não pode continuar recebendo meros paliativos por parte do Estado, todavia,

demanda de uma solução imediata e eficaz, que somente será alcançada com a

transferência dos presos e construção de um novo prédio para a Cadeia Pública.

De outra senda, a título exemplificativo, conforme conversas

realizadas juntamente com funcionários, na data da realização da Inspeção Judicial,

em relação aos servidores do SEJU – 47ª DRP, verifica-se que atualmente são

disponibilizados um total de 04 (quatro) agentes masculinos e 01 (um) agente

feminino para custódia dos presos, todavia, o recomendado seriam cerca de 12

(doze) agentes masculinos e 03 (três) agentes femininos, o que demonstra a

precariedade do próprio efetivo de segurança que atualmente é disponibilizado,

propiciando sérios riscos de fugas, além de ameaçar a integridade física dos poucos

funcionários existentes.

Debruçando-se sobre os laudos produzidos em Juízo, tem-se

que eles apenas vêm a confirmar o que já está fartamente demonstrado nos autos,

quanto à impossibilidade da Cadeia Pública local continuar abrigando presos.

Assim sendo, em relação ao Relatório de Inspeção

Page 35: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

35

apresentado pela Vigilância Sanitária (eventos 87.1), o qual também se faz assinado

pelo médico, Dr. Ronaldo Branco, tem-se que o profissional, após fazer um relato

das condições de toda a estrutura da Cadeia Pública, conclui de que “o local encontra-

se em péssimas condições sanitárias, havendo necessidade urgente de interdição, pois

está superlotado e as condições de infraestrutura, não remetem a reforma,

havendo necessidade da construção de uma nova estrutura em local

específico”.

O Relatório de Inspeção da Vigilância Sanitária é esclarecedor,

na medida em que relata que não existiria outra medida senão a urgente interdição

da Cadeia Pública, assim como, dispõe de que a infraestrutura como um todo está

comprometida, demandando pela imperiosa necessidade de construção de uma

nova estrutura para abrigar os presos.

Assevera-se que desconsiderar tal Relatório elaborado pela

Vigilância Sanitária é como fechar os olhos para a realidade do sistema prisional

local, o que já tem sido feito pelo Estado de forma irresponsável e desumana por

décadas e que não pode continuar a se repetir indefinidamente.

Também, com relação ao Relatório de Vistoria do Corpo de

Bombeiros (evento 88.1), evidencia-se que no ofício n. 21/3ºSGB/4ºGB, o qual

veio a encaminhar o respectivo Relatório, faz-se uma conclusão da situação

constatada na Cadeia Pública que em nada se alterou desde a data da última vistoria

que havia sido realizada, sendo ressaltado que “(...) referente à 47 DRP – Secretaria

de Estado de Segurança Pública, de propriedade da Secretaria de Estado de

Segurança Pública, com aproximadamente 650 m2, a qual se encontra ainda em desacordo

com as normas do Código de Segurança Contra Incêndio e Pânico do Corpo de

Bombeiros do Paraná, devendo regularizar as pendências que constam no atualizado

Page 36: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

36

relatório de vistoria nº 760279/2014”. (grifo do autor).

Evidencia-se no Relatório de Vistoria do Corpo de Bombeiros

(evento 88.1) uma série de irregularidades, ao que a situação observada na Cadeia

Pública está em flagrante desacordo com o Código de Segurança Contra Incêndio e

Pânico do Corpo de Bombeiros do Paraná, sendo que o prédio sequer conta com

Projeto de Prevenção de Incêndio, demonstrando de forma preocupante ao grave

risco a que os presos estão submetidos, assim como os próprios funcionários.

Por oportuno, convém fazer menção também ao Relatório de

Vistoria elaborado pelo engenheiro civil da Prefeitura Municipal de Marechal

Cândido Rondon, Sr. Romeu Akio Shinkawa (evento 89.1), no qual se trata, dentre

as diversas exposições acerca da estrutura do prédio, apontando-se principalmente

para o fato de que “dentro da cela principal, similar a uma residência com uma só porta de

entrada, a planta apresenta excesso de repartições, formada por corredores, dormitórios e sanitário

o que acarreta falta de segurança aos agentes penitenciários e aos próprios detentos que têm

relativa liberdade para agressões internas e articulações diversas, principalmente de fuga.

