1 o uso das vÍrgulas por uma abordagem enunciativa

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XIII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e IX Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 1 O USO DAS VÍRGULAS POR UMA ABORDAGEM ENUNCIATIVA Anderson Cristiano da Silva EE Prof. Alceu Maynard Araújo – Secretaria Estadual da Educação do Estado de São Paulo. Rua José Benedito Calil, 60, Jd. São Vicente, CEP 12.224-340 – São José dos Campos – SP, [email protected] Resumo – O objetivo deste trabalho é problematizar o uso da vírgula exclusivamente pelo caráter normativo, trazendo a perspectiva enunciativa como uma opção para se trabalhar com este conteúdo. A linha de pesquisa utilizada parte da concepção discursiva de linguagem, de acordo com esta abordagem, fundamentada na teoria de Bakhtin, o que está em jogo no tocante ao uso da vírgula não é sua função no plano sintático, mas as determinações sócio-discursivas que interferem na constituição de sentidos. O corpus desta investigação constitui-se de um artigo opinativo do colunista Clóvis Rossi, retirado do jornal Folha de S. Paulo. À guisa de conclusão, podemos considerar que as vírgulas permitem-nos observar os traços de subjetividade presentes na materialidade linguística e, dessa forma, a constituição de sentidos provindos destas marcações. Palavras-chave: sinais de pontuação, constituição de sentidos, artigo opinativo, viés enunciativo. Área do Conhecimento: VIII – Linguística, Letras e Artes. Introdução Este artigo aborda a questão do uso das vírgulas pelo viés enunciativo, dissociando de uma prática exclusivamente normativa, baseada em nomenclaturas de ordem sintática. Nesta perspectiva, considera-se a posição, o tipo e as possibilidades de permuta entre pontuações. Sob outro aspecto, a relação entre (inter)locutores e também o contexto são importantes neste tipo de análise. Sendo assim, tomamos como aporte teórico o conceito de enunciado proposto por Bakhtin para articular uma maneira diferente de compreender o uso e os efeitos de certas pontuações no discurso. O enunciado bakhtiniano, um olhar para os sinais de pontuação A opção em trabalhar com enunciados torna-se um elemento importante em nossa pesquisa, pois a teoria do enunciado concreto, expresso pelo círculo bakhtiniano, vem colaborar para a investigação da constituição de sentidos entre os signos linguísticos e os sinais de pontuação. O enunciado deve ser considerado a partir do momento sócio-histórico e em sua manifestação concreta, desvinculando-se de uma visão exclusivamente sintática. Além disso, esse enunciado “aponta para outros lugares além do referente pretendido por seu autor” (BRAIT; MELO, 2005, p. 71). Dessa forma, a perspectiva bakhtiniana traz o enunciado como algo concomitante a enunciação, pois, no momento de sua expressão, existe uma atitude responsiva ativa. O enunciado corresponde à materialidade linguística (base da comunicação) que se torna visível para o outro. Se pensarmos em investigar as possibilidades de efeitos de sentido que os sinais de pontuação provocam nos textos opinativos da mídia impressa, intrinsecamente, estaremos trabalhando com enunciados. Dado o caráter social dos artigos de opinião, pode-se compreender sua produção como algo único, além disso, esse texto possui um autor, tem um destinatário (real), além de ser concebido dentro de uma esfera discursiva. Dessa maneira, nosso material de análise tem como base a concepção bakhtiniana de enunciado e, em consequência, o enunciado concreto. Uma vez que “o enunciado comporta por um lado, um aspecto verbal – a língua, a palavra, e por outro lado, um aspecto extra-verbal – o horizonte espacial comum (de um determinado grupo social)”. (SOUZA, 2002, p.35). Sendo assim, pode-se apreender o enunciado concreto como “processo da interação social dos participantes do enunciado. Sua significação e sua forma são determinadas, essencialmente, pela forma e pelo caráter dessa interação”. (BAKHTIN, 1992, p.88). Bakhtin explicita-nos que o ouvinte recebe e compreende o ato discursivo e o apreende, de forma simultânea, com este discurso, como o próprio autor denomina: uma atitude responsiva ativa, que advém das relações dialógicas entre os enunciados. Esta atitude dialógica pode ser considerada em ambos os casos, tanto na ação verbal oral, em que os falantes estão presentes, como no caso do material escrito em que os (inter)locutores estão

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XIII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e IX Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba

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O USO DAS VÍRGULAS POR UMA ABORDAGEM ENUNCIATIVA

Anderson Cristiano da Silva

EE Prof. Alceu Maynard Araújo – Secretaria Estadual da Educação do Estado de São Paulo.

