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Modelos de democraciaDesempenho e padrões de govemo em 36 países

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e dos estudantes de pós-graduação que participaram do seminário. Em abril e maio de 1998, proferi palestras e conduzi seminários semelhantes em di­versas universidades da Nova Zelândia: a Universidade de Canterbury em Christchurch, a Universidade de Auckland, a Universidade Victoria, de Wellington, e a Universidade de Waikato, em Hamilton. Aqui, também, be­neficiei-me de muitos comentários valiosos, e quero agradecer a Peter Aimer, Jonathan Boston, John Henderson, Martin Holland, Keith Jackson, Raymond Miller, Nigel S. Roberts e Jack Vowles em particular.

James N. Druckman executou eficientemente a análise fatorial relatada no capítulo 14. Ian Budge, Hans Keman e Jaap Woldendorp forneceram-me novos dados sobre a formação de gabinetes antes da publicação dos mesmos. Diversos outros estudiosos também me cederam, generosamente, seus dados ainda não publicados ou parcialmente inéditos: dados sobre a composição de câmaras federais fornecidos por Alfred Stepan e Wilfried Swenden, do Federal Databank; dados sobre a distância entre governos e eleitores, coligi­dos por John D. Huber e G. Bingham Powell, Jr; e dados sobre a satisfação com a democracia, de Christopher J. Anderson e Christine A Guillory. Last but not least, sou muito grato pelo trabalho de meus assistentes de pesquisa Nastaran Afari, Pisa A. Brooks, Linda L. Christian e Stephen M. Swindle.

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Introdução

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Em princípio, existem muitas maneiras pelas quais uma democracia pode organizar-se e funcionar. Na prática, também, as democracias modernas apre­sentam uma grande variedade de instituições governamentais formais, como legislaturas e tribunais, além de sistemas partidários e grupos de interesse. Entretanto, padrões e regularidades nítidos surgem ao se examinarem essas instituições sob o ângulo da natureza de suas regras e práticas— até que ponto elas são majoritárias ou consensuais. O contraste entre o modelo majoritário e o consensual surge a partir da definição mais básica e literal de democra­cia: govemo pelo povo ou, no caso da democracia representativa, governo pelos representantes do povo — e, também, a partir da famosa frase de Abraham Lincoln segundo a qual democracia significa govemo, não apenas pelo povo, mas também para o povo —, ou seja: govemo de acordo com a preferência popular.1

Definir a democracia como “governo pelo povo e para o povo” le­vanta uma questão fundamental: quem governará, e a quais interesses deverá o govemo atender, quando o povo estiver em desacordo e as suas preferências divergirem? Uma resposta a esse dilema é a de que prevaleça a maioria do povo. Esta é a essência do modelo democrático majoritário. A resposta majoritária é simples e direta, e tem um grande apelo, porque o governo pela maioria, e de acordo com os anseios da maioria, deseja obviamente aproximar-se mais do ideal democrático do “govemo pelo povo e para o povo” do que o governo por uma minoria e comprometido com esta.

‘Como observa Clifford D. May (1987), t> crédito por esta definição deveria ir provavelmente para Daniel Webster, em lugar de Lincoln. Webster fei um discurso em 1830 — 33 anos antes do pronunciamento de Lincoln em Gettysburg — no qual falava de um “governo do povo, feito para o povo, pelo povo e prestando contas ao povo".

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Uma resposta alternativa é: prevalece a vontade do maior número de pessoas. É este o ponto vital do modelo consensual. Ele não difere do mode­lo majoritário, concordando em que é melhor o governo da maioria do que da minoria. Mas considera a exigência de uma maioria como um requisito mínimo: em vez de se satisfazer com mínimas maiorias, ele busca ampliar o tamanho das mesmas. Suas regras e instituições visam a uma ampla partici­pação no governo e a um amplo acordo sobre as políticas que este deve ado­tar. O modelo majoritário concentra o poder político nas mãos de uma pequena maioria, e muitas vezes, mesmo, de uma maioria simples (plurality), em vez de uma maioria absoluta, como mostrará o capítulo 2 — ao passo que o modelo consensual tenta compartilhar, dispersar e limitar o poder de várias maneiras. Uma outra diferença, relacionada a esta última, é que o modelo majoritário de democracia é exclusivo, oampetitivo e combativo, enquanto o modelo consensual se caracteriza pela abrangência^a negocia­ção e a concessão. Por ésta razão, a democracia consensual poderia também ser chamada de “democracia de negociação” (Kaiser, 1997: 434).

Dez diferenças relativas às mais importantes instituições e regras democrá­ticas podem deduzir-se dos princípios majoritário e consensual. Pelo fato de que as características majoritárias derivam do mesmo princípio e, por isso, apresentam uma conexão lógica, poder-se-ia também esperar que elas ocor­ressem juntas no mundo real. O mesmo se aplica às características do modèlo consensual. Seria de se esperar que todas as dez variáveis estivessem, por isso, intimamente relacionadas. As pesquisas anteriores já confirmaram, em grande parte, essas expectativas, com uma importante exceção: as variáveis agrupam- se em duas dimensões nitidamente separadas (Lijphart 1984: 211-22; 1997a: 196-201). A primeira dimensão reúne cinco características da estrutura com­posta pelo Poder Executivo, pelos sistemas partidários e eleitorais e pelos gru­pos de interesse. Para resumir, vou me referir a essa primeira dimensão como dimensão executivos-partidos. Uma vez que as cinco diferenças, na segunda dimensão, são normalmente associadas, em sua maioria, ao contraste entre federalismo e governo unitário — assunto ao qual deverei logo retomar —, chamarei a essa segunda dimensão de dimensão federal-unitária.

As dez diferenças são formuladas a seguir, em termos dos contrastes dicotômicos entre os modelos majoritário e consensual. Trata-se, no entan­to, de variáveis, nas quais cada país pode localizar-se em um dos pólos do

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eixo, ou em qualquer ponto entre os mesmos. A característica do sistema majoritário vem relacionada em primeiro lugar, em cada caso.

As cinco diferenças na dimensão executivos-partidos são as seguintes:

1. Concentração do Poder Executivo em gabinetes monopartidários de maioria versus distribuição do Poder Executivo em amplas coalizões multipartidárias.

2. Relações entre Executivo e Legislativo em que o Executivo é domi­nante versus relações equilibradas entre ambos os poderes.

3. Sistemas bipartidários versus sistemas multipartidários.4. Sistemas eleitorais majoritários e desproporcionais versus representa­

ção proporcional.5. Sistemas de grupos de interesse pluralistas, com livre concorrência

entre grupos versus sistemas coordenados e “corporativistas” visando ao compromisso e à concertação*.

As cinco diferenças na dimensão federal-unitária são:

1. Governo unitário e centralizado versus governo federal e descentrali­zado.

2. Concentração do Poder Legislativo numa legislatura unicameral versus divisão do Poder Legislativo entre duas casas igualmente fortes, po­rém diferentemente constituídas.

3. Constituições flexíveis, que podem receber emendas por simples maiorias, versus constituições rígidas, que só podem ser modificadas por maiorias extraordinárias.

4. Sistemas em que as legislaturas têm a palavra final sobre a cons- titucionalidade da legislação versus sistemas nos quais as leis estão su­jeitas à revisão judicial de sua constitucionalidade, por uma corte suprema ou constitucional.

5. Bancos centrais dependentes do Executivo versus bancos centrais in­dependentes.

*Concertação: expressão tomada do espanhol— concertación —, que significa formar pactos de coalizão. (N. do T.)

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Uma explicação plausível para esse modelo bidimensional é sugerida por teó­ricos do federalismo, como Ivo D. Duchacek (1970), Daniel J. Elazar (1968), Cari J. Friedrich (1950: 189-221) e K. C. Wheare (1946). Esses estudiosos sustentam que o federalismo tem significados primários e secundários. A defi­nição primária é a de que o federalismo constitui uma divisão garantida de poder entre o governo central e os governos regionais. As características se­cundárias são: o forte bicamcralismo, uma constituição rígida e revisões judi­ciais rigorosas. Seu argumento é que a garantia de uma divisão federal do poder só pode operar bem nos seguintes casos: (1) se tanto as garantias quanto as linhas precisas da divisão de poder estiverem claramente definidas na Consti­tuição, e se essas garantias não puderem ser modificadas unilateralmente, nem no nível central nem no regional — donde a necessidade de uma Constituição rígida; (2) se houver um árbitro neutro para resolver conflitos relativos à divi­são de poder entre os dois níveis de governo — donde a necessidade de revi­sões judiciais; e (3) se houver uma câmara federal na legislatura nacional, em que as regiões tenham uma forte representação — donde a necessidade de um forte bicameralismo. Além disso, (4) o principal propósito do federalismo é promover e proteger um sistema descentralizado de governo. Essas caracterís­ticas federalistas podem ser encontradas nas quatro primeiras variáveis da se­gunda dimensão. Como se declarou anteriormente, essa dimensão é, por isso, denominada dimensão federal-unitária.

Entretanto, a explicação federalista não é inteiramente satisfatória, por duas razões. Um dos problemas é que, embora possa justificar o agrupamen­to das quatro variáveis numa única dimensão, ela não explica por que essa dimensão deve ser tão claramente distinta da outra. Em segundo lugar, não explica por que a variável da independência do banco centra] faz parte da dimensão federal-unitária. Uma explicação mais convincente do modelo bidimensional é a distinção entre “ação coletiva” e “responsabilidade com­partilhada”, de um lado, e ações e responsabilidades divididas, de outro, sugerida por Robert E. Goodin (1996: 331).2 Ambas são formas de difusão do poder, mas a primeira dimensão da democracia de consenso — com suas negociações multipartidárias dentro dos gabinetes, legislaturas e comissões

HJma distinção semelhante, feita por George TsebeUs (1995: 302) t entre os "agente* institucionais com poder de veto”, localizados em diferentes instituições, e os “agentes parti­dários com Doder de veto”, como os oarridos eue inreeram uma coalizão eovernamental.

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legislativas, e reuniões de concertação entre governos e grupos de interesse— adapta-se bem à forma de responsabilidade coletiva. Em contrapartida, tan­to as quatro características federalistas quanto o papel dos bancos centrais são adequados à forma de difusão por meio da separação institucional: divisão do poder entre instituições federais e estaduais separadas, duas câmaras se­paradas na legislatura, e tribunais superiores e bancos centrais separados e independentes. Vista por esta perspectiva, a primeira dimensão também poderia ser chamada de dimensão de responsabilidade conjunta, ou de po­der conjunto, e a segunda, de dimensão de responsabilidade dividida ou de poder dividido. Entretanto, embora esses rótulos possam ser mais precisos e teoricamente mais significativos, os meus rótulos originais — “executivos- partidos” e “federais-unitários” — têm a grande vantagem de serem de mais fácil memorização, razão pela qual irei empregá-los neste livro.

A distinção entre dois tipos básicos de democracia, a majoritária e a consensual, de modo algum é uma invenção recente na ciência política. De fato, tomei esses dois termos de empréstimo aRobert G. Dixon Jr. (1968: 10). Hans Hattenhauer e Werner Kaltefleiter (1968) também fazem o con­traste entre o “princípio majoritário” e o consenso, e Jürg Steiner (1971) justapõe “os princípios da maioria e da proporcionalidade”. G. Bingham Powell (1982) distingue entre formas majoritárias e amplamente “represen­tativas” de democracia e, em trabalho posterior, entre duas “visões da demo­cracia liberal”: a visão do Controle da Maioria e a da Influência Proporcional (Huber e Powell 1994). Contrastes semelhantes foram traçados por Robert A. Dahl (1956) — democracia “populista” versus “madisoniana”; WilliamH. Riker (1982) — “populismo” versus “liberalismo”; Jane Mansbridge (1980) — democracia “combativa” versus “unitária”; e S. E. Finer (1975) — política “combativa” vers:ts política centrista e de coalizão.