Agravada pela superlotação gritante, mostra-se um perigo constante para os agentes locais que em

caso de um eventual motim organizado, terão grande dificuldade de controlar a situação.

Apresenta falta de ventilação e excesso de umidade e calor, ambiente propício para propagação de

doenças. As instalação elétricas estão em situação precária, existindo várias ligações improvisadas

que podem causar acidentes. (...). Salas de carceragem feminina e de isolamento: apresentam ser

muito pequenas para a quantidade de detentos alojados, apresentam os mesmo (sic) problemas de

ventilação e excesso de umidade e calor (...)”.

O respectivo laudo do engenheiro civil (evento 89.1) então

traz a conclusão de que “a estrutura física da Delegacia não apresenta

condições de funcionamento com a quantidade de detentos existentes. É

Page 37: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

37

visível que o espaço físico da Delegacia fora construído e dimensionado para

a cidade dos anos 70, com demanda, população e índices de criminalidade

muito inferiores aos dias de hoje. A edificação aparentemente não apresenta riscos

estruturais, mas a superlotação de detentos, somada a péssima disposição dos ambientes e a sua

insalubridade tornam a Delegacia um perigo iminente aos agentes locais, aos detentos e a

comunidade local”.

Evidencia-se que o Relatório de Vistoria elaborado pelo

engenheiro civil (evento 89.1) igualmente traz informações preocupantes acerca da

estrutura do prédio da Cadeia Pública, ao que se ressalta que a estrutura é

substancialmente precária, assim como é relatado que o prédio não apresenta as

mínimas condições de comportar o número de presos atualmente recolhidos,

oferecendo sérios riscos não somente aos presos, mas também aos funcionários e a

comunidade local.

Em cotejo a malha probatória colacionada aos autos, ressalta-

se que não pairam dúvidas acerca da evidente necessidade de se realizar a interdição

da Cadeia Pública local, bem como da extrema urgência em se edificar um prédio

condizente com as atuais necessidades de lotação carcerária e com estrutura

igualmente apta a comportar os presos que a ele serão destinados.

Portanto, em razão de não restar medida diversa a ser adotada

e porquanto verificado de forma indubitável que o Estado se mantém inerte em

buscar solução eficaz para a atual situação observada na Cadeia Pública de Marechal

Cândido Rondon, pugna-se pela manutenção integral da sentença prolatada pelo

Juízo a quo.

III. 4 – Das alegações quanto à remoção de presos e das

Page 38: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

38

providências para normalização da situação carcerária na Comarca de

Marechal Cândido Rondon. Da ausência de vagas. Impossibilidade Fática

de Remanejamento:

Ainda, alega o apelante, em síntese, que existe a

impossibilidade fática de remoção dos presos, porquanto há ausência de vagas,

trazendo diversos argumentos que buscam unicamente legitimar a omissão estatal

no que se refere à disponibilização das vagas, todavia, assevera-se que tais

argumentos não merecerem prosperar, porquanto desprovidos de razoabilidade.

Ressalta-se que embora o Estado venha a demonstrar que está

em suposta via de efetivar melhorias em diversas Penitenciárias e Cadeias Públicas

da região, bem como realizar novas construções, o debate em torno da péssima

situação observada na Cadeia Pública local ficou reduzido a segundo plano, ao que

busca até mesmo atribuir ao Município a responsabilidade pela disponibilização de

terreno para eventual construção, contudo, não age de forma efetiva,

demonstrando que possui realmente interesse em solucionar os graves problemas

relatados na inicial e comprovados ao longo da instrução do processo.

Por tal, convém reiterar integralmente os argumentos

dispostos na inicial, porquanto os diversos problemas observados na Cadeia

Pública local não podem simplesmente esperar por mais tempo, demandam,

outrossim, de uma resposta imediata e efetiva por parte do Estado do Paraná, na

medida em que a precariedade da situação prisional é latente, e clama por uma

solução definitiva.

A omissão estatal até então verificada quanto aos presos locais

não pode perdurar indefinidamente, sob o argumento da falta de recursos, bem

Page 39: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

39

como de discursos genéricos de que se está trabalhando para que a situação possa

melhorar.