Rua José Benedito Calil, 60, Jd. São Vicente, CEP 12.224-340 – São José dos Campos – SP, [email protected]

Resumo – O objetivo deste trabalho é problematizar o uso da vírgula exclusivamente pelo caráter normativo, trazendo a perspectiva enunciativa como uma opção para se trabalhar com este conteúdo. A linha de pesquisa utilizada parte da concepção discursiva de linguagem, de acordo com esta abordagem, fundamentada na teoria de Bakhtin, o que está em jogo no tocante ao uso da vírgula não é sua função no plano sintático, mas as determinações sócio-discursivas que interferem na constituição de sentidos. O corpus desta investigação constitui-se de um artigo opinativo do colunista Clóvis Rossi, retirado do jornal Folha de S. Paulo. À guisa de conclusão, podemos considerar que as vírgulas permitem-nos observar os traços de subjetividade presentes na materialidade linguística e, dessa forma, a constituição de sentidos provindos destas marcações.

Palavras-chave: sinais de pontuação, constituição de sentidos, artigo opinativo, viés enunciativo. Área do Conhecimento: VIII – Linguística, Letras e Artes. Introdução

Este artigo aborda a questão do uso das vírgulas pelo viés enunciativo, dissociando de uma prática exclusivamente normativa, baseada em nomenclaturas de ordem sintática.

Nesta perspectiva, considera-se a posição, o tipo e as possibilidades de permuta entre pontuações. Sob outro aspecto, a relação entre (inter)locutores e também o contexto são importantes neste tipo de análise.

Sendo assim, tomamos como aporte teórico o conceito de enunciado proposto por Bakhtin para articular uma maneira diferente de compreender o uso e os efeitos de certas pontuações no discurso.

O enunciado bakhtiniano, um olhar para os sinais de pontuação

A opção em trabalhar com enunciados torna-se

um elemento importante em nossa pesquisa, pois a teoria do enunciado concreto, expresso pelo círculo bakhtiniano, vem colaborar para a investigação da constituição de sentidos entre os signos linguísticos e os sinais de pontuação.

O enunciado deve ser considerado a partir do momento sócio-histórico e em sua manifestação concreta, desvinculando-se de uma visão exclusivamente sintática. Além disso, esse enunciado “aponta para outros lugares além do referente pretendido por seu autor” (BRAIT; MELO, 2005, p. 71).

Dessa forma, a perspectiva bakhtiniana traz o enunciado como algo concomitante a enunciação, pois, no momento de sua expressão, existe uma atitude responsiva ativa. O enunciado corresponde

à materialidade linguística (base da comunicação) que se torna visível para o outro.

Se pensarmos em investigar as possibilidades de efeitos de sentido que os sinais de pontuação provocam nos textos opinativos da mídia impressa, intrinsecamente, estaremos trabalhando com enunciados.

Dado o caráter social dos artigos de opinião, pode-se compreender sua produção como algo único, além disso, esse texto possui um autor, tem um destinatário (real), além de ser concebido dentro de uma esfera discursiva.

Dessa maneira, nosso material de análise tem como base a concepção bakhtiniana de enunciado e, em consequência, o enunciado concreto. Uma vez que “o enunciado comporta por um lado, um aspecto verbal – a língua, a palavra, e por outro lado, um aspecto extra-verbal – o horizonte espacial comum (de um determinado grupo social)”. (SOUZA, 2002, p.35).

Sendo assim, pode-se apreender o enunciado concreto como “processo da interação social dos participantes do enunciado. Sua significação e sua forma são determinadas, essencialmente, pela forma e pelo caráter dessa interação”. (BAKHTIN, 1992, p.88).

Bakhtin explicita-nos que o ouvinte recebe e compreende o ato discursivo e o apreende, de forma simultânea, com este discurso, como o próprio autor denomina: uma atitude responsiva ativa, que advém das relações dialógicas entre os enunciados.

Esta atitude dialógica pode ser considerada em ambos os casos, tanto na ação verbal oral, em que os falantes estão presentes, como no caso do material escrito em que os (inter)locutores estão

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separados por um suporte midiático. Neste caso, há uma complexa rede de comunicação, uma vez que as vozes verbais constitutivas de ambos os sujeitos se entrelaçam para dar sentido ao enunciado em questão.