Entretanto, existe na ciência política uma tendência surpreendentemen­te forte e persistente de se associar a democracia somente ao modelo majo­ritário, e de não reconhecer a democracia de consenso como uma alternativa igualmente legítima. Um exemplo particularmente daro disso pode ser visto no argumento de Stephanie Lawson (1993: 192-93) de que uma forte opo­sição política é a “condição sitie qua non da democracia contemporânea”. Essa visão baseia-se no pressuposto majoritário de que a democracia acarre­ta um sistema bipartidário (ou, possivelmente, dois blocos de partidos opos-

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Itos) que se alternam no governo; não leva em consideração que o governo, | em sistemas pluripartidários mais consensuais, tende a ser de coalizão, e que fe uma mudança de governo nesses sistemas normalmente significa apenas uma | mudança parcial na composição partidária do governo — em vez de a opo- | sição “tornar-se” governo. \

O uso freqüente do critério da alternância no poder para determinar se | uma democracia tomou-se estável e consolidada revela o mesmo pressupôs- fc to majoritário. Samuel P. Huntington (1991:266-67) chega a propor um teste da dupla alternância, segundo o qual “pode-se considerar uma democracia iconsolidada se o partido ou o grupo que assumiu o poder na eleição inicial, ^no período de transição [para a democracia], perde a eleição seguinte e pas­sa o poder aos vencedores, e se estes, por sua vez, passam o poder pacifica- ? mente aos vencedores de uma eleição posterior”. Das vinte democracias | duradouras analisadas neste livro, todas constituindo, indiscutivelmente, sis- | temas democráticos estáveis e consolidados, nada menos que quatro — Ale- | maníia, Luxemburgo, Holanda e Suíça— fracassaram no teste da alternância | . durante meio século, desde fins da década de 1940 até 1996, ou seja, tive- r ram a experiência de muitas mudanças de gabinete, porém nunca de uma i alternância completa; e oito — os mesmos quatro países e mais a Bélgica, a | Finlândia, Israel e Itália — perderam no teste da dupla alternância.

Este livro mostrará que as democracias majoritárias puras, ou quase pu- f, ras, são na verdade muito raras — limitam-se ao Reino Unido, Nova Zelândia f (até 1996) e as antigas colônias britânicas do Caribe (mas apenas com respei- {to à dimensão executivos-partidos). A maioria das democracias tem traços f.consensuais significativos ou mesmo predominantes. Além disso, como de- ! monstra este livro, a democracia consensual pode ser considerada-mais de- mocr ática do que a m ajoritária em muitos aspectos.

As dez características contrastantes dos dois modelos de democracia, apresentadas acima de forma resumida, são descritas e exemplificadas de 1maneira preliminar por meio de esboços de casos relativamente puros de fdemocracia majoritária — Reino Unido, Nova Zelândia e Barbados — e de casos relativamente puros de democracia consensual— Suíça, Bélgica e União Européia — nos capítulos 2 e 3. Os 36 casos empíricos de democracia, inclu­sive os cinco há pouco mencionados (mas não a União Européia), que foram selecionados para análise comparativa, são introduzidos sistematicamente no

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capítulo 4. As dez variáveis institucionais serão, depois, analisadas com mais profundidade nos nove capítulos que compreendem o corpo deste livro (ca­pítulos 5 a 13). O capítulo 14 resume os resultados e coloca as 36 democra­cias num “mapa conceituai” bidimensional da democracia. Também analisa alterações nesse mapa, ao longo do tempo, e mostra que a maioria dos países ocupa nele posições estáveis. Os capítulos 15 e 16 fazem a pergunta: “E daí?”: será que o tipo de democracia faz diferença, especialmente com respeito às medidas econômicas efetivas e à qualidade da democracia? Esses capítulos mostram que há apenas um pequeno número de diferenças sobre eficiência governamental, mas que os sistemas consensuais tendem a obter um resulta­do significativamente melhor no amplo quadro de indicadores da qualidade democrática. O capítulo 17 conclui o estudo com um olhar sobre as implica­ções políticas (extraídas das informações do livro) para os países em vias de democratização e para os países de democracia recente.

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«tf™, 2 o modelo Westminster de democracia

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Neste livro, alterno o termo modelo Westminster com o de modelo majoritá­rio para referir-me a um modelo genérico de democracia. Também é possível usá-lo de forma mais limitada, para denotar as principais características das instituições parlamentares e governamentais da Grã-Bretanha (Wilson: 1994; Mahler: 1997): é no Palácio de Westminster, em Londres, que se reúne o Parlamento do Reino Unido. A versão britânica do modelo Westminster não só constitui o exemplo original, como também o mais famoso. É, também, amplamente admirado. Richard Rose (1974: 131) destaca que, “com a con­fiança originária do isolamento continental, os americanos acabaram por adiar que as suas instituições— a Presidência, o Congresso e a Suprema Corte— eram o protótipo do que deveria ser adotado em todo o mundo”. Porém dentistas políticos americanos, prindpalmente os que se dedicam à política comparada, avaliam o sistema britânico de governo como, no mínimo, tão elevado quanto o deles (Kavanagh, 1974).

Um famoso cientista político que admirava fervorosamente o modelo Westminster era o presidente Woodrow Wilson. Nos seus primeiros escritos, chegou ao ponto de defender a abolição do governo presidendalista e a ado­ção, pelos Estados Unidos, de um governo parlamentarista de estilo britânico. Opinião semelhante também foi sustentada por diversos outros observado­res não-britânicos da política da Grã-Bretanha, e muitos aspectos do modelo Westminster foram exportados para outros países: o Canadá, a Austrália, a Nova Zelândia e a maior parte das colônias britânicas na Ásia, África e Caribe, ao se tornarem independentes. Wilson (1884: 33) referia-se ao governo par­lamentarista que seguia o modelo Westminster como “a moda do mundo”.

Os dez elementos inter-relacionados do modelo Westminster, ou majori­tário, são ilustrados por aspectos das três democracias que mais se aproxi­mam desse modelo, podendo ser vistas como protótipos do mesmo: o Reino

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Unido, a Nova Zelândia e Barbados. A Grã-Bretanha, onde se originou o modelo Westminster, é evidentemente o primeiro e o mais óbvio exemplo a ser usado. Em muitos aspectos, entretanto, a Nova Zelândia é um exemplo ainda melhor — pelo menos até a guinada abrupta que a distanciou do mo­delo majoritário, em outubro de 1966. O terceiro exemplo, Barbados, é tam­bém um protótipo quase perfeito do modelo Westminster, embora só na medida cm que está envolvida a primeira dimensão (executivos-partidos) do contraste entre o modelo majoritário e o modelo consensual. Na discussão a seguir, sobre as dez características majoritárias nos três países, enfatizo não somente sua conformidade com o modelo geral, como também os desvios ocasionais do modelo, além de diversas outras qualificações que necessitam ser feitas.

O MODELO WESTMINSTER NO REINO UNIDO

1. Concentração do Poder Executivo em gabinetes unipartidários e de maio­ria mínima. O órgão mais poderoso do governo britânico é o gabinete. Nor­malmente, ele é composto de membros do partido detentor da maioria das cadeiras na Câmara dos Comuns, e a minoria não é incluída. São raros os gabinetes de coalizão. Devido ao fato de, no sistema bipartidário britânico, os dois principais partidos terem força aproximadamente igual, o partido vencedor das eleições normalmente representa apenas uma estreita maioria, enquanto a minoria é relativamente grande. Conseqüentemente, o gabinete britânico de úm partido e de maioria mínima é a encarnação perfeita do prin­cípio da regra majoritária: ele manobra grande quantidade de poder político para governar como representante — e no interesse — de uma maioria, cujas proporções não chegam a ser esmagadoras. Uma grande minoria fica excluí­da do poder, confinada ao papel de oposição.

Desde 1945, principalmente, poucas são as exceções à norma britânica dos gabinetes unipartidários de maioria. David Butder (1978: 112) declara que “um governo claramente unipartidário é muito menos comum do que muitos poderiam supor”, mas a maior parte dos desvios da norma — coali­zões de dois ou mais partidos ou gabinetes de minoria — aconteceram de 1918 a 1945. O exemplo mais recente de gabinete de coalizão foi a coalizão

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de guerra, de 1940-45, formada pelos conservadores— que detinham maioria parlamentar — com os partidos Trabalhista e Liberal, sob o governo do pri­meiro-ministro conservador Winston Churchill. Os únicos exemplos de ga­binetes de minoria no período do pós-guerra foram os dois gabinetes trabalhistas na década de 1970. Na eleição parlamentar de fevereiro de 1974, o Partido Trabalhista obteve maioria simples, porém não a maioria das ca­deiras, e formou um governo de minoria, na dependência de que todos os demais partidos não se unissem para derrotá-lo. Novas eleições foram reali­zadas naquele mês de outubro, e o Parado Trabalhista obteve uma completa— embora estreita — maioria de cadeiras. Mas essa maioria foi minada por deserções e derrotas em eleições complementares, e o gabinete trabalhista novamente tornou-se minoritário em 1976. Em 1977, recuperou a maioria legislativa temporária, como resultado do pacto negociado com os 13 libe­rais da Câmara dos Comuns: os liberais concordaram em apoiar o gabinete se houvesse consultas sobre as propostas legislativas antes de sua apresenta­ção ao Parlamento. Nenhum liberal, entretanto, participou do gabinete, e este, por isso, continuou como de minoria, em vez de um verdadeiro gabine­te de coalizão. O chamado pacto Lab-Lib (Trabalhista-Liberal) durou até 1978, e em 1979 o gabinete de minoria do primeiro-ministro trabalhista James Callaghan foi derrubado por uma moção de desconfiança na Câmara dos Comuns.

2. Gabinete dominante em relação à legislatura. O Reino Unido tem um sistema de governo parlamentarista, o que significa que o gabinete depende da confiança do Parlamento. Teoricamente, como a Câmara dos Comuns pode destituir o gabinete, ela o “controla”. Na realidade, a relação é invertida. Como o gabinete é composto pelos líderes de um partido majoritário coeso, na Câmara dos Comuns normalmente ele é apoiado pela maioria daquela Casa e pode, confiantemente, contar com a sua permanência no poder e com a aprovação das suas propostas legislativas. O gabinete claramente prevalece sobre o Parlamento.

Como uma forte liderança exercida pelo gabinete depende do apoio da maioria na Câmara dos Comuns e da coesão do partido majoritário, os gabi­netes perdem um pouco de sua posição predominante quando uma dessas con­dições, ou ambas, não estão presentes. Especialmente durante os períodos de governo de minoria, na década de 1970, houve um significativo aumento na

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incidência das derrotas parlamentares de propostas importantes do gabinete. Esse fato provocou uma mudança na opinião tradicional de que os gabine­tes, se sofrerem uma derrota, quer per uma moção parlamentar de desconfian­ça, quer em algum importante projeto de relevância fundamental para o gabinete, devem renunciar ou dissolver a Câmara dos Comuns, convocando novas eleições. A nova regra não-escrita é de que somente um voto explícito de desconfiança poderá forçar a renúncia, ou novas eleições. A normalidade do predomínio do gabinete foi restaurada, em grande parte, na década de 1980, sob a forte liderança da primeira-ministra conservadora Margaret Thatcher.