Ademais, a título de exemplificação, é sabido que vultosos são

os gastos por parte do apelante com propaganda institucional, sendo certo que tais

valores poderiam muito bem ser melhor empregados a exemplo da reivindicação

objeto da presente.

A inação estatal ofende direitos humanos fundamentais e

inalienáveis dos presos previstos em lei; não proporciona ao encarcerado as

condições de reinserção social; e, ao contrário, os conduzem para a reincidência

criminosa, na medida em que lhe retira a crença na Justiça e nas autoridades

públicas, as quais, elas próprias, não vêm cumprindo a lei. Tornam os encarcerados

cada vez mais perigosos, pois aprendem condutas mais graves na “universidade do

crime”, trocando “experiências” com os presos que praticam infrações de maior

lesividade.

Ressalta-se que através de dados obtidos do dia em que foi

feita a vistoria pela Vigilância Sanitária, a Cadeia Pública contava com 143 (cento e

quarenta e três) detentos em local com capacidade para 18 (dezoito). Tal situação,

por si só, já é sub-humana, e não pode mais se prolongar.

Outrossim, os anos têm passado e a situação só tem piorado

constantemente, o que causa extrema indignação a estes Promotores de Justiça e a

toda sociedade local. O ambiente dessa delegacia é insalubre e estão ausentes as

condições básicas de conforto, higiene, iluminação e aeração, conforme se constata

dos laudos juntados; a umidade relativa do ar é bastante elevada, pois praticamente

não há incidência de luz solar e ventilação adequada, já sendo o clima de Marechal

Page 40: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

40

Cândido Rondon notoriamente úmido em decorrência da proximidade com o Rio

Paraná; as instalações elétricas são precárias e existe risco de curto-circuito; os

banheiros são infectos; há imundície de toda a espécie pelo chão e o odor causa

náuseas e outros incômodos nos segregados. Há surtos de tuberculose e outras

doenças. A Cadeia Pública foi reformada diversas vezes para evitar as fugas – que

são frequentes (houve a fuga de quase duas centenas de presos desde março de

2007) – e a superlotação gera grande risco de fugas em massa e rebelião, conforme

relatado no Boletim de Ocorrência nº 2013/342108 (fls. 30 e 31 dos autos de

Procedimento Preparatório nº MPPR-0085.13.000045-9) e fotografias de fls. 32/36

dos mesmos autos já citados.

Por tal, denota-se que a situação observada na Cadeia Pública

local é deverás particular, que envolve não somente a ressocialização do preso, que

é problemática em diversas unidades prisionais do Estado, mas a estrutura do local

é propícia para a ocorrência de fugas e até mesmo de eventual rebelião,

acarretando, ademais, o próprio agravamento da saúde dos presos, que vêm a

incidir de forma reflexa na população local.

Portanto, os argumentos lançados pelo Estado são vazios e

não relevam a situação particularmente observada na Cadeia Pública local, que é

degradante, demandado urgentemente pela efetiva implantação de uma nova

unidade prisional local.

No presente caso, embora relevantes os fundamentos do

Estado, esses devem ser analisados a luz da situação observada na Cadeia Pública

local, e por tal, não merecem ser acolhidos, posto que em nada ilidem a omissão

estatal até então existente, de forma a melhorar a estrutura prisional local.

Page 41: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

41

Pelo exposto, diante dos argumentos elencados, devidamente

fundamentos, pugna-se pelo afastamento das teses levantadas pelo apelante, com a

manutenção integral da sentença prolatada pelo Juízo a quo.

III. 5 – Das astreintes cominadas ao Estado do Paraná:

De outra senda, sustenta o apelante de que a Administração se

sujeita a regras próprias e por conta disso a imposição de multas diárias como

instrumento de eficácia das decisões judiciais não pode ser aplicada contra a

Fazenda Pública.

Todavia, tal fundamento também não merece prosperar.

Destaca-se que inexiste qualquer impedimento quanto à

aplicação da multa diária cominatória contra a Fazenda Pública nos feitos que

envolvem o descumprimento de obrigação de fazer e não fazer. Muito pelo

contrário, tal cominação se mostra como instrumento eficaz de coerção para que o

gestor estatal cumpra com as obrigações determinadas judicialmente.