Ao trabalharmos com a mídia, temos que levar em consideração a confluência resultante entre dois componentes, um, relacionado ao campo lingüístico, e outro, ao contexto social.

Desse modo, “não se pode chegar à construção da significação discursiva sem o estudo de um ou outro desses componentes”. (CHARAUDEAU, 1996, p.6).

Sob o ponto de vista de nossa análise, os tons e constituição de sentidos provindos da relação existente entre os sinais de pontuação e os signos linguísticos também devem ser considerados.

Em decorrência desta aceitação, analisar os textos de mídia impressa por esta abordagem representa considerar outros elementos, como a subjetividade dos locutores e suas implicações no discurso.

As vírgulas como marcas da subjetividade

O uso correto da pontuação e, principalmente, da vírgula é muito valorizado por todas as pessoas letradas, porém seu emprego e também a concepção de ensino vêm há muitos anos sendo tratada exclusivamente pela perspectiva normativa.

O que se constata, em muitos casos, é que mesmo pessoas com um bom nível de escolaridade não sabem realmente a importância da vírgula, visto que empregam esta pontuação numa conceituação de ouvido, isto é, relacionada à respiração/pausa, na maior parte das vezes de forma intuitiva.

De acordo com Luft (1998), não se pode associar o emprego da vírgula ao nível da audição, pois o próprio autor afirma ser uma forma bisonha de critério para sua colocação. Ele ainda comenta que em muitas gramáticas a vírgula corresponde a uma pausa, porém nem toda pausa corresponde a uma vírgula.

Em contrapartida a estas práticas, objetivamos analisar esta pontuação em relação à constituição de sentidos a partir do uso enunciativo, distanciando-se assim das prescrições apresentadas nos manuais de gramática e livros didáticos.

Porém, em nenhum momento (em nossa pesquisa) queremos diminuir a importância da gramática normativa. Sua utilização é importante no ensino e aprendizado da língua materna; mas, em muitos casos, a gramática não consegue abarcar todas as possibilidades no uso das pontuações.

Além disso, o manejo com a linguagem requer um bom domínio no uso da pontuação. Este domínio não pode estar ligado apenas às questões de nomenclaturas gramaticais, mas tem-se que pensar no sentido, produto final de qualquer interação discursiva.

Sob outro aspecto, conforme as possibilidades de uso da pontuação, em algum momento todos acabam tendo hesitação ou dúvidas na hora de utilizar as vírgulas; pois “a pontuação se situa do lado da escrita e da leitura, isto é, da produção e da recepção de sentido, operando em conjunto para aperfeiçoar a legibilidade e a interpretação”. (DAHLET, 2006, p.23).

No tocante ao uso da pontuação em geral, percebe-se que as próprias gramáticas admitem não haver um consenso sobre o assunto, pois não há um uso homogêneo deste recurso entre os escritores. Dessa forma, os manuais tentam traçar normas sobre a utilização geral aplicadas ao uso contemporâneo da língua(CEGALLA, 2000), porém sem conseguir acompanhar o dinamismo da língua enquanto fenômeno social.

Em consonância com tais colocações, o envolvimento subjetivo do locutor com a sua criação escrita pode revelar-se através de várias maneiras, mas acreditamos que entre as diferentes marcas utilizadas na construção textual, também a pontuação exerça um papel relevante.

Análise do corpus: atividade enunciativa através das vírgulas

Sabemos que as funções sintáticas são

importantes para a análise e construção de qualquer texto, seja ele escrito ou oral. No entanto, há necessidade de colocar em discussão as questões de ordem semântica. Para tanto, elegemos analisar as movimentações discursivas em um artigo opinativo do articulista Clóvis Rossi1, do jornal Folha de S. Paulo (FSP).

Rossi é um renomado correspondente político, além disso, possui um espaço fixo na segunda página da FSP (Caderno Opinião), no qual engendra seu discurso focado nos fatos políticos nacionais e internacionais.

Nestes artigos, observamos que o autor deixa transparecer a subjetividade na construção do texto, pois os sinais de pontuação ajudam a evidenciar a presença de outras vozes na superfície linguística.