Ambas as situações, a normal e a irregular, mostram que é o sistema dis­ciplinado bipartidário, e não o parlamentarismo, que dá origem ao predo­mínio do Executivo. Em sistemas parlamentaristas pluripartidários, os gabinetes — muitas vezes de coalizão — costumam prevalecer muito menos (Peters, 1997). Devido à concentração de poder num gabinete poderoso, o ex-ministro Lorde Hailsham (1978:127) chamou o sistema britânico de go­verno de “ditadura eletiva”.1

3. Sistema bipartidário. A política britânica encontra-se dominada por dois grandes partidos: o Conservador e o Trabalhista. Outros partidos tam­bém disputam as eleições, e obtêm cadeiras na Câmara dos Comuns — par­ticularmente os liberais e, após sua fusão com o Partido Social-democrata em fins dos anos 1980, os liberal-democratas —, mas não são suficientemen­te grandes para obterem uma vitória total. A maior parte das cadeiras é ob­tida pelos dois partidos principais, e eles compõem os gabinetes: o Partido Trabalhista de 1945 a 1951, de 1964 a 1970, de 1974 a 1979, e de 1997 em diante; e os conservadores de 1951 a 1964, de 1970 a 1974, e o longo pe­ríodo entre 1979 e 1997. A hegemonia desses dois partidos ficou especial­

'N os sistemas presidencialistas de governo, em que o chefe do Executivo não pode ser remo­vido pelo Legjslativo (a nâo ser por meio do impeachment), pode ocorrer a mesma variação no grau de predomínio do Executivo, dependendo exatamente de como s3o separados os po­deres governamentais. Nos Estados Unidos, pode-se dizer que presidente e Congresso man­têm um tosco equilíbrio de poder, mas na França e em alguns patses latino-americanos os presidentes sâo consideravelmente mais poderosos. Guillermo O'Donnell (1994: 59-60) pro­pôs o termo “democracia delegativa" — que tem afinidade com o de “ditadura eletiva" de Hailsham — para os sistemas com presidentes eleitos e dominantes. Nesses sistemas “forte­mente majoritários", quem vencer a eleição presidencial ficará qualificado a governar da forma que lhe for mais adequada, restrito apenas por relações de poder inegavelmente preexistentes, e por um prazo de governo limitado pela Constituição.

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mente acentuada entre 1950 e 1970: em conjunto, eles jamais obtiveram menos que 87,5 por cento dos votos e 98 por cento das cadeiras na Câmara dos Comuns, nas sete eleições realizadas no período.

Os anos entre as guerras constituíram um período de transição durante o qual o Partido Trabalhista substituiu os liberais, como um dos grandes par­tidos, e, na eleição de 1945, ele e o Partido Conservador, juntos, consegui­ram cerca de 85 por cento dos votos e 92,5 por cento das cadeiras. O seu apoio declinou consideravelmente depois de 1970: sua parcela conjunta no voto popular variou, de apenas 70 por cento (em 1983), para menos de 81 por cento (em 1979), porém os dois partidos continuaram a obter um míni­mo de 93 por cento das cadeiras, exceto em 1997, quando a participação conjunta nas cadeiras caiu para cerca de 88,5 por cento. Os liberais foram os principais beneficiados. Em aliança com o Partido Social-democrata, eles che­garam a obter, em certa ocasião, mais de 25 por cento da votação (nas elei­ções de 1983), mas, até 1997, nunca um número superior a 14 cadeiras, sozinhos, e 23 cadeiras, em aliança com os social-democratas. Nas eleições de 1997, entretanto, os liberal-democratas conseguiram um número surpreen­dente de 46 cadeiras, com cerca de 17 por cento dos votos.

Um corolário dos sistemas bipartidários é que eles costumam ser siste­mas partidários unidimensionais, ou seja, os programas e diretrizes dos prin­cipais partidos em geral diferem entre si, principalmente em relação a apenas uma dimensão: a das questões socioeconômicas. Esse é claramente o caso do sistema bipartidário britânico. A principal diferença politicamente importante que divide os partidos Conservador e Trabalhista é o desacordo sobre as medidas socioeconômicas: no espectro esquerda-direita, o trabalhismo re­presenta as preferências da centro-esquerda, enquanto o conservadorismo, as da centro-direita. Essa diferença reflete-se também na forma de apoio dada aos partidos, por parte dos eleitores, nas eleições parlamentares: os eleitores da classe trabalhadora tendem a votar nos candidatos trabalhistas, c os da classe média tendem a apoiar os candidatos conservadores. Os liberais e os liberal-democratas também podem ser facilmente colocados na dimensão socioeconômica: a posição que ocupam é a do centro.

Existem outras diferenças, é claro, mas são muito menos importantes, e não têm maior impacto sobre a composição da Câmara dos Comuns e o ga­binete. Por exemplo, as divergências entre católicos e protestantes na Irlan-

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da do Norte constituem a esmagadora diferença que separa os partidos e seus adeptos, mas a Irlanda do Norte representa menos que 3 por cento da popu­lação do Reino Unido, e essas divergências religiosas não são mais relevan­tes, politicamente, na parte britânica do Reino Unido (Inglaterra, Escócia e País de Gales). Diferenças étnicas explicam a persistência do Partido Nacio­nal Escocês e dos nacionalistas galeses, mas esses partidos jamais conseguem obter mais que algumas cadeiras. A única pequena exceção da monodimen- sionalidade do sistema partidário britânico é que uma questão de política externa— a participação da Grã-Bretanha na Comunidade Européia— tem sido uma freqüente fonte de dissensão entre os partidos Conservador e Tra­balhista, tanto no interior deles, quanto entre um e outro.

4. Sistema de eleições majoritário e desproporcional. A Câmara dos Co­muns é um grande corpo legislativo, com um número de membros que cres­ceu de 625, em 1950, para 659, em 1997. Cada membro é eleito em um único distrito, segundo o método da maioria simples, que na Grã-Bretanha é chamado de sistema “firsi past the post”*: vence o candidato com mais S‘ de 50 por cento dos votos ou, caso não houver maioria, com a maior mi- r noria.

A tendência desse sistema é obter resultados extremamente despropor- f cionais. Por exemplo, o Partido Trabalhista obteve uma maioria parlamentar | absoluta, de 319 das 635 cadeiras, com apenas 39,3 por cento dos votos, nas | eleições de outubro de 1974, enquanto os liberais obtiveram apenas 13 ca- f deiras, com 18,6 por cento dos votos — quase a metade dos votos trabalhis- | tas. Nas cinco eleições que se sucederam, de 1979 a 1997, o partido vencedor | obteve nítidas maiorias de cadeiras, com um número nunca superior a 44 | por cento dos votos. Todas essas maiorias são o que Douglas W. Rae (1967: £ 74) chama apropriadamente de “maiorias fabricadas” — maiorias absolutas U artificialmente criadas pelo sistema eleitoral a partir apenas de maiorias sim- | pies. De fato, todos os partidos vitoriosos desde 1945 venceram benefidan- f do-se dessas maiorias fabricadas. Por isso pode ser mais exato chamar o Reino | Unido de uma democracia de maioria simples, em vez de democracia majo­ritária. A desproporcionalidade do método da maioria simples pode mesmo

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1* Expressão originária do turfe: o primeiro cavalo a cruzar a linha de chegada leva todo o prêmio. (N. do T.)

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M O D E L O S DE D E M O C R A C I A

produzir um vencedor final que não tenha conseguido obter uma maioria simples dos votos: os conservadores conseguiram uma clara maioria de ca­deiras nas eleições de 1951, não apenas com menos que a maioria dos votos, mas também com menos votos do que o Partido Trabalhista.

O sistema eleitoral desproporcional tem sido particularmente desvanta­joso para os liberais e os liberal-democratas, que por isso há muito tempo são favoráveis à introdução de alguma forma de representação proporcional (RP). Mas, como a maioria simples beneficiou muito os conservadores e os trabalhistas, esses dois mais importantes partidos permaneceram comprome­tidos com o antigo método desproporcional. Entretanto, há sinais de movi­mentações em direção à RP. Por um aspecto, a RP foi adotada para todas as eleições na Irlanda do Norte (excetuando-se para a Câmara dos Comuns) após a eclosão do conflito entre protestantes e católicos, no início da década de 1970. Por outro, pouco tempo depois da vitória trabalhista nas eleições de 1997, o novo gabinete do primeiro-ministro Tony Blair decidiu que a elei­ção de 1999 de representantes britânicos no Parlamento Europeu seria por RP — alinhando o Reino Unido com todos os demais membros da União Européia. A RP também seria usada na eleição das novas assembléias regio­nais da Escócia e do País de Gales. Além disso, criou-se uma Comissão sobre Sistemas Eleitorais, consultiva, presidida pelo ex-membro do gabinete Lorde Jenkins, com o objetivo de propor mudanças no sistema eleitoral, entre as quais se incluiria a possibilidade da adoção da RP para a Câmara dos Co­muns. Está claro que o princípio da proporcionalidade não é mais um anáte­ma. Mesmo assim, é prudente atentar para as palavras de Graham 'Wilson (1997: 72), que lembra que os dois maiores partidos têm uma longa história de favorecimento de reformas básicas, porém só até que consigam o poder. Depois, eles “descartam qualquer mudança no tipo de reforma eleitoral que lhes pudesse trazer desvantagens”.

5. Pluralismo de grupos de interesse. Ao concentrar o poder nas mãos da maioria, o modelo Westminster de democracia estabelece um estilo competitivo e combativo padrão de relacionamento entre governo e opo­sição. A competição e o conflito também caracterizam o sistema de gru­pos de interesse típico do modelo majoritário: um sistema de pluralismo aberto a todos. Ele contrasta com o sistema corporativista dos grupos de interesse, no qual se realizam reuniões regulares entre os representantes

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do governo, sindicatos trabalhistas e organizações patronais, em busca de acordos reladvos a medidas socioeconômicas. Esse processo de coorde­nação muitas vezes é designado como de concertarão, e os acordos obti­dos muitas vezes são chamados de pactos tripartites. A concertação será facilitada se houver relativamente poucos grupos de interesse, grandes e fortes, em cada um dos principais setores funcionais — trabalhadores, patróes, agricultores — e/ou se houver uma forte associação de pico, em i-Qfia um dos setores, que coordene as preferências e as estratégias deseja­das para cada setor. Em contrapartida, pluralismo significa uma varieda­de de grupos de interesse exercendo pressão sobre o governo de forma não coordenada e competitiva.

O sistema britânico de grupos de interesse í claramente pluralista. A única rvrrçãn é o Contrato Social de 1975 sobre salários e preços, firmado entreo governo trabalhista, a principal federação de sindicatos trabalhistas (o Trades Union Congress) e a principal federação patronal (a Confederation of British Industry). Este contrato esfacelou-se dois anos mais tarde, quando o gover­no não conseguiu um acordo sindical para aceitar novas restrições salariais, e impôs tetos salariais de forma unilateral. A década de 1980 foi caracteriza­da ma!« ainda por sérios confrontos entre o governo conservador de Margaret Thatcher e os sindicatos trabalhistas — o justo oposto da concertação e do corporativismo. Como observam Michael Gallagher, Michael La ver e Peter Mair (1995: 370), a Grã-Bretanha “decididamente não é um sistema cor- porativista”, por Hm« importantes razões: “a primeira é a total falta de jnf>grarar> entre os sindicatos e os patrões, no processo de adoção de medi­das. A segunda é a aparente preferência que ambos os lados demonstram pelos métodos de confrontação, ao decidirem as suas diferenças”.

6. Governo unitário e centnüizado. O Reino Unido 6 uma nação unitária e centralizada. Governos locais executam uma série de importantes funções, po­rém são criados pelo governo central e o seu poder não está garantido pela Constituição (como num sistema federal). Além disso, são financeiramente de­pendentes do governo centraL Não existem áreas geográficas e funcionais dara- mente definidas das quais a maioria parlamentar e o gabinete sejam barrados. A Cotuado Real sobre a Constituição, chefiada por Lorde Kilbrandon, concluiu em 1973: “O Reino Unido é a maior nação unitária da Europa, e está entre os p r i n c i p a i s pabe> industrializados do mundo com o poder mais centralizado” (d- J

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tado em Busch, 1994: 60). Mais recentemente, o primeiro-ministro Tony Blair chamou o sistema britânico de “o governo mais centralizado de todas as grandes nações do mondo ocidental” (dtado em Beer, 1998: 25),

;?> Devemos apontar duas exceções. A primeira é que a Irlanda do Norte foi^ governada com elevado grau de autonomia por seu próprio Parlamento e

gabinete — mais do que o fizeram a maioria dos governos em sistemas fede- rais — desde 1921, quando a República da Irlanda se tornou independente, aié 1972, com a imposição do governo direto de Londres. Entretanto, tam-

í. bém é significativo que a sua autonomia possa ter sido—como foi — climi-nada em 1972, pelo Parlamento, por meio de uma simples decisão majoritária.