Neste sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça

é pacífica:

PROCESSUAL CIVIL. DECISÃO MONOCRÁTICA.

VIOLAÇÃO DO ART. 557 DO CPC NÃO

CONFIGURADA. AUSÊNCIA DE

PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282/STF. MULTA

CONTRA A FAZENDA. POSSIBILIDADE. LEI LOCAL.

APRECIAÇÃO. INVIABILIDADE. 1. A competência para

Page 42: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

42

apreciar o recurso de Agravo é do Relator, mediante decisão

monocrática, como se observa no RISTJ. Ademais, o art. 557

do CPC instituiu a possibilidade de, por decisão monocrática,

inadmitir recurso, entre outras hipóteses, quando

manifestamente improcedente ou contrário a súmula ou

entendimento já pacificado por jurisprudência de Tribunal ou

de Cortes Superiores. Ademais, eventual nulidade na decisão

monocrática do Relato fica superada com a reapreciação da

matéria, na via do Agravo Regimental, pelo órgão colegiado.

Precedentes do STJ. 2. Não se conhece de Recurso Especial

quanto a questão não especificamente enfrentada pelo

Tribunal de origem, dada a ausência de prequestionamento.

Incidência, por analogia, da Súmula 282/STF. 3. É cabível,

mesmo contra a Fazenda Pública, a cominação de multa

diária (astreintes) como meio executivo para

cumprimento de obrigação de fazer (art. 461 do CPC).

Precedentes do STJ. 4. Ao STJ não cabe dirimir controvérsia

com base em lei local (Lei Municipal 11.722/1995). Aplicação,

por analogia, da Súmula 280/STF 5. Agravo Regimental não

provido (grifo nosso).

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. MUNICÍPIO.

OBRAS DE AMPLIAÇÃO DE CEMITÉRIO. FIXAÇÃO

DE MULTA DIÁRIA. EXCLUSÃO PELO TRIBUNAL DE

ORIGEM. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA

7/STJ. RECURSO NÃO CONHECIDO. 1. A possibilidade

de aplicação de astreintes à Fazenda Pública é pacifica

na jurisprudência desta Corte; o cerne da discussão no caso

Page 43: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

43

vertente é a decisão do Tribunal de origem, que afastou a

multa fixada em primeira instância. 2. Rever a decisão do

acórdão recorrido importaria no revolvimento do conjunto

fático-probatório dos autos, pois necessário seria reavaliar as

razões que levaram o Tribunal de origem a afastar a multa

aplicada, o que encontra óbice na Súmula 7/STJ.Agravo

regimental improvido.” (AgRg no REsp 1305496/RS, Rel.

Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA,

julgado em 15/05/2012, DJe 21/05/2012) (grifo nosso).

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL

PÚBLICA. DEMARCAÇÃO DE TERRA INDÍGENA.

MULTA DIÁRIA IMPOSTA À FAZENDA PÚBLICA POR

DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE

FAZER.POSSIBILIDADE. 1. Cuida-se, originariamente, de

agravo de instrumento contra decisão do juízo de primeira

instância que estipulou multa diária no valor de R$ 2.000,00

(dois mil reais), caso fosse descumprido o prazo de 60

(sessenta) dias para a entrega do estudo antropológico

respeitante à identificação e à delimitação da Terra Indígena

Mato Preto. 2. É cabível, mesmo contra a Fazenda

Pública, a cominação de multa diária - astreintes - como

meio coercitivo para cumprimento de obrigação de fazer

(fungível ou infungível) ou para entrega de coisa.