Além disso, precisamos considerar em nossa análise o contexto sócio-histórico em que o artigo está situado. Especificamente nesta análise, 1 ROSSI, Clóvis. Walfrido, quero o meu. Folha de S. Paulo, Caderno de Opinião, A2, quinta-feira, 27 de setembro de 2007.

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Clóvis Rossi titula o artigo de forma irônica (WALFRIDO, QUERO O MEU), uma vez que autor ironiza uma trama política ocorrida entre duas grandes figuras do cenário político nacional.

Nestes termos, o texto escrito por Rossi permite-nos observar a interação permanente entre os (inter)locutores, pois a união das escolhas lexicais e das pontuações enuncia a posição do locutor diante do fato político referente ao envolvimento de um suposto empréstimo cedido ao senador Eduardo Azeredo feito pelo então ministro de Estado, Walfrido dos Mares Guia.

No texto, o locutor discorre sobre o valor exorbitante em que o ministro Walfrido emprestou ao senador Eduardo Azeredo. Em seu discurso, o jornalista explica que o valor (R$ 500 mil) seria o suficiente para passar seis meses na Europa e daria para acompanhar todo o campeonato europeu de clubes.

Ainda sobre esta temática, Clóvis Rossi discorre sobre as reais intenções de um empréstimo considerável, tendo em vista que: quem emprestou não vai cobrar e quem tomou emprestado não vai pagar.

Ao analisarmos algo tão específico na materialidade linguística, não devemos dissociar das questões exteriores, pois, segundo o viés bakhtiniano, o enunciado é algo em constante movimento (é a linguagem em movimento). Sendo assim, cabe-nos discorrer sobre uma pontuação específica encontrada na composição do texto.

No primeiro parágrafo do artigo, pode-se observar a presença das vírgulas como elementos interativos do texto, uma vez que fragmentam a aparente homogeneidade textual. Dessa forma, as vírgulas permitem-nos observar, no fluxo discursivo, a fragmentação do enunciado.

Seguindo este raciocínio, a vírgula não se limita à separação pautada por nomenclaturas sintáticas (DAHLET, 2006), mas sua função está ligada à interlocução entre os enunciadores. Para ilustrar este raciocínio, colocamos abaixo fragmentos que explicitam esta visão:

SÃO PAULO – Descobri o caminho para realizar o

sonho de ser setorista da “Champions League”, campeonato europeu de clubes , o mais importante do mundo:

Figura 1 – intercalação de elementos

, o campeonato europeu de clubes , o mais importante do mundo :

Figura 2 – enumeração de elementos

Na figura (1), observamos uma grande intercalação, na qual o autor explicita a expressão Champions League. Neste caso, a primeira vírgula

inicia a explicação da expressão que é finalizada pela presença dos dois pontos. Na segunda colocação da vírgula (figura 2), podemos observar a separação dos dois elementos explicativos dentro de blocos menores, caracterizando uma enumeração de elementos, sem necessariamente termos que usar certas nomenclaturas como o aposto.

Ao problematizar a funcionalidade das vírgulas, também podemos refletir sobre a possibilidade de permuta entre os sinais de pontuação e os eventuais efeitos de sentido desta intercambialidade.

Numa primeira leitura, pode-se pensar que há apenas uma maneira de pontuar; porém, quando observamos com mais acuidade, verificamos que há outras possibilidades de pontuação.

No caso específico do texto de Clóvis Rossi, também poderíamos trocar as vírgulas pelos parênteses como forma de explicitar a expressão em língua estrangeira Champions League.

(o campeonato europeu de clubes, o mais

importante do mundo) : Figura 3 - permuta da vírgula pelos parênteses

No caso acima, a substituição de um

determinado ponto por outro só é possível em determinadas situações, pois a vírgula que separa as duas enumerações (LOPES-ROSSI, 2001) não poderia ser trocada pelos parênteses.

A presença dos parênteses no lugar da primeira vírgula seria possível, pois o bloco de intercalação explicativo ficaria mais em evidência por este tipo de sinal. Como também observamos, o tipo de pontuação auxilia-nos a perceber a heterogeneidade na materialidade linguística.

Nesta explicação, o autor, além de explicar a expressão em língua estrangeira, também coloca o grau de importância que tem este evento esportivo no mundo. Nesse sentido, Clóvis Rossi quer garantir aos seus interlocutores a compreensão sobre o evento Champions League.