í A segunda exceção 6 a tendência gradativa para uma autonomia maior da Escócia e do País de Gales — a “devolução", no falar britânico. Mas só pou-

rf: co antes de setembro de 1997 é que os referendos na Escócia e no Pafs dei Gales finalmente aprovaram a criação de assembléias escocesas e galesas eleitas ? pelo voto direto, e que o primeiro-ministro Blair pôde, afinal, proclamar o ; fim da “era do poderoso govemo centralizado” (citado em Buxron, Kampfner

e Groom, 1997:1).7. Concentração do poder legislativo numa legislatura urticameral. Para

/ a organização da legislatura, o princípio majoritário de concentração de poder . significa que o Poder Legislativo deve concentrar-se numa única casa, ou

*. câmara. Nesse aspecto, o Reino Unido se desvia do modelo majoritário puro. 0 Parlamento consiste em duas câmaras: a Câmara dos Comuns, eleita pelo voto popular, e a Câmara dos Lordes, que se compõe principalmente de membros da nobreza hereditária, mas que contém também um grande nú­mero dos chamados pares vitalícios, indicados pelo governo. Suas relações são assimétricas: quase todo o Poder Legislativo pertence à Câmara dos Comuns. O único poder que a Câmara dos Lordes mantém é o de retardar a entrada em vigor das disposições legais: as de caráter orçamentário, até o limite de um mês, e as outras, até um ano. O limite de um ano foi estabeleci­do em 1949. No período entre a primeira grande reforma, de 1911, e 1949, o poder dos Lordes para retardar a legislação era de cerca de dois anos, po­rém no período total, desde 1911, eles usualmente evitaram a imposição de longos prazos. *

Por isso, embora a legislatura bicameral britânica se distande do modelo majoritário, não se desvia muito: nas discussões diárias na Grã-Bretanha, o

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termo “Parlamento” refere-se quase exclusivamente à Câmara dos Comuns, e o sistema bicameral extremamente assimétrico também pode ser chamado de um quase-unicameralismo. Além disso, o poder dos Lordes pode também se reduzir ainda mais. Existe um forte sentimento, principalmente no Parti­do Trabalhista, em favor de reformas que vão da eliminação do direito de voto para os membros hereditários até a extinção da Câmara dos Lordes. A passagem do quase-unicameralismo para o unicameralismo puro não seria difícil: poderia ser decidida por maioria simples na Câmara dos Comuns e, caso os Lordes objetassem, simplesmente reduzir-se o retardamento para o período de um ano.

8. Flexibilidade constitucional. A Grã-Bretanha tem uma Constituição “não-escrita”, ou seja, não existe um documento único especificando a com­posição e os poderes das instituições governamentais e os direitos dos cida­dãos. Em vez disso, estes são definidos por certo número de leis básicas — como a Magna Carta, de 1215, a Declaração dos Direitos do Homem, de 1689, e os Atos do Parlamento, de 1911 e 1949 — princípios da lei comum, ! costumes e convenções. O fato de que a Constituição não é escrita leva a duas importantes implicações. A primeira é que isto a torna inteiramente fle­xível, pois ela pode ser alterada pelo Parlamento do mesmo modo que as outras leis— por maiorias regulares, e não por supermaiorias, como as maio­rias de dois terços requeridas em muitas outras democracias, quando se pre­cisa emendar suas constituições escritas. Uma pequena atenuante dessa flexibilidade é que a oposição da Câmara dos Lordes pode forçar o retarda­mento de um ano nas mudanças constitucionais.

9. Ausência de revisão judicial. A outra implicação importante da consti­tuição não-escrita é a ausência de revisão judicial: não existe nenhum docu­mento constitucional escrito com estatuto de “lei maior", contra o qual possam J as cortes testar a constitudonalidade da legislação rsgular. Embora o Parla* j mento normalmente aceite e se sinta ligado às regras da Constituição nãp-ev , crita, ele não está formalmente preso a elas. Por isso, tratando-se de mudança.- ' ou de interpretações da Constituição, pode-se dizer que o Parlamento — isto é, a maioria parlamentar — é a autoridade máxima ou soberana. Na famosa 1 formulação de A V. Dicey (1915: 37-38), soberania parlamentar “significa, [ nada mais, nada menos que isto: o Parlamento (...) tem, pela Constituição in- ! glesa, o direito de desfazer qualquer lei; e mais ainda: a lei da Inglaterra não j

br

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reconhece os direitos de nenhuma pessoa ou corporação para anular ou rejei­tar a legislação do Parlamento”.

Uma exceção à soberania parlamentar aconteceu em 1973: quando a Grã- Bretanha ingressou na Comunidade Européia — uma organização supra- uarional, e não apenas internacional —, ela aceitou as leis e as instituições da Comunidade como tendo maior autoridade do que as do Parlamento, em relação a diversos setores da política. Uma vez que soberania significa auto­ridade suprema e última, não se pode mais, assim, considerar o Parlamento como totalmente soberano. Os membros da Grã-Bretanha na Comunidade Européia — que agora se chama União Européia — introduziram também uma medida de revisão judicial tanto para a Corte Européia de Justiça quan­to para tribunais britânicos: “a supremacia do Parlamento está ameaçada pelo direito que têm as instituições da Comunidade de legislar para o Reino Uni­do (sem o prévio consentimento do Parlamento) e pelo direito das cortes de legislar (nos termos da lei da Comunidade) sobre a aceitabilidade dos futu­ros atos do Parlamento” (Coombs, 1997: 88). De modo semelhante, desde 1951 a Grã-Bretanha é membro da Convenção Européia de Direitos Huma­nos, e a sua aceitação de uma cláusula opcional dessa convenção, em 1966, concedeu à Corte Européia de Direitos Humanos, em Estrasburgo, o direito de rever e de invalidar qualquer ação estatal, inclusive legislação, que ela julgue violar os direitos humanos estabelecidos na convenção (Cappelletti, 1989: 202; Johnson, 1998: 155-58).

10. Um banco central controlado pelo Poder Executivo. Os bancos cen- trais são responsáveis pela política monetária, e considera-se geralmente que os bancos independentes são mais eficazes, no controle da inflação e na manutenção da estabilidade dos preços, do que os que dependem do Poder Executivo. Entretanto, a independênda do banco central diverge cla­ramente do princípio do modelo Westminster de se concentrar o poder nas mãos do gabinete unipartidário de maioria. Como se esperava, o Banco da Inglaterra não tem sido, na verdade, capaz de agir independentemente, fi­cando, pelo contrário, sob o controle do gabinete. Durante a década de1980, aumentaram as pressões para conceder maior autonomia ao Bancoi. ' Inglaterra. Dois ministros conservadores do Tesouro tentaram conven­cer seus colegas a darem esse.grande passo, afastando-se do modelo Westmiiiôter, porém o seu conselho foi rejeitado (Busch, 1994: 59). Só em

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1997 — uma das primeiras decisões do governo trabalhista recentemente eleito — foi concedido ao Banco da Inglaterra o poder independente de estabelecer taxas de juros.

O MODELO WESTMINSTER NA NOVA ZELANDIA

Muitas características do modelo Westminster foram exportadas para outros membros da Comunidade Britânica, mas só um país adotou praticamente o modelo inteiro: a Nova Zelândia. Houve uma importante alteração no mo­delo majoritário, em 1996, quando a Nova Zelândia realizou a sua primeira eleição por RP. Mas o sistema político neozelandês anterior a 1996 pode servir como um segundo exemplo da maneira como funciona o modelo Westminster.

1. Concentração do Poder Executivo em gabinetes de um partido e maioria mínima. Por seis décadas, desde 1935 até meados de 1990, a Nova Zelândia teve gabinetes unipartidários de maioria, sem exceção ou interrupções. Dois grandes partidos— o Trabalhista e o Nacional— dominaram a política neoze­landesa, alternando-se no poder. O gabinete unipartidário majoritário, for­mado após a última eleição por maioria simples, em 1993 sofreu uma série de derrotas e logo se tornou um gabinete de quase-coalizão (coalizão feita com os últimos desertores), depois um gabinete unipartidário de minoria e, finalmen­te, uma coalizão minoritária— porém todos esses gabinetes incomuns ocorre­ram na fase final da transição para o novo sistema não-Westminster (Boston, Levine, McLeay, Roberts, 1996: 93-96). Os únicos outros desvios do governo unipartidário de maioria tinham acontecido muito antes: a Nova Zelândia ti­vera um gabinete de coalizão em tempos de guerra, de 1915 a 1919, e uma outra coalizão estivera no poder de 1931 a 1935.

2. Predomínio do gabinete. Também a esse respeito, a Nova Zelândia constituiu um exemplo perfeito do modelo Westminster. Exatamente como na maior parte do período de pós-guerra no Reino Unido, a combinação do sistema de governo parlamentarista com um sistema bipartidário, com partidos coesos, fez com que o gabinete predominasse sobre a legislatura. Nas palavras do cientista político neozelandês Stephen Levine (1979: 25- 26), o “sistema bipartidário rigidamente disciplinado contribuiu para a con­centração de poder no in terior do gabinete, formado de elementos

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tomados entre os membros do Parlamento... que pertenciam ao partido majoritário.”

3. Sistema bipartidário. Dois grandes partidos praticamente detiveram o controle total sobre o sistema partidário, e só cies formaram gabinetes durante as seis décadas entre 1935 e meados de 1990: o Partido Trabalhista (1935-49, 1957-60, 1972-75 e 1984-90) e o Partido Nacional (1949-57,1960-72, 1975-84 e depois de 1990). A política partidária girou quase ex­clusivamente em torno das questões socioeconômicas— o Partido Trabalhista representando a centro-esquerda e o Nacional, as preferências políticas de centro-direita. Além disso, diversamente da Grã-Bretanha, os demais parti­dos ficaram praticamente ausentes do Congresso da Nova Zelândia. Em 11 das 17 eleições realizadas entre 1946 e 1993, os dois maiores partidos divi­diram todas as cadeiras. Em cinco eleições, apenas um outro partido conse­guiu uma ou duas cadeiras e, em 1993, dois pequenos partidos obtiveram, cada um, duas cadeiras (de um total de 99). O sistema bipartidário neozelan­dês foi, assim, um representante quase puro de tal sistema.

4. Sistema eleitoral majoritário e desproporcional. A Câmara de Repre­sentantes era eleita de acordo com o método da maioria relativa em distritos uninominais. A existência de quatro grandes distritos especiais, extrapolando os distritos menores regulares reservados para a minoria maori (que com­preende cerca de 12 por cento da população), constituía a única caracterís­tica incomum. Esses quatro distritos representam um desvio no sistema majoritário do modelo Westminster, porque seu objetivo é garantir a repre­sentação da minoria. De 1975 em diante, todos os eleitores maoris passaram a ter o direito de registrar-se e votar, tanto no distrito regular quanto no distrito especial maori onde residem.

Como no Reino Unido, o sistema de maioria simples teve resultados extremamente desproporcionais, em especial em 1978 e 1981. Na eleição de 1978, o Partido Nacional obteve uma nítida maioria, obtendo 51 das 92 cadeiras, embora não tivesse nem a maioria do voto popular (o apoio que recebeu foi de apenas 39,8 por cento), nem a maioria simples, pois a votação popular trabalhista foi de 40,4 por cento. Os 17,1 por cento dos votos do Partido do Crédito Social conseguiram apenas uma cadeira. Em1981, o Partido Nacional obteve outra maioria parlamentar, com 47 das 92 cadeiras, e de novo com menos votos que o Partido Trabalhista, embora

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as respectivas percentagens fossem mais próximas entre si: 38,8 e 39 por cento. Aqui, o Crédito Social obteve 20,7 por cento do voto popular — mais da metade dos votos ganhos por qualquer dos dois grandes partidos —, porém ficou com apenas duas cadeiras. Além disso, todas as maiorias parlamentares, de 1954 em diante, foram maiorias fabricadas, obtidas com menos do que as maiorias do voto popular. Neste aspecto, a Nova Zelândia, assim como o Reino Unido, foi mais uma democracia de maioria simples do que majoritária.