Precedentes: AgRg no Ag 1.352.318/RJ, Relator Ministro

Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 25/2/2011; AgRg

no AREsp 7.869/RS, Relator Ministro Humberto Martins,

Page 44: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

44

Segunda Turma, DJe 17/8/2011; e AgRg no REsp

993.090/RS, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura,

Sexta Turma, DJe 29/11/2010. 3. No caso sub examine, o

Tribunal a quo, ao dar provimento parcial ao agravo de

instrumento, para reduzir o valor da multa diária para R$

1.000,00 (um mil reais), asseverou que a ação originária "[...]

foi ajuizada em junho de 2006, sem que, até o momento,

tenha sido concluído o Relatório Circunstanciado de

Identificação e Delimitação da Terra Indígena Mato Preto,

única e exclusivamente em razão da mora da FUNAI, que

recebeu inúmeras vezes a prorrogação de prazo para a

conclusão do seu trabalho [...] (fl. 168). 4. Agravo regimental

não provido.”(AgRg no AREsp 23.782/RS, Rel. Ministro

BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado

em 20/03/2012, DJe 23/03/2012) (grifo nosso).

Assim, assevera-se que tal alegação não merece acolhimento,

ao que se pugna pela manutenção integral da sentença prolatada pelo Juízo a quo.

III. 6 – Da multa diária dirigida às pessoas do

Governador e Secretário de Segurança Pública do Estado:

Por fim, aduz o apelante pela impossibilidade de fixação de

multa diária ao Governador e Secretário de Segurança Pública do Estado, todavia,

em que pesem tais argumentos, tem-se que os mesmos não merecem prosperar.

Salienta-se que a fixação da multa diária possui previsão legal

no art. 11, da Lei n. 7.347/85, nos seguintes termos:

Page 45: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

45

Art. 11. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de

fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da

atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução

específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou

compatível, independentemente de requerimento do autor.

Na mesma esteira, convém destacar que o art. 461, do Código

de Processo Civil, também remonta a possibilidade de o magistrado determinar

providências para assegurar o adimplemento da obrigação, conforme segue:

Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de

fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se

procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado

prático equivalente ao do adimplemento.

Desta feita, conforme já exposto, não se olvida da

possibilidade de fixação da multa diária para a Fazenda Pública, todavia, tem-se que

a medida, por vezes, torna-se infrutífera, porquanto o gestor público responsável

pelo cumprimento das obrigações de fazer e não fazer permanece inerte.

Assim sendo, evidenciada a inércia do agente público,

assevera-se que o comando judicial por certo não produzirá os efeitos almejados,

apesar de já existirem astreintes cominadas à própria Fazenda Pública.

Ademais, considerando as peculiaridades do caso concreto, de

salutar importância se faz a cominação da astreintes direcionada as autoridades

responsáveis pelo cumprimento da determinação judicial, porquanto se trata de

Page 46: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

46

mecanismo que imprime maior eficácia à ordem emanada do Poder Judiciário.

Nesse sentido, consoante entendimento esposado em julgados

oriundos de diversos Tribunais de Justiça, tem-se que a multa pode ser aplicada ao

gestor responsável pelo cumprimento da ordem judicial, conforme segue:

Agravo de Instrumento – Acidente do Trabalho –

Implantação do benefício – Obrigação de fazer (art. 461 do

CPC) – Imposição de sanção ao procurador autárquico –

Descabimento – Cominação que deve recair na pessoa do

agente público competente para o cumprimento da

ordem – Agravo provido. (TJSP. Agravo de Instrumento n.

2029044-79.2013.8.26.0000. Rel.: Nelson Biazzi. 17ª C. de

Direito Público. j. em 25/03/2014).

AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA

- PEDIDO INICIAL BUSCANDO CONDENAÇÃO EM

OBRIGAÇÃO DE FAZER - FIXAÇÃO DE ASTREINTE

EM DESFAVOR DA PESSOA DO AGENTE PÚBLICO -

POSSIBILIDADE - DECISÃO MANTIDA - RECURSO

DESPROVIDO. "2. A cominação de astreintes prevista

no art. 11 da Lei nº 7.347/85 pode ser direcionada não

apenas ao ente estatal, mas também pessoalmente às

autoridades ou aos agentes responsáveis pelo

cumprimento das determinações judiciais." (REsp Nº

1.111.562 / RN, rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, j.

25.08.2009). (TJSC. Agravo de Instrumento n. 2010.042338-8.

Joaçaba. Rel.: Des. Sérgio Roberto Baasch Luz. j. em

Page 47: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

47

01/03/2011).