Corroborando com esta linha de raciocínio, pode-se também perceber em outro excerto a pontuação agindo de forma diferente no enunciado. Na sequência, colocamos um exemplo em que as vírgulas exercem funções diferentes.

Com esse dinheiro, dá para passar na Europa os seis meses que dura o torneio e ainda levar o Rodrigo Bueno, que já se ofereceu para me acompanhar e é quem de fato entende dessas coisas. Figura 4 – antecipação e intercalação de elementos

No exemplo acima, observa-se que a

separação feita pela vírgula no primeiro bloco

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representa uma antecipação de elemento e a presença da segunda vírgula representando uma intercalação de elemento, cuja função é explicitar quem é Rodrigo Bueno.

Se pensássemos também em uma permuta de pontuação, na primeira ocorrência da vírgula não poderíamos colocar os parênteses, uma vez que a antecipação do complemento ficaria truncada no interior do parágrafo, já na outra ocorrência, a vírgula que introduz a explicação poderia ser substituída pelos parênteses.

Em decorrência desta possibilidade, a presença tanto da vírgula como dos parênteses poderiam manifestar um efeito no interlocutor. Como visualmente os parênteses são maiores, a explicação poderia ser mais facilmente destacada e também descartada por determinados leitores, já a escolha pelas vírgulas pode representar algo mais sutil na observação da heterogeneidade discursiva.

Na sequência, colocamos mais um exemplo sobre a funcionalidade da vírgula sob a perspectiva do uso e seus casuais efeitos de sentido.

Tomar dinheiro emprestado, afirmando com todas as letras que não pagou nem vai pagar, é vender-se. Figura 5 – intercalação de elementos

Neste último exemplo, as duas vírgulas têm a

função de separar um termo explicativo no meio da ordem canônica da frase (SUJEITO – VERBO – OBJETO), representando uma intercalação de elementos.

No caso da intercalação, a vírgula em detrimento dos parênteses ajuda na interação entre as diferentes vozes presentes no discurso. O leitor pode não perceber, mas as pontuações corroboram para um tom mais enfático ou fraco no discurso.

Dessa maneira, todos os exemplos citados corroboram para uma visão enunciativa da pontuação, pois ela colabora para movimentação de sentido na superfície textual, deixando transparecer os matizes de tom e a heterogeneidade marcada (AUTHIER-REVUZ, 2004) no discurso.

Considerações Finais

À guisa de conclusão, podemos afirmar que os sinais de pontuação permitem-nos observar os traços de subjetividade presentes no texto escrito e, desta forma, os efeitos de sentido provindos destas marcações.

A partir do resultado de nossa análise, percebemos que uso das vírgulas exclusivamente por critérios sintáticos não deixam transparecer a

complexidade existente entre os signos lingüísticos e ideográficos, além disso, apontar os desdobramentos enunciativos provindos das relações entre os (inter)locutores. Referências -AUTHIER-REVUZ, Jacqueline. Entre a transparência e a opacidade: um estudo enunciativo do sentido. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004.

-BAKHTIN, Mikhail M. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

-BRAIT, Beth; MELO, Rosineide de. Enunciado/ enunciado concreto/ enunciação. In: BRAIT, Beth (Org.). Bakhtin: conceitos-chave. 2.ed. São Paulo: Contexto, 2005, p. 61 -78.

-CEGALLA, Domingos Paschoal. Novíssima gramática da língua portuguesa. 43. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2000.

-CHARAUDEAU, Patrick. Para uma nova análise do discurso. In: CARNEIRO, Agostinho Dias (Org.). O discurso da mídia. Rio de Janeiro: Oficina do Autor Editora, 1996.

-DAHLET, Véronique. As (man)obras da pontuação: usos e significações. São Paulo: Associação Editorial Humanitas, 2006. -LOPES-ROSSI, Maria A. G. O emprego da vírgula no português a partir da reflexão sobre a organização estrutural das frases: possibilidades e desafios. Comunicação apresentada no XLIX Seminário do Grupo de Estudos Lingüísticos do Estado de São Paulo – GEL, Marília, 24, 25 e 26 de maio de 2001.

-LUFT, Celso Pedro. A vírgula. 2. ed. São Paulo: Editora Ática, 1998.

-SOUZA, Geraldo Tadeu. Introdução à teoria do enunciado concreto do círculo Bakhtin/Volochinov/ Medvedev. 2. ed. São Paulo: Humanitas/ FFLCH/USP, 2002.