5. Pluralismo de grupos de interesse. O sistema de grupos de interesse da Nova Zelândia, como da Grã-Bretanha, é claramente pluralista. Também co­mo a Grã-Bretanha, a Nova Zelândia tem sofrido alta incidência de greves — o que indica confronto, em vez de concertação entre trabalhadores e patrões. Em estudos comparativos sobre corporativismo e pluralismo, muitos acadê­micos têm tentado avaliar o preciso grau de corporativismo ou pluralismo dos sistemas de grupos de interesse nas democracias industrializadas. Suas opiniões sefcre alguns desses países diferem consideravelmente, porém, com relação à Grã-Bretanha e à Nova Zelândia, não há muito desacordo: ambas pertencem à extremidade pluralista do espectro pluralismo/corporativismo. Além disso, a opinião geral á de que a Nova Zelândia seja ligeiramente mais pluralista do que a Grã-Bretanha (Lijphart e Crepaz, 1991). Por isso, tam­bém a esse respeito, a Nova Zelândia é, de certa forma, o melhor exemplo do modelo Westminster.

6. Governo unitário e centralizado. O “Decreto para a Garantia de uma Constituição Representativa da Nova Zelândia”, aprovado pelo Parlamento da Grã-Bretanha em 1852, criou seis províncias com consideráveis poderes e funções autônomos em relação ao governo central, porém essas províncias foram extintas em 1875. A estrutura do Estado, hoje, é unitária e centraliza­da — o que não surpreende tanto, é claro, para um país com menos de 4 milhões de habitantes, quanto para o Reino Unido, com sua população mui­to maior, de cerca de 60 milhões de pessoas.

7. Concentração do poder legislativo em uma legislatura unicameral. Por cerca de um século, a Nova Zelândia dispôs de uma legislatura bicameral, composta de uma câmara baixa, eleita, e uma câmara alta, nomeada. Mas, gradativamente, a câmara alta veio a perder o poder. A sua abolição, cm 1950, fez com que o sistema bicameral assimétrico se transformasse num unicameralismo puro.

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8. Flexibilidade constitucional. Assim como o Reino Unido, a Nova Zelândia não tem um documento constitucional escrito único. A sua consti­tuição “não escrita” consiste em algumas leis fundamentais (como os Atos Constitucionais de 1852 e 1986, os Atos Eleitorais de 1956 e 1993 e o Ato dos Direitos Humanos de 1990), além de convenções e do costume.2 Algu­mas condições básicas nas leis fundamentais são “entrincheiradas”, só po­dendo ser alteradas por uma maioria de três quartos dentre os membros da Câmara dos Representantes, ou pelo voto da maioria em um referendo. En­tretanto, esse entrincheiramento pode sempre ser removido por meio de maio­rias regulares, de forma que, no final, a decisão da maioria venha a prevalecer. Assim, da mesma forma que o Parlamento britânico, o Parlamento da Nova Zelândia é soberano. Qualquer lei, inclusive as que “emendam” a constituição não escrita, pode ser adotada pela regra da maioria regular. Como diz um especialista em lei constitucional da Nova Zelândia: “o princípio central da Constituição é o de que não há limitações legais efetivas para o que o Parla­mento possa decretar, pelo processo legislativo ordinário” (Scott, 1962: 39).

9. Ausência de revisão judicial. Soberania parlamentar também significa, como na Grã-Bretanha, que as cortes não têm direito à revisão judicial. A Câmara dos Representances é o único juiz sobre a constitucionaiidade da sua própria legislação.

10. Um banco central controlado pelo Poder Executivo. Andreas Busch (1994: 65) afirma que, historicamente, a Nova Zelândia “tem sido um país com (...) um nível muito baixo de independência do banco central”, e confe­re ao Reserve Bank da Nova Zelândia, para o período anterior a 1989, o seu mais baixo desempenho— o que indica uma autonomia ainda menor do que a do Banco da Inglaterra. Essa situação foi radicalmente modificada pelo Ato do Reserve Bank, de 1989. Agora, a estabilidade de preços foi definida como primeira meta da política monetária, e o banco central ficou com a respon­sabilidade única de não exceder a meta da inflação, cujo nível exato deverá ser negociado entre o banco central e o ministro das Finanças. Os níveis de inflação diminuíram drasticamente na Nova Zelândia: calculada nos termos do índice de preços ao consumidor, ela havia ficado por seis anos no nível de

20 Ato Constitucional dc 1852 e o Ato Eleitoral de 1856 foram substituídos pelos dois atos posteriores.

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dois dígitos, na década de 1980, mas de 1991 a 1997 manteve uma média de apenas 2 por cento (OCDE, 1998: 240). Algum mérito, pelo menos, nésse sucesso, deve-se atribuir à maior independência do banco central.

Com apenas duas exceções — as cadeiras parlamentares reservadas à minoria maori e a mudança anterior para a autonomia do banco central —, a democracia na Nova Zelândia foi, até 1996, mais nitidamente majoritária, e, por isso, um exemplo de modelo Westminster melhor do que a democra­cia britânica. De fato, em vista, principalmente, dos gabinetes de minoria e das freqüentes derrotas das propostas do gabinete na Grã-Bretanha, na dé­cada de 1970, pôde Richard Rose legitimamente declarar que a Nova Zelândia foi “o único exemplo que restou do verdadeiro sistema britânico” (comuni­cação pessoal, 8 de abril de 1982). Entretanto, a adoção da RP e a primeira eleição do Parlamento por RP, em outubro de 1996, trouxeram um radical afastamento do modelo Westminster.

Os dois principais partidos opunham-se à RP, porém contribuíram, sem querer, para sua adoção. O primeiro estímulo foi o descontentamento do Par­tido Trabalhista com os resultados das eleições de 1978 e 1981, mencionadas acima, nas quais o Partido Nacional obteve maiorias parlamentares, não so­mente com menos de 40 por cento do voto popular, como também com me­nos votos que os recebidos pelo Partido Trabalhista. Quando este últímo retornou ao poder, em 1984, designou uma Comissão Real sobre o Sistema Eleitoral, a fim de recomendar melhoramentos. O âmbito da Comissão era, entretanto, muito amplo, e ela recomendou não apenas pequenos ajustes, porém uma mudança radical no sentido de se adotar a RP, como também a realização de um referendo para sua eventual adoção. O governo tentou evitar a propos­ta, transferindo-a para um comitê parlamentar, o qual, como era de se esperar, rejeitou a RP, recomendando em seu lugar apenas mudanças de menor impor­tância. A campanha eleitoral de 1987 colocou de volta a RP na agenda políti­ca: o primeiro-ministro trabalhista prometeu deixar os eleitores decidirem a ; questão por meio de um referendo, mas seu partido recuou do compromisso, I após ter sido reeleito. Para deixar o Partido Trabalhista constrangido, o Parti- f' do Nacional repetiu a promessa, de forma oportunista, na campanha de 1990 *

• • » e, ao ganharem as eleições, não tiveram outra alternativa senão honrá-la. As- i- sim, os eleitores endossaram por duas vezes a RP, em referendos realizados em V 1992 e 1993 (Jackson e McRobie, 1998).

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A forma de RP adotada e usada nas eleições de 1996 era um sistema moldado a partir do alemão, no qual 65 membros são eleitos por maioria simples, em distritos uninominais — inclusive os cinco distritos especiais maoris —, e 55 membros são eleitos por RP, por listas partidárias; uma con­dição crucial é que esse segundo conjunto de 55 cadeiras se destine aos par­tidos, de forma a dar o máximo de proporcionalidade ao resultado geral. Assim, embora o nome neozelandês para esse sistema seja o de “distritos mistos com fórmula proporcional” (DMP), sugerindo uma combinação da RP com alguma outra coisa, ele é, de fato, um sistema clara e plenamente de RP.3

A primeira eleição por RP mudou subitamente a política neozelandesa em muitos aspectos (Vowles, Aimer, Banducci e Karp, 1998). Em primeiro lugar, o resultado das eleições foi muito mais proporcional que os das eleições ante­riores por maioria simples. O maior partido, o Partido Nacional, ainda ficou sobre-representado, porém por menos do que três pontos percentuais. Ganhou 33,8 por cento da votação e 36,7 por cento das cadeiras. Em segundo lugar, a eleição produziu um sistema multipartidário com um número sem preceden­tes de seis partidos ganhando representação no parlamento. Em terceiro lu­gar, diversamente de qualquer outra eleição do pós-guerra, nenhum partido ficou com a maioria das cadeiras. Em quarto, acrescentou-se uma dimensão étnica ao sistema partidário: o partido New Zealand First, liderado por um maori, que obteve 17 cadeiras, inclusive todas as cinco cadeiras especiais maoris, tomou-se o principal representante dessa minoria (embora não fosse um par­tido especificamente maori, e nem apoiado exclusivamente por eleitores maoris). A Coalizão Cristã quase conseguiu tomar o sistema partidário ainda mais multidimensional, acrescentando uma dimensão temática religiosa, po­rém os seus votos não obtiveram o mínimo de 5 por cento, requeridos para a admissão. Em quinto lugar, em contraste com a longa ocorrência anterior de gabinetes majoritários de um partido, formou-se um gabinete de coalizão en­tre o Partido Nacional e o New Zealand First.

Devido a esses significativos desvios do modelo majoritário, depois de 1996 a Nova Zelândia não mais pôde ser considerada como um bom — para

JCada eleitor tem dois votos, um para um candidato de um distrito uninominal e um para uma lista partidária. Para evitar uma excessiva fragmentação, os partidos precisam ganhar ou um mínimo de 5 por cento da lista de votos ou, pelo menos, uma cadeira distrital, para se quali­ficarem para a lista de cadeiras.

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não dizer o melhor — exemplo do “verdadeiro sistema britânico”. Assim, segundo as palavras de ICurt von Mettenheim (1997: 11), “o Reino Unido [agora] parece ser o único país a manter as principais características do mo­delo Westminster”. Entretanto, é predso observar que todas as mudanças posteriores a 1996, na Nova Zelândia, têm a ver com a dimensão executí- vos-partidos do modelo majoritário, compreendendo as primeiras cinco das dez características do modelo, e que, espedalmente com relação a essa pri­meira dimensão, diversas outras ex-colônias britânicas continuam a ter instituições de estilo predominantemente Westminster. Um exemplo parti­cularmente claro e instrutivo disso é Barbados.

O MODELO WESTMINSTER EM BARBADOS

Barbados é um país situado numa pequena ilha do Caribe, com população de cerca de 250 mil habitantes. Tem uma “sodedade solidamente homogê­nea", prindpalmente de origem africana (Duncan, 1994: 77). Tornou-se in­dependente da Grã-Bretanha em 1966, porém continua com “um sentimento forte e generalizado da tradição e da cultura britânicas” (Banks, Day e Muller, 1997: 69), inclusive o das tradições políticas da Grã-Bretanha. Freqüen­temente é chamado de “A Pequena Inglaterra” do Caribe,

1. Concentração do Poder Executivo em gabinetes unipartidários e de maioria mínima. Desde a sua independênda, em 1966, Barbados tem tido gabinetes unipartidários de maioria. Seus dois maiores partidos — o Partido Trabalhista de Barbados (BLP) e o Partido Trabalhista Democrático (DLP) constituem as forças que dominam esmagadoramente a política do país, e têm-se alternado no poder. Diversamente dos casos da Grã-Bretanha e da Nova Zelândia, não há exceções ou características para esse modelo que mereçam ser destacadas. Na verdade, o modelo remonta aos tempos coloniais. Desde o estabelecimento do sufrágio universal e do governo de gabinete, na década de 1950, a seqüência de gabinetes unipartidários de maioria man-r fm .e f tno lt»raAa

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Hailsham para a Grã-Bretanha, também se aplica bem ao sistema de Barbados (Payne, 1993: 69). Um motivo especial para o predomínio do gabinete, em Barbados, é o tamanho reduzido da legislatura, A Casa de Assembléia de Barbados, de 1966 até 1981, dispunha de apenas 24 membros. Esse número aumentou ligeiramente para 27, em 1981, e para 28, em 1991. Muitos legis­ladores sáo também, por isso, membros do gabinete, o que significa, por outro lado, que quase um terço dos membros da legislatura, como destaca Trevor Munroe (1996: 108), “são, de fato, excluídos constitucionalmente de uma instância independente e crítica em relação ao Executivo.”