No caso, convém fazer menção a fundamentação utilizada

pelo Desembargador Sérgio Roberto Baasch Luz para emitir seu voto, junto ao

Agravo de Instrumento n. 2010.042338-8, TJSC, oportunidade em que tratou com

propriedade acerca da possibilidade de aplicação das astreintes também para os

agentes públicos responsáveis pelo cumprimento das decisões judiciais, conforme

segue:

(...)

O artigo 11 da Lei n° 7.347/85 estabelece o seguinte:

Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou

não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade

devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica,

ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível,

independentemente de requerimento do autor (grifo nosso)

Assim, a disputa resume-se em saber se a cominação

de astreintes prevista nesse citado dispositivo pode ser direcionada não

apenas ao ente estatal, mas também às autoridades ou aos agentes

responsáveis pelo cumprimento das determinações judiciais.

A fim de estabelecer os estritos limites da matéria submetida ao crivo

deste Superior Tribunal de Justiça, saliento que não se insurge quanto ao

procedimento observado pelo Tribunal a quo para a aplicação da multa.

Por outro lado, a querela não pode ser analisada sob o ângulo de que os

agentes públicos não poderiam sofrer essa sanção por serem "pessoas

estranhas à relação jurídico-processual" (fl. 810), não integrando a lide,

exatamente porque essa argumentação não foi discutida na instância

ordinária, carecendo do requisito indispensável do prequestionamento.

Page 48: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

48

Feitas tais observações, prossigo.

A exemplo do art. 461, § 4º, do Código de Processo Civil - CPC -, com

as alterações introduzidas pela Lei nº 8.952/94, o art. 11 da Lei nº

7.347/85 autoriza o magistrado a cominar multa no intuito de

promover o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer estipulada

no bojo de ação civil pública, sendo desnecessário o requerimento da parte

adversa para tanto.

Quanto a essa premissa, não restam dúvidas, sequer havendo

irresignação do recorrente nesse sentido.

Todavia, quanto à possibilidade de endereçamento da multa não apenas

ao ente público, mas também às autoridades e agentes responsáveis pelo

cumprimento das determinações judiciais, propaga-se divergência

doutrinária cujo destaque é salutar ao debate.

Contrário à idéia, Juvêncio Vasconcelos Viana assevera:

"No contexto atual, não cabe fixar multa - como preconizam alguns -

diretamente contra o servidor, que não é parte no processo.

Multas (astreintes) podem ser aplicadas, mas não contra o agente da

Administração. Entendemos que precisaria de reforma legislativa para

tanto. À falta de disposição expressa, não pode o funcionário ser

penalizado. Multas que vierem por eventual descumprimento de decisão

judicial que a admita serão aplicadas contra a pessoa administrativa,

recordada aqui a idéia de regressivamente buscá-la em face do agente

causador da lesão ao erário" (Efetividade do Processo em Face

da Fazenda Pública. São Paulo: Editora Dialética, 2003, p.

268).

Penso, todavia, que a razão encontra-se com aqueles que esposam a tese

de que a medida é plenamente viável.

De fato, as características inerentes às pessoas jurídicas de direito público

Page 49: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

49

tornam bastante complexa a adoção de medidas tendentes a forçar a

concretização de soluções judiciais, haja vista que o constrangimento

exercido pela cominação de multa depende essencialmente do temor de o

réu ver seu patrimônio desfalcado diante da inobservância das

providências estabelecidas pelo magistrado.

Como ensina Marcelo Lima Guerra, "é muito remota a possibilidade de

uma medida coercitiva como a multa diária exercer uma efetiva pressão

psicológica contra a vontade do exato agente administrativo responsável

pelo cumprimento da decisão judicial" (Execução Contra o Poder

Público. Revista de Processo, São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, n. 100, ano 25, p. 77-78, out./dez. 2000), sendo certo,

ademais, que a ação de regresso mostra-se praticamente inservível para

esse fim em virtude das conhecidas distorções administrativas a que se

sujeita.

De tal sorte, a aplicação de multa diretamente ao agente administrativo

constitui medida que não apenas encontra respaldo no ordenamento

pátrio - amoldando-se à perfeição à vontade do legislador inscrita no art.

11 da Lei nº 7.347/85 -, como também repercute de forma

extremamente satisfatória na consecução da providência estipulada pelo

magistrado em sua decisão. Isso atende ao interesse público manifestado

na presente ação civil pública sem recair na insidiosa dupla penalização

da coletividade que adviria da cominação de multa tão-somente em

desfavor do Estado.

Nesse diapasão, Leonardo José Carneiro da Cunha preconiza que para

conferir efetividade ao comando judicial, cabe, portanto, a fixação de

multa, com esteio no § 4º do art. 461 do CPC, a ser exigida

do agente público responsável, além de se exigir da própria pessoa

jurídica de direito público". Justifica seu posicionamento aduzindo que é

Page 50: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

50

"possível admitir a fixação da multa ao agentepúblico, fazendo

prevalecer o princípio da efetividade, erigido a uma garantia

constitucional (Algumas Questões sobre as Astreintes (Multa

Cominatória).Revista Dialética de Direito Processual, São

Paulo, n. 15, p. 104, junho de 2004).

A seu turno, Marcelo Lima Guerra sugere, para contornar a ausência

de pressão psicológica exercida pela multa sobre pessoa jurídica de direito

público - e, mais especificamente, sobre o servidor responsável pelo

cumprimento da decisão judicial -, "a aplicação da multa diária contra o

próprio agente administrativo responsável pelo cumprimento da obrigação

a ser satisfeita in executivis ".

Remata de maneira bastante precisa:

Como já se procurou demonstrar, em outra oportunidade, as medidas

coercitivas, entre elas a multa diária, devidamente compreendidas como

instrumentos de concretização do direito fundamental ao processo efetivo,

não podem deixar de ser utilizadas, em determinada situação em que se

revelem necessárias, apenas por não ter sido prevista sua aplicação, em tal

hipótese, por norma infraconstitucional. Nisso se manifesta, entre outras

coisas, a chamada aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais, os

quais se concretizam independentemente de lei, e até contra legem,

devendo-se observar, todavia, que a concretização de um direito

fundamental deve respeitar os limites impostos por outros direitos

fundamentais. Daí que, revelando-se necessária a aplicação de multa

diária, o juiz pode utilizá-la mesmo em situações não previstas em lei,

mas não pode ignorar outros direitos fundamentais em jogo (op cit, p. 77-

78).

Não é diferente o entendimento de Eduardo Talamini, segundo o qual

"cabe ainda considerar a possibilidade de a multa ser cominada

Page 51: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

51

diretamente contra a pessoa do agente público, e não contra o ente

pública que ele 'presenta' - a fim de a medida funcionar mais

eficientemente como instrumento de pressão psicológica" (Tutela

Relativa aos Deveres de Fazer e de Não Fazer. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais, 2ª ed., 2003, p. 247).

Por derradeiro, com o habitual brilhantismo, Cândido Rangel

Dinamarco também abona esse posicionamento.

O ilustre processualista aborda a questão da efetividade da tutela

jurisdicional no que tange ao mandado de segurança e faz considerações

que podem ser aplicadas mutatis mutandis no caso vertente,

principalmente por se focar no elastério subjetivo das astreintes, como se

observa:

O poder das astreintes é grande porque incomoda o patrimônio do

obrigado, onerando-o dia-a-dia de modo crescente. É autêntico meio

de pressão psicológica ou de 'execução imprópria ', como se diz em

doutrina (v., por todos, CHIOVENDA, CARNELUTTI E

LIEBMAN). Fala BARBOSA MOREIRA em sucedâneo da

execução. A eficidência das multas diárias, que constituem criação

pretoriana francesa do mais absoluto sucesso, levou o legislador brasileiro

a consagrá-las em normas expressas, o que fez editar os arts. 644-645

do Código de Processo Civil (agora renovados para maior agilidade) e,

bem recentemente, ao inseri-las entre as medidas a serem aplicadas já no

processo de conhecimento. O § 4º do art. 461, que as contempla, tem a

força de autorizar pressões psicológicas sem a necessidade de instaurar

processo executivo, de modo que o próprio juiz emissor de

um mandamento possa cuidar de dar efetividade ao mandamento que

emitiu.