3. Sistema bipartidário. Os mesmos grandes partidos têm controlado a política partidária de Barbados desde a independência, e formaram todos os gabinetes: o DLP, de 1966 a 1976, e de 1986 a 1994; e o BLP entre 1976 e 1986, e de 1994 em diante. Esses dois partidos diferem entre si principalmen­te quanto a questões socioeconômicas, com o BLP ocupando a posição de cen- tro-direita e o DL£ a de centro-esquerda, dentro do espectro esquerda-direita. Em cinco das sete eleições realizadas desde 1966, não houve outros partidos que obtivessem cadeiras. Apenas um partido pequeno conseguiu duas cadei­ras, em 1966, e outro, também pequeno, ficou com uma cadeira, em 1994. A força do sistema bipartidário também fica demonstrada pelo destino dos qua­tro membros do Parlamento, que abandonaram o partido governante, o DLP em 1989, formando um partido separado. Como comenta Tony Thorndike (1993: 158), esse novo partido “não sobreviveu muito à lógica do first past the post do sistema Westminster e da cultura bipartidária de Barbados. Nas eleições de janeiro de 1991 ele perdeu todas as suas quatro cadeiras".

4. Sistema eleitoral majoritário e desproporcional. Nas eleições anterio­res à independência, inclusive a de 1966, realizada vários meses antes que a independência formal se concretizasse, Barbados usou o método da maio­ria simples, mas não nos distritos uninominais usuais. Em vez disso, foram usados distritos binominais (Emmanuel, 1992: 6; Duncan, 1994: 78). Es­ses últimos costumam aumentar a desproporcionalidade dos resultados da eleição porque, em sistemas de maioria simples, a desproporcionalidade

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57,4 por cento dos votos, e em 1986, obteve 24 das 27 cadeiras (88,9 por í cento), cora 59,4 por cento dos votos. Em três das eleições realizadas des­de 1966, as maiorias parlamentares foram “fabricadas" a partir de maiorias | simples de voto, mas, nas outras quatro eleições, as maiorias de cadeiras foram “ganhas” genuinamente, com as maiorias do voto popular. Assim, fazendo um balanço retrospectivo, Barbados tem sido menos uma demo­cracia dc maioria simples do que a Grã-Bretanha e a Nova Zelândia. Além disso, diferentemente desses dois países, ele jamais experimentou instâncias de uma maioria parlamentar obtida com um resultado final em segundo lugar no voto popular.

5. Pluralismo de grupos de interesse. De novo como o Reino Unido e a Nova Zelândia, Barbados tem tido um sistema de grupos de interesse mais pluralista do que corporativista. Nos últimos anos, entretanto, há uma ten­dência às práticas corporativistas. Em 1993, o governo, juntamente com lí­deres comerciais e sindicatos de trabalhadores, negociou um pacto sobre salários e preços que incluía o congelamento salarial. Dois anos depois, esse acordo foi substituído por um novo pacto tripardte, mais flexível.

6-10. As características da segunda dimensão (federal-unitária) do mo­delo majoritário. Barbados tem uma forma de governo unitária e centrali­zada — o que dificilmente chega a surpreender num pequeno país com apenas um quarto de milhão de habitantes. Mas, no que se refere às outras quatro características da dimensão federal-unitária, o país não se ajusta ao modelo majoritário puro. Tem uma legislatura bicameral, que consiste numa Casa da Assembléia, eleita pelo voto popular, e um Senado nomeado, que tem poder para retardar, porém não para vetar— um caso de bicameralismo assimétrico. Tem uma Constituição escrita, que só pode receber emendas por maiorias de dois terços, cm ambas as casas do Legislativo. A Constitui- ção confere explicitamente às Cortes o direito de realizarem revisões judi­ciais. Finalmente, o banco central de Barbados tem um documento que lhe confere um grau médio de autonomia na política monetária (Cukierman, Webb e Neyapti, 1994: 45).

Anthcny Payne (1993) argumenta que as ex-colônias britânicas do Caribe se caracterizam não pelos sistemas Westminster, mas sim por um sistema “Westminster adaptado”. Como no caso de Barbados — o que, de um modo geral, é também verdadeiro para outras democracias da Comunidade Britâ-

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M O D E L O S D E D E M O C R A C I A

nica na região —, essa adaptação afetou principalm ente a segunda dimensão do modelo Westminster. Na primeira dimensão (executivos-partidos), o modelo Westminster permaneceu quase completamente intacto. O fato de Barbados desviar-se do modelo majoritário, era relação à maioria das carac­terísticas da dimensão federal-unitária, não quer dizer, evidentemente, que seu desvio o torne um exemplo do modelo oposto — o da democracia de consenso. A fim de ilustrar o modelo consensual, abordarei, no próximo capítulo, os exemplos da Suíça, da Bélgica e da União Européia.

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A interpretação majoritária da definição básica de democracia é que esta significa “governo pela maioria do povo”. Ela afirma que as maiorias de­vem governar e que as minorias devem fazer oposição, o que é questiona­do peio modelo de democracia consensual. Como destacou vigorosamente Sir Arthur Lewis, Prêmio Nobel de Economia (1965: 64-65), o governo pela maioria e o padrão “governo versus oposição”, que este pressupõe, podem ser interpretados como antidemocráticos, por se tratar dc princí­pios de exclusão. Lewis afirma que o principal pressuposto da democracia é que “todos aqueles afetados por uma decisão devem ter a oportunidade de participar do processo que a originou, quer diretamente, quer através de representantes escolhidos”. Sua segunda implicação é que “a vontade da maioria deve prevalecer”. Se isso quer dizer que os partidos vitoriosos podem tomar todas as decisões governamentais, e que os perdedores de­vem limitar-se a criticar, porém não a governar — acrescenta Lewis —, os dois significados são incompatíveis: “excluir os grupos perdedores da par­ticipação nos processos decisórios é uma nítida violação do principal pres­suposto da democracia”.

Os adeptos do modelo majoritário podem legitimamente contrapor que, em duas situações, a incompatibilidade observada por Lewis pode ser re­solvida. Em primeiro lugar, a exclusão da minoria será reduzida se maio­rias e minorias se alternarem no governo — isto é, se a minoria de hoje puder tornar-se a maioria nas próximas eleições, em vez de ficar condena­da a uma permanente oposição. É dessa forma que têm funcionado os sis- temas bipartidários da Grã-Bretanha, Nova Zelândia ê Barbados. Em Barbados, a alternância tem-se realizado perfeitamente, desde a indepen­dência, no ano de 1966: nenhum dos dois maiores partidos ganhou mais do que duas eleições seguidas. Na Grã-Bretanha e na Nova Zelândia, en­

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tretanto, por longos períodos um dos dois principais partidos se manteve afastado do poder: o Partido Trabalhista britânico, durante 13 anos (de 1951 a 1964) e 18 anos (de 1979 até 1997); o Partido Nacional da Nova Zelândia durante 14 anos (de 1935 a 1949) e o Trabalhista neozelandês, durante 12 anos (de 1960 até 1972).

Mesmo durante esses longos períodos de afastamento, pode-se plausi- velmente afirmar que a democracia e o governo pela maioria não entraram em conflito, graças a uma segunda condição: o fato de os três países consti­tuírem sociedades relativamente homogêneas, e seus principais partidos em geral não apresentarem divergências profundas quanto a posições políticas, tendendo a se manter próximos a uma ideologia de centro. Pode-se conside­rar antidemocrática a exclusão de um partido do poder, segundo o critério do “governo pelo povo”, mas, se os interesses e preferências dos eleitores forem razoavelmente atendidos pelo outro partido, que ocupa o poder, o sistema então se aproxima da outra definição de democracia, a de “govemo para o povo”.

Nenhuma dessas condições se aplica a sociedades com menor grau de homogeneidade. As medidas políticas defendidas pelos principais partidos tendem a divergir de modo mais intenso e, freqüentemente, a fidelidade dos eleitores é mais rígida, reduzindo as chances de que os principais partidos venham a alternar-se no poder. Em especial nas sociedades pluralistas — sociedades intensamente compartimentadas quanto a diferenças religiosas, ideológicas, lingüísticas, culturais, étnicas ou raciais, originando subgrupos sociais quase separados, com seus próprios partidos políticos, grupos de in­teresse e meios de comunicação—, provavelmente estará ausente a flexibili­dade necessária para a democracia de modelo majoritário. Sob tais condições, a prevalência da regra da maioria não será apenas antidemocrática, mas tam­bém perigosa, uma vez que as minorias que têm seu acesso ao poder sistema­ticamente negado irão sentir-se excluídas e discriminadas, podendo perdero senso de lealdade ao regime. Por exemplo, na sociedade pluralista da Ir­landa do Norte, dividida em maioria protestante e minoria católica, o gover­no pela maioria fez com que o Partido Unionista, representante da maioria protestante, ganhasse todas as eleições, formando todos os governos entre 1921 e 1972. Os intensos protestos católicos, no final da década de 1960, transformaram-se numa guerra civil entre Drotestantes e católicos, oue só DÔde

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ser controlada pela intervenção militar britânica e pela imposição de um governo direto de Londres.

Nas sociedades mais profundamente divididas, como a Irlanda do Nor­te, o governo majoritário implica não propriamente uma democracia, mas sim uma ditadura da maioria e enfrentamento civil. Essas sociedades preci­sam é de um regime democrático que estimule o consenso, em vez da oposi­ção; que promova a inclusão, em vez da exclusão, e que tente ampliar a maioria governante, em vez de se satisfazer com uma pequena maioria: essa é a democracia de consenso. Apesar das suas inclinações majoritárias, os ga­binetes britânicos têm sucessivamente reconhecido essa necessidade: insisti­ram na representação proporcional em todas as eleições na Irlanda do Norte (exceto para a Câmara dos Comuns) e nas amplas coalizões, com a participa­ção de protestantes e católicos no poder, como pré-requisito para o retomo da autonomia política na Irlanda do Norte. A R P e a participação no poder são também elementos capitais no acordo sobre a Irlanda do Norte, firmado em 1998. Lewis (1965: 51-55,65-84) também recomenda com insistência a RP, inclusive as coalizões e o federalismo, para as sociedades plurais da Áfri­ca Ocidental. Obviamente, o modelo consensual é adequado também para países menos divididos, apesar de heterogêneos, e constitui uma alternativa razoável e possível ao modelo Westminster, mesmo nos países de razoável homogeneidade.

Os exemplos que uso para ilustrar o modelo consensual são a Suíça, a Bélgica e a União Européia — todos constituindo unidades de etnias múlti-

' pias. A Suíça é o melhor exemplo: com uma única exceção, ela se aproxima perfeitamente do modelo consensual puro. A Bélgica também constitui um bom exemplo, principalmente depois que se tornou oficialmente uma nação federativa, em 1993. Por isso, chamo particular atenção para o modelo po­lítico da Bélgica no período mais recente. A União Européia (UE) é uma or­ganização supranacional— mais do que apenas uma organização internacional —, porém não é, ou ainda não é, um Estado soberano. Devido à situação intermediária da União Européia, analistas do assunto discordam quanto à maneira de considerá-la, se como organização internacional ou como uma nação federativa incipiente, embora esta última abordagem esteja cada vez mais se tornando comum (Hix, 1994). Esta é, também, a minha posição: se encararmos a UE como uma nação federativa, suas instituições serão nota-

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dos no Conselho Federal. Assim, pode-se dizer que a Suíça tem um sistema de quatro partidos.