É de plena legitimidade a imposição das multas diárias ao

Page 52: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

52

Banco Central ou ao Tesouro Nacional, entidades

representadas pelos funcionários impetrados, e também a

estes, separadamente e em nome pessoal, para que

cumpram. A multa deverá ter valor significativo (percentual sobre o

valor devido), sob pena de não exercer sobre os espíritos dos recalcitrantes

a desejada motivação a obedecer. É prudente que se conceda aos

destinatários dessa sanção um prazo razoável para cumprir, incidindo a

multa a partir do dia seguinte ao do escoamento do prazo (Parecer

"Execução de Liminar em Mandado de Segurança - Desobediência -

Meios de Efetivação da Liminar". Revista de Direito

Administrativo, n. 200, p. 321, junho de 1995) - sem grifos no

original.

Em suma: o art. 11 da Lei nº 7.347/85 autoriza o direcionamento da

multa cominatória destinada a promover o cumprimento de obrigação de

fazer ou não fazer estipulada no bojo de ação civil pública não apenas ao

ente estatal, mas também pessoalmente às autoridades ou aos agentes

públicos responsáveis pela efetivação das determinações judiciais,

superando-se, assim, a deletéria ineficiência que adviria da imposição

desta medida exclusivamente à pessoa jurídica de direito público."

Assim, a despeito das divergências doutrinárias estampadas no acórdão

acima transcrito e da escassez de julgados a respeito do tema, em nome da

prudência que clama o caso em tela, perfilho por ora este entendimento,

admitindo, portanto, a imposição de astreinte em face da pessoa do

senhor Diretor-Presidente da CASAN, ora agravante, em caso de

eventual descumprimento da determinação judicial. Esta preocupação que

me acomete é reforçada e justificada pelas explanações consignadas no

voto que proferi ao relatar o agravo de instrumento n. 2010.021444-2,

o qual fora interposto pela CASAN em face da mesma decisão ora

Page 53: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

53

combatida, e onde é possível visualizar o descaso das autoridades para

com o meio ambiente e a comunidade local.

Nesse contexto, nega-se provimento ao recurso, mantendo-se incólume a

decisão vergastada.

(...).

Pontua-se, ainda, que o Governador e Secretário de Segurança

Pública do Estado já foram devidamente intimados acerca da sentença (eventos

108.1, 113.1 e 115.1), razão pela qual não podem alegar eventual desconhecimento

do teor da determinação judicial.

Outrossim, acentua-se que o ônus da obrigação de fazer e não

fazer imposta na sentença condenatória é unicamente do Estado do Paraná e

jamais se estenderá as pessoas do Governador e Secretário de Segurança Pública do

Estado do Paraná, todavia, adverte-se que por se tratarem dos representes do ente

federativo que devem dar efetividade ao comando judicial, não podem

simplesmente se omitir, e assim desrespeita-lo.

Portanto, o contraditório já foi oportunizado a partir da

ciência dada ao Governador e Secretário de Segurança Pública, sendo que o prazo

para cumprimento das obrigações se mostra razoável, não existindo qualquer

ilegalidade na medida aplicada.

Pugna-se, assim, pelo não acolhimento do pleito

apresentando, mantendo-se integralmente a sentença proferida pelo Juízo a quo.

IV – Conclusão:

Page 54: 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL …...ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro

1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR _____________________________________________________________________________________________________________

54

Em não sendo necessárias maiores considerações diante da

robustez da prova, reporta-se o Ministério Público aos argumentos lançados na

petição inicial. Denota-se, por conseguinte, que não há como acolher as teses do

apelante.

As razões recursais não apontam para nenhum supedâneo que

possa levar ao provimento do recurso, não passando de alegações sem qualquer

fundamento jurídico e meramente procrastinatórias.

Ante o exposto, requer este Órgão Ministerial que o recurso de

apelação interposto pelo apelante Estado do Paraná SEJA CONHECIDO, visto

que preenchidos os pressupostos de admissibilidade, sendo, contudo,

IMPROVIDO, em virtude dos fundamentos fáticos e jurídicos acima delineados,

mantendo-se inalterada a sentença prolatada pelo Juízo de primeira instância.

Marechal Cândido Rondon/PR, 26 de junho de 2014.

Caio Bergamo A. Marques

Promotor de Justiça