Até o final da década de 1960, a Bélgica caracterizava-se por um sistema de três partidos, integrado por dois de grande porte — o Cristão Democrá­tico e o Socialista — e o Liberal, de porte médio. Desde então, entretanto, esses partidos maiores se cindiram, devido a diferenças lingüísticas, e vários novos partidos lingüísticos ganharam projeção, criando um sistema extre­mamente multipartidário: cerca de 12 parddos são capazes de obter vagas na Câmara dos Representantes, e nove deles foram suficientemente impor­tantes para serem incluídos em um ou mais gabinetes.

A emergência dos sistemas multipartidários na Suíça e na Bélgica pode ser explicada por dois fatores. O primeiro deles é que ambos os países cons­tituem sociedades plurais, divididas por diversas clivagens. Essa multiplicidade de divisões se reflete no caráter multidimensional dos seus sistemas de parti­dos. Na Suíça, as divergências religiosas separam os democrata-cristãos — apoiados principalmente pelos católicos praticantes — dos social-democra- tas e dos radicais, que recebem a maior parte do apoio dos católicos que quase nunca, ou nunca, freqüentam a igreja, e dos protestantes. As divergências socioeconômicas separam ainda mais os sodal-democratas — apoiados prin­cipalmente pela classe trabalhadora — dos radical-democratas, que recebem apoio da classe média. O Partido Popular da Suíça é especialmente forte entre os agricultores protestantes. A terceira fonte de divisão — a língua — não provoca muito mais divergências no sistema partidário suíço, embora o apoio ao Partido Popular da Suíça se situe principalmente na Suíça de fala alemã, e os três grandes partidos constituam alianças relativamente flexíveis entre partidos cantonais, dentro dos quais a divisão lingüística é significativa (McRae, 1983: 111-14).

Assim também, a divisão religiosa no setor católico belga separa o Par­tido Social Cristão, que representa os católicos mais fervorosos, do Socia­lista e do Liberal, que são apoiados pelos católicos pouco praticantes, ou não-praticantes. Os socialistas e os liberais separam-se por diferenças de classe. Em contraste com a Suíça, a divisão lingüística na Bélgica provo­cou mais separações, em decorrência não só da divisão dos três grupos referidos acima, que constituíam os três partidos dominantes da Bélgica, em partidos separados e menores de idioma flamengo e francês, como

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também do surgimento de vários outros pequenos partidos lingüísticos (McRae, 1986: 130-48).

4. Representação proporcional. A segunda explicação para o surgimento de sistemas multipartidários na Suíça e na Bélgica é que seus sistemas eleito­rais proporcionais não inibiram a tradução das divisões de caráter social em divisões no sistema partidário. Em contraste com o método da maioria sim­ples, cuja tendência é representar maciçamente os grandes partidos e de for­ma insignificante os pequenos, o objetivo fundamental da representação proporcional (RP) é a distribuição das cadeiras parlamentares entre os parti­dos de acordo com os votos que obtiveram. As câmaras baixas de ambas as legislaturas são eleitas por representação proporcional.

5. Corporativismo dos grupos de interesse. Os especialistas discordam um pouco a respeito do grau de corporativismo na Suíça e na Bélgica, principal­mente porque os sindicatos de trabalhadores nesses dois países costumam ser menos organizados e exercer menos influência do que o empresariado. Essa divergência pode ser resolvida, entretanto, fazendo-se a distinção entre duas variantes do corporativismo: o corporativismo social, em que os sindi­catos de trabalhadores predominam, e o corporativismo liberal, no qual as associações comerciais são a força mais poderosa. Peter J. Katzenstein (1985: 105 e 130) usa a Suíça e a Bélgica como duas amostras deste último, e con­clui que a Suíça “caracteriza mais claramente os traços típicos do corporati­vismo liberal”. Ambos os países apresentam, com nitidez, os três elementos gerais do corporativismo: a concertação tripartite, os grupos de interesse — relativamente poucos e relativamente grandes — e a proeminência das asso­ciações de cúpula. Gerhard Lehmbruch (1993: 52) escreve que “a força das associações de cúpula da Suíça é notável, e é quase consenso que a coesão das associações de interesse suíças é superior à dos partidos políticos daque­le país”. Além disso, Klaus Armingeon (1997) afirma que, embora a exten­são e a eficácia do corporativismo em muitos países europeus tenham declinado na década de 1990, ele permanece forte na Suíça.

6. Governo federal e descentralizado. A Suíça é uma nação federativa em que o poder é dividido entre o governo central, os governos de vinte cantões, e ainda seis subcantões, assim chamados por serem oriundos da divisão de três cantões anteriormente unidos. Os subcantões têm apenas um represen­tante, e não dois, na Câmara Federal suíça — o Conselho dos Estados — e

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representam apenas a metade do peso dos cantões regulares na votação de emendas constitucionais. Na maior parte dos outros aspectos, entretanto, seu status é equivalente ao dos cantões plenos. A Suíça é também uma das na­ções mais descentralizadas do mundo.

Por muito tempo a Bélgica constituiu um Estado unitário e centralizado, mas, a partir de 1970, foi gradativamente caminhando em direção à des­centralização e ao federalismo. Em 1993, tornou-se oficialmente uma nação federativa. A forma de federalismo que adotou é um “federalismo único” (Fitzmaurice, 1996) e de uma “complexidade bizantina” (McRae, 1997:289), porque consiste em três regiões geograficamente definidas — Flandres, Valônia e a capital bilíngüe, Bruxelas — e três comunidades culturais não geograficamente definidas — as grandes comunidades flamenga e francesa e a comunidade de língua alemã, que é muito menor. A principal razão para a construção desse sistema em duas camadas foi que a região bilíngüe de Bru­xelas tem uma grande maioria de falantes de francês, porém é circundada pela região de Flandres, de fala flamenga. Há uma considerável justaposição entre as regiões e as comunidades, porém não há uma correspondência exa­ta entre elas. Cada uma tem seu próprio Legislativo e Executivo, exceto Flandres, onde o governo da comunidade flamenga também atua sobre a região geográfica.

7. Forte bicameralismo. A principal justificativa para a constituição de um Legislativo bicameral, em lugar do unicameral, é a de conferir-se especial representatividade para as minorias — incluindo os estados menores nos sis­temas federais, numa segunda câmara, ou seja, a câmara alta. Duas condi­ções devem ser satisfeitas para que essa representação minoritária seja significativa: a câmara alta deve ser eleita segundo critérios diferentes dos da câmara baixa, e deve contar com um poder efetivo— pelo menos tanto poder quanto o da câmara baixa. Essas duas condições se encontram presentes no sistema suíço: o Conselho Nacional é a câmara baixa, e representa o povo suíço, e o Conselho dos Estados equivale à câmara alta, ou federal, represen­tante dos cantões, cada um dispondo de dois representantes, e cada subcantão, um representante. Assim, os pequenos cantões encontram-se muito mais solidamente representados no Conselho dos Estados do que no Conselho Nacional. Além disso, como declara Wolf Linder (1994: 47), a “igualdade absoluta” das duas câmaras constitui uma regra “sacrossanta” na Suíça.

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As duas câmaras do Parlamento belga — a Câmara dos Representantes eo Senado — praticamente dispunham de poderes iguais na Bélgica anterior ao federalismo. Mas ambas eram formadas de maneira proporcional, e daí serem muito semelhantes na composição. O novo Senado, eleito pela pri­meira vez cm 1995, representa especialmente os dois grupos lingüístico-cul- tnrais, mas ainda é constituído em grande parte de forma proporcional, e não se destina a prover as minorias de língua francesa e alemã de uma super- representação.' Ademais, os seus poderes foram reduzidos em comparação com os do velho senado. Por exemplo, não mais dispõe de uma autoridade orçamentária (Senelle, 1996: 283). Por isso, a nova legislatura federa! da Bélgica constitui o exemplo de um bicameralismo relativamente fraco, e não forte.

8. Rigidez constitucional. Tanto a Bélgica como a Suíça dispõem de uma Constituição escrita — documento único, contendo as regras básicas do go­verno — que só pode ser modificado por maiorias especiais. Emendas à

- Constituição suíça exigem a aprovação por um referendo, não apenas com p~ maioria de votantes de amplitude nacional, mas também com maiorias na : maior parte dos cantões. Na apuração específica dos cantões, os subcantões : têm a metade do peso dos cantões regulares. Isto significa que, por exemplo, | uma emenda constitucional pode ser adotada se houver um resultado de 13,5

cantões a favor e 12,5 contra. O requisito da maioria cantonal significa que ; as populações dos cantões menores e dos subcantões, representando menos i; que 20 por cento da população total da Suíça, têm poder para vetar mudan- J- ças constitucionais.

Na Bélgica, há dois tipos de supermaiorias. Todas as emendas constitucionais \ exigem a aprovação de maiorias de dois terços, em ambas as casas do Legislativo. | Além disso, leis pertencentes à organização e aos poderes das comunidades e j-, regiões dispõem de um status semiconstitucional, e são ainda mais difíceis de

adotar e de modificar: além das maiorias de dois terços em ambas as casas, elas

'A maioria dos senadores — quarenta, entre 71 — sáo eleitos diretamente em dois distritos plurinominais, que são parcialmente definidos em termos náo-geográficos — um, que com­preende Flandres e falantes do flamengo em Bruxelas, e o outro, a Valônia e falantes franceses em Bruxelas. Os 31 senadores remanescentes sáo eleitos indiretamente ou cooptados de di­versas formas. A composiç&o lingüística geral 4: 41 falantes de flamengo, 29 falantes de fran- cís e um falante de alemão. Uma nova e curiosa disposição í a de que quaisquer filhos adultos do rei sáo “senadores por direito".

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exigem a aprovação das maiorias no interior tanto do grupo de língua flamenga § | quanto do de língua francesa, em cada uma das casas. Essa regra confere ao i|| falantes de francês um poder efetivo de veto minoritário.

9. Revisão judicial. A Suíça, em um aspecto, se desvia do modelo consensual E puro: sua suprema corte, o Tribunal Federal, não tem o poder de realizar revi-E são judicial. Uma tentativa popular de introduzir esse direito foi peremptoB riamente rejeitada por um plebiscito em 1939 (Codding, 1961: 112).2

Também não houve revisão judicial na Bélgica antes de 1984, quando foi» inaugurada a Nova Corte de Arbitragem. A responsabilidade principal e ori-E ginal da cone era a interpretação dos estatutos constitucionais referentes à | separação de poderes entre os governos central, comunitário e regional. Suai autoridade ficou muito ampliada pela revisão constitucional de 1988, e a Corte de Arbitragem pode agora ser vista como um genuíno tribunal consti­tucional (Alen e Ergec, 1994: 20-22; Verougstraete, 1992: 95).

10. Independência do banco central. Há muito tempo o banco central da Suíça é visto como una dos mais fortes e independentes do mundo, junta­mente com o Bundesbank alemão e o Federal Reserve System, dos Estados Unidos. Em contrapartida, o Banco Nacional da Bélgica foi durante muito tempo considerado um dos mais fracos. Entretanto, sua autonomia foi subs­tancialmente reforçada no início da década de 1990, aproximadamente du­rante a transição para o sistema federalista, porém principalmente como resultado do Tratado de Maastricht, firmado em 1992 e ratificado em 1993, que obrigava os membros da União Européia a aumentarem a independên­cia de seus bancos centrais. Robert Senelle (1996: 279) conclui que, agora, o banco central da Bélgica desfruta um “alto nível de autonomia (...) na con­dução de sua política monetária”.

O MODELO CONSENSUAL NA UNIÃO EUROPÉIA

As principais instituições da União Européia não se ajustam à classificação em órgãos executivos, legislativos, judiciais e financeiros de maneira tão fá-

*As leis nacionais podem, entretanto, ser questionadas de forma diferente: se, passando-« noventa dias da aprovação da lei, um mínimo de 50 mil ddadãos exigir um referendo sobr ela, uma maioria de votantes suíços pode rejeitá-la.

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,dl quanto as cinco nações soberanas discutidas até agora. Isso é especialmente ^verdadeiro para o Conselho Europeu, que se compõe dos chefes de governo jt dos 15 países membros, e que se reúne pelo menos duas vezes por ano. Ele j* pode exercer uma grande influência política, e a maioria dos principais pas- £ sos para o desenvolvimento da Comunidade Européia — e, desde 1993, da !>União Européia — teve a iniciativa do Conselho Europeu. Das outras insti- K: tuições, a Comissão Européia atua como o executivo da UE, e pode compa­

rar-se a um gabinete. O Parlamento Europeu é a câmara baixa do Legislativo, ^ e o Conselho da União Européia pode ser considerado a câmara alta. As res- & ponsabilidadcs da Corte Européia de Justiça e do Banco Central Europeu

são evidentes por seus próprios nomes.& 1. Partilha do Poder Executivo por meio de gabinetes de ampla coalizão.gg A Comissão Européia se compõe de vinte membros, cada um deles com uma I? responsabilidade ministerial específica, nomeado pelos governos dos países K.membros. Cada um dos cinco maiores países — Alemanha, Reino Unido,

França, Itália e Espanha— indica dois membros da Comissão, e cada um dos membros restantes indica um. Uma vez que todas as 15 nações perten-

I centes à UE estão representadas na Comissão, ela constitui uma coalizão amplaI e permanente entre as nações. Na prática, a Comissão é também uma coali- & ião que reúne a esquerda, o centro e a direita, no espectro político da Euro-

pá, Um exemplo notório é que, em meados da década de 1990, os dois ^ membros britânicos da Comissão eram o conservador Leon Brittan e o ex- | líder do Partido Trabalhista Neil Kinnock— políticos que dificilmente atua- L riam juntos num gabinete britânico.

2. Equilíbrio de poder entre o Executivo e o Legislativo. Após cada uma í. das cinco eleições anuais parlamentares, a nova Comissão Européia precisaí- ser aprovada pelo voto no Parlamento Europeu. O Parlamento também dis-/t' ^

põe do poder de rejeitar a Comissão, porém só por uma maioria de dois ter­ços. O Parlamento tem fortes poderes orçamentários, mas embora seus outros

fy poderes legislativos tenham sido ampliados pelo Tratado de Amsterdã, em 1997, ainda permanecem relativamente fracos. Em comparação com a Co­missão, o papel do Parlamento parece secundário. Essa avaliação da relação

. entre Executivo e Legislativo se modifica, entretanto, quando acrescentamos | | ao quadro geral o Conselho da União Européia — composto de ministros

dos governos dos 15 países membros. George Tsebelis e Jeannette Money

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,(1997:180) chamam o Conselho de “o equivalente europeu de fuma] câma­ra alta". O Conselho também é, nitidamente, a mais forte entre as três insti­tuições. Em termos gerais, portanto, a Comissão é muito mais o parceiro, < em igualdade de condições, do modelo consensual do que o gabinete domi- • nante do modelo Westminster.

3. Sistema multipartidário. Em 1996, o Parlamento Europeu, de 626 : membros, se compunha de oito partidos oficialmente reconhecidos (os quais : dispunham de um mínimo de 18 membros exigido para o reconhecimento).O maior deles era o Partido dos Socialistas Europeus, cora cerca de 34 por cento das cadeiras no Parlamento — muito menos que uma maioria parla­mentar. O segundo em tamanho era o Partido Popular Europeu (composto principalmente de democratas-cristãos), com aproximadamente 29 por cen- I to das cadeiras. Nenhum dos outros partidos dispunha de mais de 10 por ç cento das vagas. A fragmentação política ainda é maior do que aparece nesse padrão multipartidário, uma vez que os partidos no Parlamento Europeu são consideravelmente menos coesos e disciplinados do que nos parlamentos nacionais. A composição partidária da “câmara alta” — o Conselho da União Européia — muda toda vez que os gabinetes dos países membros são substi­tuídos. Ela também depende do assunto em discussão, que irá determinar qual ministro em particular participará daquela determinada sessão. Por exem­plo, se na agenda do Conselho constarem medidas de natureza agrícola, muito provavelmente os ministros da Agricultura irão participar. Na prática, entre­tanto, o Conselho também constitui um organismo multipartidário.

4. Representação proporcional. O Parlamento Europeu tem sido eleito : diretamente desde 1979. Deve ser eleito em cada país de acordo com um sistema eleitoral uniforme, mas os países membros ainda não foram capazes de entrar em acordo sobre esse sistema. No entanto, o método que prevale­ce é uma espécie de variante da representação proporcional (RP), usada por todos os países membros e também pela Irlanda do Norte. A única exceção foi a eleição por maioria simples dos representantes britânicos do Reino Unido, mas, em 1997, o novo gabinete trabalhista decidiu que as eleições do Parlamento Europeu no Reino Unido, em 1999, seriam inteiramente por RP. Mesmo assim, no entanto, ainda permanece um nível significativo de despro- porcionalidade, como resultado da super-representação dos pequenos países e da sub-representação dos grandes, no Parlamento Europeu. Nos extremos,

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; ; a Alemanha conta com 99 representantes no Parlamento Europeu, enquan- |j to Luxemburgo tem seis, muito embora a população alemã seja cerca de IjL duzentas vezes maior que a de Luxemburgo. Quanto a isso, o Parlamento ' : Europeu combina, numa única câmara legislativa, os princípios da rcpresen- p" tação proporcional e os da representação nacional igualitária, o que na Suí- fe'';'ça, por exemplo, acontece em duas câmaras separadas da legislatura.Ip- 5. Corporativismo dos grupos de interesse. A UE ainda não dispõe de um ^ corporativismo totalmente desenvolvido, em grande partê porque as deci- fesõcs econômicas mais importantes são ainda tomadas em nível nacional, ou fpfajcitas a vetos nacionais. A medida que a UE se tornar mais integrada, o fv. grau de corporativismo fatalmente irá aumentar. No título do iivro de Michael

J, Gorges (1996) — Euro-Corporatism? —, o ponto de interrogação é deli­berado e Gorges, na maioria das vezes, dá uma resposta negativa à questão.

ÜMas ele também vê significativos elementos corporativistas em determina- dos setores, bem como uma nítida tendência para um maior corporativismo,

í; jUm fator importante é que a Comissão Européia há muito tem favorecido Ef; ttm estilo corporativista de negociar com os grupos de interesse. Por exem- g- pio, apoiou uma série de conferências tripartites durante a década de 1970 p; embora essas conferências não tivessem levado à institucionalização deI acordos tripartites, “a Comissão jamais abandonou seu objetivo de promo- ! ’ ver o diálogo entre os parceiros sociais e melhorar a sua participação no

processo decisório da Comunidade” (Gorges, 1996:139). Outro indício da inclinação da UE para o corporativismo é o fato de ser o Comitê Econômico e Social de consultoria — uma de suas instituições formais — composto por membros de grupos de interesse indicados pelos governos membros.

6. Governo federal e descentralizado. Comparada com outras organiza­ções internacionais, a supranacional União Européia (UE) é extremamente unificada e centralizada; porém, se comparada com Estados nacionais — mesmo com uma nação tão descentralizada como a Suíça —, a UE obvia­mente ainda é mais “confederativa” do que federativa, como também extre­mamente descentralizada.

7. Forte bicameralismo. Os dois critérios para o bicameralismo fone são que as duas casas da legislatura sejam equivalentes em força e diferentes em composição. A legislatura da UE ajusta-se sem dificuldade ao segundo crité-

í rio: o Conselho tem igual representação dos países membros e se compõe de

?-

*

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representantes dos governos nacionais, enquanto o Parlamento é eleito por.

do com o tamanho da população. Costumam ser uma vantagem para a câ-;jg| mara baixa, nas legislaturas nacionais, os desvios do poder equivalente. N&K UE passa-se o oposto: a câmara alta (Conselho) é consideravelmente maiiffi poderosa que a baixa (Parlamento) — não totalmente em conformidade com® o iv.odclo consensual, porém menos ainda que com o majoritário.1 B

8. Rigidez constitucional A “Constituição” da UE compõe-se do funda-« mental Tratado da Comunidade Econômica Européia, assinado em Roma, em 1957, e de uma série de outros tratados, tanto anteriores quanto subse-fl quentes. Uma vez que constituem tratados internacionais, só podem serS modificados com o consentimento de todos os signatários. São, por isso,® extremamente rígidos. Além disso, as decisões mais importantes no Conse-Sg lho exigem unanimidade. Em assuntos de menor importância, tomou-se maúfl comum, desde a década de 1980, tomar as decisões pelo “voto da maiorirM qualificada”, ou seja, por maiorias de aproximadamente dois terços e pelo® sistema de votação ponderada (semelhante ao da distribuição ponderada de k cadeiras no Parlamento Europeu).

9. Revisão judicial. Uma instituição chave da UE é a Corte Européia cc | Justiça. A Cone tem poderes para realizar a revisão judicial e para declarar* inconstitucionais tanto as leis da UE quanto as nacionais, caso violem os di-j versos tratados da UE. Alem disso, a abordagem da Corte a suas tarefas judi-1 ciárias tem sido criativa e ativista. Martin Shapiro e Alec Stone (1994: 408)1 informam que “sem dúvida, os dois tribunais constitucionais politicamente! mais influentes na Europa são os da Alemanha e da Comunidade (UE). (...)1 Há poucos exemplos tão facilmente observáveis e importantes como o caso da CEJ, a Corte Européia de Justiça, que não só se estabelece como institui­ção política, como também formou todo o conjunto de instituições do qual é parte integrante".

10. Independência do banco central. O Banco Central Europeu, que co­meçou a operar em 1998, foi planejado para ser um banco central extrema-

>Outro órimo exemplo de pelo menos uma ligeira assimetria favorecendo a cimara alta t o] Congresso dos Estados Unidos, no qual o Senado tem poderes espedais sobre tratados e ao-] meações.

Voto direto pelos eleitores, e as delegações nacionais são calculadas de acoH

mente independente. De fato, a revista The Economist, na edição de 8 deí

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v MODUOS Oí DEMOCHACM't j,- .

^novembro de 1997, apontou: “sua constituição o torna o banco central mais í>independentc do mundo”. Entretanto, sua independência ficou parcialmen- g tt comprometida quando o seu primeiro presidente foi indicado, era 1998.

ifini de tornar mais ampla a autoridade presidencial, o mandato c formal- te de oito anos, porém o primeiro presidente teve de renunciar muito

jaxrtes do termino do seu mandato, talvez passados quatro anos, como parte líde um acordo político entre a França, que insistira no seu próprio candida-

e os demais membros da UE.No começo deste capftulo, destaquei que o modelo majoritário era in-

t-compatfvel com as necessidades das sociedades plurais, profundamente divi- «g5didas. A UE é claramente uma sociedade plural desse tipo. “Diferenças pnadonais profundas e duradouras, a língua sendo apenas uma delas, não de- f4>saparecerarn e nem desaparecerão na Europa” (Kirchner, 1994: 263). Por £j'isso não surpreende que as instituições da UE se adaptem tão bem ao mode- gío consensual, em vez de ao modelo majoritário. Muitos observadores pre- £vêetn que a UE afinal se tornará um Estado federativo, cm resultado, ^Sobretudo, da adoção de uma moeda comum. Por exemplo, Martin Feldstein *<1997: 60) afirma que “o efeito fundamental, a longo prazo, de se adotar £uma moeda única [será] a criação de uma união política, um Estado federal ■europeu, com responsabilidade por uma política externa e de segurança de

S^âmbito europeu, como também pelo que agora são as políticas domésticas, | econômicas e sociais.” Se a UE vier a tomar-se um Estado europeu soberano — fe e quando isso acontecer —, é provável que suas instituições mudem. O Par-

pífamento Europeu, por exemplo, provavelmente se tornará uma câmara 'legislativa mais poderosa, mas não é provável que se desvie muito do mode­

la 'lo consensual, e é quase certo que tome a forma de um “Estados Unidos da jpfsEuropa" federativa.